ANAIS
XV CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR
XXIV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR
II SEMINÁRIO INTERNACIONAL SINDICAL – 2º NÚCLEO DO CPERS SINDICATO
II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA
“CONSTRUINDO CAMINHOS POSSÍVEIS PARA UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE”.
Santa Maria/RS, 27 a 30 de maio de 2015.
ISSN-1984-9397
O USO DA “TRILHA DA VIDA” COMO ESTRATÉGIA DIDÁTICA
Rosane Teresinha Nascimento da Rosa1
Regina Barboza Hardok Fuchs2
Resumo: A Educação Ambiental deve proporcionar às pessoas uma compreensão
crítica e global do ambiente trabalhando valores e a sensibilização em relação à
conservação e utilização dos recursos naturais. Este trabalho foi aplicado no Colégio
Militar de Santa Maria, no ano de 2013, com o título de “Trilha da Vida”, para setenta
e três alunos do 6º ano do Ensino Fundamental e duas professoras. A atividade
comprovou que há necessidade de estratégias diferenciadas para a busca de
mudanças comportamentais e no desenvolvimento de novas percepções em relação
ao meio ambiente.
Palavras-chave: Meio ambiente; Trilha da vida; Sensibilização; Educação
ambiental.
Ao longo das últimas décadas o homem teve uma grande perda de contato
com sua base biológica e ecológica. Esse desligamento da natureza começa com o
avanço da urbanização. Essa situação se reflete em posturas que a humanidade
parece ignorar ou menosprezar perante a ações de preservação do ambiente. As
inter-relações existentes entre a vida e o meio ambiente, evidenciaram uma crise
ambiental. Para que possamos nos “re-ligar” com a natureza, temos que mudar
nossa relação cotidiana com o mundo e com as pessoas.
Como nos coloca Capra (2006) vivemos numa crise de percepção, pois os
nossos problemas com o ambiente só poderão ser resolvidos quando não forem
entendidos isoladamente. As questões que atingem o ambiente são sistêmicas,
interligadas e interdependentes. Exemplificando: a extinção dos animais e vegetais
numa escala crescente continuará enquanto o hemisfério sul do planeta estiver sob
o peso de enormes dívidas; quando reduzirmos a pobreza em caráter mundial será
possível estabilizar as populações. A visão obsoleta da humanidade de ver o mundo
1
Doutora em Educação em Ensino de Ciências; Colégio Militar de
[email protected]
2
Mestre em Geografia; Colégio Militar de Santa Maria; [email protected]
Santa
Maria;
1
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todo fragmentado não permite o avanço de tentativas de melhorar as condições
ambientais do planeta.
Preconiza Capra (2006) que a mudança de paradigmas que já atinge as
ciências para as novas teorias da matéria tem gerado uma profunda mudança em
nossas visões de mundo; de uma visão do mundo mecanicista de Descarte e de
Newton para uma visão holística, ecológica. Logo, o novo paradigma preconiza uma
visão de um mundo todo integrado e não como uma coleção de partes dissociadas.
Temos a contribuição do pensador Guattari (1990) que ao registrar em seu livro três
ecologias- a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana
– manifesta também sua indignação perante um mundo que se deteriora lentamente.
Neste sentido, através da Educação Ambiental, pretende-se levar o homem a
interagir com o todo a repensar suas relações com o meio ambiente, dando outro
sentido as suas relações com a natureza percebendo o planeta como único
pertencente ao todos os seus habitantes.
À medida que o homem foi se distanciando da natureza e passou a encará-la
com uma gama de recursos disponíveis a serem transformados em bens
consumíveis, começaram então a surgir problemas socioambientais ameaçando a
sobrevivência do nosso planeta. A Educação Ambiental surgiu como uma
necessidade de mudança na forma de encarar o papel do ser humano no mundo
(DUVOISIN, 2002).
Em termos de despertar para o cuidado com o ambiente, deve-se procurar
estabelecer uma “nova aliança” entre a humanidade e a natureza que não seja
sinônimo de autodestruição (REIGOTA , 1995). Seguindo esse raciocínio, destacase entre os objetivos da Educação Ambiental a sensibilização, o desenvolvimento de
habilidades e capacidades como instrumento de avaliação e participação dos
indivíduos na sociedade organizada; podendo constituir-se uma opção para a
transformação da realidade contemporânea onde a tecnologia acelerou os
processos de produção e consequentemente a magnitude dos problemas
ambientais.
