Uma questão acerca do espaço lógico
no Tractatus Logico-Philosophicus
Gustavo Gueraldini Michetti
Mestrando em Filosofia
pela UFSCar
Bolsista CAPES
[email protected]
Palavras-chave
Espaço lógico. Fatos. Lógica
Transcendental. Nomes.
Objetos
Resumo
O espaço lógico é um conceito fundamental no Tractatus Logico-Philosophicus. Este espaço é o espaço de todas as possibilidades
de concatenação de objetos em estados de coisas, ou seja, é condição de possibilidade do mundo e, além disso, de nossa linguagem.
Os objetos constituem a substância do mundo – subsistem independente do que seja o caso – e apresentam uma forma fixa para aquilo que pode ocorrer na realidade. Os estados de coisas são complexos formados por coisas (objetos); os objetos são os elementos mais
simples desses complexos. Ora, dizer que um objeto é simples não é
dizer que ele possa se apresentar isoladamente. Um objeto só pode
ser pensado em uma ligação com outros objetos (2.0121-2.0122),
sendo assim, ele não pode ser pensado fora do estado de coisas em
que ele possa aparecer ou, em outras palavras, o objeto não pode
estar fora do espaço de possibilidades em que ele está inscrito.
Porém, Wittgenstein nos diz que “esse espaço, posso concebê-lo
vazio, mas não a coisa sem o espaço” (2.013). Com essa afirmação
é possível conceber um espaço lógico em que nenhum estado de
coisa se apresentasse como possível, ou seja, que haveriam objetos
no espaço lógico que não estariam articulados? Mas pensar um
espaço lógico vazio não vai de encontro com o aforismo 2.0121
“não podemos pensar nenhum um objeto fora da sua possibilidade
de sua ligação com outros”? A nossa comunicação visará uma exposição mais “alargada” dos conceitos que envolvem essa questão,
além disso, apresentaremos duas possíveis resposta apresentada por
alguns comentadores do Tractatus.
1. Introdução
A “tese” de que a lógica é transcendental apresenta-se no aforismo
6.13 do Tractatus: “A lógica não é uma teoria, mas uma imagem
especular do mundo. A lógica é transcendental”1. Parece que o
aforismo distingue duas coisas. Por um lado, a lógica enquanto
transcendental não pode ser considerada como uma teoria, isto é,
não pode ser responsável por apresentar um “corpo” de proposições verdadeiras sobre o mundo. Por outro lado, a lógica tem de
espelhar (‘imagem especular’) o mundo de alguma maneira e, em
certo sentido, manter um vínculo essencial com ele. Dessa maneira,
não é do interesse da lógica saber quais estados de coisas existem
ou não, em saber como o mundo se encontra efetivamente (atualmente). A lógica se importa com certo tipo de ‘imagem refletida’ do
mundo; imagem que de fato ela deve ser e que a caracteriza como
186
1 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philososophicus; Tradução, apresentação e
estudos introdutórios de Luiz Henrique Lopes dos Santos; [introdução de Bertand Russell].
– 3ªed. – São Paulo: Edusp, 2010. Aforismo 6.13. Doravante, para fins de citação, TLP e o
número dos aforismos em questão.
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transcendental. Mas o que Wittgenstein quer dizer com isso? Se
voltarmos alguns passos atrás nos aforismos do Tractatus, talvez,
fique mais claro qual o ‘interesse’ da lógica e como ela pode ser
entendida como transcendental; vejamos o aforismo 5.552:
A experiência de que precisamos para entender a lógica não é
a de que algo está assim e assim, mas de que algo é: mas isso
não é experiência.
A lógica é anterior a toda experiência – de que algo é assim.
