Flávia Marques Rosário
COMPORTAMENTO DESVIANTE E PADRÕES ESTÉTICOS: um estudo
exploratório com mulheres que não pintam o cabelo
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Administração, Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Administração
Orientadora:
Letícia Moreira Casotti, D.Sc.
Rio de Janeiro
Março de 2006
i
A minha família e grande amigos
iii
AGRADECIMENTOS
À professora Letícia pela confiança e valiosa orientação.
À ajuda e aos conselhos inestimáveis de Maribel Suarez e Roberta Campos
Aos professores do Coppead, mestres que, para além da competência e
conhecimento, transmitem valores humanos essenciais.
Aos funcionários do Coppead, pela presteza e bom-humor, diários, um
obrigado especial a Cida, Simone, Lucianita, André, Verinha e Sidney.
À toda a Turma 2004, que fez o meu dia-a-dia no COPPEAD ainda melhor. Em
especial, agradeço aos grandes amigos que fiz aqui dentro, pessoas
admiráveis e inesquecíveis: Fernando Saliba, Juliana Yonamine, Luciana
Toldo, Gabriela Goulard, Cláudia Woods, Carolina Nobili, Dinia Monge, Isabella
Amui, Carlos Roberto Reis, Eduardo Rodrigues, Gustavo Klein, Felipe Rizzo,
Jean Caris.
Às amigas de anos, Rachel Ribeiro e Danielle Muniz
À Janete, José, Gabriel, Lady, Lourdes, Américo, Nathália, Lethícia, Nádia,
Fática e Ademário - minha estimada família, sempre me proporcionando os
melhores momentos que alguém pode viver:
iv
RESUMO
ROSÁRIO, Flávia Marques. Comportamento desviante e padrões estéticos:
um estudo exploratório com mulheres que não pintam o cabelo. Orientadora:
Letícia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2004. Dissertação.
(Mestrado em Administração).
Este estudo de natureza exploratória busca entender como pensam mulheres
entre 25 e 55 anos que, na contramão de um padrão estético cada vez mais
freqüente entre as mulheres brasileiras, optam por manterem seus cabelos
brancos. O interesse foi identificar como elas percebem e reagem à pressão
social; que imagens constroem sobre si e sua aparência; qual o impacto de sua
história pessoal e que valores motivam essa escolha. A pesquisa qualitativa
parece mostrar que o senso estético não desaparece quando se adota uma
estética possivelmente desviante. Muito menos a busca por uma aparência
física bela e em equilíbrio. Além disso, a simbologia dos fios brancos para as
mulheres entrevistadas neste estudo está para além da passagem cronológica
do tempo. Valores como “autenticidade”, “reconhecimento social” e “liberdade”
ajudam a explicar a decisão e a colocar essas mulheres e seus cabelos
grisalhos numa esfera mais ampla que a do senso comum.
v
ABSTRACT
ROSÁRIO, Flávia Marques. Comportamento desviante e padrões estéticos:
um estudo exploratório com mulheres que não pintam o cabelo. Orientadora:
Letícia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2004. Dissertação.
(Mestrado em Administração).
This exploratory study aims to understand how women between 25 and 55
years-old that keep their white hair think. They are in the opposite direction of
an aesthetic standard – tying the white hair – that has become more and more
frequent among Brazilian women. The purpose was to identify how these
women perceive and react against social pressure; which images upon
themselves and their appearance they have developed; what are the impacts of
their personal history and which values motivate that choice. The qualitative
research seems to show that neither the aesthetic sense nor the search for a
beautiful physical appearance disappear. Moreover, the symbology of white hair
for the women in this study is beyond the chronological sense of time. Values
such as "authenticity", "social recognition" and "freedom" help to explain the
decision and to place these women and their hairs in a sphere wider than the
one of the common sense.
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Hierarquia de Aprendizagem Padrão................................................09
Figura 2 - Hierarquia Experiencial ou Emocional............................................. 10
Figura 3 - Hierarquia de Baixo Envolvimento................................................... 10
Figura 4 - Hierarquia das Necessidades Humanas de Maslow........................ 12
Figura 5 – Mapa Laddering para a análise da atitude de não pintar o cabelo.. 95
vii
“Entre o que o nosso corpo nos diz e o que
devemos saber a fim de funcionar, há um
vácuo que nós mesmos devemos preencher,
e nós o preenchemos com a informação (ou
desinformação) fornecida pela nossa cultura”
(Clifford Geertz)
viii
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................10
1.1 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ........................................................................................................................ 13
2. REVISÃO DA LITERATURA ...........................................................................................................15
2.1 ATITUDES, MOTIVAÇÕES E VALORES NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR ........................................... 15
2.1.1 Atitudes ............................................................................................................................................. 15
2.1.2 Motivação ......................................................................................................................................... 18
2.1.3 Valores .............................................................................................................................................. 21
2.2 CONCEITO DE BELEZA ............................................................................................................................... 23
2.2.1 A Beleza e o Corpo ........................................................................................................................... 25
2.2.2 A Beleza e as Mulheres ..................................................................................................................... 29
2.3.3 O Mito de Beleza............................................................................................................................... 32
2.3.4 A Beleza e o Cabelo: a etnografia de Bouzón (2004) ....................................................................... 35
2.3 O COMPORTAMENTO DESVIANTE DO CONSUMIDOR.................................................................................... 39
2.4 A BELEZA E O COMPORTAMENTO DESVIANTE DO CONSUMIDOR: O ESTUDO DE HOLBROOK ET AL. (1996)42
3. METODOLOGIA ..............................................................................................................................47
3.1 PARADIGMA E TIPO DE PESQUISA ADOTADOS ............................................................................................. 47
3.2 PERGUNTAS DE PESQUISA .......................................................................................................................... 49
3.3 FASES DA PESQUISA ................................................................................................................................... 50
3.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ........................................................................................................................... 65
4. DISCUSSÃO DE RESULTADOS ....................................................................................................67
4.1A PERCEPÇÃO DE VAIDADE ......................................................................................................................... 67
4.2 CUIDADOS COM OS CABELOS: PRODUTOS E SERVIÇOS ................................................................................ 69
4.3 OS CABELOS GRISALHOS: REAÇÕES E QUESTIONAMENTOS ......................................................................... 73
4.3.1 Reações aos cabelos grisalhos.......................................................................................................... 74
4.3.2 Questionamentos pessoais ................................................................................................................ 82
4.3.4. A percepção sobre a mulher que pinta ............................................................................................ 84
4.3 O COMPORTAMENTO DESVIANTE NAS ENTREVISTADAS ............................................................................. 87
4.3.1 Práticas desviantes em outras experiências e no cotidiano.............................................................. 87
4.3.2 Consumo desviante em relação aos cabelos ..................................................................................... 89
4.3.3 Percepção sobre si mesma: Será que os cabelos brancos a colocam em desvio com os padrões? .. 91
4.4 CONSEQÜÊNCIAS E VALORES DA DECISÃO DE NÃO PINTAR OS CABELOS (RESULTADOS DA APLICAÇÃO DA
METODOLOGIA LADDERING) ........................................................................................................................... 97
4.4.1 Conseqüências .................................................................................................................................. 99
4.4.1.1 Ser natural ..................................................................................................................................... 99
4.4.1.2 Manter a saúde dos fios ............................................................................................................... 103
4.4.1.3 Ser independente.......................................................................................................................... 103
4.4.2 Valores ............................................................................................................................................ 106
4.4.2.1 Autenticidade ............................................................................................................................... 106
4.4.2.2 Busca de Equilíbrio Interior ........................................................................................................ 108
4.4.2.3 Reconhecimento Social ................................................................................................................ 109
4.4.2.4 Liberdade e Aversão ao Risco ..................................................................................................... 111
5. CONCLUSÃO E SUGESTÕES DE ESTUDOS FUTUROS ..........................................................112
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................................117
ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA ..........................................................................................123
ANEXO 2............................................................................................................................................125
9
1. INTRODUÇÃO
Seria verdade que 40% da beleza de uma mulher está em seus cabelos? Esse é
apenas um dizer popular, mas o consumo de produtos para os cabelos entre as
mulheres brasileiras faz com que esse sub-setor seja o maior no mercado de
cosméticos e higiene pessoal. Depois dos condicionadores, são as tinturas de
cabelo a categoria de produtos que mais cresce em termos de número e valor de
vendas no Brasil (EUROMONITOR, 2005), pois 56% das mulheres brasileiras
pintam os cabelos (CLÉBICAR, 2005).
O crescimento das vendas de tinturas de cabelo parece ocorrer devido à
popularização do produto entre mulheres mais jovens, interessadas menos em
esconder os sinais de idade – os cabelos brancos – e mais em ter um visual
fashion (EUROMONITOR, 2005). Profissionais ligados à indústria de tinturas
afirmam que se a mulher começa a tingir seus cabelos, a chance dela continuar é
muito grande. O consumo, que antes era quase restrito a mulheres de 35 anos ou
mais, já atinge hoje mulheres de 14 a 29 anos (ABIHPEC, 2004).
Desta forma, a popularização do uso de coloração de cabelo faz com que se
encontre cada vez mais mulheres com cabelos pintados. E que se torne mais
“estranho”, por exemplo, a existência de mulheres ainda jovens que não pintem os
cabelos brancos. Esse estudo tem como objetivo entender as motivações e os
valores da decisão de algumas dessas mulheres.
Optou-se por entrevistar apenas mulheres já que parece existir a percepção de
que “Os homens nasceram com o dom de ficarem mais atraentes à medida que os
cabelos vão ficando brancos” (MEDEIROS, 2005).
Se no campo profissional, as mulheres se aproximam cada vez mais dos homens,
na forma de lidar com os sinais do envelhecimento uma diferença permanece:
dentro dos padrões estéticos sociais, existe maior aceitação de homens de
cabelos brancos. O que é ilustrado nos depoimentos abaixo:
10
“Entre tantas fatias do mundo masculino que a mulher passou a
saborear, talvez a mais rejeitada seja justamente esta: a convivência
pacífica com a própria imagem, os cabelos brancos, as rugas de
expressão e de idade” (BIONDO, 1999, p.22).
“Todo mundo comenta que meu marido está ficando lindo com os
cabelos grisalhos. Com as mulheres não é assim. Somos obrigadas a
estar às voltas com reflexos, hennas e tinturas” (depoimento de Vera
Fajardo em LEAL e PROTASIO, 2004).
O cabelo branco nas mulheres, em relatos extraídos da mídia, pode ser associado
como algo indesejado, aquilo que revela o envelhecimento e, por isso, precisa ser
escondido. Não é difícil achar, nas ruas, homens jovens com cabelos brancos. Já
mulheres... Ao se considerar que a quantidade de salões de beleza é maior que a
de barbearias e que a maioria dos cosméticos e produtos para o cabelo são para
as mulheres, pode-se supor que são elas o gênero mais preocupado com os
cabelos, com o rejuvenescimento e a beleza. Será essa uma das razões que
fazem com que o impacto dos cabelos brancos seja tão maior entre as mulheres
que entre os homens?
Essa “obrigação” – que poderia ser classificada quase como uma exigência social
sugere dificuldade na decisão de assumir ou não os cabelos grisalhos. Para se ter
os cabelos brancos, é preciso encarar questionamentos e julgamentos com mais
freqüência que elogios. “Mas quando você vai pintar o seu cabelo?” ou “você não
pensa em pintar os cabelos?” são mais ouvidas do que “seu cabelo está lindo
desse jeito”. (BOUZÓN, 2004)
Assim como o vestuário, o cabelo segue tendências – seja de estilos de corte,
tratamentos ou cores. É possível mostrar muito sobre si mesmo através deles.
Existem formas de se expressar visualmente através das cores e dos penteados.
Pode-se comunicar desleixo, vaidade, beleza, seriedade, rebeldia, etc. Tudo
11
depende de como os cabelos são usados. (THE ECONOMIST, 2003; O GLOBO,
2004; GAZETA MERCANTIL, 2004).
Os cabelos já foram vistos, por exemplo, como características dos representantes
de movimentos de contestação social - os punks são conhecidos pelo penteado no
estilo moicano; os rastafaris pelos dreadlocks e os hippies pelos cabelos
compridos. O que é hoje visto como proibido e desvalorizado pode, inclusive, se
tornar desejado e estimulado no futuro (BOUZÓN, 2004).
Por serem uma das partes do corpo mais expostas, os cabelos possuem
visibilidade privilegiada, o que faz com que se destaquem visualmente no conjunto
do corpo e passem a identificar uma pessoa dentro do meio social do qual ela faz
parte. Para algumas pessoas, o cabelo é a fonte primordial de beleza, o que pode
gerar um comportamento exagerado de cuidados e preocupações (BOUZÓN,
2004).
Cabelos mudam ao longo da vida de uma pessoa e as mudanças podem ser
provocadas de forma voluntária ou não. Ainda que se possa intervir nos cabelos,
mudando suas cores, texturas e jeitos de usar, em alguns momentos as mudanças
vêm do interior do corpo humano – é o caso em que hormônios podem influenciar
no aspecto do cabelo e em que o envelhecimento pode provocar a perda de cor
dos fios.
No entanto, existem mulheres que optam por não pintarem o cabelo, mantendo-os
brancos, num movimento contrário ao da maioria. Fazendo isso, elas manipulam
diferentemente seu corpo e os cosméticos à disposição, gerando mensagens
possivelmente diversas. A escolha deliberada constitui-se, portanto, como atitude
oposta ao que parece ser o padrão de cuidado da brasileira com o envelhecimento
refletido no cabelo. Uma espécie de “grupo de resistência” que, ao subverter
regras e padrões talvez esteja buscando se comunicar diferentemente, recriando
padrões de inserção social. É este comportamento, aparentemente desviante, que
é objeto do presente estudo.
12
Este estudo exploratório busca, portanto, contribuir para o entendimento de um
grupo ou uma cultura minoritária (Beck, 2003). Para Beck (2003), as culturas
minoritárias estão em crescimento constante em oposição à visão globalizante de
que “vamos todos virar Big Macs” devido às rotas em que se oferecem os
produtos
homogeneizadores
do
mundo.
Para
o
autor,
ao
lado
da
homogeneização, tem surgido também a multiplicação da diferença justamente a
partir das culturas minoritárias. Como encontrar essas diferenças? Os cabelos
grisalhos são uma atitude contestatória em relação aos padrões estéticos que
predominam ou mais uma busca por diferenciação?
Como essas mulheres sentem, percebem e reagem à pressão social relativa aos
cuidados padrões para com os cabelos grisalhos no Brasil? Que imagens
constroem sobre si e sua aparência? Que valores motivam essa decisão? Qual o
impacto de sua história pessoal nessa escolha? E, por fim, qual a intenção por trás
dessa atitude em termos de comunicação com o meio em que se encontram?
1.1 Organização do estudo
O estudo traz a revisão bibliográfica de temas que colaboraram na definição do
roteiro da entrevista e na análise dos resultados. A revisão de literatura começa
com a exposição das teorias a respeito de atitudes, motivações e valores dos
consumidores. Em seguida, o termo beleza e sua complexidade são
apresentadas, com ênfase na associação entre ele e a idéia de corpo e entre ele
e a mulher. As colaborações de uma etnografia, feita num salão de cabeleireiro,
são escritas ao final do tópico beleza. No terceiro sub-item do capítulo, explora-se
o comportamento desviante do consumidor. Por fim, relacionam-se os conceitos
de beleza às teorias de comportamento desviante através da tipologia de
Holbrook et al (1996).
O terceiro capítulo apresenta a metodologia da pesquisa de campo, empregada
para descobrir as motivações e os valores envolvidos na decisão de não tingir os
13
cabelos brancos. São apresentadas as técnicas adotadas e é descrito o
procedimento de coleta, aspectos do campo, perfil das entrevistadas e análise de
dados.
O quarto capítulo traz os resultados do trabalho de campo, bem como a análise
do discurso das entrevistas em profundidade, organizados nos seguintes
assuntos: os cuidados com os cabelos, as significações e as reações aos cabelos
grisalhos, o comportamento desviante identificado nas entrevistadas e as
conseqüências e valores da atitude de não pintá-los.
As considerações finais refletem sobre os principais achados deste estudo e
sugerem campos para futuros estudos. Elas se encontram no quinto capítulo.
14
2. REVISÃO DA LITERATURA
Este capítulo apresenta a revisão da literatura relacionada aos temas atitude,
motivação e valores no comportamento do consumidor; o conceito de beleza: as
mulheres e os cabelos; e o comportamento desviante no âmbito do consumo.
Num primeiro momento, para que mais à frente possam ser investigadas e
entendidas as conseqüências e valores da atitude de manter os cabelos grisalhos,
é feita uma apresentação em linhas gerais das teorias de motivação, atitudes e
valores dos consumidores.
Em seguida, já que o estudo se propõe a analisar a contracultura estética, o termo
“beleza” aparece, através de teorizações antigas e modernas. São expostas as
discussões sobre o impacto da “beleza” nas mulheres e as práticas e
representações da etnografia de Bouzón com freqüentadoras de salão de beleza.
Os últimos sub-itens do capítulo apresentam a idéia de comportamento desviante
no consumo e expõe a tipologia de Holbrook et al. que discorre sobre como o
comportamento desviante é manifestado na aparência de grupos sociais.
2.1 Atitudes, motivações e valores no comportamento do consumidor
O estudo das atitudes dos consumidores está diretamente relacionado às suas
motivações e valores. Entender motivações e conhecer valores de um indivíduo é
entender por que ele tem uma dada atitude. Para estudar o comportamento de
mulheres que optam por manterem seus cabelos brancos, não utilizando tintura,
parece necessário conhecer mais sobre as teorias de atitude, motivações e
valores presentes nos estudos de comportamento do consumidor.
2.1.1 Atitudes
Sheth et al.. (2001) apresentam a definição de atitude, que caracterizam como
clássica, do psicólogo Gordon Allport: “Atitudes são predisposições aprendidas a
15
responder a um objeto ou a uma classe de objetos de forma consistentemente
favorável ou desfavorável” (SHETH ET AL.., p.367). Os autores continuam,
dizendo que atitudes são avaliações e opiniões sobre pessoas, lugares, objetos,
instituições, em termos de qualidade e desejabilidade.
Solomon (2002) apresenta a Teoria Funcional das Atitudes, de Daniel Katz,
psicólogo, formulada em 1960 para explicar como as atitudes facilitam o
comportamento social. Segundo essa teoria, as atitudes existem porque
desempenham alguma função para o indivíduo e, por isso, são determinadas por
seus motivos. O autor propõe quatro funções de atitudes: utilitária, expressiva de
valor, defensiva do ego e de conhecimento. Uma atitude pode ser caracterizada
por mais de uma função, mas normalmente uma delas predomina.
De acordo com a função utilitária, uma pessoa desenvolve uma atitude em relação
a um objeto baseada na dor ou no prazer que esse objeto pode lhe proporcionar.
Essa função tem a ver com benefícios objetivos que uma pessoa pode perceber
ou extrair desse objeto. Já a função expressiva de valor diz respeito às atitudes
que exprimem as atividades, interesses e opiniões do indivíduo e não os
benefícios objetivos de um produto. A função defensiva do ego caracteriza
atitudes de auto-proteção das pessoas, enquanto a função do conhecimento está
presente em atitudes de indivíduos que buscam informação e estruturação para
dúvidas e ambigüidades.
Solomon (2002) afirma que grande parte dos pesquisadores concorda que a
atitude tem três dimensões: afeto, comportamento e cognição. O livro de Sheth et
al.. utiliza os termos sentimento, ação e conhecimento, respectivamente. A
primeira dimensão é a forma como a pessoa se sente em relação a um objeto da
atitude; a segunda, são as intenções de ação da pessoa a respeito do objeto e; a
terceira, as crenças de um indivíduo sobre esse objeto. As três formam o Modelo
ABC de Atitudes. Sheth et al.. vão além em relação a Solomon e discorrem sobre
a cognição, mencionando que existem três tipo de crença. As descritivas, que
16
caracterizam um objeto pela sua qualidade ou resultado (ex. “Esse creme é muito
perfumado”); as avaliativas, que o caracterizam por apreciações, preferências e
percepções (ex.: “É fácil utilizar essa tintura em casa”) e; as normativas, que
associam o objeto a um juízo de valor ético ou moral (ex.: “As empresas de
cosmético não deveriam fazer testes em animais”).
Tanto Solomon (2002) quanto Sheth et al. (2001) afirmam que as três dimensões
da atitude podem ocorrer em ordens diversas, de acordo com o indivíduo ou o
objeto da atitude.
A figura 1, a seguir, caracteriza a ordem de ocorrência das dimensões na
Hierarquia de Aprendizagem Padrão. Segundo Solomon, o indivíduo que age
seguindo essa ordem está motivado a procurar muita informação, ponderá-las e
tomar uma decisão racionalmente bem acertada. No caso de um consumidor,
primeiro ele busca informações, com esse conhecimento ele forma crenças para
em seguida desenvolver um envolvimento afetivo e, somente depois, comprar. A
atitude é “baseada no processamento de informações cognitivas” (SOLOMON,
2002, p.167).
Crenças
Afeto
Comportamento
Figura 1 - Hierarquia de Aprendizagem Padrão
A
figura 2
ilustra a Hierarquia Experimental ou Hierarquia Emocional, segundo a qual
indivíduos agem de acordo com suas emoções, pensando depois. Assim, as
atitudes de um consumidor cujas atitudes seguem a ordem dessa hierarquia
podem ser direcionadas por atributos intangíveis de um produto e pelas imagens e
mensagens da publicidade. A atitude é “baseada no consumo hedônico”
(SOLOMON, 2002, p.167).
17
Afeto
Comportamento
Crenças
Figura 2 - Hierarquia Experiencial ou Emocional
A figura
3,
abaixo, ilustra, finalmente, a Hierarquia de Baixo Envolvimento, na qual o indivíduo
age com base em um conhecimento limitado sobre o objeto e, somente depois de
obter os resultados de sua ação é que ele avalia e desenvolve um sentimento em
relação ao objeto. O termo “baixo envolvimento” é utilizado porque não importa
muito se ao final do processo o indivíduo se dá conta que tomou a atitude errada.
A importância da decisão é relativamente pequena para o indivíduo e, por isso, ele
não pensa muito antes de agir. A atitude é “baseada nos processos de
aprendizagem de comportamento” (SOLOMON, 2002, p.167).
Crenças
Comportamento
Afeto
Figura 3 - Hierarquia de Baixo Envolvimento
Segundo Solomon, os indivíduos nem sempre mantém o mesmo nível de
comprometimento na atitude em relação a um objeto. O autor cita três níveis. O
nível de menor envolvimento é a condescendência, no qual a pessoa mantém uma
atitude muito superficial. Um nível mais elevado é a identificação – atitudes de
pessoas em conformidade com a postura de outras. O terceiro nível é a
internalização, com atitudes enraizadas que fazem parte dos valores das pessoas
e são as atitudes menos voláteis.
2.1.2 Motivação
Segundo Schiffman e Kanuk (2000), motivação pode ser classificada como uma
força interna ao consumidor que o leva a agir. Ela é um estado de tensão
produzido por uma necessidade não satisfeita. Solomon (2002) caracteriza esse
18
estado de tensão como um abismo entre o estado presente do consumidor e o
estado desejado ou ideal, gerador das necessidades.
Essas necessidades, por sua vez, podem ser inatas ou adquiridas. As
necessidades inatas são aquelas que precisam ser atendidas para que um
indivíduo sobreviva. Já as adquiridas são produzidas pela cultura ou pelo meio
ambiente do qual faz parte o indivíduo (SCHIFFMAN, KANUK, 2000). Solomon
(2002), por outro lado, caracteriza as necessidades como utilitárias – relacionadas
a um desejo por um benefício funcional ou prático – e hedônicas – necessidade
por uma experiência, com vistas a satisfazer uma fantasia emocional.
Schiffman e Kanuk (2000) ressaltam que a motivação pode ter dois
direcionamentos: positivo ou negativo. Quando a força motriz leva o indivíduo na
direção de um objeto ou condição, a motivação é positiva. Quando a força afasta
do indivíduo do objeto ou condição, ela é negativa.
Os mesmos autores destacam que alguns estudiosos diferenciam a motivação
como racional e emocional. Os motivos dos consumidores são racionais quando
eles consideram todas as alternativas e escolhem a de máxima utilidade. Em
marketing, a racionalidade implica, segundo os autores, considerações sobre o
preço, o peso, o tamanho, ou seja, critérios objetivos. Os motivos emocionais, por
outro lado, envolvem a escolha por critérios subjetivos e envolvem emoções como
o medo, o orgulho, a raiva. Os autores destacam que a distinção não é a mesma
para todas as pessoas, visto que os motivos racionais são definidos por cada
pessoa. Assim, a decisão racional de um indivíduo pode ser considerada irracional
por outro que não compartilhe os mesmos valores.
Já que a motivação é um estado de tensão produzido por uma necessidade não
satisfeita, cabe aqui mencionar os estudos sobre necessidades. Segundo
Schiffman e Kanuk (2000), em 1938, Henry Murray, psicólogo, desenvolveu uma
listagem de 28 necessidades psicogênicas, que mais tarde foram utilizadas em
testes de personalidade. Murray acreditava que as necessidades eram comuns a
19
todos os indivíduos, mas que cada um definia de forma própria sua ordem de
prioridade das necessidades.
