XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 23 CARTOGRAFIA DOS PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA ATUAR NA ESCOLARIZAÇÃO DE SURDOS Yrlla Ribeiro de Oliveira Carneiro da Silva DESU – INES RESUMO O presente trabalho tem por objetivo apresentar um dos programas de formação de professores para atuar na escolarização de surdos. Este programa tem um aspecto inovador, já que é o primeiro Curso Bilíngue de Pedagogia da América Latina. Dentre as disposições cruciais desse novo Curso, relevam-se as seguintes: a) a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS constitui-se na língua de instrução do Curso; b) a LIBRAS, o bilinguismo e a escolarização de surdos são temáticas aprofundadas numa Atividade Formadora intitulada Tópicos Avançados de Âmbito Bilíngue, presente no currículo ao longo de sete períodos; b) todos os candidatos só são admitidos, surdos e não surdos, quando apresentam fluência em LIBRAS; c) aulas e demais atividades do Curso estão a cargo de docentes com suficiente informação sobre características linguísticas próprias do campo da surdez; d) as avaliações de aprendizagem podem ser realizadas em LIBRAS e registradas em vídeo. Este currículo tem como aspecto marcante, o abandono, em definitivo, de uma concepção de organização sequencial de conteúdos, ou disciplinas. Optou-se por uma modalidade curricular que disponibiliza ao licenciando capacidades de estabelecer redes de significações e de relações entre conteúdos disciplinares. O Curso Bilíngue de Pedagogia do INES formou sua primeira turma em dezembro de 2009 e já percebemos, após os estágios curriculares, a importância da formação destes professores para a escolarização das crianças surdas, principalmente, no modelo de inclusão difundido nas escolas de educação básica do Brasil. Deste modo, propomos discutir a formação de professores para a inclusão de surdos a partir da experiência que tem sido desenvolvida no âmbito do Curso de Pedagogia Bilíngue do INES à luz de autores como Bueno 2001; Roldão 2007; Rocha 2008; Pedreira 2008 que nos dão pistas para uma formação docente sensível a diversidade e a inclusão de surdos numa perspectiva bilíngue. PALAVRAS - CHAVE: formação de professores; escolarização de surdos e Curso Bilíngue de Pedagogia Introdução A presente pesquisa tem por finalidade cartografar e analisar os programas de formação de professores destinados a formar docentes para atuar na escolarização de surdos. O trabalho docente se caracteriza nos dias atuais como um trabalho de crescente complexidade em virtude das novas demandas sociais que se apresentam, dentre elas está o desafio da escolarização de surdos. As demandas sociais dirigidas atualmente à escola exigem desta um novo projeto, Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002327 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 24 um outro perfil de professor, com uma nova base formadora, “(...) para aderir a uma perspectiva mais complexa, a da formação do cidadão nas diversas instâncias em que a cidadania se materializa: democrática, social, solidária, igualitária, intercultural e ambiental” (Mizukami, 2002, p. 12). E, assim, a formação de professores pode atender as novas exigências sociais, estabelecendo relações do saber docente e do saber escolar com a realidade na qual as práticas sociais se produzem. Considera-se que as experiências inovadoras e instituintes em educação se dão na urgência dos movimentos de professores para a reinvenção da escola e da sala de aula, bem como na possibilidade de uma reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas produzidas coletivamente pelos professores, em diálogo com a realidade escolar, num espaço de interlocução. “Como os caminhos da liberdade – que se desdobram e se recombinam – essa pedagogia recolhe, sistematiza e intensifica pistas e caminhos para uma outra educação e uma outra sociedade” (Linhares, 2003, p.15). Segundo Nóvoa (1995), são três os pilares para a formação docente: o professor e o seu desenvolvimento pessoal; o desenvolvimento profissional e a escola com o seu funcionamento, organização e projetos. O desenvolvimento pessoal do professor também é estimulado pelo processo de formação: “Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional” (NÓVOA, 1995, p. 25). É o professor apropriando-se de seus processos formativos, mobilizando não só os conhecimentos adquiridos, mas também as suas vivências na produção de saberes. Essa dimensão abrange a sua identidade pessoal e possibilita a (re)construção e a (re)significação de sua própria história de vida, para o que é necessário um constante exercício de reflexividade crítica, que tanto alimenta a produção de saberes, como influencia também as diferentes dimensões