CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
MODELO PARA A APLICAÇÃO DA METODOLOGIA ZERI
SISTEMA DE APROVEITAMENTO INTEGRAL DA BIOMASSA
DE ÁRVORES DE REFLORESTAMENTO
HANS JÖRG HÜEBLIN
Dissertação apresentada como requisito parcial
para
a
obtenção
Tecnologia,
área
do
de
grau
de
Mestre
concentração:
em
Inovação
Tecnológica. Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia,
Centro
Federal
de
Educação
Tecnológica do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Eloy Fassi Casagrande Jr.
CURITIBA
2001
HANS JÖRG HÜEBLIN
MODELO PARA A APLICAÇÃO DA METODOLOGIA ZERI
SISTEMA DE APROVEITAMENTO INTEGRAL DA BIOMASSA
DE ÁRVORES DE REFLORESTAMENTO
Dissertação apresentada como requisito parcial
para
a
obtenção
Tecnologia,
área
do
de
grau
de
Mestre
concentração:
em
Inovação
Tecnológica. Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia,
Centro
Federal
de
Educação
Tecnológica do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Eloy Fassi Casagrande Jr.
CURITIBA
2001
“A maturidade do ser humano é saber realizar seus sonhos”
frase escrita num mural em “Las Gaviotas”
À
minha
companheira
Silvana
na
busca
do
desenvolvimento pessoal e nas crises de um
mestrado, e a todos que estão lutando por um mundo
mais feliz.
ii
AGRADECIMENTOS
A Paulo Afonso Schmidt por possibilitar o primeiro contato com o ZERI e com Gunter Pauli;
A Gunter Pauli pela forma amigável de me atender;
Ao professor Dr. Eloy Fassi Casagrande Jr. pelo incentivo de entrar no PPGTE; e pela orientação;
Ao professor Dr. João Augusto de Souza Leão de Almeida Bastos pela forma generosa e humana de
tratar os alunos e por despertar o inter-esse pela filosofia;
À CAPES, pela concessão de recursos financeiros para realização do Curso;
Ao Engenheiro Florestal Erich Schaitza da EMBRAPA Florestas pela disposição e ajuda em todas as
situações;
Às pesquisadoras da EMBRAPA Florestas Angela Amazonas e Patrícia Povoa de Mattos pelo apoio
nas pesquisas sobre cultivo de cogumelos e madeiras;
Ao Engenheiro Florestal Roberto Ferron da COTREL pela disposição e informações sobre
reflorestamento;
Ao professor Azarias Andrade da UFRRJ pelo material referente à retorta de carbonização;
A Lúcio Brusch Presidente da Fundação ZERI Brasil e o professor Dr. José Cerri do CEFET Curitiba
pelas valiosas sugestões durante a qualificação;
Um agradecimento especial à professora Dra. Patricia Peralta pelo interesse e tempo dedicado a este
trabalho;
A Aloísio Schmid pela leitura e apreciação e pelas valiosas sugestões;
Aos amigos que me deram muito apoio nesse desafio de escrever uma dissertação.
iii
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO
1
1.1 Visão Geral
3
CAPÍTULO 2: DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
6
2.1 Percepção da Natureza pelo Ser Humano
7
2.2 Interação do Ser Humano com a Natureza
8
2.3 Problemas Ambientais
2.3.1 Breve Histórico
2.3.2 Desmatamento
2.3.3 Resíduos e Desperdício
9
9
10
18
2.4 Movimento Ambientalista no Brasil
21
2.5 Política e Leis Florestais Brasileiras
22
2.6 Economia, Política e Meio Ambiente
23
2.7 Conclusão
25
CAPÍTULO 3: UMA NOVA ABORDAGEM DO DESENVOLVIMENTO
28
3.1 A Abordagem Sistêmica da Relação Ser Humano, Natureza e Desenvolvimento
3.1.1 Sistemas e complexidade
28
29
3.2 Transições rumo à Ecologia
3.2.2 Desenvolvimento Sustentável
3.2.3 Agenda 21
3.2.4 Ecologia Profunda
3.2.5 O paradigma ecológico
3.2.6 Descartar Descartes
3.2.7 Novas Idéias
32
35
38
41
42
44
45
3.3 Desenvolvimento e Tecnologia
48
3.4 Conclusão
51
CAPITULO 4: A EMISSÃO ZERO, UMA ESTRATÉGIA PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
53
4.1 O Conceito ZERI
4.1.1 A Metodologia
4.1.2 A Experiência Internacional
53
55
58
4.2 A Metodologia ZERI aplicada ao contexto brasileiro
63
4.3 Conclusão
65
iv
CAPÍTULO 5: PROPOSTA PARA A APLICAÇÃO DA METODOLOGIA ZERI
67
5.1 Objetivo
68
5.2 Contexto
5.2.1 Pequena Propriedade Rural
5.2.2 Plano COTREL de Reflorestamento
5.2.3 Projeto da EMBRAPA junto à COTREL
68
68
69
71
5.3 SISTEMA DE APROVEITAMENTO INTEGRAL DA BIOMASSA DE ÁRVORES DE
REFLORESTAMENTO (SAIBA)
5.3.1 Modelo Conceitual do Sistema
5.3.2 Diagrama de Fluxo
72
72
75
CAPITULO 6: PROCESSOS, TECNOLOGIAS E VIABILIDADE ECONÔMICA 77
6.1 Processos e Produtos
77
6.2 Matriz de Agregação de Valor (MAVA)
100
CAPITULO 7: CONSIDERAÇÕES FINAIS
109
ANEXO A
121
Aproveitamento integral da madeira de florestas plantadas para usos múltiplos.
ANEXO B
121
124
A Experiência do uso da Serra-Móvel
124
ANEXO C
127
Produção e comercialização de madeira de plantios florestais na Região do Alto Uruguai
v
127
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
COTREL
1
EMBRAPA
EMBRAPA-Florestas
FBB
FZB
MAVA
ONG
PCR
SAIBA
SEMA
ZERI
Cooperativa Tritícola Erechim Ltda.
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Centro Nacional de Pesquisa de Florestas
Fundação Banco do Brasil
Fundação ZERI Brasil
Matriz de Agregação de Valor
Organização não Governamental
Plano COTREL de Reflorestamento
Sistema de Aproveitamento Integral da Biomassa de Árvores de
Reflorestamento
Secretaria Especial do Meio Ambiente (orgão federal)
Zero Emissions Research and Initiative
1
No texto foi usado a terminologia EMBRAPA quando se trata da EMBRAPA-Florestas
vi
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo principal, mostrar, através de um modelo para sua
aplicação, que a proposta da Iniciativa de Emissão Zero (Zero Emission Research and Initiative,
ZERI) é uma estratégia viável para o desenvolvimento sustentável. A iniciativa ZERI busca a
produtividade total da matéria-prima através da eliminação de resíduos e da agregação de valor aos
mesmos.
A pesquisa usa como contexto sócio-econômico um projeto da EMBRAPA (Centro Nacional
de Pesquisa Florestal) em parceria com a Cooperativa COTREL de Erechim – RS. Esse projeto visa o
aproveitamento integral da madeira de florestas plantadas em função do plano de reflorestamento da
COTREL e da busca de um desenvolvimento econômico para as pequenas propriedades rurais da
região de Erechim.
A consideração de aspectos sociais, ecológicos, econômicos, tecnológicos e culturais bem
como de valores que direcionam as atividades humanas e das suas conseqüências sobre o ambiente,
levaram a uma abordagem sistêmica no desenvolvimento do modelo. Na Metodologia ZERI foi
encontrado uma ferramenta que utiliza essa abordagem e visa a produtividade total da matéria prima,
o que leva à geração de renda, postos de trabalho e à eliminação de resíduos.
Foi elaborado o Sistema de Aproveitamento Integral da Biomassa de Árvores de
Reflorestamento (SAIBA) usando a Metodologia ZERI e o contexto do projeto da EMBRAPA para
mostrar as possibilidades de processos de agregação de valor, tecnologias apropriadas e ferramentas
para os cálculos da viabilidade econômica (Matriz de Agregação de Valor, MAVA). O sistema foi
desenvolvido e avaliado no contexto da pequena propriedade rural e de árvores de reflorestamento,
mas ele pode ser adaptado a qualquer outro projeto que visa a produtividade total da matéria-prima.
O estudo conclui que a Metodologia ZERI não é apenas uma opção viável para o
desenvolvimento sustentável, mas que ela traz novas possibilidades de negócios através da
agregação de valor aos resíduos florestais, que o sistema SAIBA representa uma abordagem ampla
dos processos de transformação e dos seus impactos nas diferentes áreas e que a matriz MAVA
fornece uma ferramenta eficaz e criativa na busca da produtividade total da matéria-prima.
vii
ABSTRACT
The principal objective of this study was to show, by the way of a model, that the proposal of
the Zero Emission Research and Initiative, ZERI is a feasible strategy for sustainable development.
The ZERI initiative searches the total productivity of raw materials by elimination of residues and their
value addition.
The study used the social-economic context of a project of EMBRAPA (National Center for
Forest Research) in partnership with the COTREL cooperative. The project aimes for the whole use of
wood of planted forests based on a reforestation plan of the cooperative and the search for economic
development of small farms in the Erechim region.
The consideration of social, ecological, technological and cultural aspects together with the
values that drive the human activities and their consequences on the environment led to a systemic
approach to develop the model. The ZERI methodology was found to be an efficient tool that uses this
approach and claims the total productivity of raw material generating income and jobs by eliminating
waste.
A system for the integral use of biomass from planted trees (SAIBA) was developed by using
the ZERI methodology and the context of the EMBRAPA project. The objective was to show the
possibilities of value addition, appropriated technology and tools to calculate the economical feasibility
(MAVA) of the model. The system was initially conceived and availed in the context of small farms and
planted trees, but can be adapted to any other project that aims for the total productivity of rawmaterials.
The study concludes that the ZERI methodology is not only a feasible option for sustainable
development, but brings new business possibilities by adding value to forest residues. Also, the SAIBA
system represents a new approach for transformation processes with a positive impact on
environment, economy and society. In addition, the MAVA matrix offers an effective and creative tool
on the search for total material productivity.
viii
Capítulo 1: Introdução
Entre
os
diversos
problemas
ambientais
que
o
Brasil
enfrenta
atualmente,
o
desmatamento indiscriminado continua sendo um dos mais graves. Segundo o Ministério do Meio
2
2
Ambiente foram derrubados 17.000 km da Floresta Amazônica entre 1998 e 1999 , o que significa
uma perda de 0,5% da sua área neste período. Mesmo com uma conscientização maior, com uma
legislação mais rígida e melhores meios de fiscalização, o quadro que mostrava uma diminuição
2
do desmatamento na Amazônia nos últimos anos inverteu-se, atingindo 20.000 km entre 1999 e
3
2000 .
O desmatamento indiscriminado não é um fato novo, pois desde a época da colonização
a exploração direta da natureza tem sido uma das mais importantes atividades econômicas do
país. Os ciclos econômicos como do pau-brasil, do café, da madeira e da soja basearam-se no
uso predatório da riqueza natural, ocasionando a sua degradação e o fim dos ciclos (Pádua,
2000).
Enquanto uma exploração irracional é compreensível no início da colonização quando os
portugueses encontraram uma floresta exuberante que dava uma sensação de inesgotabilidade,
hoje depois que 93% da Mata Atlântica e 95% da Floresta de Araucária foram destruídas, que os
biomas Cerrado e Amazonas estão sob séria ameaça de degradação e que a biodiversidade e os
serviços ecológicos, como a regeneração do ar e da água, estão diminuindo drasticamente, tornase urgente revaliar os velhos modelos de desenvolvimento, que apostaram num crescimento
quantitativo sem considerar a função vital dos ecossistemas.
O desmatamento em nome do desenvolvimento causou, além da destruição da riqueza
natural, graves problemas sociais devido à exploração do ser humano que aconteceu
paralelamente à exploração da natureza (Corrêa, 1999). A situação social se agravou também
pela decadência das regiões em qual houve um declínio dos ciclos econômicos e a falta de
possibilidades de subsistência gerada pela degradação ecológica. Hoje, o Brasil enfrenta um
agravamento da sua situação social como o aumento da desigualdade na distribuição de renda e
da exclusão de grande parte da população dos benefícios do modelo capitalista vigente.
Atualmente, o desenvolvimento vem sendo discutido mundialmente devido ao fato de
muitos países, especialmente no hemisfério sul, estarem sofrendo com as conseqüências dos
4
modelos de desenvolvimento vigentes. A Agenda 21 que surgiu dessa discussão propõe uma
mudança do padrão de desenvolvimento para o novo século. Nesse novo modelo deve
predominar o equilíbrio ambiental e a justiça social. A elaboração da Agenda 21 para o Brasil
enfatiza o desenvolvimento sustentável como meta chave para a redução das desigualdades
sociais (Bezzera, 2000). Sendo assim, a Agenda 21 estabelece uma relação entre o meio
ambiente e as questões sociais.
2
3
4
Ministério do Meio Ambiente, informma, 11.04.2000
Ministério do Meio Ambiente, informma, 15.05.2001
ver sub-capítulo 3.2.3
1
Sob o ponto de vista filosófico, os problemas atuais são problemas de percepção (Capra
1999) e através da mudança dessa percepção abrem-se novas possibilidades de encontrar
soluções diferenciadas das vigentes, que buscam na grande maioria das vezes combater somente
os sintomas.
Analisando a situação referente aos fatos acima descritos e procurando saídas que
abordam esses assuntos de forma integrada entra-se num mundo de novos conceitos, novos
valores e de uma nova ligação com o universo.
Em 1996 o autor do presente trabalho conheceu a Iniciativa de Pesquisa em Emissão
5
Zero (ZERI ) e seu fundador Gunter Pauli. Essa iniciativa despertou o interesse do autor por
6
possuir uma abordagem sistêmica, pelo enfoque na produtividade da matéria-prima , pelos
projetos em quais a metodologia foi implantada e por representar uma proposta dentro do
paradigma ecológico (ver sub-capítulo 3.2.5). A Metodologia ZERI abre caminho na busca de
soluções sistêmicas para muitos problemas atuais, oferecendo possibilidades para a implantação
ou adaptação de processos produtivos no sentido de eliminar resíduos, de gerar mais renda e
trabalho e de produzir mais com a mesma quantidade de matéria-prima.
Entendeu-se pela análise da atual situação do desenvolvimento, que carece uma visão
sistêmica para analisar os problemas e entender suas interligações. Há também uma falta de
modelos para aplicar as novas propostas de desenvolvimento, que integram tecnologias que vão
de encontro às necessidades da população carente e da preservação ambiental.
Isso levou o autor a desenvolver uma pesquisa que abordasse o desenvolvimento, seus
impactos ecológicos, econômicos e sociais de forma integrada e propor um modelo para a
aplicação da Metodologia ZERI e acompanhar e analisar sua implantação. Esse modelo serviria
não apenas para o contexto proposto para a implantação, mas poderia ser transferido para
qualquer outro projeto através da adaptação dos seus parâmetros.
Através de contatos com a EMBRAPA-Florestas surgiu para o autor a oportunidade de
conhecer um projeto intitulado “Aproveitamento Integral da Madeira de Florestas Plantadas para
usos Múltiplos“. Esse projeto visa o uso racional da biomassa de árvores para eliminar resíduos
através do desenvolvimento de novas tecnologias para a transformação dos resíduos e a
elaboração de novos produtos a partir dos mesmos. Em parceria da EMBRAPA com a cooperativa
COTREL de Erechim no Rio Grande do Sul que trabalha com silvicultura, este projeto começou a
ser implantado em 1998.
A proposta de pesquisa foi então baseada no projeto da EMBRAPA e da parceria com a
COTREL, mas devido à dificuldade na implantação desse projeto, que não permitiu a pesquisa de
campo, o enfoque da dissertação foi redirecionado.
Assim foi proposto, como objetivo geral, a elaboração de um modelo para a aplicação da
metodologia ZERI através de uma abordagem sistêmica, visando o desenvolvimento sustentável
regional. O projeto da EMBRAPA-COTREL serviu então como referência na elaboração do modelo
e foi usado para definir o contexto sócio-econômico e a matéria-prima usada. O modelo combina
5
ZERI é a abreviação de Zero Emission Research and Initiative , um conceito de produtividade
total da matéria. O capítulo 4 aborda esse conceito.
2
as diversas agendas, como a sustentabilidade ambiental através do incentivo ao uso de madeira
de reflorestamento e da eliminação de resíduos, a redução da desigualdade social através da
geração de trabalho e renda para uma população sem perspectivas econômicas (pequenos
proprietários rurais). Visa-se também o aumento da produtividade da matéria-prima através da
agregação de valor aos resíduos e da elaboração de novos produtos.
Os objetivos específicos para direcionar os estudos foram definidos como sendo:
1.
Elaborar um sistema de processos de transformação para a biomassa de árvores de
reflorestamento;
2.
Elaborar ferramentas de cálculo do fluxo material e financeiro do sistema;
3.
Buscar e avaliar tecnologias apropriadas para os processos de transformação propostos.
O contexto da pesquisa é a pequena propriedade rural na região de Erechim, uma região
que até o início do século XX era coberta em 70% da sua área com Floresta de Araucárias.
Através da colonização e do ciclo de madeira ela sofreu um impacto ecológico muito forte que
diminuiu sua cobertura florestal para 5% e hoje sofre com escassez de madeira e falta de
perspectivas econômicas (Rampazzo, 1998). Para a elaboração do Sistema de Aproveitamento
Integral da Biomassa de Árvores de Reflorestamento (SAIBA) foi escolhido a espécie eucaliptos,
em função do plano de reflorestamento implantado pela COTREL, no qual se usa principalmente
esta matéria-prima, e por ser a espécie mais importante, junto com o pinus, para o reflorestamento
no Brasil. Essa escolha facilita a transferência do SAIBA para outros projetos de reflorestamento
que usam esta espécie.
O modelo pode ser aplicado, com as devidas adaptações, em qualquer projeto que visea
produtividade total da matéria-prima e espera-se que o presente trabalho possa contribuir para a
implantação
de
projetos
de
desenvolvimento
sustentável
que
tenham
seu
enfoque
na
produtividade da matéria-prima.
1.1 Visão Geral
Para o melhor entendimento da estrutura do presente trabalho e do conteúdo de cada
capítulo, apresenta-se aqui um breve resumo dos sete capítulos.
A elaboração e análise dos conceitos usados para melhor explicar a relevância e
proposta do presente trabalho, bem como a análise das suas interligações, divide-se em três
capítulos, que são os capítulos 2, 3 e 4. Para o melhor entendimento da relação entre eles
apresenta-se a Figura 1.1.
O objetivo do Capítulo 2 é a contextualização do conceito da percepção, do
desenvolvimento e do seu impacto sobre o meio ambiente. Nos primeiros dois sub-capítulos
levantam-se as questões de como o ser humano percebe a natureza, como ele interfere na
natureza e como ele se apropria dela. Essas questões influenciam diretamente a nossa atual
atitude diante da natureza e por isso são de fundamental importância na análise da situação
6
Dentro dessa visão, a produtividade econômico é resultado, não objetivo
3
ambiental e na busca de soluções. A análise dos problemas ambientais demonstra a estreita
relação entre eles e a nossa visão do mundo, assim como a interdependência ecológica, cultural,
social e econômica dos mesmos. O desmatamento é um tema prioritário na discussão dos
problemas ambientais e que tem uma relação direta com o presente trabalho, e em função disso
foi tratado aprofundadamente. A análise do conceito do resíduo e seu valor na sociedade mostra
como uma nova percepção do resíduo pode abrir possibilidades para transformar um problema em
uma oportunidade.
Para demonstrar a interdependência entre sociedade e meio ambiente foram analisados
vários aspectos. Por exemplo: a função do movimento ambientalista como sensor para
desequilíbrios ambientais e seu trabalho na conscientização da sociedade; a expressão política da
percepção da natureza que se manifesta em leis ambientais e na política ambiental; assim como a
interligação entre o poder econômico e político e as suas conseqüências sobre o meio ambiente.
O capítulo 3 resume conceitos relativos ao desenvolvimento, que são: os conceitos
sistemas e complexidade, que oferecem uma base científica para o novo paradigma, o conceito da
consciência ecológica, que aborda uma nova percepção do mundo, e o conceito de
desenvolvimento sustentável que procura soluções que não trazem prejuízo para o futuro. O
conceito da Agenda 21 que traz diretrizes para a comunidade global, o conceito da ecologia
profunda que se apresenta como filosofia do novo paradigma e finalmente o conceito do
paradigma ecológico que aborda todos os conceitos anteriores também foram tratados. Em
seguida aborda-se a atual crise global, a mudança do paradigma que está se manifestando e as
novas tendências que estão se solidificando. O conceito das tecnologias apropriadas e a
apresentação de parâmetros que tornam uma tecnologia apropriada são importantes para sua
introdução na prática.
O capítulo 4 apresenta o conceito da Emissão Zero e das suas oportunidades para o
desenvolvimento sustentável. Explica-se como, ao mesmo tempo, pode-se eliminar resíduos e
gerar renda e postos de trabalho sem grandes investimentos. Também apresenta-se a
Metodologia ZERI e exemplos bem sucedidos. A descrição do desenvolvimento do ZERI no Brasil
e dos projetos em andamento ilustram as oportunidades da metodologia no país. A discussão
compara ZERI com outras metodologias de produtividade e destaca o pensamento sistêmico
como pré-requisito para o sucesso da mesma.
O capítulo 5 apresenta a proposta para a aplicação da Metodologia ZERI, descreve-se a
metodologia da pesquisa, os objetivos e o contexto. Em seguida apresenta-se o Sistema de
Aproveitamento Integral da Biomassa de Árvores de Reflorestamento (SAIBA) com seu modelo
conceitual e o diagrama de fluxo, que resume as etapas da transformação da matéria-prima.
No capítulo 6 analisa-se os processos e produtos segundo a Metodologia ZERI e as
tecnologias que fazem parte do sistema SAIBA. A Matriz de Agregação de Valor (MAVA) serve
como ferramenta para calcular a viabilidade econômica do sistema. A análise das matrizes mostra
as possibilidades desta ferramenta em comparar a agregação de valor dos diferentes processos e
de estudar a influência dos parâmetros econômicos sobre a viabilidade do sistema proposto.
4
Por fim, no capítulo 7 apresentam-se as considerações finais elaboradas a partir da
comparação dos resultados da pesquisa com os objetivos propostos e recomendações para
futuras pesquisas.
Figura 1.1: Modelo descritivo dos Temas e Interligações abordados nesta
Dissertação
5
Capítulo 2: Desenvolvimento e Meio Ambiente
O conceito de que Desenvolvimento e Meio Ambiente equilibrado não podem ser
conciliados tem uma coerência sob ponto de vista cartesiano. Nele, a economia precisa de um
constante crescimento e uma fonte de matéria-prima, a qual é fornecida pela natureza. Além
disso, seus resíduos estão sendo despejados na natureza. Ambas as atitudes degradam o meio
ambiente.
Através da análise deste ponto de vista e dos seus valores pode-se compreender melhor
a atual situação e encontrar saídas do impacto predatório que o modelo vigente de
desenvolvimento está causando ao meio ambiente.
Aborda-se aqui as situações geradas por uma visão do mundo sempre mais
fragmentada, um mundo mecanicista, com valores “econômicos” exclusivamente materialistas e
uma sociedade científica que só acredita no que o raciocínio (condicionado pelo paradigma
7
vigente) é capaz de provar. Essa forma de ver o mundo, o paradigma cartesiano , propiciou um
avanço científico e tecnológico grandioso e mudou profundamente a sociedade ocidental. Pela sua
força racional e convincente e seu poder econômico, teve uma forte influência sobre o resto do
mundo.
Porém, esse desenvolvimento não teve só um lado positivo e nas últimas décadas
surgiram muitas crises decorrentes do paradigma cartesiano. Citem-se a degradação ambiental,
8
catástrofes “naturais” , o efeito estufa, a fome, a crescente desigualdade, a exclusão, guerras,
crises econômicas.
Todas essas crises levaram nas últimas três décadas a uma crescente preocupação com
o meio ambiente, com a realidade social e com os mecanismos da economia. É através dessa
preocupação, da análise da atual situação e da busca de soluções para as crises, que se constrói
um novo paradigma. Essa nova visão vê o mundo como um todo, integrado, interligado, como uma
rede de atores, onde a ênfase está na cooperação, na capacidade de se comunicar e de pensar
em sistemas. Este trabalho pretende contribuir para a construção desse novo paradigma,
propondo uma solução prática para o desenvolvimento sustentável dentro de um determinado
contexto brasileiro.
Para melhor entender a atual visão do mundo, as mudanças que estão acontecendo e o
novo paradigma que está surgindo, apresenta-se a seguir a análise e elaboração dos conceitos
envolvidos.
7
Paradigma cartesiano ou newtoniano refere-se aos cientistas Descartes e Newton que
contribuíram fortemente para a construção do mesmo. Ver a definição de paradigma no capítulo
3.2.5
8
O termo “naturais” está entre aspas porque sabe-se hoje que as mudanças climáticas devem-se
principalmente ao efeito estufa causado pela poluição atmosférica e o desmatamento.
6
2.1 Percepção da Natureza pelo Ser Humano
A interação do ser humano com a natureza manteve-se durante milênios estável e o ser
humano estava de certa forma integrado a ela. Até aproximadamente 1500 a visão do mundo era
orgânica, as pessoas viviam em pequenas sociedades e sentiam a natureza numa relação
orgânica. A ciência medieval se apoiava na razão e na fé religiosa, e tinha como objetivo entender
a importância e função dos fenômenos (Capra, 1999). Ela não tinha a pretensão de prever e
dominar. Isso mudou radicalmente no século XVI e XVII através do desenvolvimento da física e da
astronomia que levaram à substituição da visão geocêntrica pela visão heliocêntrica e da
descrição matemática da natureza. A imagem do mundo orgânico, vivo e espiritual foi substituída
por uma imagem do mundo como máquina. Os pensamentos e valores do ser humano mudaram
de integração para a dominação. Um dos grandes pensadores desses novos valores, Descartes,
9
declarou: “a ciência deve tornar-nos senhores da natureza” . Dessa forma a ciência moderna
nasceu vinculada à idéia de intervir na natureza, de conhecê-la para apropriar-se dela, para
controlá-la e dominá-la, como observa Chaui (1999). A ciência se transformou numa ferramenta
para dominar a natureza e a tecnologia foi usada como instrumento para realizar essa dominação.
A Ciência e a Tecnologia como Instrumento
O desenvolvimento científico - tecnológico, junto com a emergente industrialização e os
descobrimentos de novas terras e sua colonização trouxe vantagens para os países que primeiro
se industrializaram, que ganharam uma posição de poder o que facilitou ainda mais a colonização
e exploração de outros países, o que por sua vez elevou ainda mais o bem estar econômico dos
primeiros.
A colonização e a exploração dos países menos industrializados sempre foram
acompanhadas pela extração do capital natural desses países. O domínio das tecnologias e da
informação aumenta também o poder de quem dispõe delas, um fato que ajudou freqüentemente
a criar divisões ainda maiores entre ricos e pobres ou entre exploradores e explorados.
Paradoxalmente a tecnologia e a informação têm sido defendidos como vitais para elevar o bemestar dos pobres e trazer mais justiça social.