Ela é anterior ao como, não é anterior ao quê. (TLP, 5.552)
Há dois tipos de experiências caracterizadas nesse aforismo, a
experiência de que algo é e que, de fato, não é uma experiência;
e a experiência do como, de que algo é assim. Parece que essas
duas maneiras de se entender o termo ‘experiência’ servem para
se compreender o ‘estatuto’ da lógica no Tractatus e como é possível compreender a relação entre lógica e mundo2. A experiência
compreende como o mundo se encontra atualmente, quais estados
de coisas existem e quais não existem; que as coisas se encontram
relacionadas de tal e tal maneira. A lógica não tem interesse pela
experiência ou, melhor dizendo, não é possível entender a lógica
através da experiência, através de um “olhar para o mundo”, através do conhecimento de quais são os estados existentes de coisas3.
Para se entender a lógica é necessário a compreensão desse “que
algo é”; nesse momento parece que empacamos no mesmo ponto
em que havíamos parado no aforismo 6.13: O que Wittgenstein
quer dizer com as passagens “a lógica não pode ser anterior ao
quê” e “a lógica tem de ser uma imagem especular do mundo”?
Se a lógica é anterior a toda e qualquer experiência, como se dá a
relação entre lógica e mundo? Como entender essa anterioridade da
lógica e como entendê-la como transcendental?
A nossa comunicação procurará apresentar dois caminhos possíveis para que se possa dar uma resposta às questões levantadas
acima. Para isso, percorreremos de maneira rápida alguns pontos
cruciais ao conceito de proposição apresentado no Tractatus para
que, depois, possamos investigar a relação entre nomes (elementos
mais simples das proposições) e objetos (elementos mais simples
da realidade). Percorrer esse caminho nos levará a duas interpretações diferentes para se compreender os objetos do Tractatus e,
consequentemente, duas maneiras diferentes de se entender aquilo
que Wittgenstein chamou de espaço lógico (a totalidade dos objetos). Será também tarefa de nosso trabalho apresentar essas duas
exposições e comparar as questões concernentes ao espaço lógico e
à lógica transcendental, uma vez que, em certa medida, essas questões não podem ser apresentadas separadamente.
187
2 Nos termos de Balthazar Barbosa Filho: “Esse é o problema de como a lógica se realiza
no mundo”. Wittgenstein e a racionalidade no mundo contemporâneo – debate sobre o
livro 'Apresentação do Mundo'. CEBRAP, novos estudos nº43, 12/09/1995. pág. 208
3 TLP 5.551. Toda questão de lógica tem que ser respondida de imediato; se tivermos que
olhar o mundo, então, trilhamos um caminho errado.
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2. Alguns aspectos sobre a figuração e a análise lógica
O que a lógica pode antecipar é a forma essencial da proposição.
Em um primeiro momento, através da teoria da figuração, o Tractatus nos revela que proposições e pensamentos são figurações
lógicas da realidade. A proposição descreve os fatos por ser um
modelo da realidade. É um modelo por ter algo em comum com os
fatos: tanto proposições quanto fatos têm a mesma forma lógica.
Isso mostra que a proposição vincula seus elementos da mesma
maneira que os elementos dos fatos estão vinculados, ou seja,
a proposição é uma ligação de elementos que são apresentados
como uma possível ligação de elementos na realidade (no fato).
Assim, toda proposição tem uma estrutura, a maneira como seus
elementos se encontram relacionados e, por isso, a sua forma deve
ser a mesma que a da situação que ela representa: “A proposição
comunica-nos uma situação; deve, pois, estar essencialmente vinculada à situação. E o vinculo é precisamente ser figuração lógica
dela”4. A verdade de uma proposição só pode ser revelada através
da realidade, através da experiência. Que a proposição possa representar uma situação de maneira errônea, não altera em nada o seu
valor representativo. Ter a mesma forma que a realidade garante
que a proposição tenha a possibilidade de ser verdadeira ou de ser
falsa, ao “fazer” uma proposição não pode ser dado a sua verdade
ou a sua falsidade; o que é de fato “dado” é a possibilidade de sua
verdade ou de sua falsidade, esta é a sua capacidade representativa. Mas, dizer que proposições e fatos têm a mesma forma lógica
não é dizer que seja possível representar qual seria esta forma. A
proposição exibe a forma como os elementos se encontram na realidade, ou seja, ela mostra a forma que é comum tanto ao mundo
quanto à linguagem. Esta forma é uma condição necessária para
que o mundo seja representado pela proposição, tal forma não se
encontra nos fatos, mas é uma relação interna que garante o acesso entre mundo e linguagem. Se fosse possível dizer qual “a forma
da linguagem”, tal forma não seria necessária, ela estaria dentro de
um campo de possibilidades e poderia ser verdadeira ou falsa, consequentemente, seria necessária uma forma que tornasse possível
a enunciação da ‘forma lógica da linguagem’. A linguagem espelha
o mundo, a forma do estado de coisas é espelhada pela forma das
proposições, mas esta não pode dizer qual seria esse “espelhamento” sem ir além da linguagem e do mundo5. Toda proposição necessária, de fato, não se constituí como uma proposição legitima.