Já a Hierarquia Universal das Necessidades Humanas, criada pelo psicólogo
Abraham Maslow (MASLOW, 1970). A teoria postula que existem cinco níveis de
necessidades humanas. Para que um indivíduo seja motivado por uma
necessidade, é preciso que seja satisfeita a necessidade do nível anterior. É o
nível mais baixo da necessidade insatisfeita que motiva o comportamento dele.
Maslow propõe que existe uma superposição entre os níveis de necessidades,
dado que nenhuma necessidade é totalmente satisfeita. Mesmo que as
necessidades de nível inferiores continuem a motivar o indivíduo, existirá uma
necessidade, no nível mais elevado que as anteriores, que o motivará mais
fortemente.
Auto-realização
Necessidades do Ego
(prestígio, status, auto-respeito)
Necessidades Sociais
(afeição, amizade, afiliação)
Necessidades de Segurança e Proteção
(proteção, ordem, estabilidade)
Necessidades Fisiológicas
(alimento, água, ar, abrigo, sexo)
Figura 4 - Hierarquia das Necessidades Humanas de Maslow
Mesmo sendo uma teoria criticada, Schiffman e Kanuk (2000) afirmam que os
profissionais de marketing recorrem bastante a ela, que é utilizada como base
para a segmentação de mercado. Os autores classificam alguns bens de consumo
de acordo com algumas necessidades propostas por Maslow. Para eles, “quase
todos os produtos de higiene e limpeza (cosméticos, anti-séptico bucal, creme de
barbear) são comprados para satisfazer necessidades sociais”, por exemplo.
20
Segundo Schiffman e Kanuk (2000), alguns psicólogos defendem a existência de
três necessidades básicas, que apesar de estarem inseridas na Hierarquia de
Maslow, têm uma relevância própria para a motivação dos consumidores: são as
necessidades de poder, de afiliação e de realização. É a chamada Teoria das
Necessidades de McClelland (MCCLELLAND, 1975). Entendê-la permite que as
empresas desenvolvam propagandas direcionadas e que possam conhecer o
perfil de consumo dos indivíduos.
A necessidade de poder tem a ver com o desejo de um indivíduo de controlar
outras pessoas, objetos e o ambiente. O indivíduo, motivado por essa
necessidade, aumenta sua auto-estima quando exerce poder sobre objetos e
pessoas. A de afiliação sugere que alguns consumidores são motivados pelo
desejo de relacionamento, amizade e aceitação do outro – pessoas muito
motivadas por essa necessidade têm forte dependência social dos outros. Já a
necessidade de realização influencia pessoas que precisam da realização para se
sentirem mais confiantes. Segundo Schiffman e Kanuk, essas pessoas não
gostam de correr riscos, pesquisam bastante o ambiente, buscam feedback e
atividades em que possam se auto-avaliar.
2.1.3 Valores
Hoyer e McInnis (2000) definem valores como crenças duradouras de que um
comportamento ou uma reação é desejável ou boa. Os valores servem como
padrões que guiam o comportamento das pessoas durante situações e diferentes
momentos de vida. O sistema de valores de cada pessoa é constituído dos seus
valores e da importância relativa de cada um deles. A forma como as pessoas se
comportam, em dada situação, é frequentemente influenciada por essa
importância relativa. Os valores impulsionam, portanto, grande pare do
comportamento do consumidor.
21
Os valores são aprendidos através do processo de socialização. A socialização,
por sua vez, resulta da exposição das pessoas aos grupos de referência, como
família, amigos, colegas de trabalho, artistas (HOYER; McINNIS, 2000).
Assim, os valores são expressões da cultura de dada população. E, toda cultura
possui um conjunto de valores compartilhados por seus membros de forma que a
importância relativa dos valores caracteriza e diferencia uma cultura da outra. É o
que se chama de endosso de um sistema de valores (SOLOMON, 2002).
Existem metodologias distintas para medir os valores de dada cultura. As mais
utilizadas em pesquisas sobre o comportamento do consumidor são a “Escala de
Valores de Rokeach”, que é aplicada, pedindo-se ao entrevistado a avaliação de
18 valores terminais e 18, instrumentais (HOYER; McINNIS, 2000); a “Lista de
Valores (LOV)”, instrumento que “identifica nove segmentos de consumidores com
base em valores que eles endossam e que relaciona cada valor a diferenças no
comportamento de consumo” (SOLOMON, 2002, p.107); e a Cadeia Meios-fins
(Means-end chain), abordagem que considera que os atributos dos produtos estão
ligados aos valores terminais – para acessá-los, o pesquisador deve construir
junto ao entrevistado a “escada” de ligações entre essas duas partes (SOLOMON,
2002).
Com o objetivo de resumir as inter-relações existentes entre os conceitos
apresentados neste capítulo de necessidade, motivação e atitude, contruiu-se um
modelo conceitual dos termos aqui explicados:
NECESSIDADE
NÃO ATENDIDA
CULTURA
gera
gera
MOTIVAÇÃO
VALORES
=
CRENÇAS
provoca
guiam
ATITUDES
ATITUDES
22
2.2 Conceito de Beleza
O termo “beleza” está relacionado a padrões estéticos, sejam eles em relação à
arte ou a aparência humana. Diversos autores (ECO, 2004; QUEIROZ e OTTA,
2000; BAUDRILLARD, 1995; NOVAES E VILHENA, 2003; WOLF, 1992;
HARGREAVES e KURY, 2000; BOUZÓN, 2004) chamam atenção para o fato de
que a concepção de beleza em uma sociedade está ligada a sua cultura.
Com relação à arte, a beleza pode ser expressa através de pinturas, esculturas,
fotografias, instalações, filmes e obras literárias. A beleza física, por sua vez, é
representada pelo corpo humano, suas partes e o que ele apresenta à sociedade
(ECO, 2004).
Parece ser unânime nas leituras que o conceito de belo é, em princípio, oriundo de
padrões estéticos e construído de forma arquetípica, segundo a conjugação tanto
de avaliações universais quanto de diferenças culturalmente construídas.
Queiroz e Otta (2000) defendem que, apesar de existirem diferenças no conceito
de beleza física entre as várias culturas, alguns padrões são universais. Os
autores citam estudos que comprovam, por exemplo, que quanto mais simétrico
um rosto feminino, mais atraente ele é considerado; traços típicos de bebê (como
bochechas arredondadas e rosadas) quando se manifestam nos adultos denotam
espontaneidade e inocência; homens barbados são mais masculinos aos olhos
das mulheres.
Baudrillard (1995) complementa mencionando um dos padrões de beleza atual:
“corpo belo é corpo magro”. Nunca a magreza e a beleza estiveram tão
diretamente associadas como na atualidade. Aboliu-se, no mundo moderno, a
noção grega de harmonia das formas, para se evidenciar o corpo belo como
magro e se exigir que as pessoas sejam esbeltas. Novaes e Vilhena (2003)
acrescentam que pessoas fora desses padrões estéticos atuais – ou seja, gordos
23
e feios – correm o risco de serem excluídos socialmente e percebidos como
negligentes, preguiçosos e descuidados.
O fato de hoje existirem formas de mudança na aparência justificaria esse
julgamento. A beleza não é mais o simples resultado da genética e da Natureza.
Num corpo humano, em princípio considerado esteticamente feio, podem ser
feitas intervenções e “melhorias”. Aqueles que não as fazem, assim, podem ser
percebidos como desleixados (QUEIROZ E OTTA, 2000). A avaliação sobre a
beleza física evoca não somente adjetivos como belo e feio, mas também outras
formas de caracterização. As sociedades ocidentais modernas associam os
conceitos de beleza corporal à inteligência e ao poder aquisitivo. Espera-se que
uma pessoa mais bonita seja mais inteligente e bem-sucedida. Associações
opostas acontecem para uma pessoa feia (QUEIROZ E OTTA, 2000).
Para Baudrillard (1995), a explicação para o julgamento é de ordem econômica. O
capitalismo leva as pessoas a perceberem seus corpos de maneira dicotômica:
tanto como um “bem de produção”, de onde provém o sustento do indivíduo,
quanto como feitiço, ou objeto de consumo. O corpo não deve ser negado ou
omitido; pelo contrário, as pessoas precisam ser convencidas a nele investir –
econômica e psicologicamente.
Para o autor, a “redescoberta”, no mundo atual – isto é, a queda de tabus e a
decorrente valorização do corpo – atribui-lhe funções morais e ideológicas. A
libertação física e sexual, a onipresença do corpo na publicidade, na moda e na
cultura de massa – no culto pela juventude, nos regimes, cuidados, sacrifícios que
ele conecta indicam que hoje o corpo adquire, sobretudo, um poder de salvação
do indivíduo.
A valorização da beleza física mobiliza, então, mulheres a cuidarem de seus
corpos buscando mantê-los jovens e magros. As mulheres teriam se emancipado
de antigas dominações, como as sexuais e as da procriação, para ingressarem na
servidão da estética (LIPOVESTKY, 2000).
24
Nesta nova concepção de corpo, beleza e erotismo ganharam destaque, cita
Baudrillard (1995), ao serem juntos a nova ética da relação com o corpo. Apesar
de atingirem homens e mulheres, as conotações são distintas: o modelo feminino
prevalece sobre o masculino, sendo um imperativo. O autor observa que, nas
mulheres, ser bela deixou de ser um atributo natural ou que advém das qualidades
morais. Ser bela é fruto de cuidados com o corpo. Seria esse o corpo bem
cuidado, uma recompensa, como as de conotação religiosas?
2.2.1 A Beleza e o Corpo
Baudrillard (1995) lembra que durante séculos se faziam esforços no
convencimento das pessoas de que elas não possuíam seus corpos. Na era
capitalista, o que a propaganda faz é justamente o contrário, tenta convencer as
pessoas dos seus próprios corpos. Mas, a evidência de que se possui o corpo não
seria o corpo em si, que é visto e sentido? Baudrillard diz que não. O corpo é “um
fato de cultura”, isto é, a relação com o corpo é um reflexo do modo como as
pessoas se relacionam socialmente e com as coisas que as rodeiam.
Hargreaves e Kury (2000) também descrevem o corpo humano como sendo
depositário de sua cultura. Cada traço de maquiagem, corte de cabelo, jóias,
arrumações estéticas em geral ou atitudes com cuidados pessoais e com a beleza
refletem um pouco o que as pessoas são e o que querem ser. O corpo é como um
prolongamento do que são. Seriam os ideais de beleza adequados à cultura de
cada país? Geralmente esses ideais valorizam o que é raro, exclusivo, único,
como uma loura de olhos azuis no Brasil ou uma mulher de cabelos cacheados no
Japão.
Para destacar características culturais associadas ao corpo, Novaes e Vilhena
citam Le Breton (1990). Para ele, desde a modernidade, o corpo humano é uma
representação da individualidade, é o que marca a diferença entre um homem e
outro, “fruto do individualismo e do descolamento do indivíduo do todo
comunitário” (NOVAES e VILHENA, 2003, p.12). Por conta disso, ao ator social, é
25
permitido conceber o seu corpo como sua propriedade. É essa idéia de possessão
do corpo, na qual o indivíduo se torna responsável pelo seu corpo, que justificaria
a obrigação de ser belo e legitimaria o julgamento de gordos e feios.
Os resultados do estudo de Askergaard (2002) reforçam a ligação do corpo com a
cultura. O estudo foca na perfeição do corpo, procurando analisar mudanças no
comportamento de consumo associado à estética, através de entrevistas com
mulheres que se submeteram a cirurgias estéticas como lipoaspiração, prótese
mamária e outras.
A grande maioria das entrevistadas apresentou o que a autora chama de discurso
retórico, cujas falas estavam na linha do “a beleza vem de dentro”. Antes de fazer
a cirurgia, no entanto, muitas se questionavam "Por que vou ser eu a única a
aparentar a minha própria idade?", como que justificando sua decisão. Isso
demonstra que apesar de possuírem o discurso retórico, elas associam o conceito
de beleza a atributos físicos, como a idade, por exemplo. Além dessa descoberta,
a autora constatou que a participação do contexto social é tão forte que envolve
até mesmo a necessidade de se possuir um corpo adequado a um padrão de
tamanhos e formas de vestuário (ASKEGAARD, 2002).
Queiroz e Otta (2000) lembram que, como o ideal de beleza é relacionado à
integridade física do corpo, deformidades evidentes contrariam o ideal estético e
podem chegar, até mesmo, a causar a marginalização de seus portadores,
estigmatizando-os.
Askergaard (2002) utiliza o modelo de Guiddens (1991) para mostrar como o
relacionamento entre as pessoas e a formação da individualidade mudou no fim
da era moderna. A opção de escolha, que é a chave do mundo pós-moderno,
permite que as pessoas passem a ter mais controle sobre a sua vida. As relações
passaram a seguir o conceito de "relacionamento puro", que é mantido apenas por
laços entre as pessoas e por nenhum outro motivo econômico, político ou moral. É
26
um conceito individualista, que diz que pessoas se relacionam com um objetivo de
buscar algum benefício pessoal nas pessoas que as cercam.
Em 1987, Nahoum identificou dois fatores históricos fundamentais para a
mudança da imagem cultural do corpo na Era Moderna: o uso maciço de espelhos
nas classes populares e a educação dos nossos sentidos, a partir do qual a visão
assumiu um papel preponderante. Também na modernidade, frisam Novaes e
Vilhena (2003), a apreciação da beleza se dá de forma fragmentada, com a
valorização dos detalhes, dos recortes. E o controle exercido “por meio de um
olhar minucioso sobre a aparência, e com o aval da ciência, contribui para
regulamentar diferenças e determinar padrões estéticos em termos daquilo que é
próprio ou impróprio, adequado ou inadequado, normal ou anormal” (NOVAES e
VILHENA, 2003, p.16).
O corpo pode ser gerenciado como se fosse uma unidade processável e
customizável? Quanto o “eu” deve ser alterado até que ele seja considerado
diferente? O estudo de Askergaard (2002) sugere que esse processo de mudança
do corpo não é inteiramente positivo, mas pode estimular auto-estima e bem-estar.
É o ponto onde se observa o fim da tirania do destino, onde o corpo era visto
como um atributo dado, para a tirania da escolha, onde o indivíduo se vê quase
que obrigado a tomar certas atitudes de acordo com padrões estéticos definidos
socialmente e culturalmente.
Lipovetsky (2000) defende que a busca pela juventude está ligada às mudanças
culturais que ocorreram a partir de 1960. Nessa década, a mídia começou a exibir
modelos adolescentes; os esportes se desenvolveram; as atividades de praia
ganharam muitos adeptos e; a moda seguiu esse movimento – surgiu o short e o
biquíni, as saias ficaram mais curtas e as roupas mais justas; o design
funcionalista, que elimina os exageros da forma. Todas essas mudanças
contribuíram para a valorização do corpo magro, móvel e jovem em detrimento do
sedentarismo feminino observado no período do Renascimento. Essas mudanças,
27
no entanto, não tiveram tanta força quanto a mudança social pela qual passaram
as mulheres. O reconhecimento do trabalho feminino, os métodos de controle
contraceptivo e a valorização de ideais individualistas foram essenciais para que o
papel da mulher deixasse de ser o de reprodutora. A criação dos filhos deixou de
ser a função da existência das mulheres.
De forma que, segundo Askergaard (2002), as relações se tornam mais livres,
mas também mais vulneráveis e mais temporárias. Por isso, as pessoas passaram
a ter uma necessidade de se “fazerem interessantes” o tempo todo, para poderem
estabelecer relacionamentos benéficos para si. Comparando com o início da
modernidade, onde a repressão havia gerado um sentimento de culpa que se
incorporava no comportamento dos indivíduos, hoje um pensamento narcisista
está gerando um sentimento muito mais ligado à identidade própria, capaz de
gerar vergonha nas pessoas que não seguem os padrões estéticos definidos. A
vergonha aumenta conforme aumenta a distância entre a percepção de si e as
aspirações, ou seja, aquilo que se pode vir a ser. Essas sensações, que se
positivas podem gerar orgulho e se negativas podem gerar vergonha, são
provocadas pelas interações sociais.
Segundo Baudrillard (1995) o corpo, a beleza e o erotismo aumentam as vendas e
desenvolvem os mercados na medida em que o corpo das pessoas é emancipado.
Ao redescobrir o próprio corpo, o indivíduo nele reinveste de forma narcisista – o
desejo pela mudança é transformado em procura por objetos e signos
manipuláveis racionalmente pelos consumidores, o que move um processo
rentável para o mercado (NOVAES e VILHENA, 2003, p.18). Dentro da lógica,
denotada também por Barthes (1982) de que embora “tratada como banal, a
modelagem da boa aparência na verdade é investida de grande carga ideológica,
fazendo com que a lógica do consumo permeie todos os investimentos estéticos”.
Nas palavras de Roland Barthes (1982, p. 645): “Meu corpo é para mim mesmo a
imagem que eu creio que o outro tem deste corpo”. Novaes e Vilhena (2003)
28
lembram que os cuidados físicos são uma forma de preparo para o enfrentamento
do julgamento e das expectativas da sociedade – isto é, o investimento em
estética é vinculado à visibilidade social que um indivíduo deseja ter. E a mídia
como um todo opera neste jogo de espelhos entre o modelo ideal (as lindas
modelos nas revistas), o modelo percebido (auto-imagem e auto-estima dos
leitores) e como as pessoas gostariam de ser percebidos pelo outro (na lacuna
entre o que são e o que almejam ser). Mas, como se comportam as mulheres
diante dessas possibilidades de modelos de beleza?
2.2.2 A Beleza e as Mulheres
Lipovetsky (2000) explica que nem sempre, na história da humanidade, as
mulheres foram as representantes da beleza. Há indicativos de que, nas
sociedades pré-históricas e selvagens, a fecundidade feminina era o atributo mais
valorizado. Nestas sociedades, o poder e o prestígio social estavam reservados
apenas aos homens – a idolatria das mulheres, que poderia advir da valorização
da beleza, era incompatível com a organização social existente.
Segundo Lipovetsky (2000), para que a beleza das mulheres passasse a ser
valorizada foi preciso que se criasse a divisão do trabalho e da sociedade em
classes, formando-se uma camada social privilegiada de mulheres que não
trabalhavam. Foram elas que inauguraram a associação entre a mulher e a
beleza. Essas mulheres aristocráticas possuíam tempo e recursos para se
tornarem mais bonitas. A beleza passava também a se associar a virtudes
aristocráticas.
Ao remontar à cultura grega, Lipovetsky (2000) afirma que já na antiguidade
clássica mulheres de dedicavam ao ato de se embelezar e escritores e autores
prestavam homenagem à beleza feminina. Naquele momento, no entanto, ainda
que louvada, a beleza feminina era ofuscada pelas formas perfeitas das
representações artísticas dos jovens gregos. Entre os gregos – como em outras
civilizações – a beleza feminina parecia ocultar a dita astúcia e mentira das
29
mulheres. Considerava-se que as mulheres enganavam, utilizando sua beleza e
sedução. Esse pensamento que associa a beleza a aspectos negativos persistiria,
segundo Lipovetsky (2000), na cultura judaico-cristã e na Idade Média.
A idolatria do sexo feminino se inicia na Renascença nos séculos XV e XVI
conjugando as duas lógicas do arcabouço cultural do culto à beleza feminina: o
reconhecimento da superioridade estética da mulher e a “glorificação hiperbólica
de seus atributos físicos e espirituais” (LIPOVETSKY, 2000, p.113). Neste
momento, as mulheres começam a ser associadas a “anjos superiores”,
representantes da beleza divina, graças a uma reinterpretação religiosa que nega
a distinção entre sagrado e profano no que diz respeito à beleza das mulheres.
Antes, apenas a beleza feminina, sagrada e pura da Virgem era retratada. As
Vênus de Botticelli e de Ticiano permitem observar como se dá a dissociação da
beleza feminina com o pecado, fazendo-a se aproximar da beleza divina da
Virgem Maria. Sobre o Nascimento de Vênus, de Botticelli, vale reproduzir
Lipovetsky: “Francastel observa que esse quadro nos faz assistir ao nascimento
de uma nova divindade, ao triunfo da Beleza, à apoteose da mulher que, nua,
ocupa agora, sozinha, a imagem: ‘Vênus substitui a Virgem’” (FRANCASTEL apud
LIPOVESTSKY, 2000, p.116).
A partir daí, a mulher é elevada à função de representar a beleza e as obras de
arte passam a mostrá-la como algo a ser visto e admirado “narcisicamente” tanto
por outras mulheres como por homens.
Na obra de Baudelaire (2004) há indicações da mudança de perspectiva sobre a
beleza feminina. No século XIX, o autor defende a posição da mulher como fonte
de inspiração para artistas e escritores, destacando e legitimando o uso de
artifícios para ser bela. O autor extrapola a idéia de musa, ao dizer que a mulher
teria como dever proporcionar ao homem imagens belas e artificiais, imagens que
o afastem do desagradável que advém da natureza.
30
A mulher está perfeitamente nos seus direitos e cumpre até uma
espécie de dever esforçando-se em parecer mágica e sobrenatural; é
preciso que desperte admiração e que fascine; ídolo, deve dourar-se
para ser dourada. Deve, pois, colher em todas as artes os meios para
elevar-se acima da natureza para melhor subjugar corações e
surpreender os espíritos. Pouco importa que a astúcia e o artifício sejam
conhecidos de todos, se o sucesso está assegurado e o efeito é sempre
irresistível (p.64)
Lipovetsky (2000) sublinha como pinturas renascentistas de mulheres deitadas
conferiram mais significado ao belo sexo. As pinturas, de mulheres passivas,
lânguidas, ociosas, denotam o aspecto da beleza a ser contemplada e totalmente
descaracterizada de qualquer esforço ou trabalho. Neste momento, a beleza
feminina ganhava significações de três tipos: era decorativa; não advinha de
esforço, era natural; era inatingível.
Ao avançar na idéia de sentido social atribuído ao culto da beleza feminina,
Lipovetsky (2000) expõe as diferenças entre a visão tradicional e a moderna. A
tradicional, que dominou até o século XVIII, associa a beleza a virtudes morais; os
feios são pessoas com vícios internos. Socialmente, ela tem pouco valor: por
exemplo, nos matrimônios da época, o que contava era apenas a condição
financeira da mulher. A visão moderna, que se seguiu e prevalece até hoje,
desvincula a beleza da moral, ela é puramente física.
Sob a ótica de Baudelaire (2004), em Sobre a Modernidade, de 1859, pode-se
entender como a imagem da bela burguesa estava ligada aos recursos. O autor
defende que os artifícios usados pelas mulheres para se tornarem mais belas –
roupas, maquiagem – compunham uma imagem, na mente do homem fascinado,
da beleza da “mulher vestida e maquiada”, “ser” formado pela combinação corpoartifício. A beleza era do conjunto e não da suas partes. “Tudo que adorna a
mulher, tudo que serve para realçar sua beleza, faz parte dela própria” (p.58).
31
Hoje a beleza também tem dupla concepção social quanto ao gênero. As autoras
Novaes e Vilhena (2003) chamam atenção para o fato de que enquanto a imagem
de “mulher pública” está ligada à “aparência, apresentação e atração”, o “homem
público” é aquele que desempenha seu dever social. “A sociedade mostra-se mais
condescendente e tolerante com a feiúra masculina” (p.27). Enquanto o desvio do
padrão de beleza aceitável está vinculado a falta de tempo do homem, dada a sua
rotina atribulada; entre as mulheres, está vinculado à falta de vaidade, de esforço
e de cuidado pessoal. Além disso, o efeito do cuidado em excesso é avaliado de
forma diametralmente oposta. Homens que têm muito cuidado com a beleza, são
vistos como gays. Entre as mulheres, o excesso reafirma suas identidades sociais,
sua feminilidade. Lipovetsky (2000) também acredita que “a beleza não tem o
mesmo peso para homens e mulheres”. O autor utiliza, inclusive, o termo o “belo
sexo” para identificar o sexo feminino, justamente, graças ao peso que a mídia e a
cultura ocidentais atuais atribuem às mulheres.
Assim, a pressão ou a exigência moral parece recair muito mais sobre as
mulheres, que “se quiserem, podem ser belas” – o que na opinião de Novas e
Vilhena (2003) se apresenta como um terrorismo contemporâneo em relação à
beleza. A obrigação e a facilidade em se tornar bela reforçam uma a outra e as
mulheres se tornam responsáveis por sua beleza. Retomam-se as idéias de
Baudrillard (1995), que indicam a passagem da estética para a ética do corpo da
mulher. Ética ou mito da beleza?
2.3.3 O Mito de Beleza
Para Wolf (1992), o mito da beleza é um tipo de coerção social pós-feminismo –
uma ideologia criada para controlar e limitar as mulheres, eliminado a herança
deixada pelo feminismo na vida das mulheres ocidentais. O mito é uma ideologia
capaz de diminuir a sensação de valorização que o feminismo trouxe à vida das
mulheres.
