Reconfiguração do meio rural no oeste do Pará: uma abordagem multiescalar da mobilidade e distribuição da população, e da mudança no uso-cobertura da terra Tema Na Amazônia, até a década de 70, prevaleceu um padrão dendrítico de distribuição das vilas e cidades, em conformidade com os cursos d’água. O padrão de distribuição dos aglomerados urbanos e, conseqüentemente, da população, transformou-se, sobretudo, a partir da orientação dos governos militares para a ocupação e integração da região. A abertura das rodovias federais e os projetos de colonização foram alguns dos importantes elementos de atração e distribuição humana, com efeitos diretos sobre a paisagem (desmatamento, por exemplo) e relações com a urbanização. A mobilidade populacional é um componente demográfico importante para o entendimento da conversão de áreas, antes dominadas por florestas, para usos agropecuários e urbanos em poucas décadas. A ocupação da fronteira se deu simultaneamente à urbanização na fronteira, tanto pelo crescimento-adensamento de antigas vilas e cidades quanto pelo aparecimento de novos aglomerados – o que se associa a um processo de multiplicação de novos municípios. De uma perspectiva multiescalar, que permite contrapor decisões e ações tomadas ao nível local com mudanças percebidas a nível regional, as relações entre mobilidade e distribuição populacional, e os processos de mudança no usocobertura da terra fornecem base para melhor compreensão de como se dá a urbanização no meio rural. Objetivos Com base no contexto do oeste paraense, o artigo tem como objetivo refletir sobre a configuração do meio rural na Amazônia a partir de duas perspectivas, uma regional e outra local, buscando estabelecer relações entre a mobilidade e a distribuição humana, e as mudanças no uso-cobertura da terra – aquelas que se possam associar a processos de urbanização. Metodologia Na perspectiva micro, são utilizados a) dados biofísicos e sociodemográficos de 402 estabelecimentos rurais em área de estudo em Santarém-PA, obtidos em surveys realizados em 2003 e 2009; b) mapas comparativos da estrutura fundiária na década de 1970 e 2000; c) acervo de imagens de satélite LANDSAT classificadas em categorias de uso-cobertura da terra (entre 1975 e 2003). Na perspectiva regional, são utilizados a) dados de fontes secundárias (Censos Demográficos do do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e malhas municipais entre 1970 e 2000) dos 25 municípios do oeste paraense, propostos no projeto do estado do Tapajós; b) imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Para a análise são privilegiadas as variáveis de composição e características da unidade doméstica, procedência dos indivíduos, mobilidade, assim como as variáveis de uso e cobertura da terra (desmatamentos, estágios sucessionais de floresta secundária e usos agrosilvopastoris), estrutura fundiária, infraestrutura e distribuição da população. Em um Sistema de Informação Geográfica essas informações são cruzadas permitindo perceber e relacionar as dinâmicas biofísicas e sociodemográficas nas duas escalas, o que dará suporte para o entendimento do processo de urbanização de uma forma multiescalar. Resultados Na área de estudo em Santarém, verifica-se o aparecimento de grandes estabelecimentos agropecuários, fruto da consolidação de propriedades e reflexo da instalação do porto de exportação de soja, simultaneamente ao aparecimento de pequenos estabelecimentos sem uso agropecuário, resultado de fragmentações, provocadas por herança de terra ou estratégias individuais, em áreas em incipiente urbanização. A redistribuição da população na área de estudo (tão expressiva quanto as dinâmicas que envolvem a sede do município), e a concentração de investimentos em infra-estrutura no meio rural, acaba por criar uma rede de centros de distintos portes, alguns deles já cotados como sedes de futuros municípios. Da perspectiva regional, nota-se um intenso processo de urbanização com crescimento de antigos centros e formação de novos. A região obteve aumento médio de 75% da população urbana entre 1970 e 2000, e o aparecimento de 12 novos municípios, provenientes do desmembramento daqueles com maior urbanização no meio rural. Observa-se cidades de diversos portes, orientadas pelos eixos rodoviários, em uma lógica que sustenta o movimento pela emancipação do estado do Tapajós, com capital em Santarém. A sobreposição das análises mostra várias perspectivas de um amplo processo de reconfiguração do rural, que inclui a modificação da estrutura fundiária do uso e da cobertura da terra, das distribuição da população, com expressivo desmatamento e urbanização, constatado tanto em nível local como regional. Conclusão A identificação de similaridades em processos nas diferentes unidades de análise é visível, sobretudo do ponto de vista da urbanização rural. Cada escala espacial apresenta limitações quanto a análise dos dados, mas mostram-se complementares para o entendimento de todo o processo. O principal desafio do estudo é a identificação dos efeitos de escala nas variáveis, com objetivo de constatar interdependências entre as decisões realizadas em escala micro com as dinâmicas observadas a nível regional, geralmente avaliadas sob motivações no âmbito geral (globais ou regionais). Principais referências bibliográficas BECKER, B.K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v.19, n.53, p.71-86, 2005 D'ANTONA, A.O; VANWEY, L. Rural Urbanization in the Brazilian Amazon: Factors Endogenous to the Region and Rural Households in Santarém, Pará. In: 7th International Science Conference on the Human Dimensions of Global Environmental Change, 2009, Bonn. IHDP Open Meeting 2009. Bonn : IHDP, 2009. HOGAN, J.D.; D’ANTONA.A.O.; CARMO,R.L. Dinâmica demográfica recente da Amazônia. In: BATISTELLA, M.; MORAN, E. F.; ALVES,D.S (Org). Amazônia natureza: sociedade em transformação. São Paulo: Edusp, 303p., 2008. VANWEY,L; D’ANTONA,A.O.; BRONDÍZIO,E. Household demographic change and land/use cover change in the Brazilian Amazon. Population and Environment. 28:163-185, 2007.