Energias renováveis alternativas
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Capítulo I
Novo!
Recursos energéticos e meio
ambiente: uma visão geral
Ennio Peres da Silva, João Carlos Camargo e Paula Duarte Chrestan*
Desde os primórdios de sua existência, o ser
de eletricidade. Sendo a maior parte destes derivados
humano busca na natureza não apenas o necessário à
combustíveis líquidos nas condições ambientais, suas
sua subsistência, mas também recursos que permitam
aplicações em veículos automotivos são bastante usuais.
melhorar progressivamente suas condições de vida. Além
Associados com seus usos não energéticos, o setor
das matérias-primas, a disponibilidade de energia, que
petroquímico se constitui em um dos mais importantes
possibilite a transformação dos recursos naturais em bens
ramos das atividades industriais da atualidade.
necessários (e até supérfluos), tornou-se fundamental.
Com a evolução da humanidade, o consumo de energia
uso do carvão mineral, que responde por cerca de 40%
cresceu sistematicamente, acelerando-se de forma tão
do total consumido, sendo que suas reservas mostram
expressiva nas últimas décadas que a quantidade de
que essa fonte primária não renovável pode ser
energia utilizada pelo homem apenas no século XX
explorada sem perspectiva de esgotamento pelo menos
superou a soma de todos os séculos anteriores.
nos dois próximos séculos. O carvão foi o combustível
A partir das descobertas e do uso da energia elétrica
da revolução industrial no século XIX, tornando-o
na segunda metade do século XIX, o consumo de energia
uma das fontes de energia elétrica mais baratas. No
passou a ser dividido em duas categorias: combustíveis
entanto, seus efeitos deletérios são bem conhecidos
e eletricidade. Como diferentes combustíveis podem ser
quanto à poluição ambiental, sendo uma das fontes
utilizados para a geração de energia elétrica por meio
mais poluentes tanto no tocante à liberação de gases de
de termoelétricas, fontes como carvão, petróleo e gás
efeito estufa quanto com relação a gases que provocam
natural passaram a contribuir para as duas categorias.
chuva ácida.
Entretanto, ainda são muito pouco utilizados os processos
de produção de combustíveis por energia elétrica, de
característica de grande impacto ambiental foi um
forma que as fontes primárias de eletricidade, como
dos principais fatores que impediram um aumento
hidráulica, eólica e nuclear, contribuem apenas para a
significativo na importância do carvão na matriz
segunda categoria.
energética mundial. De fato, em mais de 30 anos, a
No caso da produção de eletricidade, prevalece o
Apesar de abundante e relativamente barato, essa
Na matriz energética mundial atual predomina o uso
participação desta fonte passou de cerca de 38% da
do petróleo e seus derivados (cerca de 34% do total),
produção mundial de energia elétrica (em 1973) para
utilizados principalmente nos setores de transporte e
41% atualmente (2009). Enquanto isso, fontes não
industrial, com menor contribuição para a geração
renováveis com menor impacto ambiental, como o gás
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Figura 1 – Composição da oferta mundial de energia elétrica por fonte. International Energy Agency, 2011.
natural e a energia nuclear, tiveram crescimento expressivo nesse
este combustível emitem a metade de CO2 que as mais modernas
mesmo período, como pode ser visto no gráfico da Figura 1.
plantas que processam carvão. Além disso, com as atuais taxas de
produção, as reservas mundiais recuperáveis de gás natural indicam
Por ter ainda grande importância como insumo energético, nas
últimas décadas foram desenvolvidas várias tecnologias visando a
um horizonte de 250 anos.
diminuir o impacto ambiental da utilização do carvão para a geração
de energia elétrica como precipitadores eletrostáticos (ESP), redução
defendida como uma alternativa às fontes fósseis. No entanto, os
catalítica seletiva (SCR), captura e armazenamento de carbono (CCS)
acidentes nucleares ocorridos em Chernobyl em 1986 e nas usinas
e novos processos de dessulfurização.
de Fukushima no Japão em 2011 introduziram muitas incertezas no
Apesar desses avanços tecnológicos, o gás natural apresenta-se
futuro aproveitamento da energia nuclear para geração de energia
como uma alternativa superior quanto aos impactos ambientais, pois
elétrica. Dois meses depois do acidente no Japão, a Alemanha
as modernas tecnologias de plantas termoelétricas que queimam
anunciou o fechamento definitivo de todas suas plantas nucleares até
A energia nuclear, por não emitir gás de efeito estufa, tem sido
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2022. Além disso, projetos de instalação de novas usinas nucleares
pelo vento supriu 25% da demanda de eletricidade do país em 2010.
em alguns países foram paralisados ou adiados.