da vida do professor. Todas as dimensões da formação docente devem ser enfocadas na formação do professor, como bem salienta Nascimento (1997, p. 74-76): dimensão pessoal e social (auto-conhecimento, os professores ensinam não só aquilo que sabem, mas também aquilo que são); dimensão da especialidade (buscam a atualização de seus conhecimentos, reavaliam criticamente o saber escolarizável); dimensão pedagógica e didática (formação Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002328 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 25 na prática, engloba os conhecimentos das ciências da educação); dimensão históricocultural (valorização da identidade cultural do país, da região e da escola); dimensão expressivo-comunicativa (valorização da criatividade e expressão do professor, utilização da arte como consciência sensível). A formação de professores é indissociável da mudança e intervenção na escola, por outro lado, é necessário a escola se engajar no processo de transformação, de apropriação e produção de conhecimentos. Essa dialética pode ser possibilitada na dinâmica da formação de professores. No caso da educação especial para crianças com deficiência, de forma mais geral, a literatura tem apontado que esse tipo de ensino “tem excluído, sistematicamente, grande parcela de seu alunado sob a alegação de que esta, por suas características, não possui condições para receberem o mesmo nível de escolarização que as crianças que não apresentam deficiência” (BUENO, 2001, p. 4). Por outro lado, a simples inserção de alunos com necessidades educativas especiais nas escolas regulares, sem qualquer tipo de apoio ou assistência aos profissionais que ali atuam, tem redundado no fracasso escolar dessas crianças. Introduzida, no Brasil, na década de 1990, a educação bilíngue para surdos vem se desenvolvendo de forma incipiente, a partir da introdução de intérpretes de LIBRAS, responsáveis pela mediação entre surdos e ouvintes (PEDREIRA, 2008). O que algumas pesquisas têm constatado é que a simples presença dos intérpretes nas salas de aula também não tem sido suficiente para garantir, aos estudantes surdos, a aquisição da Língua de Sinais, o acesso ao conhecimento e muito menos a aprendizagem da Língua Portuguesa como uma segunda língua (PEDREIRA, 2008). Contudo, sabemos que a exclusão não é um processo que tem se abatido apenas sobre os estudantes do ensino especial, mas também sobre aqueles do ensino regular, sobretudo os originados das camadas mais pobres da população (BUENO, 2001). A literatura tem apontado ainda a falta de uma política de formação de professores, quer para a atuação no ensino regular, quer para o ensino especial. Se, por um lado, sabemos que grande parte dos professores do ensino regular não possui preparo mínimo para trabalhar com crianças que apresentem deficiências evidentes, por outro lado, observamos que a formação dos professores para o ensino especial está centralizada na Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002329 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 26 minimização dos efeitos específicos das mais variadas deficiências (BUENO, 2001). Assim, torna-se imprescindível pensar como os programas de formação de professores vêm se organizando para atender as principais demandas para a formação de um professor que seja capaz de enxergar, analisar e criticar o processo pedagógico de forma ampla e abrangente. A escolha desse campo de pesquisa se deu em decorrência dos recentes movimentos que se inserem no âmbito do poder público para a implementação de uma política para a educação especial no Brasil. Encontra-se, no texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que a formação do professor para atuar na modalidade do ensino especial deve ser obtida em cursos de graduação, pósgraduação e formação continuada, seguindo as Diretrizes Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia que define que as instituições de ensino superior devem prever em sua organização curricular formação docente voltada para a atenção à diversidade e que contemple conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais. No âmbito da educação de surdos, destaca-se a recente publicação da “Lei de Libras”. Com efeito, o Decreto da Presidência da República nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 que, em seu artigo 5º, determina que “a formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em Curso de Pedagogia ou Curso Normal Superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe”. É dentro desse quadro que se apresentam algumas experiências inovadoras de formação de professores. Há aquelas destinadas exclusivamente à formação de docentes para atuar na escolarização de surdos, como é o caso da