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Governança democrática na era da informação*
Marco Aurélio Ruediger**
S U M Á R I O : 1. O governo eletrônico como facilitador das relações entre
Estado e sociedade civil; 2. O ângulo do Estado e a ONU/Aspa benchmark de
portais de governo; 3. A percepção dos gestores; 4. O ângulo da sociedade
civil: acessibilidade e exclusão digital; 5. Uma agenda para o governo
eletrônico.
S U M M A R Y : 1. E-government as a facilitator for State and civil society relations; 2. The State perspective and the UN/Aspa benchmark of governmental portals; 3. The managers perception; 4. The civil society perspective:
accessibility and digital divide; 5. An agenda for the e-government.
P A L A V R A S - C H A V E : governo eletrônico; Estado; sociedade civil; democracia; custo de informação; reestruturação do Estado; exclusão digital; planejamento estratégico.
K E Y W O R D S : e-government; State; civil society; democracy; information
costs; State restructuring; digital divide; strategic plan.
Este artigo investiga como os mecanismos de governo eletrônico poderiam
facilitar a reestruturação da administração pública, em termos de reforçar a
eficiência governamental e transparência com o apoio da sociedade civil. O
artigo discute especialmente o impacto da tecnologia de informação sobre
os custos de agregação de informação, em relação à diminuição de incentivos negativos ao engajamento da sociedade civil na discussão da agenda
pública. Argumenta que mecanismos de governo eletrônico poderiam,
potencialmente, reforçar a participação cívica, que, por extensão, poderia
* Artigo recebido em out. e aceito em dez. 2003. Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XXVII Enanpad, em Atibaia, SP (2003). Alguns aperfeioçoamentos foram adicionados ao texto original, de forma a expor uma visão mais abrangente dessa temática no Brasil.
Entre eles, destaca-se o estudo espacial da exclusão digital, por região e renda, com base no
censo de 2000 do IBGE.
** Professor doutor da Ebape/FGV. E-mail: [email protected].
RAP
Rio de Janeiro 37(6):1257-80, Nov./Dez. 2003
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Marco Aurélio Ruediger
dialeticamente facilitar a reestruturação do governo, influenciando
mudanças organizacionais no aparato de governo. Em seguida, utiliza o
caso brasileiro como proxy, apresentando a comparação de 40 importantes
portais nacionais utilizando o critério da ONU/Aspa. Além dessa análise, são
exibidos alguns resultados advindos de entrevistas em profundidade e de
grupos focais, complementados por uma exploração espacial sobre a
exclusão digital. Finalmente, é delineada uma proposta de planejamento
estratégico para o governo eletrônico que supere as sérias dificuldades ao
seu completo desenvolvimento.
Democratic governance in the information era
This article investigates how e-government could potentially enhance the
political scope of the public sphere, in terms of reinforcing the efficiency and
accountability of the State with the support of the civil society. It focuses on
discussing the use of information technology in relation to the diminishing
costs of incentives toward civil society engagement on the discussion of the
public policy agenda. It argues that e-government mechanisms could potentially reinforce civic participation, which, by extension, could dialectically
facilitate government restructuring, influencing organizational change in
the State apparatus. Next, taking the Brazilian case as a proxy, it presents a
comparative analysis of 40 important national web portals using the UN/
Aspa criteria. In addition to this analysis, it presents some results collected
from in-depth interviews and focus groups, complemented by results from a
spatial survey on digital divide. It concludes by proposing a strategic plan
for e-government to overcome the serious hindrances to its full development.
1. O governo eletrônico como facilitador das relações entre Estado e
sociedade civil
A proposta de construção de governo eletrônico, muito embora esteja marcada na sua fase atual mais avançada pelo desenvolvimento de sistemas relacionados ao provimento de serviços, aponta, ainda que de forma embrionária,
para uma possibilidade de extensão da esfera do Estado conjugada a uma
maior permeabilidade à cidadania, decorrente de uma possível diminuição do
custo da informação. Nesse sentido, pode-se dizer que da mesma forma que
não se deve incorrer em um otimismo exagerado sobre as suas possibilidades, seria igualmente uma simplificação considerar o governo eletrônico
apenas um mecanismo de oferta de serviços pontuais a clientes, sem considerar que o provimento de serviços pelo Estado é, inexoravelmente, um bem
público, relativo ao cidadão, influenciado em seu desenho por percepções
também políticas. Ressaltamos de início essa dimensão, justamente por que
ela faz com que o governo eletrônico, em teoria, não se limite apenas à con-
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formação de uma mercadoria reificada pelo mercado, mas, antes, que possa
servir de arena cívica, dentro de uma conceituação mais ampla de governance
onde o provimento interno e externo de informações é um elemento central.
Esse, como veremos, é o eixo central do presente trabalho.
Atualmente, a aplicação do conceito de governance ao governo eletrônico está restrita pelo custo de produção, acesso e qualidade da informação, fatores críticos dos processos de escolhas públicas, sobre os quais economistas e
cientistas políticos têm se debruçado, e que problematizam tanto a questão
da eficiência econômica quanto a das escolhas políticas. Downs (1999), em
seu estudo clássico, observa que quanto mais informação obtém aquele que
toma decisões, mais confiante sobre a decisão tomada ele se sentirá e, portanto, menos terá de descontar dos ganhos provenientes de sua certeza na alocação geral de seus recursos. Outros autores clássicos também apontaram
entre as mesmas razões de imperfeição de mercado a assimetria de informações entre as partes envolvidas. Entretanto, essa constatação na literatura
nunca foi categórica no sentido dessa falha de alguma forma não poder ser
mitigada. Arrow (1970), tal como observado por Sen (2000), ao apontar para
problemas como, por exemplo, o da chamada “falha do governo”, relativa aos
custos de obtenção de informações, não demonstrou em seu teorema simplesmente a impossibilidade de escolha social racional, mas antes, e sobretudo,
apontou a impossibilidade de uma escolha social eficiente como decorrência
de uma base limitada de informações.
