CAMPANHA DE APERFEIÇOAMENTO E DIFUSÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO: UMA TRAJETÓRIA BEM SUCEDIDA? Diana Couto Pinto UFRJ/FE/PROEDES Introdução Este trabalho se originou de pesquisa que estudou a trajetória da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES), com o objetivo de desvelar a sua história, bem como o papel que desempenhou na educação brasileira nas décadas de 50 e 60. Para apreender o objeto de estudo, recorremos a documentos e a publicações da própria CADES. E, para preencher as lacunas deixadas pelas fontes escritas, recorremos a entrevistas e a depoimentos. Entrevistamos, então, pessoas que vivenciaram as atividades da CADES em contextos diferentes e em posições distintas, numa busca de novas visões sobre o objeto de estudo: pessoas que ocuparam cargos na Diretoria do Ensino Secundário e na CADES ou orientaram e ministraram cursos de orientação para professores do ensino secundário. Entre outros, foram entrevistados: Lauro de Oliveira Lima, que exerceu a função de Diretor do Ensino Secundário do MEC, Inspetor Seccional do Ensino Secundário do Ceará, orientador e professor de cursos: Eulina Fontoura de Carvalho que foi assessora da CADES e Diretora Substituta da Diretoria do Ensino Secundária na gestão Lauro de Oliveira Lima; D. Paulo Evaristo Arns que, além de aluno-mestre, foi professor e orientador de cursos; Vicente Umbelino, que foi Inspetor Seccional de Goiás. Década de 50 e a Preocupação com o Desenvolvimento Econômico Por entendermos que a CADES não constitui um fato isolado, ao estudá-la, procuramos situá-la em sua circunstância sócio-econômica, política, cultural e educacional. Constatamos, então, que a Campanha surgiu num período em que a sociedade brasileira passava por grandes transformações. Como assinala Mota, no período compreendido entre o retorno de Getúlio Vargas ao poder e a renúncia de Jânio Quadros, a expressão “superação do subdesenvolvimento” 2 ganha concreção, transformando-se “em alvo difuso a ser atingido pelas “forças vivas da Nação”: de periferia dever-se-ia atingir, de maneira planejada, a condição de “centro”, para retomar vocabulário caro aos nacionalistas” (Mota, 1980: 156). No segundo Governo Vargas, a ciência e a formação de recursos humanos são valorizados como fatores de progresso e elementos fundamentais para o aprimoramento das forças produtivas e para a expansão do capitalismo. Com a finalidade de promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica em qualquer ramo do conhecimento, criou-se o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) em 1951. Para elevar o nível do ensino superior no Brasil, que se revelava incapaz de formar os quadros necessários às transformações pelas quais passava o sistema produtivo, criou-se, também em 1951, a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Todas essas medidas, que sintetizavam os componentes essenciais do sistema político-econômico brasileiro da época – nacionalismo econômico, emancipação do País, ideologia desenvolvimentista, incremento da função econômica do Estado – indicavam que o Brasil tinha pressa em se modernizar. As Repercussões das Mudanças Econômicas no Sistema Escolar As mudanças estruturais que se operaram na sociedade brasileira e que alteraram profundamente a fisionomia econômica, social e cultural do país não poderiam deixar de ter reflexos na educação. Como ressalta Moreira, a educação escolar começa a ter novo sentido e passa a ser desejada por toda a população, uma vez que representava “o abre-te Sésamo para os cursos superiores que levam às profissões liberais, à alta burocracia, às mais vantajosas posições nas atividades terciárias” (p. 637). Registrou-se, então, o aumento da demanda de educação média, provocando altas taxas de crescimento de todos os ramos desse ensino. Essa demanda estava, no entanto, direcionada para o ensino secundário, via privilegiada para o ensino superior. Essas escolas passaram, então, a ser procuradas por todos aqueles que desejavam ascender socialmente, provocando o