emblemática formação inicial desenvolvida através do Certificat d’Aptitude au Professorat de l’Enseignement des Jeunes Sourds (CAPEJS), na Université de Savoie, em Chambery, na França; ou ainda aquelas destinadas a formar docentes de uma forma geral, mas que dão ênfase ao processo de escolarização de surdos, como é o caso do primeiro Curso Bilíngue de Pedagogia da América Latina, oferecido pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES. O Curso Bilíngüe de Pedagogia do INES Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002330 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 27 Neste trabalho apresentaremos o programa de formação inicial oferecido pelo Curso Bilíngue de Pedagogia do INES. Este curso surge num contexto de reconhecimento dos direitos da pessoa surda e consequentemente num processo de mudança na escolarização destes sujeitos. A Construção De Uma Proposta Bilíngue No Ines O Curso Bilíngue de Pedagogia funciona dentro no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), reconhecido como Centro de Referência Nacional sobre a Surdez. Fundado no ano de 1857, o INES constituiu-se, ao longo destes anos, como espaço de experimentação e validação de diversos métodos de ensino. É importante colocar em perspectiva este processo, tendo a noção de que as decisões sobre os métodos de ensino foram realizadas em determinados contextos histórico, social e cultural. Portanto, por mais que algumas iniciativas possam parecer esdrúxulas ou mesmo absurdas sob a ótica atual, os profissionais da educação acreditavam que estavam fazendo o melhor para o sucesso do aprendizado dos alunos surdos (ROCHA, 2008). Até 1880 não havia uma discussão sistemática nem pesquisas sobre o melhor método de ensino para a escolarização de surdos. Em 1880, o método oral foi considerado, por representantes dos institutos de diversos países que participavam do Congresso de Milão, superior ao método que utilizava sinais. O oralismo, ou método oral, é o processo pelo qual se pretende capacitar o surdo na compreensão e na produção de linguagem oral, partindo do princípio de que o indivíduo surdo, mesmo não possuindo nível de audição para receber os sons da fala, pode ser um interlocutor por meio da linguagem oral. Desde então, as aulas para surdos foram ministradas através da língua oral, mais engajada na aquisição da fala do que propriamente na instrução. Este método de ensino começou a ser implementado de forma mais sistemática no INES na década de 1950. Em relação ao oralismo, os estudos apontavam que o trabalho educativo melhorou em alguns aspectos e os surdos saíam da escola com maior poder de comunicação. No entanto, segundo análises avaliativas, eles ainda apresentavam sérias dificuldades em expressar sentimentos e ideias e para se fazerem compreender em contextos extra-escolares. Na década de 1960, começaram a surgir estudos, fora do país, sobre as línguas de sinais utilizadas pelas comunidades surdas, sendo representativa a pesquisa realizada por Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002331 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 28 Willian C. Stokoe (1960). Apesar da proibição dos oralistas ao uso de gestos e sinais, raramente se encontrava uma escola ou instituição para surdos que não tivesse desenvolvido, às margens do sistema, um modo próprio de comunicação através de sinais. Na década de 1970, a insatisfação com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de sinais deram origem a novas propostas pedagógico-educacionais em relação à educação da pessoa surda. A Comunicação Total – método de ensino que se utiliza de todas as formas de comunicação, incluindo linguagem de sinais, alfabeto manual, leitura da fala, leitura labial, desenho e escrita – surge como um método alternativo, embora, na prática, alguns professores utilizarem-na ainda de maneira incipiente com seus alunos. Uma das críticas feitas à comunicação total remonta ao fato de não ser possível efetuar a transliteração de uma língua falada em sinal, palavra por palavra, ou frase por frase, pois as estruturas são essencialmente diferentes. Desta forma é impossível preservar as estruturas das duas línguas ao mesmo tempo. No Brasil, surge, na década de 1990, outra proposta educativa como fruto de pesquisas sobre a educação de surdos, sobre a língua de sinais e sobre as comunidades surdas. A educação bilíngue considera a língua de sinais como a natural do surdo, por ser uma língua de natureza visual-motora, canal de maior apreensão destes sujeitos, sendo aprendida de forma espontânea no contato com outros surdos em curto tempo e, por ser através dela que os surdos conseguem se expressar com clareza. (PEDREIRA, 2008) Neste modelo, a proposta é que os alunos surdos