32
“A beleza não é ideal, nem imutável” (WOLF, 1992, p.15). Para Wolf, o mito da
beleza não deve ser visto como natural ou histórico, pois é cultural, derivado de
um sistema econômico e da estrutura de poder atual, que busca uma contraofensiva contra as mulheres. Segundo a autora, a maioria das hipóteses aponta
que o mito, como o é hoje, ganha espaço desde 1830. No momento em que a
classe média começa a surgir, as mulheres dessa classe começam a ser
alfabetizadas e a sociedade, então, precisa domesticá-las.
Wolf (1992) argumenta que a ocupação com a beleza assumiu o lugar das tarefas
domésticas, no momento em que a dona-de-casa, “entediada, inquieta e isolada”
abandona seu lugar no lar para ocupar posições no mercado de trabalho. Em face
da perda do seu principal consumidor, os anunciantes precisaram arrumar formas
de fazer com que essa nova mulher, agora ocupada e estimulada, continuasse a
consumir nos mesmos níveis de outrora. “Era preciso uma nova ideologia que as
levasse ao mesmo consumismo inseguro de antes”. Essa mudança é
caracterizada pela autora como a passagem da Mística Feminina 1 para o Mito de
Beleza (p.20 e 86).
O mito da beleza, como coloca Wolf tem, pelo menos, duas justificativas
econômicas. A primeira, é que como o mito baixa a auto-estima das mulheres, de
forma que elas não reclamem por receber menores salários. A segunda é “um
novo imperativo de consumo” que transforma em virtude social a obrigação das
mulheres em serem belas. (p.22 e 23)
Wolf (1992, p77-78) observa que mulheres idolatram e se espelham em o que ela
classifica como “realmente nada – imagens, recortes de papel”. A resposta está no
fato de as mulheres sempre estiveram obcecadas pela imagem “ideal”, justamente
porque os homens sempre as levaram a pensar assim, dado que elas não passam
1
Termo de Betty Friedman, retirado do livro A mística feminina, que caracteriza o momento (no
pós-guerra) em que revistas femininas estimulavam o consumo de produtos domésticos,
retratando’ as mulheres como donas-de-casa inseguras e sem identidade definida.
33
de “beldades” na cultura masculina, como, inclusive, descrevem Lipovetsky (2000)
e Baudelaire (2004).
Wolf (1992, p. 91-2) também aponta a grande importância que as revistas
femininas tiveram na construção e no fortalecimento do mito. Não só refletiram
mudanças no papel social das mulheres, como também as provocaram. Para a
autora, a mudança do mito da “dona-de-casa” para o de “beleza” começou nas
revistas femininas, através de anunciantes. O anúncio que atribui aos produtos
valores psicológicos inatingíveis promove o descontentamento nas mulheres e a
sensação de insegurança, que as leva ao consumo.
Wolf (1992) defende que o mito de beleza pode, ao mesmo tempo, unir e separar
as mulheres. Quando estão em grupo, ajudam umas às outras a lidar com a
beleza, dando dicas, emprestando produtos, ou reclamando sobre algum padrão
ou exigência estética. Esses laços, no entanto, não existem quando a beleza é
ameaçadora, quando isola as mulheres umas das outras e as fazem se vigiarem
possessivamente e de forma invejosa.
Apesar de um tanto radical, a visão de Wolf (1992) parece se articular com a de
Baudrillard (1995) que menciona que o mito estético-erótico afeta mais a mulher
pelo fato de, graças ao recalcamento do corpo, ter havido uma repressão à
mulher, cuja sexualidade foi historicamente reprimida e associada ao mal. Não só
no recalcamento, mas na libertação o corpo e as mulheres se ligam.
Para Baudrillard (1995), o corpo da modelo, belo e erótico, não é uma
representação do que aquela mulher é – de sua interioridade e sexualidade; mas
um conjunto de signos publicitários, simulação produzida pela fotografia. Não é um
corpo, mas uma forma, que nada tem de erótico. É um objeto assexuado como os
outros objetos retratados na publicidade. No entanto, qualquer objeto retratado
junto ao corpo dessa modelo, na troca de significações conseguem induzir
pessoas a os consumirem.
34
Lipovetsky (2000) parece não concordar com Wolf (1992), sobre a afirmativa de
que “ditadura da magreza” é uma opressão dos valores feministas. Para o autor, o
corpo magro representa a independência financeira e o cotidiano agitado. Esse
corpo firme e esbelto representa o sucesso, o autodomínio, a capacidade de se
autogerenciar dessa nova mulher. O autor acredita que a busca por um corpo
magro, entre as mulheres, manifesta a vontade de se igualarem aos homens, de
serem senhoras de suas próprias vidas.
Ainda criticando as colocações de Naomi Wolf, Lipovetsky (2000) discorda do fato
de que exista uma “mística de produtos de beleza” (LIPOVETSKY, 2000, p.141).
Ele defende que o consumo é voluntário e que há espaço para a “interrogação
crítica, o debate coletivo” no mercado de cosméticos – existe o espaço para o
consumidor comparar produtos e fazer escolhas voluntárias. A avidez por novos
produtos entre as mulheres não caracteriza um hipnotismo das massas; mas,
contrariamente ao que prega Wolf, é para Lipovetsky, uma vontade das mulheres
de serem protagonistas.
Neste sentido, expõe Lipovetsky (2000), o cuidado com o corpo se aproxima dos
valores da modernidade: de dominação da natureza, de enaltecimento da razão
(no caso, estética), de utilização de tecnologia e da não-aceitação da fatalidade.
Enquanto Wolf (1992) critica o “mito da beleza”, Lipovetsky (2000) defende que o
“culto à beleza”, já que esse confere motivação para as mulheres conquistarem
cada vez mais seus espaços, igualando-se aos homens. No entanto, ele admite
que hoje persista a diferença na forma como a sociedade avalia homens e
mulheres. A beleza é o elemento de manipulação e conquista de reconhecimento
social para as mulheres como a profissão o é para os homens.
2.3.4 A Beleza e o Cabelo: a etnografia de Bouzón (2004)
“Os cabelos também refletem valores, significados e comportamentos reveladores
de importantes dimensões da vida social” (BOUZÓN, 2004, p.12).
35
Se a cultura ocidental associa feminilidade à beleza, é o cabelo o elemento quase
indispensável na construção do feminino. É interessante entender, como nesse
cenário teórico, as mulheres lidam com ele. A seguir, são apresentados os
principais achados do estudo de Bouzón a cerca de representações e práticas
femininas relativas aos cabelos.
A etnografia realizada por Bouzón (2004) é uma contribuição no sentido de
entender significações sociais por trás dos cabelos. Ela foi feita no ano de 2003
em um salão de beleza da zona sul do Rio de Janeiro, onde foram entrevistados
freqüentadores – mulheres brancas de 20 a 60 anos – e profissionais que
trabalham no salão.
Bouzón (2004) traz uma discussão em torno dos significados associados aos
cabelos. Por exemplo, o cabelo arrumado, garante segurança emocional,
protegendo a pessoa do julgamento e da exclusão pela aparência; os cabelos
compõem uma fachada pessoal e podem até servir para afastar um indivíduo do
convívio com outras pessoas. Esse é o caso quando a pessoa tem um corte
“cafona”, a cor do cabelo “escandalosa” ou um cabelo “sujo”, “desgrenhado”. Um
outro exemplo da avaliação pelas características do cabelo no Brasil, encontrado
em Queiroz e Otta (2000), é a desqualificação social dos traços físicos dos negros,
através de termos populares, como “cabelo ruim” para caracterizar o cabelo
crespo.
Os achados da etnografia apontam aspectos com respeito ao hábito de pintar os
cabelos e sobre os fios brancos. No salão pesquisado, a presença na sala de
coloração era principalmente de mulheres entre 35 e 55 anos – idade, na visão da
antropóloga, em que começa a acontecer o branqueamento dos fios. A associação
mais forte do cabelo branco é com a velhice. existe uma relação dicotômica entre
fios brancos e envelhecimento. Se, por um lado, esconder fios brancos é uma
forma de se manter afastada da lembrança do envelhecimento, da finitude da vida;
num contexto em que se busca parecer jovem, os fios brancos denunciariam
36
“perdas físicas e simbólicas”. Por outro lado, não pintar os cabelos é visto como
uma prova de que a mulher soube encarar o envelhecimento. Essa é uma
condição colocada, principalmente, quando as mulheres são mais velhas. Junto às
mais novas, no entanto, existe a idéia de que manter os cabelos brancos em uma
conotação de “desleixo”. A cor branca, que na esfera da saúde e da medicina, é
um símbolo da pureza, acaba por ganhar uma conotação de “sujeira”.
Embora a noção de velhice receba diferentes associações positivas como
“experiência” e “sabedoria” pois em referências ocidentais, deuses, sacerdotes,
cientistas, gênios e magos costumam ter cabelos brancos. O cabelo branco em
outras associações se associa à “ansiedade”, “hereditariedade”, pode simbolizar
também pessoas estressadas, workaholics.
Mulheres reclamam do fato de serem “reféns” da coloração, não conseguindo
abandonar o hábito de pintar os cabelos brancos. Para elas, essa atitude é uma
“necessidade, uma obrigação moral e não uma opção” (p.86) Por isso, muitas
entrevistadas consideram a atitude das mulheres mais jovens, que pintam
somente para mudar o visual, quase um pecado. Existe também a percepção de
que assumir cabelos brancos é algo muito difícil. A coerção de amigos pode fazer
com que uma mulher pinte seus cabelos, mesmo não se incomodando em mantêlos brancos. Assumir os fios brancos, indo contra fortes exigências sociais, é uma
atitude considerada corajosa. Mas assumir cabelos brancos poderia ser
considerado um comportamento desviante das consumidoras entrevistadas?
O momento de retocar os fios brancos é medido pelo tamanho da raiz. À medida
que o cabelo cresce, a raiz do fio branco começa a aparecer. Quanto antes for
feito o retoque, mais escondida a raiz. Não é bom ter uma raiz branca aparente,
muito menos um cabelo cuja raiz é de uma cor e o reto do fio de outra. Quem tem
um cabelo assim é considerada descuidada com os cabelos e com a aparência.
Essa atitude permite, aos outros, reconhecer que o cabelo é pintado, e não
natural. Na etnografia, foi possível perceber uma busca pela “naturalidade” na
37
aparência dos cabelos. O “natural” denotaria a falta de intervenções culturais, a
originalidade, aquilo que combina com nós mesmos, com o que somos.
É interessante a forma como algumas mulheres associam as cores das tinturas e,
assim, dos cabelos a características pessoais da portadora. Os tons loiros estão
associados a mulheres ou ricas ou “peruas” ou “vulgares”, que buscam ser
atraentes e sexies. Já as mulheres morenas são vistas como clássicas, que não
se arriscam; mas que, por outro lado, são muito inteligentes. Como a loira, a
mulher ruiva é aquela que quer se destacar, despertando atração sexual nos
homens. Independente da cor escolhida para os cabelos, os achados sugerem
que é preciso que o cabelo combine com o rosto e o corpo.
Também o comprimento dos cabelos traz simbolismos a respeito da aparência de
uma mulher: o comprimento do cabelo deve “combinar” com a idade e às
mulheres de mais de 50 anos não é recomendado usar cabelos compridos e
franjas.
“Situações sociais podem pedir tipos de cabelo” (p. 125). Com relação ao
ambiente de trabalho, por exemplo, parece existir um código de uso dos cabelos
bem definido, ou seja, quanto mais formal a ocupação, mais bem cuidado deve ser
o cabelo. Por cuidado, entende-se: cortes e tinturas sóbrias; penteados
arrumados. No contexto profissional, aparece também o medo de envelhecer e de
perder o emprego que faz com que se disfarcem sinais da idade, como os cabelos
brancos.
Apesar do “cabelo bem tratado” ser associado às camadas sociais mais ricas, a
etnografia identificou muitas pessoas que, mesmo estando em um salão de
cabeleireiro de uma área geograficamente mais valorizada, relatavam ter poucos
cuidados com os cabelos. Para Bouzón (2004) isso sugere a existência de uma
grande “auto-exigência estético-moral” que pode levar à percepção de que os
cuidados empregados com os cabelos nunca são suficientes.
38
2.3 O comportamento desviante do consumidor
O que significa comportamento desviante do consumidor? O conceito de desviante
parece estar associado ao que se costuma denominar de ‘contracultura”. Segundo
Pereira (1992), contracultura foi um termo dado pelos jornalistas americanos aos
movimentos jovens da década de 60 que criticavam o militarismo americano e os
valores da sociedade de então. Esses movimentos de rebelião podem ser
exemplificados pelas comunidades hippies, pela produção literária (beat
generation) e musical (rock n’roll), pelos protestos nas universidades americanas,
pela valorização do Oriente, pelo uso de drogas como o LSD, por atitudes como
viajar pelo mundo levando apenas uma mochila.
Pereira (1992) descreve a sociedade americana das décadas de 60/70 para
explicar quais seriam os valores contra os quais os jovens lutavam: indústria
avançada, possibilitando o constante lançamento de novos produtos, renovando o
“massificante sistema do consumismo”, “sociedade tecnocrática voltada para a
busca de um máximo de modernização, racionalização e planejamento”, “privilégio
dos aspectos técnico-racionais sobre os sociais e humanos” (PEREIRA, 1992,
p.28).
O outro sentido do termo denota uma postura crítica e radical contra uma cultura
convencional. A contracultura, nesse caso, seria uma cultura minoritária
caracterizada por valores, normas e padrões de comportamento que contrariam
aqueles da sociedade dominante (BATZELL apud DESMOND ET AL.., 2001). E
não somente contrariam: o termo pode se referir a um sistema coerente que
compreende pelo menos uma norma ou valor comprometido com uma mudança
cultural da ordem dominante (DESSAUR ET AL. apud DESMOND ET AL., 2001).
Desmond et al. (2001) fazem uma análise da evolução dos movimentos de
contracultura. Segundo os autores, os primeiros movimentos eram formados por
sujeitos cuja resistência se ligava à tomada de consciência. A partir do
conhecimento, os indivíduos se davam conta da condição em que viviam e, assim,
39
inauguravam os questionamentos. Eram cidadãos auto-críticos e autênticos, que
viviam a resistência em todos os momentos da vida. Hoje nas sociedades ditas
pós-modernas, diferentemente, o que Desmond et al. (2001) deslumbram são
indivíduos que podem viver uma parte do tempo na contracultura e, outra, na
ordem vigente, através da incorporação dos valores pós-modernos aos
movimentos
de
contracultura.
Os
autores
citam
como
exemplos
a
descentralização, a espontaneidade, a fluidez, a diversidade e a fragmentação. A
separação entre comportamento desviante e padrão parece ter ficado mais tênue.
Esse movimento abre espaço para a existência de diferentes vozes e tribos na
contracultura, que ganham destaque por meio da Internet e o conseqüente
aumento da possibilidade de comunicação e mobilização. Essa mudança parece
ser coerente com um momento social em que a vida não é mais vivida como um
projeto único; pelo contrário, as pessoas experimentam diferentes sensações,
assumem diversas facetas e identidades no mundo de hoje. Um mundo que aceita
que um indivíduo seja hoje de uma tribo e amanhã de outra, onde a postura
desviante encontra pouca surpresa e o indivíduo parece alternar posturas
desviantes e de concordância sem suscitar reações sociais de rejeição. Um
mundo que, assim, não se surpreende se hoje você tem uma postura desviante,
mas amanhã não (DESMOND ET AL., 2001).
Embora a juventude não esteja mais tão mobilizada, como no cenário descrito por
Pereira (1992), e o movimento de contracultura seja promovido por pessoas que
transitam entre o questionamento e a prática comum, é ainda possível observar
movimentos sociais contrários à ordem estabelecida. Foram esses movimentos,
por exemplo, os focos do estudo de Kozinets e Handelman (2004). Os autores
ouviram ativistas contrários a elementos da sociedade de consumo, como a
propaganda e a marca Nike, e aos alimentos geneticamente modificados. Os
estudiosos dos movimentos de consumidores assumem que o objetivo por trás
dessas iniciativas é promover mudanças nos princípios, práticas e políticas das
organizações, negócios, indústrias e governo.
40
Segundo Kozinets e Handelman (2004), os ativistas conhecem as mudanças que
buscam na ideologia do consumidor. Eles querem que os consumidores
questionem as morais e as éticas da origem de um produto ou serviço e as
implicações sociais e ambientais dele. Eles mencionam a autodisciplina e o
comedimento na compra e no uso (Kozinets e Handelman, 2004).
Kozinets e Handelman (2004) observam que a organização dos movimentos de
consumidor se dá contra práticas industriais e de marketing, tais como a venda de
produtos que podem prejudicar o consumidor e a publicação de propagandas
enganosas.
Para os autores, os elementos da contracultura foram e são regularmente
incorporados à cultura do consumo e que, por isso, a ameaça dela é bem
pequena, o que torna difícil mobilizar as pessoas contra o capitalismo global
(Kozinets e Handelman, 2004).
Como associar comportamentos desviantes às pressões sociais existentes em
relação aos padrões estéticos que predominam?
41
2.4 A Beleza e O Comportamento Desviante do Consumidor: o estudo de
Holbrook et al. (1996)
A interseção entre o comportamento desviante dos consumidores e a questão da
beleza é muito bem representada no estudo de Holbrook et al. (1996). Os autores
conseguem identificar comportamentos desviantes com relação a beleza e
aparência física das pessoas, ajudando a categorizar tipos diferentes de
comportamento social desviantes.
Dada a complexidade da relação entre o consumo e a aparência física, foi
desenvolvida uma tipologia, obtida através de uma metodologia de análise de
filmes, que ajuda a simplificar e analisar grupos de pessoas que seguem os
mesmos padrões ao lidar com sua aparência. Apesar de, no final, os autores
deixarem claro que as formas de classificação são limitantes, a tipologia proposta
ajuda a dar uma idéia mais precisa do panorama que eles se propõem a exibir.
Essa tipologia está baseada em duas dimensões chaves: (1) a posição social
almejada e (2) posição social atual. Na análise, essas dimensões variam entre a
normalidade e o desvio. Os pares posição social almejada versus posição social
atual e normal versus desviante caracterizam os quatro principais eixos que foram
analisados no estudo. São elas: configuração, transfiguração, refiguração e
desfiguração. Para cada um desses tipos, foi apresentada uma análise descritiva,
as motivações, atitudes, exemplos e analogias que permitem ao leitor entender
cada postura a fundo. O primeiro perfil não se demonstra desviante, mas foi
incluído nesta descrição para que o leitor possa ter a visão completa do estudo.
(1) Perfil Configuração
Consumidores dentro do perfil da configuração têm comportamento que não
variam dentro do padrão da normalidade. São indivíduos normais que desejam
manter a adequação às normas e convenções da sociedade e têm sucesso nisso.
42
O padrão de consumo desse perfil se baseia na busca por se manter belo e
atraente dentro do padrão de estética convencional. Isso implica em sempre
buscar vestir as tendências da moda, ter os cabelos cortados de acordo com a sua
idade (quanto mais idade, mais curto o cabelo), ter uma alimentação correta
(mantendo-se magro), freqüentando lugares onde também estão pessoas bonitas.
Apesar da aprovação social que esses consumidores recebem em troca por serem
os representantes e mantenedores das convenções sociais, a busca pela beleza
física faz deles alvos de críticas, sátiras e rejeição por parte da sociedade. Alguns
dos críticos consideram que a postura de configuração aliena a pessoa de sua real
identidade. Ela age de acordo com os valores do sistema, negando seus desejos e
sua individualidade.
(2) Perfil Transfiguração
São consumidores desviantes, mas que buscam a normalidade, pela adequação
aos cânones sociais tradicionais. Muitas vezes, o consumo dessas pessoas passa
pelo embelezamento físico. Esse consumidor é motivado pelo desejo de ser
aceito. Ele, que é uma pessoa fora dos padrões estabelecidos, busca se passar
por normal; o movimento é da diferenciação para a similaridade, tendo o consumo
de produtos e serviços relacionados à beleza como guia.
E essa motivação faz com que as significações sociais dêem lugar aos produtos,
na lógica do “você é o que você consome”. Nesse ponto se pode observar a força
do marketing integrando corpo a consumo. Beleza e atração podem ser
encontradas nas prateleiras ou nos salões e clínicas. Quanto mais xampus,
condicionadores, maquiagem você consumir, maiores as suas chances de passar
da condição de feio (desviante) para a de belo (normalidade). O estudo cita que
também as pessoas que se submetem a cirurgias plásticas, e de mudança de
sexo, como os hermafroditas, são exemplos desses consumidores na sociedade.
43
A geração de inúmeras propagandas que estimulam as pessoas a modificar sua
auto-imagem, através do uso do produto anunciado, tem conseqüências sociais.
As pessoas com esse perfil tendem a ser menos felizes, com baixa auto-estima e
aprovação pessoal, principalmente porque se comparam com as imagens
mostradas nas propagandas, que na verdade não são reais, mas, sim, retocadas
para dar a impressão de uma realidade melhorada. Bordo (1993, apud
HOLBROOK ET AL., 1996, p.40) sugere que os anúncios e a mídia causam
desordens alimentares, produzindo uma cultura doente – opressiva, vazia de amor
e de moralidade, ou seja, conseqüências sociais ainda maiores.
(3) Perfil Refiguração
Aqui, são os consumidores que buscam sair do padrão normal para o desviante,
como uma forma de crítica aos padrões estabelecidos. A motivação desses
consumidores envolve a rebelião, que advém da não-conformidade com o mito de
Beleza Ideal. Por não serem representantes do belo, eles são vistos como desvios
sociais.
Os
integrantes
preferem
se
fazer
de
“feios”
(pela
concepção
convencional), distinguindo-se assim do grupo dos “belos” cujas idéias eles
menosprezam.
Nos movimentos populares, punks, hippies e skinheads são representantes desse
grupo, que se veste e se comporta de forma pouco convencional na tentativa de
criar uma forma de expressão alienante e contrária aos valores do status quo.
Famosos roqueiros e artistas como Alice Cooper, Mick Jagger e Madonna se
transformaram de pessoas relativamente normais em pessoas “estranhas”,
engajadas em alguma oposição social ou buscando uma identidade alternativa na
subcultura dos desviantes.
Pode-se citar como outros exemplos de consumidores com perfil de refiguração
pessoas que importam a automutilação das culturas indígenas ou africanas,
pessoas que utilizam objetos fetichistas como coletes, botas, chicotes, etc.,
pessoas tatuadas e usuários de piercings.
44
Os efeitos sociais desse tipo de comportamento são obtidos na medida em que a
rebeldia é incorporada à sociedade. O autor menciona a moda como principal
meio por onde a rebeldia se estabelece, citando como exemplos o espaço que a
tatuagem e o piercing ganham nos ensaios de moda e desfiles; o estilo “grunge”,
criado por roqueiros americanos, que estava em alta na época em que o texto foi
escrito; e a incorporação recente do jeans, antes uma peça de roupa utilizada pela
juventude transviada, nos guarda-roupas de todas as camadas sociais. Quando a
rebeldia é incorporada aos padrões convencionais, o grupo busca uma nova
maneira de chocar até que esse novo choque seja incorporado pela sociedade.
(4) Perfil Desfiguração
São consumidores que possuem alguma característica física ou psicológica que
os faz serem desviantes e que elegem ou são obrigados a se manterem no padrão
contrário ao normal. Muitas vezes, permanecem assim porque não desejam ou
não estão aptos a mudar. Essas pessoas podem permanecer com aparência e
consumo que os faz serem considerados estranhezas, aberrações, monstros ou
bizarrices.
A motivação desses consumidores é o desejo por atingir, manter ou aceitar uma
condição de unicidade frente aos outros membros da sociedade. Ao invés da
conformação, esses indivíduos prezam a ostentação. Eles valorizam suas
qualidades desviantes, mostrando aos outros uma aparência chocante, da qual
muitas vezes eles tiram os seus sustentos. Seu consumo é marcado por exageros.
E a postura deles frente a suas aparência envolve imitação e ilusão – as pessoas
são vistas como caricaturas grotescas.
Na sociedade, são exemplos desse tipo de consumidor as “aberrações” 2 que vão
a público explorar suas diferenças – podem ser artistas circenses, para-normais,
2
Do inglês, freak.
45
pessoas com anomalias físicas. Também citados como exemplos são os artistas
travestis e as drag queens.
Apesar de parecerem para o resto da sociedade como desvios, a condição de
anormalidade traz a essas pessoas benefícios psicológicos e econômicos.
Holbrook et al. (1996) sugerem que eles têm orgulho da condição de seres únicos
o que os permite a exibição pública e os seus salários.
Os efeitos sociais dessa postura não ultrapassam o grupo. A sociedade continua
vendo-os como aberrações grotescas. Enquanto isso, eles se resignam em ser o
que são, seja porque podem ser “lucrativos” em benefício próprio, seja por não
terem opção e, com isso, se tornarem traumatizados.
Para explicar o significado que as pessoas atribuem aos perfis Refiguração e
Desfiguração, os autores mencionam a existência de uma tendência cultural entre
as pessoas em classificarem os outros dicotomicamente: velho/novo, bonito/feio,
pobre/rico, preto/branco, homem/mulher, macho/fêmea, correto/deformado. Essa
forma de ver os outros pode ser considerada como uma conseqüência do
pensamento moderno – racional, objetivo, categórico e capaz de explicar tudo.