Assim sendo, voltando ao ponto anterior, não se discute stricto sensu a
possibilidade de escolha social, mas sim o uso e disponibilidade de uma base informacional adequada para os juízos e as decisões sociais (Sen, 2000). Essa dificuldade levaria a assimetrias que problematizariam a noção de equilíbrio geral
tanto na escolha social, mas, também, na escolha racional, que igualmente tem
como central a questão das informações e coordenação. Nesse caso, o acesso à
informação, em ambas as chaves, é uma questão muito mais complexa do que as
soluções dos modelos tradicionais de equilíbrio competitivo contemplam, e que,
portanto, como observado por Stiglitz (2002), poderiam igualmente levar a escolhas subótimas, se considerarmos apenas as variáveis de oferta e demanda,
desconsiderando outras variáveis exógenas. A lógica do mercado, portanto, não
seria necessariamente um balizador melhor para o Estado, mas apenas um dos
balizadores possíveis. Em outras palavras, a escassez de um provimento amplo
desse bem perpetua a assimetria de informações, seja de eleitores ou de outros
agentes, aumentando as possibilidades de resultados alocativos subótimos, em
especial para grupos menos articulados nas redes de poder. Trata-se, portanto,
da inacessibilidade à informação para grupos majoritários de outsiders (Elias,
2001), que são excluídos da afluência às informações de forma sistêmica, sobre
os quais, de certa forma, o Estado poderia, supostamente, estabelecer positivamente o “princípio da diferença rawlsiano” (Rawls, 1997). Nesse sentido não
poderiam as novas tecnologias da informação concorrer para relativizar esses
problemas?
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Queremos ressaltar, entretanto, o ponto de que nas sociedades contemporâneas a informação poderia ser inserida nas discussões sobre a oferta de
bens públicos, e seu provimento facilitado pelas novas tecnologias aplicadas
na alteração. Nesse caso, a possibilidade de democratização da informação
por esses meios levaria a uma diminuição de seu custo de obtenção e, sobretudo, permitiria um aumento da possibilidade de realização de estratégias
cooperativas. Em apoio a isso, o governo eletrônico poderia ser considerado —
e construído — dentro de uma perspectiva mais ambiciosa, vetor privilegiado
para promoção de mecanismos de governança tanto no incremento da capacidade cívica e de capital social, quanto na promoção do desenvolvimento
econômico, eficiência governamental e de relações mais democráticas e
transpa-rentes entre governo e sociedade civil.
Ou seja, tratar-se-ia de estender o acesso ao governo, e no governo,
para além dos serviços comuns, alcançando uma outra esfera qualitativa em
termos de interação republicana, onde houvesse uma efetiva capacidade de
accountability e interlocução entre decisores e cidadãos, bem como de provimento de informações com real valor agregado para discussão da agenda pública. Dessa forma, considerando atores racionais, o provimento amplo de
informações, componente fundamental na construção de um Estado virtual,
poderia possibilitar a agregação de preferências coletivas que viabilizasse
uma escolha social mais eficiente.
Há, evidentemente, imensos entraves para o gestor público na promoção de uma transição de uma estrutura institucional, por vezes marcada
por processos e rotinas ineficientes, excessivamente burocratizados e avessos
à integração, para outros que visem uma maior capacidade de coordenação e
comunicação, que incluam padrões claros de eficiência e accountability, e que
tenham repercussão não apenas nos serviços prestados, mas também na estrutura que suporta esses serviços, com níveis altos de qualidade na informação provida. Assim, ressalta-se aqui, em termos técnicos, a potencialidade
bifronte do uso do governo eletrônico, tanto na ação individual, atomizada,
de cidadãos buscando serviços ou informações sobre o governo, bem como,
queremos sugerir, numa interação crítica de sujeitos coletivos com o Estado,
em termos do que poderia ser considerado um mecanismo circular de policy
feedback. A construção do Estado virtual requer essa mudança efetiva, que
poderá produzir alterações que propiciem o fortalecimento de mecanismos de
governance, tanto no plano real quanto no virtual. Assim, tal como observado
por Fountain (2001:203):
The structure of the state will change largely to the extent that changes in
information infrastructure catalyze modifications in communication,
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Governança Democrática na Era da Informação
coordination, and control. I use the language of the State to indicate that
the Internet signals not simply more efficient, effective government structured
largely according to present arrangements, but deeper institutional change.
Building the virtual state is about the process and politics of institutional
change rather than a set of predictions about the end result. And this process
is partially about rethinking the role of the state in relation to the economy
and society.
Queremos enfatizar essa percepção de que a constituição de um governo eletrônico, em termos de uma perspectiva funcional do Estado e suas relações com a sociedade, deveria apresentar não só serviços e dados
socialmente relevantes, de forma a minimizar a questão da falha de governo,
como também, e em conseqüência, haver se reestruturado para provê-los, em
termos de suas rotinas e processos que inevitavelmente deverão ser revistos,
suprimidos ou modificados. Entretanto, justamente esse Estado que passou
por mudanças tão dramáticas nas duas últimas décadas (Pereira e Spink,
2001) estaria em condições de avançar nesse sentido? Para alguns teóricos do
Estado a resposta seria um rotundo não, sendo que este precisaria primeiramente recuperar sua capacidade de ação frente ao mercado. Para realizar a
perspectiva do Estado virtual, promotor de efetivo e-governance, requerer-seia, primeiramente, um resgate do equilíbrio do Estado real em sua capacidade de intervenção, fundamentada em seu tripé constitutivo, nos termos
apontados por Evans (2002). Referimo-nos sobre esse ponto, mais especificamente, à discussão feita por este autor em relação às características híbridas
da moderna estratégia administrativa e, queremos sugerir, seu reflexo na construção de um modelo virtual de governança.
Segundo observado por Evans, a moderna administração pública utilizou desde o início três modos básicos de controle para produzir efetividade no
aparato de Estado democrático, que configuram um modelo híbrido de estratégia a ser recuperado: a imposição de normas weberianas de controle, hierarquia e meritocracia; a implementação de mecanismos democráticos para
permitir formas de participação no desenho e implementação de políticas públicas; e, por fim, a incorporação de elementos de mercado e em certa extensão parâmetros como eficiência e custo-benefício no balizamento de políticas.
Essa estrutura equilibrada de Estado foi, segundo este mesmo autor, afetada
nas últimas décadas, principalmente pela ênfase na percepção do Estado como
provedor de serviços a clientes sob a égide hipertrofiada de critérios de mercado. Assim, do desequilíbrio desse modelo adviriam diversas inadequações.
Em termos gerais esse desequilíbrio, juntamente com o processo intenso
de desregulamentação e globalização assistidos nas últimas décadas, possibilitou aos mercados ampliarem sua capacidade de moldar estruturas administrati-
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vas e o desenho de políticas públicas, alterando a composição anteriormente
equilibrada do referido tripé, provocando uma reestruturação conservadora do
Estado, reduzindo-o em sua dimensão e abrangência, e também insulando-o
das relações cívicas que ali encontram seu locus preferencial, transformadas em
relações de mercado. Como observado por Evans (2002:1):
effective public administration, especially when development is the goal,
requires the synergistic integration of these three different modes of — what I
am calling here “hibridity”. If this is true, then we must be worried by the
extent that a confluence of disparate factors has upset the balance
dramatically expanding the role of “market signals” at the expense of the
other two factors. Searching for ways to recapture hibridity, within the
market constraints imposed by the current global neo-liberal regime, becomes
the next challenge of the state reform.