A educação ambiental deve proporcionar às pessoas uma compreensão crítica
e global do ambiente, trabalhar valores e a sensibilização em relação a conservação
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e utilização dos recursos naturais para a melhoria da qualidade de vida. Esse
processo educativo deve levar às pessoas uma visão sistêmica sobre o meio
ambiente, pois uma visão fragmentada leva a redução do ambiente, determinando
nos indivíduos uma visão individualista. O ideal seria respeito as questões
fundamentais relacionadas com a conservação dos recursos naturais a eliminação
da pobreza extrema e do consumismo desenfreado.
As práticas ambientais são recursos pedagógicos que se utiliza na educação
ambiental visando à temática ambiental de forma interdisciplinar no ensino formal e
não-formal, oferecendo ferramentas para a solução de problemas ambientais
concretos que, juntamente com outras técnicas pedagógicas, em especial a
pesquisa-ação e a experimentação, permite uma ampliação da percepção ambiental
dos indivíduos via capacitação e o desenvolvimento de novas competências para
aumento da qualidade de vida e preservação dos recursos naturais.
Para Diaz (2002) um projeto de educação ambiental exige uma pedagogia
centrada no discente, e que parta de suas representações prévias e interesses.
O desenvolvimento de práticas ambientais no ensino fundamental tem por
objetivo trazer para o cotidiano escolar esta temática, não somente como conteúdo
ou disciplina, mas associando as experiências dos indivíduos a atividades lúdicas.
A trilha da vida
A trilha da vida pode ser caracterizada como uma atividade não-formal de
Educação Ambiental, podendo ser aplicada em qualquer ambiente. Nesta atividade,
as pessoas vivenciam diferentes situações de olhos vendados, exercendo o tato, a
audição e o olfato, isto é, sentem a natureza por meio de sons, aromas e sensações.
Busca-se, com isso, sensibilizar as pessoas, despertando nelas uma consciência
crítica das inter-relações históricas entre a sociedade e a natureza enquanto
atividade de Educação Ambiental.
A trilha possibilita vivências diversificadas. Segundo Kobayashi (1991) o
elemento mais importante para a educação ambiental é permitir às crianças “tocar” a
real existência da natureza, pois as crianças raramente esquecem uma experiência
direta. São chamados de “proto-experimentos” ou “experimentos de primeira mão”
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aqueles que propiciam vivências significativas a partir dos sentidos básicos da
percepção humana.
Essa atividade proporciona que a natureza seja sentida, mais que interpretada
racionalmente e, através da trilha, pretende-se sensibilizar, despertando uma
consciência crítica através da percepção e interpretação ambiental.
Embasados nessa linha de concepções realizamos a atividade Trilha da vida
no Colégio Militar de Santa Maria, em 2013, que teve como objetivos: ampliar a
percepção dos alunos e professores na temática ambiental; propiciar maior interação
entre os indivíduos com o meio ambiente e seus recursos naturais; propiciar
reflexões sobre a temática ambiental; sensibilizar as pessoas, despertando uma
consciência crítica das inter-relações históricas entre a sociedade e a natureza.
Material e métodos
Na atividade “Trilha da Vida”, os alunos e duas professoras do 6º ano do
Ensino Fundamental entravam vendados numa sala de aula onde se organizou a
trilha e eram conduzidos pelos “anjos” conforme mostra a fotografia 1. Os anjos
eram as professoras orientadoras e encaminhavam os alunos que estavam de pés
descalços sobre folhas secas e areia e tocavam nos objetos e elementos da terra,
do ar e da água, como conchas e
esponjas, terra, frutas, ervas aromáticas,
sementes, pétalas de flores, pedras, telefones, computadores, algodão. Também
tocaram em resíduos domésticos (lixo) e em materiais do uso cotidiano, como linhas,
tecidos, moedas, calculadora conforme mostra a fotografia 2. Sentiram sensações
de calor, frio, vento, coisas gosmentas (gel) e as folhas penduradas que tocavamlhes os rosto.