crescimento explosivo do ensino secundário e levando à improvisação de professores e, conseqüentemente, à queda da qualidade de ensino. Como avalia Abreu, a expansão “se processou, “grosso modo”, atropeladamente nos processos, confusamente nos objetivos, precariamente na qualidade”. Para o autor, 3 “eclodiu um surto de prédios escolares professores e equipamentos deficientes, improvisados” (1968: 226). O governo se deparou, então, com o problema da insuficiência de professores em número compatível com a expansão do ensino médio em geral e, principalmente, do ensino secundário. O ensino superior era incipiente: em 1952, havia apenas 514 unidades com 56.049 matrículas. O número de faculdades de filosofia, cujos cursos seriam, como pretendia a Reforma Francisco Campos, obrigatórios “para todos quantos se proponham ao ensino secundário nos ginásios oficiais e equiparados”, não atendia às necessidades do momento. Acresce a isso, o fato dessas faculdades se localizarem nas capitais e nas grandes cidades das regiões mais desenvolvidas, o que impedia que os professores do interior e das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste as freqüentassem. Assim sendo, o corpo docente do ensino secundário era basicamente constituído por profissionais liberais (advogados, farmacêuticos, médicos, engenheiros), padres e normalistas. Desse quadro de escassez de professores decorreu a necessidade imperiosa de prover o ensino secundário de um magistério de emergência, que passou a ser recrutado, a partir de 1946, através do exame de suficiência, instituído pelo Decreto-Lei nº 8.777, de 22 de janeiro de 1946. De acordo com esse Decreto-Lei, o candidato aprovado obtinha o direito de lecionar nas regiões onde não houvesse disponibilidade de professores habilitados por faculdade de filosofia. Nessa conjuntura sócio-econômica-educacional, o Presidente Getúlio Vargas cria pelo Decreto nº 34.638, de 17 de novembro de 1953, a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES), com o objetivo de elevar o nível do ensino secundário, bem como difundi-lo. A CADES e o Ensino Secundário O Brasil redemocratizado se regia pela legislação educacional do Estado Novo, já que o projeto de lei de diretrizes e bases da educação nacional, encaminhada ao Congresso Nacional em 1948, ali se encontrava paralisado. Mas, como ressalta Chagas, “os fatos não esperam as leis, antes as condicionam em grande parte” (1978: 58). Na impaciência que se gerou, um singular dinamismo invadiu os arraiais da educação e muitas soluções, constantes ou não do projeto e dos substitutivos, eram postas em prática, ora espontaneamente, ora 4 a título experimental ou transitório, ora em antecipações parciais da lei tão esperada. (Chagas, 1978: 59) Como se constata, em termos educacionais o Brasil também tinha pressa. Assim, tudo passou a ser feito “em ritmo, com o sentido e sob a forma de campanha”, conforme registra Chagas (1978: 59). Masson (1993) identifica quatro momentos distintos na história da CADES: (1) criação e organização (1953/1957); (2) consolidação e expansão (1957-1963); (3) tentativa de renovação da orientação pedagógica (1963-1964); e (4) declínio e desaparecimento (1964-1968). Concordamos com a divisão da história da CADES em quatro momentos, mas, por discordarmos de alguns pontos, apresentamos uma periodização alternativa: (1) do anúncio à implantação; (2) consolidação e expansão; (3) renovação administrativopedagógica; e (4) declínio e desaparecimento. 