PREFÁCIO
E Viveram Felizes... Para Sempre?
Eu não posso acreditar que o propósito da vida é ser “feliz”. Eu
acho que o propósito da vida é ser útil, ser responsável, ser compassivo. Acima de tudo, é para importar e contar, para defender
algo, para fazer alguma diferença que você viveu.
LEO C. ROSTEN (1908-1997)
E
ste livro começa onde terminam os contos de fadas.
Afinal, esta história de “felizes para sempre” nunca me
cheirou muito bem. É como se o autor estivesse tentando esconder alguma coisa. Posso me imaginar colocando-o contra
a parede.
- Felizes para sempre? Tem certeza?
- Perdão? – ele finge que não entendeu a pergunta, para
ganhar tempo.
- Desentendimentos, brigas, nada?
- Nada! Incrível, né? – ele diz, fingindo uma convicção que
seu sorriso fabricado denuncia ser falsa.
- Hum... Eles nunca sentiram medo? Nunca se frustraram
em alguma expectativa? Nunca sentiram insegurança em rela-
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ção ao futuro? Nunca sofreram alguma perda na família? Nunca tiveram medo de perder um ao outro? Não envelheceram?
Lidaram bem com a velhice? Nunca se arrependeram de nada?
Em nenhum dia eles acordaram melancólicos, desencantados
com a vida? Nunca perderam a paciência no trabalho? Nunca
passaram por dificuldades financeiras? Nunca se preocuparam
com os filhos?
- Bem, isso eu já não sei...
Eu engoliria melhor essas palavras se o autor as substituísse
por algo como “e viveram felizes, quase sempre”, mas “felizes
para sempre”... Francamente! Será possível que alguém consiga
viver assim?
Estou convencido de que não. Mesmo que você seja um
príncipe encantado, ou uma linda princesa, “feliz” e “sempre”
são palavras que não combinam. Não vivemos em um mundo perfeito, e nosso corpo foi moldado ao longo de milhões de
anos para responder com ansiedade, medo, raiva, tristeza ou
frustração a cada uma das imperfeições que nos cerca. É certo
que todos temos os nossos momentos de felicidade, mas é certo
também que existem situações nas quais nos vemos sequestrados pelos mais desagradáveis sentimentos.
A vida sempre foi assim: uma mescla de bons e maus momentos. No entanto, cada vez menos as pessoas parecem dispostas a aceitar e a lidar com essa realidade. Enquanto você lê
este livro, quantidades inacreditáveis de pílulas antidepressivas
e ansiolíticas estão sendo fabricadas em laboratórios espalhados ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, cientistas são contratados para se dedicar diuturnamente ao desenvolvimento de
novos medicamentos ou ao refinamento dos já existentes, em
pesquisas que consomem montantes inacreditáveis de dinheiro.
O importante é descobrir a fórmula que nos livre das nossas
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tristezas, dos nossos medos e da nossa ansiedade. Embora na
teoria esses remédios estejam sendo desenvolvidos e produzidos para o tratamento de quadros patológicos, a curiosidade da
população e a redução contínua dos efeitos colaterais provocados por essas substâncias são fatores que contribuem para que
as “pílulas da felicidade” povoem cada dia mais os armarinhos
dos banheiros de pessoas que estão apenas infelizes.
Na outra ponta desse processo de produção e distribuição
estão os médicos. Pressionados por pacientes ávidos por soluções para seus problemas, alguns prescrevem antidepressivos
como prescreveriam antialérgicos ou antitérmicos. São treinados para indicar o uso de substâncias psicoativas apenas quando
diante de um transtorno emocional claramente diagnosticado,
mas, como se sabe, um diagnóstico psiquiátrico ou psicológico é sempre uma peça controversa. Na ausência de indicadores fisiológicos seguros, e na falta de um sistema diagnóstico
objetivo e confiável, a definição acerca da presença ou não de
transtorno psicológico em um paciente se torna uma questão
subjetiva, facilmente influenciada pelo viés cultural predominante naquela clínica médica. Onde acaba a tristeza e começa a
depressão patológica? No ponto exato que seu psiquiatra definir. E, se você estiver cansado de não ser feliz, poderá facilmente convencê-lo de que precisa legitimamente de uma daquelas
promissoras caixinhas de papelão que estão na prateleira ao
fundo do consultório.
Outro bom lugar para começar a construção do seu conto
de fadas particular é a livraria mais próxima de você. Lá você
pode encontrar centenas de títulos animadores, escritos em
letras garrafais sobre capas coloridas, que anunciam páginas e
mais páginas de “ensinamentos” e “dicas” sobre como levar uma
vida mais feliz. Quanto mais simples a fórmula, mais tempo na
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lista dos mais vendidos. Um sucesso recente apresentou a solução mais fácil. Você não tem o que quer? Simples: peça ao universo! O universo é um grande catálogo, e existe para atender
a cada uma de nossas vontades. Sabendo pedir, não há porque
experimentar momentos de dor. Como um segredo desses ficou
escondido por tanto tempo?