Inevitavelmente, transplanta-se também ao Estado virtual o desequilíbrio do Estado real, fazendo do primeiro instrumento de cristalização da
desestruturação do segundo. Isso, evidentemente, se reflete na utilização de
mecanismos de tecnologia de informação como instrumento de provimento
de serviços. Seu uso, entretanto, é feito ainda de forma limitada como avaliado em estudo da OCDE (OECD, 1999). Nesse estudo, observou-se sobre o
governo eletrônico que o potencial das novas tecnologias eletrônicas aplicadas aos processos de governo devem acompanhar outras mudanças paralelas, como o advento de uma nova geração de líderes tecnicamente letrados; o
aperfeiçoamento de tecnologias de interatividade, feedback e trabalho em
grupo; maior prioridade dos tomadores de decisão em utilizar esses recursos
extensamente; uma maior exigência da sociedade civil sobre transparência,
participação e eficiência. Em conjunto, essas questões dependem mais de
resoluções políticas do que de soluções tecnológicas stricto sensu. Verificaremos esses pontos empiricamente mais à frente.
Começaremos por verificar essas percepções utilizando critérios do
benchmark sobre e-government da ONU/Aspa (2002), referência central para
os estudos empíricos que se seguirão. Em síntese, pela análise pelos critérios
do referido relatório de portais nacionais escolhidos, acreditamos que ainda
não se verifique de forma extensa a existência de mecanismos participativos
de governo eletrônico mais efetivos nas esferas de Estado, que não, em alguns casos, no nível federal, utilizado no referido estudo e, suspeitamos, com
a ocorrência similar na maioria dos casos internacionais mais avançados.
Adiantando algumas de nossas conclusões, pode-se afirmar que, pelas
análises que se seguirão, o governo eletrônico como ferramenta de reestruturação de Estado parece ainda uma possibilidade distante, muito embora
promissora, de vetor promotor de reestruturação republicana do Estado e das
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suas relações com a sociedade civil. Essa limitação vinculada em parte com a
dificuldade de acesso à web, como veremos, problematiza a questão do custo
de informações. De imediato, pode-se dizer que uma ação fundamental para
o equacionamento dessa problemática seria pela reestruturação do Estado.
Entretanto, como também veremos no decorrer deste artigo, complementando a análise acima, encontramos igualmente dificuldades nesse ponto, retratado nas observações oriundas de percepções culturais e barreiras internas à
estrutura do Estado no sentido de uma readequação de suas características
híbridas, conforme observado em grupos focais por gestores públicos.
Nos próximos segmentos, trataremos dessas questões utilizando o Brasil como caso de análise. Os resultados encontrados, como veremos, matizam
aqueles apresentados pela ONU/Aspa, certamente mais otimistas que os nossos. A seguir, após verificarmos os portais de governo em termos de suas funcionalidades vis-à-vis os critérios ONU/Aspa, discutiremos a questão pela
percepção dos gerentes responsáveis pela implementação de sistemas de governo eletrônico, apresentando extratos de percepções oriundas de entrevistas
por meio de grupos focais. Em seqüência observaremos mais sucintamente a
questão da exclusão digital observando dados oriundos do censo de 2000 e
especializados por geoprocessamento. Finalmente, apontamos uma alternativa de agenda que visa instituir mecanismos.
2. O ângulo do Estado e a ONU/Aspa benchmark de portais de
governo
Seguiremos nossa discussão por uma análise crítica do relatório ONU/Aspa
aplicada prioritariamente a outras esferas que não somente a federal, comparando diversos portais de governo eletrônico em termos dos critérios do citado benchmark. Sobre a conceituação esboçada pelo referido relatório na análise
dos portais de governo e suas funcionalidades, podemos resumidamente dizer
que, no agregado, tal classificação posiciona um determinado país em um estágio de desenvolvimento de uso desses mecanismos virtuais de governança. A
figura 1 refere-se a esses estágios e ao número de países incluídos em cada um
deles; a descrição dos estágios é detalhada no quadro, em seqüência. Esse conjunto é auto-explicativo. No referido relatório, observa-se o Brasil, juntamente
com um grupo de outros 16 países, inscrever-se na categoria transacional em
termos do estágio avançado de seu sistema de governo eletrônico. Essa categoria seria a mais avançada já alcançada. Não há registro ainda de outro país no
último estágio (seamless). Note-se que os demais países do estudo distribuemse pelos demais estágios.
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Figura 1
Desenvolvimento dos estágios do governo eletrônico por país
65
7070
65
55
55
6060
5050
4040
32
32
3030
17
17
2020
1010
00
0
0
Emerging
Emerging
Enhanced
Enhanced
Interactive
Interactive
Transactional
Transactional
Seamless
Seamless
Fonte: UN/Aspa (2002).
Estágios do serviço de governo eletrônico
Situação
Descrição
Emergente
(Emerging)
Presença na web com informações básicas, limitadas e estáticas.
Informacional avançado
(Enhanced)
Fornecimento dinâmico de informações, usando meios como
georreferenciamento de dados, animação por meio de imagens, entre outros
aspectos.
Interativo
(Interactive)
Possibilidade de interação, os usuários podem obter formulários, certidões
e outros instrumentos administrativos.
Transacional
(Transactional)
Usuários podem pagar serviços e taxas, ou conduzir transações financeiras
online, com interação com o sistema bancário.
Virtual/totalmente integrado
(Seamless)
Total integração dos serviços de e-government por meio de uma agência
virtual, sem fronteiras entre organismos governamentais.
Fonte: UN/Aspa (2002).
Duas questões mereceram aqui um detalhamento especial. A primeira
refere-se aos subníveis nacionais, por exemplo, os portais estaduais e aqueles
das metrópoles, incluindo alguns portais federais não observados no referido
Estado. Como esses se colocariam no esquema analítico de critérios da ONU/
Aspa? Teriam um comportamento assemelhado aos portais nacionais analisados, ou difeririam deles? Uma negativa nesse sentido demonstraria proble-
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mas em posicionar um país por completo, ou em sua maior parte, em um
determinado nível de desenvolvimento de governo eletrônico. Em segundo
lugar, o ponto importante a ser notado seria uma inadequação mais genérica
ao estágio mais avançado atingido de desenvolvimento de e-government, chamado estágio transacional, pois, como veremos a seguir, indicaria que os
processos que sustentam esse nível de sofisticação e interatividade esperados
não se apresentam, provavelmente, porque não estariam efetivamente estruturados. Portanto, isso nos fornece indícios de que uma engenharia institucional de reestruturação do Estado nos moldes aqui propostos, e em
concordância com os pressupostos dos autores já citados, estaria longe de sua
efetivação. Verifiquemos esses pontos a seguir.