Sob esse aspecto, quando o outro cruza de uma classificação para a outra, se dá
estranhamento por não se poder classificá-lo numa dessas categorias binárias.
Essa tendência humana de classificação foi questionada pelo pós-modernismo e
pelo feminismo. Ambos compartilham da mesma postura de questionamento. Para
esses movimentos, a sociedade deve parar de questionar o porquê de uma
pessoa não poder ser classificada categoricamente com um desses rótulos e
começar a tolerar as diferenças, aceitar os desvios.
46
3. METODOLOGIA
Este capítulo tem por objetivo descrever a metodologia empregada neste estudo.
Nos tópicos a seguir, justifica-se a escolha da metodologia qualitativa empregada
neste trabalho, através de uma caracterização geral; e retoma-se a delimitacão
dos objetivos de pesquisa. Em seguida, são detalhadas as diferentes fases dessa
pesquisa: contato com o fenômeno, formação do corpus, coleta de dados e
tratamento das entrevistas.
3.1 Paradigma e tipo de pesquisa adotados
Nas ciências sociais, em geral, existem dois paradigmas de pesquisa: o positivista
e o interpretativista. O primeiro parte do pressuposto de que existe uma visão
única e objetiva da realidade. Nos fenômenos sociais, sob esse paradigma, são
observadas tendências racionais e regulares de manifestações e fatores que
agregam previsibilidade e causalidade. As eventuais visões conflitantes e as
ambigüidades são eliminadas na medida em que se repetem relatos conclusivos
acerca de um fenômeno (D’ANGELO, 2004; LINCOLN, GUBA, 1985).
Já o interpretativismo, pelo contrário, acredita que os fenômenos culturais sejam
oriundos de construções múltiplas e complexas, derivadas da interação social.
Constrói-se o conhecimento, sob esse paradigma, através da combinação de
diferentes visões sobre um tema, ainda que não haja, entre elas, concordância.
Não se busca alcançar, pelas pesquisas, previsibilidade ou leis gerais que
expliquem um fenômeno – o objetivo é, apenas, descrevê-lo e interpretá-lo
(D’ANGELO, 2004; LINCOLN, GUBA, 1985).
Bauer et al. (2002) reforçam o ponto de vista interpretativista ao afirmarem que, na
pesquisa social, as descobertas dizem respeito ao mundo que se conhece e se
experimenta. Por isso, os dados são levantados através de processos de
comunicação e podem ser de dois tipos: formais ou informais. Na pesquisa social,
o interesse do pesquisador é em como as “pessoas se expressam e falam sobre o
47
que é importante para elas e como elas pensam sobre suas ações e as dos
outros”.
Busca-se neste trabalho, que tem um fim exploratório, a diversidade de discursos
e opiniões acerca do tema pesquisado. Não se trata aqui de indicar causas e
explicações para o fenômeno social pesquisado, nem de se estabelecer regras
gerais, mas sim buscar a multiplicidade de pontos de vista sobre um tema e, mais
especificamente, os fundamentos desses pontos de vista. Alinhando-se os
pressupostos da pesquisadora e os desafios inerentes à pergunta de pesquisa,
entende-se que uma metodologia de pesquisa qualitativa forneceria um conjunto
de recursos adequado para se buscar os objetivos deste trabalho.
Segundo Flick (2002), as rápidas mudanças sociais que vêm ocorrendo na
atualidade e a resultante diversificação de estilos de vida fazem com que o
pesquisador se confronte com novos contextos e perspectivas sociais. Sob esse
aspecto, as metodologias tradicionais – que buscam testar hipóteses e teorias –
se mostram pouco eficazes. A pesquisa qualitativa, nesse contexto, ganha
espaço.
Através da pesquisa qualitativa, estudam-se os fenômenos em seus contextos
naturais, buscando construir um sentido ou interpretá-los segundo a perspectiva
daqueles que falam sobre ele, os pesquisados. Neste processo de pesquisa,
enfatiza-se também a relação entre o pesquisador e o objeto do estudo e as
peculiaridades e q características que moldam o ambiente de pesquisa (DENZIN E
LINCOLN, 2000).
Para isso, a pesquisa qualitativa deve envolver o estudo de uma grande variedade
de materiais empíricos – estudos de caso, experiências pessoais, introspecção,
história de vida, entrevistas, artefatos, textos e produções culturais, textos
históricos – capazes de traduzir a rotina, a problematização e a significação da
vida de determinado indivíduo (DENZIN e LINCOLN, 2000).
48
Esse tipo de pesquisa possui aspectos essenciais, como a escolha correta dos
métodos e teorias oportunas, o reconhecimento e análise de diferentes pontos de
vista, a reflexão dos pesquisadores acerca da pesquisa como parte do processo
de produção do conhecimento e a variedade de abordagens e métodos (FLICK,
2002).
3.2 Perguntas de pesquisa
A pergunta a que se visa responder nesta pesquisa é: “Quais são as principais
motivações, atitudes e valores em torno da decisão de mulheres em não tingirem
seus cabelos, mantendo-os brancos?”.
Para alcançar esse propósito, torna-se fundamental entender essas mulheres num
quadro mais amplo, que inclui não apenas seus pontos de vista no momento atual,
mas também a relação com seu passado e com o grupo social que está a sua
volta. Assim, para se responder à pergunta principal desta pesquisa, foram
elaboradas questões secundárias:
(a) Quais são os cuidados cotidianos dessas mulheres com relação aos cabelos?
(b) Como são suas histórias em relação aos cuidados com o cabelo?
(c) Quais são os valores por trás da atitude de manter os cabelos brancos? E
como se dá o encadeamento entre essa atitude e esses valores?
(d) De que forma as mulheres entrevistadas percebem as mulheres que não
pintam o cabelo? Como elas enxergam a reação dos outros a sua atitude?
(e) O comportamento dessas mulheres que optam por manterem seus cabelos
grisalhos tem características de um comportamento desviante, frente aos
padrões estéticos e os hábitos de cuidado pessoal predominantes?
49
3.3 Fases da pesquisa
FASE 1 – Contato com o fenômeno social
A primeira fase da pesquisa, “de orientação e visão geral” (LINCOLN, GUBA,
1985), abrange a introdução ao tema. Pode-se dizer que isso se deu a partir da
participação da autora em uma pesquisa sobre hábitos de consumo de produtos
de beleza.
Realizada pela Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor, um núcleo de
pesquisa do Instituto Coppead de Administração, a pesquisa consistiu em
entrevistas em profundidade com mulheres entre 17 e 55 anos, moradoras da
zona sul do Rio de Janeiro. Para a formação do objeto de pesquisa e
desenvolvimento do questionário, o núcleo analisou o conteúdo da Revista Veja
sobre o tema, entrevistou estrangeiros, especialistas da área e consumidores, foi a
campo observar e coletar informações.
A integração da autora na fase de coleta de dados desse estudo, permitiu levantar
conhecimentos
acerca
do
tema
beleza.
Cabe
mencionar
que
outros
comportamentos desviantes – como o uso de piercings, de tatuagens e formas de
se vestir – foram inicialmente considerados. Optou-se, ao final, pelo estudo de
mulheres que não tingem seus cabelos, mantendo-os grisalhos, por vontade
própria. Exclui-se desta pesquisa mulheres que não utilizam a tintura por serem
alérgicas ao produto e que, ao serem perguntadas, não consideravam que tinham
cabelos brancos, ainda que os cabelos brancos fossem visíveis.
Além do contato com essa pesquisa qualitativa sobre a Beleza, que serviu
inclusive como base na produção do roteiro de entrevistas deste estudo (anexo 1),
a pesquisadora buscou levantar informações sobre o tema do estudo através de
levantamento bibliográfico e material secundário, como matérias de jornais e
revistas.
50
Essa fase de busca por material literário de referência aconteceu entre janeiro e
julho de 2005. Foram consultadas as bases de dados internacionais para busca de
artigos que, após a seleção, eram lidos e resenhados. Foram estudados livros a
respeito de beleza e hábitos de cuidado pessoal. A freqüente leitura de periódicos,
como jornais e revistas, permitiu o contato com textos sobre costumes atuais em
relação aos cabelos.
FASE 2 – Construção do corpus de pesquisa
A noção de corpus, presente em Bauer e Aarts, guiou a seleção de entrevistadas
desta pesquisa. Barthes (1967: 96) define corpus como “uma coleção finita de
materiais, determinada pelo analista, com (inevitável) arbitrariedade, e com a qual
ele irá trabalhar”. Ainda na concepção de Barthes, os materiais do corpus devem
ser teoricamente relevantes para a pesquisa, isto é, devem ter um foco temático;
devem ser tão homogêneos quanto possível, e devem ser de um mesmo momento
histórico (apud BAUER, AARTS, 2002).
O corpus desta pesquisa qualitativa se constitui pelas informações verbais
coletadas a partir de um mesmo foco temático – o entendimento das motivações e
valores da atitude de não pintar os cabelos – entre mulheres de mesma classe
econômica e área geográfica; e com uma mesma característica – manterem os
cabelos brancos sem utilização de tinturas. Além disso, as entrevistas foram
realizadas num mesmo período: junho de 2005.
Segundo Gaskell (2002), como o objetivo da seleção dos entrevistados deve ser o
de descobrir a variedade de pontos de vista, o entrevistador deve buscar a
segurança de ter ouvido todos os pontos de vista e, para isso, é preciso entender
como o meio social que se deseja pesquisar se segmenta. Com o objetivo de
definir qual grupo de mulheres entrevistar, buscou-se observar mulheres antes do
início da seleção.
51
A seleção das entrevistadas teve, então, como parâmetros: o sexo (feminino), a
classe econômica (classe A), a área geográfica de moradia (zona Sul do Rio de
Janeiro) e a idade (25 aos 55 anos).
Duas razões explicam a opção por mulheres nesta faixa etária. Primeiro, a
dificuldade em se encontrar mulheres mais novas que já tenham cabelos brancos
suficientes para adotarem a cor de cabelo “grisalha”. Sabe-se que o aparecimento
dos cabelos brancos está ligada, entre outros fatores, ao envelhecimento. Dessa
forma, é pouco comum encontrar mulheres muito jovens com muitos cabelos
brancos.
O segundo motivo é o fato de que, entre mulheres mais velhas, parece ser mais
comum a não utilização de tintura. Através da observação de grupos de mulheres
na terceira idade, foi possível identificar que, entre as senhoras com mais 60 anos,
seria mais freqüente encontrar mulheres que não pintem os cabelos. Pode-se
dizer, portanto, que a atitude de manter os cabelos na cor original seria mais
incorporada aos padrões sociais nesta faixa etária, o que exclui essas mulheres
do corpus desta pesquisa.
A opção por moradoras do Rio de Janeiro da classe A e moradoras da Zona Sul
se explica pela conveniência em se achar as entrevistadas. Existe a percepção,
advinda do senso comum e portanto não cientificamente comprovada, de que
esse perfil de mulheres é o perfil de formadoras de opinião, de mulheres que
lançam tendência por terem alto nível de formação intelectual, pertencerem a um
extrato elevado na classificação econômica e serem moradoras de áreas nobres
da cidade.
FASE 3 – Coleta de dados
O método de coleta de informação escolhido para esse estudo foi a entrevista em
profundidade semi-estruturada.
52
A entrevista qualitativa em profundidade é uma técnica de entrevista direta,
pessoal e aberta que visa revelar motivações, crenças, atitudes e sentimentos a
respeito de uma dada atitude. A utilidade mais característica desse tipo de
entrevista é justamente em estudos exploratórios, em pesquisas através das quais
se busquem entendimento e insights a cerca de um tema pouco explorado ou
desconhecido (MALHOTRA, 1993).
Na pesquisa social, a entrevista qualitativa é a forma que o pesquisador possui de
obter informações sobre a interação social e, assim, formar uma compreensão
mais detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações relacionados ao
comportamento das pessoas (GASKELL, 2002).
Desenvolvimento do roteiro de entrevista
Com base nos objetivos definidos para a pesquisa, na literatura pesquisada e na
pesquisa sobre hábitos de beleza da Cátedra L’Oréal de Comportamento do
Consumidor, foi elaborado um roteiro semi-estruturado para as entrevistas (anexo
1). Antes de ser aplicado, o roteiro foi pré-testado em uma entrevista. O pré-teste
serviu para que se pudesse avaliar se havia dificuldade de compreensão das
perguntas por parte da entrevistada e se os temas e objetivos estabelecidos para
a pesquisa estavam sendo cobertos.
O roteiro de perguntas serviu apenas de guia para as entrevistas: a forma como as
questões foram colocadas e a ordem na qual elas apareceram dependia mais do
discurso do entrevistado do que do roteiro.
Segundo Gaskell (2002), o
entrevistador deve incorporar no roteiro questões relevantes que surjam no
decorrer das entrevistas e que não estejam no roteiro originalmente definido. No
caso desta pesquisa, novos tópicos foram sendo incorporados ao roteiro na
medida em que eles surgiam e se mostravam relevantes para os objetivos
pretendidos.
53
Uma parte do roteiro incluiu uma adaptação da utilização da técnica laddering
(REYNOLD, THOMAS, 1988; OLSON, REYNOLD, 2001), que se mostra como
uma ferramenta adequada na busca pelo entendimento das conseqüências e dos
valores pessoais envolvidos na decisão de não pintar o cabelo. Desenvolvido a
partir da teoria Means-end (meios-fins), o laddering é utilizado apenas como um
referencial na descoberta das relações entre a ação de não pintar o cabelo, as
conseqüências disso na vida das entrevistadas e os valores pessoais por trás
dessa escolha. Neste momento, cabe explica-la de forma mais detalhada,
destacando sua relevância e utilização na pesquisa em comportamento do
consumidor.
A teoria Means-end (Meios-fins) e a técnica do laddering
A Teoria do Means-End foca, especificamente, nas relações entre os atributos dos
produtos (os “means”), a conseqüência deles do produto para o consumidor, e os
seus valores pessoais (os “ends”) (REYNOLD, THOMAS, 1988). A abordagem
Means-End considera que os atributos de um produto não são considerados pelo
consumidor de forma isolada no momento da tomada de decisão. Os
consumidores pensam também na solução de seus problemas ao fazerem suas
escolhas, é por isso que as conseqüências das atitudes de consumo são
relevantes para eles (OLSON, REYNOLD, 2001).
A principal idéia por trás da abordagem Means-End é o fato de que o tomador de
decisão escolhe a forma de agir que lhe parece trazer melhores conseqüências. A
abordagem permite não somente identificar quais opções de ação o consumidor
possui como também entender o porquê da importância de cada uma delas
(OLSON, REYNOLD, 2001).
Dessa forma, o entendimento do critério de decisão – isto é, das possibilidades de
ações do consumidor – e a relevância de cada critério ajudam a entender mais a
fundo o processo decisão. Os pesquisadores podem utilizar a abordagem para
cinco objetivos diferentes (OLSON, REYNOLD, 2001): (1) entender qual o critério
54
de escolha do consumidor; (2) identificar os aspectos positivos (equities, quando
associados por um grande número de consumidores) de um produto, serviço ou
marca em comparação a outros; (3) questionar o consumidor sobre os fatores
adversos que o afastem do consumo de uma marca ou produto; (4) entender o
contexto na qual a decisão é tomada; e (5) entender as relevâncias pessoais
atribuídas a cada escolha. Para alcançar esse último objetivo, o pesquisador
utiliza a técnica do laddering, que será descrita a seguir.
A técnica do laddering, utilizada de forma adaptada, numa parte do roteiro desta
pesquisa, consiste numa técnica de entrevista em profundidade cujas perguntas
têm o objetivo de fazer com que o respondente crie associações entre os atributos
do produto e as características próprias do seu “eu”, neste caso, suas motivações
mais pessoais. As perguntas diretas, que são formuladas de forma específica para
cada entrevistado, seguem um modelo: “Por que isso é importante para você?” O
“isso” são as distinções previamente mencionadas entre as específicas marcas de
produtos e serviços (REYNOLD, THOMAS, 1988).
Os três diferentes níveis de abstração das respostas são os atributos do produto
(A), as conseqüências na vida do consumidor (C) e os valores pessoais que estão
por trás da escolha (V). A cadeia A-C-V permite entender como as informações do
produto são processadas pelo consumidor no que pode ser chamado de
perspectiva motivacional, que revela o que está por trás da escolha de um atributo
ou uma conseqüência (REYNOLD, THOMAS, 1988).
A técnica foi desenvolvida para aplicação em pesquisas de comportamento do
consumidor relacionado à escolha por um produto e, normalmente, a entrevista
emprega somente esta técnica. No caso desta pesquisa, precisou-se adaptar a
técnica, já que se busca não só a pluralidade de opiniões da atitude em relação a
um produto, a tintura de cabelo, mas também a obtenção de outras informações
que auxiliassem a compreensão do comportamento das entrevistadas. Dessa
forma, não somente o método de aplicação – que se aliou à outros
55
questionamentos – mas também o número de entrevistadas foi uma adaptação
para que se aproveitasse da melhor forma essa técnica.
Após a aplicação do laddering, o pesquisador está apto a traçar mapas de
quantificação e análise dos encadeamentos entre os níveis de abstração. O
objetivo, aqui, não foi o de mapear os atributos, conseqüências e valores de forma
quantitativa. Pelo contrário, empregaram-se as formas de abordagem do laddering
para aprofundar o discurso do consumidor e ampliar o entendimento acerca do
fenômeno. Novamente, menciona-se a necessidade de adaptação da técnica para
dela extrair o que de mais útil ela teria por oferecer a essa pesquisa. A adaptação
segue a metodologia empregada por Zaltman (2003) na pesquisa com latinoamericanos nos EUA.
Realização das entrevistas
Segundo Gaskell (2002), deve existir um limite máximo para o número de
entrevistas, que não deve ultrapassar 25 entrevistas individuais. Para Bauer e
Aarts (2002) a limitação do total se baseia tanto na saturação do tema quanto ao
tempo hábil para a pesquisa. O tempo disponível para se fazer e analisar as
entrevistas é a primeira restrição sobre o tamanho de uma pesquisa. O
pesquisador precisa de tempo para fazer uma boa análise, diminuindo o risco de
coletar tanto material a ponto de não conseguir aprofundar suas análises. A
segunda limitação, a saturação, refere-se ao momento em que uma nova
entrevista acrescenta pouco às descobertas já feitas no estrato pesquisado.
No total foram realizadas 12 entrevistas que duraram, em média, noventa minutos,
totalizando 554 minutos de gravação. Anotações foram feitas ao final de algumas
entrevistas, quando as entrevistadas davam depoimentos relevantes ao tema,
após o gravador estar desligado. Essas anotações foram incorporadas às
transcrições no momento da análise.
56
A seguir é feita uma breve descrição do perfil das entrevistadas, traços marcantes
e a descrição dos cabelos. Como cada entrevistada possuía diferentes
quantidades de fios brancos, foi feita uma escala (ANEXO 1), a partir da
percepção da entrevistadora, a fim de que orientar o leitor em termos dessa
diferença entre os tipos de cabelos.
Descrição das entrevistadas
Alice, 37 anos, casada
Formação
Letras Português/Inglês
Ocupação
Comerciante
Traços Marcantes
Mulher simples, em termos de visual e atividades de
lazer
Descrição dos Cabelos
Cabelo longo, escuro com mechas brancas
quantidade média. Tom cinza acobreado.
em
Aline, 47 anos, casada, 3 filhos
Formação
Técnica em produções cinematográficas
Ocupação
Produtora cultural e produtora executiva de um projeto
de difusão do Áudio Visual Brasileiro
Traços Marcantes
Tem dupla nacionalidade (brasileira e americana), gosta
de sair com os amigos em dias menos movimentados,
freqüenta muitas festas e tem visual moderno
Descrição dos Cabelos
Cabelo com grandes mechas brancas Predominância
dos fios brancos.
57
Amanda, 36 anos, desquitada
Formação
Direito
Ocupação
Advogada de uma consultoria de gestão
Traços Marcantes
Pratica esportes radicais ao ar livre como “catarse” do
cotidiano, já foi professora de etiqueta
Descrição dos Cabelos
Cabelos longos e muito escuros, fios brancos quase
imperceptíveis.
Ana Maria, 53 anos, 3 filhos
Formação
incompleta em Arquitetura e Psicologia. Completa em
Pedagogia
Ocupação
Empresária. Trabalha com o marido e os filhos numa
produtora pedagógico-editorial.
Traços Marcantes
É vegetariana, vai para o trabalho de bicicleta, recebe os
amigos todos os domingos, tem relação muito próxima
com os cabelos – conhece bastante e já foi cabeleireira
de amigos.
Descrição dos Cabelos
Cabelo longo. Mechas acinzentadas, distribuidas de
forma homogênea. Tom cinza.
Bruna, 38 anos, solteira
Formação
Jornalismo
58
Ocupação
Editora
Traços Marcantes
Mora sozinha, é vegetariana, valoriza as atividades ao ar
livre, lê os rótulos dos produtos para o cabelo antes de
comprá-los (preocupada em adquirir produtos sem
química).
Descrição dos Cabelos
Cabelo curto e mesclado de forma homogênea. Tom
cinza – predominância dos fios pretos.
Cristiana, 49 anos, casada, 2 filhos
Formação
Arquitetura
Ocupação
Administra a produtora de vídeo da família
Traços Marcantes
Passa todas as manhãs na rotina de caminhar até a
praia e resolver problemas de casa, a tarde também
fica em casa, onde funciona a produtora.
Descrição dos Cabelos
Cabelos curtos e mesclados de forma homogênea.
Predominância dos fios brancos. Tom cinza
Lúcia, 31 anos, solteira, mora com os pais
Formação
Comunicação, pós incompleta em tradução
Ocupação
Editora
Traços Marcantes
Gosta de se divertir sozinha, se arruma como se fosse
um “projeto gráfico”, por duas vezes quase pintou o
cabelo.
Descrição dos Cabelos
Cabelo de comprimento médio, escuro, fios brancos
59
perceptíveis, em grande quantidade
Maria Cristina, 33 anos, casada, 1 filho
Formação
Psicologia
Ocupação
Responsável pela Comunicação de um Instituto
Traços Marcantes
Está em ascensão no trabalho, faz um curso de pósgraduação e cuida da família. Seu lazer se resume a
programas com o filho
Descrição dos Cabelos
Cabelos longos e muito escuros, fios
perceptíveis, mas em pouca quantidade.
brancos
Regina, 31 anos, casada
Formação
Comunicação, com mestrados em Administração e
Sociologia (na França)
Ocupação
Professora de Marketing e pesquisadora free lancer
Traços Marcantes
Vestia roupas com toque de modernidade, de
“tendência” de moda, usa maquiagem (rímel e batom)
todos os dias.
Descrição dos Cabelos
Cabelo médio, mesclado de forma homogênea, fios
brancos e negros. Tom cinza escuro.
Rogéria, 28 anos, solteira, mora com os pais
Formação
Letras e Tradução
60
Ocupação
Tradutora free-lancer e Assistente Editorial
Traços Marcantes
Usa as unhas pintadas de preto “há anos”, vestia
roupas bem simples, tem duas rotinas de trabalho –
passa os fins-de-semana trabalhando.
Descrição dos Cabelos
Cabelo médio e mesclado de forma homogênea.
Predominância de cabelos brancos. Tom cinza claro
Sandra, 54 anos, casada, 1 filha
Formação
Informática
Ocupação
Administra cooperativa de Informática
Traços Marcantes
Quando jovem, morava em uma cidade do interior e
fazia coisas como usar a cabeça raspada, dirigir sem
habilitação, dirigir um trator.
Descrição dos Cabelos
Cabelo muito comprido, com mechas acinzentadas,
distribuídas de forma heterogênea. Tom cinza.
Telma, 51, casada, 3 filhos
Formação
Biologia
Ocupação
Professora de biologia e Coordenadora
Psicopedagogia de uma escola tradicional
Traços Marcantes
Lazer é em casa ou com a família. Viaja anualmente
ou para Santa Catarina, onde tem família, ou para a
Europa, quando tem dinheiro
Descrição dos Cabelos
Cabelos curtos e mesclados de forma homogênea.
de
61
Predominância dos fios brancos. Tom cinza.
Dificuldades e peculiaridades no campo
Como em todo estudo, a pesquisadora também encontrou dificuldades e
peculiaridades na realização das entrevistas. Como auxílio para futuros estudos,
faz-se aqui uma descrição desses percalços.
Como as entrevistas foram realizadas no local e horário mais conveniente às
entrevistadas e por serem elas, em sua maioria, profissionais com a rotina
bastante ocupada por compromissos, a pesquisadora precisou estar disponível
para ir a diversos bairros como Leblon, Cosme Velho, Centro, Botafogo e em
qualquer horários do dia – pela manhã, na hora do almoço ou de noite. Para que a
fase de entrevistas não demorasse muito tempo, era preciso estar disponível a
qualquer momento. Teve-se o cuidado de ligar no dia anterior ou horas antes para
confirmar as entrevistas, quando elas eram agendadas com antecedência.