Além de alguns setores médicos e literários, a nossa sociedade como um todo se convenceu de que o combate aos “maus”
sentimentos deve ser tratado como prioridade número um. Essa
visão é especialmente forte em algumas escolas, onde tentar ensinar a criança a ser feliz é mais importante do que ensiná-la as
quatro operações básicas da aritmética. Autoestima é a palavra
de ordem. Vista como a vacina e o antídoto dos maus sentimentos, professores bem intencionados têm como certo que o
importante é que a criança aprenda a gostar de si mesma. Se no
caminho puder aprender um pouco de ciências, melhor ainda.
Nessa construção coletiva de um conto de fadas, podemos
encontrar também a contribuição das empresas bem intencionadas. Psicólogos organizacionais não se cansam de enfatizar
que, mais que um local de trabalho, a empresa deve ser um local
onde nós possamos atingir os nossos mais elevados ideais, em
um clima de fraternidade e apoio mútuo. Acredita-se também
que felicidade é igual a produtividade, e uma empresa que não
consiga limpar de seu ambiente qualquer vestígio de estresse e
pressão emocional pode, a qualquer momento, ser alvo de processos judiciais, sob a alegação de que adoece seus funcionários.
Mais do que um executivo, é preciso ser um verdadeiro monge.
As famílias, é claro, não poderiam ficar de fora desse que
é um dos maiores projetos já empreendidos pela humanidade.
Em suas aconchegantes casas, muitos pais, mães, avôs e avós
já chegaram a um consenso: o que importa é que as crianças
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estejam felizes, livres de frustração, medo e tristeza. Se a criança
está feliz, a família está cumprindo sua obrigação, está fazendo
seu trabalho. Caso contrário, deve procurar imediatamente a
ajuda de um profissional. A infelicidade, hoje, é uma distorção a
ser corrigida. Mais do que isso: é uma doença gravíssima!
Durante a infância, todos nós lemos histórias que terminam prometendo a felicidade eterna. Encantamo-nos com elas,
e agora trabalhamos unidos em um esforço monumental para
transpor essa felicidade eterna dos livros para a realidade na
qual vivemos. É uma grande busca. Uma busca que, para o observador desatento, pode parecer muito louvável. Até seria, se
não fosse por uma única razão: a estratégia, nitidamente, não
está funcionando! De fato, parece até estar produzindo o efeito
contrário. Aproximadamente 16% das pessoas no mundo experimentam depressão em algum ponto de suas vidas, e a expectativa é de que esse número aumente nos próximos anos.1
Em 2020, a depressão será a segunda doença que mais gerará
prejuízos em todo o planeta, de acordo com projeções da Organização Mundial de Saúde. A ansiedade também está ganhando
espaço, e quase 30% das pessoas já convive com algum transtorno relacionado a ela.2 O tiro, caro leitor, está saindo pela culatra.
A depressão e a ansiedade de milhões indicam o fracasso
do nosso projeto de mundo perfeito. Mas outro tipo de evidência é ainda mais marcante: o suicídio. A cada 40 segundos alguém se suicida no planeta, e esse número tem crescido entre
as pessoas de meia idade. Grande parte dos suicidas deixa para
trás uma carta dizendo que não aguentava mais sofrer.3 Diante de dados como esses, é difícil, mesmo para o mais otimista,
dizer que estamos conseguindo tornar o mundo um lugar efetivamente mais feliz.
Portanto, o quadro que se desenha é paradoxal. Ao mesmo
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tempo em que assistimos a um investimento financeiro, intelectual e social sem precedentes na produção da felicidade, observamos também a escalada dos males e doenças associados à
infelicidade. O que está acontecendo? Pode-se argumentar que
não existe nenhum paradoxo, e que essa busca frenética pela
felicidade é simplesmente uma resposta à crescente dificuldade
das pessoas em encontrar uma vida feliz. Faz sentido. Pílulas são
fabricadas e livros são escritos porque existe um amplo mercado
consumidor disposto a pagar por isso. Mas ainda falta explicar
as causas desse aumento da tristeza e da ansiedade patológica. E
a investigação dessas causas nos leva a uma conclusão intrigante: a própria busca da felicidade está tornando as pessoas mais
infelizes! A felicidade, essa dama caprichosa, irritada e ofendida
com nossos esforços para conquistá-la, está se afastando de nós,
lançando-nos um olhar de desprezo e superioridade.