1. Do Anúncio à Implantação (1953-1956) O ensino médio brasileiro na década de 50 se regia pela legislação educacional promulgada em pleno Estado Novo: autoritária, centralizadora, rígida, padronizada e detalhista, que tolhia a liberdade e a iniciativa dos educadores, transformando-os em simples burocratas, executores dos dispositivos legais. Uma das primeiras medidas prenunciadoras de que novos ventos soprariam na educação foi o desmembramento, em 1953, do antigo Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios: Ministério da Saúde e Ministério da Educação e Cultura. A segunda evidência foi a criação, pelo Ministro Antônio Balbino de Carvalho, da Assistência Técnica de Educação e Cultura (ATEC) composta por 40 membros entre os quais renomados educadores como Anísio Teixeira e Lourenço Filho (Portaria Ministerial nº 577, de 01/08/53). Com essa medida, parecia que o Ministro desejava “oxigenar” o MEC, depois dos 11 anos de gestão centralizadora de Capanema. A terceira evidência foi a nomeação de Armando Hildebrand para substituir Paulo Accioli de Sá na direção da Diretoria do Ensino Secundário (DESe). O discurso de posse de Armando Hildebrand (1953) demonstrava bem a sua proposta de modernização do ensino secundário, a fim de adequá-lo às novas exigências que se apresentavam à educação. 5 O Plano de Ação da DESe, submetido por Hildebrand ao Ministro Antônio Balbino, tinha como metas a descentralização administrativa, que se concretizaria com a criação de inspetorias regionais de ensino secundário; a renovação dos métodos didáticos; o aperfeiçoamento do pessoal envolvido com a educação secundária (inspetores, diretores, professores e secretários), através de cursos; e a criação de uma campanha que deveria impulsionar o desenvolvimento e a melhoria do ensino secundário. Daí, surgiu a CADES. De acordo com o Decreto que a criou, para a consecução de seus objetivos, a CADES deveria, entre outras atividades: promover a realização de cursos e estágios de especialização e aperfeiçoamento para professores, técnicos e diretores de estabelecimentos de ensino secundário; conceder e incentivar a concessão de bolsas de estudo a professores secundários, a fim de realizarem cursos ou estágios de especialização e aperfeiçoamento no País ou no exterior; promover estudos dos programas do curso secundário e dos métodos de ensino, a fim de ajustá-los aos interesses dos alunos e às condições e exigências do meio; elaborar material didático para as escolas secundárias; organizar missões culturais, técnicas e pedagógicas para dar assistência e estabelecimentos distantes dos grandes centros; incentivar a criação e o desenvolvimento dos serviços de orientação educacional nas escolas de ensino secundário; divulgar atos e experiências de interesse do ensino secundário; e promover o intercâmbio entre escolas e educadores nacionais e estrangeiros. O Presidente Café Filho regulamentou a realização dos exames de suficiência para o exercício do magistério nos cursos secundários, determinando que fossem realizados em regiões onde não houvesse professores licenciados por faculdade de filosofia (Lei nº 2.430, de 19 de fevereiro de 1955). A Portaria Ministerial nº 115, de 20 de abril de 1955, baixou instruções relativas à realização dos exames de suficiência, estabelecendo que, sempre que possível, precedendo os exames de suficiência, seriam realizados cursos intensivos com a finalidade de orientação dos candidatos. Esses cursos passaram a ser realizados pela CADES e ganharam grande destaque nas décadas de 50 e 60. Abreu (1960) registra que, de 1946 a 1955, quando o exame de suficiência era realizado pelas faculdades de filosofia, apenas 520 professores obtiveram registro para lecionar. De 1955 a 1960, quando a realização do exame passou à competência da DESe, 18.815 candidatos freqüentaram os cursos da CADES e, destes, 7.506 foram aprovados no exame de suficiência para obtenção do registro de professor. 2. Período de Consolidação e Expansão (1956-1963) 6 A década de 50 irrompeu sob o signo do desenvolvimentismo e da modernização. Como assinalou Bosi, após a II Guerra, “o caminho da burguesia, culta ou inculta, conhecerá então um novo ídolo: o desenvolvimentismo. Superar o Brasil periférico, arcaico, ignaro e supersticioso (...) O que não tem função morra e pereça ...” (1980: IV). Em abril de 1956, nomeado por Juscelino Kubitschek, Gildásio Amado assume a Diretoria do Ensino Secundário e, já no discurso de posse criticava o desajuste existente entre a estrutura do ensino e a nova realidade social e propunha a sua linha de ação: descentralização