GLOSSECTOMIA SUBTOTAL EM UM CÃO – RELATO DE CASO
PARTIAL GLOSSECTOMY IN A DOG – CASE REPORT
Luís Guilherme de Faria1; Gabriela Rodrigues Sampaio2; Fernando Y. K. Kawamoto1; Filipe Curti1;
Rodrigo Barros1; Luciane dos Reis Mesquita3
Resumo:
Relata-se um caso de ressecção subtotal da língua em um cão. A glossectomia subtotal não tem sido
realizada com frequência, devido à preocupação com a ocorrência de sequelas pós-operatórias. Neste relato
é apresentado um paciente que foi atendido no Hospital Veterinário, com lesão lacerativa da língua, devido
à mordedura por outro animal. Após a intervenção cirúrgica o animal recuperou-se completamente,
adaptando-se bem a perda parcial da língua.
Palavras-chave: glossectomia, laceração, língua, cirurgia.
Summary:
This article reports a case of partial resection of the tongue in a dog. The partial glossectomy is not
common pratice in dogs, because of concern over the occurrence of post-operative complications. This case
report describes a patient who was treated at the Veterinary hospital with injuries lacerated in tongue due to
bite the other animal. After surgery the animal is fully recovered, adapting well to partial loss of tongue.
Keywords: glossectomy, laceration, tongue, Surgery.
A língua é um órgão móvel, robusto e muscular, que apresenta um papel ativo nos procedimentos
de apreensão alimentar, mastigação e deglutição, tendo assim função fundamental na alimentação do
indivíduo (WEISSMAN et al., 2004). A deglutição implica na transferência do conteúdo alimentar desde a
porção final da boca até o esôfago. A força principal para impulsionar este movimento deriva da contração
dos músculos hipoglosso e milo-hióideo (WEISSMAN et al., 2004, VIEIRA et al., 2010).
As afecções cirúrgicas da cavidade oral e da orofaringe são comuns em cães e gatos. Elas incluem
anormalidades congênitas, traumáticas, corpos estranhos, neoplasias, doenças das glândulas salivares,
parasitas e odontopatias (BRUCHIM et al., 2005). As lesões mais frequentes observadas na língua são as
lacerações causadas pelo ato de lamber superfícies cortantes, corpos estranhos perfurocortantes,
queimaduras por agentes elétricos ou cáusticos, ulceração da mucosa e mordedura por outros animais
(QUESSADA et al., 2007). Os pacientes com doenças na cavidade oral e orofaringe podem apresentar
sialorreia, disfagia, anorexia, hemorragia oral e halitose, ou podem permanecer assintomáticos (HEDLUND
et al., 2005; QUESSADA et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2008).
Razão primária para amputação da língua são as neoplasias, embora sejam afecções raras
(DALECK et al., 2007; FILHO et al., 2010). Nestes casos, a literatura registra amputações de grandes
porções do órgão em pacientes acometidos por tal afecção. Após a cirurgia, observa-se boa recuperação do
animal, porém baixa expectativa de vida, devido à manifestação de metástases posteriores (HEDLUND,
2005; QUESSADA et al., 2007; DALECK et al., 2007).
O trauma lingual é uma ocorrência frequente e, quando acontece em grandes extensões, pode
resultar em complicações, desde uma simples isquemia da área até a necrose por déficit de vascularização
(WEISSMAN et al., 2004; OLIVEIRA et al., 2008).
_______________________
1
Médico Veterinário Residente em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais – Universidade Federal de
Lavras - UFLA, Lavras (MG);
2
MV, MSc, DSc, - Professora Adjunta – Departamento de Medicina Veterinária – Universidade Federal de
Lavras - UFLA, Lavras (MG);
3
MV, Mestranda em Ciências Veterinárias – Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras (MG);
Luís Guilherme de Faria1 – Rua Maria C. F. A. Milano, 88 – Jardim Cintra, Moji Mirim (SP) – CEP 13800375 / [email protected]
Sabe-se que ressecções de grandes porções da língua em cães não são realizadas com frequência,
em virtude da preocupação com a ocorrência de complicações pós-operatórias, decorrentes da redução da
função do órgão acometido (QUESSADA et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2008).