A ciência e a tecnologia por si só são conceitos neutros, instrumentos com os quais o ser
humano pode tanto contribuir em melhorar a qualidade de vida e tornar a sociedade mais justa,
como também pode usá-los como instrumento de exploração, levando à injustiça social e
exclusão. Os mecanismos de exploração e exclusão não funcionam somente entre países, como
também dentro dos países. A maneira como uma sociedade se desenvolve depende dos valores
que nela predominam. É da responsabilidade dos governantes desenvolver mecanismos para
amenizar a exploração do ser humano e da natureza em favor de um desenvolvimento para todos
e nessa tarefa a ciência e a tecnologia podem ser valiosos aliados.
9
Citado em Chaui, 1999, p.255
7
2.2 Interação do Ser Humano com a Natureza
Desde que o ser humano existe, há a interação dele com o meio ambiente. O ser
humano interage com o meio ambiente em primeiro lugar porque ele faz parte do mesmo e, em
segundo, para suprir as suas necessidades. Durante milênios o ser humano viveu como nômade e
atuou como extrativista, coletando o que ele necessitava sem nenhuma preocupação em substituir
o que dela tirava, pois a sua interferência se manteve dentro da capacidade regenerativa da
natureza.
Quando o ser humano se fixou e começou a agricultura, a vida mudou. O plantio
precisava de um outro tipo de organização e a produção de alimentos em quantidades grandes
exigia também novas tecnologias tanto no plantio, na colheita, como também na conservação e na
transformação dos alimentos. Em conseqüência da fixação num local, da necessidade de terra
para o plantio e da construção de casas a interferência do ser humano na natureza ficou maior.
Junto com a evolução do ser humano se desenvolveram também tecnologias e o uso de
ferramentas para aproveitar melhor as riquezas que a natureza oferecia a ele. Nesse
desenvolvimento, a madeira sempre ocupou um papel crucial, desde as primeiras ferramentas
para transformar materiais, do fogo que permitiu cozinhar, a construção de casas que ofereciam
um abrigo, as rodas que permitiam um transporte mais eficiente, o carvão vegetal que permitiu
produzir e transformar metal, ou mesmo a fabricação de artefatos. Na Idade Média, a madeira
ocupou outra vez funções chaves na transformação da sociedade. Citam-se o papel que
possibilitou o maior registro de informação, os tipos de Gutenberg que facilitavam a impressão de
livros e as embarcações do século XVI que permitiram as grandes descobertas geográficas. Todas
essas grandes transformações, que foram possíveis através do uso de madeira, tiveram um forte
impacto sobre os recursos florestais no mundo inteiro.
8
2.3 Problemas Ambientais
"Temos de nos decidir a viver. Por isso a ecologia não é apenas um
tema da moda. É um tema de profunda revitalidade, um eixo ao redor
do qual se articulam todas as questões. Dessa vez não haverá uma
arca de Noé que salve alguns e deixe perder os outros. Ou nos
salvamos todos, ou nos perdemos todos. "
( Leonardo Boff )
Os problemas ambientais indicam que a interferência do ser humano no ecossistema
levou a um desequilíbrio que ultrapassa a sua força de recuperação. Através do estudo dos
problemas ambientais temos a possibilidade de aprender sobre ecossistemas, suas interligações,
conhecer seus limites e aprender quais são as estratégias para sua recuperação. Com freqüência,
os problemas ambientais não são tratados como problemas sistêmicos, o que leva a soluções que
resolvem um problema e causam outros. O desconhecimento e desrespeito aos mecanismos de
interação ecológica dos componentes dos sistemas naturais têm se manifestado historicamente
através do uso excessivo de recursos naturais.
Os sub-capítulos a seguir têm como objetivo esclarecer a magnitude da atual crise
ecológica e ilustrar porque propostas como a deste trabalho são necessárias e pertinentes.
2.3.1 Breve Histórico
O uso excessivo da madeira causou os primeiros impactos ambientais de que se tem
conhecimento. Aproximadamente 400 a.C., grandes extensões da Grécia viraram deserto devido
ao desmatamento causado pela indústria de cerâmica e pela pastagem intensiva. Nesse período
começa a poluição industrial através da contaminação do solo pelas minas de chumbo e prata. A
partir do século XIII grandes áreas florestais na Itália, França, Inglaterra e Irlanda desapareceram
devido à necessidade de madeira para a construção e lenha, especialmente para a indústria
siderúrgica. As grandes nações de navegadores acabaram com as próprias florestas para
construir as suas embarcações e deixaram regiões desertas. Na Inglaterra grandes florestas
nativas de carvalho foram destruídas para construir a marinha de guerra e a marinha comercial
que foram essenciais para a construção do império britânico.
Até a primeira metade do século XIX os problemas ambientais estavam ligados ao
desmatamento em função de obter terra ou madeira para a construção e com fins energéticos. Um
exemplo brasileiro do século XVIII são os desastres ambientais na Capitania de Goiás, devido à
exploração do ouro (Bertran, 1991). Morros e encostas foram desmatadas para se chegar às
jazidas de ouro, o que causou assoreamento dos rios e inundações. Há indicações de que nessa
mesma época já foi usado mercúrio na apuração do ouro, o que deixou altas concentrações deste
metal em sedimentos. Bertran (1991) suspeita que isso pode ser a razão da inquietante incidência
9
de debilidade mental e má formação congênita nos locais da antiga mineração.
Com o início da industrialização na primeira metade do século XIX os problemas
ambientais ganharam uma outra dimensão. A mineração do carvão e a sua queima poluíam as
cidades industriais da Inglaterra com seus sedimentos e causavam problemas respiratórios à
população. Com o aumento da produção de produtos químicos, com a exploração e o uso do
petróleo em grande escala, com o transporte de produtos perigosos sobre grandes distâncias e
finalmente com a utilização da energia nuclear, os riscos e o número de acidentes aumentaram
significativamente no século XX. Nos anos 50 aconteceram as primeiras contaminações
radioativas, e começou a produção de resíduos radioativos que significam uma ameaça constante
à vida no planeta por milhares de anos. A presença de plutônio em embarcações com reatores
nucleares que foram afundadas no mar Báltico após a decomposição da União Soviética é um
exemplo grave dessa ameaça. Não se conhece ainda o tamanho da contaminação radioativa e
tóxica que a liberação do plutônio pode causar e seu efeito sobre o ecossistema de uma grande
região.
Somente nas últimas três décadas, uma dúzia de acidentes graves com petroleiros e
plataformas marítimas causaram uma séria contaminação dos mares e das costas no mundo
inteiro. Em cada um desses acidentes foram derramadas entre oitenta e duzentos mil toneladas de
petróleo. Nesse mesmo período aconteceram vários acidentes químicos, entre os quais Seveso
(Itália) e Bhopal (Índia). Esse último causou a morte de mais de três mil pessoas e deixou milhares
intoxicadas. O acidente nuclear mais grave foi Chernobyl na União Soviética, que matou dezenas
de pessoas, deixou milhares contaminadas e espalhou uma nuvem radioativa sobre a Europa
10
central .
Os acidentes e desastres ambientais estão de uma forma ou outra ligados à falta de
consciência e responsabilidade por parte dos usuários de tecnologias. O aparente domínio da
tecnologia é insuficiente para evitar graves danos ao meio ambiente e conseqüentemente à
espécie humana.
O impacto do ser humano sobre o meio natural tem sido particularmente intenso no
relativo aos recursos florestais e no Brasil encontram-se exemplos acentuados desse impacto.
2.3.2 Desmatamento
A discussão sobre desmatamento tem por objetivo relatar a magnitude da destruição
florestal no Brasil e assim alertar para a importância ecológica e econômica da proposta dessa
dissertação.
A Exploração da Madeira no Brasil
Um breve histórico da exploração da madeira ilustra o impacto que atividades
econômicas exercem direta e indiretamente sobre o meio ambiente.
Desde o descobrimento, a madeira teve um papel muito importante no Brasil, tão
importante que o país recém-descoberto recebeu o nome de uma árvore, o pau-brasil (Caesalpinia
Echinata). O pau-brasil foi o primeiro produto de exportação, antes do açúcar e do ouro, por ter
10
sido esta madeira apreciada na Europa principalmente para tingir tecidos. A extração da madeira,
e principalmente a ocupação humana através das diversas atividades econômicas (ciclo do paubrasil, da cana, do café, da madeira para exportação e da soja), levaram a uma imensa destruição
das florestas naturais.
A Floresta Atlântica que se extendia desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do
Norte possuía uma área superior a 1,3 milhão de quilômetros quadrados em 1500, foi, já nos
primeiros séculos da colonização, destruída em grande escala. Com o início das plantações de
café no século XIX, muitas áreas, até então cobertas por floresta nativa, foram desmatadas para
ceder lugar ao café. Hoje restam menos de 8% da extensão original desse ecossistema brasileiro
que é considerado um dos mais ricos do mundo e foi declarado Reservas da Biosfera pela
UNESCO em 1991. Infelizmente a devastação da Floresta Atlântica ainda não parou. Entre 1990 e
1995 foram destruídos mais de 500 mil hectares do restante da Mata Atlântica. Só no estado do
Rio de Janeiro, 13%
11
da floresta nativa foi desmatada, o que significa hoje uma séria ameaça de
extinção desse ecossistema.
Um exemplo mais recente é a destruição da Floresta de Araucária (Floresta Ombrófila
Mista) no estado do Paraná entre os anos 1920 e 1960, tema abordado no próximo capítulo.
O desmatamento aconteceu e está acontecendo paralelamente à expansão da fronteira
agrícola, complementando os interesses das madereiras e da agropecuária. Muitas vezes a
floresta não está sendo explorada antes da queima para abrir espaço para novas plantações e
pastagens, devido ao elevado custo do transporte da madeira, indicando um maior interesse em
terra para agropecuária do que na exploração da madeira. A expansão da fronteira agrícola
somente é viável economicamente quando o recurso terra é abundante e o agropecuarista não
paga pela depredação do capital natural. Das 14% da Floresta Amazônica que já foram
desmatadas 30% foram abandonadas por perda de fertilidade do solo, levando a novos
12
desmatamentos . Aumentando, por outro lado, a produtividade das terras cultivadas a um padrão
europeu de plantio e colheita, a produção agrícola pode incrementar em cinco vezes
13
sem
necessidade de novas invasões em ecossistemas intactas.
A atual destruição da Floresta Amazônica continua alarmante, desobedecendo as leis
14
ambientais mais rígidas. Sete anos depois da Rio-92 , o Brasil desponta como o país que mais
desmata anualmente: algo ao redor de 15 mil quilômetros quadrados. Mesmo com todo
conhecimento sobre a gravidade do impacto ecológico desta atividade e o gigantesco erro
econômico incorrido ao se dilapidar o capital natural, a depredação continua.
Breve Histórico da Exploração da Floresta de Araucária no Estado do Paraná
10
Fontes: páginas da Internet www.ambientglobal.com e www.umweltbundesamt.de
Fonte: Atlas da Evolução dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados no
Domínio da Mata Atlântica o Período 1990-1995 – SOS Mata Atlântica/Inpe/ISA
12
Pádua, 2000
13
Veja 24/12/1997 p.18
14
ver capítulo 3.2
11
11
Uma compilação histórica do desmatamento da Floresta de Araucária no Paraná foi feita
por Corrêa (1999). Esse exemplo que é também referência para a região de Erechim (local da
pesquisa de campo do presente trabalho) ilustra bem como a exploração interfere no meio
ambiente e no contexto sócio-econômico regional.
Na época da descoberta do Brasil pelos europeus, a Floresta de Araucária ocupava em
torno de 200 mil quilômetros quadrados ou um terço da região sul do Brasil (Corrêa, 1999),
principalmente nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Esta floresta é um
ecossistema com uma grande diversidade de espécies. A flora conta com cerca de 350 espécies
catalogadas. Além da araucária existem árvores como imbuia, canela, pinheiro-bravo e erva-mate.
A fauna que habita essas florestas conta com 250 espécies de pássaros, além de macacos,
roedores e insetos. Os índios Kaingang, habitantes tradicionais desta floresta viviam em harmonia
com o ambiente natural e conheciam as relações dentro desse ecossistema. Eles chamam a
araucária e a erva-mate de plantas irmãs pela associação que existe entre as duas espécies. Na
visão dos Kaingang, a floresta pertence a todos por guardar a história do seu povo e abrigar os
espíritos. Portanto, para eles, além de representar abrigo e fonte de recursos, a floresta é um lugar
sagrado.
Com a chegada dos colonizadores brancos, esta relação mudou. Ainda no século XVIII
foram instaladas as primeiras fazendas ao longo do Real Caminho da Viamão que ligava São
Paulo ao Rio Grande do Sul. Na segunda metade do século XIX, começou a ocupação do interior
em maior escala pelos imigrantes europeus. A formação de núcleos urbanos significava a
ocupação de terras indígenas, e a sua expulsão foi muito violenta. A floresta começou a ser
derrubada para abrir roças e para suprir as necessidade dos colonos de madeira para as casas,
móveis, veículos e lenha. No entanto, como os colonos viviam quase sempre de subsistência, o
desmatamento ainda era limitado.
Uma nova era para a floresta e seus habitantes começou com a introdução de novas
vias de transporte. No Paraná foram abertas a estrada da Graciosa em 1873, ligando Curitiba a
Antonina e a ferrovia Curitiba – Paranaguá em 1885. Por facilitar muito o seu transporte, esses
empreendimentos incentivaram o comércio da madeira. Segundo Corrêa (1999) já existiam 64
serrarias no Paraná em 1900, em 1906 esse número foi para 108 e em 1920 foram 174 empresas
do gênero. O principal motivo para cortar árvores não era mais suprir as necessidades básicas da
população local, mas uma exploração da riqueza natural com finalidade lucrativa.
Muitas das serrarias foram colocados ao longo da ferrovia São Paulo – Rio Grande do
Sul. Em troca da construção dos trechos ferroviários, o governo brasileiro autorizou a companhia
norte-americana Brazil Railway Company a explorar e colonizar as terras ao longo da estrada de
ferro, num limite de 15 km em cada direção. A companhia tinha muito mais interesse em explorar
do que construir. Em quarenta anos ela deixou uma região degradada, causou grandes problemas
sociais e deixou a estrada de ferro em péssimas condições. A Lumber, empresa madeireira da
Brazil Railway Company, nesse tempo, cortou mais que 15 milhões de araucárias (Corrêa, 1999),
além de outros tantos milhões de imbuias, canelas, cedros e perobas. Milhares de caboclos foram
expulsos sem possibilidades de obter títulos de posse das terras em que viviam. Quem se
12
recusava era castigado ou morto pelos capatazes da companhia. Os trabalhadores da empresa
foram explorados sem condições de se defender legalmente. A região foi explorada e em seguida
abandonada. O governo brasileiro e as empresas madeireiras nacionais tinham mais interesse em
se aproveitar das atividades da multinacional do que promover o desenvolvimento da região.
A exploração não se limitou apenas às beiras das ferrovias. Com a abertura de novas
estradas e a propagação de caminhões, por volta da década de 30, as madeireiras foram entrando
floresta adentro. Também foi introduzido pela Lumber o sistema de compra dos pinheiros em pé
nas propriedades particulares. Por preços baixíssimos, mas pagamento à vista, muitos
proprietários venderam seus pinheirais que forneciam alimento e certa renda através do pinhão e
do uso sustentável da lenha e da madeira, além de outras fontes alimentares como plantas, frutas
e animais do ecossistema. As famílias que venderam seus pinheiros se viram mais tarde sem
dinheiro, sem os pinheiros, com uma terra imprópria para agricultura e sem condições de
subsistência. Para muitos delas restava apenas a opção de abandonar a terra e viver
marginalizadas nos centros urbanos.
Outros grandes devastadores das Florestas de Araucária, especialmente nas regiões
sudoeste, oeste e noroeste do Paraná, foram as companhias colonizadoras, empresas
extrangeiras que ganharam o aval público para povoar essas regiões por volta dos anos 1940 a
1950. Elas se preocupavam muito mais com a exploração e contrabando de madeira e erva-mate,
do que com a colonização e o desenvolvimento das regiões, desrespeitando as leis e atuando
criminosamente em terras públicas. Como as empresas ferroviárias, elas exploravam os
trabalhadores, tratando-os quase como escravos (Corrêa, 1999).
O Estado do Paraná se transformou no maior produtor de café do Brasil no final dos
anos 50. Na maioria das vezes foram derrubadas florestas para dar lugar aos cafezais. Mais de
30% das reservas florestais foram abatidas dessa maneira. Na década de 70, quando o ciclo do
café entrou em declínio, muitos daqueles que haviam apostado na monocultura entraram em
falência (Corrêa, 1999).
Em 1963 grandes incêndios florestais, favorecidos por uma seca, dizimaram mais uma
vez as Florestas de Araucária no Paraná.
Conseqüências do desmatamento
As conseqüências do desmatamento manifestam-se em múltiplos aspectos. No âmbito
biológico a destruição das Florestas de Araucária coloca em perigo de extinção muitas espécies
da flora e fauna, empobrecendo geneticamente esse ecossistema. Atualmente a própria araucária
e a imbuia estão na lista das espécies ameaçadas de extinção, além de inúmeras outras espécies
que delas dependem. Outro impacto foi provocado pela erosão do solo que levou terra fértil para
os rios, causando desertificação, assoreamento e mudanças no ecossistema do rio: sem
vegetação a água pluvial não é retida e causa, junto com o assoreamento dos rios, inundações; o
clima da região muda pela falta de equilíbrio que uma vegetação mantém; o regime hídrico muda e
os lençóis freáticos baixam pela falta de retenção e pela maior evaporação d’água sem cobertura
vegetal.
13
Em conseqüência de grandes inundações na bacia do Yangtze na China em 1998 o
governo reconheceu que as enchentes agravaram-se devido ao desmatamento. A posição oficial
de Beijing hoje, é que as árvores em pé valem mais que três vezes as árvores cortadas,
simplesmente devido à capacidade das florestas de armazenar água e controlar enchentes
(Worldwatch, 2000).
No âmbito econômico, a população local fica sem base para a subsistência e empobrece
por causa dos efeitos acima mencionados. Dificilmente ela acha outra atividade econômica, que
ofereça uma alternativa para sua subsistência.
No âmbito social, a população pobre é marginalizada e forçada a abandonar as suas
terras pela falta de subsistência. Ela perde suas raízes e a identidade cultural, essenciais para
uma vida digna.
E pensando na visão dos índios Kaingang sobre a floresta, que vêem nela um lugar
sagrado que abriga os espíritos, o impacto se manifesta também no âmbito espiritual.
As conseqüências mais graves do desmatamento porém são a redução dos serviços que
a natureza presta aos seres vivos, como renovação do ar e da água, o ciclo de carbono, a
regulação climática e outros. A crescente escassez de água em várias regiões do país é um sinal
preocupante dessa deterioração.
A Figura 2.1 mostra um esquema generalizado da interligação dos ecossistemas no caso
do desmatamento como descrito neste sub-capítulo.
Figura 2.1 Modelo de Interligações de Ecossistemas (proposto pelo autor)
14
Com tantas conseqüências negativas decorrentes do desmatamento surge a questão
sobre os motivos que levam o ser humano a praticar essa atividade “econômica”.
Ao se analisar a questão de valores, conclui-se que os valores econômicos vigentes não
contabilizam o valor de uma floresta, mas sim o valor da madeira dela retirada. Estes valores
também não permitem ver os impactos que nossas decisões têm em relação a outros seres.
Aparentemente falta uma ética que considere o outro ser como igual. A finalidade dos atuais
processos de produção enquadram também na questão dos valores. Se o fim de um processo
produtivo é a obtenção do lucro e não o suprimento das necessidades através da transformação
da matéria da forma mais eficiente, haverá desperdício e como conseqüência um forte impacto
ambiental.
Esta forma de pensar se traduz por exemplo no comportamento do proprietário rural,
para qual a floresta significa dinheiro ou patrimônio. Seus valores não permitem ver os pinheirais
como fazendo parte de um ecossistema e um patrimônio da humanidade. Para ele as árvores são
algo seu, particular, que lhe pertence, que foi herdado ou adquirido, sobre qual ele pode dispor.
Serviços Ecológicos
A interação do ser humano com a natureza através da exploração dos recursos naturais
trouxe ainda outras conseqüências sérias. Segundo Hawken (2000), a principal ameaça à vida
hoje, não é a escassez da matéria-prima, do capital natural, mas a escassez dos serviços que a
natureza presta para os seres vivos deste planeta. Esses serviços são entre outros ar e água
limpos, chuvas, produtividade oceânica, solo fértil, elasticidade das bacias fluviais e regeneração
atmosférica. Visto assim, o debate sobre o clima é uma questão pública que discute um sistema
que sustenta a vida.
Em conseqüência do consumo de nada menos que um terço dos recursos naturais do
planeta nas últimas três décadas (Hawken, 2000) deterioraram os serviços que a natureza presta,
como o ciclo do oxigênio-carbono e da água. É importante perceber que não se conhece nenhuma
alternativa para o serviço natural do ciclo do carbono. Um número cada vez maior desses ciclos
começa a perder a própria capacidade de sustentar a continuidade do processo de vida e o
processo de deterioração se acelera pela interdependência entre os sistemas. Em vista disso,
cada vez mais discutem-se tanto no nível cientifico como no nível político, as conseqüências da
degradação ambiental e os problemas que isso causa.
No sub-capítulo 2.6 fala-se sobre novos conceitos para medir e avaliar o impacto das
atividades humanas sobre o meio ambiente e os serviços ecológicos. Esses conceitos ajudam a
formar uma maior consciência em relação a destruição ambiental e são importantes na definição
de metas para inverter esse quadro.
15
Reflorestamento no Brasil
No Brasil, o reflorestamento surgiu como resposta à falta de madeira especialmente na
região sul do país. Perto dos centros urbanos e industriais, esta atividade está desenvolvendo um
papel importante para suprir a demanda de madeira e tirar a pressão dos remanescentes das
matas nativas. Mas quando se fala em reflorestamento no Brasil, se fala quase exclusivamente em
reflorestamento com espécies não-nativas, exóticas, como eucalipto e pinus. A disponibilidade de
mais informações e pesquisas sobre essas espécies ajudou na escolha das mesmas para o
reflorestamento. Até hoje são poucos os investimentos e pesquisas sobre árvores nativas de
rápido crescimento no país.
Um breve histórico mostra o desenvolvimento da atividade silvicultural no Brasil:
A partir da primeira década do século XX, foram trazidos espécies de eucalipto da
Austrália para o Brasil. Foi Edmundo Navarro de Andrade, trabalhando para a Companhia Paulista
de Estradas de Ferro, quem implantou viveiros de maior escala, visando o reflorestamento para
fornecer combustível para as locomotivas da Companhia e atender à demanda de postes e
dormentes.
Em 1934 é promulgado o Código Florestal Brasileiro.
Em 1941 foi criado o INP – Instituto Nacional do Pinho – o primeiro órgão a preocupar-se
com a fiscalização e o estímulo ao replantio. Com a diminuição espantosa das Florestas de
Araucária, o pinus elliotti e pinus taeda começam a ser plantados em maior escala.
Em 1965 o Código Florestal se transformou na Lei 4.771 e no ano seguinte foram
criados
programas
de
incentivo
fiscal
ao
reflorestamento.
O
reflorestamento
atendeu
principalmente à crescente demanda de celulose e de carvão para a indústria siderúrgica. Entre
1964 e 1984 a área reflorestada cresceu 12 vezes para 6 milhões de hectares.
Mesmo com crescentes atividades de reflorestamento o déficit continua. No mundo todo
removem-se perto de 3,36 bilhões de metros cúbicos por ano. 60% dessa madeira vêm de
reflorestamentos e os 40% restantes ou 1,35 bilhões de metros cúbicos por ano vêm de florestas
nativas. No quadro nacional estima-se que o consumo beire 300 milhões de metros cúbicos por
ano e que dois terços são oriundos de florestas nativas. Para atender tal demanda a base florestal
deve ser de 9 a 10 milhões de hectares, mas hoje essa área é de 5 milhões de hectares. Desses 5
15
milhões, 60% são de eucalipto e 40% de pinus .
O modelo de reflorestamento vigente, que se baseia na necessidade de suprir a
demanda da indústria, não é adequado por duas razões. Primeiro ele resolve só parcialmente as
situações deixadas pelo desmatamento. Ele resolve o suprimento com a matéria-prima madeira,
evita a erosão e ajuda parcialmente no equilíbrio hídrico (retenção da água, filtragem, proteção
contra evaporação), mas não recompõe a biodiversidade, não recupera o solo perdido pela erosão
e deixa a paisagem com um aspecto mais pobre que a floresta nativa, que conta com uma grande
diversidade de árvores. Alem disso há problemas secundários, com o uso de formicidas nas
15
Fonte: Rev. Agroanalysis nov. 1999
16
plantações de eucalipto, a redução dos nutrientes no solo devido à falta de reposição e a
proliferação de pragas típicas de monoculturas.
Existe uma ampla discussão em torno das espécies para o reflorestamento. Lorenzi,
citado em Rampazzo (1998) afirma que: “Em hipótese alguma são [as espécies denominadas
exóticas] substituto ideal para a vegetação nativa em todas as funções que desempenham no
ecossistema”. A diversidade tem um papel fundamental no equilíbrio ecológico e nos serviços que
o ecossistema presta para os seres vivos, em particular ao ser humano. Esses serviços ecológicos
estão menos vulneráveis quanto mais espécies diferentes estão presentes no ecossistema.
Sendo assim conclui-se que a atual prática de reflorestamento com espécies exóticas,
monoculturas, corte raso e maciça aplicação de agentes químicos no combate de pragas não é
uma forma sustentável de manejo de florestas.
Uma tentativa de implantar uma estratégia sustentável de reflorestamento é por exemplo
o programa nacional de recuperação da cobertura vegetal (FLORAM), que busca uma conjugação
entre a industrialização de produtos florestais e a preservação do meio ambiente, entre a
silvicultura e a biodiversidade, entre as atividades de grandes empresas e de pequenos e médios
empreendimentos.
Porém existem outras formas alternativas de suprir a demanda de madeira de forma
sustentável.
Exemplos de manejo sustentável de florestas
Como alternativa para o reflorestamento existe a possibilidade do manejo sustentável de
florestas. Esse manejo consiste em uma exploração dentro dos limites de auto-recuperação das
florestas nativas. Assim, retire-se de uma área só alguns exemplares de cada espécie, de maneira
que favorece o crescimento de novas árvores, e depois espera-se pela recuperação da vegetação,
o que demora de 20 a 30 anos. Essa forma de manejo exige uma área maior, mas reduz o
impacto ecológico do aproveitamento florestal; conserva a capacidade das florestas de regenerarse, preserva o habitat da vida silvestre e protege os recursos hídricos. Assim favorecendo o
desenvolvimento de uma economia estável para as comunidades e proporcionando uma
alternativa economicamente viável às práticas destrutivas, tais como o corte raso em grande
escala, agricultura de corte e queima e a pecuária, levando à maior segurança social para as
comunidades e funcionários das empresas florestais.
Através da certificação florestal, que avalia a forma sustentável de obtenção da madeira,
o manejo sustentável oferece ainda maiores vantagens no mercado internacional que, por sua
vez, exige sempre mais madeira de origem renovável. O Brasil assumiu um compromisso junto à
OIMT (Organização Internacional de Madeiras Tropicais) de exportar, a partir do ano 2000,
somente madeira originária de florestas sob manejo sustentado. Porém, este compromisso não
está sendo cumprido. Segundo o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, do Pará, José
17
16
Natalino Macedo Silva , grande parte dos projetos na região Norte não está seguindo a legislação
florestal nem as recomendações da OIMT.
Em alguns países da Europa e mesmo da América Latina, o manejo sustentável das
florestas é prática comum e fortalece o desenvolvimento sustentável nacional.