Na trilha foi colocado sons (buzinas de carro e sons da floresta),
aromas e sensações, a fim deles perceberem as transformações ocorridas entre o
homem e a natureza ao longo do tempo.
Terminada a trilha, as pessoas se
encontravam em frente a um espelho onde era retirada a venda pelo “anjo” que lhes
dizia palavras de reflexão sobre a relação homem-natureza de forma a sensibilizálos conforme mostra a fotografia 3.
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Fotografia 1: “Anjo” conduzindo alunas na trilha.
Fotografia 2: Trilha da vida.
Fotografia 3: Conversa do “anjo” com os participantes da trilha.
Após passar pela trilha os participantes receberam um questionário com as questões
abaixo relacionadas:
1 – Algum dos “objetos” lhe causou desconforto? Qual?
2 – Em qual dos “objetos” você se sentiu bem? Por quê?
3 – A trilha lhe trouxe alguma recordação? Comente.
4 – Alguma vez você já observou estes “objetos” que tocou da mesma maneira que
hoje? Comente.
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5 – Deixe seu comentário e/ou sugestão sobre a atividade desenvolvida.
Discussão
Participaram da atividade 75 pessoas, sendo 73 alunos, do 6º ano do Ensino
Fundamental, e duas professoras. A idade variou de 9 a 40 anos.
Sobre a pergunta se algum dos “objetos” lhe causou desconforto e quais, 44%
responderam que nenhum objeto tinha causado desconforto, quanto aos que
declararam situações desconfortáveis 30% relacionaram o gel, como uma coisa
¨grudenta¨; 9 % sentiu desconforto ao tocar na água gelada; o mesmo percentual
relacionou esta sensação com o palito. O mesmo ocorreu com o abacaxi.
Com relação a segunda pergunta: Em qual dos “objetos” você se sentiu bem?
Por quê? 26% considerou o computador como um dos objetos que deu sensação
de bem estar e justificaram por ele estar inserido no seu cotidiano proporcionando
prazer ao usuário. Boneca e ursinho foram relacionados por 18% dos participantes
por trazerem a sensação e lembrança da infância, por serem macios, fofinhos e
acalmarem. A água, citada por 17% , por ser leve, relaxante, limpa e refrescante.
Alguns objetos como água, computador e areia causam desconforto para
alguns e sensações boas para outros, referendadas nas suas experiências e
vivências. A areia para alguns lembrou férias, praia, pracinha e brincadeiras,
enquanto para outros trouxe desconforto. O mesmo ocorreu com o abacaxi, sua
casca trouxe desconforto para alguns, porém seu aroma foi agradável para outros.
Na trilha o vento provocado por ventiladores, foi agradável para 13%, nenhum se
referiu a ele como algo desagradável, o
que pode estar relacionado com a
intensidade branda do mesmo.
As pétalas de rosas foram para os participantes macias, suaves e relaxantes.
Outro elemento que causou boa sensação foram as folhas, pois passaram um
sentimento de calma e lembraram a casa onde moravam. As conchas também foram
destacadas por lembrar a natureza.
Sobre a pergunta se “A trilha lhe trouxe alguma recordação? Comente.”, 13 %
se referiram que “tudo lembrou a infância”, segundo os alunos “um período de
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curiosidade”; 13 % destacaram a boneca e o ursinho, inclusive num extrato de
escrita de um aluno ele relata: “ ursinhos e bonecas me fizeram lembrar quando eu
era bebê e meus pais se amavam”. Também uma resposta que chamou atenção
nesta atividade pois despertou em um aluno a seguinte afirmação: “que devemos
cuidar mais do ambiente e não destrui-lo por dinheiro”. As lembranças que foram
citadas positivamente são: o pátio da casa; lembrança do piquenique que fez com o
pai; visita da família ao zoológico e uma floresta. Três alunos colocaram-se no lugar
do cego ao utilizar o tato para perceber/identificar o ambiente. Para 17 % a trilha não
trouxe nenhuma recordação porque queriam relaxar, não pensaram em nada,
ficaram sentindo os objetos e se entregaram ao momento. Durante a trilha apenas
tentava adivinhar em que objeto tocavam.