Para fins desse primeiro exercício empírico, selecionamos 40 sites ou portais governamentais escolhidos entre uma amostra retirada do universo de 130
importantes instituições inscritas, em 2002, no concurso nacional sobre governo eletrônico, patrocinado pela Associação Brasileira de Empresas de Informática Estadual (Abep).1 Esses portais foram analisados de acordo com os
critérios ONU/Aspa, em termos do detalhamento que possuem no referido
relatório. Evidentemente, tratou-se ainda de um primeiro corte analítico, que
será revisto de forma aprofundada na seqüência dos trabalhos de pesquisa. Entretanto, apesar de seu estágio atual ter ainda um caráter exploratório, acreditamos que seus resultados estão bastante próximos do quadro real, os critérios
específicos utilizados, além do estado geral (figuras 2 e 3), foram: relevância
(figura 4), percebido como presença no site de um ou mais dos seguintes setores críticos educação, saúde, emprego/trabalho, bem-estar e serviços sociais,
serviços financeiros e segurança; usabilidade e navegação (figura 5), percebido
como facilidade cognitiva, organização e localização; conteúdo (figura 6), percebido como informações sobre a instituição, links etc.; e inovação (figura 7),
percebido como características de comunicação ou de serviços efetivamente
pioneiras. Por esses critérios, obtivemos a seguinte configuração.
Fator de avaliação 1: estágio geral observado
Observa-se pelas figuras 2 e 3 um quadro diferente daquele apontado no
relatório ONU/Aspa para o Brasil, que situa-se dentro do grupo transacional.
Dos portais analisados, entre federais, estaduais e municipais, ou seja, 47%
situam-se em um estágio imediatamente anterior ao estágio transacional, no
qual o Brasil havia sido posicionado pelo estudo das Nações Unidas. Isso denota um problema no referido estudo, compreensível em termos metodológicos, mas de qualquer forma problemático para um correto entendimento
tanto da extensão do desenvolvimento desses mecanismos, quanto, possivel-
1
Ver o universo da amostra em <www.premio-e.gov.br>.
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mente, do nível de estruturação interna existente, relativo ao grau transacional de interação de serviços e organização interna de dados e processos.
Some-se a isso que 33% encontram-se no estágio interativo, ainda mais
precário, e apenas 20% estão efetivamente no estágio transacional, conforme o referido relatório.
Figura 2
Quarenta sites e portais selecionados por critério ONU/Aspa
20
20
18
18
16
16
14
14
12
12
10
10
88
66
44
22
00
Freqüência
Freqüência
IInformacional
n f o r m a c i o n a l a vavançado
ançado
113
3
I Interativo
nterativo
Transacional
Transacional
19
19
88
Figura 3
Quarenta sites e portais selecionados por critério ONU/Aspa
20%
33%
Informacionalavançado
avançado
Informacional
32
Interativo
Interativo
Transacional
Transacional
47%
17
Adicionalmente, os outros critérios observados tiveram uma distribuição semelhante à disposição mostrada. Em termos gerais, pode-se dizer
que a estrutura e o grau de desenvolvimento alcançados nos sistemas federais
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Governança Democrática na Era da Informação
observados no relatório da ONU não se verificam no conjunto mais amplo das
iniciativas de governo das esferas municipal, estadual, em diversos segmentos do plano federal. Devemos supor ainda que esse quadro não seja exclusividade do Brasil, inclusive porque é o país que possui uma das maiores
populações de usuários da internet.2 Vemos esses resultados a seguir com
uma descrição sumariada das variáveis observadas.
Fator de avaliação 2: relevância
Presença no site de um ou mais dos seguintes setores críticos: educação, saúde,
emprego/trabalho, bem-estar e serviços sociais, serviços financeiros e segurança.
Figura 4
Quarenta sites e portais selecionados por
critério ONU/Aspa — relevância
30
30
25
25
20
20
15
15
10
10
55
00
Seqüência
Sequência
Baixo
Baixo
Baixo/médio
Médio
Médio/alto
Alto
Alto
11
55
28
5
1
Fator de avaliação 3: usabilidade e navegação
Presença no site de um ou mais dos seguintes setores críticos: uso de linguagem do usuário e minimização de carga cognitiva; agrupamento, organização e detalhamento das informações; navegação e localização no site;
consistência informacional, ergonomia e estética.
2
Ver lista completa em <www.nua.ie>.
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Figura 5
Quarenta sites e portais selecionados por
critério ONU/Aspa — usabilidade e navegação
25
25
20
20
15
15
10
10
5
0
Baixo
Baixo
21
21
Seqüência
Sequência
Médio
Médio
15
15
Alto
Alto
33
Muitoalto
alto
Muito
11
Fator de avaliação 4: conteúdo
Presença no site de um ou mais dos seguintes setores críticos: caracterização do
site e da empresa, foco no usuário, acesso a outros ambientes, temas abordados .
Figura 6
Quarenta sites e portais selecionados por critério
ONU/Aspa — conteúdo
20
20
18
16
15
14
12
10
10
8
6
5
4
2
00
Seqüência
Seqüência
Caracterização
Caracterização do
dosite
site
edadaempresa
empresa
Foco no
nousuário
usuário
Foco
Acesso
Acesso aa outros
outros
ambientes
ambientes
Temas
Temas
44
14
14
18
18
44
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Fator de avaliação 5: inovação
Presença no site de um ou mais dos seguintes setores críticos: complementam
outras mídias, substituem parcialmente a interação física, substituem integralmente a interação física, serviços ou processos novos.
Figura 7
Quarenta sites e portais selecionados por critério
ONU/Aspa — inovação
2020
1818
1616
1414
1212
1010
8 8
6 6
4 4
2 2
0 0
Seqüência
Seqüência
Complementam
Complementam
outras mídias
outras mídias
18
18
Substituem
a
Substituemparcialmente
parcialmente
interação
física
a interação
física
10
10
Substituem
Substituemintegralmente
integralmentea
a interação
interação física
física
77
Serviços
ou processos
Serviços
ou processos
novos
novos
55
Em suma, acreditamos que a discrepância de resultados observados e o
referido estado da ONU/Aspa se deve, sobretudo, a uma dicotomia de “vontades políticas” que atuam na gestão desses diferentes órgãos, onde a percepção da impotência da TI como ferramenta de reforma do Estado no
âmbito federal, no compromisso dos agentes-chave da administração com o
aprofundamento do processo e, finalmente, nas iniciativas normatizadoras e
de reestruturação que foram realizadas, em grande parte foram respaldadas
na Casa Civil da Presidência da República, como apurado em nossas entrevistas.