Quase dois terços do território finlandês ou 200 mil quilômetros quadrados estão
cobertos de florestas e a atividade agro-industrial da silvicultura gera 8% do PIB e representa um
terço do comércio exterior. Destas florestas, 62% são de propriedade particular, sendo que cada
quinta família finlandesa tem propriedade florestal com uma média de 33 hectares. Os bosques
fazem parte da vida e cultura finlandesa e existe uma profunda consciência do valor das florestas,
e um cuidado grande com seu uso sustentável. O crescimento das árvores nesse país perto do
Ártico leva de 60 a 160 anos até o corte final, o que exige um bom planejamento silvicultural. A
3
produtividade média é de 4 m por hectare o que leva a um total de 80 milhões de metros cúbicos
17
por ano .
A situação na Suécia é parecida com a Finlândia, com uma área total de 227 mil
quilômetros quadrados de florestas das quais 41% são de propriedade particular. A atividade
florestal é conduzida por uma tecnologia moderna e sem subsídios do Estado.
O Chile apresenta cerca de 76 mil quilômetros quadrados de florestas nativas e 16 mil
quilômetros quadrados de florestas plantadas, principalmente com Pinus radiata. O incentivo
governamental, que paga 86% dos investimentos para pequenos e médios produtores, fez a
exportação de produtos florestais subir de US$ 37 milhões para US$ 900 milhões nos últimos vinte
anos (Rampazzo, 1998, p.43).
2.3.3 Resíduos e Desperdício
Vimos o desmatamento como situação ambiental complexa que por questões históricoculturais e de valores, se apresenta de forma pronunciada no Brasil. Outra problema ambiental
que está diretamente ligado a questões de valores é a questão dos resíduos e do desperdício.
Tanto a questão dos resíduos quanto do desperdício são questões de percepção. As
duas estão profundamente interligadas e não podem ser vistas independentemente. Desperdício
tem a sua base numa percepção de que tudo existe em abundância, que aquilo é de graça, que a
mim não pertence, que eu não tenho responsabilidade sobre isso.
Desperdiçar significa considerar resíduo o que ainda é matéria-prima. Essa atitude
aumenta a quantidade de resíduos e em conseqüência os problemas ambientais.
Para evitar o desperdício precisa-se de um certo esforço mental e organizacional, mas o
retorno desse esforço é imediato, porque economiza-se na hora recursos materiais e financeiros.
18
Porém, o Brasil é atualmente um país com altos índices de desperdício. Um estudo da USP
por
exemplo, aponta que o desperdício de material na construção civil está em torno de 20% para
16
17
18
Folha de São Paulo 25 de abril de 2000
Fonte: Rev. Agroanalysis nov. 1999
Fonte: Jornal do Engenheiro, Edição 157; www.seesp.org.br
18
boas construtoras e chega a valores muito maiores no setor informal, o qual representa 2/3 do
mercado.
Enquanto desperdício está ligado a uma percepção de abundância, o lixo está ligado a
uma percepção de nada, zero. Os extremos se encontram na prática do desprezo.
O que é considerado lixo ou não depende da cultura, da época e do âmbito social, entre
outros fatores. Na Europa, até o século XVIII, era comum jogar o lixo nas ruas de trás onde
também corria o esgoto a céu aberto. Os resíduos eram todos orgânicos, assim havia quem se
aproveitasse deles, pois porcos, galinhas, ratos e outros bichos habitavam as ruas. As pessoas
não se importavam porque isto era considerado normal, mas mesmo assim existem crônicas sobre
iniciativas de cidadãos que queriam acabar com o mal cheiro e com o perigo das doenças que se
proliferavam através do lixo e dos animais que nele viviam.
No Rio de Janeiro, até 1860, não havia esgoto e o lixo e os dejetos eram recolhidos por
19
escravos e jogados em ruas mais distantes, nas praias e nos terrenos baldios , práticas que as
vezes podem ser observados ainda hoje.
Enquanto as sociedades eram agrícolas, vivia-se basicamente de subsistência e não
havia grandes impactos ambientais em função do lixo. Quase todo lixo era orgânico e
decompostável. É com a industrialização que o problema ganhou nova proporção, com o lixo
inorgânico produzido pela indústria química e o crescente uso de derivados de petróleo. O
progresso científico e tecnológico nos presenteou a cada ano com mais materiais sintetizados, que
não existem na natureza e que têm uma maior estabilidade pela ausência dos “inimigos naturais”,
como acontece com os materiais orgânicos, decompostos por insetos, bactérias, fungos e outros
organismos. A vantagem dessa estabilidade é que ela permite proteger alimentos, materiais de
construção e demais objetos da perda de qualidade, mas ao mesmo tempo traz a desvantagem de
produzir mais lixo.
A sociedade industrial não é mais uma sociedade de subsistência, ela produz para
consumir acima do nível de satisfação das necessidades básicas. Argumenta-se que ela só
funciona se há consumo, logo ela não tem interesse em que os produtos durem, e sim que seus
produtos sejam logo substituídos por novos. Desta maneira a nossa sociedade consumista produz
lixo.
Os materiais empregados na fabricação de produtos industrializados duram muito mais
tempo que a sua vida útil prevista. Por exemplo, um copo descartável de plástico tem uma vida útil
de uma semana (calculada a partir da fabricação, não a partir do próprio uso), mas o material
20
usado para fabricar o copo tem uma durabilidade de 200 a 450 anos , o que significa 10.000 a
22.500 vezes a vida útil do copo. A relação entre a vida útil e a durabilidade de uma lata de cerveja
(500 anos) é parecida, mas o uso de metais pesados, altamente tóxicos, nas tintas agrava ainda
mais o impacto ambiental desse produto.
A grande quantidade de lixo produzido, especialmente nas metrópoles, levou a situações
alarmantes que se manifestam pela falta de espaço apropriado para seu depósito, pela
19
20
Jornal do Brasil, 9/12/89
Fonte: www.cempre.org.br
19
inadequação dos depósitos sem dispositivos contra a contaminação do solo e dos lençóis
freáticos, pela produção de gases como metano e pela proliferação de animais transmissores de
doenças. Recentemente há um número crescente de iniciativas para reduzir a quantidade de lixo e
especialmente no sul do país cada vez mais municípios implantam a coleta seletiva com a
finalidade de recuperar do lixo a matéria reciclável.
As soluções atualmente propostas pelos especialistas envolvem o princípio dos 3 Rs:
Reduce, Reuse, Recycle (Reduzir, Reutilizar, Reciclar). A redução, usando menos embalagens, a
reutilização, usando recipientes retornáveis e a reciclagem das embalagens, utilizando a matéria
de novo. Os 3 Rs levam a uma grande melhoria, em termos de quantidade de lixo gerado, onde
esse conceito foi aplicado. Porém a porcentagem de reciclagem na média brasileira está em torno
21
de 1% enquanto a Alemanha chega a reciclar 25% do seu lixo doméstico .
Existe um conceito mais recente sobre a questão da matéria e seu uso: são os 5 R:
Reduce, Reuse, Recycle, Rethink, Respond (Reduzir, Reutilizar, Reciclar, Repensar, Responder).
Além de ajudar a reduzir a quantidade de lixo, esse conceito aborda questões de valores.
“Repensar” questiona a necessidade que está sendo suprida pela matéria que se torna lixo e a
forma como isso está sendo feito. “Responder” alerta para nossa responsabilidade diante do meio
ambiente, os outros seres humanos nas atuais e futuras gerações e incentiva a agir.
Também no lixo orgânico e em seu impacto numa sociedade industrial, percebemos
novos desafios. Com uma produção agrícola em grande escala, os resíduos também são gerados
em grande escala. Antigamente os resíduos de um marceneiro que trabalhava manualmente eram
poucos e facilmente absorvidos pelas atividades da oficina e da casa como combustível, para trato
de animais ou mesmo deixados para os microorganismos tomarem conta. Porém hoje numa
fábrica de móveis, que trabalha dezenas de metros cúbicos de madeira por dia, a situação é
diferente. Pela grande quantidade, a serragem e os gravetos raramente podem ser aproveitados
no próprio empreendimento, e poucas vezes há uma demanda para esses resíduos na região.
A agroindústria no mundo inteiro produz quantidades imensas de resíduos. Da biomassa
de uma árvore aproveita-se em média 30%; da cana-de-açúcar cerca de 17%; do côco e da palma
cerca de 4% e do sisal cerca de 2% (Pauli 1998, p.140). A produção de bioresíduos chega a
bilhões de toneladas a cada ano no mundo inteiro. Para as plantações de palmas calcula-se
aproximadamente 200 milhões de toneladas por ano (Pauli 1998, p.140).
Voltando à questão da percepção, necessitamos de uma profunda mudança de
percepção diante do lixo, dos resíduos, do desprezado, para não nos afundarmos literalmente no
lixo. Lixo e resíduos não podem mais ser tratados com soluções “end of pipe” (fim do tubo), mas
como matéria que se reintegra no ciclo da produção.
As pessoas mais sensibilizadas a essa questão freqüentemente se organizam e através
de uma atuação ecológica e política tentam fortalecer a mudança. Essas organizações formam o
movimento ambientalista.
21
Fonte: www.cempre.org.br
20
2.4 Movimento Ambientalista no Brasil
Os grupos e movimentos ambientalistas no mundo inteiro são os órgãos da sociedade
sensíveis ao estado do meio ambiente. O surgimento desses movimentos pode ser entendido
como sinal de que a situação ambiental chegou num ponto crítico e que a consciência ambiental
na sociedade está crescendo. Os movimentos ambientalistas se organizam muitas vezes em
ONGs (Organizações Não-Governamentais), forma de organização sem fins lucrativos que
defende interesses específicos em prol da natureza ou de grupos minoritários. As formas como as
ONGs atuam são muito variadas e vão desde o apoio (resgate de animais após acidente
ambiental), a pesquisa de impactos ambientais, até ações políticas públicas.
O movimento ambientalista no Brasil começou na década de 70 no Sul e Sudeste. Ele se
orientou nos movimentos ambientalistas da Europa, tanto na adoção de um sistema de valores
quanto na formulação do programa. Os assuntos principais eram a crítica à sociedade urbanoindustrial, o combate à poluição causada pelas indústrias e a preservação da flora e fauna nativas
(Leis, 1996).
O governo brasileiro em plena euforia de industrialização e de atrair capital e indústrias
estrangeiras, tinha resistência em reconhecer os problemas ambientais e defendeu esta posição
na Conferência sobre Meio Ambiente de Estocolmo, em 1972. Os recursos naturais do Brasil eram
vistos como quase infinitos, que deviam ser explorados do modo mais rápido e intenso possível
para atingir um rápido crescimento econômico. Também se negava em reconhecer o problema da
explosão demográfica e seu impacto sobre o meio ambiente. Mas um ano depois da Conferência o
governo criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) para amenizar a imagem negativa
deixada em Estocolmo.
Na
segunda
metade
dos
anos
80
houve
maiores
mudanças
em
relação
ao
ambientalismo. As ONGs começaram a atuar mais profissionalmente, várias fizeram convênios
com entidades estrangeiras e trabalharam com projetos de conservação. Hoje muitas ONGs
prestam serviços ao Estado nas mais variadas tarefas. Muitas integraram o conceito de
desenvolvimento sustentável nas suas linhas de atuação e se abriram para as questões
econômicas que envolvem a preservação ambiental. Também foram muitas vezes ONGs que,
através de protestos e pressões, conseguiram mudanças na esfera política.
Crises econômicas agravam a situação social e deixam mais claras as interligações
entre as questões econômicas, sociais e ambientais. O sócio-ambientalismo expressa a crescente
consciência dessas interligações e se compõe de movimentos bem variados que têm em comum a
busca de soluções duráveis, que não apenas resolvam uma situação isolada temporariamente,
mas que propõem um desenvolvimento sustentável. Leis (1996) cita entre estes o movimento dos
seringueiros que lutam pelas reservas extrativistas, movimentos indígenas que lutam pela terra e
pela demarcação de reservas indígenas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST) que luta pela reforma agrária, Movimentos dos Atingidos pelas Barragens (MAB) que
obrigaram a repensar o planejamento das usinas hidroelétricas, movimentos de moradores que
lutam contra usinas poluidoras e movimentos de defesa ao consumidor que lutam por produtos
com menor impacto ambiental.
21
A preparação da Rio-92 levou a amplas discussões, entre outras à discussão do tipo de
desenvolvimento sustentável desejado, o que fortaleceu o movimento ambientalista. Apesar de
que a conferência tenha conduzido a poucos resultados concretos e que ainda poucas das metas
tenham sido realizadas, as reflexões e o impulso em direção a uma nova consciência tiveram um
efeito positivo.
2.5 Política e Leis Florestais Brasileiras
Se os movimentos ambientalistas são os sensores dos problemas ambientais e
formadores da consciência ecológica, a política e as leis ambientais são a afirmação de que a
maioria da sociedade passou pelo processo de conscientização. Como no exemplo dos
movimentos ambientalistas, podemos traçar o desenvolvimento desse processo na sociedade.
As leis florestais, desde os tempos coloniais tentaram preservar as florestas de um uso
predatório (Magalhães em Rampazzo, 1998). Houve uma série de restrições, como: o regimento
de cortes de madeira em 1799, disciplinando a derrubada de árvores e o Alvará de 1802, que
exigia autorização para a venda da madeira e lenha, além da apresentação de um plano rotativo
para o corte. O Código Penal de 1830 estabeleceu penas para cortes ilegais de árvores. A maior
reserva florestal no Brasil foi criada em 1911 por decreto. Ela abrangia praticamente o atual estado
do Acre e nela era proibida a extração de madeira, a caça e a pesca. No entanto, esta reserva
nunca saiu do papel. Em 1921 foi criado, através de um decreto, o Serviço Florestal do Brasil, cujo
objetivo era a conservação e aproveitamento das florestas.
O 1º Código Florestal foi criado em 1934. Uma novidade era a restrição do direito de
propriedade florestal que ficou limitado ao interesse social. A aplicação dos Códigos e das
disposições constitucionais dependem de uma regulamentação por lei. A Lei nº 4.132 de 1962
prevê a desapropriação por interesse social como proteção do solo e preservação de cursos e
mananciais de água e de reservas florestais (Rampazzo, 1998)
O 2º Código Florestal de 1965 resultou na Lei 4.771/65 que é a principal lei que
regulamenta a atividade florestal. Entre outras metas ela prevê a preservação permanente de
áreas como matas ciliares, topos de morros e encostas íngremes, em altitudes superiores a
1.800m. Além dos códigos e leis federais, existem também os códigos e leis estaduais que
regulamentam as atividades que interferem no meio ambiente, como por exemplo o Código
Florestal do Rio Grande do Sul de 1992.
No ano de 1973, em conseqüência da Conferência de Estocolmo, foi criada a Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA), órgão federal de controle. Uma Política Nacional do Meio
Ambiente começou a ser elaborada em 1980 e a partir de 1985 a política oficial de meio ambiente
é executada pelo SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente); CONAMA (Conselho Nacional
de Meio Ambiente) e, no plano técnico, pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais), além de instituições estatais subordinadas. A resolução número 1/86, do
CONAMA, Brasil, torna obrigatória a Análise de Impactos Ambientais para atividades específicas,
objetivando atender à determinação do órgão de controle ambiental.
22
A partir da segunda metade dos anos 80 foram criadas Secretarias de Meio Ambiente
em vários estados do sul e sudeste. O bloco verde defendeu seus interesses na elaboração da
nova Constituição de 1988 e consegiu que ela adotasse uma abordagem ecologicamente mais
correta. No início de 1989 foi criado o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) que substituiu a Secretaria Especial do Meio Ambiente. Devido à pressão
internacional, provocada pelas queimadas na Amazônia e pelo assassinato de Chico Mendes,
aceleraram-se essas mudanças políticas.
A Lei de Crimes Ambientais de fevereiro de 1998 trouxe mudanças básicas: a
responsabilidade inclui agora pessoas jurídicas na responsabilidade penal e as pessoas físicas coautoras; o desmatamento não autorizado passou a ser crime; além de penalidades mais rigorosas.
Por exemplo um funcionário de órgão ambiental irresponsável pode se condenado a até três anos
de cadeia. Mas a falta de vontade política, que se mostra na falta de verbas para a fiscalização, na
vetação de vários artigos da própria lei ou nas tentativas de diminuir áreas de proteção ambiental,
faz com que a prática continue ainda bastante predatória.
Uma proposta de alteração do Código Florestal, aprovada por uma Comissão Mista do
Congresso em maio de 2000, levou a um debate nacional sem precedentes. A proposta,
incentivada por ruralistas, defendeu o direito de desmatar 50% das florestas da Amazônia em vez
dos 20% do Código atual e 80% do Cerrado contra 50% do Código atual. O governo incorporou a
contra-proposta do Conama na Medida Provisória que prorroga o Código Florestal, que manteve a
área para desmatamento na Amazônia de 20% mas, ao mesmo tempo, permite o desmatamento
de 65% nas áreas do Cerrado.
Com o objetivo de preservar melhor as florestas e espécies em extinção criou-se o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (parques e reservas para assegurar a
biodiversidade brasileira) que foi aprovado pelo Congresso Nacional em julho de 2000. Esse
SNUC integra as inúmeras leis e portarias que regulamentam os parques e reservas e atualiza seu
conceito (proteção do habitat como um todo, introduzindo a questão social e o uso para outros fins
além da conservação).
2.6 Economia, Política e Meio Ambiente
Há duas forças importantes na nossa sociedade que interferem fortemente no nosso
meio ambiente como também no ambiente social, cultural e econômico. Uma é o poder político; a
outra, o poder econômico. Esse último ocupa um papel chave nos problemas atuais, como
destruição ambiental e injustiça social e paradoxalmente também é uma força detentora do maior
poder de transformação (Capra em Pauli, 1998).
O poder econômico tem como objetivo adquirir mais poder porque, segundo as leis
econômicas, um sistema precisa crescer para não morrer. Se fizermos uma analogia com a
natureza iremos perceber que as suas leis são diferentes. Uma árvore cresce só até certa altura,
depois pára. Ela sabe qual é seu tamanho ideal, alta o suficiente para captar luz, mas não tão alta
que o vento possa derrubá-la. Como as árvores existem há milhões de anos, é fácil de perceber
23
que a sua estratégia é correta.
Os valores econômicos também exercem uma forte influência sobre o desenvolvimento
de uma sociedade. São valores como crescimento, lucro, acumulação de capital, otimização do
fluxo monetário e aumento de consumo que direcionam o desenvolvimento. Argumenta-se que a
estes valores devem ser atrelados outras preocupações como: recursos naturais e considerações
éticas e sociais.
Considerando que o desenvolvimento econômico, através desses valores, define a
nossa relação com o ambiente natural, necessitamos repensar a economia e seus valores, porque
nas últimas décadas ficou evidente que a degradação ambiental entrou num patamar que ameaça
a existência da nossa espécie. Nas palavras de Merico (1996): “o crescimento econômico
encontrou uma barreira intransponível: os limites da biosfera”.
É a natureza que fornece todos os insumos para a vida no planeta como são o ar, água,
alimento, madeira, minérios, provisão de serviços ambientais (regulação climática, ciclos
bioquímicos) e absorção de resíduos. No passado considerava-se esses recursos ilimitados. O
crescimento
econômico
era
limitado
pela
capacidade
de
produzir
capital
manufaturado.
Atualmente porém, a exploração dos recursos naturais e fontes de energia não-renováveis dentro
dos valores econômicos vigentes levou aos limites dos mesmos.
Esses fatos, segundo Merico (1996), exigem um novo entendimento das relações de
produção: a sustentabilidade do desenvolvimento e em conseqüência dos novos modelos
econômicos. Elkins, citado em Merico (1996) propõe um novo modelo econômico com quatro
capitais: capital natural, capital humano, capital social/organizacional e capital manufaturado. O
conceito do capital natural dá ênfase aos recursos que a natureza oferece como insumos para
processos produtivos e serviços ambientais como a regeneração do ar e da água. O mesmo
conceito foi desenvolvido por outros autores como Hawken (2000, ver sub-capítulo 2.3)
Este novo modelo propõe o desenvolvimento sustentável como única maneira de não
ultrapassar os limites da biosfera e não colocar em risco, além dos próprios processos de
produção, a vida no planeta. Não se deve retirar dos ecossistemas mais que sua capacidade de
regeneração permite e não lançar aos ecossistemas mais que sua capacidade de absorção
suporta.
Merico
(1996)
considera
esse
pressuposto
como
a
definição
mais
clara
de
sustentabilidade.
O mesmo autor discute que, para manter a produtividade de todos os investimentos
econômicos prévios precisa-se reconstruir os estoques de capital natural, que se tornaram
limitativos. Isso pode ser alcançado através de investimentos em projetos que aliviem a pressão
nos estoques de capital natural pela expansão do capital natural cultivado e pelo aumento do uso
eficiente de recursos (matéria/energia).
A economia e as teorias econômicas são neutras, não é a lei da oferta e demanda que
levou ao nosso atual sistema capitalista, mas os valores que dirigem nossas decisões. A
predominância dos valores auto-afirmativos como expansão, competição, quantidade e dominação
causa um desequilíbrio onde há exploração, exclusão e destruição ambiental. É necessário um
equilíbrio com os valores integrativos como conservação, cooperação, qualidade e parceria para
24
evitar conseqüências destrutivas para nós mesmos e nosso meio (ambiente).
Os mesmos valores auto-afirmativos predominam no mundo político. Em conseqüência o
poder político não tenta melhorar o desequilíbrio causado pelo sistema econômico, mas o mantém
e o apóia. Como uma das conseqüências deste sistema temos a injustiça e grandes diferenças
sociais. No Brasil, a ligação entre poder político e econômico se manifesta segundo Bezerra
(2000) em práticas clientelísticas e patrimonialísticas na gestão dos recursos públicos, em
“Renúncia Fiscal”, que resulta de um amplo conjunto de subsídios normalmente concedidos a
certos setores da iniciativa privada e em corrupção no âmbito da arrecadação de impostos.
Tanto os dirigentes econômicos quanto os políticos parecem estar enraizados nos
valores auto-afirmativos e uma tentativa de mudar esses valores causaria resistência. Porém a
integração dos novos valores como conservação, cooperação, qualidade e parceria são
fundamentais para uma vida e um desenvolvimento sustentável.
Através de novas ferramentas como a “pegada ecológica” (ecological footprint) ou o “PIB
Verde” existe hoje a possibilidade de calcular e avaliar o impacto ambiental total realizado por uma
nação e compará-lo com outros países a fim de ter uma noção sobre a participação de cada um
na diminuição dos recursos naturais e dos serviços ecológicos do planeta.
A base para o cálculo da pegada ecológica é a área ecologicamente produtiva (terra
cultivável, pastagem, floresta, mar, terra construída) medido em hectare. O relatório Pegadas
Ecológicas das Nações, publicado pelo Centro de Estudos para a Sustentabilidade (México),
chega a conclusão que cada indivíduo no planeta pode utilizar 1,7 hectares, que seria o ideal para
prover as necessidades humanas sem desgastar o ambiente. Porém a média global per capita é
de 2,3 hectares e o Brasil apresenta um valor de 3,1 hectares. Somente 10 países no mundo
chegam ao índice de sustentabilidade e as previsões indicam que em função do crescimento
populacional, aliado à degradação ambiental o índice de sustentabilidade cairá de 1,7 hectares
22
para 1 hectare nos próximos 30 anos.
Conclua-se que é de interesse vital e urgente inverter o declínio ecológico global e
chegar em índices sustentáveis do uso da terra. Portanto o índice de pegada ecológica pode
ajudar governos, empresas e a população entender melhor nossa dependência da natureza, criar
mais consciência ecológica e avaliar o desenvolvimento em termos de sustentabilidade para atuar
de forma responsável com a vida.
2.7 Conclusão
O paradigma cartesiano e os seus valores dominaram a sociedade durante os últimos
quatro séculos. Essa maneira de perceber o mundo contribuiu para atitudes predatórias com o
meio ambiente. O progresso tecnológico e a industrialização aumentaram a exploração dos
recursos naturais e criaram materiais que causam um maior impacto sobre o meio ambiente como
produtos
químicos,
especialmente
os
derivados
de
petróleo.
Devido
ao
modelo
de
desenvolvimento sob os valores materialistas e da explosão demográfica, os problemas
22
Fonte: www.senac.br/eduambiental/eamb02.htm
25
ambientais se agravaram muito nas últimas décadas e chegaram hoje a um patamar perto do
colapso para muitos ecossistemas.
A diminuição dos serviços prestados pela natureza, em conseqüência da degradação
ambiental, representa uma séria ameaça para a humanidade pelo fato de não existirem
alternativas para estes serviços como regulagem do clima, regeneração de ar e água, regime
hídrico e manutenção da camada de ozônio (Hawken, 2000). O fenômeno é global, o que exige
uma forte cooperação entre todos os países no mundo para mudar o quadro.
As atividades econômicas em geral têm sido predatórias para o meio ambiente em
função da percepção, que não permite ver a importância do capital natural e dos serviços que a
natureza presta para os seres vivos. A definição de economia como o “aproveitamento eficiente de
23
recursos (material, espaço, tempo etc.) com redução ao mínimo do gasto desses elementos”
deve ser aplicada também aos recursos naturais, porque sem os recursos naturais não há
processos produtivos e o desperdício prejudica o desenvolvimento das futuras gerações.
Existem novos modelos econômicos que consideram o efeito do processo produtivo
sobre o meio ambiente e também foram elaborados fatores para converter o capital natural em
valores monetários. Porém, esses modelos e fatores não conseguem calcular e refletir
inteiramente o amplo valor dos ecossistemas, no entanto é melhor calcular aproximadamente o
valor dos recursos naturais que desconsiderá-los. Quanto mais se trabalhar com esses fatores,
mais precisos eles poderão se tornar.
O exemplo da exploração da Floresta de Araucárias mostra a forte ligação entre a
exploração econômica, a exploração do ser humano, os avanços tecnológicos e os valores que
predominam na sociedade. Importante hoje é que sejam aplicadas formas sustentáveis do uso dos
recursos naturais e que sejam oferecidas alternativas econômicas para a população que vive no
campo, e que tradicionalmente tirou a sua subsistência da exploração dos recursos naturais.
O reflorestamento oferece a possibilidade de um desenvolvimento sustentável, embora a
atual prática não tenha seu enfoque na sustentabilidade. A prática do reflorestamento entre 1965 e
1985 (anos de incentivo fiscal) visou em primeiro lugar fornecer matéria-prima para a indústria de
celulose e siderúrgica, sendo que o modelo de empreendimentos aplicado ao setor não
considerou a função ambiental das florestas. Porém para se tornar sustentável, o reflorestamento
deve incluir espécies nativas, criando um ambiente mais apropriado para a fauna e para a
preservação da biodiversidade e que através do seu manejo sustentável essas florestas garantem
a manutenção dos serviços ecológicos, da biodiversidade e proporcionem uma renda estável.
Existem inúmeras possibilidades de combinar reflorestamento com espécies exóticas e nativas,
com manejo de corte raso e manejo sustentável. O que importa é um planejamento que considere
as múltiplas funções que uma floresta exerce, e ao mesmo tempo a consideração das alternativas
econômicos através da agregação de valor e do uso integral da biomassa.
Depois da suspensão dos incentivos financeiros para o reflorestamento, as áreas
plantadas diminuíram. Um novo incentivo que favorece o reflorestamento com espécies nativas, o
manejo sustentável, o uso racional dos recursos naturais e que atenda os objetivos da Agenda 21,
23
Dicionário Michaelis
26
devia levar a um desenvolvimento realmente sustentável e recuperar o capital natural.
