A PSICOTERAPIA BREVE PSICANALÍTICA NA REABILITAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Cláudia Nabarro Munhoz1 Há muita polêmica na área da saúde em relação à utilização da Psicanálise em contextos institucionais. Os psicanalistas ortodoxos impõem para a eficácia da análise regras que são tiradas do contexto em que Freud as criou, e utilizadas como absolutas. O próprio Freud (1919/1996), no entanto, fala que a forma como ele pensou a Psicanálise era a adequada e necessária àquela época e contexto em que ele viveu, e provavelmente não serviria para a massa. Alguns psicanalistas concluem daí que a Psicanálise não serve então para o tratamento das massas. Freud (op cit) fala, porém, que a população como um todo precisa de tratamento, talvez as classes menos bastadas até mais que aquelas que têm acesso à Psicanálise privada, de consultório. Agora, concluindo, tocarei de relance numa situação que pertence ao futuro – situação que parecerá fantástica a muitos dos senhores, e que, não obstante, julgo merecer que estejamos com as mentes preparadas para abordá-la. Os senhores sabem que as nossas atividades terapêutica não têm um alcance muito vasto. Somos apenas um pequeno grupo e, mesmo trabalhando muito, cada um pode dedicar-se, num ano, somente a um pequeno número de pacientes. Comparada à enorme quantidade de miséria neurótica que existe no mundo, e que talvez não precisasse existir, a quantidade que podemos resolver é quase desprezível. Ademais, as nossas necessidades de sobrevivência limitam o nosso trabalho às classes mais abastadas (...). Presentemente nada podemos fazer pelas camadas sociais mais amplas, que sofrem de neuroses de maneira extremamente graves. (FREUD, 1919/1996, p. 180) Somos hoje muitos mais psicanalistas que naquela época, certamente. Porém, a população também é muito maior, assim como suas necessidades. E as 1 Mestra em Psicologia pela USP, formada em Comunicação Social pela ESPM-SP e professora no curso de Administração de empresas na UNIESP e no Ensino Técnico Profissionalizante na Escola Municipal de Ensino Alcina Dantas Feijão. pessoas capazes de pagar por um tratamento psicanalítico de longa duração é ainda ínfima. A realidade brasileira é de um serviço de saúde, fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que não consegue atender a toda a demanda. Neste contexto, o atendimento psicológico está exposto ao mesmo problema. (...) É possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência à sua mente quanto o tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia (...) Sabemos que, infelizmente, nem os cuidados já considerados básicos na Europa em 1919 estão ao alcance de todos no Brasil hoje. A Psicanálise ortodoxa, com sessões de 50 minutos, várias vezes por semana, torna-se completamente inadequada neste contexto. E o alto custo da consulta impede a maioria da população de procurar o atendimento privado, em consultório. Assim temos, de um lado, pessoas que precisam de atendimento e não o conseguem. E, de outro, psicólogos formados e disponíveis para atendimento, mas que não conseguem pacientes ou trabalho na saúde, onde há poucas vagas, apesar da demanda, com salários escandalosamente baixos. A procura de ajuda psicológica por amplos setores da população sobrecarregou os serviços de saúde pública e estimulou a criatividade para a invenção de técnicas de psicoterapia mais expeditas e compatíveis com os orçamentos institucionais. (SIMON, em trabalho apresentado ao 4º Encontro do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica, em 07 de outubro de 2000, na Universidade de São Paulo) A Psicologia Hospitalar é uma especialidade em crescimento, devido a esta demanda existente, mas é necessário, neste contexto, adequar o setting, as técnicas e a relação terapeuta-paciente para adaptá-las a cada contexto de saúde, já que dentro deste universo da saúde também há uma diversidade de contextos. Diante disso, torna-se adequado o campo da Psicoterapia Psicanalítica, no qual usa-se a teoria psicanalítica como linha teórica, porém com alterações nas técnicas e no enquadre. Freud também falou dessa necessidade de adaptação neste mesmo texto (1919/1996): Defrontar-nos-emos, então, com a tarefa de adaptar nossa técnicas às novas condições. (...) É muito provável, também, que a aplicação em larga escala da nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta; (...) No entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa. (p.181) Simon (2000, op cit) coloca que a Psicanálise aproxima-se da ciência pura, por tratar-se da investigação do desconhecido no analisando, enquanto a Psicoterapia Psicanalítica seria a ciência aplicada, voltada para resultados práticos. Além disso, no contexto hospitalar, no geral, há uma técnica ainda mais adequada, a Psicoterapia Breve, que pode ser também de orientação psicanalítica. Diversos autores criaram técnicas e variantes da Psicoterapia Breve, tais como Fiorini (2004), Knobel (1986), entre outros. Simon criou a Psicoterapia Breve Operacionalizada (1989), e a Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada que permite o diagnóstico e a definição dos eixos a serem seguidos no tratamento. A partir do diagnóstico, portanto, é que se pode definir ainda se o paciente tem indicação para a Psicoterapia Breve ou não. Algumas questões são determinantes para esta indicação, e portanto devem ser investigadas na entrevista inicial: a capacidade egóica do paciente, as defesas utilizadas, a estrutura mais ou menos rígida, a capacidade de simbolização e abstração, a motivação, a existência de transferência positiva (o que facilita a adesão do paciente) ou negativa (que pode impossibilitar um trabalho breve, que exige adesão imediata do paciente). (ALMEIDA, 2010) Conforme apresentado anteriormente, a Psicoterapia Breve é mais adequada para uso hospitalar