Nesse aspecto, o governo eletrônico alcançou resultados notáveis, em especial na área de e-procurement (Fernandes, 2003), principalmente porque foi
construído dentro de uma estratégia vinculada à reforma do Estado, a qual, obviamente, teve suas limitações, entre as quais destacamos a incapacidade de estender essa estratégia como modelo estruturado às outras esferas, e mesmo a
áreas significativas em seu próprio plano. Entretanto, mesmo essa iniciativa
federal exitosa esbarrou em problemas críticos de expansão e reestruturação de
processos e rotinas, talvez pelo próprio desenho da reforma de Estado implementada, que poderia certamente inserir-se na crítica elaborada por Evans
(2002).
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Essa discussão reforça a premência de agendas públicas nacionais e
multilaterais incluírem a questão de políticas que visem à democratização do
acesso aos mecanismos do Estado, pelas TICs, (tecnologias de informação e
comunicação), como um patamar de ação pública efetiva, de forma a propiciar
um incremento nas possibilidades de participação cívica na agenda do Estado e
nas suas relações internas. Tal processo estaria intrinsecamente vinculado à possibilidade de construção de mecanismos de governança virtual. Perguntamonos, portanto, em qual extensão essas novas tecnologias poderiam ser pragmaticamente aplicadas de forma a auferir uma melhor performance para o setor público, seja nos processos de reestruturação da administração, seja no provimento
democrático de informações, sistemas de accountability e eficiência da gestão?
Quais dificuldades podem estar obstruindo esse processo? Haverá condições culturais entre gestores para produzir de fato mudanças estruturais? Faz-se
necessário, portanto, um esforço investigativo final a partir desse ponto, buscando as percepções dos gestores e a extensão do acesso público a esses meios.
3. A percepção dos gestores
A descrição que se segue trata de um curto segmento extraído de um longo
processo de análise qualitativa com grupos focais realizada nos dias 10 e 11 de
junho de 2002. Trata-se de percepções de gestores de tecnologia da informação pertencentes às classes sociais A e B (critério Brasil), que foram selecionados entre gestores do sistema de governo eletrônico em empresas-chave da
esfera pública, ou prestadoras de serviços públicos recentemente privatizados
no Brasil como os de água, luz e telefonia. Como referência, observe-se que todos no grupo tinham nível superior, com uma formação bastante heterogênea,
incluindo engenheiros, economistas, administradores e profissionais de comunicação. Em geral, esse grupo encontra-se em uma faixa etária de 35 a 55 anos.
Um fato importante a ser notado é que nenhum era originário estritamente de
uma carreira de gestor governamental, tendo, portanto, uma trajetória alternada tanto na esfera pública quanto na esfera privada.
Complementarmente, foi feita em Brasília uma série de entrevistas em
profundidade, cujas percepções são sintetizadas ao final desse segmento ao
lado das externadas pelos membros do grupo focal em questão. O objetivo
nesse caso é mitigar determinadas percepções do grupo focal, pelo prisma
federal, este último composto de gestores de carreira estritamente da esfera
pública. As discussões foram realizadas com máximo rigor técnico, incluindo
um profissional de moderação que utilizou um roteiro semi-estruturado previamente definido. A discussão foi assistida pela equipe de pesquisa, isolada
em uma sala espelhada ao lado, e que, eventualmente, promoveu interferências em tempo real, através de perguntas endereçadas por escrito ao moderador, com o objetivo de elucidar e aprofundar os rumos da investigação, em
uma dialética com o curso das respostas. A seguir, descrevemos de forma co-
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Governança Democrática na Era da Informação
mentada os principais pontos dessa fase analítica. Inicialmente, as respostas
obtidas versam sobre perguntas relativas à percepção do governo eletrônico
enquanto serviço provido pelo Estado. Assim:
Acho que o governo eletrônico deve ser criado para se aproximar da fatia
carente, apesar de ocorrer o contrário. Acho que o governo eletrônico ainda é
um serviço.
Ainda se vê muito a perspectiva do serviço (e não o serviço em si), acho que
hoje temos mais internet banking do que governo eletrônico. Eu tenho muito
interesse nesse aspecto, me parece que quando se trata de governo eletrônico,
de cidadão no governo eletrônico, a saída que vejo (potencialmente nessa
dimensão) é mais do apenas o provimento de serviços eletrônicos.
Como parte desse processo de obliteração, os entrevistados apontam para
a reprodução das barreiras internas aos órgãos para a criação de novas atitudes,
de novos valores e de novos comportamentos condizentes com uma nova postura gerencial, necessária à introdução das novas tecnologias da informação e suas
conseqüências para o setor público. Essas barreiras refletem tanto dificuldades
culturais, quanto receio de perda de poder e controle hierárquico.
Não basta ter vontade política, o ex-presidente (do órgão ao qual o
entrevistado esteve vinculado) tinha que vencer as barreiras internas para
democratizar as informações principalmente por parte do pessoal de desenvolvimento de serviços pela internet. A gerência tem que ter vontade
política, mas também de mudar a cultura interna.
O caso do Detran (Departamento de Trânsito do estado), talvez seja o melhor
exemplo no estado em que um processo virtuoso, iniciado quando a internet
foi implantada, alterou um processo anterior vicioso. Tem órgãos no estado
em que a resistência ainda é muito grande (...).
Tentamos começar a trabalhar com o geoprocessamento (Geographic Information System). Isso é democratizar o acesso à informação. Mas ainda continua
uma estrutura rígida, burocratizada dentro do governo. Planeja quem tem
poder. Há tendência em determinadas secretarias de esconder informações.
Impedindo a possibilidade de ser um governo com transparência.
Tais barreiras foram muito destacadas na entrevista em profundidade
(a seguir transcrevemos um outro trecho dos depoimentos), onde percebe-se
um aprendizado das limitações impostas por um modelo que não tenha como
perspectiva repensar as rotinas de back-office em função do provimento de
serviços, em especial daqueles vinculados efetivamente a funções de governo. Ou seja, a reestruturação de rotinas teria um impacto justamente na
percepção cultural da extensão possível da implementação de modelos de
e-governance e reestruturação do Estado, enquanto fundamento de qualquer
iniciativa nesse sentido. Entretanto isso não ocorre. Dessa forma:
1271
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Marco Aurélio Ruediger
Em longo prazo esse atendimento virtual começa cada vez mais a exigir
alguma mudança para trás e isso pode ser um impedimento para que esse
atendimento avance.