Amputações de 40% a 60% da língua são bem toleradas, mas talvez seja necessária a colocação de
sonda oroesofágica para posterior alimentação enteral (DALECK et al., 2007; QUESSADA et al., 2007;
OLIVEIRA et al., 2008). A maior parte das lacerações linguais é tratável por meio de um reparo ou
fechamento em uma ou duas camadas. As bordas podem ser aproximadas com sutura contínua simples,
usando-se fio absorvível (QUESSADA et al., 2007).
A manutenção da língua após a amputação completa ou de grandes porções é um evento raro
(WEISSMAN et al., 2004). Há relatos de vascularização por meio de anastomose, utilizando a artéria
lingual esquerda e a veia lingual direita, após a amputação traumática de 2/3 do órgão em paciente humano
vítima de acidente automobilístico (EGOZI et al., 2006 apud OLIVEIRA et al., 2008).
As manifestações adversas após uma glossectomia são a dificuldade de formação, propulsão e
retenção do bolo alimentar, acúmulo de alimentos na cavidade oral, dificuldade no trânsito alimentar, e
aspirações durante e após a deglutição (OLIVEIRA et al., 2008; VIEIRA et al., 2010).
O presente relato tem como objetivo descrever um caso raro de lesão lacerativa da língua e
apresentar a glossectomia subtotal como tratamento de lesões graves deste órgão, pois quando conduzida de
maneira adequada, essa intervenção permite adaptação satisfatória em cães.
Foi atendida no Hospital Veterinário uma cadela sem padrão racial definido, residente em área
rural e com hábito de caçar em conjunto com os outros cães da propriedade. O proprietário relatou que
encontrou o animal com grave sangramento oral, feridas no pescoço e escoriações generalizadas,
suspeitando-se, então, de laceração da língua devido à mordedura por algum animal silvestre.
O exame físico evidenciou que o animal estava com desidratação leve, hiperalgia, pirexia
(39,9OC), taquipneico e taquicárdico; no entanto, os demais parâmetros estavam normais.
O animal foi imediatamente levado ao centro cirúrgico, devido à presença acentuada de
hemorragia. A paciente foi anestesiada para inspeção e visualização detalhada da cavidade oral. Realizouse cateterização venosa para posterior fluidoterapia com solução de ringer com lactato (10ml/kg/hora), e
administração de cloridrato de tramadol (3mg/kg) e midazolam (0,5mg/kg), como medicação préanestésica. Na indução anestésica, utilizou-se propofol (5mg/kg). A hemorragia foi contida por meio do
pinçamento e ligadura dos vasos sangrantes. Diante do quadro clínico, foi possível observar extensa
laceração da língua, 2/3 de todo o diâmetro do músculo, envolvendo as faces lateral e dorsal. Optou-se,
portanto, pela amputação da fração acometida.
Foi realizada antissepsia por toda a extensão da ferida com solução salina 0,9% e digluconato de
clorexidina 2%. Em seguida, o paciente foi intubado via endotraqueal por meio de uma incisão de
faringostomia. A manutenção anestésica foi realizada por meio da vaporização de isoflurano em sistema
semiaberto. Como medida profilática, administrou-se metronidazol (25mg/kg), cefalotina (30mg/kg) e
meloxicam (0,2mg/kg).
A fim de manter a patência das vias aéreas foi utilizado um tampão de gaze sobre a cavidade
orofaríngea, impossibilitando a passagem de sangue ou qualquer outra solução.
Para a glossectomia parcial foi realizada excisão de todo o tecido desvitalizado, com margem de
1cm de tecido normal, e o sangramento foi contido com auxílio do bisturi elétrico. Logo em seguida foi
feita uma incisão em cunha, de maneira à excisar mais musculatura lingual do que mucosa ventral. As
bordas adjacentes foram coaptadas com sutura em padrão Lembert interrompido, com fio absorvível
sintético 3-0 (ácido poliglicólico). Após o ato cirúrgico, inseriu-se uma sonda de alimentação enteral por
faringostomia.