A atual situação das políticas públicas em relação a questões ambientais, apresenta um
discurso e uma legislação fortemente ambientalista, dentro de um comportamento indivíduo-social
fortemente predatório. As leis ambientais, que teriam força para coibir as infrações contra o meio
ambiente muitas vezes não são cumpridas. Esse fato reflete os valores e a ética que predominam
na sociedade.
Um exemplo da falta de uma política para a preservação das florestas foi citado no
24
relatório do Fundo Mundial para a Natureza (WWF)
que cita que ao mesmo tempo que o
Ministério do Meio Ambiente combate o desmatamento da Amazônia, foram liberados 55.400 km²
para assentamentos entre 1994 e 1998 dos quais 76% ficam na Amazônia e que desse total,
23.700 km² foram áreas de floresta que tiveram o desmatamento autorizado. No mesmo relatório
ainda consta que existem mais de 185 mil km² de áreas desmatadas e abandonadas na
Amazônia.
Como as atuais crises também têm suas origens no paradigma cartesiano e seus
respectivos valores, a busca de soluções para essas crises deve partir da mudança dos nossos
valores. Na medida que entendemos os recursos naturais como fonte essencial para nossa vida
em termos de suprimento de água, alimento e serviços ambientais, nos vamos cuidar melhor
desses recursos e prestar atenção que eles estejam disponíveis não só para nos, mas também
para outros, agora e no futuro. Essa atitude tornaria o desenvolvimento sustentável.
Uma maior consciência ecológica está se formando na sociedade e, junto com uma
visão sistêmica do mundo, isso oferece a base para as necessárias mudanças. A política tem a
função
de
incentivar,
estruturar
e
facilitar
essas
mudanças
enquanto
os
movimentos
ambientalistas podem ajudar na conscientização e fiscalização.
24
Pádua,2000, p. 15
27
CAPÍTULO 3: Uma Nova Abordagem do Desenvolvimento
Levando em consideração os tópicos abordados no capítulo anterior precisa-se repensar
o desenvolvimento. Esse capítulo aborda as novas tendências que partem de uma visão de
desenvolvimento integrada, sistêmica e de redes, que propõe alternativas para minimizar os
impactos sociais e ambientais e melhorar o desempenho das atividades produtivas. Essas novas
tendências buscam modelos sustentáveis que se aproximem dos ecossistemas e que destaquem
a cooperação, a comunicação e interação em rede.
3.1 A Abordagem Sistêmica da Relação Ser Humano, Natureza e
Desenvolvimento
Os problemas ecológicos são sempre problemas de sistemas vivos que não podem ser
analisados isolados do seu ambiente. A teoria de sistemas vivos, como ferramenta para sua
análise, está emergindo só agora, mesmo tendo sido desenvolvida em vários campos da ciência
durante a primeira metade do século XX (Capra, 1999). O conceito foi aplicado tanto na biologia,
na psicologia, na ecologia, na teoria geral de sistemas e na cibernética para descrever sistemas
cujas propriedades não podem ser reduzidas a propriedades de partes menores e isoladas.
Mesmo que possamos identificar partes menores, a qualidade do todo é diferente da soma das
partes. A teoria de sistemas exige, segundo Capra (1999), uma nova maneira de pensar, o
pensamento sistêmico, o pensamento em termos de relações, união e contexto. Esse pensamento
passou para um novo patamar com o desenvolvimento da ciência da complexidade, que dispõe de
uma linguagem matemática própria e novos conceitos para descrever a complexidade de sistemas
vivos. Mesmo que o pensamento sistêmico esteja agora na frente da ciência e tenha uma tradição
intelectual de cem anos, ele não conseguiu ainda penetrar amplamente na nossa cultura. Segundo
Capra (2000) existem duas razões principais para isso. Primeiro: sistemas vivos são não-lineares
enquanto em nosso pensamento predomina a linearidade, a causa e o efeito. Uma economia, por
exemplo, é considerado saudável se ela cresce constante e infinitamente, de preferência com
taxas altas. O pensamento sistêmico ou ecológico é não-linear, as variáveis não são maximizadas
mas otimizadas. A questão não é ser eficiente, mas sustentável. A segunda razão é a visão
materialista do mundo ocidental. A maioria dos biólogos hoje afirmará que o profundo
conhecimento da vida depende do conhecimento dos DNAs, das enzimas, da estrutura material.
Mesmo que isso seja importante, a teoria de sistemas nos ensina que a essência da vida não está
nas moléculas, mas na forma, na estrutura, no padrão nos quais as moléculas estão organizadas.
Os padrões básicos da vida são configurações de relações entre processos biológicos. E tanto as
relações
quanto
os
processos
são
não-materiais. Para poder
trabalhar
com
sistemas
necessitamos aprender a pensar de forma não-linear e não-material.
28
3.1.1 Sistemas e complexidade
Os conceitos de sistema, organização e interação foram descritos por Morin (1993
p.265) de seguinte forma: Sistema exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo,
assim como o complexo das relações entre o todo e as partes; a Interação que exprime o conjunto
de relações, ações e retroações que se efetuam num sistema; a Organização que exprime o
caráter constitutivo dessas interações - aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege,
regenera-se - e que dá à idéia de sistema a sua coluna vertebral.
Outros autores como Rosnay (1995) definem sistema como “conjunto de elementos em
interação dinâmica, organizados em função de um objetivo” ou “vários elementos que são
diferentes entre si e não colocados aleatoriamente, mas interligados.” (Vester, 1985) ou ainda “a
relação, interação e auto-organização, típicos de um sistema, são o espírito” (Boff, 1997).
Mesmo que não exista uma definição única para sistema, podemos ver pelas definições
acima que o essencial não são as partes, mas a organização, as relações, as interações, a
capacidade de adaptação e a dinâmica. Os sistemas se definem melhor através desses fatores
que através das suas propriedades materiais.
Aplica-se, no presente trabalho, o termo “espírito do sistema” para o conjunto de fatores
não-materiais como organização, relação, interação, comunicação, retroação, participação,
capacidade de adaptação, dinâmica etc. que definem um sistema. Esses fatores estão em
permanente mudança (auto-organização), adaptando seus parâmetros em congruência com as
mudanças ambientais, em função do objetivo máximo: da manutenção do sistema (a mudança em
serviço da permanência).
Existem sistemas fechados e sistemas abertos. Um sistema aberto faz intercâmbio com
outros sistemas (matéria, energia, informação) enquanto num sistema fechado não há troca. Os
sistemas abertos mais importantes da natureza são os ecossistemas, que foram definidos por
Tansley (em Harribey, 1998) como “um conjunto de seres vivos e elementos não vivos no mesmo
ambiente”. Os ecossistemas são abertos e recebem energia (solar) e matéria de fora e devolvem
matéria para fora. Essa troca de matéria entre sistemas é a chave para o aproveitamento de
resíduos dos nossos processos produtivos. Nos ecossistemas a produção de resíduos
normalmente está em equilíbrio com a capacidade dos outros sistemas em recebê-los. Quando
não há equilíbrio nesta troca, os sistemas vão tentar se adaptar e restabelecer o equilíbrio. A
interferência humana nos ecossistemas exige uma adaptação dentro da sua capacidade que,
quando ultrapassada, faz com que o sistema entre em colapso.
As teorias da complexidade oferecem um instrumento para analisar e entender as
mudanças, reorganizações e o dinamismo de um sistema. Elas demonstram, em essência, que
tudo no universo é composto tanto por ordem como por desordem, e que as incertezas fazem
parte e possibilitam o surgimento do novo, da criação. O processo criativo consiste, nessa visão,
em aproveitar perturbações para reorganizar e melhorar o sistema. As perturbações exercem, ao
mesmo tempo, um papel destrutivo como também construtivo.
29
Através da ciência da complexidade podemos entender tanto modelos e processos da
organização de sistemas vivos, quanto os sistemas técnicos complexos. Com isso, podemos fazer
a ligação entre esses dois tipos de sistemas e achar soluções para eliminar o impacto que os
atuais sistemas técnicos exercem sobre os ecossistemas.
A evidência que os nossos sistemas industriais complexos são a força motriz da
destruição do meio ambiente no âmbito mundial (Capra, 2000) leva à necessidade de remodelar
muitas das nossas técnicas e instituições sociais para garantir a nossa sobrevivência. A
compreensão da complexidade é decisiva para tal remodelação e a ciência da complexidade tem
um valor inestimável na realização dessa tarefa.
Nós, como seres vivos, também reagimos às perturbações da maneira correspondente
ao nosso ser. Dessa forma desenvolve-se a nossa criatividade (Capra, 1999). As modificações
estruturais ocorrem por meio da participação com a finalidade de nos adaptarmos melhor ao
ambiente, desta forma um sistema vivo pode sempre se corrigir, ou seja, ele pode se regular
através do mecanismo do feedback. Essa auto-regulação garante a estabilidade do sistema vivo.
Quando um sistema não consegue reagir a uma perturbação, ele entra em instabilidade
e caos. É a partir dessa situação que se forma uma nova estrutura com mais estabilidade. Já uma
pequena perturbação pode levar, através do feedback negativo, a uma instabilidade, seguida de
uma ruptura o que leva a uma nova ordem. Esse processo é entendido como a base de
crescimento, desenvolvimento e evolução (Capra, 1999).
Capra (em Pauli 1998) considera a nova visão sistêmica, inclusive a ciência da
complexidade, significativa em três áreas:
1. Na criação e ampliação de comunidades duradouras;
2. Na compreensão das complexidades tecnológicas atuais como meio para remodelar a
técnica e torná-la ecologicamente compatível;
3. Na implantação de mudanças organizacionais radicais que serão necessárias para
realizar os dois primeiros pontos
Considerando ainda que todo planejamento deve necessariamente abordar todas as três
áreas para que o desenvolvimento se torne sustentável.
Comunidade Duradoura
As comunidades duradouras sugerido por Capra são constituídas de tal forma que seu
modo de vida, seus empreendimentos, sua economia, suas técnicas e estruturas físicas não
causam um declínio ecológico. Talvez pareça impossível unir necessidades tão diferentes como
as que existem na nossa sociedade para um plano de ação. Mas através de uma nova
consciência e dos valores do novo paradigma, encontraremos as soluções observando a natureza.
Pode-se aprender muito com a ecologia no que diz respeito a criar comunidades duradouras, pois
os
ecossistemas
microorganismos
da
que
natureza
se
são
comunidades
desenvolveram
durante
duradouras
séculos
e
de
que
plantas,
estão
se
animais
e
adaptando
constantemente às mudanças no seu ambiente.
30
Tanto a criação de comunidades duradouras quanto a implantação de mudanças
organizacionais dependem de lideranças capacitadas. Liderança significa, do ponto de vista
sistêmico, o incentivo à criação de um meio no qual se forme uma teia de diálogos e ocorra a
formação de uma nova ordem.
O entendimento de sistemas vivos pode portanto contribuir para o gerenciamento de
organizações humanas. Ao entendermos de forma sistêmica a sociedade, ao considerarmos os
sistemas produtivos de um ponto de vista ecológico, estudando minuciosamente como os
ecossistemas da natureza se organizam, estudando os processos de transformações que lhes são
imanentes, então poderemos construir empresas que espelham a capacidade de adaptação,
multiplicidade e criatividade da vida (Capra, 1999).
Sistemas Vivos
Segundo Capra (1999) a sobrevivência da humanidade depende da nossa capacidade
de criar uma consciência ecológica e sociedades sustentáveis. Para isso precisamos aprender
com os ecossistemas o alfabeto ecológico. No processo dessa aprendizagem podemos usar a
teoria dos sistemas vivos como quadro para reconhecer a ligação entre comunidades ecológicas e
humanas. Desenvolver os princípios organizacionais, a partir da ecologia, vai nos ajudar a criar
sociedades humanas sustentáveis. Um dos princípios é o da interdependência mútua (p.ex.: o
comportamento de um, influencia a vida do outro) que faz com que o sucesso do todo dependa do
sucesso individual e vice-versa. Entender essas interligações exige uma nova percepção (das
partes para o todo, do objeto para a relação e do conteúdo para padrões). O fato de que o padrão
básico da vida é um teia, significa que as relações não são lineares mas organizadas em laços de
realimentação (feedback), onde o resultado de um processo influencia o próprio processo,
normalmente para estabilizá-lo. Esses processos cíclicos são outro princípio organizacional dos
sistemas vivos (ver Figura 3.1: modelo dos Princípios dos Sistemas Vivos).
Todos os organismos no ecossistema criam resíduos, mas o que é resíduo para um é
matéria-prima para o outro e assim começa um novo ciclo. Ao contrário disso, os sistemas
industriais trabalham com processos lineares: as indústrias extraem matéria-prima da natureza,
transformam essa em produtos e resíduos, vendem os produtos que um consumidor compra e
descartam os resíduos. Outro princípio é a união e cooperação, que permite que os componentes
do mesmo sistema aprendam mutuamente, que eles co-evoluam. Atualmente, esse princípio é
pouco valorizado na economia onde a concorrência, expansão e dominação são predominantes. O
próximo princípio com qual podemos aprender criar sociedades sustentáveis é a flexibilidade. A
flexibilidade se cria pelas múltiplas interligações, o que habilita um sistema a se adaptar rápido às
mudanças de condições. As oscilações devem ocorrer dentro de uma certa tolerância para não
causar estresse no sistema. O princípio da flexibilidade ajuda também em situações de conflito,
ele permite um equilíbrio dinâmico entre estabilidade e mudança, entre ordem e liberdade, entre
tradição e inovação e representa algo positivo que mostra a vitalidade do sistema. O princípio da
diversidade diz que um sistema com uma grande variedade é mais robusto pelo fato de que
sempre há uma espécie que pode substituir outra que desapareceu. Um sistema enriquece com a
31
variedade de espécies e aumenta ao mesmo tempo a sua complexidade. A complexidade é a
conseqüência da diversidade e uma alta complexidade significa um maior número de interligações,
o que por sua vez aumenta a estabilidade.
Figura 3.1 Modelo dos Princípios dos Sistemas Vivos (proposto pelo autor)
3.2 Transições rumo à Ecologia
Atualmente estamos vivendo uma transição em função dos limites que a nossa
sociedade encontrou em todas as áreas. Aonde esses transições nos vão levar depende
fortemente da nossa capacidade de adquirir os novos valores ecológicos. A Figura 3.2 mostra os
principais temas que necessitamos considerar nessa transição para chegar a um patamar
ecológico que é condição para poder manter a vida no planeta.
32
Figura 3.2 Transições rumo à Ecologia (proposto pelo autor baseado em Sachs, 1993)
33
3.2.1 Consciência ecológica
Os movimentos ecológicos, como expostos no sub-capítulo 2.4, são os sensores da
nossa sociedade para a problemática ambiental. Uma análise global desse movimento ajuda a ver
o andamento do processo de transição. Preocupações ecológicas começaram a surgir nos anos
60 e 70 quando vários problemas ambientais chegaram a níveis alarmantes (chuva ácida nos
25
lagos da Suécia, a crise do petróleo em 1973 e acidentes nucleares “Three Miles Island” 1979 ).
A crise do petróleo mostrou a dependência da nossa sociedade dos recursos naturais nãorenováveis e levou a um questionamento do valor desses recursos e da maneira como eles estão
sendo usados. O clube de Roma fez um primeiro levantamento da escassez das matérias-primas
e uma análise dos possíveis cenários do futuro populacional (Meadows, 1972). A crescente
consciência ambiental a nível dos governos se manifestou na Conferência Internacional sobre o
Meio Ambiente Humano em Estocolmo em 1972 organizada pela ONU. Essa conferência levou à
"Declaração sobre o Ambiente Humano", ou "Declaração de Estocolmo" - e ao Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
26
O Relatório Brundtland
faz uma alerta para o impacto dos atuais valores econômicos
sobre o meio ambiente e sobre as futuras gerações ao chegar à principal conclusão do "que o
comportamento da economia internacional faz prever que as futuras gerações não terão acesso
aos recursos necessários para sua sobrevivência”.
Em 1973 E.F. Schumacher publicou o livro "Small is Beautiful" (tradução para o
português em 1977 "O Negócio é ser Pequeno”). Sob o enfoque da economia, o autor mostrou de
uma maneira clara a ligação dos nossos valores, do paradigma newtoniano com os problemas
ecológicos, sociais e culturais.
Em termos geográficos a consciência ecológica começou na Europa e nos Estados
Unidos, espalhou-se pelo Canadá e Austrália e nos anos 80 atingiu também a América Latina, a
Europa Oriental , a União Soviética e o Sul e Leste da Ásia.
Como reação a estes movimentos populares, os governos começaram a prestar mais
atenção na problemática levantada, criaram agências estatais para proteger o meio ambiente e
revisaram a legislação sobre o assunto.
No âmbito científico formaram-se grupos e instituições que pesquisaram os problemas
ambientais, muitos deles com abordagem sistêmica, o que levou a mudanças na comunidade
científica.
Nas
últimas
duas
décadas
os
problemas
sócio-ambientais
se
agravaram,
se
multiplicaram e ganharam muitas vezes um caráter global. Entre esses problemas estão o risco de
acidentes nucleares ou biotecnológicos, o aquecimento global e a destruição da camada de ozônio
pelo crescente uso de combustíveis fósseis, a poluição mundial do ar e das águas, a perda da
biodiversidade, a perda do solo e desertificação devidos ao desmatamento, o transporte de
resíduos tóxicos com riscos de acidentes, as pressões migratórias produzidas pela explosão
25
página da Internet www.umweltbundesamt.de
o Relatório Brundtland ou “Nosso Futuro Comum” foi elaborado em conseqüência da
Conferência de Estocolmo (1972) e contém recomendações para concretizar os propósitos dessa
26
34
demográfica, a intensificação da extração dos recursos naturais induzida pela dívida externa no
Terceiro Mundo, a proliferação nuclear e descontrole das armas nucleares (ex-União Soviética), e
ainda o aumento da taxa de mortalidade entre as populações dos países mais pobres devido à
fome.
O que todos essas situações têm em comum é que elas surgiram de um pensamento
não sustentável, quer dizer de um pensamento que não se preocupa com a qualidade de vida das
futuras gerações. Segundo Capra (1996), por esta razão o desenvolvimento sustentável é a única
solução viável.
3.2.2 Desenvolvimento Sustentável
O suplente de um senador do Estado do Mato Grosso na Amazônia declarou, ainda em
27
1999 que “se nosso desenvolvimento exige a derrubada da floresta, vamos derrubá-la” . Foi aliás
esse estado responsável por 2/3 do total da área devastada na Amazônia naquele ano.
Que valores estarão atrás de um pensamento que considera desenvolvimento a
28
derrubada de 17.000 km2 de floresta nativa entre 1998 e 1999 no Amazonas ? O desmatamento
nessa região acontece principalmente para ceder lugar às práticas atrasadas de pecuária
extensiva com uma produtividade baixíssima, muitas vezes de menos de uma cabeça por hectare
(Pádua, 2000).
Falar de desenvolvimento em relação à devastação da floresta mostra uma grave
ignorância: significa ignorar que a terra devastada produz somente poucos anos, como mostram
as fazendas abandonadas na região; significa ignorar que pecuária extensiva tem uma eficiência
muita baixa e quase não produz empregos nem renda; significa ignorar que a destruição da
biodiversidade traz grandes prejuízos, porque estamos destruindo matéria-prima para o futuro;
significa ignorar toda a fauna cujo habitat estamos destruindo; significa ignorar que não temos
direito de destruir o que a natureza produziu durante milênios para um “dono” da terra obter lucro
financeiro. Finalmente significa ignorar que existem formas de desenvolvimento que são mais
eficientes por gerar lucro por tempo indeterminável e que não têm os efeitos acima mencionados.
Estas últimas são as formas do desenvolvimento sustentável.
Das definições de desenvolvimento sustentável talvez a melhor seja a mais simples, por
ser mais compreensível e por não poder ser manipulada facilmente. Essa definição é de Lester
Brown, do Worldwatch Institute: “uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas
necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras.”
O Relatório Brundtland de 1988 apresenta esse mesmo conceito mais detalhado. Inicia
pelo conceito de necessidades, que segundo esse relatório são sobretudo as necessidades
essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade. Depois, trata da noção
das limitações que o atual estágio da tecnologia e da organização social impõem ao meio
ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras. Em seu sentido mais
amplo, a estratégia do desenvolvimento sustentável visa promover a harmonia entre os seres
conferência
27
Veja, 7 de abril, 1999
28
informma 11.04.2000 (comunicativo do Ministério do Meio Ambiente)
35
humanos e entre a humanidade e a natureza. Os requerimentos para um desenvolvimento
sustentável são descritos nesse relatório como:
1.
um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo
decisório;
2.
um sistema econômico capaz de gerar excedentes de know-how técnico em bases
confiáveis e constantes;
3.
um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento nãoequilibrado;
4.
um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do
desenvolvimento;
5.
um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções;
6.
um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento;
7.
um sistema administrativo flexível e capaz de autocorrigir-se.
O conceito de sustentabilidade para o desenvolvimento segundo Sachs (1993) baseia-se
em cinco dimensões, sendo que acima dessa base devem-se estabelecer metas de ação e de
controle. As cinco metas são:
1.
sustentabilidade social, cuja meta é de construir uma civilização com maior eqüidade na
distribuição de renda e de bens;
2.
sustentabilidade econômica, cuja meta é o gerenciamento mais eficiente dos recursos e a
eficiência econômica deve ser avaliada em termos macros-sociais;
3.
sustentabilidade ecológica, cuja meta é o uso do potencial de recursos dos diversos
ecossistemas, substituição de recursos não-renováveis, redução do volume de resíduos e
de poluição, auto-limitação no consumo de materiais, tecnologias de baixo teor de
resíduos e eficientes no uso de recursos, normas para uma proteção ambiental;
4.
sustentabilidade espacial, cuja meta é de reduzir a concentração nas áreas
metropolitanas, frear a destruição de ecossistemas frágeis, promover a agricultura e a
exploração agrícola das florestas através de técnicas modernas, descentralizar a indústria,
criar redes de reservas naturais;
5.
sustentabilidade cultural, cuja meta é a procura de raízes nos processos de modernização
e nos sistemas agrícolas integrados.
O mesmo autor ressalta o planejamento flexível e democrático para suprir as
necessidades básicas da população, a participação dos países industrializados em termos
financeiros e tecnológicos, a redução do consumo e a disposição para uma redistribuição nesses
mesmos países como premissas para a transição da sociedade atual para uma sociedade
sustentável (ver Figura 3.2).
Os objetivos do desenvolvimento sustentável são mais claros e fáceis de definir que os
meios ou procedimentos a serem empregados para alcançar esses objetivos. Os meios e
procedimentos dependem da maneira como uma sociedade e os grupos dentro dela enfrentam e
resolvem seus desafios, o que leva às mais variadas formas de soluções.
O conceito do desenvolvimento sustentável está sendo usado amplamente mas na
36
prática trabalha-se em geral de forma pouco sustentável. A economia, por exemplo, tanto na teoria
como na prática tem ainda bastante dificuldade de integrar o conceito da sustentabilidade no seu
mundo. Uma razão é certamente o conceito do crescimento constante que se coloca em oposição
com a sustentabilidade.
Os
novos
modelos
econômicos
estão
em
acordo
com
as
necessidades
do
desenvolvimento sustentável e destacam a ligação entre os processos produtivos (capital
manufaturado) e os recursos naturais (capital natural). Os processos produtivos necessitam dos
recursos naturais, e desenvolvimento sustentável, em termos econômicos, significa manter o
estoque total de capital natural num nível constante. A extração de recursos naturais nãorenováveis exige investimento em recursos naturais renováveis para manter o equilíbrio (Merico,
1996). O cálculo do valor do capital natural e dos serviços ecológicos, assim como do impacto
ambiental pela absorção de resíduos dos processos de produção representam uma dificuldade
nos novos modelos econômicos. Mesmo que hajam muitas dificuldades e falhas lógicas para
esses cálculos (Harribey, 1998), incluir estes valores da melhor forma possível na análise
econômica é, pelo menos uma tentativa de corrigir as tendências negativas do livre mercado
(Merico, 1996).
A inclusão dos aspectos sociais do desenvolvimento sustentável no novo modelo
econômico sugerido por Elkins (em Merico, 1996) exige “a expansão do conceito de trabalho em
capital
humano,
que enfatiza a importância das pessoas na produção, relacionada a
conhecimento, habilidades, bem-estar, saúde e motivação” e ainda “a adição do capital social
/organizacional, que compreende as estruturas, regras, normas, culturas, organizações e
instituições que tornam possível às pessoas serem conjuntamente produtivas”.
Os modelos econômicos clássicos, desde Adam Smith, pregam o desenvolvimento como
força que vai beneficiar a todos. O desenvolvimento gera riqueza que, de uma forma ou outra, vai
ser distribuída e beneficiará no final a todos. Porém sabe-se que os beneficiados são aqueles que
dominam o capital e as matérias-primas que são geradas pelo próprio processo de
desenvolvimento. A acumulação de capital como objetivo do capitalismo está na contramão do
benefício para todos.
Considerando que o consumo per capita de materiais e energia no hemisfério norte é
muito maior que no hemisfério sul, percebe-se logo que esse modelo não funciona. Se os
habitantes do hemisfério sul consumissem 3 vezes mais cereais, 13 vezes mais papel, 19 vezes
mais alumínio, 20 vezes mais produtos químico, 10 vezes mais combustíveis e 15 vezes mais
energia elétrica, eles estariam no nível dos habitantes do hemisfério norte, mas os recursos da
terra acabariam pouco tempo depois que esse processo iniciasse. Um futuro comum para toda a
humanidade deve basear-se em uma redução das demandas para evitar um desastre ecológico. O
mais importante é a redução do consumo de combustíveis fósseis nos países do Norte (Sachs,
1993).
O desenvolvimento sustentável procura, por definição, satisfazer as necessidades da
sociedade e as necessidades básicas de todos os membros da sociedade como habitação, água,
37
alimentação, educação e segurança que devem ser satisfeitas antes de tudo.
Desenvolvimento à Escala Humana
Uma proposta de desenvolvimento concentrado na satisfação das necessidades
humanas fundamentais foi feito por Max-Neef (1989). Esse desenvolvimento à escala humana
(human scale development) aborda a geração de níveis crescentes de autodependência e a
articulação orgânica dos seres humanos diante da natureza, a tecnologia e os processos globais
com enfoque num comportamento local, na pessoa dentro da sociedade, no planejamento com
autonomia e na sociedade civil diante do Estado.
Essa abordagem do desenvolvimento favorece uma visão sistêmica das necessidades, o
que significa que elas não são vistas como fixas e hierárquicas, mas que elas dependem do
ambiente sócio-cultural e econômico e que podem mudar em função dessas interdependências.
Em conseqüência, a definição das necessidades exerce uma influência importante sobre a
estratégia do desenvolvimento e devem ser usados mecanismos para adaptar a estratégia
permanentemente às mudanças das necessidades.
A visão sistêmica das necessidades também sensibiliza para a procura de satisfatores
sinérgicos, que são metas que satisfazem uma necessidade visada e, paralelamente, estimulam e
contribuem à satisfação de outras necessidades (Max-Neef, 1989).