Uma proposição legitima tem de ser verdadeira ou falsa e não pode
haver uma terceira via.
As consequências que podemos tirar da teoria da figuração são:
toda e qualquer proposição deve ser complexa e bipolar. É complexa por ter certo número de elementos (os nomes), estes devem estar
articulados de alguma maneira, isso mostra a bipolaridade da proposição; ela deve escolher uma entre duas alternativas que se excluem – por. ex. afirmar ou negar. O princípio da bipolaridade mostra a independência do sentido da proposição; independente de sua
4 TLP, 4.03
5 TLP, 4.121
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verdade ou falsidade, a proposição tem um sentido e isso é garantido pela forma lógica compartilhada entre linguagem e realidade.
Os elementos mais simples da proposição são chamados de nomes.
Wittgenstein chama a proposição que é constituída apenas por nomes de ‘proposição elementar’. Torna-se crucial tentar compreender
o que se entende por ‘análise lógica’ de proposições no Tractatus,
tal análise mostra mais algumas características essenciais às proposições. Uma das coisas que a análise deve mostrar é que “a proposição é uma função de verdade de proposições elementares”6, isto
quer dizer que uma proposição contém o sentido da outra. Tomemos o exemplo da implicação lógica: ‘P implica q’, essa proposição
mostra que o sentido da proposição ‘p’ está contido no sentido da
proposição ‘q’7. Outro ponto que a análise lógica das proposições
mostra é que ela não pode durar para sempre, ela tem que ter um
fim. Chega-se a certo ponto onde não se pode tirar o sentido de
uma proposição a partir de outra. Uma análise ideal das proposições de nossa linguagem mostra que no fim de tal análise o que
se tem são proposições elementares compostas por nomes. Assim,
toda proposição generalizada deve ter como base proposições elementares, estas podem descrever completamente aquelas. Se fosse
possível saber quais são todas as proposições elementares, seria
possível saber quais proposições (mais gerais) se pode construir a
partir delas.
Os nomes que constituem proposições elementares não têm sentido.
Como já foi dito mais acima, só uma proposição tem sentido, pois
só ela pode proporcionar um ato de escolha: uma proposição escolhe dizer que certos elementos da realidade estão articulados uns
aos outros ou, pelo contrário, escolhe dizer que estes elementos não
se encontram articulados; isto mostra a possibilidade da proposição
ser verdadeira ou falsa. Um nome não pode vincular um ato de
escolha, nada é dito pelo nome “João” quando este aparece isoladamente. Que um nome tenha o significado que tem só é possível
através daquilo que Wittgenstein chama de ‘relação afiguradora’;
o nome deve ‘espetar’ o objeto designado: “A relação afiguradora
consiste nas coordenações entre os elementos da afiguração com as
coisas” (TLP 2.1514); “Essas coordenações são como que as antenas
da figuração, com as quais ela toca a realidade” (TLP 2.1515). Essa
passagem, um tanto quanto obscura, parece sugerir como um nome
adquire seu significado e mostra mais uma das condições para que
proposições tenham acesso ao real. Um nome tem seu significado
garantido por dois motivos: 1) ele tem de estar em uma relação
direta com um objeto; 2) e é na proposição que ele se apresenta8.