Quando perguntado “você já observou estes objetos que tocou da mesma
maneira que hoje? Comente.” 32% dos participantes responderam que não, pois
“estavam de olhos fechados e não sabiam o que era”. Os participantes que
responderam afirmativamente referiram-se ao computador e aos elementos do
cotidiano como feijão, que trouxeram-lhes boas lembranças como nos relatou um
aluno “a lembrança da mãe quando ele preparava junto com ela o alimento, pois
ajudava a escolher feijão”. Um participante afirmou que “sem a visão percebemos
com mais detalhes” ou “quando enxergamos não procuramos ver os benefícios das
coisas”. Apesar da tenra idade e possivelmente a pouca experiência dos mesmos,
um considerou que “a gente não se importa com a sensação que recebe dos
objetos no dia a dia” e é complementado pelo comentário de dois outros alunos
“não ver, faz a gente observar mais detalhadamente”. Outra referencia a observação
é o “tocar e reconhecer, proporciona sensação de intimidade com o objeto”.
Nos comentários em relação a atividade desenvolvida, os alunos pediram mais
espaço para se movimentarem, aumentar o tempo de análise de cada objeto,
presença de animais para tocarem e mais elementos para compor a trilha. A maioria
dos participantes gostaram da atividade e sugeriram que ocorram eventos deste
porte
com mais freqüência. Esta atividade serviu de estimulo para os alunos
confiarem mais nos professores do colégio.
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A grande maioria, 87 % acharam a atividade legal, criativa, interessante,
curiosa, ótima. Alguns compararam com as emoções de um “filme de suspense”.
Para os alunos a atividade estimulou
o conhecimento e contribuiu para
“conscientizar sobre a importância da natureza” (10%) e “ver a transformação do
meio ambiente pelo homem.”
Buscamos em Del Rio e Oliveira (1999) apoio para a dificuldade de se avaliar
com precisão e eficácia os fatores responsáveis pela percepção humana, “uma vez
que para compreender a preferência ambiental de um indivíduo necessita-se
examinar sua herança biológica, educação, trabalho e seu entorno físico.” Para
entender as atitudes e preferências dos grupos humanos
é necessário conhecer a
história cultural e a experiência desses grupos no contexto do espaço físico.
O meio ambiente é um produto histórico e dinâmico, as experiências dependem
de fatores econômicos, históricos, sócio-cultural, natural e de sua socialização em
seus grupos sociais o que interfere na percepção e no conceito individual de meio
ambiente.
Considerações finais
A atividade desenvolvida, mesmo sendo em um pequeno grupo, mostrou a
necessidade de execução de mais atividades desse tipo na busca de mudança
comportamental e no desenvolvimento de novos conceitos relacionados com o meio
ambiente. A estratégia utilizada com os alunos denominada “Trilha da Vida “ foi
uma
tentativa
para
que pequenas atitudes
nos
possam levar
a uma
compreensão maior da totalidade da realidade em que estamos inseridos. Faz-se
necessário sair da rotina da sala de aula usando metodologias diferenciadas para
despertar novas concepções em crianças e adolescentes sobre o meio ambiente.
Referências
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos. São Paulo: Cultrix, 2006.
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DEL RIO, V; OLIVEIRA, L. Percepção ambiental: a experiência brasileira. São
Paulo: Studio Nobel/UF São Carlos, 1996.
DÍAZ, P. A. Educação ambiental como projeto. Porto Alegre: Artmed, 2001.
DUVOISIN, I.A. A necessidade de uma visão sistêmica para a educação ambiental:
conflitos entre o velho e o novo paradigma. In: RUCHEINSKY, A. Educação
ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002.
GUATTARI, F. As Três Ecologias. Tradução Maria Cristina F. Bittencourt,
Campinas,SP: Papirus,1990.
KOBAYASHI, T. A Suggestion about Environment Education using the Five
Senses. Marine pollution Bulletin. Vol.23, 1991.
REIGOTA, M. O que é educação ambiental? São Paulo: Ed. Brasiliense, Coleção
Primeiros Passos, 1994.
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