A autodependência, segundo o mesmo autor, representa um fator essencial no
desenvolvimento. As diferentes formas de dependências como econômica, financeira, tecnológica,
cultural e política e nos diferentes espaços que são locais, regionais, nacionais e internacionais
frustram a satisfação das necessidades humanas. As concentrações econômicas junto com a
centralização de decisões políticas geram e fortaleçam as dependências e só através da
autodependência assumida torna-se possível promover um processo de desenvolvimento que
satisfaz as necessidades fundamentais (Max-Neef, 1989). A autodependência deve ser entendida
não como um isolamento, mas como interdependências horizontais sem relações autoritárias e
assim ela é capaz de combinar os objetivos de crescimento, justiça social, desenvolvimento
pessoal e liberdade de uma maneira que se possa alcançar a satisfação coletiva e individual das
diferentes necessidades fundamentais das presentes e futuras gerações.
Repensar a questão do desenvolvimento e da sustentabilidade é uma questão vital para
o planeta e todas as áreas de conhecimento, e todos os governantes deveriam se juntar para
cumprir a difícil tarefa de direcionar os esforços para um futuro sustentável.
3.2.3 Agenda 21
A preocupação da comunidade global em direcionar o desenvolvimento para uma forma
sustentável levou a várias conferências lideradas pela ONU, como a conferência de Estocolmo e a
Rio 92 entre outras. Um principal objetivo foi a elaboração de diretrizes para incentivar e coordenar
os esforços dos estados nas transições para a sustentabilidade do desenvolvimento de cada um.
A conferência de Estocolmo levou ao relatório Brundtland e a Rio 92 resultou na Agenda 21. Essa
38
agenda deve ser entendida como um programa de implantação de um desenvolvimento
sustentável e contém as metas para isso. Ela foi elaborada como um programa global, válido para
todos os países, com o pedido que cada país elaborasse, dentro de um ano, seu próprio
programa, de acordo com as suas necessidades mais profundas e da sua realidade. Além disso,
os países foram convidados a incentivar as regiões ou estados a elaborar as suas próprias
Agendas 21, com a finalidade de que as metas fossem bem direcionadas e que elas
correspondessem às necessidades locais. Em 1997 foi realizada no Rio de Janeiro a Rio 92+5,
uma conferência de organizações não-governamentais para analisar o desenvolvimento da
Agenda 21 e das metas propostas. A análise mostrou grandes lacunas entre as propostas da Rio
92 e dos planos realizados até 1997. No Brasil, a proposta da Agenda 21 foi entregue ao
presidente em julho de 2000, oito anos depois da conferência, ou seja, com sete anos de atraso
em relação à proposta inicial que previa um prazo de um ano. Uma análise das razões para esse
atraso seria valiosa para entender a atual política em relação ao meio ambiente e desenvolvimento
sustentável e propor melhorias, mas não cabe a esse trabalho entrar em tal questão.
A declaração da Rio 92 tem como objetivo estabelecer uma nova e eqüitativa parceria
global através da criação de novos níveis de cooperação entre estados, sociedade e as pessoas.
Nela
está
contido
um
conjunto
de
vinte
e
sete
princípios
sobre
meio
ambiente
e
29
desenvolvimento . O primeiro princípio é que o ser humano está no centro das preocupações
para o desenvolvimento sustentável.
Entre os princípios ambientais destaca-se segundo Moffatt (1996): que a proteção
ambiental deve ser parte integrada do processo de desenvolvimento; que os assuntos ambientais
devem ser tratados com a participação de todos os cidadãos; que os estados devem promulgar
leis ambientais eficazes que incluam a indenização em casos de acidentes ambientais; e que os
estados devem cooperar com os outros estados se forem causados acidentes ambientais que
prejudiquem vários países.
Entre os princípios econômicos destacam-se: que o direito de desenvolvimento precisa
considerar eqüidade entre as necessidades de desenvolvimento e do meio ambiente para as
gerações atuais e futuras; que todos os estados e povos devem cooperar na erradicação da
pobreza e na diminuição da disparidade de níveis de vida; que os estados devem cooperar num
espírito de parceria para conservar, proteger e restaurar o ecossistema Terra; que os estados
devem reduzir e eliminar padrões de produção e consumo não sustentáveis e promover políticas
demográficas apropriadas.
Entre os princípios sociais destaca-se que as mulheres, os jovens e os povos indígenas
têm um papel importante no desenvolvimento e que a participação integral deles é essencial.
Entre os princípios de paz se destaca que paz, desenvolvimento e proteção ambiental
são interdependentes e indivisíveis e que os estados e povos devem cooperar com boa-fé para
cumprir os princípios dessa declaração.
Na apresentação das metas fez-se uma divisão da Agenda em quatro seções:
1.
29
dimensões sociais e econômicas,
Os princípios estão divididos em princípios ambientais, econômicos, sociais e da paz
39
2.
conservação e gerência de recursos para o desenvolvimento,
3.
fortalecimento do papel de grupos majoritários (mulheres, jovens, povos indígenas,
ONGs) e
4.
meios de implementação. São abordados os problemas urgentes de hoje e reflete-se
um consenso mundial e um compromisso político ao nível mais alto. São sobretudo
os governos que têm a responsabilidade para a implementação bem sucedida da
Agenda. Para financiar os objetivos em desenvolvimento e meio ambiente precisa-se
de um fluxo substancial de recursos para os países em desenvolvimento. Esses
recursos não devem ser em forma de ajuda esporádica, mas como um compromisso
com o desenvolvimento.
Nas áreas dos programas que constituem a Agenda 21 estão descritas as bases para a
ação, os objetivos, as atividades e os meios de implementação. O capítulo 11, por exemplo, que
trata do combate ao desmatamento, tem como metas:
a) apoiar o papel e as funções múltiplas de todos os tipos de florestas,
b) melhorar a proteção, o gerenciamento sustentável e a conservação das florestas
através da reabilitação e reflorestamento,
c) promover o uso eficiente e a avaliação para recuperar o valor dos bens e serviços
fornecidos pelas florestas,
d) estabelecer
e/ou
fortalecer
capacidades
para
o
planejamento,
avaliação
e
observação sistemática das florestas.
Agenda 21 Brasileira
A Agenda 21 Brasileira concorda na responsabilidade do governo para lançar e facilitar
os processos de construção das Agendas 21 nacionais e locais, mas alerta que necessita da
mobilização de todos os segmentos da sociedade. Assim, a Agenda 21 se tornará, além do
documento, um processo de planejamento participativo que diagnostica e analisa a situação do
País, das Regiões, dos Estados e dos Municípios, para, em seguida, planejar seu futuro de forma
sustentável (Bezzerra, 2000).
Toda a questão do desenvolvimento sustentável foi abordada em seis temas centrais:
Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infra-estrutura e Integração Regional, Gestão dos
Recursos Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e Ciência e Tecnologia para o
Desenvolvimento Sustentável. As propostas, por exemplo, no tema “Redução das Desigualdades
Sociais” representam um referencial contemporâneo em termos de desenvolvimento sustentável.
Entre as metas propostas estão: descentralização dos serviços; mobilização e participação da
população; suprimento das necessidades mais básicas; novas e sustentáveis alternativas de
desenvolvimento; desconcentração econômica; iniciativas de organizações populares; resgate da
dignidade e da identidade da população nordestina; evolução da consciência de cidadania;
incorporação de critérios de sustentabilidade ambiental; questões relacionadas à promoção da
justiça social; nova postura em relação à responsabilidade; enriquecimento da dinâmica social e a
interação interpessoal; justiça tributária e a eliminação das fontes de apropriação da riqueza
40
vinculadas a privilégios políticos ou à manutenção de ilegalidades; e finalmente a melhor
distribuição dos benefícios econômicos, sociais e culturais gerados por esse desenvolvimento.
Para as políticas públicas as metas propostas são: políticas sociais específicas de inclusão;
políticas públicas de combate à pobreza; políticas de desenvolvimento; ampliação da ação pública
não-estatal; convergência e integração das ações.
Uma frase bem expressiva da Agenda 21 Brasileira enuncia uma questão fundamental
da sociedade brasileira: “a grande questão que orienta este trabalho está em articular propostas
para superar o descompasso entre o discurso e a prática.” (Bezerra, 2000).
Entende-se que a resposta se encontra na mudança dos valores e na adoção do
paradigma ecológico (Sub-capítulo 3.2.5).
Entre os pensamentos que serviam como base para a elaboração da Agenda 21 e que
dão um fundo filosófico para o paradigma emergente encontra-se a ecologia profunda.
3.2.4 Ecologia Profunda
A ecologia profunda pode ser vista como a filosofia do novo paradigma. A questão dos
valores é fundamental na ecologia profunda. Enquanto o velho paradigma tinha valores centrados
no ser humano, o novo paradigma considera o valor de todos os seres vivos. Dessa maneira de
valorizar a vida surge uma forma completamente nova de ética para o ser humano ocidental.
Segundo Capra (1999), essa nova ética é da maior importância, principalmente nas áreas da
ciência e tecnologia, porque muitos cientistas não trabalham para manter e melhorar a vida, mas
para destruí-la. A indústria armamentista que produz armas para destruir vidas, a indústria química
que produz venenos que contaminam nosso meio ambiente, a indústria bioquímica que produz
plantas e microorganismos geneticamente alterados sem saber as conseqüências, mas que irão
ameaçar sem dúvida a biodiversidade.
A partir da revolução científica no século 17, os valores e os fatos foram separados, o
que levou ao pensamento que fatos existem independentes do que nós fazemos e por isso são
independentes de valores. Hoje sabemos que cada pesquisa acontece dentro de um paradigma e
como vimos antes, os paradigmas nunca são livres de valores. Por isso os pesquisadores têm
uma responsabilidade moral.
Enquanto a ecologia rasa é antropocêntrica (o ser humano no centro) e o ser humano
está acima ou fora da natureza, que por sua vez só tem um valor útil, a ecologia profunda não
separa o ser humano ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. A ecologia profunda se
esforça para perceber o valor de cada ser vivo e vê o ser humano como um fio na teia da vida
(Capra, 1999).
Para a ecologia profunda a natureza e o eu são um só e com isso os valores são de toda
a natureza viva. A ampliação do eu até a identificação com a própria natureza é a conclusão
básica da ecologia profunda como Arne Naess (em Capra 1999) observa: “se o seu eu, no sentido
amplo dessa palavra, abraça um outro ser, você não precisa de advertências morais para
demonstrar cuidado e afeição . .. você o faz por si mesmo, sem sentir nenhuma pressão moral
para fazê-lo”.
41
Naess (em Capra 1999) afirma que, se nós conseguirmos um estado de consciência da
ecologia profunda, e se nós entendemos que somos parte da teia da vida, nós iremos nos
preocupar com toda a natureza viva. Não iremos poder reagir diferente disso.
Segundo Capra (1999), a consciência da ecologia profunda é uma consciência espiritual
ou religiosa. Se o conceito da espiritualidade expressa um estado de espírito no qual cada ser
humano tem uma sensação de pertinência, de conexidade com o cosmos como um todo, fica
evidente que uma consciência de ecologia profunda é em última análise uma consciência
espiritual.
A crença segundo a qual todos os fragmentos - em nós mesmos, no nosso meio
ambiente e na nossa sociedade - são realmente separados alienou-nos da natureza e de nossos
companheiros humanos, temos que recuperar nossa experiência de conexidade conexão com
toda a teia da vida. Essa reconexão, ou religação, religio em latim, é a própria essência do
alicerçamento espiritual da ecologia profunda (Capra, 1999).
3.2.5 O paradigma ecológico
"A Ecologia não trata apenas das questões ligadas ao verde ou às
espécies em extinção. A Ecologia significa um novo paradigma, quer
dizer, uma nova forma de organizar o conjunto de relações dos seres
humanos entre si, com a natureza e com o seu sentido neste universo"
(Leonardo Boff)
Os físicos do início do século XX tiveram dificuldades em explicar os fenômenos
atômicos e subatômicos que eles estavam estudando. Para a nova realidade que eles
descobriram não havia conceitos, linguagem e maneiras de pensar adequado. Assim eles foram
forçados, através de crises profundas, a mudar a maneira de ver e de pensar. Por outro lado, essa
mudança trouxe muitos novos conhecimentos e eles foram recompensados por profundas
introvisões sobre a natureza da matéria e de sua relação com a mente humana (Capra, 1999).
Essas mudanças no pensamento levaram o físico, filósofo e historiador Thomas Kuhn a falar em
“paradigma” científico, que ele definiu como “uma constelação de realizações - concepções,
valores, técnicas, etc. - compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por essa
comunidade para definir problemas e soluções legítimos”. A mudança de paradigma que se
manifestou primeiro entre os físicos diante das novas descobertas, espelha-se hoje numa
mudança cultural muito mais ampla. Capra (1999) fala da mudança do paradigma social e ele se
baseia na definição de Kuhn para defini-lo como “uma constelação de concepções, de valores, de
percepções e de práticas compartilhados por uma comunidade, que dá forma a uma visão
particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza”.
A mudança de paradigma não apenas exige uma ampliação da nossa maneira de
perceber e de pensar, mas exige também uma nova definição dos nossos valores. Entre a
mudança do pensamento e mudança dos valores existe uma forte ligação. Nas duas se percebe
42
uma mudança da auto-afirmação para a integração. Auto-afirmação e integração são aspectos
importantes de todos os sistemas vivos. Segundo Capra (1999), nenhum dos dois é bom ou mau,
importante é apenas que eles estejam em equilíbrio. Analisando os pensamentos e valores na
Tabela 3.1 percebemos que a nossa cultura industrial ocidental enfatiza em excesso as tendências
auto-afirmativas e negligencia as integrativas.
Tabela 3.1: Pensamento e Valores nos Paradigmas
Pensamento
Valores
Auto-afirmativo
Integrativo
Auto-afirmativo
Integrativo
racional
intuitivo
expansão
conservação
análise
síntese
competição
cooperação
reducionista
holístico
quantidade
qualidade
linear
não-linear
dominação
parceria
segundo Capra (1999)
Baker (1992) compara o paradigma com um filtro que deixa passar certas informações e
retém outras. Esse filtro serve para proteger o cérebro do excesso de informações. Nunca
seríamos capazes de trabalhar todas as informações que chegam aos nossos sentidos. Quando
criança, a nossa capacidade de refletir, decidir e julgar ainda é pouco desenvolvida e nós
procuramos valores para saber se certa pessoa ou situação apresenta um perigo ou não,
queremos saber o que é bom e o que é mau. O filtro nos ajuda a evitar perigos e ele define certos
limites com os quais nos sentimos seguros. Com o desenvolvimento da nossa capacidade racional
e nossa experiência de vida, mudamos os valores e o filtro, isso nos dá uma nova visão da vida,
amplia nossa percepção e ajuda na construção da nossa identidade, que se cria através do nosso
eu profundo e da nossa interação com o mundo. O paradigma é uma faca de dois gumes: por um
lado ele põe limites e nos ajuda a nos concentrarmos dentro desses limites e obter sucesso, por
outro lado ele restringe uma visão mais ampla do mundo, o que limita nosso desenvolvimento
pessoal. A disposição de integrar constantemente novas experiências de vida no nosso ser e
através disso modificar nosso paradigma é essencial para manter-nos vivos.
O paradigma de uma sociedade se constrói através dos paradigmas individuais e da
comunicação entre os membros da sociedade. Como a comunicação numa sociedade é
fortemente influenciada (e dominada) pela mídia, o paradigma também sofre essa influência. A
mudança de um paradigma para outro não acontece de repente. É um processo que se realiza
através de muitos pequenos passos, mas uma vez iniciado continua por si só, porque os novos
valores que foram integrados ajudam na mudança dos demais valores.
A Tabela 3.2 mostra as tendências do velho e do novo paradigma.
Tabela 3.2: Tendências dos Paradigmas
43
em geral
na ecologia
na educação
na indústria
velho paradigma
novo paradigma
linear
sistêmico
causa-efeito
interligações
ser humano domina a
natureza
de cima para baixo
ser humano faz parte da
natureza
participação de todos
professor sabe
todo mundo sabe
conhecimento transmitido
Conhecimento construído
linha de montagem
grupo de montagem
qualidade imposta
qualidade é maneira de viver
mão-de-obra
parte ativa valorizada
Segundo Baker (1992)
Precisamos estar conscientes de que a nossa vida individual e social se baseia num
paradigma, que decidimos e fazemos tudo em função dele e que precisamos mudar para o novo
paradigma se quisermos sobreviver.
3.2.6 Descartar Descartes
Crise-Chance
As atuais crises, que têm suas origens no pensamento linear e no paradigma cartesiano,
atingem todos os âmbitos da vida no planeta, seja ecológico, social, econômico, cultural ou
espiritual. Junto com o agravamento da crise global nas últimas duas décadas, surgiram também
novos planos, idéias, recursos e técnicas que alimentam a esperança de superar a crise.
A crise sempre é um sinal de mudança e cada mudança contém a possibilidade de
melhorar um sistema. Depende da nossa percepção e interpretação da crise, se sabemos
aproveitar a possibilidade de melhorar o sistema e chegar num patamar mais elevado. Crise
significa que as coisas chegaram a um estado no qual não há como continuar da mesma forma
sem se auto-destruir. Foi o ser humano, com seus valores e com a sua visão da vida, que levou ao
atual estado e é também o ser humano que tem a capacidade de superar essa crise. Como alerta
Capra (1999): “A transformação das muitas soluções geniais para sair das crises não é mais um
problema conceitual ou técnico, mas muito mais um problema de vontade política. Em outras
palavras, é um problema de valores.”
Para as transformações acontecerem há necessidade de uma percepção nova, um
pensamento novo, com valores novos e uma ação diferente. Fritjof Capra, no seu livro "Teia da
Vida", faz uma síntese das atuais teorias e modelos nas diversas áreas do conhecimento para
uma teoria de sistemas vivos que representa uma visão integrada de espírito, matéria e vida.
Mudança
Quando entendermos que nós vivemos e atuamos a partir de um paradigma pessoal e
social e que o paradigma cartesiano nos levou à crise atual, saberemos que há uma urgência de
mudança. Há muitos dirigentes políticos e econômicos que pensam e atuam sob o velho
44
paradigma e com isso estão ameaçando o ecossistema e causando danos irreversíveis. Por isso,
a mudança é uma questão vital.
Na verdade, a mudança do paradigma está acontecendo de qualquer forma e não são só
os ambientalistas e as pessoas que pensam ecologicamente, que perceberam as vantagens de
uma visão sistêmica do mundo e da organização em rede. Segundo Capra (2000), o mercado
financeiro e o crime organizado, por exemplo, trabalham também em redes e como sabemos, com
grande êxito. Essas organizações não têm como objetivo a vida ou suprir as necessidades básicas
das pessoas. Elas estão em curso de colisão com os princípios da ecologia e da vi da. Nesse
época de mudanças há dois desafios a vencer, primeiro o tempo e segundo o rumo das
mudanças. Quanto mais rápido acontece a mudança menos serão os danos irreversíveis e quanto
mais ecológica a mudança melhor será a sustentabilidade.
Os meios empregados tanto pelo mercado financeiro, quanto pelo crime organizado são
os mesmos como no velho paradigma: a exploração e o poder. Assim voltamos à questão da ética
que deve direcionar a mudança. Segundo Capra (2000) só há uma ética que é sustentável e que
favorece a vida, a eco-ética.
3.2.7 Novas Idéias
Os novos conceitos de desenvolvimento baseiam-se na sustentabilidade, em sistemas,
no paradigma ecológico, em valores novos e numa ética nova e exercem uma influência sobre
todas as áreas, mas especialmente sobre a economia, os processos produtivos, as relações
sociais e a política.
Entender os novos conceitos e sua influência na vida real e saber aplicar e vivenciá-los é
o próximo desafio. Contribuições importantes nesse sentido vêm surgindo nas ultimas décadas e
em seguida apresentam-se três exemplos.
Expoentes
Como primeiro exemplo analisa-se alguns aspectos do livro “O Negócio é ser Pequeno”
de Schumacher, onde o subtítulo do livro “Um estudo de economia que leva em conta as
pessoas”, mostra a preocupação do autor em analisar o mundo moderno e seus problemas sob
um novo ponto de vista. O enfoque consiste numa análise a partir da economia, mas que inclui os
aspectos sociais, políticos, culturais e religiosos, sempre questionando o objetivo dos nossos
esforços.
Schumacher alega que as dificuldades e perigos com que hoje nos defrontamos não
resultam de nossos fracassos mas, pelo contrário, dos nossos êxitos em termos de valores
econômicos, puramente materiais e quantitativos. Por outro lado, se perguntarmos sobre fatores
como bem-estar da sociedade, qualidade de vida, cuidados com a natureza e desenvolvimento
espiritual teremos que admitir um grande fracasso. Estamos explorando, dominando e
conquistando a natureza e acabando com o capital insubstituível que a natureza nos legou. A
aparente vitória sobre a natureza, a sua conquista, é na verdade uma derrota, considerando que
iremos ficar sem a matéria-prima valorosa que a natureza nos presenteou. O que se destaca nas
45
reflexões de Schumacher é o questionamento da racionalidade e da sabedoria na procura dos fins
e a clara visão de que os problemas têm que ser analisados e interpretados como um todo,
interligado num sistema. Ele concorda que a especialização e o progresso tecnológico são
essenciais ao desenvolvimento dos meios, mas que não podemos continuar permitindo que esse
desenvolvimento determine os objetivos que a humanidade procura realizar e que para evitar um
colapso da nossa sociedade industrial, precisamos de uma reorientação de seus fins para as
verdadeiras necessidades do ser humano. Como o título do livro indica, uma solução sugerida é a
escala certa, um desenvolvimento regional com tecnologia apropriada e da consideração do ser
humano.
À pergunta se a humanidade vai ser capaz de realizar a mudança antes que seja tarde
demais, Schumacher responde: "A resposta, de qualquer forma, vai enganar. Se a resposta for
>sim<, ia levar a presunção, se for >não<, ia levar a desespero. O melhor é deixar a confusão pra
trás e começar trabalhar.”
O próximo exemplo de grande importância para o desenvolvimento do novo pensamento
é o físico Fritjof Capra. No primeiro livro “O Tao da Física”, (edição original de 1975, em inglês),
ele parte dos paralelos dos novos conhecimentos da física e da mística oriental para descrever a
transformação cultural que leva à uma nova visão da realidade, a qual exigirá uma profunda
mudança em nossos pensamentos, percepções e valores. No segundo livro “O Ponto de
Mutação”, (edição original de 1982, em inglês) Capra aumenta o campo e explora o conceito de
sistemas em biologia, medicina, psicologia e nas ciências sociais, chegando aos mesmos
paralelos. O assunto principal desse livro é a mudança do paradigma, da visão do mundo e dos
nossos valores. Essa mudança se expressa na aceitação do conceito ecológico, na crescente
consciência ambiental, no surgimento da política verde, no desenvolvimento contínuo da teoria de
sistemas e da sua introdução na gerência e, finalmente, no destaque que o conceito da
sustentabilidade adquiriu nos últimos anos. No seu último livro “Teia da Vida” (edição original de
1996, em inglês) ele consegue juntar os resultados dos novos pensamentos e pesquisas numa
forma integrada, tecendo a teia da vida. Uma contribuição importante nas suas reflexões sobre a
essência da vida é a capacidade de interligar a teoria de sistemas, a ecologia e o novo paradigma
numa teoria, a “Teia da Vida”.
Os elementos fundamentais da teoria de Capra são as comunidades duradouras, a
alfabetização ecológica e os princípios dos sistemas vivos como descrito no Sub-capítulo 3.1.1. O
conhecimento dos ecossistemas fornece subsídios para repensar os sistemas industriais
complexos e remodelar as técnicas e instituições sociais usando a ciência da complexidade.
Porém, os valores econômicos que decidem os rumos das indústrias consistem em
ganhar mercado, elevar a vantagem sobre a concorrência e ampliar o que diz respeito ao
marketing e à venda de produtos e serviços. Surge então a pergunta sobre como sobrevive uma
indústria que foi remodelada de acordo com ecossistemas, num mercado onde se vende bens ou
serviços, se faz marketing e se luta por novas fatias desse mercado?
Uma resposta encontra-se na metodologia ZERI, que propõe a interligação entre
sustentabilidade e processos produtivos e que foi desenvolvido pelo economista e empresário
46
Gunter Pauli. Não é por acaso que Capra escreveu o prefácio do último livro de Pauli entitulado
“Upsizing” (1998), porque na metodologia e nos exemplos práticos expostos nesse livro encontrase o elo entre os princípios dos sistemas vivos e dos, à primeira vista contraditórios, objetivos das
organizações humanas que visam vender produtos e serviços. É a produção de resíduos que os
sistemas vivos e os sistemas produtivos humanos têm em comum, que cria este elo e mostra o
caminho como se deve remodelar nossos sistemas produtivos para torná-los sustentáveis. A
aglomeração de indústrias, onde cada uma aproveita os resíduos da outra para transformá-los em
outros produtos, é a expressão física desse novo conceito denominado Emissão Zero.
Pauli (1998) descreve a maneira pouco sábia como nós lidamos com a matéria-prima,
como desperdiçamos até 98% da biomassa em certos processos e quais são as grandes
oportunidades se aprendermos os princípios dos ecossistemas. Oportunidades que oferecem
vantagens além da eliminação dos resíduos, como a possibilidade de criar mais postos de
trabalho, de agregar valor e renda adicional e produzir mais alimentos com a mesma quantidade
de matéria-prima. O objetivo é a produtividade total da matéria-prima, o que leva à emissão zero
de resíduos.
O desenvolvimento das ciências generativas é a proposta de Pauli para criar uma base
conceitual, uma espinha dorsal para a ciência. O ponto fundamental das ciências generativas é
que elas são impulsionadas por um desejo de crescer e desenvolver, de gerar e de regenerar, de
viver em ciclos. O conceito de tempo circular, junto com o conceito de reencarnação, próprio das
culturas asiáticas, ajuda na compreensão das ciências generativas.
Os princípios da ciência generativa segundo Pauli (1998) são:
•
o princípio da busca de responder às necessidades básicas da humanidade (alimentos,
água, moradia, energia, saúde e postos de trabalho);
•
o princípio do respeito à natureza e aprendizagem com ela; o princípio de que a
humanidade não pode esperar que a terra produza mais, mas que a humanidade precisa
fazer mais com o que a terra produz;
•
o princípio de que a base são sistemas que permitem a combinação de agendas, maior
produção, produtividade e rentabilidade, postos de trabalho, poluição reduzida, redução
do consumo de materiais; produção com um esforço reflexivo, criativo para não
desperdiçar;
•
o princípio de que na transformação todos os subprodutos serão considerados a partir
de um valor agregado adicional; o princípio da pergunta: o que realmente queremos e
precisamos?;
•
o princípio da gerência baseada no sistema imunológico;
•
o princípio do livre acesso à informação;
•
o princípio da liderança que é fundamental para alcançar um ambiente de conflito zero;
•
o princípio da integração (botânica, biologia, agricultura, silvicultura, ciências marinhas,
química, matemática, física, informática, engenharia e economia, sem deixar de lado a
história, geografia e ciências sociais e políticas);
•
o princípio do know-how e da intuição, da inteligência cultural milenar em vez da busca
47
da comprovação científica clássica;
•
o princípio da inteligência da natureza e da maximização dos recursos naturais;
•
o princípio do tempo circular onde tudo e todos terão uma nova chance.
Segundo Pauli (1998), esses novos princípios requerem maior elaboração e isso pode e
deve acontecer através do concreto, da prática.