As entrevistas foram feitas em diversos locais e cômodos – salas de reunião,
restaurantes, salas de jantar, quartos, salas de trabalho. Era preciso ter atenção
para que a gravação não ficasse com muitos ruídos quando a entrevista precisava
ser feita em lugares públicos abertos, como restaurantes.
Quando realizada no ambiente de trabalho, era comum ocorrerem interrupções,
como as do toque do telefone, da entrada de outros funcionários na sala ou pela
necessidade de solução de algum problema urgente. Neste momento, a
pesquisadora precisava parar a gravação e ter em mente a última frase da
entrevistada, para saber de onde retomar a entrevista.
62
Ocorreu, também, a intervenção de um marido quando a entrevista se realizava na
mesma sala onde ele estava. A entrevistada e a pesquisadora estavam sentadas
no sofá, mas o marido trabalhava na sala de jantar próxima. Ao ouvir um
depoimento, o homem se manifestou. Mais tarde, muitos telefones começaram a
tocar (a sala da casa era o escritório da empresa do casal), e a pesquisadora
perguntou se não haveria outro cômodo onde a entrevista pudesse continuar, sem
perturbar a rotina da “casa-empresa”. O estudo continuou no quarto, longe do
marido e dos telefonemas.
63
FASE 4 – Tratamento de dados
Neste trabalho, a análise dos dados foi feita por meio de duas técnicas: a análise
de discurso e a análise dos dados obtidos na aplicação adaptada do laddering.
“Análise de discurso é o nome dado a uma variedade de diferentes enfoques no
estudo de textos” (GILL, 2002, p.244). Existem diversos estilos de análise de
discurso, variando de acordo com tradições teóricas. Todas essas formas rejeitam
a noção realista de que a linguagem é uma forma de refletir sobre o mundo. Todas
compartilham da idéia de que o discurso tem importância central na construção da
vida social (GILL, 2002).
O método de trabalho consiste em, primeiramente, procurar por padrões no
discurso, o que denota a variabilidade e a consistência entre as narrações. Em
seguida, pode-se criar hipóteses sobre as características específicas do discurso,
testando-as frente aos dados. A atenção dos analistas de discurso deve ser
empregada tanto no exame da linguagem quanto nos silêncios, naquilo que não é
dito (GILL, 2002).
Foram feitas duas leituras da entrevista antes de serem identificados os padrões e
as discrepâncias nas narrações. A análise foi baseada tanto na identificação
desses dois pontos, quanto na tentativa de aliar o que se encontrou na revisão da
literatura com o que foi dito pelas entrevistadas.
A análise do discurso foi feita após ter sido completada a analise dos dados
obtidos com o laddering.
Na metodologia laddering, a formação da cadeia de três níveis de abstração
(atitude, conseqüência e valores), pode ser desdobrada em uma de seis níveis e
de quatro, sendo a de quatro a mais comum. A cadeia de seis elos foi escrita por
Olson e Reynold em 1983 e é demonstrada a seguir (OLSON, REYNOLD, 2001):
64
Atributos Concretos – Atributos Abstratos – Conseqüências Funcionais –
Conseqüências Psicosociais – Valores Instrumentais – Valores Terminais.
Por vários estudiosos entenderem que a cadeia de seis elos é muito complexa e
não aplicável em vários negócios, adota-se hoje como o padrão a cadeia de
quatro elos, descrita abaixo (OLSON, REYNOLD, 2001):
Atitudes – Conseqüências Funcionais – Conseqüências Psicosociais – Valores ou
Objetivos
A análise da informação coletada através da técnica de laddering envolveu,
primeiramente, uma análise de conteúdo para identificar os elementos-chaves, isto
é, as respostas mais citadas para cada um dos elos. Depois, o pesquisador
elaborou uma tabela para representar o número de associações feitas entre cada
um dos elementos (REYNOLD, THOMAS, 1988). Essa tabela serviu de base para
a formação de um diagrama, onde se pode visualizar melhor as cadeias, cuja
análise foi feita em seguida.
3.4 Limitações do método
Antes de se apresentar os resultados e as conclusões desta pesquisa, é preciso
alertar o leitor para as limitações do tipo de estudo aqui proposto.
Deve-se ter em mente que os resultados desta pesquisa não devem ser
projetados para outras amostras ou populações, visto que as informações obtidas
não se propõem a serem representativas (Aaker et al., 2004).
Por se basear nas informações concedidas, isto é, pelo discurso do entrevistado, a
pesquisa qualitativa apresenta limitações da seguinte ordem: o entrevistador pode
não ser capaz de entender a linguagem do entrevistado; o entrevistado pode não
mencionar todos os detalhes importantes; algumas coisas podem ser difíceis de
serem ditas em palavras, constrangedoras ou “descortesias”; o entrevistado pode
ter um discurso tendencioso – discurso pronto, que não é o seu, mas o do status
65
quo. Tudo isso pode fazer com que o entrevistador tenha falsas inferências a partir
da análise dos dados (GASKELL, 2002).
Outra limitação é o fato da pouca estruturação do roteiro permitir grande
flexibilidade aos resultados (Aaker et al., 2004). Dessa forma, a pesquisa
qualitativa está muito suscetível à influência do entrevistador e à lógica do
entrevistado. A obtenção de pontos de vista diferentemente abrangentes e a
interpretação dos dados dependem fortemente das capacitações do entrevistador
(MALHOTRA, 1993). Pelo lado do entrevistado, ele, ainda que guiado, cobre de
forma mais profunda os assuntos que mais lhe interessem e vice-versa; além
disso, é sua lógica e perspectiva interna que conduz a entrevista (CAMPOS,
2000).
66
4. DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Neste tópico é feita a discussão do que foi levantado nas entrevistas qualitativas.
A discussão é conduzida, principalmente, pelas perguntas que o estudo pretendeu
responder. Em meio à apresentação dos resultados, é feita a associação deles
com as teorias apresentadas na Revisão da Literatura. Este capítulo se inicia com
a apresentação dos tipos de cuidados que as entrevistadas têm com seus
cabelos, isto é, que tipo de rituais existem por trás da relação com eles e que
produtos são consumidos. No segundo tópico, discute-se os fios brancos em
termos das reações que eles despertam no meio social do qual pertencem as
entrevistadas, e do que eles representam para as mulheres com base em seus
questionamentos – formas de usar e comparação com aquelas que não os tingem.
O terceiro item desta análise apresenta e analisa os resultados da aplicação da
metodologia laddering, ou seja, que conseqüências e valores foram identificados
na atitude de não pintar os cabelos. No último tópico, é analisado o
comportamento desviante das entrevistadas em termos de estilo de vida, consumo
e relação com o cabelo bem como o levantamento de como elas se vêem frente
aos padrões de beleza estabelecidos.
4.1A percepção de vaidade
De forma freqüente, as perguntas em relação aos hábitos e cuidados em relação
aos cabelos desencadeavam a avaliação de muitas entrevistadas a respeito da
sua vaidade, um discurso que contrapõe a descrição de seus hábitos de beleza:
“Eu não sou uma pessoa muito vaidosa” (Telma, 51)
“É, vamos dizer assim, eu não sou uma pessoa assim muito
preocupada”. (Sandra, 54)
67
“Eu sou uma mulher muito, muito pouco vaidosa. É assim, higiene
básica mesmo (...) O meu cabelo é uma coisa assim que eu curto muito,
agora é um cabelo que não me dá trabalho” (Alice, 37)
Na declaração de Alice, a percepção de vaidade parece relacionada com o tempo
disponível da mulher, “não me dá trabalho” pode ser lido como “não preciso gastar
muito tempo cuidando dele”. Outras entrevistadas também associam a vaidade a
sua disponibilidade:
“O meu limite de vaidade é até onde ela me dá trabalho. Eu sou uma
pessoa vaidosa, mas eu não sou capaz de sacrificar o meu tempo de
lazer em benefício da vaidade” (Cristiana, 49)
“Eu não sou muito vaidosa. Então eu não gosto de dedicar tempo à
essas coisas. E se ele fosse complicado eu ia ter que dedicar. Porque
assim, que por menos vaidosa que você seja, você simplesmente não
pode sair com o cabelo sujo. Não pode sair com o cabelo parecendo um
ninho de pombo. Enfim, então...Tem um mínimo que você tem que
fazer”. (Rogéria, 28)
Talvez a percepção de vaidade relacionada ao tempo gasto para satisfazê-la
possa ser explicada pelo que afirmam Mauss (1972) e Bouzón (2004). A noção de
estética é caracterizada pela ausência de utilidade, diferente da técnica, que se
relaciona diretamente com a idéia de utilidade. O fato estético é representado
sempre sob uma forma de jogo, de desnecessário, de luxo (MARCEL MAUSS,
1972). É como se Cristiana e Rogéria relacionassem a vaidade com algo fútil,
desnecessário, quando se existe algo de mais “útil” no qual empregar o tempo.
Neste sentido, a explicação de Bouzón (2004) é de que “O cabelo é considerado
fútil porque é socialmente localizado dentro do campo da vaidade, da beleza, do
corpo físico, do que é externo, superficial e profano” (BOUZÓN, p. 39).
68
Ainda que o tempo pareça ser mais importante do que a vaidade, no discurso de
Rogéria, existe “um mínimo” a fazer. Esse mínimo sugere que é preciso cuidar da
imagem que você tem frente aos outros, mesmo que você não seja vaidosa, e
tenha essa noção de utilitarismo dentro de você.
Além dessa possível percepção de pouca utilidade na vaidade com os cabelos,
Ana Maria chama a atenção para uma outra maneira de encarar a vaidade. Para
ela, parece ser algo inerente às mulheres.
“Apesar de ser assim uma pessoa sem hábitos de vaidade muito forte,
eu sou uma pessoa muito vaidosa. Eu acho que estou sempre ligada,
sabe, em nunca esquecer que eu sou uma mulher” (Ana Maria, 53)
De tal forma que ela, cujos hábitos de vaidade são poucos, sugere que a vaidade
pode ser algo interno, algo que está na mente dos vaidosos e não somente em
suas práticas. Porém, ao mesmo tempo em que esse grupo de entrevistadas
parece possuir alguma dificuldade para assumir que são vaidosas, a vaidade
começa a se revelar quando falam dos cuidados com os cabelos.
4.2 Cuidados com os cabelos: produtos e serviços
Através do relato dos hábitos de beleza em relação aos cabelos é possível
identificar a conexão das entrevistadas com suas madeixas. Percebe-se que os
cuidados podem até se constituir em rituais. O caso de Aline, 47 anos, é um
exemplo.
“...eu massageio bem o couro, puxo ele pra lá e pra cá, e também puxo
o cabelo, viro a cabeça pra baixo e puxo e esfrego bem as pontas. Aí,
seco com a toalha, uso o condicionador e a cera. Depois, eu escovo
com uma escova (...). Eu tenho muito cabelo. Então é uma escova meio
pente. E aí eu jogo o meu cabelo pra todos os lados. Escovo ele pra
69
frente, pra trás, pro lado. Depois que eu escovo, acerto com a mão e
passo o tal creme de pentear” (Aline, 47).
Para muitas, os hábitos relacionados aos cabelos parecem se resumir a lavar com
xampu e condicionador. A freqüência de lavagens na semana varia, mas muitas
relatam que lavam todos os dias. Aquelas que consideram seus cabelos mais
secos optam por lavar menos.
Como é a relação dessas entrevistadas com seus cabeleireiros? Alguns discursos
como os de Aline (47) e Regina (31), mostram um certo desconforto. Elas relatam
a impaciência com o Salão de Cabeleireiro – mencionam que não gostam do
ambiente e que rapidamente sentem vontade de ir embora. Aline menciona que
deixou de continuar um tratamento de hidratação e largou o hábito de pintar
graças ao “desgosto em freqüentar esse ambiente”. Hoje, ela corta os cabelos em
um lugar que chama de “atelier”. Regina relata que já ganhou hidratações ou
escovas, em promoções por cortar o cabelo e, mesmo assim, não quis
permanecer no salão para realizar esses serviços “brindes”.
No entanto, as
entrevistadas foram revelando a importância atribuída aos serviços de
cabeleireiro.
Aparecem, por exemplo, diferentes freqüências do corte de cabelo. Os relatos
daquelas cujos cabelos são curtos – isto é, cabelos na altura ou acima do pescoço
– indicam que elas vão ao cabeleireiro mais vezes ao ano. Normalmente, a cada
dois ou três meses para manter o corte. Os relatos sugerem que cabelos curtos
combinam com os fios gisalhos:
“Porque o cabelo grisalho eu acho legal ele mais repicado, acho que
aparece mais o grisalho, ele fica mais bonito, e aí eu fui gostando dele”
(Cristiana, 49).
“Porque eu acho que o cabelo branco grande envelhece. Quando ele
começou a ficar mais grisalho, eu fiz essa opção (Telma, 51)”
70
Nesses relatos aparecem opções de escolha e os cabelos são gerenciados como
uma unidade customizável (Askergaard, 2002). Como tornar os cabelos brancos
interessantes? O relato de Regina (31), também sobre cortes, aponta para
significados interessantes. Ela sugere que cabelos brancos não seriam modernos,
o que motivaria a vontade pelo contraponto, pelo corte moderno, mais
interessante, mais diferente, com intuito declarado de chamar mais atenção. O
que não acontecera com ela, talvez porque cabelos brancos combinam com
cabelos curtos:
“Quando eu voltei da França, eu pensei assim: ’vou fazer um corte de
cabelo muito diferente. Muito moderno; que dê um contraponto pro
cabelo branco’. Então ao invés de eu ter o cabelo liso comprido, igual a
todo mundo, eu vou fazer um corte que seja diferente também. E
engraçado, porque parece que o meu cabelo ficou menos branco com o
corte. Assim, ele chama menos atenção” (Regina, 31).
O que aconteceu? Será que o corte tornou mais discreto os cabelos grisalhos,
porque os recolocou em equilíbrio com alguma lógica ou com algum padrão?
Mesmo fugindo do padrão ao não pintar os cabelos, Regina demonstra qye está
buscando a “harmonia”, o “belo”, o “resultado”, ou seja, a beleza é algo que pode
ser melhorada (Queiroz e Otta, 2000).
O depoimento de Ana Maria (53) reforça a idéia, presente na declaração de
Regina, de que o corte dos cabelos está além da relação tesoura-fio-corte – numa
visão similar ao resultado da etnografia de Bouzón (2004), que aponta que é
preciso que o cabelo combine com o rosto e o corpo. Um novo corte pode
influenciar a vida de uma mulher, por constituir tanto sua aparência quanto sua
expressão visual no mundo. E, como lidar com o cabelo, num mundo pósmoderno, em que uma mesma pessoa pode possuir vários estilos? (Cova, 2002)
“E o corte eu acho que tem que ser além do estilo. É lógico que você
tem muitos estilos, mas você tem o rosto da pessoa. O comportamento
71
que fica. Qual é a relação do peso de seu cabelo na parte de cima do
cabelo com a parte debaixo do cabelo? Como é que é a relação desse
corte com o seu pescoço? Com o resto do seu corpo?” (Ana Maria, 53).
Os testemunhos coletados em relação aos cuidados com os cabelos mostram
também preocupação com a escolha dos produtos e marcas? O que, inicialmente,
parecia estar associado a algo muito básico: um xampu e um condicionador passa
a revelar outras preocupações e cuidados, fato exemplificado pelo relato de
Rogéria (28):
“Então assim: desde que eu me entendi com o cabelo, eu evito mexer
muito com ele. (...) Eu normalmente uso xampu e creme rinse e só;
tomo muito cuidado. Eu me acertei com um xampu, que pra mim é muito
caro, mas é bom. Eu evito botar qualquer coisa no meu cabelo. É um
trauma mesmo de adolescência” (Rogéria, 28).
As entrevistadas mostraram diversidade em suas escolhas de produtos e marcas
para os cabelos. Algumas pagam mais caro (“de 15 a 20 reais”) por xampus de
marcas mais sofisticadas (“Boticário, Payot, Klorane”), enquanto outras compram
xampus mais baratos (“de 5 a 10 reais”), de marcas mais populares (“Seda,
Aquamarine, Colorama”).
Bruna (38) relata que, por ser “natureba de carteirinha”, investe em produtos
naturais, com cheiro menos forte. E, não basta que o produto seja vendido como
natural:
“Eu sou aquela pessoa que lê os rótulos dos produtos pra ver o que tem
(...) Então eu gosto de comprar sempre os produtos mais naturais
possíveis (...) Têm muitas substâncias que às vezes você não nota. Por
exemplo, uma vez eu comprei um xampu numa loja de produtos
naturais. (...) Naquele tipo de xampu natural eu tinha quatro tipos de
corantes diferentes. E várias substâncias conservantes. (...)Tem alguns
72
tipos de corantes que são absolutamente prejudiciais à saúde. Então eu
fui na loja e troquei aquele xampu. Não quis usar aquilo.” (Bruna, 38)
A atitude de Bruna remonta ao que Lipovetsky (2000) defende: a idéia de que
existe espaço, no mercado de cosméticos, para a escolha crítica, para o
consumidor comparar produtos e fazer escolhas voluntárias. Como é o caso
também da escolha do xampu mais adequado.
Cristiana (49), Aline (48) e Regina (31) relatam especificamente o uso de xampus
para cabelos grisalhos. Cristiana (49), por exemplo, faz testes antes de suas
escolhas de produto e marcas à procura do tom mais bonito do branco dos
cabelos ou de um melhor custo/benefício:
“Acho que dá uma tonalidade ao branco, mais brilhante, não fica
amarelado. Mantém o branco bonito e um vidro dura mais ou menos um
mês (...) Esse do Boticário eu senti realmente que fez uma diferença no
branco, inclusive das pessoas comentarem que o cabelo estava
diferente“. (Cristiana, 49)
A compra de produtos de higiene e limpeza, na maioria dos casos, acontece para
satisfazer ao que Maslow chama de necessidade social, em sua Hierarquia das
Necessidades Humanas. O depoimento de Cristiana sugere que um dos motivos
diretos para a escolha do Boticário tenha sido o reconhecimento das pessoas, um
exemplo claro, dentre outros reconhecidos nos depoimentos acima, da teoria das
necessidades.
4.3 Os cabelos grisalhos: reações e questionamentos
Por que manter os cabelos grisalhos não parece ser uma decisão comum? As
mulheres que tomaram essa decisão sugerem possíveis motivos: elas conhecem
poucas mulheres na mesma situação - as que dizem conhecer, lembram apenas
de duas ou três; as mulheres grisalhas não são assunto de revistas e jornais
73
voltados para o público feminino – as mulheres de cabelos brancos não se sentem
representadas pelos meios de comunicação:
“lembro de uma matéria que saiu no Caderno Ela [do Jornal O Globo]
sobre isso. Nunca mais li nada sobre o cabelo grisalho” (Aline, 47).
“Você não vê uma reportagem de tratamento pra cabelo grisalho. Eu já
olhei várias revistas de moda. Na Elle, na Cláudia, na Estilo, na Nova,
nenhuma dessas revistas nunca trouxe uma reportagem pra cabelo
grisalho. Eu até já pensei em escrever, dizendo: ‘puxa, vocês não
pensam nessas mulheres moças com cabelo grisalho, por quê?’”
(Cristiana, 49)
Outro motivo se relaciona com reações que as pessoas têm ao fato delas
manterem seus fios brancos. Algumas entrevistadas relatam reações de surpresa,
de indagação e até mesmo de tentativas de coerção por parte de amigos e
familiares, o que parece estar de acordo com a etnografia de Bouzón (2004) e a
teoria de que manter os fios brancos, vai contra fortes exigências sociais, sendo
uma atitude muito corajosa.
Algumas entrevistadas, entretanto, relatam observações positivas, de aprovação –
principalmente, por parte dos homens – à opção por não colorirem os cabelos.
4.3.1 Reações aos cabelos grisalhos
Novaes e Vilhena (2003) lembram que o indivíduo é responsável por seu corpo e
que desde a modernidade o corpo humano é uma representação da
individualidade. A concepção sobre si mesma pode ser diferente dos padrões
existentes, que guiam a busca coletiva. No entanto, conceber-se diferente tem
conseqüências, como reações e julgamentos.
74
Os depoimentos das entrevistadas sobre reações d grupo social em relação à
opção pelos cabelos grisalhos sugerem algumas dificuldades. Elas encaram “por
quês”, estranhamentos, indagações – os questionamentos negativos:
“Olha, acho que não tem reação boa. Ninguém elogia. A pessoa pode
não criticar, mas fala assim: ‘Nossa!’” (Maria Cristina, 33)
As pessoas costumam associar os fios brancos até mesmo à falta de dinheiro, de
tempo ou de cuidado.
“O que eu escuto: ‘o que está faltando? Dinheiro? Perdeu a vaidade?
Nossa! Você está parecendo bem mais velha!, É falta de tempo?’ (...)
Mas reação positiva eu não vejo ninguém. Muito difícil.” (Alice, 37)
“Pra mim, a pior coisa do cabelo branco é agüentar a pressão das
outras mulheres. Elas ficam muito incomodadas. Às vezes, cruzo com
gente andando na praia: ‘Cristiana, quando é que você vai pintar esse
cabelo?” Passa por mim, mal cumprimenta. Mas que já não me vê há
muito tempo. “Você não vai pintar nunca esse cabelo?’ (...) a minha
mãe, por exemplo, ficava ‘incomodadíssima’ com o meu cabelo. Quando
o meu cabelo ficou branco ela falava o tempo todo” (Cristiana, 49).
Os depoimentos abaixo ajudam a entender diferenças nas reações das pessoas
com muita ou pouca intimidade. Na percepção de Regina (31), quando não se é
íntimo, há certo constrangimento na reação. Por outro lado, quando se é muito
amigo ou da família, as reações são diferentes. A entrevistada parece não
entender o porquê de apenas seus cabelos serem assunto de conversas em
jantares de família. Por que outras pessoas não estão “na berlinda” como ela por
causa de seus cabelos ou de outras características físicas?
75
: “Engraçado que eu acho que as pessoas ficam meio sem graça. Eu
acho que não é todo mundo que tem a coragem de vir pra mim e dizer:
‘Por que você não pinta?’ Não é todo mundo que tem essa coragem.”
(Regina, 31)
“Eu lembro que rolou esse jantar e se instaurou um colóquio se eu
deveria pintar o cabelo ou não. E as pessoas discutindo. ‘ah, ela é muito
nova pra ter cabelo branco’, ‘ela poderia fazer isso...’ Engraçado porque
um deles, que é meu primo, eu acho ele gordo. E ninguém discute se
ele tem que fazer dieta. O outro, sei lá, tem um cabelo que eu acho
esquisito. Ninguém discute o corte dele, entendeu? (Regina, 31)
Existe “felicidade” com os cabelos brancos? Alice (37) reforça a posição de
Roberta de que outras características não são tão criticadas ou realçadas como os
cabelos grisalhos:
“Vou a tudo quanto é festa sem maquiagem, nunca ouvi ninguém falar:
‘Pô, está de cara limpa’. Agora quando você está com o cabelo sem
pintar, fatalmente vão falar”. (Alice, 37)
A falta da maquiagem, então, seria permitida? Mas a maquiagem, no fim, não teria
o mesmo princípio da tintura? Não seria também, sob um ponto de vista, uma
forma de esconder as marcas de envelhecimento? Por que, na comparação, a
cobrança é maior com a tintura?
Bruna (38) lembra que as reações são contraditórias. Apesar de ouvir
frequentemente reações de indagações dos outros, ela se surpreendeu quando
ouviu, sem querer, uma reação de admiração:
“A reação mais comum é perguntar o por quê. Por que você não pinta o
cabelo? Em contrapartida, eu tava uma vez no teatro e tava esperando
começar a peça e aí eu escutei assim as mulheres detrás comentando:
76
‘olha só o cabelo dessa mulher aí da frente. Eu me arrependo tanto de
ter começado a pintar o meu cabelo... ‘ “. (Bruna, 38)
Nesse caso, Bruna parece ter sido uma prova, para essa mulher, de que era
possível viver com os cabelos brancos. Isso está de acordo com o que percebe
Aline (47):
“As mulheres olham. As mulheres ficam assim... Têm um olhar de
estranhamento, mas não é um estranhamento negativo. É um
estranhamento de curiosidade. De possibilidades” (Aline, 47)
É como se as mulheres vislumbrassem a possibilidade de agirem da mesma forma
e de serem capazes de, assim, freqüentar lugares públicos, como teatros e festas.
E os homens? Como reagem aos cabelos grisalhos dessas mulheres?
“Eu já percebi que agrada aos homens. Eu encontro com amigos meus
que não vejo há muito tempo: ‘Nossa! Até que enfim uma pessoa
autêntica! ’ ‘Que legal! ’ ‘Você está bárbara!’ “ (Cristiana, 49)
Vale, neste momento, retomar as idéias de Novaes e Vilhena (2003), segundo as
quais o desvio do padrão de beleza aceitável, para o homem, está vinculado à
falta de tempo, dada a sua rotina atribulada. Já entre as mulheres, o desvio está
vinculado à falta de vaidade, de esforço e de cuidado pessoal. Talvez pelo fato do
peso do padrão ser maior entre as mulheres, elas se sintam mais incomodadas
com as desviantes, com aquelas que não seguem os mesmos padrões que lhes
são estabelecidos.