Se a proposição descreve um estado de coisas (uma ligação entre os
objetos na realidade), os nomes são os substitutos dessas coisas na
proposição. Destarte, o nome tem de se comportar, na proposição,
tal como os objetos se comportam na realidade. Por esse motivo, o
objeto tem de ser o significado de um nome; p. exp., se um nome
tem como seu significado um objeto espacial, tal nome desempe6 TLP 5.
7 Ibid. 5.11-5.124.
8 Ibid. “o nome significa o objeto. O objeto é seu significado” (3.203); “só a proposição
tem sentindo; é só no contexto da proposição que um nome tem significa”.
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nhará seu papel em uma proposição que descreva objetos relacionados em uma situação espacial. Ao substituir um objeto, o nome
terá que desempenhar o mesmo papel que este. A relação afiguradora é uma das condições necessárias para que uma proposição
tenha sentido e, por isso, não pode ser descrita.
3. Retomada da Questão
Voltemos ao nosso ponto de partida. A lógica pode dizer a priori
que todas as proposições são bipolares, complexas, devem representar a realidade e são funções de verdade de proposições elementares. Isso é a única coisa que a lógica pode dizer sobre a forma da
proposição. Quais são as formas de todas as proposições depende
de quais são as formas de todas as proposições elementares, mas
isso só é possível se se sabe quais são os nomes constituintes de
todas as proposições elementares e, consequentemente, quais são
todos os objetos. Só a aplicação da lógica pode especificar quais
são os objetos, objetivo que o Tractatus não tem a pretensão de
cumprir. Talvez, o que a lógica do Tractatus pretende fazer é traçar
os limites do que pode ser pensado (o que pode ser dito); parece
que ela faz isso ao se debruçar sobre as condições de possibilidade
para que uma proposição tenha o sentido que tem. Resumindo o
que foi dito acima: A lógica necessita que nomes e proposições
elementares sejam possíveis, que nomes e proposições elementares estejam aí na base das proposições de nossa linguagem; e por
que isso é importante? Porque essa base é o que torna possível o
sentido de todas as proposições. Porém isso não é tudo o que o
Tractatus nos diz. Lembremos que nomes têm de estar intimamente
vinculados aos objetos e proposições elementares têm de afirgurar
estados de coisas. Sendo assim, a lógica tem que pressupor essas
coisas que são fundamentais para que seja possível o significado
dos nomes e para que proposições tenham sentido. A teoria da
figuração, com o apoio da análise lógica das proposições, revela
que a lógica e a linguagem não podem ser independentes de certa
ontologia ou, de outro modo, através da concepção de proposições
elementares revela-se consequências ontológicas de possibilidade
de representação9.
Aqui voltamos ao nosso ponto de partida, ao aforismo 5.552. A lógica é anterior aos estados de coisas existentes, anterior “ao como
o mundo se encontra”; Ela não pode ser anterior ao ‘quê’, não pode
ser anterior à totalidade dos objetos que garantem a possibilidade
dos estados de coisas. Ela não pode ser anterior ao espaço lógico.
Aqui é que começa o problema: Como compreender o espaço lógico? Como entender o termo ‘objeto’ nos primeiros aforismos do
Tractatus? Os comentadores da obra de Wittgenstein têm posições
diferentes acerca dos ‘objetos’ e essas diferenças parecem marcar
duas maneiras diferentes de se entender o espaço lógico. Consequentemente, há duas visões de como podemos entender os pressupostos da lógica.
9 DOS SANTOS, LHL. A essencia da proposição e a essência do mundo. In.: Tractatus
Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp, 2010. Pág. 78.