Para a modelagem e o gerenciamento de organizações Pauli (1998) sugere a gerência
imunológica. A inspiração para esse modelo vem do sistema imunológico do corpo humano, que
tem como vantagens em relação ao cérebro que ele responde mais rápido e eficiente, trabalha
descentralizado e que tem a memória mais extraordinária na forma dos códigos genéticos. O
sistema imunológico possui uma organização autônoma e descentralizada altamente eficiente,
onde cada célula conhece sua área de responsabilidade. Ele é capaz de trabalhar com um
processamento paralelo descentralizado. Mesmo que as células sejam autônomas nas decisões e
possuam os próprios bancos de dados, elas não estão isoladas, mas interligadas por redes que
ligam as células a seus servidores. O sistema imunológico conta ainda com a cooperação do
sistema hormonal, das glândulas e outros órgãos. Uma outra vantagem do sistema imunológico é
que as células enviam mensagens em multicast (enviar para todos ao mesmo tempo e receber
simultaneamente) e que as suas mensagens não são baseadas em textos mas em padrões, o que
permite uma leitura muito mais rápida. Traduzir o sistema imunológico para nossos sistemas
produtivos e de serviços é então o grande desafio e a grande oportunidade.
A Metodologia ZERI, que é o principal conteúdo do trabalho de Pauli, está descrita no
Capítulo 4.
3.3 Desenvolvimento e Tecnologia
Com a Revolução Industrial surgiu um novo modo de produção - o capitalismo, e o
conceito de desenvolvimento mudou profundamente. Pela lógica do capitalismo, que tem como um
dos principais objetivos a acumulação de capital, a produtividade passa a ser o ponto crucial da
produção (Carvalho, 1997). O desenvolvimento tecnológico ajuda aumentar a produtividade e vira
sinônimo de progresso e desenvolvimento, uma vez que o fator social do trabalho está sendo
negligenciado pelo modelo capitalista. Na sociedade ocidental moderna, progresso é entendido
como a utilização de tecnologias cada vez mais avançadas que supostamente melhoram a
qualidade de vida de todos, e a tecnologia vira o elemento que determina suas condições de
desenvolvimento. A tecnologia chega até a ser vista como única solução para os problemas de
desenvolvimento (Carvalho, 1997).
Para os países em desenvolvimento a economia clássica recomendava a repetição
desse mesmo modelo histórico de desenvolvimento (Sachs, 1986). Mas especialmente nesses
países são poucos os beneficiados do desenvolvimento e grande parte da população enfrenta
uma situação econômica cada vez mais difícil. O sistema econômico e social contemporâneo com
seu crescimento “perverso”, tem depredado assustadoramente, em ritmo e intensidade crescente,
recursos humanos e naturais (Rattner, 1981).
48
Desde o início do século XX, o desenvolvimento tecnológico acontece num ritmo cada
vez mais acelerado e hoje chegamos numa situação que se expressa por diferenças gigantescas
em relação ao nível de tecnologia que cada sociedade dispõe. Mesmo dentro de uma sociedade
existem às vezes essas diferenças pelo desenvolvimento desequilibrado entre regiões e entre
diferentes
camadas
sociais.
A
transferência
de
tecnologia,
que
substitui
em
parte
o
desenvolvimento tecnológico, acontece em alta velocidade devido aos meios de comunicação, ao
acesso à informação e ao transporte disponível. Em conseqüência, a tecnologia disponível se
torna mais complexa e pode causar um impacto negativo em termos ecológicos, sociais, culturais
e econômicos. O impacto ecológico se expressa em degradação ambiental causada pela falta de
educação e conhecimento em relação à tecnologia transferida; o impacto social se expressa
através do desemprego, da exclusão e da migração para as cidades que a implantação de novas
tecnologia muitas vezes causa; o impacto econômico se expressa através da distribuição
desequilibrada da renda (aqueles que dispõem sobre a nova tecnologia se beneficiam, os outros
empobrecem); e finalmente o impacto cultural que se expressa pela perda da velhas tecnologias e
do trabalho artesanal o que pode desenraizar pessoas.
Conclua-se que a crença de que a tecnologia por si só pode resolver problemas ou
mesmo significar desenvolvimento pode ser enganoso. Existe sempre um complexo conjunto de
fatos e relações ao nível sócio-cultural que decidem sobre o sucesso na tentativa de solucionar um
problema por meios tecnológicos. Segundo Carvalho (1997), sociedade e tecnologia são
fenômenos indissociáveis e as transformações que ocorrem numa delas altera, reciprocamente, a
outra.
Na busca de soluções para o dilema entre a tecnologia como ferramenta de
desenvolvimento e como agente de depredação social e ecológico, surgiu a Tecnologia
Apropriada.
Tecnologia Apropriada
Segundo
Schumacher
(1977),
a
tecnologia
apropriada,
ao
fazer
o
melhor do
conhecimento e da experiência atual, é propícia à descentralização, compatível com as leis da
ecologia, sensível no uso de recursos escassos e planejada para servir à pessoa humana, em vez
de torná-la escrava da máquina. Sua implantação faz parte de um processo de transformação
social e política, orientada pela busca de alternativas para facilitar a vida e melhorá-la, criando e
organizando atividades em escala “humana” e coerente com os processos ecológicos. Portanto,
ela significa um desafio ao sistema econômico-social capitalista pela sua luta por tecnologias
ecologicamente sadias, pela exigência de auto-gestão, administração coletiva e tecnologias que
possibilitem uma certa auto-suficiência (Rattner, 1981).
O desenvolvimento sob o ponto de vista sócio-tecnológico necessita de uma nova
abordagem, além de objetivos e estratégias próprias. Knudsen (1992) definiu o desenvolvimento
como mudanças sócio-econômicas direcionadas para satisfazer as necessidades básicas do ser
humano, que precisam de participação social, de controle e do menor impacto ecológico possível.
As tecnologias usadas para este tipo de desenvolvimento podem ser chamadas de tecnologias
49
apropriadas. O mesmo autor alerta que a tecnologia apropriada é uma condição necessária para o
desenvolvimento, mas que ela não é uma condição suficiente. Willougby (em Knudsen, 1992)
definiu a tecnologia apropriada como tecnologia sob medida para o contexto psicossocial e
biofísico de um lugar e numa época.
Tecnologia apropriada não tem uma definição simples porque sua qualidade de ser
"apropriada" vem do contexto e do objetivo no qual ela está incorporada. Porém há características
que conferem à tecnologia o atributo "apropriada". Entre elas estão a sua capacidade de criar mais
empregos para a mão-de-obra ociosa ou subempregada, lá onde ela vive; criação de empregos a
baixo custo unitário e sem grandes investimentos ou importações; dotar a população até agora
marginalizada do "progresso técnico" de melhores ferramentas e equipamentos para assegurar
níveis de produtividade e de rendimento mais elevados e, finalmente, uma produção baseada em
matérias-primas locais ou regionais, prioritariamente para o uso e consumo dos produtores
(Rattner, 1981).
Para a proposta do presente trabalho, como descrito no capítulo 5 e 6, necessita-se
tecnologias que possibilitem a transformação dos resíduos em novos produtos. Procura-se então
soluções que não só garantam o sustento dos trabalhadores, mas que tenham efeitos positivos
sobre a distribuição de renda, emprego, saúde e relações sociais. Tais soluções, segundo
Schumacher (1977), devem fornecer métodos e equipamentos que sejam:
-
suficientemente baratos para serem acessíveis praticamente a todos
-
adequados à aplicação em pequena escala
-
compatíveis com a necessidade humana de criatividade
30
Aplicadas ao âmbito sócio-econômico de pequenos proprietários rurais
organizados
numa cooperativa, as tecnologias apropriadas devem satisfazer as seguintes necessidades:
-
uma boa agregação de valor aos "resíduos";
-
uma renda estável;
-
empregos para moradores das pequenas propriedades que estão subempregados;
-
baixos investimentos que estão dentro das possibilidades de associações de
proprietários ou da cooperativa;
-
não exigir um alto nível de escolaridade para a aprendizagem e o domínio da
tecnologia;
-
redução ao mínimo de energias não renováveis nos processos;
-
somente geração de "resíduos" que possam ser transformados em matéria-prima
através de outras tecnologias apropriadas.
31
Tecnologias apropriadas visam o máximo em sentido (high sense)
para dada situação,
o que significa cumprir as necessidades de forma eficiente.
No sub-capítulo 6.1 “Processos e Produtos” estão descritos as tecnologias apropriadas
para esses processos.
30
ver capítulo 5.2.1
A expressão high sense foi introduzida para questionar a fascinação pela tecnologia por si, que
31
50
Outro
requisito,
segundo
Knudsen
(1992),
para
a
implantação de tecnologias
apropriadas são agentes sociais que devem dispor sobre organização, poder (social, econômico e
político), informação, acesso à tecnologia em questão e capacidade de adquirir conhecimento. A
dificuldade de encontrar agentes com essas características dentro da comunidade favorecida ou
no mercado de trabalho exige a formação dos mesmos por ONGs ou pelo governo, o que favorece
a dotação dos mesmos com o poder necessário. Agentes sociais potenciais dentro da
comunidade, dotados com poder por vias oficiais, podem se transformar em agentes efetivos.
A
tecnologia
apropriada
não
pode
resolver
a
pobreza
e
os
problemas
do
desenvolvimento, porque a tecnologia é apenas um subsistema da sociedade. Para resolver esses
problemas precisa-se mecanismos políticos e econômicos que assegurem que as tecnologias que
são desenvolvidas ou transferidas sejam escolhidas de acordo com princípios específicos
(Knudsen, 1992). Pelos fortes interesses que influenciam as decisões políticas e econômicas, a
escolha implica em conseqüências sociais, favorecendo certos grupos e desfavorecendo outros.
Em função disso, a tecnologia apropriada tem que ser inserida no processo do desenvolvimento e
a sua escolha deve ser tratada como um conceito político chave.
Segundo Knudsen (1992), a tecnologia apropriada consiste em traduzir certos valores
em objetivos técnicos. Ela é uma forma de prática tecnológica que depende da participação das
pessoas cujos interesses ela deve servir e que, uma vez colocado em prática, espera-se que se
transforme numa política de desenvolvimento.
3.4 Conclusão
Para entender melhor o fenômeno da vida, precisamos entender a teoria de sistemas e
essa teoria nos oferece uma ferramenta eficiente na solução dos problemas atuais que afetam
nossa base vital. A teoria dos sistemas vivos que se baseia nos ecossistemas serve tanto para
entender processos da própria natureza quanto os processos produtivos. Sistema e complexidade
são conceitos importantes para criar comunidades duradouras e compreender a complexidade
tecnológica, o que é a base para tornar a tecnologia sustentável.
Estamos numa fase de grandes transições em todos os aspectos da vida, porém é de
fundamental importância direcionar as decisões e atuar dentro de uma visão sistêmica, baseada
nos princípios do paradigma ecológico. Este se expressa através de uma nova percepção do
mundo e novos valores, como cooperação em vez de competição, parceria em vez de dominação,
conservação em vez de expansão e qualidade em vez de quantidade.
Segundo Capra (1999), o desenvolvi mento sustentável é a única solução viável nessa
transição. Significa satisfazer as necessidades da sociedade sem diminuir as perspectivas das
futuras gerações. Isto exige que os países com um nível de vida material mais elevado diminuam
drasticamente o uso de recursos não-renováveis e invistam em maior produtividade da matéria e
da energia, a fim de oferecer uma chance real para que toda a população do mundo viva uma vida
digna e sustentável.
se expressa na palavra high tech (alta tecnologia).
51
A Agenda 21 é um programa de desenvolvimento sustentável elaborado com a
participação de todos os países do mundo. Ela contém as metas principais para o futuro
desenvolvimento e deve ser implantada com a devida importância em todos os países. Sendo um
programa global, ela facilita a comparação das metas executadas em diferentes países e
possibilita a extensão das metas de sucesso.
As crises são sinais de que um sistema chegou nos limites e que há necessidade de
mudanças para ele não entrar em colapso. Superar a crise e aproveitá-la como chance é uma
questão de percepção e de valores. As novas idéias que estão surgindo para superar a crise (por
exemplo os princípios da ciência generativa, p. 48) têm como base os ecossistemas que não
produzem detritos, que usam o sol como fonte de energia e que trabalham em cooperação, em
parceria e em teias.
O desenvolvimento de novas idéias está sempre ligado às pessoas. Mesmo que essas
pessoas não tenham a mesma importância para todos, podem acrescentar algo significativo. No
presente trabalho expõe-se o pensamento e o trabalho dos autores Schumacher, Capra e Pauli,
fazendo ligações entre as idéias dos mesmos.
A tecnologia sempre teve um papel chave no desenvolvimento e chegou a ser
considerada como solução para os problemas do desenvolvimento. Porém, o uso da tecnologia
sem considerar seu impacto sobre a ecologia, sociedade e economia pode causar problemas
graves, como degradação ambiental e injustiça social.
A tecnologia apropriada pode ser vista como filosofia na busca de soluções tecnológicas
para os problemas que foram percebidos como problemas sistêmicos. Tecnologias apropriadas
são as tecnologias que melhor correspondem às necessidades das pessoas em busca do
desenvolvimento sustentável.
52
CAPITULO 4: A Emissão Zero, uma Estratégia para o
Desenvolvimento Sustentável
Uma das novas idéias para viabilizar o desenvolvimento sustentável é a Iniciativa ZERI,
que resultou numa metodologia que está sendo aplicada em muitos projetos no mundo inteiro.
Esse capítulo aborda o conceito ZERI, a sua metodologia e a experiência em nível internacional e
finalmente analisa o ZERI no contexto brasileiro.
4.1 O Conceito ZERI
A Iniciativa de Pesquisa em Emissão Zero (Zero Emissions Research and Initiative,
ZERI) foi fundada e dirigida por Gunter Pauli na Universidade das Nações Unidas em Tóquio a
partir de 1994. Hoje ela está sediada na Fundação ZERI Internacional com sede em Genebra,
Suíça. A Iniciativa ZERI engloba uma análise sistêmica de cadeias produtivas, preocupada com
uma forma sustentável de suprir as necessidades dos seres humanos como água, alimentação,
vestuário, energia, empregos e habitação (Pauli, 1998). Ela significa uma revolução para os
processos produtivos tendo como lema: ”ao invés de esperar que a terra produza cada vez mais,
deve-se fazer mais com o que a terra já produz” (Pauli, 1998). Um importante aspecto tanto na
elaboração como na divulgação do conceito foi a ênfase na produtividade.
O conceito da produtividade é mais fácil de ser assimilado no mundo empresarial que o
conceito do desenvolvimento sustentável, uma vez que produtividade é associada pela maioria
das pessoas como aumento de lucro, enquanto o desenvolvimento sustentável ainda não
apresenta um conceito claro e se associa mais a uma perspectiva política de longo prazo.
Tysiachniouk (1996) identificou 73 definições de desenvolvimento sustentável e concluiu que, de
acordo com as áreas de atuação, os especialistas entendem o conceito de modo diferente. Os
ambientalistas, por exemplo, definem desenvolvimento sustentável com enfoque em preservação
ambiental, enquanto outros, principalmente economistas, tendem a incluir conceitos como
crescimento e bem-estar nas suas definições.
A produtividade dentro do paradigma cartesiano e da economia clássica é um valor
32
prestigiado e motivo para grandes esforços empresariais; o downsizing
representa um dos seus
33
conceitos de produtividade que está em contradição com o upsizing , conceito de produtividade
defendida pela Iniciativa ZERI. A produtividade do ponto de vista sistêmico é resultado da
otimização dos processos dentro do sistema.
32
O conceito de produtividade downsizing pretende aumentar a produtividade de uma empresa
através da diminuição do quadro de funcionários.
33
Upsizing está sendo usado por Pauli como resposta para o conceito de downsizing.
53
O objetivo do conceito de Emissão Zero foi definido da seguinte forma (Pauli, 1998, p.
204):
-
Nenhum resíduo líquido, nenhum resíduo gasoso, nenhum resíduo sólido;
-
Todos os inputs
-
Quando ocorrer resíduos, estes serão utilizados, por outras indústrias, na criação
34
serão utilizados na produção;
de valor agregado.
É através do valor agregado que esse conceito se torna economicamente viável e assim
surgiu o conceito de Upsizing que Pauli (1998, p. 205) definiu de seguinte forma:
“O conglomerado de atividades industriais através do qual subprodutos
sem valor para um negócio são convertidos em inputs de valor agregado para outros,
possibilitando, desta forma, o aumento da produtividade, a transformação global de
capital, de mão-de-obra e matérias-primas em produtos adicionais e na venda de
serviços, a preços competitivos, resultando na geração de postos de trabalho e na
redução - e eventual eliminação - de efeitos adversos às pessoas e ao meio
ambiente.”
A Emissão Zero é o objetivo final em relação à produtividade da matéria nos processos
produtivos e o Upsizing é seu resultado direto. Esses resultados já foram alcançados em muitos
projetos realizados no mundo inteiro, sendo o primeiro com operação comercial uma cervejaria na
Namíbia (ver sub-capítulo 4.2.1 Cervejaria ZERI).
A Iniciativa ZERI trabalha em várias linhas de pesquisa, com enfoque em:
- biossistemas integrados, que estuda a transformação biológica da biomassa, com a
finalidade de aproveitamento integral, e agregação de valor nesses processos por meio de
agentes como: bactérias, enzimas, cogumelos e minhocas. Exemplos são: cervejarias, criação de
porcos, óleo de palmas, aguapé.
- separação de materiais, que estuda processos tecnológicos para separar materiais,
com a finalidade de aproveitar-los integralmente e agregar valor nesses processos. Um exemplo é
a explosão a vapor (ver descrição no sub-capítulo 6.1 processo P5.2).
- matérias renováveis, que estuda o uso de matérias renováveis no lugar de não
renováveis, com a finalidade de diminuir o impacto ambiental. Um exemplo é o bambu para a
construção civil ou como fibra de armação em materiais compostos.
A Metodologia ZERI não se limita à biomassa ou matéria em geral, mas pode ser
aplicada também para serviços. Há exemplos da utilização de instalações militares subterrâneas
ociosas para arquivos de segurança, ou de prestação de serviços à distância por meio de
telecomunicações descrito por Pauli (1996). No presente trabalho não está sendo abordado a
aplicação da metodologia ZERI para serviços, uma vez que o enfoque está no aproveitamento da
biomassa.
34
Input descreve a matéria que entra num processo de transformação e output as matérias que
saiam dele. Se o output não é um produto final, ele deve se transformar, segundo a Metodologia
ZERI, em input para um próximo processo.
54
4.1.1 A Metodologia
O objetivo da Metodologia ZERI é encontrar modos de minimizar a necessidade de
inputs no processo principal e maximizar os outputs, para alcançar a maior produtividade das
matérias-primas (Pauli, 1998).
São cinco passos distintos realizados em seqüência para se chegar a esse objetivo:
1. Modelos de aproveitamento total utilizando a tabela de input-output;
2. Busca criativa de valor agregado utilizando modelos de output-input;
3. Modelos de conglomerados industriais (clusters);
4. Identificação de avanços tecnológicos;
5. Planejamento de políticas industriais.
Tabela de Input-Output
O primeiro passo refere-se à análise das matérias-primas que estão sendo utilizadas
como input e os outputs como produtos e resíduos. A sua apresentação acontece em forma de
tabela com os inputs no eixo vertical e os outputs no eixo horizontal. Esse processo é uma simples
quantificação e uma descrição para a elaboração do passo seguinte. A série de normas referente
à qualidade ambiental ISO 14.000 ajuda na elaboração da tabela input-output e na melhoria do
processo primário, diminuindo os resíduos através de processos mais "limpos". Os engenheiros de
processo têm o know-how para documentar e quantificar essa tabela. O que deve acontecer
simultaneamente é a melhoria da eficiência energética no processo primário. Para obter bons
resultados é útil envolver fabricantes de equipamentos, engenheiros de processo e especialistas
em energia. No capítulo 6 estão sendo apresentadas as tabelas input-output segundo a
Metodologia ZERI.
Tabela de Output-Input
O segundo passo é a elaboração da tabela output-input. No eixo vertical lista-se as
saídas da primeira tabela e no eixo horizontal faz-se um inventário de possíveis novos produtos. A
elaboração dessa tabela é um processo criativo, que exige uma visão interdisciplinar na busca de
oportunidades que os "resíduos" do primeiro processo oferecem. Não é fácil para as pessoas
envolvidas no processo primário imaginar todas as oportunidades, porque não faz parte do
"negócio" delas. Portanto, o grupo que elabora o segundo passo deve ser composto de diferentes
especialistas de acordo com as matérias envolvidas. Para matéria orgânica, por exemplo, é
indispensável integrar biólogos, bioquímicos e químicos para obter informações detalhadas dos
componentes e para identificar mais oportunidades possíveis e em seguida escolher as melhores
opções.
Os processos produtivos para gerar os novos produtos segundo a tabela output-input
também criam resíduos, que por sua vez são reintroduzidos no eixo vertical de uma nova tabela.
Dessa maneira cria-se um conglomerado de atividades complementares. Quando todas as saídas
55
tiverem encontrado um modo de serem utilizadas, a indústria terá alcançado o objetivo da
Emissão Zero. A utilização completa da matéria-prima traz um grande aumento na eficiência,
sobretudo se o transporte das saídas para a próxima entrada for mínimo como acontece nos
conglomerados industriais (ver abaixo).
Todos os processos produtivos previstos nas tabelas output-input devem ser analisados
segundo certos critérios para escolher a melhor opção para o sistema. Os critérios de seleção na
Metodologia ZERI são:
-
avaliar o potencial para a agregação de valor;
-
avaliar as tecnologias disponíveis;
-
estabelecer as necessidades de energia;
-
determinar os investimentos de capital;
-
revisar as necessidades de espaço físico;
-
calcular as oportunidades de criação de postos de trabalho.
Os argumentos para avaliar os processos terão que ser financeiros:
-
qual é o valor agregado do produto gerado?
-
qual é o custo da disposição da matéria original?
-
qual é o custo de energia para a transformação?
-
qual é o investimento necessário?
-
quanto custa o espaço físico necessário?
As respostas estabelecem uma base para a análise de fluxo de caixa e para uma
decisão quanto ao investimento. O fluxo de caixa muda quando uma empresa, por exemplo de
silvicultura, que normalmente teria um retorno somente após alguns anos, começa a produzir
cogumelos que podem ser vendidos imediatamente e que têm um retorno dentro de semanas,
ainda mais se os investimentos para o novo ramo são pequenos como no caso dos cogumelos.
Após essa análise econômica teríamos as informações necessárias para o próximo
passo dentro da Metodologia ZERI, os modelos de conglomerados industriais.
Conglomerados Industriais (clusters)
A modelagem de conglomerados industriais, o terceiro passo da metodologia, envolve a
organização física, administrativa e logística dos processos produtivos. Cria-se então um sistema
de processos com seu fluxo de matéria e energia, suas interdependências e sua comunicação. O
objetivo dos conglomerados é agrupar esses processos de uma forma que evita transporte,
estoque e logística, todos atividades que não agregam valor. Importante na modelagem dos
conglomerados industriais é a busca da escala adequada. Uma escala pequena demais pode
prejudicar a eficiência e com isso o lucro. Uma escala grande demais pode causar problemas
sistêmicos (por exemplo processos biológicos que fogem do controle). Mais uma vez é um grupo
multidisciplinar que pode dar as melhores respostas. O crescimento das indústrias deve acontecer
então pela multiplicação das unidades de produção já introduzidas.
56
Avanços Tecnológicos
O quarto passo é a identificação das tecnologias a serem utilizadas. Isso faz-se
necessário devido à possível falta de tecnologias para a conversão da matéria, como foi definida
pela tabela de output-input. A falta pode ser uma falta de informação ou mesmo uma falta de
tecnologia. Neste último caso deve-se investir em pesquisas para desenvolver novos processos.
A escolha da tecnologia deve acontecer de forma sistêmica, considerando além da eficiência na
transformação os aspectos sociais, ecológicos e econômicos. Em outras palavras: a tecnologia
deve ser apropriada (ver sub-capítulo 3.3).
Políticas Industriais
Depois que os problemas técnicos estão resolvidos, vem o quinto passo, o planejamento
de políticas industriais. A aplicação da lógica que emana da Metodologia ZERI algumas vezes não
s e encaixa no sistema legal e cultural existente. Por exemplo, as leis de vários países que não
permitem atividades industriais e agrícolas uma ao lado da outra. Neste caso uma campanha
informativa poderá sensibilizar para as vantagens de conglomerados e levar as autoridades a uma
interpretação mais flexível da lei.
A Metodologia ZERI tem um grande potencial a nível político, o de viabilizar planos de
desenvolvimento. Os conglomerados de indústrias são interessantes para os governos porque
criam postos de trabalho, aumentam a produção, a produtividade e evitam poluição, todos fatores
que fazem parte dos planos governamentais. Eles têm ainda a vantagem de precisar de menos
investimento e infra-estrutura de abastecimento, porque os ciclos da matéria são fechados.
A auditoria ZERI, que analisa indústrias não só sob o ponto de vista da melhoria no
desempenho e produtividade, mas também na redução da poluição, pode demonstrar as
oportunidades e potenciais que elas possuem. O resultado da análise pode levar a indústria a
expandir para outros campos, ou incentivar a criação de aglomerados industriais, ambos trazendo
desenvolvimento.
Outro grupo que pode tirar vantagem da Metodologia ZERI é dos investidores. Uma
auditoria ZERI pode revelar oportunidades para investimentos que não são conhecidas pelos
atuais métodos, porque estes apenas descrevem a situação presente, enquanto ZERI oferece
uma visão do futuro através da análise do potencial inerente da matéria-prima. Subprodutos de
processos, que hoje são considerados resíduos, podem trazer mais lucro para a indústria do que
o produto principal.
O downsizing era a estratégia do passado para minimizar os gastos com a finalidade de
obter mais lucro, mas com o efeito colateral de reduzir postos de trabalho, gerando desemprego e
todas as suas conseqüências. A vantagem do upsizing, como foi mostrado antes, aumenta os
postos de trabalho e gera mais lucro através da maior produtividade da matéria-prima sem
precisar de grandes investimentos.
57
Oportunidades
Percebe-se que a Metodologia ZERI traz vantagens para muitos: os ambientalistas têm
um instrumento para diminuir a poluição; os gerentes de empresas têm um instrumento para
aumentar a produtividade e a competitividade; os investidores têm um instrumento para obter
mais retorno sobre seus investimentos através de oportunidades até então desconhecidas; os
governos têm um instrumento de desenvolvimento sustentável regional; e os cientistas têm uma
metodologia interdisciplinar, que permite trazer um futuro sustentável.
O conceito de Emissão Zero também é um novo instrumento de gestão, comparável à
gestão de qualidade total. Enquanto esta se refere a zero defeito, a emissão zero se refere à
produtividade total da matéria. Esta produtividade total está longe de ser atingida quando
analisamos a silvicultura, cuja eficiência é de aproximadamente 30%. Por isso a Metodologia
ZERI aponta uma solução apropriada na busca do aumento da produtividade.
4.1.2 A Experiência Internacional
Desde 1994 a Metodologia ZERI vem sendo aplicada em vários países. O êxito se deve
a dois fatores principais. Primeiro, a metodologia é uma proposta nova, é sistêmica e consegue
integrar várias agendas de maneira coerente. Segundo, a atuação do fundador do projeto ZERI,
Gunter Pauli, que viaja incansavelmente pelos continentes propagando a idéia de forma
persuasiva. A ultima grande promoção do ZERI foi um pavilhão construído de bambu na
Exposição Mundial de Hannover no ano 2000.