No primeiro momento foi jogar o computador na mesa do funcionário. Até
hoje em dia tem gente que não consegue usar o correio eletrônico, principalmente por causa da idade da pessoa, daí a absorção da tecnologia ser mais
difícil. Já acontece aqui o que acontece com os usuários lá de fora, uns usam
bem outros não.
A maioria dos projetos fracassaram por falta de experiência gerencial.
Tivemos muitas dificuldades no indício devido à cultura do órgão, o corpo
técnico do órgão.
Em suma, revendo os pontos referentes à construção dos sistemas de governo eletrônico, consideramos por duas chaves distintas nas discussões que se
seguiram a percepção que os gestores teriam sobre as possibilidades do governo
eletrônico. A primeira, vinculada à questão do provimento de serviços mais eficientes a clientes. A segunda, mais politizada, que envolve referenciais mais intensos de construção de mecanismos de participação na agenda governamental.
Note-se que uma parte significativa dos entrevistados promoveu o desenvolvimento desses referidos sistemas no âmbito de uma administração vinculada a
partidos de esquerda. Nesse sentido, é interessante notar que a percepção mais
conservadora da reforma do Estado, muito embora difusa e mitigada com uma
percepção populista de atendimento ao cidadão, foi recursivamente utilizada
por esses entrevistados, que operaram em administrações que se opuseram (no
discurso) a princípios do New Public Management.
Finalmente, devemos ressaltar que um problema de fundo quanto ao
papel dos responsáveis pelo governo eletrônico em incorporar como central
apenas a produção de serviços ad hoc, e, sobretudo, pela ausência entre eles
de uma reflexão mais clara sobre incentivos à participação cívica e promoção
de capital social, que se daria além do conceito de direito do consumidor,
buscando atingir a esfera política, seja pela construção de redes críticas de
possibilidade de ação coletiva, ou pela reestruturação do Estado para esse
fim. No caso específico dos gestores federais, as entrevistas em profundidade
indicaram um padrão significativamente diferente dos gestores entrevistados
das esferas estadual e municipal. Nota-se, sobretudo no plano federal, uma
percepção mais clara das dificuldades intrínsecas de reformas estruturais e,
ressalte-se, a construção de um planejamento interno com o propósito de integrar elementos sistêmicos críticos e dar maior transparência à gestão. Evidentemente, percebe-se uma hipertrofia em favor de uma abordagem de
mercado, mas, sem dúvida, o quadro geral está muito à frente das outras esferas, indo realmente na direção de um patamar transacional, ainda que apenas em determinados segmentos. Falta-nos ainda verificar o provimento de
acesso a esses serviços à sociedade civil. Este último passo é dado a seguir.
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4. O ângulo da sociedade civil: acessibilidade e exclusão digital
O problema da acessibilidade física aos sistemas de governo eletrônico é com
certeza um complicador das questões já discutidas, denominado extensivamente na literatura como digital divide (Norris, 2001). Dessa forma, o acesso
assimétrico a novos meios informacionais tem seu reflexo no local, afetando
serviços, infra-estrutura e a qualidade de vida, apontando justamente para o
aumento, e não para a diminuição, de disparidades socioeconômicas e espaciais que, no limite, afetam negativamente a própria capacidade competitiva
de uma cidade ou até do país, e, com certeza, do governo na provisão de bens
de cidadania e accountability. Nesse caso, a questão essencial é que as especificidades de sociedades como a brasileira, levam-nos a um triplo divide, ou seja, vivenciamos não apenas o digital divide e o spatial divide,3 comum aos
países desenvolvidos, mas também um social divide. Observando a tabela,
seguir temos percepções diferentes dessa mesma realidade.
População dos países selecionados e usuários da internet
Nações selecionadas
População (milhões)
Usuários da internet (milhões)
37,4
3,88 a
174,5
16,84a
Canadá
31,6
14,2b
Chile
15,3
3,1c
5,2
2,69d
França
60,0
16,97 e
Japão
126,8
51,34 f
59,6
34,0 a
278,0
165,75 a
Argentina
Brasil
Finlândia
Inglaterra
EUA
Fonte: www.nua.ie (acesso em 2002).
a Nielsen/NetRatings; b Media Metrix Canada;
Japan.
c
Int’l Telecom. Union;
d
Taloustukimos Oy.
e
Mediametrie.
f
NetRatings/
Assim, pode-se notar mais acuradamente que, a despeito do acesso em
termos absolutos ser significativo no Brasil, em termos relativos esse número é
abaixo da média dos países desenvolvidos. No caso brasileiro, isso se traduz em
menos de 5% da população, enquanto no Canadá, por exemplo, aproxima-se
de quase 50%. Ou seja, por essa tabela, fica claro que os 16,84 milhões de
3
Aqui considerado como a alocação espacial preferencial de recursos condicionada pelos status
social e político de populações de uma área geográfica determinada.
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usuários da web brasileiros formam um grupamento de peso considerável, que
coloca o Brasil entre os países com maior população de usuários de internet no
mundo. Porém, e esse é um ponto fundamental, ao observarmos comparativamente esses números, não mais pelo prisma dos valores absolutos, mas, dessa
feita, pelo ângulo da razão entre usuários web e população geral, observamos
que o Brasil possui uma das piores relações entre o grupo selecionado.
Adicionalmente, considerando que a democratização do Estado virtual e
de suas políticas pelas tecnologias de informação e comunicação inicia-se necessariamente pela possibilidade de uma multiplicidade de grupos de interesse e cidadãos comuns terem acesso a esses meios informacionais, podemos perceber
pela figura 8 que há não apenas uma razão entre usuários e população extremamente baixa no caso brasileiro, mas também uma alta correlação entre setores de
maior status social com a possibilidade de uso mais intenso de TIC (acesso à telefonia e computador), o que sugere um nível de acessibilidade superior de informações e serviços, justamente os segmentos já sobrecapacitados nesse aspecto
em nossa sociedade. Essa discussão adiciona na agenda pública a questão de
políticas que visem à democratização do acesso aos mecanismos do Estado, e
mesmo aos serviços privados, pelas TICs, como um patamar de ação pública,
cada vez mais influente. Apenas como um exercício, se considerarmos que 80%
da população brasileira vivem em digital divide, torna-se um forte elemento adicional de assimetria social, com impacto crescente nas áreas urbanas extremamente adensadas e já com uma miríade de problemas (Graham e Marvin, 1997).
