vista ENTRE >> BENEDITO ABBUD o coloca como instrumento de transformação social. Poderia nos falar mais sobre essa experiência? Maquete Parque em Manaus Projeto Jardim da Leitura IMPRESCINDÍVEL É TER RESPEITO PELAS PESSOAS QUE VÃO USAR O SEU TRABALHO E NÃO TER PRECONCEITO COM ESSAS PESSOAS NEM COM AS PLANTAS POR CONTA DE SEU GOSTO PESSOAL Parauapebas, no Pará, é uma cidade de mineradores. Os moradores são geralmente homens, jovens, com mais de 18 anos. Você ter uma cidade formada na maior parte por homens gera determinadas características. Os bares funcionam 24 horas e o índice de prostituição infantil é muito alto. A gente imaginou que, por ter muitos homens e jovens, fosse esse o fator para esses índices. Vimos que no tempo livre esses rapazes não tinham muitas opções de lazer, que estava restrito aos bares. Criamos então cinemas ao ar livre e muitas quadras de futebol no intuito de arrumar points para que essas pessoas se encontrassem e se relacionassem. Criamos elementos na cidade que fossem interessantes para esse público. E o futebol é, para muitos deles, a grande oportunidade de vencer na vida. Num grande centro, talvez, a universidade seja o meio de você crescer, mas para esse pessoal a universidade fica longe em todos os sentidos. O futebol é mais próximo da realidade deles, além de ser uma forma de se ter prestigio. Dentro da minha profissão faço tudo o que puder para melhorar a vida das pessoas. Essas são as armas que tenho para lutar e transformar a questão social. Todo arquiteto tem no seu traço uma marca registrada. Qual é a marca que traduz o paisagista Abbud nos mais de cinco mil projetos realizados pelo seu escritório? Acho que não é a questão do traço ou da forma, mas tento fazer sempre alguma coisa que converse com a arquitetura e não se choque com a arquitetura que se apresenta. Temos que pensar na funcionalidade e nos espaços agradáveis. Falaria não do traço como um elemento formal, mas como um elemento de conceito de sempre valorizar e respeitar o ser humano sem distinção de classe social e fazer com que ele viva dentro da natureza da maneira mais agradável possível, com calma, mesmo nas grandes cidades. Acho importante, também, estar sempre elevando a questão dos cinco sentidos nos projetos. O que considera imprescindível para a formação e valorização dos arquitetos paisagistas? O imprescindível é ter respeito pelas pessoas que vão usar o seu trabalho e não ter 23 preconceito com essas pessoas nem com as plantas por conta de seu gosto pessoal. Esse não é o caminho. O esforço é procurar entender o que existe na natureza e usar esses elementos sem distinção. Se eu não gosto de alguma coisa sou eu que não estou preparado e não a natureza. Fazemos parte de um todo. Quanto à formação acadêmica, já está na hora de termos um curso específico de arquitetura paisagística. Temos mercado para essa profissão deixar de ser autodidata. Acredito que com a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) teremos mais força para sermos reconhecidos. Vivemos numa época onde muito se fala sobre inclusão social das minorias. Como paisagista você já vem exercendo sua cidadania há muito tempo com projetos de acessibilidade, a exemplo dos jardins para deficientes visuais. Que diferenças esses projetos têm dos demais? Como se dá a interação paisagismo versus acessibilidade? Hoje em dia, até por norma, todos os projetos devem ser acessíveis. Esta é mais uma diretriz que tivemos nos últimos tempos. A lei brasileira é muito interessante, mas, ao mesmo tempo, é “perfeita” demais. Para você ter uma escadaria longa e larga, tem que ter um corrimão a cada 2,80m. Isso faz com que essa escadaria fique seccionada. É fundamental termos os corrimãos sim, mas eles têm que estar alinhados com a estética também. Estamos nos adequando a fazer projetos para as pessoas que precisam da acessibilidade, mas sem perder a noção de espaço e liberdade para os demais. As leis são muito novas e precisamos adequá-las sem prejuízos. Depois de tantos projetos realizados ao longo de mais de quatro décadas será que ainda existe algum desafio profissional para você? Precisamos enxergar cada projeto como um desafio mesmo que ele não te traga um desafio. Sempre procuro trazer algo de novo porque sou movido por desafios. Se eu não colocá-los, vou ficar me repetindo e, se isso acontecesse, eu morreria. A metodologia pode ser repetida, mas a solução final não. Se você me perguntar qual é o meu melhor projeto, eu diria que é o último porque a gente vai ficando mais maduro e exigente.