Telma também percebe o apoio masculino. “Os homens em geral apóiam (...) Meu
marido, por exemplo, meus filhos, são francamente favoráveis. Dão maior apoio
que não pinte” (Telma, 51)
Identifica-se, no discurso de algumas entrevistadas, que o salão de cabeleireiro é
um local propício para as avaliações e sugestões de mudança:
77
“Quando você vai cortar o cabelo no Salão de Cabeleireiro, tem muita
gente que fica olhando” (Bruna, 38).
“Qualquer salão novo que eu vou eu tenho realmente que convencer
que eu não quero pintar o cabelo. Senão fica uma catequese querendo
me mostrar todos os produtos. Os últimos lançamentos. A melhor
novidade do mundo pra me convencer a pintar” (Cristiana, 49).
Aline chega a comparar as diferentes reações de cabeleireiros. A partir de seu
discurso, pode-se perceber a formação de um juízo em relação a um profissional
mais “antenado”, que não critica seus cabelos e, em contrapartida, a profissionais
mais tradicionais que viviam sugerindo a continuidade do hábito de pintar.
Enquanto Regina (31) precisou de um corte moderno para assumir os fios brancos
sem dúvidas, Aline (47) precisa de um cabelereiro moderno que respeite sua
atitude.
“Por exemplo, o Vini [cabeleireiro que atende em ateliê e trabalha, mais
especificamente, com produções de moda] nunca falou pra eu pintar.
Sempre brincou e transou e trabalhou com o meu cabelo com a questão
dele ser grisalho. É claro que as cabeleireiras lá do ‘salãozinho
mequetrefe’ queriam que eu continuasse a pintar” (Aline, 47).
Talvez o que Aline queira dizer é que não é qualquer pessoa ou profissional que
entende a atitude de manter os fios brancos – é preciso estar além do ‘mequetrefe’
para respeitar seus desejos e entender suas atitudes. Ela destaca dois universos
de beleza com valores completamente diferentes e se coloca na posição de
mulher moderna, à frente do seu tempo.
“Nunca recebi qualquer tipo de reprovação por parte de qualquer
pessoa, a não ser alguns cabeleireiros que sugeriram de eu pintar o
cabelo”. (Lucia, 31)
78
Lucia não é a única que só recebe comentários positivos.
“Eu tenho sido muito elogiada (...) Todo mundo fala: ‘Poxa é a primeira
vez que eu estou vendo um cabelo ficar grisalho de uma forma bonita”.
(Ana Maria, 53)
“Eu acho que a maioria gosta. Pelo menos a maioria se manifesta
achando que o cabelo é diferente e que é legal eu assumir o cabelo
assim; dificilmente alguém não tem uma opinião sobre o meu cabelo”
(Rogéria, 28)
Além do elogio, o depoimento acima aponta para o porquê dos constantes
comentários a cerca dos cabelos brancos. O fato dos cabelos de Rogéria sempre
despertarem opiniões não é indicativo de que eles são diferentes? Ainda mais ao
se considerar a idade da entrevistada...
Segundo Aline (47), a adoção dos cabelos brancos parece ser mais comum hoje
em dia que há cinco anos. ”Porque agora eu vejo mais gente com cabelo grisalho,
mas quando eu comecei a usar, não tinha ninguém”. Será que isso pode ser
explicação para o que aponta Rogéria? Em relação a sua mãe, ela acredita que as
críticas eram muito maiores:
“Minha mãe tem 52 anos. Vai fazer 53 e ela tem o cabelo grisalho, e ela
passou a vida inteira ouvindo as pessoas pedindo pra ela pintar o
cabelo, até muito mais do que eu. Não sei se houve alguma mudança.
Ela sempre teve mais reações negativas do que positivas, em relação
ao cabelo dela” (Rogéria, 28).
Se o uso de tintura para cabelos cresce, porque se aceita cada vez mais as
mulheres que não a utilizam e, ainda, porque é mais comum encontrar essas
mulheres? Será essa uma constatação de que a sociedade está mais acostumada
com o diferente?
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Interessante perceber como algumas entrevistadas percebem a indagação das
pessoas quanto a naturalidade de seus cabelos. Parecem existir dúvidas que um
cabelo branco bonito seja natural.
“Quando as pessoas costumar ser apresentadas pra mim, muitas delas
me perguntam se é natural, se não é” (Rogéria, 28)
“Recebo muito retorno externo natural das pessoas assim, de eu entrar
em loja e vendedor fashion vir me perguntar se o meu cabelo é natural
ou se é pintado. Outro dia, a gente entrou na loja da Zoomp, na Oscar
Freire, que é a epítome do fashion do Brasil. Do fashion legal. E veio o
cara imediatamente falar comigo. Claro que ele podia estar tentando
persuadir pra vender, mas eu acho que não foi isso não porque ele foi
super-espontâneo, querendo saber se eu pintava, se meu cabelo era
natural, porque ele tava louco pra ficar com o cabelo grisalho”. (Aline,
47)
Regina parece ter uma explicação para o que está por trás desse questionamento.
“Elas falam: ‘É natural?’ Eu falo: ‘É, por quê?’ ‘Não, porque ficou tão
bem que parece que você fez’. Quer dizer, porque cabelo branco
normalmente quando ele chega, ele é uma praga entendeu? Ele é ruim.
Ele é feio de qualquer jeito. Então o cabelo branco ficou bonito, as
pessoas perguntam: ‘É natural?’ “(Regina, 31)
A percepção de que os cabelos brancos são algo ruim faz com que as pessoas
estranhem o fato de uma pessoa de fios brancos ser bonita. Isso merece,
inclusive, questionamentos em situações como dentro de lojas, em caixas de
supermercado, no escritório de trabalho. Talvez a impressão das pessoas seja
tamanha que elas não escondem sua curiosidade.
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Na opinião de Ana Maria (53), os cabelos mais curtos possivelmente a fazem
receber mais elogios hoje.
“Agora com ele curto, menos pessoas falam pra eu pintar. As pessoas
estão elogiando. ‘Você está bacana, seu cabelo está ficando branco,
mas está bonito’. ‘Poxa, está lindo o seu cabelo!’”
A mãe de Regina (31), que pinta os cabelos, parece ser uma que elogiaria o
cabelo de Ana Maria. Sua reação quando Roberta cortou os cabelos demonstra
isso. “’Cabelo comprido, branco. Pelo amor de Deus, né!’ Ela me falou quando eu
cortei o cabelo: ‘Até que enfim você cortou esse cabelo!’”
Assim que os fios brancos foram ficando mais presentes, Cristiana (49) também
cortou o cabelo curto. “O cabelo grisalho eu acho legal mais repicado, acho que
aparece mais o grisalho, fica mais bonito”.
De onde virá essa percepção de que cabelos brancos ficam melhor quando
cortados? O corte parece ser um contraponto à percepção de que os cabelos
brancos representam o desleixo de quem os têm. Ele pode demonstrar que, pelo
contrário, a mulher se cuida – reforçando a idéia mencionada no item anterior de
que mesmo o cabelo grisalho pode (e deve, pela reação dos outros) ser alterado
na busca pela “harmonia” e pela “beleza”.
Talvez outra justificativa para os elogios seja a distribuição dos fios brancos.
Telma (51) justifica, da seguinte maneira, a opção de algumas amigas por terem
pintado: “Muitas dizem que começaram a pintar porque o grisalho era um grisalho
muito feio, localizado aqui na frente. Realmente, se meu cabelo tivesse ficado
grisalho assim eu acho que eu ia pintar”.
Sua fala nos permite inferir que talvez o fato do cabelo de Telma ter se tornado
grisalho de forma homogênea, sem mechas na frente, tenha colaborado na
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decisão de manter os fios brancos, justamente por eles serem harmoniosos e
bonitos.
A mulher, entretanto, não pode interferir no processo de clareamento dos fios, que
acontece de forma natural. Aline destaca outro fator “natural” que favorece
aquelas que possuem cabelos brancos. Em sua perspectiva, ela acredita que os
cabelos brancos combinam melhor com mulheres de olhos claros. Ela acha que
fica mais bonito. Dentre as entrevistadas, apenas três possuem olhos claros. Ela é
uma delas.
“uma das coisas que faz ficar bem é o olho claro. Tanto pessoas negras
quanto pessoas de olho azul, tendem a ficar bem de cabelo branco sem
ter um aspecto envelhecido”. (Aline, 47)
Aline seria, assim, uma mulher privilegiada, cujos olhos azuis lhe protegem do
envelhecimento dos cabelos brancos e, consequentemente, podem amenizar
algumas reações.
4.3.2 Questionamentos pessoais
Nem todos os depoimentos demonstraram convicção em relação à opção de
manter os cabelos brancos. Dúvidas? Por quê?
Maria Cristina, de 33 anos, lembra que, há oito meses, comprou um xampu
colorante para passar nos cabelos. Não usou, porém, não jogou fora nem deu
para uma amiga – o que costuma fazer quando compra um produto e não o usa –
sugerindo uma intenção de pintar o cabelo no futuro.
Outro relato, agora de Lucia (31) também mostra como pode ser difícil tomar essa
decisão.
“Há um mês, eu marquei o cabeleireiro pra passar tonalizante. Não fui.
Desmarquei na véspera, porque a minha chefe falou que tinha que
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tomar muito cuidado porque às vezes eles não colocam tonalizante.
Colocam tintura. Então você é que tem que levar o seu tonalizante. Eu
não tinha a menor idéia. Eu não conheço esse produto. Ela me deu uma
caixinha, que era um tonalizante e a cor era camurça. Só que eu pensei
assim: ‘camurça? Não vai cair bem nos meus cabelos brancos’.
Também não vai combinar com os meus cabelos pretos. Ah deixa como
tá que é melhor” (Lucia, 31)
Lucia continua sem pintar os cabelos. Não confiou no profissional, nem comprou
um outro tonalizante, que “combinasse com seus cabelos brancos”. Ainda assim,
afirma que pode ser que venha a pintar. “Quando ficar muito branco, talvez, mas
por enquanto ainda tá no ‘oitenta vinte’. Eu nunca fecho possibilidades” (Lucia,
31).
“Não fechar possibilidades” parece ser a atitude de outras entrevistadas como
Regina (31) e Ana Marina (53):
“Hoje, eu não tenho mais dúvida, mas se chegar um momento em que
eu olhar e falar ‘não tá mais bom’, ‘não está mais bonito’, eu vou
pintar” (Regina, 31).
Ela sugere que o limite entre pintar ou não os fios brancos é apenas sua vontade.
A fala de Ana Maria (53) sugere alinhamento com a opinião de Roberta:
“De repente eu fico com mais cabelo branco, e parecendo que estou
morta, porque eu sou super-clara. Não tenho quase cor nos lábios.
Sou uma pessoa super-devagar. Vou ficar parecendo uma mosca
morta. Pode ser, entendeu? Então eu vou ter que usar um artifício.
Vou ter que pintar de abóbora, cortar pequeno”.
Ainda que reajam aos padrões de beleza, as mulheres parecem conviver com
pressões estéticas. Ao não se colocarem numa “bolha”, elas admitem que podem
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vir a sucumbir às pressões. Quando não se sentirem mais bonitas, elas pintarão
os fios brancos. Onde estão as motivações para continuar sem pintar os cabelos?
Atitude diferenciada? Comportamento desviante? Senso estético?
4.3.4. A percepção sobre a mulher que pinta
Em seus relatos, as entrevistadas falam das diferentes reações de “outros” à
atitude de não pintar os cabelos. Mas, como essas mulheres – às vezes decididas,
às vezes inseguras – percebem ou julgam as que pintam? É interessante explorar
esse caminho inverso; na busca por mais explicações que ajudem na
compreensão da ausência do hábito de usar a tintura.
Alice (37), por exemplo, caracteriza as mulheres que pintam o cabelo de “mais
vaidosas”; porém “inseguras” e “imaturas” na comparação com as que não pintam:
“Eu acho que as pessoas que pintam têm uma preocupação maior
com a vaidade. E já essas que não têm essa preocupação tão grande,
são pessoas mais seguras, estão mais felizes com o que são. Não
estão se importando tanto com o que as pessoas vão falar dela. Eu
acho que são pessoas até mais maduras”.
Sandra (54) tem uma percepção bastante peculiar sobre as usuárias de tintura:
“Como eu me sinto bem com a minha cabeça branca. Ele vai se sentir
bem com o cabelo dela pintado. Porque ela acha que está
rejuvenescendo.
Eu
acho
que
não.
(risos)
Acho
que
está
envelhecendo".
Na contramão do senso comum de que tintura rejuvenesce, Sandra parece
acreditar que tintura envelhece. Ela olha para suas amigas e o que vê são
mulheres com rostos menos jovens do que teriam se optassem, como ela, por não
utilizar a tinta de cabelo.
84
Cristiana (49) também concorda que essas mulheres têm uma aparência pior por
causa da pintura. Ela não menciona o envelhecimento, mas a dificuldade em obter
uma cor adequada (sem ser “demais”):
“Eu vejo muita porcaria aí. Muita gente com cabelo pintado muito feio.
Ou fica escuro demais, ou fica claro demais. Vermelho demais”.
(Cristiana, 49)
Para Maria Cristina (33), o motivo passa pela vaidade e pela forma de ser:
“uma imagem da mulher que pinta é mais... sofisticada, usaria essa
palavra. E a que não pinta, geralmente é uma mulher mais simples”.
Mas as comparações de Lucia (31) não se resumem à dicotomia sofisticadosimples, onde o simples parece ser uma característica que ganhe cada vez mais
importância na atualidade. Chegam a dizer que “simplicidade é a máxima
sofisticação”. Lúcia sugere diferenças mais acentuadas entre os dois grupos; “de
espírito”, “de poder”, “intelectual”, “profissional”:
“Tem uma diferença muito grande de espírito entre a mulher que faz
questão de toda hora pintar o cabelo, que não é necessariamente uma
executiva, mas que seria o ícone desse tipo de mulher, e a que não
pinta o cabelo e que seria mais intelectualizada, que não estaria nessa
lógica do poder, de competitividade, de estar se apresentando, estar
sempre bacana (...) Eu acho que 0,00001% das mulheres com o estilo
executivo assumiriam os cabelos brancos”. (Lucia, 31)
Será que cabelos brancos ajudam a pensar (numa referência à mulher “mais
intelectualizada”) e os cabelos pintados ajudam a gerenciar (mulheres
“executivas”).
Os depoimentos de Aline (47) e Ana Maria (53) parecem, no entanto, abrir uma
exceção para a justificativa do cabelo pintado. A intenção da mulher no uso da
85
tinta pode influenciar a sua avaliação. Quando a intenção é brincar com o visual, a
opção pela tintura é respeitada:
“Tem o lúdico que eu acho legal. Porque aí é... aí é uma brincadeira
com a beleza. Não é querer negar uma realidade”. (Aline, 47)
“Quando a coisa é lúdica eu acho bacana. Quando não tem lúdico, só tá
querendo forçar uma barra...“ (Ana Maria, 53)
Então, o objetivo de esconder os fios brancos não seria visto da mesma forma que
o de mudar o visual. Na verdade, enquanto esse último é aceito, esperado, por ser
uma “brincadeira” e estar no campo do “lúdico”, o primeiro é associado a uma
“trapaça”, é a “negação do envelhecimento” e, por isso, uma “forçação de barra” –
um artifício para querer ser aquilo que não se é.
Interessante como, em princípio, qualquer mulher que pinta o cabelo nega a cor
natural do seu cabelo, aquilo que é por natureza. No entanto, aqui, apenas as que
pintam os fios brancos estão sendo avaliadas como fora da realidade. Afinal, de
qual grupo seria o comportamento desviante? Dos que não pintam? Das que
pintam? De ambos ou de nenhum grupo?
86
4.3 O comportamento desviante nas entrevistadas
O conceito utilizado neste estudo para comportamento desviante está relacionado
ao de contracultura, isto é, uma cultura minoritária caracterizada por valores,
normas e padrões de comportamento que contrariam aqueles da sociedade
dominante (BATZELL apud DESMOND ET AL., 2001)
As entrevistadas ao optarem por não pintarem seus cabelos estariam indo contra
o “padrão de comportamento” de esconder os fios brancos (BOUZÓN, 2004).
Como elas se vêem com relação a isso? O estilo de vida delas ou suas
experiências passadas envolvem situações de questionamento de normas?
Existiriam outras manifestações desviantes em relação aos seus cabelos?
4.3.1 Práticas desviantes em outras experiências e no cotidiano
Bruna (38), por exemplo, não é do tipo ativista, mas incorpora no seu dia-a-dia
algumas práticas dos movimentos pesquisados por Kozinets e Handelman (2004).
A organização dos movimentos de consumidores se dá contra a venda de
produtos que podem prejudicar o consumidor e a publicação de propagandas
enganosas. Bruna, no âmbito individual, preocupa-se com o que consome, ainda
que declare não propagar sua preocupação entre amigos e familiares.
Ela parece ter um comportamento de consumo peculiar, quando se auto-define
como “natureba de carteirinha”. É vegetariana, adepta de produtos naturais, se
exercita ao ar livre, tem a preocupação de não comprar produtos que contenham
substâncias químicas e sempre lê os rótulos de produtos antes de comprá-los,
inclusive os de beleza, como xampus.
O que isso nos mostra é que, provavelmente, a atitude com relação aos cabelos
não esteja isolada, que sua motivação esteja ligada à forma “natural” como a
mulher é ou foi no mundo. Como Bruna, com essas crenças, desconfianças e
atitudes poderia usar tintura?
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“Eu sempre desconfio daquela coisa da tinta (...) Não é só pela comida,
que você se contamina. Têm os produtos pra pele. Têm muitas
substâncias que às vezes você não está notando” (Bruna, 38).
Sandra (54) também não se expressa somente nas atitudes e cuidados com o
cabelo. Ela declara ser uma pessoa “a frente de seu tempo”, descrevendo o
comportamento que tinha quando era jovem:
“eu sou uma pessoa pra frente, eu acho que sou. Por exemplo, nasci
numa cidade do interior; com treze anos eu dirigia carro, dirigia trator,
Jipe. Sempre fiz coisas que, na época, na minha idade não se fazia.
Hoje em dia é uma coisa natural as pessoas saírem e chegarem de
manhã. Comigo, por exemplo, quando era nova, 17 ou 18 anos, essa foi
a coisa que mais gostei, sempre gostei de chegar de manhã em casa.
Eu acho que o amanhecer é a coisa mais linda que tem. Meu pai, a
minha mãe eles falavam que não ficava bem, porque os vizinhos... Tem
sempre os vizinhos. E eu sempre dizia: ninguém paga as minhas
contas. Ninguém pergunta se eu comi. Então eu não tenho que dar
satisfação da minha vida. Só que isso, vamos dizer, há 25, 30 anos
atrás, não era normal. Eu, por exemplo, eu me casei com 29 anos. Na
minha época as mulheres se casavam muito mais novas”. (Sandra, 54)
Mas, como é Sandra aos 54 anos? Ela continua com comportamentos que
contrariam os padrões sociais dominantes? Se a maioria das mulheres pinta os
cabelos brancos, Sandra parece escolher a outra opção:
“eu sou do contra. (rindo) Você, por exemplo, se ficar no meu pé,
dizendo que eu tenho que fazer um negócio, vou fazer ao contrário. Eu
faço ao contrário. Não adianta. Isso é meu, mesmo”. (Sandra, 54)
88
4.3.2 Consumo desviante em relação aos cabelos
Da mesma forma que os depoimentos de vida podem ajudar a compreender o
possível padrão desviante dessas mulheres, muitas lembranças também podem
ajudar a conhecê-las melhor. Quando perguntadas sobre “recordações” que
tinham a respeito especificamente de seus cabelos, algumas entrevistadas
lembraram de momentos interessantes e atitudes desviantes com relação a eles.
Buscou-se compreender se a possível atitude desviante de não pintar o cabelo
seria a primeira postura de contestação aos padrões. Alguns testemunhos
sugerem que não. É possível identificar comportamentos pouco usuais, como o
corte bem curto do cabelo, a adoção do estilo punk, o cabelo indomado num
contexto de pessoas arrumadas. Em todos os depoimentos abaixo, pode-se
perceber que independente do contexto em que estavam e das pessoas a sua
volta, muitas entrevistadas pareciam agir da forma que mais lhe agradava, de
maneira considerada autêntica.
Ana Maria (53), por exemplo, descreve que quando adolescente utilizava muitos
acessórios diferentes no cabelo. Acessórios que ninguém utilizava ou conhecia,
como penas, sementes, panos diferentes.
“Eu sempre fiz penteados diferentes. Isso eu sempre curti muito. Eu
criava muita coisa no cabelo. Eu tinha maneiras de prender, tinha
maneiras de emendar tranças, eu fazia muitas coisas que hoje já são
normais e naquela época ninguém fazia. Foi nos meus dezessete anos.
Eu usava uns panos na cabeça também. Umas faixas. Prendia contas.
Eu fazia muitas coisas que eu não tinha visto em nenhum lugar” (Ana
Maria, 53)
Sandra (54), ao contrário de Ana Maria, não era adepta dos acessórios, mas de
um cabelo muito simples, um cabelo quase raspado, que ela só conseguia cortar
na barbearia:
89
“Na adolescência eu sempre usei o meu cabelo muito curto. Sempre
muito, muito, até a minha irmã mexia comigo, dizia que eu era “Martim
Bate Lata” porque era assim maluca, que só eu cortava o meu cabelo
assim na navalha. Ficava assim bem baixinho mesmo. E antigamente
isso não era uma coisa comum pra mulher usar. Hoje em dia é moda.
Isso era uma coisa que chamava a atenção porque eu ficava com o
cabelo que só parecia o coquinho da cabeça. Eu cortava no barbeiro de
homem”. (Sandra, 54)
Outro depoimento interessante é o de Aline (47). Ela remete a uma época da vida
em que morava nos Estados Unidos:
“Lá, todo mundo é ‘super-comportadinho’, de cabelinhos curtos, as
mulheres usam o cabelo curto lá, é raro você ver uma mulher de cabelo
comprido, eu tinha um cabelo no meio das costas. Farto. Eu usava rabo
de cavalo. Muita trança, muito penteado, mas era sempre contra
corrente. Não era nem uma coisa...consciente minha. Eu outro dia, há
pouco tempo, vendo foto, falei: ‘caramba, vou pra um país onde todo
mundo usa cabelo curto... Fui com o cabelo mais comprido que eu tive.’”
(Aline, 47)
Lucia (31) conta que a única atitude mais radical que teve com os cabelos foi a de
cortá-los num estilo punk, por influência de uma amiga. Como Sandra, ela também
precisou ir a um lugar alternativo para conseguir o novo penteado:
“Um belo dia, com vinte e um anos, quando entrei pra faculdade, uma
amiga chegou, disse: ‘ah, vou ao barbeiro da Praia Vermelha, que é o
barbeiro dos militares e vou fazer um corte punk. Vou mandar cortar.
Passar a máquina no meu cabelo’. Ela tinha o cabelo super-cacheado, e
ele estava grande. Aí ela tirou tudo e só deixou umas mechas assim
localizadas. E eu achei o máximo e também pedi pro barbeiro, pra
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passar a máquina dois no meu cabelo e deixar só uma mecha aqui na
frente. Uma coisa super-alternativa”. (Lúcia, 31)
Pela tipologia de Holbrook et al. (1996), Lúcia e Aline, naquele momento de vida,
poderiam ser a caracterizadas dentro do Perfil Refiguração, do qual fazem parte
consumidores que buscam sair do padrão normal para o desviante, como uma
forma de crítica aos padrões estabelecidos de uma “Beleza Ideal”, física e que se
utiliza da artifícios (BAUDELAIRE, 2004; LIPOVETSKY, 2000; BAUDRILLARD,
1995).
Rogéria (28) expressa seu possível comportamento desviante de outra maneira:
relata que tentou mudar a aparência, pintando os cabelos de vermelho. Gostou do
resultado, mas decidiu aguardar até o cabelo voltar a sua cor natural, o “branco“:
“Aí deixei ele crescer normal, ignorando que eu estava com dedos e
dedos de cabelo branco e deixei crescer por um tempão, meu cabelo
ficando com duas cores. Meu cabelo foi crescendo e foi ficando: branco
até a orelha, da orelha pra baixo escuro. Não liguei. Eu sabia que ia
demorar, mas queria assumir mesmo” (Lucia, 28).
4.3.3 Percepção sobre si mesma: Será que os cabelos brancos a colocam em
desvio com os padrões?
Como as entrevistadas reconhecem seu lugar, ou seus cabelos brancos, em meio
ao padrão estético estabelecido? Antes de se fazer essa pergunta, elas foram
questionadas sobre qual seria o padrão de beleza da atualidade. Com base, nessa
comparação provocada, elas externalizaram suas opiniões e parecem ter em autoreconhecimento que estão fora do padrão (Bouzón, 2004) ou que querem se
diferenciar dele:
91
“O padrão não me incomoda porque ainda sou jovem ou pareço jovem.