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“O mundo é a totalidade dos fatos”10. O mundo é aquilo que todos os fatos apresentam tanto os fatos existentes quanto os fatos
inexistentes determinam o mundo; isso parece dizer que mesmo
que um fato não exista, faz sentido pensar que ele possa existir. O
mundo é um recorte no espaço lógico, certa demarcação apontada
pelos fatos. Um fato é a existência de estados de coisas. Um estado
de coisas parece ser uma existência mais simples do que um fato,
pois um fato parece englobar vários estados de coisas. Sendo assim, um estado de coisas só pode ser uma concatenação imediata
de objetos. Proposições mais generalizadas conseguem descrever
fatos, estados de coisas são descritos por proposições elementares e
os objetos são substituídos por nomes em enunciados mais simples.
O objeto não pode ser pensado fora do estado de coisas em que
ele possa aparecer; poder ser participante de um estado de coisas
já deve estar inscrito no objeto, como se essa inscrição sempre o
acompanha-se11. As coisas (os objetos) só são auto-suficientes por
poderem estar relacionadas umas com as outras; a coisa é auto-suficiente por poder aparecer em todos os estados de coisas em
que ela possa aparecer. Essa auto-suficiência é na verdade uma
‘não auto-suficiência’, pois, de alguma maneira, a coisa tem de
poder estar vinculada a um estado de coisas (2.0122). Sendo assim,
se um objeto é dado também está dado todos os objetos em que ele
possa estar concatenado, todos os possíveis estados de coisas. O
objeto só pode ser pensado nesse espaço de possibilidade de concatenação; concebendo esses objetos, é possível conceber também
todas essas possibilidades. Wittgenstein entende que esse espaço de
possibilidades pode ser pensado como vazio, mas a coisa não pode
ser pensada sem esse espaço (2.013). Os objetos são simples (2.02),
eles são os últimos elementos da realidade e constituem aquilo que
Wittgenstein vai chamar de ‘substância do mundo’ (2.021) e são a
forma fixa que reside em todos os mundos possíveis (imagináveis);
não se pode pensar um mundo sem eles objetos ou com ‘novos’
objetos. A forma de um objeto é o que garante que este possa estar
concatenado em um estado de coisas; por ex., um objeto que tenha
a foma espacial só pode estar articulado com outros objetos de
mesma forma. A forma fixa dos objetos garante que todos os estados de coisas que possam existir, por isso, ela é o que subsiste independente do que seja o caso, independente do que seja o mundo.
***
Os pontos que destacamos acima sobre os objetos do Tractatus
apresentam interpretações divergentes nos comentários sobre a
obra de Wittgenstein. O problema se encontra ao tentar compreender os aforismos 2.0122 e 2.013: Se um objeto só pode estar vinculado à situação em que ele possa aparecer, a uma situação possível,
então, como conceber um espaço de possibilidades vazio? Deve-se
deixar claro que esse espaço vazio não pode ser pensado como um
espaço sem objetos, uma vez que, os objetos garantem todas as
possibilidades de concatenação em estados de coisas, eles garantem
191
10 TLP 1.1.
11 É uma marca essencial do objeto.
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a forma de como essas concatenações podem se efetivar; assim, a
totalidade dos objetos garantem o espaço lógico. Dessa maneira,
pode haver no espaço lógico objetos sem nenhuma concatenação,
ou seja, um espaço lógico vazio?