por questões de tempo, excesso de demanda, etc. Se o paciente, no entanto, passar pelas entrevistas iniciais e perceber-se que não há indicação para Psicoterapia Breve, o paciente pode e deve ser encaminhado para um profissional ou serviço que ofereça a Psicoterapia Psicanalítica ou mesmo a Psicanálise, se for este o caso. Simon (2000) apresenta como adaptações técnicas da Psicoterapia Breve: A atividade do psicoterapeuta é sempre diretiva, evitando associações-livres prolongadas que tornariam o trabalho um arremedo de psicoterapia psicanalítica. Conforme as circunstâncias usa recursos suportivos, como por exemplo sugestão, reasseguramento, orientação e catarse. Fica atento para evitar ou contornar a transferência negativa, e (...) estimula a transferência positiva, da qual retira a possibilidade de colaboração e confiança do paciente. (SIMON, em trabalho apresentado ao 4º Encontro do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica, em 07 de outubro de 2000, na Universidade de São Paulo) Outra alteração importante é o atendimento uma vez por semana. No hospital, há diversos contextos, como citado anteriormente: na emergência ou sala de espera, no geral tem-se apenas alguns minutos para conversar, e dificilmente se tem privacidade. Na internação e na UTI, pode-se ver o paciente algumas vezes, mas também se tem pouca privacidade – outros profissionais vêm cumprir as rotinas hospitalares, muitas vezes há outros pacientes – e na maioria das vezes a internação não dura muito tempo. Na reabilitação de pessoas com deficiência temos instituições em que o trabalho é feito de forma mais contínua, a pessoa frequenta a instituição como um hospital-dia, uma ou duas vezes por semana, passando pelos diversos ‘serviços” voltados à reabilitação, como: médico fisiatra, fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, nutrição, fonoaudiologia, etc. O atendimento é feito de forma ambulatorial. Assim, tem-se uma sala com mais privacidade, e uma certa constância. Porém, o enquadre ainda é um pouco diferente, pois quem determina a continuidade ou a alta do paciente é o médico, e muitas vezes o atendimento tem que ser mais curto que o convencional, para abarcar uma parte maior da demanda. Almeida (2010) coloca que esta modalidade, a ambulatorial, é a que mostra mais viabilidade para a aplicação da Psicoterapia Breve. Outra questão importante em relação à Psicoterapia Breve é a eleição de um foco a ser trabalhado. Quando tratamos da reabilitação de pessoas com deficiência, já há um foco pré-determinado, a própria deficiência, as dificuldades que ela traz, ou de cuidar de uma pessoa com deficiência, no caso do atendimento a famílias. Voltando à Psicoterapia Breve Operacionalizada, sabemos, por experiência, que a deficiência traz problemas em diversos setores dos trazidos por Simon (1989): o setor orgânico é obviamente afetado por tratar-se de uma deficiência física que no geral traz limitações, necessidade de reaprendizagem e às vezes até mesmo dor. O setor da produtividade também é afetado, mas há diversas instituições direcionadas a colocar ou recolocar estas pessoas na escola e/ou no mercado de trabalho. O setor sócio-cultural pode ser ou não afetado, pois muitas vezes a pessoa com deficiência afasta-se de grupos anteriores mas forma e participa de outros mais ligados à questão da deficiência. E o setor mais importante, o afetivo-relacional, é quase sempre afetado, pois mudam os relacionamentos com as pessoas, com a família e até da pessoa com ela mesma. Outra possibilidade é que a deficiência tenha gerado uma crise em um ou mais setores. Isso é muito comum quando a deficiência é adquirida inesperadamente, ou no caso da família quando nasce uma criança com deficiência. “Uma crise emocional é um acontecimento de suma importância na vida de qualquer pessoa.” (Simon e Yamamoto, 2008, p.145) Assim, pode ser causada por uma perda ou mesmo um ganho, mas a deficiência própria ou de um familiar geralmente é vista como uma perda. Nesse momento, a pessoa, “dado o impacto provocado pelo acontecimento, fica, temporariamente, sem condições de elaborar e encaminhar uma solução para resolver o problema adaptativo surgido”. (Simon e Yamamoto, op cit, p. 148) Quando a pessoa está em crise, o objetivo da Psicoterapia Breve é ajudá-la a sair dessa crise com ações e reações mais adaptativas. Nas situações de crise, tanto aquelas que envolvem perda como aquelas que envolvem ganho, há emergência de sentimentos específicos que trazem, em seu bojo, riscos também específicos. Nas crises que envolvem perda são predominantes os sentimentos depressivos e de culpa, os quais tendem a levar a pessoa em crise a projetar a culpa em outrem; ou a se auto-acusar e se auto-agredir; (...). Esses sentimentos e riscos específicos que acompanham as crises adaptativas exigem atenção especializada a fim de que possa ser resolvidas e superadas com menor sofrimento possível (...). (Simon e Yamamoto, 2008, p. 148) Vemos estas reações e sentimentos com frequência nas instituições de reabilitação. Momentos em que as pessoas não conseguem ir para frente nem para trás, sentem-se imobilizadas. É nosso trabalho ajudá-las a dar o próximo passo e redescobrir seu caminho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, R.A. Possibilidades de utilização da psicoterapia breve em hospital geral. Ver. SBPH vol. 13 no.1 Rio de Janeiro. Jun, 2010. SIMON, R. Psicoterapia psicanalítica ou psicoterapia breve. Trabalho apresentado ao 4o Encontro do curso de especialização em psicoterapia psicanalítica, em 07 de outubro de 2000, na USP, São Paulo. SIMON, R. Psicoterapia psicanalítica. Concepção original. São Paulo: Casa do Psicólogo: 2010. SIMON, R. e YAMAMOTO, K. Psicoterapia breve operacionalizada em situação de crise adaptativa. Advances in Health Psychology, 16(2) 144-151, Jul-Dez, 2008.