Mas eu acho que a exigência de envelhecimento é grande ainda”. (Ana
Claúdia, 33)
“Hoje as pessoas não podem ter a aparência mais velha, só é bonito
quando é jovem. Eu discordo. Acho que tem muita mulher aí mais
madura que dá show. O que eu acho que você pode estar uma mulher
madura, não tão jovem e ser bonita”. (Telma, 51)
“O padrão é a mulher loura, magra, mas gostosa, jovem. Eu querer
contrapor esse padrão? Não. Não me passa nem pela cabeça. O que eu
acho preocupante é quando você tem um modelo só. Você ter só um
tipo de pessoa? Às vezes têm tantas. Aí é que começa quase como um
fundamentalismo esse da moda. Quando mais a gente puder mostrar
que a diferença é legal, mais a gente está contribuindo pra um mundo
menos tacanho. Menos polícia”. (Bruna, 38)
Por mais que Bruna não pareça disposta a ir contra a ordem vigente, como ela diz
no início de seu depoimento, ela é defensora das diferenças, que se contrapõem
ao “fundamentalismo” do padrão, “da moda” (BAUDRILLARD, 1995). Ana Maria
parece compartilhar da mesma insatisfação quanto à padronização ao mesmo
tempo em que também defende a diferença (BAUMAN, 2003), mas acredita que o
problema é mais acentuado localmente:
“Eu acho que no Rio de Janeiro está acontecendo uma coisa até de
raça pura. Uma coisa... Não é bem raça pura. Estou exagerando, mas
tem assim um padrão muito... Padrão de saúde. Padrão músculo.
Padrão isso, padrão aquilo. E são umas coisas muito fechadas. Você vai
pra São Paulo, isso não existe. Se a pessoa é baixa, alta, vesga. Não
existe. Interessa é o conjunto. É o conjunto da pessoa. Como ela é
fisicamente junto com que ela é pessoalmente. E de cabeça. Então eu
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acho uma loucura, porque nós não somos todos iguais e ao mesmo
tempo vivam as diferenças”. (Ana Maria, 53)
Lembranças passadas ajudam a compreender a contestação de Ana Maria aos
padrões estéticos.
“Todo Sábado tinha uma festa. E todos os meninos só queriam dançar
comigo. Sabe, era fila pra dançar comigo. E eles não conversavam
comigo. Era tudo em cima da minha aparência física. Então aquilo era
modelo. E aí o que aconteceu? Eu fiquei um ano sem falar com ninguém
nas festas. Não importa quem eu sou?” (Ana Maria, 53)
O depoimento de Ana Maria sugere que “ser” o padrão de beleza impedia que
fosse realçado o que de fato deveria importar. Sua invidividualidade parecia estar
escondida dos outros sobre o véu do belo. Apesar da pessoa dentro dos padrões
não enfrentar julgamentos sociais com relação a sua beleza (WOLF, 1992;
NOVAS E VILHENA, 2003), Ana Maria decidiu abrir mão do convívio social, da
valorização da sua beleza.
Sandra (54), Aline (47) e Regina (31) observam que, em geral, as pessoas que
têm o cabelo branco são vistas como desviantes.
“No Brasil, você é estranha por não pintar o cabelo. Você é de
esquerda, você é natureba. Você... Tem alguma outra coisa que explica
aquela ‘porralouquice’ lá. Você é maluca de alguma forma” (Regina, 31).
“O normal pra mim seria se eu tivesse pintado o meu cabelo. Porque é
uma coisa que todo mundo faz. Então eu sou do contra porque todo
mundo acha que todo mundo tem que pintar e eu não fiz isso” (Sandra,
54).
“Não é uma bandeira. Foi uma coisa que surgiu naturalmente. É óbvio
que isso me destaca de uma certa forma, de um contexto vigente de
93
massa. Não é a corrente atual. Agora isso, na verdade, não me
incomoda nem me desloca, porque isso faz um pouco parte da minha
natureza de estar sempre meio fora de sink. Uma coisa que chama a
atenção de uma forma diferenciada, agora não é uma coisa proposital. É
uma coisa natural da minha pessoa que combina com o resto de mim”.
(Aline, 47)
Porém “desviante” não está associado apenas à “maluco” (Regina, 31) e sim a
uma busca por “destaque” ou “diferenciação da massa” (Aline, 47) como sugere a
continuação de seus depoimentos:
“É óbvio que eu adoro no meio de uma festa vir alguém falar comigo por
causa disso [o cabelo branco]. Então isso nunca me fez sentir uma
outsider, uma inadequada. O cabelo nunca me fez sentir uma
inadequada. Mesmo no meio de jovens. De garotão, de garotona”.
(Aline, 47)
Seu cabelo não a exclui do convívio e da aceitação dos outros, pois a diferencia
das pessoas, do padrão vigente de cabelos pintados. A partir dele ela conhece
pessoas, socializa, interage com o mundo a sua volta.
Ao se discutir a diferença padrão normal versus desviante no que tange a beleza,
pode-se tentar utilizar a tipologia de Holbrook et al. (1996) para caracterizar essas
mulheres. Percebe-se, com a análise dos depoimentos, que talvez não se consiga
enquadrá-las inteiramente em nenhum tipo.
Primeiro, porque aqui se está analisando apenas um elemento da aparência, o
cabelo. A tipologia, como Holbrook et al. (1996) explicam, diz respeito a um
conjunto de medidas e interferências em diversas partes do corpo, que
possibilitam
a
passagem
das
categorias
normal/desviantes/momento
atual/aspiração. Ao se analisar as intervenções feitas apenas nos cabelos, esta-se
94
limitando o entendimento da tipologia e definir um perfil, com base apenas nas
intervenções feitas em uma parte do corpo, pode ser precipitado.
Segundo, porque parece ser possível dividir a análise em dois momentos distintos
e, assim, dois perfis – na evolução dos fios brancos – apareceriam. O primeiro
seria o Perfil Refiguração (de situação normal para a desviante), que acontece à
medida que a mulher vai perdendo a coloração natural de seus cabelos. Mas o
processo de transição é um processo natural, sobre cuja evolução as
entrevistadas não têm controle.
A não-intervenção, por sua vez, poderia paradoxalmente ser considerada um tipo
de movimento a favor do desviante. No momento, então, no qual elas já estão no
padrão desviante, a manutenção dos fios brancos indica a permanência nesse
estado. O Perfil Desfiguração (do estado de desviante para desviante), assim,
faria mais sentido para a caracterização neste momento.
“Eu não faço a menor questão de ser igual. Na verdade o meu cabelo é
uma coisa natural. Não fui eu que fiz ele diferente. Eu só mantenho ele
diferente. Eu poderia pintar e me tornar igual. Não, mantenho ele do
jeito que eu quero. Isso serve pras minhas roupas também. Eu tenho o
meu estilo próprio. Eu não sigo moda. Não tenho essa preocupação”.
(Rogéria, 28)
Rogéria sugere que o “desviante”, na verdade, é o natural e que abre mão do que
poderia ser chamado de “normalidade” para ter o cabelo que gosta de ter, usar as
roupas que aprecia. Ela não quer ser igual a outras pessoas. Ela admite que
busca a diferença nos cabelos, mas essa diferença nada tem de anormal; pelo
contrário, é 100% natural.
“Eu não me sinto obrigada a agradar as pessoas visualmente. Eu sou
muito, muito do meu jeito e se as pessoas entendem, entendem. Se não
95
entendem, paciência. Em geral dá certo. Muitas pessoas me entendem”
(Rogéria, 28)
A postura de Rogéria parece ir contra as formulações de Askergaard (2002),
segundo as quais, o pensamento narcisista está gerando um sentimento muito
mais ligado à identidade própria, capaz de gerar vergonha nas pessoas que não
seguem os padrões estéticos definidos.
Na verdade, Rogéria não segue padrão e não tem vergonha do seu estilo. Talvez
por ela não ter aspirações, ou seja, não olhar uma revista e desejar o cabelo e o
corpo da modelo, não sinta esse constrangimento.
Desmond et al. (2001) afirmam que, ao adquirir conhecimento, os indivíduos se
davam conta da condição em que viviam e, assim, inauguravam seus
questionamentos rumo ao desviante. Eram cidadãos autocríticos e autênticos, que
viviam a resistência em todos os momentos da vida. Os tempos mudaram e o
movimento de contracultura é hoje promovido por pessoas que transitam entre o
questionamento e a prática comum. São indivíduos que podem viver uma parte do
tempo na contracultura e, outra, na ordem vigente. As entrevistadas parecem ter
mais esse perfil.
“Gosto de tudo o que as pessoas gostam. Por exemplo, gosto de uma
boa roupa, entendeu? De uma boa água de colônia. Todo mundo gosta
disso. A única coisa diferente é só o cabelo branco” (Sandra, 54)
Não é porque Sandra não pinta os cabelos que ela é diferente da maioria das
pessoas. Esse hábito não deve ser tomado de forma isolada, afinal, ela gosta de
vestir boas roupas, usar perfume, como “todo mundo”.
96
4.4 Conseqüências e valores da decisão de não pintar os cabelos
(Resultados da aplicação da metodologia Laddering)
Para responder ao terceiro objetivo deste estudo que buscou compreender os
valores terminais por trás da atitude de manter os cabelos brancos optou-se por
recorrer a uma adaptação da metodologia de entrevista chamada de laddering,
que encadeia atributos de uma ação, conseqüências na vida de quem age e
valores pessoais por conta da escolha.
Considera-se como atributo do laddering, na verdade, a atitude de não pintar o
cabelo. A metodologia foi criada para pesquisas com produtos e, por isso, o termo
atributo. No entanto, é possível utilizar a técnica para avaliar atitudes dos
consumidores (ZALTMAN, 2003). Neste caso, atitudes dos entrevistados podem
substituir os atributos de um produto. A figura 4 a seguir traz um mapa de ligações
entre a atitude de não pintar o cabelos, conseqüências e valores por trás dessa
decisão. Esse mapa serve de guia para a análise – que se inicia pelas
conseqüências e prossegue com os valores – das cadeias formadas a partir do
atributo “Não pintar o cabelo”.
Sugere-se a leitura do mapa da seguinte forma:
- À esquerda, na vertical, está a denominação dos seis níveis das cadeias:
atributos, conseqüências funcionais, conseqüências psicossociais, e valores;
- As linhas da horizontal conectam os diferentes níveis. Os números entre
parênteses próximos às linhas indicam quantas conexões existem entre os dois
níveis;
- Para cada item foi definido um número, que está a esquerda do nome, para
facilitar a leitura das cadeias.
97
ATRIBUTO
Conseqüência
Funcional
Conseqüência
Funcional (2)
Conseqüência
Psicossocial
Conseqüência
Psicossocial(2)
VALORES
Figura 5 – Mapa Laddering para a análise da atitude de não pintar o cabelo
17. BUSCA DE EQULÍBRIO
INTERIOR
(3)
(2)
(2)
16. AVERSÃO AO
RISCO
20. LIBERDADE
18. AUTENTICIDADE
(5)
19. RECONHECIMENTO
SOCIAL
(2)
(3)
(2)
(2)
(2)
15. Não ser
considerado
cafona
(2)
8. Assumir crenças,
valores e defeitos –
Ser o que você é
9. Bem-estar
(9)
6. Coerência
rosto e
cabelo
12. Ser
10. Amadurecer e
considerada
assumir
confiável
envelhecimento
11. Não ser
13. Manter a
(2)
caracterizada como
beleza
(3)
descuidada
(2)
(2)
14. Independência
(3)
7. Ter boa saúde
(3)
4. Raiz mal pintada
não fica aparente
2. Cabelo natural
• Está satisfeita hoje
3. Cabelo não estraga
(8)
(8)
5. Não gastar tempo
com o que não gosta
(2)
• Não corre riscos
(12)
1. Não usar tintura
98
As perguntas que desencadearam o uso adaptado do laddering pediam às
entrevistadas a razão para o não-uso de tinturas (Anexo 1). Com base nas
respostas, outras perguntas eram formuladas, até que se conseguisse acessar
conseqüências e valores relacionados ao atributo. Nas páginas a seguir, é feita a
descrição e a análise das cadeias formadas com os resultados da aplicação da
metodologia.
4.4.1 Conseqüências
Reunidas, as conseqüências físicas que advém da atitude de não pintar o cabelo
são quatro: manter os cabelos naturais, manter a saúde dos fios, não ter a raiz
branca aparecendo e não perder tempo.
4.4.1.1 Ser natural
O termo “natural” (figura 4, cadeia 1-2), citado pelas doze entrevistadas, assumiu
duas direções: na primeira, “natural” está associado à preservação da saúde, à
não-contaminação. Já na segunda direção ele remete à essência da mulher,
aquilo que ela é “por natureza” e que se desenvolve até que se chegue na idéia do
envelhecimento assumido.
O termo “ser o que você é” (figura 4, cadeias 1-2-8-17 e 1-2-7-17) pode ser melhor
compreendido no caso de duas entrevistadas naturalistas, que optaram, há muitos
anos, por não comer carnes vermelhas. Essa opção não é tomada sozinha, como
se vê ela se reflete em outros momentos da vida, como na hora dos cuidados com
os cabelos. Elas não querem colocar seus organismos em contato com
substâncias que, como a carne vermelha, podem ser prejudiciais.
“Desde muito jovem eu comecei a prestar atenção na minha
alimentação e ver o que eu estava consumindo. Hoje a gente sabe que
não tem contaminação só pela comida. Tem a coisa dos produtos pra
pele. Têm muitas substâncias que às vezes você não está notando. (...)
99
Se eu puder preservar de alguma forma a saúde. Esse cuidado pra mim
é mais importante do que o creme. O cuidado com o que você está
ingerindo. Se você não está se intoxicando”. (Bruna, 38)
“Toda minha opção de vida foi natural. Comida natural, de eu ser
exatamente o que eu sou, não do jeito que está pré-estabelecido em
nenhum ambiente”. (Ana Maria, 53)
Em alguns discursos os cabelos “naturais” aparecem ligados ao que as mulheres
são “de verdade” e “gostam de ser”. Sugerem reafirmações de crenças, valores e
defeitos pessoais; reafirmações legítimas, num momento em que a beleza
mostrada pela mídia não parece levar às pessoas a serem originais. As
entrevistadas contrapõem, assim, dois tipos de beleza: a “natural” (original e
autêntica de cada indivíduo) e a “construída” (das pessoas que seguem padrões
midiáticos, virando “personagens”, “modelos”).
“Pra mim, tudo natural é mais interessante. Tudo. Eu me sinto assim
esquisita quando eu boto uma maquiagem, é como se não fosse eu.
Parece que é um personagem. (...) Eu acho que a gente está
precisando é disso, da originalidade. Ser você. De assumir seus valores.
Assumir suas crenças, assumir seus defeitos. No fundo você tem seus
defeitos, mas tem alguma coisa de bonita também. E tem que olhar não
só para a aparência, a estética, o físico. A gente é muito mais do que
isso. Então as pessoas feias não são valorizadas?” (Alice, 37)
“Acho que as pessoas tentam se igualar tanto a parâmetros de beleza.
Querem se igualar tanto às modelos, às pessoas na televisão. Copiar os
cabelos, as roupas, as modas. E eu não tenho essa preocupação. Eu
acho que é importante ser original e acho realmente, meu cabelo ele é
diferente. Porque ele é diferente, a cor e tal. Eu assumo. Ele é branco. E
eu acho legal. Não teria vontade de imitar o cabelo de alguém.”
(Rogéria, 28)
100
“Eu acho assim, que eu não estaria sendo honesta comigo. (...) Você
não gosta de um negócio, você não tem que fazer porque as pessoas
acham que é bom. Certo? Que é bonito (…) todo mundo diz que o
cabelo branco envelhece a pessoa. É uma questão de opinião. Eu acho
que não. Não é. Então eu acho que tem que ter a opinião de dizer não.
Eu não vou fazer porque os outros querem que eu faça.” (Sandra, 54)
A percepção sobre o “natural”, encontrada nos trechos testemunhados acima
destacados, está de acordo com descobertas da etnografia de Bouzón (2004).
Nela, o “natural” também denota a falta de intervenções culturais e sinaliza a
“originalidade”, “aquilo que combina com nós mesmos, com o que somos”.
É possível ser natural, pintando o cabelo? A pintura é indicada como artificial no
sentido de que não permite às mulheres serem exatamente o que são, não
permite a “coerência”, a “verdade”, a beleza do “natural”.
“Mas eu, por exemplo, pintar agora o meu cabelo de castanho. Vai ficar
o cabelo e a cara da pessoa; duas coisas distintas”. (Ana Maria, 53)
“Você olha um cabelo pintado, e não tem a mesma cor de um cabelo.
Você vê. A pessoa pinta um cabelo de preto, é preto realmente. Quem
tem um cabelo assim? Preto como tintura, certo?” (Sandra, 54)
“Raras vezes eu vejo alguém com cabelo pintado, que você não vê que
é pintado, que eu ache mais bonito do que um cabelo natural.” (Telma,
51)
o cabelo “natural”, “original”, “verdadeiro” vai associar-se a um equilíbrio
conquistado com relação ao envelhecimento (figura 4, cadeia 1-2-6-10). O que
pode significar a representação de que algumas mulheres aceitam o passar dos
anos e lidam bem com isso, sem muitos traumas mais com algum sofrimento.
101
“Eu procurei trabalhar muito a minha cabeça no sentido de que a melhor
forma de eu enfrentar a velhice é enfrentar a velhice do jeito que ela
venha. Quer dizer, se eu brigar, negar, as mudanças que a velhice vai
trazendo na vida, muito mais difícil vai ser eu lidar com ela. Então eu
acho que a coisa do não pintar o cabelo passa um pouco por aí. Eu
acho que o meu cabelo, o grisalho dele, é compatível com a minha
idade.” (Telma, 51)
“Eu também percebi que se eu fosse começar a lutar muito contra o
meu envelhecimento, eu ia entrar em sofrimento e ia envelhecer mais
rápido. Que depois do cabelo vêm as rugas, vem a perda da
elasticidade da pele, vem isso aqui, começa a cair, tudo começa a cair.
A lei da gravidade é inexorável” (Aline, 47)
“Acho que faz parte do amadurecimento da pessoa descobrir quem ela
é e como ela quer estar no mundo, independente de como o mundo
esteja.” (Bruna, 38)
Se por um lado, os fios brancos parecem permitir às mulheres se reconhecerem
no real momento da linha de suas vidas; por outro, pode permitir às mais novas,
avançar num tempo virtual e ser percebida até como uma pessoa de mais
experiência.
“É o benefício da dúvida. Normalmente quando a pessoa te olha, e vê
que você é ‘pirralha’ a pessoa já nem te ouve. Mas como ela olha e fala:
“bom ela tem cara de ‘pirralha’, mas o cabelo é branco, ela não deve ser
tão ‘pirralha’ assim”. É uma coisa de deslocar de mim fisicamente o
julgamento, pro julgamento do de dentro.” (Regina, 31)
102
4.4.1.2 Manter a saúde dos fios
Outra conseqüência citada foi o não-prejuízo aos cabelos (figura 4, cadeia 1-3).
Parece existir a idéia de que os cabelos perdem o brilho natural, o viço e a beleza
por culpa da tintura. Uma queda freqüente de cabelo, possível resultado do uso
continuado de tinturas, pode gerar desconfiança quanto a saúde (figura 4, cadeia
1-3-7). Além disso, mulheres que hoje consideram seus cabelos sedosos e
brilhantes não gostariam de pôr em risco sua auto-estima e sua aparência caso
algo desse errado (figura 4, cadeia 1-3-9-17).
“Eu evito fazer porque estou satisfeita com ele como ele tá. Então eu
não tenho vontade de mudar e aí às vezes fazer alguma coisa pode
causar uma mudança. Pra melhor ou pra pior. A gente nunca sabe. Na
dúvida eu fico como estou.” (Rogéria, 28)
A noção de risco associa-se à percepção de que a tintura é algo definitivo (“uma
vez que se pinta, vai se continuar pintando”), cujo efeito no longo prazo é
desconhecido. Essas percepções se ligam à questão do natural, não-químico.
4.4.1.3 Ser independente
Os testemunhos mostraram uma terceira conseqüência funcional de não pintar o
cabelo é não ter a raiz do fio branco aparente. Passados alguns dias da aplicação
de uma tintura, com o próprio crescimento natural do fio, a raiz do cabelo pintado
começa a aparecer. Essa raiz aparente, que compromete a aparência das
mulheres, leva-as aos salões de cabeleireiro de tempos em tempos.
A valorização da beleza, para Lipovetsky (2000) e Wolf (1996), mobiliza, mulheres
a cuidarem de seus corpos buscando mantê-los jovens e magros. As mulheres se
emanciparam de antigas dominações, como as sexuais e as da procriação, para
ingressarem no compromisso estético, tal como o retoque dos fios brancos, uma
quase servidão.
103
“A mulher paga caro pra ela aparecer bonita, você segue um montão de
exigências. E pra mim o cabelo branco é a pior delas. Uma vez que
você entra, você não tem como sair mais. Uma vez que você começa a
pintar... Não é feito a unha, que eu vou passo, não passo, tudo bem.
Não vai ser uma coisa grave. Mas meu cabelo, uma vez que eu pintar,
vai começar a aparecer aquela raiz branca crescendo. Então eu vou me
comprometer.” (Roberta, 31)
A declaração de Roberta aponta para uma possível insatisfação com a
dependência do retoque que pode aparecer quando uma mulher decide tingir seus
cabelos. Bouzón (2004) também identificou reclamações de mulheres quanto ao
fato de elas serem, como caracteriza a antropóloga, “reféns” da coloração. A
atitude de pintar os fios brancos, a qual não se consegue abandonar, é vista como
uma “necessidade, uma obrigação moral e não uma opção” (BOUZON, 2004).
As entrevistas realizadas sugerem que a conseqüência funcional origina as
conseqüências psicossociais de “não ter a imagem de descuidada” (figura 4,
cadeia 1-4-11) e “a independência da tintura” (figura 4, cadeia 1-4-14). Na primeira
delas, as mulheres que não fazem o retoque estão mostrando aos outros, através
da raiz aparente, uma outra mulher. O desleixo não é ter fios brancos, mas pintálos e não retocar no tempo adequado.
“Se você pinta o cabelo de louro é porque você quer parecer loura,
então eu fico com ele louro ou quando você quiser deixar de ser loura,
você pinta de morena. Agora você é uma loura que está todo mundo
vendo que você não é loura, com uma baita raiz preta, eu acho feio,
incoerente” (Maria Cristina, 33)
“Eu tenho verdadeiro horror de pessoas que pintam o cabelo, eu acho
muito feio quando começa nascer a raiz de outra cor. Pra mim, dá um
aspecto, uma coisa assim de desleixo” (Telma, 51)
104
“Parece desleixo, um pouco. Acho que passa realmente essa idéia de
desleixo. Não é estilo. É desleixo” (Lucia, 31)
Outra conseqüência psicossocial que aparece entre as entrevistadas é a
insatisfação em ter que retocar a raiz de tempos em tempos. As mulheres já
possuem hábitos de beleza que normalmente são introduzidos em suas vidas bem
antes do aparecimento dos fios brancos, como o corte dos cabelos
periodicamente, a depilação ou o cuidado com as unhas. Ao serem independentes
do retoque, a mulher não sacrifica ainda mais seu tempo livre.
“Eu sou uma pessoa vaidosa, mas eu não sou capaz de sacrificar o
meu tempo de lazer em benefício da vaidade. Não gosto dessa coisa de
ficar escrava de uma tintura e ter que ir ao Salão de quinze em quinze
dias pra retocar” (Cristiana, 49)
“Essa dependência por conta do cabelo branco, por conta da tintura eu
não quero ter, porque não me interessa. Não faz sentido pra mim perder
tempo pintando o cabelo (...) Se eu gostasse muito, se fosse uma coisa
muito importante estaria na minha agenda, mas como não é eu não
quero colocar” (Bruna, 38)
O investimento em estética é vinculado à visibilidade social que um indivíduo
deseja ter (NOVAES e VILHENA, 2003). À medida que as entrevistadas investem
em estética, num caminho contrário, dado que elas querem ter uma boa imagem,
isto é, não parecerem desleixadas, com as raízes aparecendo; têm cabelos bem
tratados e cortados. Será que essas mulheres são, então, mais preocupadas com
a sua boa imagem do que aquelas que pintam?
Essa preocupação revela uma inversão da norma – quem pinta segue aalgumas
normas de beleza, se cuida. Mas, aquele que segue determinadas regras também
pode ser visto como desleixado? Elas subvertem algumas regras e, ainda assim,
adquirem uma percepção de que se cuidam. A desviante refaz as regras.
105
4.4.2 Valores
A cadeia do laddering pode ser lida de cima para baixo ou de baixo para cima. No
item anterior, a leitura foi feita de forma ascendente, partindo-se do atributo para
as conseqüências. Aqui, para se entender o significado dos valores, parte-se deles
em direção às conseqüências. Inicialmente, a identificação dos valores seguiu a
lista de Rokeach (HOYER; McINNIS, 2000). Com o desenvolvimento da análise
foram sendo percebidas outras definições que se mostraram mais apropriadas.