Balthazar Barbosa Filho no debate sobre o livro ‘Apresentação do
mundo’ diz que a alternativa de se pensar o espaço lógico como
vazio não pode estar correta. O que se vê no aforismo 2.122 é que
um objeto pode aparecer em uma situação possível, mas dizer isso
é dizer que o objeto necessariamente tem de estar vinculado a um
estado de coisas possível. O objeto espacial tem de estar em algum
ponto determinado no espaço infinito, não se sabe qual é esse ponto, mas em algum lugar ele deve estar; a mancha no campo de cores tem de ter uma cor, não importa qual (se é vermelha, azul, verde, etc), mas alguma cor ela deve ter; do mesmo modo um objeto
tem de estar vinculado em alguma situação possível, não está determinado de antemão qual situação ele pertence, mas algum lugar
ele deve ocupar no espaço lógico:”Em outras palavras, um objeto
deve existir em algum ponto determinado no espaço lógico, mas
nada sobre o espaço determina uma posição determinada do objeto”.Destarte, os objetos no espaço lógico têm de constituir algum
estado de coisa, isto é, algum mundo tem de existir. Se a interpretação de Balthazar é a correta, então, é uma necessidade lógica a
existência de um mundo. Não importa qual mundo se apresente no
espaço lógico, o importante é que um mundo qualquer deva existir:
na minha interpretação, a existência de um mundo seria uma
necessidade a priori, uma necessidade de natureza lógica (…)
Se algo é constituinte possível de um estado de coisas, necessariamente é um constituinte (possível) de algum estado de
coisas existente. E nisso, escreve Wittgenstein no Tratactus,
reside a não-autos-uficiência da coisa da qual ele tratou. (Wittgenstein e a racionalidade no mundo contemporâneo p. 209)
192
O problema da interpretação de Balthazar é que ele parece esconder
um termo essencial para se compreender o aforismo 2.0122. O que
Wittgenstein nos diz é que: “a coisa é auto-suficiente, na medida
em que pode aparecer em todas as situações possíveis”. A palavra
possível é suprimida pela leitura de Balthazar e, por isso, parece
que a consequência que podemos tirar disso é de que os objetos
estão necessariamente ligados uns aos outros. Outro problema que
pode aparecer é que o aforismo 2.013 não é analisado nessa interpretação. Ora, é nesse aforismo que Wittgenstein diz que o espaço
lógico pode ser concebido como vazio e restaria a questão de como
reportar a interpretação de Balthazar ao 2.013.
A outra interpretação que parece ir de encontro a de Balthazar
é a de Luiz Henrique Lopes dos Santos e do Norman Malcolm. O
essencial dessa segunda interpretação é que o espaço lógico pode
ser considerado como vazio, por esse motivo, os objetos podem
estar no espaço lógico sem estarem vinculados a algum estado de
coisas. Seria possível conceber um espaço lógico onde nenhum
estado de coisas se apresentasse, sem a ocorrência de nenhum fato,
sem que um mundo existisse. A existência de um mundo seria algo
contingente e a lógica teria como pressuposto apenas a substância do mundo (a totalidade dos objetos, a forma fixa do mundo, o
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espaço lógico). Essa interpretação é apresentada por Malcolm em
Wittgenstein:Nothing is Hiddem:
A observação ‘eu posso conceber esse espaço vazio’, certamente quer dizer que nenhum estado de coisas do qual uma
coisa pode estar inscrita, pode existir. Se isso é possível para
um objeto, pode ser possível para qualquer objeto. Por isso a
totalidade do espaço lógico pode ser vazia: pode ser que não
exista estados de coisas – isto é, nenhum mundo (p.24)
O problema que Balthazar aponta para essa interpretação é que
ela não consegue dar conta do aforismo 2.0131. Se for possível a
um objeto existir sozinho, ou seja, sem estar concatenado a algum
estado de coisas, então, como entender essas frases apresentadas
por Wittgenstein: “o objeto espacial deve estar no espaço infinito.
(o ponto do espaço é um lugar de argumento. Não é preciso, por
certo, que a mancha no campo visual seja vermelha, mas uma cor
ela deve ter”? A interpretação de Malcolm nos levaria a crer que
objetos espaciais poderiam se encontrar fora do espaço; ou que
uma mancha no capo visual poderia aparecer sem nenhuma cor,
que um objeto colorido poderia existir sem nenhuma cor.
193
4. Conclusão
A lógica transcendental do Tractatus parece receber essa titulação
por dois motivos:
1) a lógica é anterior ao como, ela não tem interesse em saber quais
proposições são verdadeiras ou falsas, isto é, não é de seu interesse
saber como o mundo se encontra atualmente; é do interesse da lógica saber qual é a forma essencial comum a todas as proposições
e isso se mostra a priori (anterior a qualquer experiência) – todas
as proposições são complexas, bipolares, figurativas e função de
verdade de proposições mais simples que são compostas por nomes.