Nos últimos cinco anos, também é notável a expansão das
Nesse cenário cresce cada vez mais a importância das fontes
instalações de plantas fotovoltaicas no mundo, especialmente na
renováveis de energia, com destaque para as energias eólica e solar
Europa. Graças à grande redução no preço dos painéis fotovoltaicos
fotovoltaica. Ambas têm apresentado grande crescimento na sua
e às políticas de incentivos às instalações com essa tecnologia, como
participação na matriz energética mundial, principalmente na última
as tarifas feed-in1 , as plantas fotovoltaicas comissionadas em 2011
década. Além de terem impacto ambiental consideravelmente menor
na Europa superaram as novas instalações de plantas a gás e eólicas,
que a geração com combustíveis fósseis, essas fontes contribuem
como pode ser visto no gráfico da Figura 3.
com a questão da segurança energética dos países que necessitam
importar petróleo para produção de energia elétrica, uma vez que
de energia consumida proveniente destas fontes ainda é muito
se encontram disponíveis em todas as regiões do planeta, enquanto
inferior ao uso das não renováveis, na proporção aproximada de
as reservas de petróleo, gás natural e carvão estão concentradas em
1 para 4 (19% e 81% respectivamente), como indicado na Figura
alguns países, muitos deles com elevada turbulência política interna
1. Do total, 67% corresponde a fontes emissoras de gás carbônico,
Apesar do crescimento expressivo das fontes renováveis, o total
e externa.
um gás de efeito estufa. Como consequência, as emissões de CO2
Como um indicativo das tendências globais, o gráfico da Figura 2
decorrentes da produção de energia cresceram aproximadamente
mostra que na Europa, entre 2000 e 2011, os maiores acréscimos de
86% no período de 1973 até 2009, uma média anual de 3% ao
plantas de geração de eletricidade foram a partir do gás natural, eólica
ano. A China, devido ao uso intensivo de fontes fósseis de energia
e solar fotovoltaica, havendo diminuição de plantas termoelétricas a
(principalmente carvão), foi o país que mais emitiu CO2 na produção
carvão, nuclear e a óleo combustível.
de energia, apresentando para o mesmo período um crescimento de
aproximadamente 315%, ou quase 9% de aumento de emissões ao
A produção de energia elétrica com turbinas eólicas tornou-se
extremamente competitiva em relação às tecnologias não renováveis
ano.
nas últimas décadas graças à redução de custo por unidade de
potência dos aerogeradores. A capacidade instalada mundial atingiu
efeito estufa, a Figura 4 apresenta a distribuição referente a 2009.
196 GW e gerou em 2010 cerca de 430 TWh (2,5 % do consumo
Para os setores industrial e de geração de eletricidade,
mundial de eletricidade). Na Dinamarca, a energia elétrica produzida
responsáveis por 61% das emissões, além de medidas de conservação
Em relação aos setores responsáveis pelas emissões de gases de
Figura 2 – Capacidade instalada acumulada na Europa entre 2000 e 2011. Fonte: World Wind Energy Association (WWEA).
Tarifa feed-in (FIT): mecanismo regulatório desenvolvido para acelerar o investimento nas tecnologias renováveis. Contratos de longo prazo são feitos entre o produtor que
utiliza a tecnologia renovável e a entidade pública ou privada nos quais o segundo adquire a energia produzida pelo primeiro, por um valor superior ao valor de mercado
(custo de geração), a fim de promover o desenvolvimento dessa tecnologia.
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Figura 3 – Plantas de geração de energia elétrica instaladas na Europa em 2011. Fonte: World Wind Energy Association (WWEA).
e racionalização do uso de energia, substituição de combustíveis
pode então ser estocado em minas ou poços de petróleo e gás
fósseis por renováveis, também se está desenvolvendo a tecnologia
natural esgotados, nas águas profundas dos oceanos e outros locais
CCS (Carbon Capture and Sequestration), que consiste na captura e
adequados para isso.
no sequestro do carbono presente na composição dos combustíveis
fósseis, que se encontra normalmente na forma de CO2. Esse gás
das emissões globais de CO2, esse processo não pode ser aplicado
Para o setor de transporte, responsável por quase um quarto
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Veículos movidos a hidrogênio utilizando célula a combustível
são veículos de praticamente emissão zero, o que representa um
ganho na qualidade ambiental dos grandes centros urbanos. Todos
os grandes fabricantes mundiais de veículos possuem modelos já
testados dessa tecnologia, sendo os custos destes veículos e a ausência
de infraestrutura (postos) os atuais entraves para a disseminação de
seu uso.
Além da redução das emissões de CO2, deve-se considerar ainda
que os veículos elétricos a baterias ou a hidrogênio representam
também uma grande redução das emissões atmosféricas de
poluentes. De fato, como os processos de queima da gasolina ou do
óleo diesel em um motor nunca são completos, eles inevitavelmente
lançam também para a atmosfera monóxido de carbono (CO),
hidrocarbonetos (HC), aldeídos (R-CHO), óxidos de nitrogênio
Figura 4 – Distribuição das emissões globais de CO2 por setor. Fonte:
International Energy Agency, 2011.
