foto: Berg Silva / Ag. O Globo
Falta de luz no
centro de Nova
Iguaçu - RJ
O fantasma da escassez de energia ainda ronda
o país e impõe uma discussão sobre o modelo energético brasileiro. Hoje, se
questiona o predomínio das hidrelétricas e se defende maior espaço para a geração
térmica e as fontes alternativas - energia solar, eólica e da biomassa
Procópio Mineiro
O Brasil sofreu o impacto de um apagão
prolongado, em 2001, e desde então
tomou conta dos debates uma preocupação com a matriz energética do
país, o conjunto de fontes capazes de
fornecer eletricidade de modo seguro. Em suma, passou-se a questionar a
quase exclusividade da geração hidrelétrica e a defender-se a necessidade
de incorporar maior percentual de geração térmica, a partir de combustível
fóssil ou nuclear. O objetivo proposto
é o de dar maior segurança ao sistema
elétrico contra eventuais quedas de
produção em algum dos ramos produtores. As fontes alternativas também
ocuparão espaço maior na nova matriz, e programas como o Proinfa, da
Eletrobrás, têm como meta atender a
10% do consumo nacional já em fins
de 2006 a partir da energia solar, eólica
e da biomassa.
O desenho da nossa matriz energética
ficou estabelecido no Decreto 5.163
de 30 de julho passado, que regulamentou o novo modelo do setor eléAno 13 • n.2 • maio/ago de 2004
trico. Mas o debate continua, devido
a vários fatores, como a disponibilidade de meios, os preços de tarifas e
os impactos ambientais.
O apagão de três anos atrás caiu do
céu para justificar a necessidade de
ampliação da geração térmica no Brasil, considerada como menos adequada, por impor tarifas elevadas e poluir
o ambiente, sobretudo quando utiliza
carvão mineral ou óleo diesel.
Aguarda-se, de qualquer modo, que
a termeletricidade ganhe maior espaço na matriz energética em razão de
compromissos e contratos já assumidos (o setor térmico está propondo
responder por 25% a 30% do fornecimento, o que levaria à redução da
produção hídrica), embora a situação
das hidrelétricas já se tenha normalizado e o horizonte de segurança da
geração chegue a 2008. A expansão
das linhas de transmissão ajuda a desenhar um quadro de desafogo, pois
em breve será possível transportar
24
energia de qualquer parte do país para
uma determinada região assolada por
crise. Falhas na interligação do sistema nacional conduziram ao apagão de
2001, pois não se pôde levar ao Sudeste e Nordeste a energia que sobrava no Norte e no Sul.
Diferentemente dos Estados Unidos
e da Europa, às voltas com limitações
na hidreletricidade, o Brasil ainda
pode duplicar sua geração dessa modalidade, considerada a mais segura
ambientalmente, e expandir as demais fontes limpas, como as ditas
energias alternativas e naturais, oriundas da luz solar e dos ventos.
Técnicos, contudo, alertam que o país
ainda se encontra na enfermaria, em
relação à segurança do fornecimento. Apontam a necessidade de maiores investimentos em usinas e calculam que a retomada da economia acima de 5% ao ano fatalmente determinará o racionamento, devido ao
maior consumo industrial.
Senac e Educação Ambiental
Fonte
Potencial
Eólica
143.000 MW
Solar
100 MW
nstrução
Já autorizado Em co
6.084 MW
PCH*
9.794 MW
3.085 MW
Biomassa
5.152 MW
298 MW
Cana
3.852 MW
Arroz,
Celulose
1.300 MW
O mundo também teme um apocalipse energético a médio prazo, ante
a marcha inexorável para o esgotamento das reservas petrolíferas, das
quais depende a produção material e
o conforto de boa parte da população
do planeta, especialmente nos países
desenvolvidos.
