8º UNICULT
O PONTO
Autor(es)
CASSIO CAMILO ALMEIDA DE NEGRI
Desenvolvimento
O ponto
Shankara
Na volta para casa, quando parou no sinal vermelho, lá pela meia-noite, só se lembrava do clarão luminoso seguido do estrondo seco
que saiu do ponto diretamente para seu peito. Era um assalto. Tentara acelerar, mas a bala, mais rápida, o alcançara antes mesmo que
o pé do acelerador chegasse ao meio da trajetória.
Agora, jazia ali, com um ponto no peito, do qual jorrava o líquido rubi da vida.
Caíra sobre a buzina, que disparada, gritava por socorro. A vista, já embaçada, mostrava um ponto vermelho que se aproximava
piscando ao longe, seguido de uma sirene fina, devido à compressão das ondas sonoras pelo efeito Doppler.
Deitado na maca, imóvel, olhos semi-abertos e fixos no ponto marrom escuro da pinta no centro da testa do bombeiro, que a sua
cabeceira segurava e corria com a maca, transpondo o beiral de sua esperança ao entrar no hospital.
Um ponto de luz brilhante se aproximando de um de seus olhos, era a pequena lanterna do médico a examinar sua pupila já quase
midriática.
O quase ainda significava vida. Suas roupas cortadas, quase arrancadas, os choques fazendo seu corpo se contorcer, tentando acordar
o coração que já dormitava.
Os pontos do frasco de sangue que pingavam rapidamente em forma de gotas, como uma chuva fraca querendo aplacar e vencer a
mortífera seca do sertão nordestino.
Pelo ponto do seu tórax, penetra o bisturi brilhante e frio, transformando o ponto unidimensional em uma linha bidimensional, quase
separando seu tórax em dois.
Mãos benditas seguiam a trajetória do ponto por entre e através dos órgãos que choravam lágrimas rubras. Mãos ágeis, iam cerzindo
os tecidos rotos nesse trajeto mortífero.
Por fim, o ponto cinza, chumbo do trinta e oito alojado junto à oitava vértebra, que tal qual um goleiro, aparara o petardo contundente
ao lado da aorta que, ferida de morte, espirrava o precioso vinho da vida.
Um ponto luminoso brilhava no teto como a atrair aquele moribundo, que quanto mais fechava os olhos, mais se abria o ponto a jorrar
luz. O ocupante do corpo deixa o personagem e mergulha no ponto, não de corpo e alma, mas somente de alma, pois por ali o corpo
não passaria.
Ao se atirar nesse ponto brilhante, que exalava felicidade e paz, sentiu como que um cordão de luz prateado a puxá-lo de volta.
Impossível rompê-lo naquele momento.
Voltou triste, desistindo do mergulho. O médico fechara o último ponto.
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