(NOx), óxidos de enxofre (SOx) e material particulado. A formação
de forma prática, por serem os veículos automotores fontes móveis
e a emissão de SOx devido ao enxofre geralmente contido nesses
de CO2. Além da substituição de combustíveis fósseis (gasolina
combustíveis, principalmente no diesel. O ozônio troposférico (O3),
e diesel) por renováveis (etanol e biodiesel) e do uso de veículos
outro importante poluente, tem a sua formação associada à presença
híbridos, mais eficientes, uma possibilidade é o uso dos combustíveis
de HC e NOx na atmosfera.
em termoelétricas com CCS, produzindo eletricidade para uma
frota de veículos elétricos. Neste caso, o problema recai sobre o
importância quando se considera duas características das fontes
armazenamento da energia elétrica nos veículos, uma vez que a
renováveis de energia: a produção direta de eletricidade pela
tecnologia atual das baterias eletroquímicas não permite autonomia
maioria delas e a elevada sazonalidade, que no caso extremo da
e tempo de abastecimento considerados satisfatórios.
energia solar só está disponível, quando muito, no período diurno.
Outra alternativa é a retirada do carbono (descarbonetação) antes
Os ventos variam de velocidade ao longo do dia e das estações do
de o combustível ser introduzido nos veículos. Como a maior parte
ano, enquanto que a disponibilidade da energia hidráulica varia
dos combustíveis fósseis é constituída de carbono e hidrogênio, a
ao longo dos meses e estações do ano. Entre estas, apenas a última
retirada do carbono implica a disponibilidade do uso do hidrogênio,
permite um armazenamento prático de sua forma primária, a água,
cujo produto da combustão é apenas água. Neste caso, o uso do
mas mesmo assim com restrições cada vez maiores, em vista dos
hidrogênio como um energético poderá representar no futuro um
impactos ambientais provocados pelas barragens ao longo das
importante papel na matriz energética mundial, principalmente no
bacias hidrográficas.
setor de transporte.
de NOx ocorre devido ao nitrogênio e ao oxigênio existentes no ar
A alternativa do uso energético do hidrogênio ganha maior
Como a maioria das fontes renováveis produz eletricidade,
Figura 5 – Principais modos de produção do hidrogênio a partir das fontes renováveis de energia.
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a geração de hidrogênio pelo processo de eletrólise da água (decomposição em
hidrogênio e oxigênio), de elevada eficiência energética, permite a estocagem da energia
fornecida pelas fontes, regularizando o atendimento das demandas de eletricidade. O
hidrogênio armazenado pode ser novamente convertido em energia elétrica por célula
a combustível, também com eficiências superiores aos sistemas convencionais (motores
geradores e turbinas a gás). Além disso, o hidrogênio pode ser produzido a partir de várias
fontes locais, tanto renováveis como não renováveis, contribuindo para a segurança
do suprimento energético. A Figura 5 mostra as várias alternativas para produção de
hidrogênio
Referências
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CRISTÓBAL, J.; GUILLÉN-GOSÁLBEZ, G.; JIMÉNEZ, L.; IRABIEN, A. Optimization of global
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VOSER, P. The natural gas revolution. Energy Strategy Reviews, Available online 4 January 2012,
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SALDIVA, P. H. N.; BRAGA, A.; PEREIRA, L. A. A. Poluição atmosférica e seus efeitos na saúde
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2001, Unicamp. Anais, CD-ROM.
SILVA, S. T. A proteção da qualidade do ar. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/
qualiar.html>.
SILVA, E. P. Introdução à tecnologia e economia do hidrogênio. Editora da Unicamp, 1991.
*Ennio Peres da Silva é físico, mestre em Física pela Unicamp e Doutor em Engenharia
Mecânica também pela Unicamp. É professor Doutor e coordenador do Laboratório de
Hidrogênio do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Unicamp. É professor colaborador do
curso de Pós-Graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da FEM/Unicamp. Atua nas
áreas experimentais das aplicações energéticas (veiculares e estacionárias) e não energéticas
do hidrogênio, em planejamento energético regional e em estudos sobre os usos das fontes
renováveis de energia. É também o secretário executivo do Centro Nacional de Referência em
Energia do Hidrogênio (CENEH).
João Carlos Camargo é engenheiro eletricista, mestre e doutor em Planejamento de Sistemas
Energéticos pela Unicamp. É sócio-fundador da empresa Hytron Indústria e Comércio Ltda.
Atualmente trabalha junto a projetos de pesquisa do NIPE/UNICAMP principalmente em
temas relacionados à economia do hidrogênio, produção do hidrogênio, geração distribuída de
energia elétrica e energia solar fotovoltaica.
Paula Duarte Araújo Chrestan é engenheira mecânica, Doutora em Planejamento Energético
pela Unicamp. É professora da PUC-Campinas, consultora e pesquisadora autônoma.
Desenvolve projetos no Instituto AQUA GENESIS, analisando e estimando as reduções de
emissões de CO2 em projetos que utilizam hidrogênio para geração de energia elétrica.
Coordenou o Caderno Setor Energético do Inventário Paulista de Gases de Efeito Estufa (2011).
Continua na próxima edição
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