A perspectiva de crise e a importância determinante do petróleo no modelo de vida contemporâneo resultam em soma explosiva, sob diversos aspectos. O primeiro deles é o
agravamento das relações dos grandes consumidores com os grandes
produtores/exportadores, em especial os países árabes. Os primeiros
são países ricos e militarmente dominantes, enquanto os segundos são
fracos e têm consciência de que vender caro seu produto é a única maneira de aproveitar a oportunidade
para chegar ao desenvolvimento. A
perspectiva de crise econômica criou,
assim, um ambiente diplomaticamente deteriorado.
Esse confronto, uma tensão surda ao
longo do século XX, está explodindo
em conflitos diretos nesta virada de
milênio, com destaque para as duas
guerras do Iraque e a do Afeganistão,
países estratégicos para a garantia do
fluxo petrolífero ao Ocidente.
Senac e Educação Ambiental
Em estudo
487 MW
54 MW
2.431 MW
Hidrelétricas.
*Pequenas Centrais
A questão envolve não apenas economia, mas também efeitos ambientais decorrentes dos combustíveis queimados nesse tipo de usina,
com liberação de gases que influem
no aquecimento atmosférico, o efeito estufa.
Outras alternativas energéticas existem e tendem a ocupar lugar cada
vez mais amplo, à medida que se
aperfeiçoem tecnologias e se reduzam os custos de produção, como é
caso da energia solar, eólica e da
Petróleo é a base do
modelo energético
dos países ricos. Até
quando?
Energias
alternativas
Durante o seminário “Crises
e Soluções na Indústria Elétrica Mundial”, no Rio de Janeiro, em junho passado, o
diretor de Águas e Energia
do Banco Mundial, Jamal
Saghir, advertiu que o
mundo em desenvolvimento enfrentará sérias
crises de apagão, caso
não sejam investidos
US$ 120 bilhões, nos
próximos anos, em usinas de geração.
O alerta traz embutida
uma pressão para que
os países em desenvolvimento se sensibilizem e abram seus
mercados às termelétricas de grupos internacionais, única forma de se dispor de
energia nova em pouco tempo, uma vez
que uma térmica leva
metade do tempo de
construção de uma hidrelétrica para entrar
em funcionamento.
25
Ano 13 • n.2 • maio/ago de 2004
foto: Rogério Reis/ Tyba
re no vá ve is
Pot en ci al de fo nt es
Energia
que
incomoda
O modelo brasileiro privilegiou o potencial hídrico do país, e essa característica propiciou a construção de
um dos maiores sistemas mundiais
e a eletrificação generalizada, além
de amparar a industrialização.
foto: Roberto Stuckert Filho / Ag. O Globo
Mas, grandes hidrelétricas, grandes
lagos. Assim, contam-se hoje cerca
de 300 mil pessoas deslocadas de
suas terras para que ali surgisse uma
usina. E essas pessoas se sentem
esquecidas pelo governo, pois não
conseguiram reconstruir sua vida da
forma que tinham antes.
Assim, surgiu o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB),
cujas reivindicações junto às grandes represas atuaram como instrumento de pressão sobre os
planejadores, levando a maiores
cuidados com o meio ambiente e
ao exame de outras alternativas para
geração de energia. Entre elas, as
chamadas pequenas centrais hidrelétricas, cujos lagos não ocupam
mais de 3 quilômetros quadrados,
com impacto mínimo nos arredores,
ao contrário de reservatórios gigantescos, como o projetado para a usina de Belo Monte, sobre o Xingu,
no Pará, com mais de 400 quilômetros quadrados.
Na recente Marcha Nacional dos Atingidos por Barragens a Brasília, em
junho deste ano, um dos organizadores, Gilberto Cervinski, da direção nacional do movimento, ex-
pôs, entre as reivindicações, mudanças no modelo energético, de modo
a se evitar a construção de grandes
barragens, além de uma política efetiva de atendimento às populações
deslocadas por esses empreendimentos.