e assistência técnico-pedagógica. Para viabilizar seu plano de ação, Gildásio dispunha de dois instrumentos herdados de seu antecessor, Armando Hildebrand: as inspetorias seccionais de ensino secundário e a CADES. De acordo com a avaliação do novo Diretor do Ensino Secundário, a CADES armada como um instrumento menos preso à máquina burocrática que frustrava toda a tentativa de ação pronta e inovadora (...) constituía uma válvula de escape aos intermináveis e miúdos controles administrativos. (1973: 36) Gildásio, na sua determinação de modernizar o ensino secundário, soube aproveitar-se dessa estrutura ágil. Utilizando a CADES e tendo as inspetorias seccionais de ensino secundário como ponta de lança, Gildásio Amado ampliou a ação da Campanha e pôde concretizar todos os objetivos constantes do Decreto nº 34.638/53 que a criou. 3. Período de Renovação Administrativo-Pedagógica (1963-1964) Os primeiros anos da década de 60 foram marcados por grande efervescência ideológica, política, sócio-econômica, cultural e educacional. Nessa época, Lauro de Oliveira Lima, que se destacara pelo trabalho renovador que, ao longo do decênio 1953-1963, vinha desenvolvendo à frente da Inspetoria Seccional do Ensino Secundário do Ceará, é nomeado Diretor do Ensino Secundário pelo Ministro Paulo de Tarso. Lauro transfere a Diretoria do Ensino Secundário para Brasília e apresenta ao Ministro Júlio Furquim Sambaquy o ambicioso “Plano das Atividades da Diretoria do Ensino Secundário e da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão de Ensino Secundário”. 7 O curto período em Lauro de Oliveira Lima esteve à frente da DESe foi marcado pela agudização do embate entre forças conservadoras e esquerdistas. O golpe militar veio interromper esse curto período de perspectiva de renovação, afastando Lauro de Oliveira Lima na Diretoria do Ensino Secundário e dos quadros do MEC como inspetor federal de ensino. 4. Período de Declínio e Desaparecimento (1964-1970) Com os militares no poder, Gildásio Amado volta a dirigir o ensino secundário. Mas, esse período em nada se compara à sua primeira gestão. Em 1968, Gildásio Amado é afastado da DESe. Das atividades desenvolvidas, apenas os cursos de orientação para exames de suficiência ainda foram oferecidos nos anos de 1965, 1966, 1967 e 1969. Essa desmobilização pode ser interpretada como uma intenção de esvaziar a CADES para depois extingui-la. Ocorre que a ascensão da tecnoburocracia ao poder teve duas conseqüências principais: (1) a ênfase no econômico em detrimento do social; e (2) o enfraquecimento da classe política que poderia tomar decisões ou fazer pressões favoráveis ao setor social, no qual se insere a educação. A Extinção da CADES Não foi possível, através de fontes orais e escritas, levantar a data de extinção da CADES ou um ato que tenha determinado a sua extinção. Pode-se supor que a CADES tenha desaparecido no bojo da “Reforma Administrativa” do serviço público no Brasil, desencadeada pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, complementado pelo Decreto-Lei nº 900, de 29 de setembro de 1969. Já a Reforma Administrativa do MEC, implementada pelos decretos nº 66.296, de 3 de março de 1970, que previa a estrutura básica do Ministério da Educação e Cultura, e nº 66.967, de 27 de julho de 1970, que dispôs sobre a organização administrativa do citado Ministério, previram: (1) a existência de mecanismos especiais de natureza transitória como comissões, grupos de trabalho, campanhas, programas e similares; (2) a extinção da Diretoria de Ensino Secundário; e (3) a manutenção dos seguintes órgãos autônomos: Instituto 8 Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP); Coordenação do Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Não sabemos as razões que determinaram a extinção da CADES. Podemos, no entanto, levantar algumas hipóteses. A primeira hipótese é que, por ser uma campanha, a CADES deveria ser efêmera. Essa hipótese é reforçada por Carvalho (1996) que considera normal que uma campanha exista por algum