Nesse sentido, a tecnologia e seus nexos físicos criaram uma nova
dinâmica social e econômica no espaço físico, onde o fluxo dos espaços é superposto pelo das informações (Castells, 1997a), sendo influenciado por este.
Verifica-se, portanto, que a distribuição do acesso aos meios nos quais as informações públicas estão reunidas, inclusive, e crescentemente, os serviços de
Estado que são disponibilizados na rede, é mais expressiva em termos de
acesso àqueles segmentos que já têm acesso a canais de informação, rede de
contatos, ou ainda proficiência e meios de uso das novas mídias, ou seja, têm
maior status social e redes de relações mais próximas à elite política.
As figuras 8 e 9 buscam captar essa problemática. Na primeira percebemos uma divisão em termos regionais no Brasil de acesso à internet,
que se torna mais aguda tanto em termos regionais quanto renda. Na figura
9 temos uma exploração da questão espacial, onde se observa um estado da
Federação, no caso o Rio de Janeiro, recortado por diferentes níveis de
acesso possível à internet — residências onde há simultaneamente telefone
e computador conforme o censo nacional de 2000. Descendo em termos do
detalhe local, temos complementarmente a cidade do Rio de Janeiro também subdividida. Em ambos os casos as áreas representadas com tons mais
escuros são aquelas com maior potencial de acesso e, em geral, com maior
status social.
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Governança Democrática na Era da Informação
Figura 8
Percentagem de domicílios com acesso potencial à internet
(telefone e computador) por renda domiciliar (em unidades
de salários mínimos) e regiões — Brasil
45
40
35
30
Norte
25
Nordeste
20
Sudeste
15
Sul
10
Centro-Oeste
5
0
Menos de 2
S.M.
De 2 a 4
S.M.
De 4 a 6
S.M.
De 6 a 10
S.M.
Mais de 10
S.M.
Fonte: IBGE, Censo 2000.
Figura 9
Estado do Rio de Janeiro e cidade do Rio de Janeiro
por acesso potencial à internet
Internet:
Acessopotencial
potencial
Internet: acesso
Estado do
do Rio
Estado
Rio de
de Janeiro
Janeiro
Menor
5%
Menor que
que 5%
De
até 12%
De 5%
5 a 12%
De
até 18%
De 12%
12 a 18%
De
até 26%
De 18%
18 a 26%
Maior
que
26%
Mais de
26%
Rio de Janeiro
Cidade do Rio de Janeiro
Fonte: IBGE, Censo 2000.
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Marco Aurélio Ruediger
Em suma, mecanismos de governança e transparência, fundamentais
para a reversão de um quadro problemático em termos socioeconômicos e
do próprio desenvolvimento, poderiam ser impulsionados fortemente pela
revolução digital, mas são obstacularizados pelas assimetrias históricas somadas a uma nova assimetria, desta feita relativa ao mundo digital. O relatório
na última reunião mundial da agência Habitat (2001), da ONU, definiu governança local como: “a soma das formas pelas quais os indivíduos e instituições
(públicas e privadas) planejam e gerenciam seus assuntos comuns. É um
processo contínuo que pode levar ao conflito ou à ação cooperativa mutuamente benéfica”. Portanto, pode-se dizer que desenvolver políticas públicas
que observem a oportunidade digital é um elemento fundamental de desenvolvimento com justiça, mas pode ser também um vetor de eficiência. Entretanto, qual eficiência seria possível ao restringir a uma parte da população,
mesmo que significativa em termos absolutos, o acesso a informações e
serviços de Estado? Complementarmente, o quanto tal ausência problematizaria a construção de capital social e a eficiência da estrutura de Estado em
sua inter-relação com a sociedade civil? Considerando simultaneamente essa
problemática, seria o governo eletrônico um campo para uma construção republicana de Estado? Nesse caso, quais as possibilidades estratégicas para operar pela política a readequação desse instrumento? Buscaremos a seguir,
como conclusão, discutir esses aspectos.
5. Uma agenda para o governo eletrônico
Objetivamos ao longo deste artigo explorar de forma crítica os elementos que
nos parecem centrais a uma reestruturação do Estado, em termos de sua
eficiência vinculada a uma promoção da percepção republicana de suas relações com a sociedade civil. Esse ponto, como já discutimos, nos parece central para restabelecermos um equilíbrio nas funções clássicas do Estado, e,
amparado nas novas tecnologias da informação, atingir níveis de eficiência e
interatividade com a sociedade civil, que possibilitem uma administração pública capaz de enfrentar os desafios postos por um contexto complexo e, crescentemente, interpenetrado por processos simultaneamente globais e locais.
Nesse sentido, utilizando como referencial analítico o relatório da
ONU/Aspa, procuramos verificar em profundidade os parâmetros e resultados analíticos ali apontados contrapostos a outros exemplos do caso brasileiro, diversos em relação aos observados no referido relatório. Verificamos que
muito embora nosso referencial analítico tenha muitas virtudes, carece em alguns aspectos de aprofundamentos. Dessa forma, tratamos aqui de utilizar
como proxy um determinado país, o Brasil, enquadrado no grupo mais elevado no desenvolvimento de governo eletrônico. Essa exploração se deu em ter-
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Governança Democrática na Era da Informação
mos da abrangência dos experimentos de governo eletrônico estudados.
Complementamos esse esforço analítico com um estudo sobre acessibilidade.
Em conjunto ambas as estratégias buscavam observar a estrutura de Estado,
pelo provimento de serviços e informações disponibilizadas, e a acessibilidade a esses serviços.
Em termos gerais, podemos concluir que se observa efetivamente um
esforço para aumentar a eficiência do Estado pela utilização do governo
eletrônico, mas, e de forma condicionada pelo desenho utilizado, há um componente cultural importante, com reflexos tanto no desenho de sistemas,
quanto nas possibilidades percebidas pelos gestores de acesso ao Estado, que
se fundamenta em uma racionalidade típica de mercado por onde se consolida uma veiculação fundada na subsidiariedade e na especialização de
funções, refletida na oferta de serviços ad hoc, limitados ou sem preocupações políticas intensas em termos de uma cidadania engajada, ou sem
uma inter-relação cívica de acesso a amplos segmentos da sociedade. Assim,
fortalecem-se potencialmente alguns grupos de interesse, e não outros, e, em
especial, retardando a possibilidade de maior pressão cívica para uma reestruturação e provimento de informações pelo Estado. Com isso, retarda-se a
concretização de uma reforma do Estado mais profunda, tendo o governo
eletrônico como um indutor de um processo republicano de reconstrução da
administração. Os impedimentos são, portanto, internos e externos, mas,
talvez, funcionais a um pensamento hegemônico sobre o que deve ser o Estado.