O proprietário foi orientado quanto ao manejo correto da sonda, bem como os horários de
administração de água e alimentos. Prescreveu-se metronidazol (25mg/kg, duas vezes ao dia), cefalexina
(30mg/kg, uma vez ao dia), meloxicam (0,1mg/kg, uma vez ao dia), cloridrato de tramadol (2mg/kg, três
vezes ao dia), limpeza do local com solução salina 0,9% e digluconato de clorexidina 0,12% (3 vezes ao
dia).
Após sete dias, a paciente mostrava-se adaptada e não apresentava complicações na reparação do
tecido epitelial da língua. A prescrição médica, segundo o proprietário, foi realizada conforme a orientação
técnica. A sonda de alimentação enteral foi removida. Passados 30 dias o cão estava totalmente adaptado a
sua nova condição e não apresentava qualquer disfagia ou outro sinal clínico digno de nota.
Embora as doenças cirúrgicas da cavidade oral e da orofaringe sejam comuns em cães e gatos
(HEDLUND et al., 2005), a literatura registra poucos casos de lesões traumáticas da língua nestas espécies
(BRUCHIM et al., 2005; QUESSADA et al., 2007).
2
Ao ser submetido ao atendimento clínico, o animal apresentava extenso sangramento oral, sinal
clínico comum das enfermidades que acometem esta região, decorrente de lesão lacerativa por mordedura,
razão etiológica geralmente também observada nos relatos utilizados para compor este texto (HEDLUND
et al., 2005; QUESSADA et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2008).
O procedimento cirúrgico adotado foi o recomendado pela literatura (HEDLUND et al., 2005). No
entanto, a ressecção de grandes porções da língua não tem sido realizada em cães, pois há intensa
preocupação com o pós-operatório. No caso relatado, onde 2/3 do órgão em questão foram removidos, a
paciente teve adaptação adequada, o que significa que este tipo de cirurgia pode promover bons resultados
(QUESSADA et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2008).
Algumas pesquisas demonstram que estes pacientes podem desenvolver mudanças na função
mastigatória, como o desenvolvimento de mastigação ineficiente e dificuldade da manipulação do bolo
alimentar. Já a deglutição é realizada por movimentos compensatórios com a cabeça (DALECK et al.,
2007; VIEIRA et al., 2010), fato observado neste caso clínico. Porém, até o presente momento não foram
observadas disfunções metabólicas ou nutricionais referentes ao déficit alimentar, estando o animal em
bom estado de higidez e com peso e escore corporal dentro do limite aceitável.
A proteção das vias aéreas inferiores com o emprego do tampão de gaze impede a possibilidade de
deslocamento de coágulos e outras substâncias para o interior dos brônquios, evitando, assim, falência na
patência respiratória (WEISSMAN et al., 2004).
Optou-se pela inserção da sonda esofágica por faringostomia para reduzir a probabilidade de haver
infecção e deiscência da sutura, uma vez que se preveniu o contato da ferida com alimentos e se facilitou a
alimentação no período de adaptação (BRUCHIM et al., 2005; DALECK et al., 2007; OLIVEIRA et al.,
2008). Contudo, alguns autores afirmam que a cavidade oral é uma região notoriamente contaminada, a
saliva é antimicrobiana e o suprimento sanguíneo que a abastece é excelente, o que evita o uso de
alimentação enteral via sonda ou terapia antimicrobiana prolongada (QUESSADA et al., 2007). De fato, o
período de uso de antibióticos neste caso não foi longo (10 dias), no entanto, acredita-se que a utilização de
sonda de alimentação enteral foi de fundamental importância para o sucesso terapêutico para esta paciente.
Em relação à qualidade de vida após perda da porção da língua, os relatos encontrados são bastante
favoráveis, com boa recuperação e adaptação à nova situação (QUESSADA et al., 2007).
É possível concluir que a glossectomia subtotal não implicou em maiores complicações ao paciente
em questão, tendo o procedimento um bom prognóstico, já que permitiu a sobrevida do animal e uma
adaptação gradativa.
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