aprendam duas línguas, considerase a língua de sinais como primeira língua e a língua majoritária dos ouvintes, como segunda língua, desenvolvida através da leitura e da escrita, entendida como uma língua instrumental. Um aspecto fundamental para o fortalecimento do bilinguismo foi o reconhecimento por lei da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) no ano de 2002, que culminou na publicação do Decreto da Presidência da República nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 que, em seu artigo 5º, determina que: a formação de docentes para o ensino de LIBRAS na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em Curso de Pedagogia ou Curso Normal Superior, em que LIBRAS e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe. Sendo assim, a partir deste decreto foi possível a criação do Curso Bilíngue de Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002332 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 29 Pedagogia do INES. Em 21 de outubro de 2004, o Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES apresentou ao Ministério de Educação a solicitação de Autorização para um Curso Superior Bilíngue de Pedagogia, na modalidade de Licenciatura. O referido Curso Superior fazia parte do PDI do INES então apresentado para o quadriênio 2004-2008. Em 2005 foi publicada no DOU a Portaria nº. 2830 de 17 de agosto de 2005, que autoriza o funcionamento do Curso Normal Superior - Licenciatura - com habilitações para o Magistério em Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Foi dessa forma que o primeiro vestibular para ingresso realizou-se entre 12 e 19 de março de 2006, sendo que, para preenchimento de vagas ainda ociosas, um outro vestibular aconteceu entre 23 e 28 de abril do mesmo ano. Em 08 de Maio de 2006 começou então a efetivamente funcionar o Curso Normal Superior Bilíngue do INES. Em função da homologação, em 15 de maio de 2006, do Parecer CNE 03/2006 e em seguida da Resolução CNE/CP nº. 01/2006, que dispõem sobre as Diretrizes Nacionais para Cursos de Pedagogia, o INES decidiu transformar o Curso Normal Superior em Curso de Pedagogia. Dentre as disposições cruciais desse novo Curso, relevam-se as seguintes: - devidamente já regulamentada, a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS - constitui-se na própria língua de instrução do Curso; - a LIBRAS, o bilinguismo e a escolarização de surdos são temáticas aprofundadas numa Atividade Formadora intitulada Tópicos Avançados de Âmbito Bilíngue, presente no currículo ao longo de sete períodos; - por meio de processo seletivo próprio para ingresso na Educação Superior e em estrita consonância com as disposições anteriores, em idêntica proporção são admitidos candidatos surdos e não surdos que obrigatoriamente apresentem suficiente fluência em LIBRAS; - durante todo o Curso há presença de capacitados intérpretes de LIBRAS/Língua Portuguesa; - aulas e demais atividades do Curso estão a cargo de docentes com suficiente informação sobre características linguísticas próprias dos indivíduos surdos; - há flexibilidade na correção de provas e/ou trabalhos redigidos pelo discente surdo, quando são considerados o aspecto semântico e a singularidade linguística manifesta no Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002333 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 30 nível formal de sua escrita; - as avaliações de aprendizagem podem ser realizadas em LIBRAS e registradas em vídeo. O currículo do Curso Bilíngue de Pedagogia tem como questão primordial uma modalidade de trabalho pedagógico que prima pela interdisciplinaridade e alimenta seus objetivos mais centrais nos princípios de integração, trabalho, autonomia, cooperação e solidariedade. Este currículo tem, como aspecto marcante, o abandono, em definitivo, de uma concepção de organização sequencial de conteúdos ou disciplinas. Optou-se por uma modalidade curricular que cuida de disponibilizar ao licenciando capacidades de estabelecer redes de significações e de relações entre conteúdos disciplinares. Analisando alguns aspectos: Ao analisar a grade curricular do Curso Bilíngue de Pedagogia do INES, percebemos que o número de disciplinas da área pedagógica é o mesmo de disciplinas voltadas para a área da surdez, quando a análise é feita a partir do nome das disciplinas. Já quando analisamos as referências bibliográficas apresentadas para cada disciplina, constatamos que para as disciplinas, por nós classificadas como da área pedagógica, há títulos de cunho pedagógico e títulos destinados aos estudos voltados para a área da surdez. Entretanto, as referências bibliográficas das disciplinas que contemplam a área da surdez são exclusivas desta área. Desta feita, podemos entender que os