tempo e depois desapareça: “a CADES foi só uma campanha que enquanto houver necessidade vai durar e depois se extinguirá”. A segunda hipótese complementa a primeira e aponta na direção de que a Campanha tenha sido extinta em decorrência da expansão do ensino superior a partir de meados da década de 60. Como se sabe, a crise dos excedentes fez com que o Governo Federal tomasse uma série de providências visando ao aumento da oferta de vagas no ensino superior. Posteriormente, para disciplinar essa expansão, o Grupo de Trabalho encarregado de elaborar a proposta de reforma do ensino superior recomendou que o aumento de vagas se concentrasse em carreiras prioritárias para o desenvolvimento nacional. Entre as prioridades estava o magistério de ensino médio, naquela época a área de maior déficit. A criação de cursos de licenciaturas, principalmente nas áreas de ciências humanas e sociais, não exigia grandes investimentos, atraindo o empresariado do ensino que, naquela época, migrava do ensino secundário para o ensino superior. Essa expansão não se limitou aos grandes centros, alastrando-se para as pequenas cidades do interior do País e suprindo ou, pelo menos, diminuindo a carência de professores habilitados. Para Eurides Brito da Silva (1997), que sucedeu Gildásio Amado na Diretoria do Ensino Secundário, a CADES “morreu de inanição”. Na sua avaliação, a Campanha foi a grande solução para as décadas de 50 e 60, porém, tratava-se de uma solução provisória. Eurides considera que a solução definitiva viria com o escalonamento previsto na Lei nº 5.692/71 – licenciatura plena/licenciatura curta – que, embora mal compreendido no Centro-Sul, foi a grande solução para as regiões menos desenvolvidas. Esse esquema não incluía os exames de suficiência que só aparecem nas disposições transitórias. As Principais Contribuições da CADES à Educação Nacional 9 Como já assinalamos, a CADES teve uma ação extensiva e multifocal, que atingiu todo o País e todo o pessoal envolvido no ensino secundário: do inspetor federal ao secretário das escolas. Consideramos, porém, que algumas de suas ações devem ser destacadas pela ênfase que lhes foi dada e/ou pelos resultados produzidos: (1) as atividades relacionadas à Orientação Educacional (OE); (2) a produção bibliográfica; e (3) os cursos de orientação para exames de suficiência. 1. A Ênfase na Orientação Educacional As publicações da CADES denotam uma grande preocupação dos dirigentes da DESe. com a Orientação Educacional (OE) introduzida no Brasil pela Reforma Capanema. Ao longo de sua existência, a CADES realizou várias atividades referentes a OE e estimulou a criação de cursos para a formação de orientadores educacionais, seja oferecendo sugestões quanto à sua estrutura e ao seu conteúdo, seja fornecendo auxílio financeiro às instituições que os oferecessem e bolsas de estudo aos alunos. 2. A Produção Bibliográfica da CADES A maior produção bibliográfica da CADES, para não dizer a quase totalidade, ocorreu na primeira gestão Gildásio Amado. Nessa produção se destacaram: a revista Escola Secundária; Cadernos de Orientação Educacional; monografias de Didática Especial referentes às diversas disciplinas do ensino secundário. A importância dessa produção bibliográfica só pode ser devidamente avaliada a partir da sua articulação com as precárias condições daquela época, quando a indústria editorial era incipiente e não havia disponibilidade de publicações voltadas para a área pedagógica. 