Os valores que apareceram referentes ao atributo analisado, “Não pintar o
cabelo”, foram: Aversão ao Risco, Busca por Equilíbrio Interior, Autenticidade,
Reconhecimento Social e Liberdade.
4.4.2.1 Autenticidade
O valor aparece ligado ao “ser o que você é”, ao “amadurecer e assumir
envelhecimento” e à “independência”. O depoimento da Roberta (31) ilustra bem a
cadeia 1-4-14-19, que relaciona a Autenticidade à Independência pela não
necessidade de retocar os cabelos.
“E eu lembro assim que eu adolescente, eu era muito reativa a essas
coisas que eu tinha que fazer pra ser mulher: ‘por que eu tenho que
fazer unha toda semana? Por que eu tenho que fazer depilação?’ (...)
Pra mim, pintar o cabelo é uma dessas pequenas prisões, que a mulher
vai se submetendo”
Da mesma forma que os cuidados com as unhas e a depilação foram percebidos
como prisões na adolescência, a tintura de cabelo poderia ser outro “algoz” da
entrevistada, agora na vida adulta. No entanto, com a maturidade, parece ter vindo
a opção de escolha ou de negação. Ao respeitar a si mesma, ela hoje não se
submete a mais uma “escravidão”. A percepção de gestos de beleza como
106
imposições sociais ou obrigações (ASKERGAARD, 2002) pode fazer do não-pintar
um gesto de liberação individual
O depoimento de Aline (47) caracteriza a cadeia 1-5-14-18 (figura 4) que associa a
autenticidade a outra forma de independência, aqui, não mais do ato do retoque,
mas da ida ao cabeleireiro e de ter que lidar com profissionais que, muitas vezes,
não “olham”, não respeitam as percepções estéticas.
“O cabelo ele tem um componente forte na composição de uma pessoa
não só física, estética, como da personalidade. Então tem que refletir
quem eu sou. O que eu gosto, o que me faz ser confortável. Então é
óbvio que eu fico aberta pra propostas, eu posso estar usando o cabelo
de uma forma errada, que não me valorize, eu fico aberta pra propostas,
mas tem que ser propostas com a qual eu me sinta confortável (...)
Cabeleireiro me incomoda porque ele quer o que ele acha que fica bom
pra você. E te respeita muito pouco” (Aline, 47).
É ainda Aline (47) que ilustra a cadeia 1-2-6-10-18 (figura 4), em que a
autenticidade pode se ligar ao entendimento de que você envelheceu. É o
reconhecimento de que a vivência pode trazer sabedoria. Ter cabelos brancos não
é um problema e, sim, o reconhecimento de que se está envelhecendo com
equilíbrio. Constitui-se uma nova relação com o conceito de envelhecimento. Este
não seria mais uma força inexorável a ser combatida, mas uma trajetória a ser
valorizada, que faz parte da originalidade de algumas mulheres.
“Envelhecer vem com o amadurecer. Você acumula uma série de
emoções, vivências e experiências; é inevitável que você fique mais
confortável com quem você é, com as coisas que você sabe, com as
memórias que você tem (...) O envelhecer te traz a sabedoria e o
equilíbrio pra lidar com certas coisas, na medida em que você é uma
pessoa que se trabalha e que se aceita, e aí essa questão de cabelo
grisalho tem a ver com isso também” (Aline, 47).
107
Quando olhados sob esse ponto de vista, os fios brancos podem ganhar status.
Eles representam toda a vivência daquela mulher. São marcas de experiências.
“Eu não procuro usar o cabelo branco como uma coisa negativa. Eu
procuro olhar pra eles como são as coisas que eu passei na minha vida,
boas, ruins, muito difíceis, experiência. Estão aqui marcadas. As marcas
que a vida deixa na gente” (Telma, 51)
A cadeia 1-2-8-18 associa a autenticidade àquilo que você é de fato, por meio da
conservação do cabelo natural. Algumas entrevistadas parecem respeitar aquilo
que são e, principalmente, aquilo que gostam de ser. Elas não colocam em risco
suas identidades, caracterizadas pelos cabelos que possuem hoje e de que tanto
se orgulham.
“Pintar o cabelo causa uma mudança de personalidade muito grande.
Pra quem quer mudar muito a personalidade é ótimo, mas eu acho que
eu estou satisfeita com a minha, e então não pretendo fazer isso por
esse motivo” (Lucia, 31).
4.4.2.2 Busca de Equilíbrio Interior
O valor Busca de Equilíbrio Interior se aproxima do valor Autenticidade quando
aparece por meio de duas conseqüências psicossociais: “ser o que você é” e
“amadurecer e assumir envelhecimento”.
Existe, entretanto, diferenças entre as concepção de ambos os valores. Na cadeia
1-2-8-17 – diferente do exemplo em que Aline mencionava que muitos
cabeleireiros não respeitavam as suas características estéticas (figura 4, cadeia 15-14-18) – o que parece evidenciado é o cuidado pessoal, que traz equilíbrio e
energias para enfrentar novos problemas.
“A rotina é pesada e você já faz muitas coisas por obrigação,
porque é compromisso profissional, então o espaço pra você se
108
cuidar é importante e se cuidar é nesse sentido mesmo. Não é só
passar o creme, mas fazer aquela coisa que te dá o prazer, o
máximo prazer pra você ter aquela reserva pra enfrentar coisas
que são naturais do dia-a-dia” (Bruna, 38)
A cadeia 1-3-9-17 sugere ser possível relacionar o cabelo sem estragos ao bemestar e, assim, ao equilíbrio interior. Ao evitar problemas como a queda de
cabelos, a fragilidade, a falta de brilho e viço dos fios, a mulher parece gostar de
se olhar no espelho e ver refletida a imagem de uma mulher “saudável”. Isso lhe
traz harmonia interior. Ao invés de brigar com sua imagem, os testemunhos
mostram que algumas mulheres grisalhas se fortalecem através dela.
4.4.2.3 Reconhecimento Social
Segundo Askergaard (2002), as pessoas passaram a ter uma necessidade de se
“fazerem interessantes” o tempo todo, para poderem estabelecer relacionamentos
benéficos para si. Essa constatação parece reforçar o valor “Reconhecimento
Social”, que se liga a outras seis conseqüências psicossociais: “manter a beleza”,
“independência”, “ser o que você é”, não ser considerada “cafona”, “descuidada” e
“não-confiável”.
A ligação desse valor a essas três últimas conseqüências remonta a necessidade
das pessoas de passarem uma boa imagem aos outros, principalmente no
trabalho. Entre outras coisas, é através da boa imagem que se constrói uma boa
reputação. As declarações a seguir ilustram a cadeia 1-4-11-19 e 1-4-12-19,
respectivamente:
“Na sua aparência, você tem que corresponder àquilo que foi te
cobrado, vamos dizer assim. Se você aparece no trabalho muito
desleixada, você fatalmente vai ser chamada a atenção”. (Alice, 37)
109
“Descuido tem a ver com confiança. Uma pessoa que se cuida é uma
pessoa que parece uma pessoa responsável, uma pessoa antenada.
Agora uma pessoa que está desleixada, você pensa: se ela não cuida
nem dela como você vai confiar alguma coisa a ela?” (Maria Cristina,
33)
O que Alice (37) diz parece estar de acordo com Askergaard (2002) sobre as
conseqüências do reconhecimento social através da interação a cerca da
aparência. “Ser chamada atenção” pode provocar vergonha em Alice, por ela não
estar atendendo às expectativas nela depositadas. Em seu trabalho, que envolve
atendimento ao público, ela precisaria ter uma boa imagem frente aos clientes.
Para Askergaard (2002), a vergonha aumenta conforme aumenta a distância entre
a percepção de si e as aspirações, ou seja, aquilo que se pode vir a ser. Se, em
sua visão, os clientes acreditam que ela pode ter uma imagem melhor com os
cabelos pintados, por que não tê-la? E assim, ao invés de vergonha, seu
sentimento passa a ser o de orgulho, pela boa reputação. A outra entrevistada
Maria Cristina parece compartilhar da noção de que beleza reflete aspectos
comportamentais do indivíduo.
Com relação, especificamente, ao ambiente de trabalho, Bouzón (2004) diz existir
um código de uso dos cabelos bem definido. Quanto mais formal a ocupação,
mais bem cuidado deve ser o cabelo. Por cuidado, entende-se: cortes e tinturas
sóbrias; penteados arrumados. Parece ser isso, também, que garante na
percepção de Maria Cristina a boa imagem de uma pessoa a quem se pode
confiar uma responsabilidade.
A declaração da Regina (31) sobre “não ser considerada uma pirralha”, uma
pessoa jovem demais para desempenhar bem uma função profissional, exposta
no sub-item que trata das conseqüências, também denota a preocupação com o
Reconhecimento Social. Nesse caso, a cadeia construída pelo discurso da
entrevistada seria a 1-2-8-19. Quando se é jovem, os fios brancos podem não
110
denotar envelhecimento, mas sabedoria. Assim, a preocupação que Bouzón
(2004) encontrou, nas mulheres de seu estudo, em envelhecer e perder o
emprego, o que motivaria o disfarce dos cabelos brancos, parece ainda não existir
para Regina.
4.4.2.4 Liberdade e Aversão ao Risco
Por trás da conseqüência psicossocial da “independência”, estão o valor
“Liberdade”. A cadeia que leva a Liberdade é a 1-4-14-20, é a liberdade que se
tem pelo fato de não ter que ir ao salão de tempos em tempos para fazer o
retoque das raízes. Cristiana (49) relata que não gostaria de ficar a “mercê” do
cabeleireiro em relação a essa obrigação. Existe a percepção de que o
cabeleireiro sempre atrasa. Segundo ela, depender dos outros sem saber quando
tempo você gastará do seu dia é muito ruim.
A aversão ao risco, na cadeia 1-3-9-16 está relacionada ao Bem-estar de se olhar
no espelho e se achar bonita, como relata Cristiana (49). A segurança, que advém
desse bem-estar, gera satisfação, felicidade em olhar para o espelho e se sentir
bonita: “porque é bom a gente estar bonita. Dá um bem estar a gente estar bem.
Eu gosto do resultado que eu vejo, eu fico feliz. Por que é bom ficar feliz? Porque
dá uma segurança”.
Neste sentido, a declaração parece estar de acordo com o que destaca Bouzón
(2004): o cabelo, quando arrumado, garante segurança emocional, protegendo a
pessoa do julgamento e da exclusão pela aparência. O conceito de arrumação, no
entanto, varia de caso a caso. Para Cristiana, com relação aos cabelos, eles
precisam ser cortados de três em três semanas. O corte em dia lhe proporciona
mais segurança.
111
5. CONCLUSÃO E SUGESTÕES DE ESTUDOS FUTUROS
A profundidade pode ocultar-se na superfície das coisas ou em situações
silenciosas (Maffesoli, 2000), daí a importância que deve ser dada também às
aparências que são um vetor de agregação de tribos, ou seja, a estética faz com
que os componentes do grupo sejam reconhecidos. No entanto, a compreensão
de pequenos grupos a partir de características estéticas parece ser difícil. O
indivíduo pós-moderno pertence a várias tribos e em cada uma delas pode
desempenhar um papel diferente, pode usar uma máscara específica (Cova, 1997;
Cova e Cova, 2002). O desafio, portanto, neste estudo, foi buscar semelhanças e
diferenças nos discursos de um grupo de mulheres que não pintam o cabelo.
A escolha dos cabelos grisalhos como um possível elemento da contracultura na
estética parece ter sido legitimada pelas entrevistadas – em depoimentos que
demonstram que elas se percebem como fora de um padrão de beleza que
valoriza o rejuvenescimento; para realização do qual, esconder os fios brancos é
uma atitude inexorável.
No entanto, o despojamento e a falta de vaidade que também pareciam
predominar inicialmente nos relatos, e que fizeram crer que a atitude de não pintar
os cabelos era um sinal desviante ou de rebeldia, foram dando lugar a uma
demonstração de vaidade e a uma preocupação estética que poderiam estar
igualmente no discurso daquelas consideradas reféns, escravas, dependentes e
obrigadas a colorir o cabelo de acordo com as amarras dos padrões de beleza
predominantes. O cabelo branco parece possuir também fortes amarras. Tem que
combinar com o quê?
Com olhos claros, com um corte moderno, com cabelos bem cuidados e brilhosos.
Para além disso, eles chegam a ser a garantia de que a aparência não será
comprometida com tinturas que não combinem ou com a raiz branca aparente. Os
cabelos brancos fazem parte de mulheres que, em termos de cuidados com a
aparência, parecem ser tão vaidosas quanto as que pintam. Mulheres que também
112
seguem rituais de beleza, que avaliam o que estão consumindo e que estão
preocupadas com suas aparências. O senso estético não parece desaparecer
quando se adota uma estética possivelmente desviante. Muito menos a busca por
uma aparência física bela e em equilíbrio.
As “desviantes” entrevistadas são capazes de identificar os padrões estéticos, de
reconhecer que estão fora de alguns deles e de questioná-los. Entretanto, e esse
é um achados principais deste estudo, seguem outros. Elas optam, sem dúvida,
pela não adesão a certas amarras sociais, motivadas por valores como
“autenticidade”, “busca por equilíbrio interior”, “liberdade”. Valores que sugerem
estratégias de construção de uma individualidade via manipulação das regras
sociais.
O discurso de algumas entrevistadas demonstra que elas têm margem de
manobra, autonomia de escolha. Quando falam do consumo de produtos para
seus cabelos, surgem preocupações e vaidades que não parecem diferir das
presentes em mulheres que pintam o cabelo: falam de marcas, das diferenças
entre as marcas, do preço e da qualidade do xampu, da tonalidade do branco, do
branco com mais brilho, do estoque ou do descarte de xampus variados e do
comentário “dos outros” sobre como o cabelo estava diferente com aquele xampu.
E, afinal, quem são “os outros”? Nos testemunhos aparecem pessoas que as
entrevistadas admiram ou criticam, a mídia que nunca faz uma reportagem sobre
os cuidados com os cabelos brancos, os cabeleireiros que valorizam a opção com
os cortes e que incomodam com as suas propostas; vendedores, amigos,
familiares, ou seja, aqueles que devem perceber a diferença. A aparência não é o
lugar do individualismo e sim do coletivo, dos outros. “A aparência constrói-se sob
e para o olhar do outro” (Maffesoli, 2005, p.119).
Alguns relatos sugerem fragilidade e efemeridade. Cabelos brancos podem
representar liberdade, mas a liberdade está em constante tensão com a
113
segurança (Bauman, 2003). Os outros parecem ameaçar a individualidade ou
diferenciação buscada pela escolha de não pintar os cabelos.
Para algumas mulheres, existe um perfil da desviante, que não combina com
mulheres cuja rotina profissional seja de uma “executiva” ou “advogada”, por
exemplo. O cabelo grisalho não pode ser de todas. Ele, assim, caracterizaria um
grupo, como um elemento de ligação.
No entanto, através da análise dos achados desse estudo, é possível enxergar as
entrevistadas dentro de categorias distintas segundo seus principais motivos para
não pintar o cabelo. Isso indica que, mesmo sendo um pequeno grupo social, elas
podem apresentar diferenças entre si, ainda que existam casos em que as
entrevistadas transitem de um motivo para outro.
O primeiro motivo a se destacado é a busca por diferenciação. Algumas
entrevistadas marcam sua individualidade através dos seus cabelos. Ao não
colorirem o cabelo, algumas mulheres demonstram que buscam propositadamente
o desvio, a diferenciação frente à sociedade (NOVAES E VILHENA, 2003). Essa
foi uma motivação muito presente nos discursos de Lucia (31), Regina (31), Aline
(47), Cristiana (49) e Ana Maria (53).
Reações de admiração parecem estimular algumas delas a permanecerem nessa
situação, como é o caso de Cristiana (49), chamada de “bárbara e autêntica”. O
diferente desperta elogios admirados e curiosidade, em episódios que foram
relatados. Essas mulheres, com os cabelos brancos, estão em evidência porque
se diferenciam dos padrões, como indica Lucia, ao comentar que o “estilo
executiva” não combina com mulheres que não pintam o cabelo, ou seja, as
executivas parecem ser vistas por ela como um padrão.
Interessante constatar que, para algumas dessas mulheres, o uso da tintura é
respeitado quando o que se busca é “brincar com o visual”, o “lúdico”. Elas não
114
são simplesmente contra o produto tintura, mas a maneira como ele é utilizado, o
contexto social no qual se insere.
Outro motivo que pode ser identificado no grupo das entrevistadas é avaliação do
risco de mudar o cabelo pelo uso de tinturas e colocar em risco sua aparência ou
saúde. Essas mulheres avaliam a atitude de pintar o cabelo menos sob um ponto
de vista de julgamento do contexto social, como analisado anteriormente, e mais
com um olhar sobre si mesmas. As mulheres em cujos relatos estão presentes
essa motivação são: Rogéria (28), Maria Cristina (33), Lúcia (31), Alice (37)
O terceiro e último motivo que se delineia ao final da análise das entrevistas é o
das mulheres que não pintam os cabelos por uma questão mais “ideológica”, que
transpassa outras esferas da sua vida. É o caso de Bruna (38) e de Ana Maria
(53) que levam valores do estilo de vida “natureba”, como não ingestão de
produtos químicos, para o consumo de produtos para os cabelos.
Esta-se lidando nessas categorias com as razões das entrevistadas para
continuarem em desvio. É preciso coragem para ir contra padrões estéticos
(Bouzón, 2004). Não é fácil enfrentar o julgamento social para ser desviante, e
várias razões foram apresentadas em seus depoimentos. É possível ser desviante
frente a um padrão e estar satisfeita consigo mesma? Ou, será preciso estar “em
desvio”, para se sentir satisfeita?
A atitude de manter os fios brancos é corajosa não somente porque é preciso
conviver com a avaliação negativa no convívio social. Mas, especialmente, porque
no âmbito pessoal, essa mulher de cabelos brancos precisa conviver diariamente,
frente ao espelho, com a imagem do envelhecimento.
No entanto, e mais interessante, a simbologia dos fios brancos para as mulheres
entrevistadas neste estudo está para além da cronologia da vida. Valores como
“autenticidade”, “reconhecimento social” e “liberdade” ajudam a explicar a decisão
115
e a colocar essas mulheres e seus cabelos grisalhos numa esfera mais ampla que
a do senso comum.
Alguns questionamentos, a serem investigados em estudo futuros, podem ser
levantados com os achados deste estudo exploratório. Pode-se sugerir a
expansão desta pesquisa para outros tipos de estudos qualitativos que possam
avaliar mais mulheres jovens e grisalhas, e de outras regiões do país, ou outros
aspectos do seu comportamento e que, talvez, identifique outras motivações e
valores na decisão de manter fios brancos.
É possível, também, desenvolver uma pesquisa quantitativa que, ao utilizar os
valores aqui identificados, teste tipos de mensagens publicitárias que atinjam e
persuadam essa categoria de consumidoras – que hoje parece não ser atingida
efetivamente pela comunicação dos produtos para coloração dos cabelos.
As informações deste estudo podem já ser úteis a empresas que comercializem
coloração e produtos para os cabelos. Através do olhar sobre as não usuárias,
talvez seja possível extrair insights e novas conclusões sobre a utilização do
produto para tingir os cabelos brancos.
116
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122
ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA
Estudo sobre hábitos de beleza relacionados ao cabelo
Introdução
Bom dia/tarde/noite. Me chamo Flávia Rosário, sou mestranda do Instituto Coppead de Administração e estou
realizando uma pesquisa sobre os hábitos de beleza das mulheres com relação a seus cabelos.
Autorização para gravação
Para facilitar nosso trabalho, eu gravo esta entrevista. Assim, não se perdem detalhes importantes da nossa
conversa. Essa gravação é para uso interno da pesquisa. Você não será identificada em nenhum momento.
Tudo bem? Você autoriza a gravação?
Objetivo:
Identificar perfil da
entrevistadora e os
cuidados cotidianos
com relação aos
cabelos
Fale um pouco sobre você:
- nome completo
- idade
- estado civil
- formação
- profissão
Qual a sua rotina diária?
Quais são seus hábitos de lazer?
Quais são seus principais hábitos de beleza e cuidados pessoais na em casa?
(rosto, corpo, ...) E fora dela? O que mais? (ginástica, manicure, depilação,
dermatologista)
E com relação aos seus cabelos?
(explorar produtos e serviços: Quais são? Onde compra? Alguém indicou?
Freqüência de compra ou uso?)
Objetivo:
Conhecer o histórico do
cuidado com o cabelo e
o não-uso da tintura
pela entrevistada e por
amigos e familiares
O nosso cabelo faz parte da nossa história. Ao longo das diferentes fases da sua
vida você tem alguma lembrança relacionada ao seu cabelo? Pense, primeiro, na
sua infância. Você tem alguma lembrança relacionada ao seu cabelo daquela
época?
(repetir para adolescência e vida adulta)
Você se lembra de algum cuidado com o cabelo que você teve nessas fases e
não tem mais?
Vamos falar, agora, mais especificamente sobre tintura de cabelo. Você já
pintou o cabelo? Se sim, como foi? (quantos anos você tinha, o que você achou,
com qual freqüência você pintava os cabelos, que cores você utilizava?)
123
O que fez você mudar (deixar de pintar)?
Você teve algum momento de arrependimento? Fale-me sobre ele.
Na sua família e entre seus amigos existem mulheres que também não são
usuárias de tintura?
Objetivo:
Descobrir
encadeamento dos
atributos, das
conseqüências e dos
valores pessoais que
estão por trás do hábito
de não pintar o cabelo
Agora, eu vou te fazer algumas perguntas a respeito da atitude de não pintar o
cabelo. Por favor, tenha em mente que não existem respostas certas ou erradas
para essas perguntas, o que importa é o seu ponto de vista, certo?
Objetivo:
Conhecer como as
mulheres percebem as
mulheres que pintam o
cabelo e reação dos
outros a atitude de não
pintar
O que você acha que mais motiva as mulheres a pintarem o cabelo?
Objetivo:
Descobrir se essas
mulheres consideram a
atitude de não pintar o
cabelo uma atitude
desviante frente aos
padrões de beleza que
ela percebe.
Objetivo:
Complementar
definição do perfil
a
Você disse que deixou de pintar o cabelo por causa de ..... Por quê?
Por que não é bom pinta o cabelo?
Por que (não) é importante......?
Por que .... (não) tem importância para você?
Quais são os benefícios/malefícios de ....?
Por que você não .... algo?
O que é melhor de .... em relação a .....?
(técnica para lidar com respondente sensível ao tema: conversar em terceira
pessoa; inventar um aspecto seu que faça o entrevistado ficar mais a vontade;
anotar e voltar em seguida ao tópico)
Pense em mulheres que pintem e que não pintem o cabelo. Para você existe
diferença entre elas? (estilo de vida, atitude, ...)
Você percebe algum tipo de reação das pessoas ao seu redor em relação ao fato
de você não pintar os cabelos? Em geral, quais seriam essas reações?
Existem reações negativas? Como elas são? Quem as tem?
Existem reações positivas? Como elas são? Quem as tem? (familiares, amigos,
desconhecidos, cabeleireiros)
Em sua opinião, qual o padrão de beleza que predomina hoje?
Ao não pintar o cabelo, você acha que está fora desse padrão de beleza? De
onde você acha que vem essa sua percepção?
Aplicar o Critério Brasil (em anexo)
Para encerrar, gostaria de lhe agradecer e perguntar se você conhece outra mulher que não seja usuária de
tintura, que tenha entre 25 e 55 anos, para indicar para esta mesma entrevista.
124
ANEXO 2 – Escala de cabelos brancos das entrevistadas
AMANDA, 36 MARIA
LUCIA, 31
ALICE, 37
REGINA, 31 BRUNA, 38
ANA
SANDRA, CRISTIANA ROGÉRIA ALINE, 47
CRISTINA,
MARIA,
54
33
53
, 49
, 28
TELMA, 51
Cabelo muito Cabelo
Cabelo
Cabelo
Cabelo
Cabelo
Mechas
Mechas
Cabelo
Cabelo
Cabelo
escuro, fios
muito
escuro, fios
escuro com
mesclado
mesclado
acinzenta
acinzenta
mesclado
mesclado
com
brancos
escuro, fios
brancos
mechas
de forma
de forma
das,
das,
de forma
de forma
grandes
quase
brancos
perceptíveis brancas em
homogênea, homogênea. distribuida distriuídas homogênea. homogên
mechas
fios brancos Tom cinza.
s de
de forma
brancas
e negros.
forma
heterogên cia dos fios
Predomin
Predomin
homogên
ea. Tom
brancos.
ância de
ância dos
ea. Tom
cinza.
Tom cinza.
cabelos
fios
Cabelos
brancos.
brancos.
curtos.
Tom cinza
imperceptívei perceptíveis , em grande quantidade
s. Cabelos
longos.
, mas em
pouca
quantidade.
Cabelos
longos.
quantidade.
Cabelo
médio
média. Tom
cinza
Tom cinza
acobreado.
escuro.
Cabelo
Cabelo
longo.
médio.
Cabelo
curto
cinza –
cabelo
longo.
Cabelo
longo –
muito
comprido.
Predominân ea.
claro.
Cabelo
médio.
125
cxxvi
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