Os atingidos pelas
barragens
O Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) recebeu o novo
modelo do setor de energia com um
misto de esperança e decepção. A
direção nacional do movimento
destaca pontos positivos, como a retomada do planejamento do setor
pelo Estado, a criação de uma empresa de pesquisa para a área e a
retirada do poder de concessão da
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Entretanto, a proposta
não toca em questões centrais e
acaba sendo uma tentativa de
reciclar o modelo implantado pelo
governo anterior”, afirmam.
Apesar de apoiar o governo, o MAB
não poupa críticas às omissões do
novo modelo, como o fato de que a
proposta não discute para quem vai
a energia gerada no país e nem
como ela é consumida; não rompe
com os contratos firmados durante
o governo passado; não cobra a dívida de empresas como a AES, não
questiona a dívida externa e 30%
da qual é de responsabilidade do
setor elétrico; não acaba com a
privatização da água e não muda a
matriz energética baseada na construção de grandes barragens.
“Percebe-se um movimento de
transferência das indústrias que consomem muita energia para os países
periféricos, onde o governo subsidia
a energia dessas empresas – que
produzem matéria-prima que é exportada para os países ricos. É justamente isso que acontece com a energia da barragem de Tucuruí, no Pará.
Metade dos 12 mil megawatts gerados pela usina são consumidos por
apenas quatro indústrias de alumínio:
Lunorte, Lumar, Alcoa e Albrás – uma
canadense, duas norte-americanas e
uma japonesa. Essas quatro empresas pagam 15 dólares o megawatt,
enquanto o custo normal para a
Eletronorte é de 24 dólares o
megawatt”, afirma o MAB.
E conclui: "O mais irônico é que, ao
redor da represa que abastece
Tucuruí, moram cerca de 12 mil famílias que não são atendidas por nenhum sistema elétrico. Os poucos
moradores da região com acesso à
luz elétrica pagam cerca de R$
400,00, o equivalente a US$130,00,
por megawatt”.
Dados do MAB indicam que 17 milhões de brasileiros não têm acesso
à luz elétrica. O Ministério de Minas e
Energia considera que são 12 milhões, e é com base nesse número
que foi lançado, no início de novembro, o programa “Luz para todos”, que
pretende universalizar o abastecimento de energia no país até 2008.
O Movimento dos Atingidos por Barragens considera o programa uma
vitória dos movimentos sociais, uma
vez que prioriza as populações atingidas por barragens e os assentamentos da reforma agrária.
Usina de Tucuruí:
alvo de críticas do
Movimento dos
Atingidos por
Barragens (MAB)
Ano 13 • n.2 • maio/ago de 2004
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Senac e Educação Ambiental
biomassa, cuja expansão o governo
brasileiro está estimulando.
A Declaração de Bonn afirma que “as
energias renováveis, combinadas
com o incremento da eficiência
energética, podem contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável, permitindo o acesso à
energia, especialmente para a popu-
foto: J.R. Couto / Tyba
A preocupação com o futuro levou à
realização da I Conferência Internacional de Energias Alternativas, sob os
auspícios das Nações Unidas, em junho último, na cidade de Bonn, Alemanha. O que há pouco se considerava tema de pesquisas acadêmicas e
experimentos de aplicação longínqua
tornou-se assunto de urgência planetária. Representantes de 154 países
compareceram e assinaram uma Declaração bem explícita sobre a questão, na qual ressaltam o objetivo de
suprir as necessidades de energia de
quase 20% da humanidade com fontes renováveis até 2015.
Termelétrica em Seropédica - RJ: energia em pouco tempo,
mas com tarifas altas e poluição do meio ambiente
lação carente, e para reduzir a emissão de gases causadores do efeito
estufa, reduzindo os danos causados
pela poluição do ar, criando assim
novas oportunidades econômicas e
aumentando a confiabilidade do fornecimento de energia por meio da cooperação e colaboração.”
foto: Mauricio Simonetti / Tyba
Diz ainda a Declaração que os governos presentes “reafirmam o compromisso de aumentar, substancialmente, em caráter de urgência, a
parcela global de energias renováveis no suprimento total de energia. É de senso
comum a visão de que as
energias renováveis,
juntamente com o aumento da eficiência
energética, tornarse-ão uma importante e ampla
fonte de energia disponível
(...). Faz-se necessário expandir o acesso e o suprimento
de
energia em
países em
desenvolvimento. Estima-se que
mais de 1 biUsina eólica em
Gouvea- MG:
uma opção que
tende a se
expandir
Senac e Educação Ambiental
27
lhão de pessoas podem ter acesso
à energia proveniente de fontes
renováveis, contanto que o desenvolvimento do mercado e as necessidades de financiamento sejam
cumpridas.”