10 3. Os Cursos de Orientação de Professores Abreu em estudo apresentado no Seminário Interamericano de Educação Secundária, realizado em 1955 no Chile, assim avaliava o ensino secundário brasileiro: O ponto mais fraco da escola secundária brasileira está no seu professorado. Pelo súbito incremento do aparelho, tornou-se necessário organizar um magistério de emergência aliciado nas sobras, lazeres e desempregos de outras profissões, ou entre outros candidatos sem profissão nenhuma. (1960: 93) É ainda Abreu (1960) que apresenta dados que demonstram que as faculdades de filosofia não estavam suprindo a demanda de professores, uma vez que das 41.033 pessoas que se diplomaram até 1960, apenas 5.395 exerciam a docência do ensino secundário, o que denota o desinteresse dos licenciados pelo exercício do magistério. Diante desse quadro, parece que a preocupação da DESe e da CADES se concentrou no problema da improvisação de professores. De acordo com Lima, ao constatar que milhares de professores, mais de 20 mil, exerciam o magistério sem nenhuma habilitação legal, o ponto que pareceu à CADES mais urgente foi ajudar a estes professores a obterem seus registros e, por meio disto, tentar prepará-los, tecnicamente, para o exercício do magistério. (1960: 7) Os cursos de orientação de professores, criados para esse fim, transformaram-se, então, no carro-chefe das atividades desenvolvidas pela Campanha. Pela articulação de fontes escritas e orais, concluímos que a CADES desempenhou, nas décadas de 50 e 60, papel relevante em relação ao corpo docente do ensino secundário: ministrou cursos de excelente qualidade e regularizou a situação de milhares de professores que puderam, assim, sair da “sombra” e ingressar na carreira do magistério pela “porta da frente”. Considerações Finais Como acentuamos, a CADES surgiu num período em que se buscava recuperar o tempo perdido, colocando o Brasil no caminho do desenvolvimento e da modernização. Os anos áureos dessa Campanha (1956-1963) coincidiram com um dos períodos de maior efervescência política, social, cultural e ideológica da história brasileira. 11 O conteúdo da revista Escola Secundária não reflete essa agitação, essa ideologização que tomavam conta da vida brasileira, já que os textos em geral versavam sobre temas da área de didática. Vale assinalar também que a CADES não participou do debate ideológico que se desenvolveu na segunda metade da década de 50 em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e que, extrapolando o setor político, envolveu educadores, escritores, jornalistas, trabalhadores, líderes sindicais, entidades estudantis e a opinião pública em geral. O caráter conservador/alienado da Campanha se revela quando, por exemplo, a revista Escola Secundária, ao mesmo tempo em que solicitava a remessa de artigos “expondo planos, idéias e sugestões de interesse didático e educativo, calcados no seu estudo, nas suas observações e experiências”, advertia que não abriria suas páginas para polêmicas pessoais, discussões sobre política educacional, porque seu objetivo era “informar, esclarecer e incentivar o aperfeiçoamento didático do professor do ensino secundário”. (Escola Secundária, 1959, n. 8: 120) Os editoriais dessa revista, no entanto, pareciam assumir uma postura de otimismo desenvolvimentista , participando da crença de que a educação é parte integrante desse processo. Nessa perspectiva, a CADES se preocupou com a modernização do ensino secundário, implementando apenas mudanças de ordem técnica, sem alterar substancialmente seu caráter seletivo e elitista. Considerando, no entanto, as condições do País naquela época, e particularmente da educação escolar, acreditamos que a CADES, através das diversas atividades desenvolvidas, pode ser considerada um espaço de estudos pedagógicos e de aperfeiçoamento administrativo que teve benéfica repercussão no ensino secundário. A partir da pesquisa realizada, podemos concluir que a CADES foi uma solução tecnicamente avançada, porém, socialmente conservadora, enquadrando-se, conforme expressão cunhada por Moore Jr. (1983), na perspectiva de modernização conservadora, ou seja, modernizar sem alterar as estruturas sociais. Esse fato não minimiza, porém, o papel desempenhado por essa Campanha ao longo de sua curta existência, como também a importância de se estudar e divulgar a sua história. 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Jayme. Status do professor de ensino médio no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 46, n. 103: 91-108, jul./set. 1960. _____. 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