2) compreender o que pode ser dito e pensado parece poder ser
traduzido por ‘o que pode ser o mundo’, pois tudo o que se pode
pensar pode também existir: “O pensamento contém a possibilidade da situação que ele pensa” (TLP 3.02). Se é tarefa da lógica
compreender as condições que tornam possível o pensamento e a
linguagem, então, através do ‘estudo’ dessas condições, torna-se
possível retirar algumas condições concernentes à realidade: “Especificar a essência da proposição significa especificar a essência
de toda descrição e, portanto, a essência do mundo” (TLP 5.4711). É
nesse sentido que a lógica parece ser um espelho do mundo, ela é
o que revela a forma comum tanto à linguagem quanto ao mundo
- nada do que pode ser pensado pode ser pensado ilógicamente e
nada do que pode acontecer no mundo pode acontecer contrariando as leis da lógica.
Ainda que a lógica consiga dizer a priori a forma comum de todas
as proposições e o que pode ser um mundo concebido pelo pensamento, ela não pode revelar quais são todas as proposições elementares e quais são todos os nomes que as compõem. Consequentemente, é impossível revelar quais são todos os objetos e quais são
todos os possíveis estados de coisas. Há um resíduo que a lógica
não pode ultrapassar ou se debruçar sobre, aquilo que se revela
como sendo os limites próprios da lógica e do mundo:
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A lógica preenche o mundo; os limites do mundo são também
seus limites.
Na lógica, portanto, não podemos dizer: há no mundo isso e
isso, aquilo não.
Isso aparentemente pressuporia que excluímos certas possibilidades, o que não pode ser o caso, pois, do contrário, a lógica
deveria ultrapassar os limites do mundo: como se pudesse
observar esses limites também do outro lado. (TLP 5.61)
Os limites apontados nesse aforismo coincidem com aqueles apresentados nos primeiros aforismos do Tractatus. A lógica não pode
revelar a substância do mundo através de proposições com sentido,
ela não pode revelar quais são os objetos e as formas que eles apresentam, em outras palavras, é impossível apresentar a constituição
intima do espaço lógica (totalidade dos objetos). Não se pode pela
lógica excluir ou acrescentar alguma possibilidade intrínseca ao
mundo, isto é, não se pode acrescentar ou suprimir nenhum um
objeto, uma vez que, os objetos revelam todas as possibilidades do
que pode ser pensado e do que pode ser a realidade.
A nossa resposta aos comentários da questão que apresentaremos
aqui é um tanto quanto desanimadora. Não nos posicionaremos em
favor de uma ou outra linha de interpretação e nem mesmo temos
a intenção de apresentar uma terceira linha. As duas interpretações
revelam, cada uma a seu modo, os limites que a lógica não pode
transgredir e que são demarcados pela totalidade dos objetos – sendo estes objetos reveladores de um mundo como uma necessidade
a priori ou reveladores da contingência de qualquer mundo. O que
nos pareceu mais interessante do que resolver esse problema12, foi
tentar problematizar a questão a partir dessas duas interpretações.
194
12 Tarefa que,talvez, não conseguiríamos cumprir.
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Bibliografia
MALCOLM, Norman. Wittgenstein: nothing is hidden. Cambridge:
Basil Blackwell, 1986.
DOS SANTOS, LHL. A essência da proposição e a essência do
mundo. In.: Tractatus Logico-Philosophicus; Tradução, apresentação e estudos introdutórios de Luiz Henrique Lopes dos
Santos; [introdução de Bertand Russell]. – 3ªed. – São Paulo:
Edusp, 2010.
Wittgenstein e a racionalidade no mundo contemporâneo – debate
sobre o livro ‘Apresentação do Mundo’. CEBRAP, novos estudos nº43, 12/09/1995
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philososophicus; Trad.
Luiz Henrique Lopes dos Santos; [introdução de Bertand Russell]. São Paulo: Edusp, 2010.
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