egressos deste curso têm uma formação que contempla mais a área específica da surdez do que a área pedagógica como um todo. No entanto, para que possamos dar conta das especificidades que envolvem a escolarização de surdos, precisamos antes de tudo, enquanto docentes, compreender como se desenvolvem os processos pedagógicos de forma mais ampla, aspecto este que precisa ser mais aprofundado no referido curso. Nos confrontamos no dia a dia com diversos desafios, tais como: a dificuldade dos alunos surdos em ler materiais na linguagem acadêmica, a interação entre alunos surdos e ouvintes e a aprendizagem efetiva da Língua de Sinais pelos professores. Na verdade, a grande questão do curso é a língua utilizada por todos para a construção da aprendizagem, seja ela individual ou coletiva. O referido curso tem um projeto de criação de um núcleo de produção de material acadêmico em LIBRAS (projeto este que começou numa experiência piloto em dezembro de 2011). Além disso, vem se estruturando para oferecer um Curso de Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002334 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 31 LIBRAS para todos os professores, tendo este curso a preocupação de atender às necessidades da prática docente acadêmica. Há, também, um grupo de pesquisa elaborando um manuário (glossário + dicionário) de termos acadêmicos em LIBRAS. Todos estes projetos, e outros que ainda estão em fase de elaboração, vêm sendo pensados, no curto tempo de existência do curso, para dar conta de uma formação de professores que de fato prepare estes profissionais para atuar na escolarização de surdos, seja esta especial ou inclusiva. Um outro desafio é a existência neste espaço de formação do tripé primordial do ensino superior - ensino, pesquisa e extensão. O Curso Bilíngue de Pedagogia se insere numa instituição secular de educação básica e que por isso não tem em sua cultura o entrelaçamento da pesquisa, do ensino e da extensão. As instituições de ensino, como qualquer outra instituição social, desenvolvem e reproduzem sua própria cultura específica com seus valores, expectativas e crenças. (ROLDÃO, 2007; BARRETO e GATTI, 2009). O desenvolvimento institucional está intimamente ligado ao desenvolvimento humano e profissional das pessoas que vivem a instituição e vice-versa. Compartilhando o espaço do INES, o curso Bilíngue de Pedagogia acaba sendo levado a reproduzir uma cultura mais escolar do que acadêmica. Entretanto, o grupo de docentes vem conquistando um espaço de diálogo e de construção do ambiente acadêmico tão importante para a formação de professores, visto que é fundamental no exercício da docência, o olhar reflexivo, o olhar de pesquisador. O conceito de profissional reflexivo constitui-se como elemento estruturante de estudos sobre o tema da formação de professores, respaldado, entre outros, em trabalhos de Schön (2000) e Zeichner (2000), quando afirmam que na função e na formação docente deve ser imanente o exercício da criticidade, que promove a curiosidade ingênua ao patamar de curiosidade epistemológica. Esse salto qualitativo é enriquecido no cotidiano escolar através da relação dialógica entre professor e aluno. A atitude de reflexão do professor implica seu envolvimento para além de uma transposição linear do conhecimento, conduzindo-o, na esfera da prática, para uma postura de relacionar todas as suas experiências, valores, ideologias e compromissos sociais, com os quais compartilha e apropria-se para a construção de significados. Essas práticas se fazem mais presentes quando há no espaço de formação a Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002335 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 32 integração da pesquisa, do ensino e da extensão. Considerações Finais Mesmo com tantos desafios, este Curso, pioneiro no Brasil, vem proporcionando uma formação que considera a surdez como diferença política e diferença linguística, que precisam ser reconhecidas nos ambientes educativos para potencializar a educação dos surdos. Assim, em um trabalho ainda inicial, o Curso vem difundindo uma forma de reconhecimento do outro e uma perspectiva dialógica, através da educação bilíngue, para conseguir num processo contínuo promover a transformação das representações sobre os surdos e a surdez como limitação ou incapacidade, para uma representação que reconheça, numa visão sócio antropológica, a potencialidade destes sujeitos. Referências Bibliográficas BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 (Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências). BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp. Acesso em janeiro 2012. BUENO, José Geraldo Silveira. 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