Apesar do engajamento e dos sucessos obtidos cabe a pergunta: Porque a Metodologia
ZERI não está sendo mais aplicada ainda? Também existem dois fatores principais: primeiro,
sendo uma proposta nova que exige um pensamento aberto e sistêmico, muitos ainda não a
entenderam devido à dificuldade de superar os velhos valores; segundo, qualquer mudança
encontra uma resistência, porque ameaça a estabilidade. Mas os exemplos de projetos utilizando
a Metodologia ZERI mostram como se alcança maior produtividade e preservação do meio
ambiente.
Para ilustrar mais detalhadamente a metodologia ZERI apresentam-se em seguida
alguns exemplos, que se encontram nos livros Emissão Zero e Upsizing de Pauli (1996 e 1998) e
na página da Fundação ZERI (www.zeri.org).
Cervejaria ZERI
A Cervejaria de Tsumeb, Namíbia, foi a primeira instalação comercial no mundo a
utilizar o conceito ZERI. Para o aproveitamento dos resíduos da cervejaria foi desenvolvido um
sistema que, na sua primeira fase, utiliza os resíduos sólidos como alimento para peixes. O cultivo
de peixes exige também água, que é abundante numa cervejaria que em média consome 7 litros
de água por litro de cerveja produzido. A produtividade da unidade é de 15 toneladas de peixes
por hectare ao ano. O bio-resíduo está sendo aproveitado para a produção de gás, que fornece à
comunidade local um combustível. Comparando a produtividade padrão da “torta de cerveja”
como ração para gado, são gastas 7 toneladas de “torta” para gerar uma tonelada de carne
58
enquanto 1,8 tonelada de torta produz 1 tonelada de carne de peixe. A produtividade na
conversão para peixe é 4 vezes maior que na conversão para gado.
O exemplo da cervejaria pode ser transformado em um modelo ainda mais sofisticado.
Os grãos usados são ricos em fibras e proteínas e podem ser utilizados para fazer pão. Outra
parte do grão misturado com resíduos de serrarias compõem um bom substrato para o cultivo de
cogumelos. Os resíduos do cultivo de cogumelos podem servir para a alimentação de porcos,
cujos dejetos servem de insumo para um biodigestor que gera gás e um resíduo sólido, que é
despejado num tanque de algas, que servem como ração para peixes (ver figura 4.1). A
integração de todos esses elementos requer um conhecimento que nem um cervejeiro, nem um
criador de peixes, nem um cultivador de cogumelos têm. A elaboração de um sistema requer uma
equipe multidisciplinar com especialistas das áreas além de um moderador ZERI, que analisa o
fluxo de matéria, busca conhecimento sobre tecnologias apropriadas e pesquisa elos que faltam
para completar o sistema.
Figura 4.1 Exemplo da Cervejaria (segundo página www.zeri.org)
59
Biossistemas Integrados ZERI
Outro exemplo importante da aplicação da Metodologia ZERI são os biossistemas
integrados. Um projeto elaborado e realizado por uma equipe ZERI encontra-se na escola para
meninos destituídos: “a Cidade dos Meninos de Montfort” nas ilhas Fiji.
O projeto partiu da oportunidade de aproveitar o lodo descartado por uma cervejaria
para utilizá-lo no cultivo de cogumelos. Um efeito positivo do aproveitamento do grão foi que o
mar e os recifes de corais não sofreram mais com o despejo de água alcalina. Os resíduos da
produção de cogumelos, o substrato consumido, serve como ração para galinhas e porcos. Por
sua vez os dejetos desses animais são levados até um biodigestor onde é liberado gás metano
que é coletado e usado como combustível na própria escola. A produção de gás equivale a três
galões de gasolina por dia. Sem o biodigestor, o gás seria liberado na atmosfera perdendo seu
valor econômico, e contribuindo para a diminuição da camada de ozônio. Os resíduos sólidos do
biodigestor
descem
para
tanques
de
oxidação.
Neles
bactérias,
plâncton
e
outros
microorganismos transformam os resíduos numa perfeita alimentação para peixes. Por isso, um
grande tanque de peixes está acoplado ao último tanque de oxidação. O cultivo de peixes é uma
atividade tradicional em Fiji, o que facilitou a implantação do projeto. Os tipos de peixes foram
escolhidos para cumprir tarefas específicas dentro do tanque, como a carpa gramínea, que se
alimenta de gramíneas nas bordas do tanque; as carpas pretas que se alimentam do plâncton; ou
as carpas do lodo que se alimentam dos detritos no fundo. Esse sistema de criação de peixes não
precisa de antibióticos, o que é comum no cultivo tradicional, porque a diversidade das espécies
ajuda a evitar doenças e não há perigo de perder toda a produção por causa de uma doença que
ataca certa espécie de peixe. Também dispensa o uso de energia para bombear água, porque ele
trabalha com a força gravitacional. Por último, cultiva-se plantas na superfície do tanque e em
grades flutuando crescem flores, morangos e hortaliças. As raízes, mergulhadas na água, retiram
nutrientes e servem como alimento para um certo tipo de peixes sem prejudicar o crescimento da
planta.
Os benefícios de um projeto desse tipo são muito significativos: os alimentos produzidos
(cogumelo, galinha, porcos, peixes, hortaliças); a energia produzida (biogás); os benefícios sociais
(postos de trabalho, aprendizagem, dignidade); a eliminação de poluição (grãos da cervejaria) e a
diversificação da produção (menor dependência de um mercado). Todos esses benefícios não
deixam dúvida sobre o sentido de multiplicar esta iniciativa.
60
Figura 4.2 Exemplo de Biossistemas Integradas (segundo G. Chan, ZERI)
ZERI e a Praga do Aguapé
Um outro exemplo que mostra o benefício múltiplo da aplicação da Metodologia ZERI na
busca de soluções é o caso do jacinto d’água ou aguapé. Na região dos lagos na África a planta
está dominando toda a vida aquática, dificultando a pesca, o transporte fluvial e a geração de
energia através das hidroelétricas. A proliferação do aguapé é sintoma de um problema
ambiental: a erosão do solo. Os nutrientes do solo, junto com o excesso de fertilizantes que são
levados para os lagos formam um ambiente ideal para o crescimento do aguapé. Ele converte a
overdose de alimentos espalhados na água em biomassa de qualidade excepcional. O combate à
“praga” envolveu pesticidas, predadores naturais e até o exército, mas sem sucesso a médio ou
longo prazo. O aguapé sempre voltou devido à sua resistência e ao tempo de germinação de 15
anos.
A iniciativa ZERI não vê o aguapé como uma praga que precisa ser combatida, mas
como uma oportunidade. O aguapé é uma tentativa da natureza de corrigir os danos causados
pelo ser humano. Essa planta recolhe a matéria tão valiosa espalhado na água e nos leitos de rios
e fundos de lagos e concentra de novo o que foi espalhado. Ela inverte a lei da entropia e oferece
uma nova chance para usar melhor o que a terra nos oferece. Há necessidade de uma
61
visão sistêmica para sabermos aproveitar dessa oportunidade e não combater a planta,
que recupera para nós o que perdemos por ignorância, com herbicidas que põem em risco muitas
outras espécies.
Um grupo de cientistas e acadêmicos encontrou-se então para elaborar um plano de
aproveitamento da biomassa dos aguapés. Foram feitas experiências com o cultivo de cogumelos
em um substrato de aguapé que levaram a resultados extraordinários: em apenas 30 dias
brotaram os primeiros cogumelos e 10 dias depois já podia-se colher uma segunda vez e, mesmo,
uma terceira. O rendimento foi muito grande, 1 tonelada de substrato seco produziu 1,1 toneladas
de cogumelos. Os cogumelos, retirando os minerais e nutrientes do aguapé, recuperam dessa
forma o que se perdeu com a erosão e o transformam em alimentos.
O substrato residual pode ser usado para a criação de minhocas, que convertem o
resíduo em húmus e servem com alimento para a criação de galinhas. O exemplo mostra que em
vez de gastar dinheiro para combater uma “praga”, pode-se resolver o problema ambiental, gerar
ao mesmo tempo mil postos de trabalho com uma renda de dez salários mínimos, produzir
alimentos muito nutritivos, obter húmus para recuperar uma parte do solo perdido com a erosão e
tudo isso com baixa tecnologia e investimento. A solução se encontrou na própria natureza e no
espírito inovador do homo sapiens (Pauli, 1998).
ZERI e “Las Gaviotas”
O exemplo mais bem sucedido que trabalha com a Metodologia ZERI é de
reflorestamento na Colômbia. Numa região árida, com apenas três meses de chuvas por ano,
com um solo ácido de pH 4, o projeto “Las Gaviotas” demostrou que é possível reflorestar em
grande escala. Já foram plantados em torno de 11.000 hectares (cerca de 1000 hectares por
período de chuva, 3 meses ao ano) onde era considerado impossível, com resultados
surpreendentes: o microclima da região mudou; as árvores protegem o solo do sol, retêm a água,
diminuem a acidez do solo, geram uma renda de US$ 40.000 por mês através de produção de
colofônia de alta qualidade, que é processada no próprio local, e foram gerados 180 postos de
trabalho. Mesmo sendo uma monocultura (Pinheiro do Caribe), o reflorestamento facilitou a volta
de
uma
grande
variedade
de
espécies
e
criou
sua
própria
biodiversidade.
Além
do
reflorestamento, o projeto implantou uma infra-estrutura, incluindo um hospital, para os habitantes
da região. Um conceito importante no projeto “Las Gaviotas” é a sustentabilidade no uso da
matéria-prima, energia, água e na produção de alimentos. Outro conceito fundamental é a
tecnologia apropriada que está presente em toda parte: no plantio das árvores, na adubação, na
embalagem do colofônia, na recuperação do plástico, na climatização do hospital e na cozinha
solar. Mais uma vez o sucesso se deu graças a própria natureza que se auto-recupera e ao
espírito sonhador e inovador do ser humano.
Zeri e o Bambú
O exemplo mais recente é a Construção em Bambu. Para a exposição mundial em
Hannover em 2000 foi construída uma das maiores edificações em bambu no mundo. Mas esse
material serviu também para casas de interesse social que foram construídas após o terremoto em
62
janeiro de 1999 na região de Quindio, na Colômbia. A vantagem desse material é seu rápido
crescimento e a possibilidade da população rural poder “produzir” seu próprio material de
construção. A razão para o uso limitado do bambu na construção é mais uma vez uma questão de
valores. Se o bambu é considerado pouco valioso e sem prestígio, sua procura como material de
construção vai ser limitada. Só quando os valores mudam para a beleza natural, para
sustentabilidade e para seu mínimo impacto ambiental, o material ganha “valor” e a demanda para
a construção cresce.
4.2 A Metodologia ZERI aplicada ao contexto brasileiro
A Metodologia ZERI está sendo divulgada no Brasil desde 1996 através da Fundação
ZERI do Brasil. Em palestras, cursos acadêmicos e reuniões com líderes políticos tanto a
Fundação ZERI internacional quanto a nacional estão sensibilizando o público para esse novo
conceito de produtividade total da matéria. Acredita-se que vários problemas que o Brasil
enfrenta, como por exemplo o desperdício da biomassa, o desmatamento, o desemprego e o
êxodo rural encontram respostas nas experiências que a aplicação da Metodologia ZERI obteve
no mundo inteiro. Além disso, o Brasil dispõe sobre um clima que permite uma produção eficiente
de biomassa e a Metodologia ZERI oferece uma ferramenta eficiente para a produtividade total
dela, multiplicando o valor agregado, criando postos de trabalho e eliminando resíduos.
ZERI em Santa Vitória do Palmar 35
O projeto ZERI que está sendo implantado em Santa Vitória do Palmar mostra um bom
exemplo de desenvolvimento regional com a participação de vários órgãos e grupos. A ação
inicial foi um seminário em Janeiro de 1998 em Santa Vitória com o título “Seminário Internacional
da Metodologia ZERI para a Metade Sul do Estado Rio Grande do Sul”. A proposta foi o
desenvolvimento regional de uma região pouco desenvolvida (comparada com outras regiões no
sul do Brasil), através da criação de ilhas de sustentabilidade como modelos.
A iniciativa partiu do Governo do Estado e da Fundação ZERI do Brasil e o seminário
contou com a participação entre outros da EMBRAPA, EMATER, Associação de Produtores e
diversas Universidades. Foram apresentados a Metodologia ZERI e exemplos internacionais que
trabalham com essa metodologia e no final foi elaborado, junto com os participantes, um
programa de desenvolvimento sustentável através da Metodologia ZERI. Os enfoques foram o
cultivo de cogumelos, biossistemas integrados e o cultivo de algas e spirulina. Criou-se um grupo
de trabalho que em reuniões bimensais planejou a implantação do programa. Foi oferecido um
curso sobre a Metodologia ZERI, sobre biossistemas integrados e sobre o cultivo de cogumelos
em substrato de palha de arroz. Após um ano consolidou-se o projeto que atualmente conta com
25 produtores que estão iniciando a produção comercial (final de 2000). Um grupo de produtores
trabalha com cultivo de cogumelos, construções com palha de arroz e piscicultura consorciada
com arroz. Um outro projeto trabalha com cultivo comercial de spirulina, cultivo de cogumelos,
35
As informações neste parágrafo foram obtidas em entrevista com Francisco Fleck, colaborador
da Fundação ZERI do Brasil em 7 de novembro de 2000.
63
criação de porcos alimentados com os resíduos do cultivo dos fungos e com o aproveitamento do
esterco para um biossistema integrado com piscicultura, horticultura e aqüicultura de macrófitas
aquáticas. Esse projeto tem apoio da Fundação Banco do Brasil, da Fundação ZERI Brasil e da
Fundação Universidade de Rio Grande (FURG) que testou com bons resultados o cultivo de
spirulina com a água alcalina da Lagoa Mangueira.
A Rede ZERI Paraná36
A Rede ZERI Paraná é um projeto original iniciado e apoiado pela Secretaria de Estado
de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná e sediado no Instituto Tecnológico do
Paraná-TECPAR. Ele tem como objetivo a divulgação do conceito ZERI, o incentivo para a
implantação de projetos ZERI e o apoio conceitual e tecnológico. Em termos de divulgação foram
realizados várias palestras, seminários e workshops. O evento com o maior alcance foi o 1°
Seminário ZERI Paraná em novembro de 1999 em Faxinal do Céu, Paraná, que reuniu centenas
de pessoas das mais variadas áreas para conhecer, discutir e iniciar projetos ZERI. O projeto
mais importante, iniciado pela Rede ZERI Paraná, é o projeto do Biossistema Integrado para os
Suinocultores no oeste do Paraná, que tem apoio da equipe da Fundação ZERI internacional.
Nesse projeto aproveita-se dos dejetos dos suínos para produzir biogás, criar peixes e hortaliças
e elimina-se a poluição das águas na região. Outros projetos em implantação trabalham com o
cultivo do cogumelo do sol (agaricus blazei) em bagaço de cana e com a separação do composto
das embalagens longa vida (Tetrapak), onde as seis camadas da embalagem são separadas por
um processo bioquímico e os componentes se transformam de novo em matérias-primas. Esse
último projeto está sendo mantido pelo Instituto Pró-Cidadania de Curitiba que administra também
uma usina de reciclagem, onde se agrega valor ao lixo através da separação dos materiais, e
gera-se trabalho e renda.
Comparação dos Projetos Santa Vitória e Rede ZERI Paraná
Uma comparação desses dois projetos fornece informações interessantes sobre as
questões como organização, interdependências, comunicação e participação de um sistema. O
projeto de Santa Vitória usa o conceito de “ilha de sustentabilidade” para definir o sistema,
enquanto o projeto Rede ZERI Paraná usa o conceito de rede. A implantação aconteceu nos dois
casos de forma diferente. Em Santa Vitória criou-se o sistema através da participação ativa e
dinâmica dos grupos e entidades em volta de um projeto de desenvolvimento regional, enquanto
no Paraná a rede foi implantada por decisão política e procurou-se projetos adequados, como que
predestinados para a aplicação da Metodologia ZERI. O objetivo do projeto de Santa Vitória é o
desenvolvimento regional, enquanto no Paraná o objetivo é o desenvolvimento tecnológico. Em
Santa Vitória desenvolveu-se uma organização conforme a participação e a dinâmica do projeto,
enquanto no Paraná aproveitou-se de uma estrutura existente (o Tecpar) para organizar a rede.
36
As informações neste parágrafo foram obtidas em entrevistas com Lúcio Brush, Presidente da
Fundação ZERI do Brasil em 6 de novembro de 2000 e Francisco Fleck, colaborador da Fundação
ZERI do Brasil em 7 de novembro de 2000.
64
Em Santa Vitória o sistema tem seu enfoque na produção, enquanto no Paraná o enfoque está na
assistência técnica. A divulgação e extensão do projeto de Santa Vitória acontecerá através dos
produtores que participam do projeto, enquanto no Paraná isso acontece através dos técnicos da
rede.
Comparando vantagens e dificuldades nessas duas formas de implantação observou-se
como dificuldade a falta de facilitadores na rede ZERI Paraná. Esses agentes têm a função de
criar o espírito do sistema e cuidar da organização, do fluxo de informação, da relação e interação
entre os atores, da comunicação, da dinâmica etc. Os colaboradores da rede são técnicos e estão
mais preocupados com a transferência e criação de tecnologias. Pelo fato que o pensamento
sistêmico está pouco desenvolvido ainda, há uma falta geral de pessoas com as capacidades
acima descritas e que estejam acostumadas a trabalhar em equipes multidisciplinares. Acreditase que a forma mais eficiente para desenvolver essas capacidades é a implantação de projetos
com enfoque sistêmico. A Tabela 4.3 mostra os diferentes enfoques na implantação de projetos
ZERI.
Tabela 4.3: Comparação da Implantação de dois Projetos ZERI
Forma
Objetivo
Criação
Organização
Enfoque
Divulgação/Extensão
Financiamento
Santa Vitória do Palmar
Ilha de sustentabilidade
Desenvolvimento regional
Participativa
Criação participativa
Produção
Através dos produtores
FBB, FZB
Rede ZERI Paraná
Rede
Desenvolvimento tecnológico
Decisão política
Estrutura existente
Assistência técnica
Através dos técnicos
Estado
4.3 Conclusão
Quando se fala da Emissão Zero é importante ter em mente que a metodologia se
entende como conceito de produtividade total da matéria. Esse objetivo é realista quando
pensamos que a natureza desenha processos sem resíduos que não sejam aproveitados. Entre
os conceitos de produtividade como Qualidade Total (Defeitos Zero) ou Just-in-Time (Estoque
Zero) e Emissão Zero há uma diferença importante. Os dois primeiros trabalham com um conceito
linear de produção (embora eles possam ser aplicados a conceitos sistêmicos) enquanto o
conceito da Emissão Zero exige um pensamento sistêmico. Talvez seja isso a sua maior
dificuldade para a implantação.
Ainda há poucas pessoas entre os empresários e governantes que dispõem de um
entendimento do paradigma emergente, de sistemas e dos novos valores como cooperação,
parceria, qualidade e conservação para dar a devida importância a esse conceito. Para quem
pensa em processos lineares e valores como expansão, competição quantidade e dominação fica
difícil implantar a Metodologia ZERI.
Mas a desvantagem da falta de um pensamento sistêmico oferece ao mesmo tempo a
possibilidade de aprender os novos conceitos através da Metodologia ZERI e de integrá-los na
65
vida através da experiência prática. No Brasil, essa experiência está sendo vivida em Santa
Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul, e no Paraná em vários projetos da Rede ZERI Paraná.
Mesmo que esses projetos estejam ainda em implantação, o interesse de pessoas e entidades
que procuram soluções para seus resíduos ou para o desenvolvimento regional tem sido
animador.
As oportunidades para a Metodologia ZERI no Brasil são muitas devido a diferentes
fatores:
-
grande produção de biomassa e dos seus resíduos,
-
carência de política para usar melhor esses recursos,
-
carência de tecnologia,
-
carência de empregos e renda,
-
necessidade de desenvolvimento regional em todas as partes do país.
Porém as diferentes estratégias adotadas apontam para certos aspectos que devem ser
considerados previamente à implantação de um projeto ZERI no Brasil, como: participação
comunitária, planejamento regional estratégico e visão sistêmica.
66
CAPÍTULO 5: Proposta para a Aplicação da Metodologia ZERI
Após a elaboração e análise dos conceitos e temas, juntamente com as suas
interligações, partiu-se para a construção de um modelo para a aplicação dos novos conceitos de
desenvolvimento, especificamente da metodologia ZERI, através da pesquisa bibliográfica. O
procedimento escolhido foi:
•
elaborar o contexto da pesquisa;
•
desenvolver um sistema (SAIBA);
•
analisar os processos e produtos oriundos do sistema segundo a Metodologia ZERI;
•
analisar as tecnologias de transformação;
•
elaborar uma ferramenta para avaliação econômica do sistema (MAVA);
•
comparar o resultado da pesquisa com os objetivos propostos.
Considere-se essencial a elaboração do contexto sob ponto de vista sistêmico em
função das interferências que o ambiente sócio-econômico e cultural exerce sobre qualquer
atividade desenvolvida. O contexto para a elaboração do modelo deu-se pela proposta original de
acompanhar a implantação do modelo, o que era previsto nas pequenas propriedades rurais da
região de Erechim e pelo Plano COTREL de Reflorestamento (PCR) com sua infra-estrutura de
apoio. Subsídios para esta pesquisa foi encontrado numa dissertação sobre o PCR (Rampazzo,
1998), na análise da EMBRAPA sobre a viabilidade econômica da serra móvel (Schaitza, 2000) e
na análise da EMBRAPA sobre a produção e comercialização de madeira na região (Dossa,
2000), além de visitas à COTREL e sua área de atuação.
O processo de desenvolvimento do Sistema iniciou com a revisão da literatura sobre
resíduos florestais, sua composição e tecnologias apropriadas para sua transformação. Subsídios
foram encontrados na literatura sobre ZERI (Pauli, 1996/1998; www.zeri.org) e em anais de
congressos sobre silvicultura (Resíduos Florestais e Urbanos, 1997 e Forest 99, 1999). A
modelagem do sistema aconteceu através da escolha dos processos mais apropriados para a
transformação.
Para a análise dos processos e produtos foi aplicado a metodologia ZERI como descrito
no Capítulo 4, e para a análise das tecnologias foram usados os critérios sobre tecnologia
apropriada como descrito no Capítulo 3.
Com o objetivo de calcular a viabilidade econômica do sistema proposto e de obter uma
ferramenta para fazer essa avaliação em qualquer projeto que utilize a Metodologia ZERI,
elaborou-se a Matriz de Agregação de Valor. Ela apresenta as tabelas output-input da metodologia
ZERI em forma de cascata dentro de uma planilha (Microsoft Excel) e sobrepõe os cálculos
econômicos da agregação de valor.
Após da apresentação da metodologia para a construção da proposta segue seu
objetivo, o contexto e o sistema.
67
5.1 Objetivo
Construção de um modelo para a aplicação da metodologia ZERI como proposta para o
desenvolvimento sustentável, através da elaboração de um sistema de aproveitamento da
biomassa de árvores, que considere o ambiente sócio-econômico, a viabilidade econômica e
tecnologias apropriadas, incluindo:
•
elaborar ferramentas de cálculo do fluxo da matéria dos processos;
•
elaborar as tabelas output-input segundo a Metodologia ZERI;
•
calcular a agregação de valor aos resíduos;
•
buscar e avaliar tecnologias apropriadas para os processos de transformação;
•
avaliar o desempenho sócio-econômica das tecnologias propostas;
•
avaliar a organização e extensão da proposta.
5.2 Contexto
A região do Alto Uruguai no Rio Grande do Sul, à qual pertence o Município de Erechim,
já teve 70% da sua área coberta por florestas, mas apresenta atualmente apenas 5% (Butzke,
1991 em Rampazzo 1998, p.31). Esse desmatamento devastador deu-se pela intensa colonização
da região a partir da década de 20 do século passado, com uma maciça exploração da floresta
para obter madeira para a exportação e terras para a agropecuária. Os impactos sobre a fauna, a
perda de solo fértil, a degradação do regime hídrico e falta de madeira levaram a sérios
problemas. A COTREL inseriu o reflorestamento em seu plano estratégico, visando o uso de terras
ociosas dos seus cooperados, na maioria pequenos proprietários rurais, para o reflorestamento
como diversificação da sua produção, para o fornecimento de matéria-prima para a indústria local
e para a proteção do solo e dos mananciais.
5.2.1 Pequena Propriedade Rural
Para definir um contexto sócio-econômico e cultural colocamos alguns dados típicos da
Pequena Propriedade Rural na região de Erechim. De acordo com Rampazzo (1998, p.105.) essa
propriedade possui em média uma área de 18 ha e produz tipicamente grãos como milho, feijão e
soja (98%), cria animais como suínos, aves e gado (90%) e erva mate (57%). A grande maioria
(70%) dos proprietários herdou a propriedade e trabalhou sempre com agricultura. As famílias têm
em média 2,7 filhos, porém em mais que a metade delas (57%) nenhum dos filhos vai continuar na
propriedade. O número decrescente de filhos e o menor interesse deles pelo trabalho agrícola leva
a um “envelhecimento da agricultura” e a falta de mão-de-obra familiar na propriedade rural, que
conta em 70% dos casos exclusivamente com mão-de-obra familiar e apenas em 10% das
propriedades há empregados fixos. O baixo rendimento faz com que 20% das propriedades
tenham outras fontes de renda. A escolaridade dos proprietários rurais é baixa (na média até a 4ª
68
série do 1º grau) como também a consciência ecológica. Esses dois fatores têm uma forte
influência sobre a relação com o meio ambiente, especificamente com a mata nativa e com o
reflorestamento. Alguns proprietários rurais ainda utilizam a prática de queima da cobertura
vegetal secundária e em pelo menos 68% das propriedades, as leis ambientais que exigem uma
cobertura vegetal em 20% da área, a cobertura das áreas íngremes e matas ciliares, não são
cumpridas. Isto significa que existe, além da falta de consciência ecológica por parte dos
proprietários uma falta de fiscalização pelo governo. Mesmo existindo áreas abandonadas em
65% das propriedades, o reflorestamento está sendo pouco praticado. De 40 mil propriedades na
região apenas 3 mil aproveitam dessa oportunidade de diversificação da produção.
5.2.2 Plano COTREL de Reflorestamento
A Cooperativa Tritícola Erechim Ltda (COTREL), que abrange 23 municípios e conta
com aproximadamente 12 mil cooperados, elaborou no início dos anos 90 um plano estratégico
para a produção de madeira como matéria-prima para, mais tarde, construir uma fábrica de
celulose e papel. Esse plano foi desenvolvido porque vários fatores nas propriedades dos
cooperados são favoráveis à silvicultura. Da área total que fazem parte da cooperativa, 63%
(aproximadamente 300 mil hectares) são aptos para a silvicultura e 83% das lavouras se
encontram em áreas inadequadas. Além disso, há 100 mil hectares improdutivos e abandonados
(Rampazzo, 1998).
Ao mesmo tempo que existe um consumo regional de 2 milhões de metros cúbicos de
madeira (80% para fins energéticos e 20 % para fins industriais), a área reflorestada durante os
anos do incentivo fiscal (1965-1987) foi apenas 398 hectares nos três municípios centrais da
cooperativa e apenas 2 mil na região. A cobertura vegetal nativa continua ameaçada devido ao
déficit entre produção e consumo.