Neste livro defenderei que não existe melhor atalho para
a infelicidade do que a busca da felicidade. Argumentarei que,
enquanto tentamos construir vidas perfeitas e absolutamente
felizes, estamos construindo, inadvertidamente, uma sociedade que tem dificuldades em aceitar e lidar com aspectos que
são intrínsecos à condição humana. Relembrarei o leitor do fato
de que sentimentos de melancolia, frustração, raiva e tristeza
estão inscritos no nosso DNA, e expressos na própria estrutura do nosso sistema nervoso e endócrino. A busca incessante
pela vida perfeita negligencia esse fato básico, e nos torna intolerantes a uma parte importante do que nós somos, do que
nós sempre fomos e do que nós sempre seremos. Condenarei a
indústria da felicidade que, ao estimular essa busca, vende uma
quimera, tornando o consumidor demasiadamente exigente
consigo mesmo, passando a ver situações emocionais comuns
como sinais de seu fracasso. Repetirei que a felicidade não deve
ser vista como o objetivo da nossa vida, mas apenas como um
Prefácio
sentimento (tão legítimo e transitório quanto qualquer outro)
que surge no momento em que atingimos os objetivos da nossa
vida e que depois, como qualquer emoção, esvanece. É um subproduto efêmero, não uma meta. Uma paisagem que visualizamos em alguns pontos do nosso caminho. É certamente uma
bela paisagem, mas que não deve ser definida como o destino
da nossa viagem – sob o risco de não ser mais vislumbrada.
Então, se você está lendo este livro para aprender a ser mais
feliz, esqueça. Aqui você não encontrará nenhuma fórmula. Em
vez disso, verá páginas repletas de explicações sobre porque as
fórmulas não funcionam. O benefício que você pode extrair
daqui é de um tipo totalmente diferente. Ao longo destas páginas, não será meu objetivo ajudar na sua busca pela felicidade, mas tirar das suas costas o peso enorme exercido por essa
meta irreal. Esta leitura não te dará o toque de Midas, e nem
sequer as dicas para transformar sua vida em um conto de fadas, mas poderá te ajudar a aceitar a vida como ela é: às vezes
como nós queremos e às vezes não, mas sempre interessante e
significativa. Entender isso é um passo importante para que nos
aceitemos dentro dos limites da nossa condição humana. E essa
aceitação, acredite, pode te trazer enorme serenidade e paz.
Mas antes de começarmos nossa jornada, gostaria de fornecer uma breve descrição do que você vai encontrar pela frente.
No Capítulo 1, falaremos um pouco sobre a história da felicidade, e veremos que o homem nem sempre teve a felicidade
como o objetivo supremo de sua existência. Essa busca, na realidade, foi surgindo aos poucos, à medida que o mundo passou
por transformações importantes. Em sua forma mais frenética é
um fenômeno muito recente, característico do nosso momento
histórico e econômico. Veremos ainda como essa ânsia moder-
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na alimenta uma poderosa indústria, que transforma a felicidade em um produto que rende bilhões de dólares por ano a
algumas pessoas e corporações.
Já que tanta gente está buscando aumentar o seu nível de
felicidade, vale a pena descobrir se isso é ao menos possível.
No Capítulo 2 examinaremos até que ponto nós podemos atuar
ativamente para construir uma vida mais feliz. Indagaremos se
é viável (ou sábio) trabalharmos para eliminar aquelas emoções
desagradáveis que tanto nos incomodam.
O Capítulo 3 nos guiará em uma visita aos nossos ancestrais pré-históricos, e nos ajudará a entender por que sentimentos como medo e ansiedade surgiram em primeiro lugar.
Conheceremos ainda alguns avanços recentes da psicologia que
nos ajudam a entender em profundidade porque a fuga do sofrimento muitas vezes tem o efeito oposto, e acaba nos lançando
a dores emocionais ainda mais intensas.
No Capítulo 4, conversaremos com alguns cientistas que
recentemente passaram a acreditar que a tristeza e a depressão
podem não ser tão ruins como pareciam à primeira vista. Nesse
bate-papo, descobriremos que a vovó estava certa: um pouco de
dor de cotovelo pode ser realmente importante para colocar as
ideias no lugar.
O Capítulo 5 traz uma mensagem aos pais e mães, e alerta
sobre como a cultura da felicidade pode estar afetando o relacionamento entre pais e filhos. Você entenderá porque algumas
vezes o nosso desejo excessivo de ver as crianças felizes pode
acabar produzindo jovens inseguros e depressivos.
No Capítulo 6 nós iremos checar a fatura, e verificar qual
é o preço que estamos pagando por nossa obsessão com o conforto e o bem-estar.
Prefácio
Finalmente analisaremos, no Capítulo 7, como podemos
economizar os nossos esforços com essa busca infrutífera e começar, desde já, a viver uma vida em conformidade com nossos
valores mais preciosos.
Ao longo de cada um destes capítulos, seremos lembrados
constantemente da nossa condição humana e, portanto, imperfeita. A tônica do texto é baseada na mais profunda convicção
de que o caminho para uma vida significativa está na sincera
aceitação dos bons e maus momentos que a vida tem a nos oferecer. Felicidade para sempre? Não acredito. Significado e valor
pessoal? Está aí algo que vale a pena perseguir.
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