A propósito dessa importante e
reveladora conferência, coube à ministra de Minas e Energia do Brasil,
Dilma Rousseff, defender a posição
de que a energia hidrelétrica é uma
energia renovável e, portanto, capacitada a receber os incentivos financeiros que a Conferência codificou e que os países ricos, já sem
capacidade de expandir sua rede de
geração fluvial, queriam reservar
apenas a fontes solar, eólica e de
biomassa.
Essa definição, afinal reconhecida,
tem amplas implicações, sob os aspectos de financiamentos, custos
de produção e de consumo, e de
repercussão ambiental.
Segundo Dilma Rousseff, “a hidreletricidade responde por 91,7% da
energia gerada no mundo. E será por
muitos anos a principal fonte
renovável com viabilidade econômica e eficiência energética para
substituir parte da energia derivada
de fontes fósseis. O mundo aproveita apenas 33% dos potenciais
hidrelétricos e gera 2.140 TW/hora/
ano de energia, suficientes para
poupar cerca de 4,4 milhões de barris equivalentes de petróleo/dia.
Mas os aproveitamentos são desiguais. Enquanto nos países industrializados restam poucos potenciAno 13 • n.2 • maio/ago de 2004
foto: Ricardo Funari / BrazilPhotos
O programa "Luz para
Todos" pretende atender,
até 2008, os 12 milhões de
brasileiros que não têm
acesso à energia elétrica
ais para geração, a África explora
apenas 7% de seu potencial; a
Ásia, 22%; a América Latina, 33%;
e o Brasil, 24%. O Brasil e os países
em desenvolvimento estariam
comprometendo suas economias
se aceitassem a exclusão das grandes hidrelétricas, porque abririam
mão de uma fonte geradora com
baixos custos de instalação, operação e manutenção. Além disso, as
novas fontes são intermitentes, ou
seja, não geram energia na mesma
capacidade o ano inteiro.”
Dessa forma, ficou reafirmada a prioridade brasileira à energia gerada
pelos rios. O Brasil, no entanto, já
desenvolve, através da Eletrobrás,
o Programa de Incentivo às Fontes
Alternativas de Energia Elétrica
(Proinfa), cujo objetivo é incluir no
circuito comercial 3.300 MW de eletricidade gerada por pequenas hidrelétricas e por fontes solar, eólica
e da biomassa, até final de 2006, e
expandir essa participação para até
10% do consumo nacional.
Matriz energética atual
Estrutura da Oferta de Eletricidade no Brasil
Fonte
Fornecimento
Mercado
Hidrelétrica
65.128 MW
70%
Termelétricas
Gás Natural
Petróleo
Carvão Mineral
13.474
6.361
5.652
1.461
MW
MW
MW
MW
15%
2.007 MW
2%
22 MW
0%
2.027 MW
2,17%
15 MW
0%
Biomassa
(57% de restos de cana)
2.410 MW
2,59%
Importação (hídrica)
8.000 MW
9%
93.083 MW
100%
Nuclear
Eólica
PCH (até 30 MW)*
Solar
Total:
Isso significará, em termos ambientais, a redução de emissão de
dióxido de carbono em 2,5 milhões
de toneladas anuais.
Ano 13 • n.2 • maio/ago de 2004
Fonte: Ministério de Minas e Energia – julho – 2003
* Pequenas Centrais Hidrelétricas.
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Senac e Educação Ambiental
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