Esse problema, com efeito, parece-nos central para a efetivação de
reformas que busquem uma maior eficiência da esfera estatal, estando, como
mencionamos, também diretamente vinculado à questão cívica. O que, completamos, dificulta a possibilidade dessa participação nos assuntos do Estado,
de forma, como observou Tocqueville (1987), em que as esferas mais imediatas da vida pública 4 servissem de escolas de civismo para as grandes
questões de Estado. Entretanto, os sistemas de governo ao estarem dissociados, em termos conceituais, em sua concepção e, em termos práticos, dos
processos que os sustentam, de referenciais republicanos e cívicos fundamentais, onde a racionalidade utilitária cedesse à ação coletiva, tal qual a saída ao
chamado dilema dos prisioneiros, tornam-se limitadores para o uso dessas
tecnologias como instrumento de uma reestruturação democratizadora do Estado, cuja questão central seria a rearticulação entre Estado e sociedade.
Essa rearticulação seria vital no estabelecimento de uma estratégia que
sobrepujasse as dificuldades levantadas para reestruturação do Estado, esten-
4
Aqui poderíamos atualizar essa observação, referindo-nos ao acesso aos serviços mais críticos
ao cidadão, se desenhados com uma maior radicalidade para interferência na agenda pública,
supondo a net como um township, ou melhor, uma ágora pós-moderna.
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dido à sua versão virtual. Ou seja, as barreiras internas ao Estado poderiam
ser tensionadas e, eventualmente, mitigadas, pela pressão da sociedade civil
em um processo dialético de demanda crescente por serviços e informações
advindas do Estado. Da mesma forma, os gestores poderiam buscar iniciativas que maximizassem essa possibilidade, por meio de mecanismos voltados
ao provimento de meios de acesso, como também outros, vinculados à oferta
de programas e políticas que digam respeito diretamente a questões de cidadania. Esse processo interessaria, sobretudo, aos que almejam a continuidade de reformas no campo do Estado. Evidentemente, esse ciclo virtuoso
requer um ponto de partida que precisa ser politicamente construído.
Sugerimos como agenda, mesmo sob o risco de soarmos excessivamente normativos, que esse ponto de partida seja consensuado pelos principais atores estratégicos e representantes da sociedade civil organizada, em
torno de um plano estratégico do Estado virtual, onde fossem definidos objetivos e estratégias complementares de reestruturação e integração de processos e funções, além de provimento de informações e acesso. Por outro lado,
esse consenso deveria ser transformado em ações de Estado, alterando a estrutura do aparato de governo, incentivando um desenho matricial entre
órgãos estratégicos, no que tange a sistemas de informações. Os diversos segmentos de informática desses órgãos atenderiam aos sistemas específicos de
seus ministérios, mas de forma articulada com o plano estratégico e as linhas
estruturantes do governo eletrônico da administração como um todo. Nesse
sentido, complementarmente, as assessorias de informática deveriam ser ocupadas prioritariamente por gestores de carreira e não por tecnólogos. Finalmente, esse arcabouço teria como ponto de confluência uma pequena
estrutura na Presidência da República, mais especificamente junto à Casa Civil, onde a coordenação e normatização desses esforços se dariam.
O incentivo racional para essa iniciativa seria a constatação social sobre o Estado em termos de sua incapacidade em lidar com a presente problemática por estratégias regulatórias tradicionais, ou seja, em regular e
atender a múltiplas demandas em um contexto de globalização, sem uma
maior articulação com a miríade de atores coletivos nacionais e os fatores indutores do processo de globalização. Dessa forma, a necessidade de legitimação aponta uma racionalidade na aceitação de um papel com mais ênfase
na articulação privilegiada de redes, mitigando, mas não excluindo, a burocracia de Estado como ator vital em termos das políticas desenhadas. O Estado continua central, mas essa centralidade é legitimada e potencializada pela
capilaridade e coordenação junto à sociedade civil (Castells, 1997b). O Estado virtual necessita portanto ser construído por consensos justamente para
atender a esses requisitos, atendo-se inclusive ao seu desenho no mundo real. A estruturação desse consenso requer por sua vez uma ordenação e coordenação de diversos atores e empreendedores de políticas, públicos e
privados. Para isso, queremos crer, um fórum de consenso seria necessário e,
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Governança Democrática na Era da Informação
nesse caso, poderia tomar do urbanismo as idéias basilares do plano estratégico de cidades.
Peguemos o exemplo de Barcelona e seu plano estratégico. Essa experiência foi socialmente pactuada, possibilitando a reestruturação do seu desenvolvimento urbano e aumentando a velocidade com que o governo promoveu
reformas estruturais e, recursivamente, verificou e corrigiu rumos dessa implementação, em conjunto com os atores representados na estrutura do plano.
Agora, se podemos imaginar a arquitetura e o urbanismo em termos das interrelações cívicas e econômicas que moldaram nossas cidades, e ao mesmo tempo a centralidade das novas tecnologias em moldar as esferas socioeconômicas
de nossa sociedade, poderíamos utilizar essa noção do plano estratégico como
instrumento de pactuação para a construção desse Estado virtual, redefinido
em termos das novas possibilidades de diminuição de custos de informação e
accountability.
Finalmente, voltando ao campo das tecnologias da informação, ao
menos tecnicamente, um provimento melhor e mais democrático de informações seria assim possível, potencialmente diminuindo a ineficiência de escolhas políticas e aumentando a eficiência da burocracia estatal. Em outras
palavras, como observou Mitchell (1999), isso importaria pois as estruturas
cívicas emergentes da era digital vão afetar profundamente as oportunidades
econômicas e serviços públicos e a vida citadina em geral. O plano estratégico teria portanto o papel de não apenas redirecionar o Estado em seus fatores fundamentais, mas também sobrepujar os bloqueios a essas mudanças.
Provavelmente, e esse é o ponto central dessa discussão, entendemos que há
uma necessidade de promover uma abertura para outros atores da sociedade
participarem da discussão sobre o governo eletrônico, ao mesmo tempo em
que se utiliza o governo eletrônico como uma janela de oportunidade para
reestruturação da administração pública. Nesses termos, a transparência e a
interação entre a sociedade civil e a sociedade política torna-se o elemento
central desse processo, pois ambas são, efetivamente, o eixo vertebral de possibilidades de reestruturação do Estado em que a dimensão republicana e democrática retome sua centralidade política, apontando necessariamente para
uma construção social pactuada do mesmo.
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