O Plano COTREL de Reflorestamento - PCR foi lançado em 25.09.1992 como estratégia
para uma ocupação racional do solo, para aumentar a renda dos produtores e para incentivar a
produção da matéria-prima florestal para a demanda local. Como objetivo ecológico visava-se a
proteção do solo e dos mananciais, além da recuperação da flora e fauna. Um primeiro viveiro
com capacidade para 200 mil mudas/ano fornecia as mudas e uma equipe de técnicos dava
assistência para os produtores rurais. Como meta foi definido plantar 67 milhões de mudas em 30
mil hectares num período de 10 anos. Um novo viveiro para 10 milhões de mudas/ano foi
implantada para atender a demanda e seminários florestais foram promovidos para a divulgação
do plano. A criação de arboretos e florestas demonstrativas nas comunidades (área da escola)
com propósito educativo, econômico, cultural e científico serviram de estímulo para alunos e pais
se familiarizarem com a atividade florestal. Parcerias com EMBRAPA Florestas, EMATER,
Prefeituras e a URI (Universidade Regional Integrada) deram apoio técnico-acadêmico para o
plano.
Segundo Ferron (em Rampazzo, 1998), foram gerados 33.600 m
3
de madeira em
69
crescimento para toras e 109.200 st
37
de lenha até 1998. No plano social é prevista a criação de
2.500 novos empregos e no plano ecológico espera-se a preservação de 1.110 ha de florestas
nativas, o seqüestro de 13.550 toneladas de carbono, um melhor equilíbrio hídrico, um ganho
substancial de húmus e uma maior biodiversidade.
Rampazzo (1998) detectou algumas dificuldades que o plano encontrou como o
desconhecimento técnico dos proprietários rurais e certa resistência e dificuldade de assimilar as
novas tecnologias levadas pela assistência técnica. Segunda essa autora, os programas de
subsídio do governo não criaram uma cultura de atividade florestal e falta a visão das vantagens a
médio e longo prazo que a atividade florestal traz para a região. Mesmo que a meta em termos de
área plantada só foi alcançada em 30% nos primeiros 5 anos, a sólida implantação e o crescente
interesse das prefeituras em reflorestamento são bons sinais. A COTREL é a única cooperativa
que está investindo na atividade florestal e desenvolve um trabalho ímpar com minifúndios e no
atendimento de interesses sociais.
Mesmo que o reflorestamento tenha um efeito ambiental positivo, Rampazzo (1998)
alerta pela falta de uma maior preocupação no PCR para melhorar o desempenho ecológico. Isso
se daria através da intensificação do uso de espécies nativas e do direcionamento do plantio em
locais estratégicos (matas ciliares, mananciais).
Entre as espécies plantadas destaca-se o eucalipto (seis espécies diferentes, mas
principalmente grandis, dunni e saligna) e pinus, além de erva-mate (a região é um dos maiores
38
produtores de erva-mate no Brasil). A produção atual segundo Ferron
é de 3 milhões de mudas
(1999), sendo 1,7 milhões de eucalipto, 1 milhão de pinus, 159 mil de erva mate e o restante se
divide entre árvores nativas e ornamentais. As mudas são vendidas para os cooperados, mas
também para a comunidade. Grandes clientes são as prefeituras que as vezes dão as mudas,
plantam ou vendem por um preço reduzido para a população a fim de incentivar o plantio de
árvores no município.
O principal objetivo da cooperação da COTREL com a EMBRAPA é estudar e viabilizar
tecnologias de desdobro, usando serras móveis para agregar valor à madeira na pequena
propriedade rural. Só em segundo lugar vem a preocupação com a agregação de valor aos
resíduos. Por enquanto a serra móvel está sendo usada nas pequenas propriedades para cortar
árvores de reflorestamento de qualquer tipo e idade a fim de produzir tábuas e vigas para uso
próprio. A sistematização vai começar quando as árvores plantadas a partir de 1992 estiverem
prontas para cortar. Dessa maneira, as espécies, a qualidade e a idade serão uniformes, o que
favorecerá a comercialização.
37
O estéreo é uma medida de volume que corresponde a um metro cúbico de madeira roliça
empilhada.
38
Dados obtidos por telefone no dia 1 de agosto de 2000
70
5.2.3 Projeto da EMBRAPA junto à COTREL
Enquanto a COTREL se preocupou em gerar mais renda e trabalho para os cooperados,
incluindo mais passos na cadeia produtiva e ao mesmo tempo aproveitar melhor dos resíduos da
atividade agro-florestal, a EMBRAPA Florestas desenvolveu um projeto para aumentar a
produtividade
da
silvicultura
brasileira
usando
integralmente
a
biomassa de árvores de
reflorestamento. A parceria entre as duas entidades tem como finalidade a aplicação da pesquisa
da EMBRAPA em favor dos pequenos produtores rurais na região de Erechim.
O projeto da EMBRAPA visa melhorar tanto a qualidade da matéria-prima, através de
estudos das espécies mais promissoras, quanto o processamento das madeiras (desdobro,
laminação, secagem, usinagem e acabamento superficial), através do estudo do comportamento
dessas madeiras. Com enfoque sistêmico, o projeto visa o aproveitamento integral da árvore
através da utilização dos resíduos gerados. Esses devem servir como matéria-prima para a
elaboração de produtos diversos. O melhor aproveitamento da biomassa é de fundamental
importância para a viabilidade econômica de qualquer empreendimento de base florestal.
Através da parceria entre EMBRAPA e COTREL os resultados desta pesquisa estão
sendo aplicados na cooperativa e a pesquisa de campo está sendo feito na mesma. Como
pesquisa de campo, foi avaliado o uso da serra móvel e a atual oferta e demanda de madeira na
região do Alto Uruguai com estimativa para os próximos 15 anos.
A primeira meta na cooperação da EMBRAPA com a COTREL foi a aquisição de uma
serra móvel pela EMBRAPA para o desdobro das toras no local do corte. Ela está desde 1998 à
disposição da COTREL. Após a instrução dos operadores do equipamento foram feitas
experiências e demonstrações públicas. A inovação divulgada na mídia local despertou o interesse
entre os cooperados que têm árvores plantadas e que necessitam de tábuas, pilares, vigas e
postes para o próprio uso. Atualmente a serra móvel está sendo utilizada comercialmente através
3
39
do aluguel do equipamento com os operadores por R$ 30,00 por m de tora cortada . A demanda
é grande porque o valor de um metro cúbico de tora eqüivale a R$ 30,00 para eucaliptos e pinus,
enquanto um metro cúbico da mesma madeira cortada em tábuas vale entre R$ 130,00 e 160,00.
A agregação de valor traz um beneficio para a comunidade e cria novos postos de trabalho.
(Projeto da Embrapa encontra-se na íntegra no Anexo A)
(Resumo da pesquisa da EMBRAPA sobre o A Experiência do uso da Serra Móvel encontra-se
no Anexo B)
(Resumo da pesquisa da EMBRAPA sobre a Produção e comercialização de Madeira de
plantios florestais na Região do Alto Uruguai encontra-se no Anexo C)
39
O câmbio do Real no presente trabalho pode ser considerado R$ 1,00 por US$ 0,50. Na
interpretação dos cálculos financeiros é importante lembrar que os preços de mercado para
madeira e seus subprodutos são sujeito a flutuações muitas vezes maior que as alterações
cambiais.
71
5.3 SISTEMA DE APROVEITAMENTO INTEGRAL DA BIOMASSA DE
ÁRVORES DE REFLORESTAMENTO (SAIBA)
Dentro do contexto descrito no sub-capítulo 5.2 desenvolveu-se um sistema que visa o
aproveitamento integral da biomassa de árvores e que se baseia na Metodologia ZERI. O conceito
de sistema foi escolhido em função da possibilidade de integrar os contextos técnicos, sócioeconômicos e ecológicos dentro da proposta do modelo e de poder analisá-los nas suas
dependências.
5.3.1 Modelo Conceitual do Sistema
A Figura 5.1 representa o sistema que foi dividido em três sub-sistemas para facilitar a
análise das conexões internas. Os sub-sistemas são:
1.
sistema técnico (processos, instalações físicas, tecnologias apropriadas)
2.
sub-sistema ecológico (floresta nativa, reflorestamento, flora e fauna, resíduos)
3.
sub-sistema sócio-econômico (pequena propriedade rural, cooperativa, produtos, mercado).
Figura 5.1: Modelo Conceitual do Sistema (proposto pelo autor)
72
Função do Desenvolvimento Sustentável
A satisfação das suas necessidades é o objetivo do ser humano e o desenvolvimento
sustentável serve como meio para alcançá-lo da melhor forma e sem prejudicar outros à fazerem o
mesmo. Como o tipo das necessidades influenciam a definição das metas, deve-se estar
consciente delas. Os três tipos de necessidades definidos por Maslow (citado em Moffatt, 1996)
são:
1.
a necessidade do ser humano que se expressa pela dignidade, pelo respeito à criação e pela
comunicação;
2.
as necessidades básicas que são: água, alimento, abrigo e saúde;
3.
as necessidades econômicas que devem criar uma base para suprir as necessidades acima.
As atividades econômicas não deveriam ser vistas como finalidade, mas como meio para
melhorar as nossas condições na busca de suprir essas necessidades.
O sistema deve então satisfazer essas necessidades para servir ao desenvolvimento.
Acredita-se que a implantação do SAIBA pode fortalecer a dignidade através de uma maior
independência econômica, pelo aumento de conhecimento e pela ligação mais forte com a
natureza. Esse último ponto pode-se desenvolver através do entendimento da importância da
natureza como fonte de materiais e serviços ecológicos. Em termos de suprimento das
necessidades básicas acredita-se que o sistema contribui fortemente através do aumento do
poder econômico mas também pela melhoria da qualidade ambiental.
Sistema, Espírito de Sistema e Motivação
Analisando o modelo sob o aspecto sistêmico deve-se pensar nos fatores chaves de um
sistema. Segundo as conclusões no sub-capítulo 4.3 são esses: o planejamento de implantação,
uma participação ampla e um cuidado com o espírito do sistema. Relembrando o espírito de
sistema como o conjunto de fatores não-materiais como forma, organização, relação, interação,
comunicação, retroação, participação, capacidade de adaptação, dinâmica e da sua permanente
mudança em função da manutenção do sistema.
Entende-se como espírito também uma força cooperativa que pode levar a grandes
conquistas humanas como a travessia do atlântico por Cristóvão Colombo ou Charles Lindberg ou
a viagem para a lua da missão Apollo. A motivação como força motriz de qualquer projeto é
conseqüência da nossa sintonia com o espírito.
A motivação clássica do sistema capitalista é o lucro financeiro e a expectativa desse
lucro muitas vezes une as pessoas e cria um espírito favorável ao empreendimento. Quando se
propõe uma nova forma de ver as atividades humanas, saindo da linearidade e do lucro financeiro
imediato, pensando em sistemas e no desenvolvimento sustentável, deve-se também repensar a
motivação e o espírito. A motivação num sistema deve ser a manutenção do sistema em benefício
de todos, o cumprimento das suas necessidades. O espírito que se cria é de cooperação e a
satisfação em criar o novo. Deve-se considerar também componentes fora do sistema com as
73
suas necessidades num constante fluxo de matéria e energia que está em equilíbrio
40
(Fliessgleichgewicht ). Pode-se chamar isso de espírito cooperativo onde todos ganham.
Subsistema técnico
O subsistema técnico aborda os processos de transformação da matéria, as instalações
técnicas para tal e as tecnologias apropriadas que estão sendo usadas. Uma descrição detalhada
desse subsistema encontra-se no sub-capítulo 6.1.
Subsistema Ecológico
O subsistema ecológico fornece a matéria-prima e absorve os resíduos enquanto há.
Mas além disso, o subsistema fornece insumos vitais para as nossas necessidades básicas de
água, ar e alimento. Nessa dupla função consiste o maior desafio em termos da interferência
humana, pois sem matéria-prima não podemos nos desenvolver e sem os serviços da natureza
não podemos sobreviver.
O subsistema ecológico aborda também o fluxo de matéria e energia. O fluxo de matéria
está descrito no Diagrama de Fluxo (sub-capítulo 5.3.2) e nas matrizes de agregação de valor
(sub-capítulo 6.2). A exigência em termos de fluxo de matéria é que os ciclos sejam fechados.
Neste caso, considera-se um ciclo fechado quando todos resíduos são transformados em
produtos. A agregação de valor nessa transformação é a medida da sua eficiência. Em termos de
fluxo de energia a exigência é que não haja entrada de energia não-renovável no sistema.
Subsistema Sócio-Econômico
O fato que o presente trabalho utiliza como contexto sócio-econômico uma cooperativa
favorece a estruturação do subsistema sócio-econômico, uma vez que o espírito cooperativo deve
estar mais desenvolvido que em outras formas organizacionais de atividades econômicas. Por
exemplo, a comunicação e a interação numa cooperativa se diferencia de uma empresa com
contrato social de Sociedade Anônima. Na cooperativa a comunicação acontece em rede, todos
podem comunicar-se e as decisões são tomadas em conjunto, enquanto na Sociedade Anônima a
comunicação é linear, de cima para baixo, e as decisões importantes são tomadas pela
assembléia dos acionistas. O que dificulta muitas vezes o êxito das cooperativas é o fato que os
cooperados vivem numa sociedade capitalista, com valores materiais, com pensamentos lineares
e estruturas familiares patriarcais e um espírito egocêntrico. Assim, o pensamento sistêmico e o
espírito cooperativo muitas vezes não se desenvolveram ainda suficientemente para adquirir a
eficiência possível da cooperativa. Através da retroalimentação (feedback) existe a possibilidade
de melhorar o sistema comparando de forma participativa o resultado obtido com o resultado
desejado e corrigindo as falhas nos processos, nas metas e na comunicação para alcançar
resultados cada vez melhores e construir o espírito cooperativo. Em função disso, a
40
Palavra alemã usado por Vester (1984) que expressa o estado de equilíbrio de um sistema na
sua constante troca com outros sistemas.
74
retroalimentação e a comunicação em geral devem ser tratados com grande importância dentro de
um sistema.
Na sugestão de soluções técnicas há necessidade de considerar constantemente todos
os aspectos de um sistema, analisá-los através de uma equipe multidisciplinar durante a
implantação e operação e desenvolver mecanismos para que haja uma retroalimentação que
possibilite a constante melhoria do sistema.
5.3.2 Diagrama de Fluxo
A Figura 5.2 visualiza os processos de transformação com seus os produtos e
subprodutos dentro do SISTEMA DE APROVEITAMENTO INTEGRAL DA BIOMASSA DE
ÁRVORES DE REFLORESTAMENTO (SAIBA). Partindo da árvore em pé, passa-se pelos
processos que agregam valor à matéria, até que toda a biomassa chegue como produto no
mercado. Esse objetivo da produtividade total da matéria-prima é a finalidade do conceito ZERI
que tem como conseqüência a eliminação dos resíduos, a agregação de valor e a geração de
novos postos de trabalho. Além disso, introduz a produção de alimentos (cogumelos) a partir de
um resíduo (serragem) da atividade florestal.
O sistema é muito mais complexo e oferece mais possibilidades que o gráfico consegue
representar, por isso o gráfico deve ser usado como apoio para trabalhar com o sistema e para
adaptá-lo de acordo com as necessidades, e o ambiente no qual ele está integrado.
-
o gráfico mostra os processos em retângulos
ovais
-
(números impares) e os produtos em
(números pares)
os números ao lado dos ovais e retângulos iniciando com a letra P se referem à descrição
de processos e produtos no sub-capítulo 6.1; o primeiro número representa o nível, o
segundo é numeração contínua.
-
a descrição dos processos inclui os produtos oriundos desses processos. Como produtos
entende-se toda matéria em estado sólido, líquido ou gasoso. Pelo conceito não existe
divisão em produtos e resíduos.
O fluxo de matéria e a agregação de valor foram calculados nas Matrizes de Agregação de Valor
(sub-capítulo 6.2) mantendo as denominações aqui estabelecidas. O Diagrama de Fluxo vale para
as diferentes matrizes com a modificação que alguns processos (p. ex. explosão a vapor P5.2)
que não estão sendo considerados em todas elas.
75
Figura 5.2: Diagrama de Fluxo do SAIBA (proposto pelo autor)
Observação: os números se referem ao número do processo/produto segundo sub-capítulo 6.1
76
CAPITULO 6: Processos, Tecnologias e Viabilidade Econômica
Esse capítulo descreve os processos e as tecnologias para viabilizar a transformação da
matéria-prima sem desperdício e que podem, dessa forma, ajudar para um desenvolvimento
sustentável dentro do contexto da pequena propriedade rural.
As ferramentas da Metodologia ZERI que foram usadas são as matrizes input-output
para qualificar e quantificar os produtos de cada processo. Em seguida, foram usadas as tabelas
output-input que identificam as possibilidades de agregação de valor aos produtos sem valor
implícito (os resíduos). As tabelas output-input foram elaboradas baseadas em informações
bibliográficas. O estudo das tecnologias apropriadas se baseia na literatura, embora no caso do
desdobro havia a possibilidade de estudar o desempenho no campo (Erechim, Agosto de 1999).
Para a secagem de madeira foi elaborado um projeto pelo autor que está em fase de teste (Março
2001). Para o cultivo de cogumelos foi elaborado um projeto pela EMBRAPA com a participação
do autor.
6.1 Processos e Produtos
A descrição dos processos e produtos está organizada da seguinte forma:
1.
Descrição geral do processo de transformação
2.
Descrição das tecnologias para a execução dos processos
3.
Lista dos produtos que saem do processo junto com a sua quantificação e seu
valor comercial
A escolha dos processos e produtos deu-se pela viabilidade em termos de processos
conhecidos que não exigem grandes investimentos e especialização da mão-de-obra e de
tecnologias apropriadas disponíveis. A lista dos processos não está completa, existem muito mais
possibilidades, mas o objetivo foi de mostrar algo simples e viável como base de trabalho. Como
se trata de um sistema, as possibilidades de alterar e modificar os processos e os produtos faz
parte e devem ser aproveitadas para melhorar o sistema como um todo e adaptar ele às
mudanças. Essas mudanças podem acontecer em função de outras necessidades dos produtores,
de mudanças no mercado ou de novas tecnologias disponíveis que viabilizem processos que
antes não eram lucrativos. Por exemplo, uma fábrica de placas de compensados e aglomerados
com selo verde, isto é, com matéria-prima de fontes renováveis e sem componentes que
prejudicam a saúde, pode mudar a demanda por produtos e em conseqüência mudar também os
processos. A demanda por lâminas e maravalhas de reflorestamento faria os preços para esses
produtos aumentarem, o que viabilizaria as instalações necessárias, e a demanda para uma cola
natural sem formaldeído vi abilizaria a extração da lignina da madeira através da explosão a vapor.
A lignina é o epoxi natural da árvore que cola as fibras entre si e pode servir perfeitamente para
aglutinar as partículas de placas aglomeradas ou compensadas (Pauli, 1998).
77
A biomassa analisada nos seguintes processos é de árvores da espécie eucalipto de
reflorestamento com uma idade entre 15 e 20 anos. A especificação de sub-espécie é feita na
descrição dos respectivos processos.
Os valores dos produtos
41
foram pesquisados em fontes diferentes e mostraram grandes
diferenças. Para corresponder melhor à realidade local, os cálculos foram baseados nos valores
do mercado local, mas para aplicar à matriz em outros exemplos, deve-se procurar os valores
correspondentes da região. Deve-se considerar também que os valores do mercado local ou
regional para cogumelos por exemplo são difíceis de distinguir pela falta do mesmo. Assim esses
valores dependem muito do marketing e do incentivo para o consumo de cogumelos na região.
Os valores dos custos operacionais foram estimados devido à falta de resultados de
implantação dos respectivos projetos. Os custos operacionais podem ser diminuídos se os
serviços forem prestados por mão-de-obra da família, outra vez ociosa, o que aumenta o lucro.
Porém, para um cálculo representativo deve-se incluir os custos da mão-de-obra familiar.
Segue-se a descrição dos processos e produtos:
Árvore em Pé
3
Valor médio da árvore em pé segundo Schaitza (2000): R$ 20,00/m
O corte: P1.1
Processo:
O primeiro processo na cadeia produtiva é o corte da árvore com a finalidade de obter a
madeira. As árvores são derrubadas, desgalhadas e cortadas em toras de três metros (ou
conforme a demanda).
Tecnologia:
A tecnologia mais utilizada é a moto-serra. O investimento é relativamente pequeno, os
custos operacionais são poucos e o equipamento pode facilmente ser transportado, facilitando o
aluguel ou empréstimo.
42
Os custos da derruba e transporte da tora até a beira do talhão, segundo Schaitza , são
3
em torno de R$ 5,00/m de tora.
Produtos:
Segundo Schumacher (1999) do total da biomassa de uma árvore encontravam-se
distribuídos segundo Tabela 6.1
Tabela 6.1: Input-output Processo P1.1 (segundo a Metodologia ZERI)
41
os valores monetários baseiam-se em dados levantados entre 1999 e 2000 e um câmbio de R$
2,00 por US$.
42
Comunicação pessoal
78
In\out
árvore
Folhas
13%
Ramos
10%
Casca
9%
madeira
68%
Folhas: P2.1
Atualmente é costume deixar as folhas no local do corte aproveitando assim os
nutrientes para a próxima plantação. Essa prática faz sentido uma vez que a maioria dos
nutrientes se encontram na copa da árvore e sem trabalho e custo adicional faz-se uma adubação
do solo.
Sant'anna (1999), alerta para esse aspecto:
“O tipo de componente retirado da floresta, por ocasião da colheita, tem grande
influência na ciclagem de nutrientes e na manutenção da produtividade do sítio.
Sob essa ótica, especialmente em povoamentos localizados em solos pouco
férteis, recomenda-se que a colheita de madeira restrinja-se à retirada do tronco,
deixando na área a copa e a casca.”
Uma possibilidade de agregação de valor à folhas dá-se através da extração de óleos
essenciais. Especialmente a subespécie “Eucalyptus citriodora Hook” tem uma quantidade grande
de óleos (1,3 a 1,5%). Esse processo está descrito em P3.1.
Optando pela devolução dos nutrientes ao solo não há necessidade de uma
compostagem ou outro tipo de tratamento para a decomposição mais rápida das folhas e
pequenos galhos. A decomposição ocorre naturalmente, mais ou menos paralela com a demanda
dos novos brotos de árvore que vão ser plantados na área onde as árvores foram cortadas.
Valor no Mercado: para as folhas não existe mercado na região, por isso seu valor pode ser
considerado zero. Na matriz foi usado o valor de R$ 5,00/t que corresponde aproximadamente aos
custos operacionais da obtenção (colheita).
Galhos: P2.2
Normalmente os galhos são usados pelo silvicultor como lenha. Nas pequenas
propriedades necessita-se lenha para fogões ou outras finalidades energéticas. Se o silvicultor
quer vender galhos como lenha, ele deve concorrer com quantidades pequenas contra os
produtores de lenha que utilizam a prática do desbaste ou ainda plantações próprias para lenha
(como a bracatinga na região metropolitana de Curitiba). Neste caso, a transformação da lenha,
procedente dos galhos, em carvão vegetal oferece uma oportunidade de agregação de valor.
Os ramos também podem ser utilizados para fabricar cabos de ferramentas, vassouras
etc. A necessidade de máquinas para essa operação requer um investimento e uma organização
para o uso eficiente dos equipamentos. Essa opção não foi abordada porque ia além dos
objetivos.
Valor no Mercado:
3
Valor de 1 m de lenha:
-
segundo Jacovine (1999), R$ 20,00
79
-
43
segundo Ferron
em Erechim se paga entre R$ 15,00 e 20,00
3
para os cálculos da matriz foi usado o valor de R$ 15,00/m
Toras: P2.3
As toras são o principal produto do corte das árvores. De acordo com o destino (produtos
serrados, laminados ou polpa) as suas dimensões são diferentes. Para os produtos serrados, as
toras tem de preferência um diâmetro maior que 30 cm e um comprimento de 3 m.
Valor no Mercado:
3
Valor de 1 m de madeira (em tora no toco):
-
segundo Schaitza (2000), R$ 30,00
3
para os cálculos da matriz foi usado o valor de R$ 30,00/m
Outros Produtos
Se as toras foram descascadas antes do desdobro (para evitar que a serra se gaste
mais rápido) a casca pode servir como terra para plantas (composto de casca) ou para cobertura
de canteiros de hortas. Uma análise dos componentes da casca pode levar a outras possibilidades
de agregação de valor. Essa opção não foi pesquisada no presente trabalho.
As raízes ficam na terra porque os custos da extração não compensam seu valor
comercial. Sendo assim, as folhas e raízes devolvem os nutrientes para a terra enquanto elas
apodreçam.
A serragem produzido pelo corte da moto-serra se encontra espalhado na área e a
quantidade é negligenciável, impossibilitando seu aproveitamento. Deixado na área ela serve
como nutriente para futuras plantações. Um aspecto importante é o uso ou não de óleo mineral
para a lubrificação da corrente da serra. Por razões ecológicas e econômicas, o óleo deve ser
vegetal.
A opção da queima dos resíduos no local demostra uma falta de percepção, porque
além de não aproveitar das oportunidades que os resíduos oferecem e da destruição dos
nutrientes na biomassa, ela causa poluição atmosférica e contribui para o efeito estufa.
Tabela Output-Input
Segundo a Metodologia ZERI as oportunidades da utilização dos resíduos podem ser
apresentadas nas tabelas de Output-Input, que servem como base para o próximo passo na
cadeia de agregação de valor.
Tabela 6.2: Output-Input Processo P2.1/2/3 (segundo a Metodologia ZERI)
43
dados obtidos por telefone no dia 1 de agosto de 2000
80
In\out
Folhas
Galhos
Madeira
Adubo
100/98,5%
Óleos ess.
100/1,5%
Carvão
Tábuas
Substrato
100/51%
100/49%
100/100%
Avaliação do Processo e dos Produtos
O Processo do corte não tem alteração diante da prática vigente, novo é a colheita das
folhas no caso em que se opta pela extração dos óleos essenciais.
Os produtos são os mesmos das práticas vigentes, só que entram as folhas como
produto no caso da extração.
Extração de Óleos: P3.1
Processo:
A extração de óleos essenciais das folhas de eucalipto serve para separar os óleos da
biomassa e ocorre através do seu arraste em vapor. As espécies de Eucalyptus citriodora contêm
um teor de 1 a 1,5% de óleos (Gomes, 1999). Outras espécies de eucalipto com qualidades
melhores para a produção de madeira possuem quantidades inferiores de óleos essenciais.
As folhas depois da extração e de uma secagem podem ser usadas como adubo sem
compostagem. Uma boa opção seria uma destilaria móvel que pudesse ser levada ao campo
evitando o transporte das folhas até o lugar de processamento e do adubo de volta para o campo.
Esse processo exige uma quantidade maior de energia que pode ser fornecida por
galhos ou restos de madeira.
Tecnologia:
O trabalho de Gomes (1999) descreve uma tecnologia simples e barata para a extração
de óleos essenciais das folhas de eucalipto, através do seu arraste em vapor. O sistema de
destilação consiste em uma panela de pressão 4,5 litros com três condensadores de dutos retos,
instalados em série; um funil de decantação grande e um fogão a gás. Foram destiladas 2,5 litros
de água e 250 gramas de folhas verdes durante 50 minutos, tempo suficiente para que cerca de
75% do seu conteúdo inicial fosse evaporado. O sistema de destilação alternativo, idealizado para
a extração do óleo essencial, mostrou-se eficiente e viável sob o ponto de vista operacional.
Custo operacional:
44
-
segundo estimativa do autor
-
R$ 5,00/kg óleo
Investimento:
-
segundo estimativa do autor R$ 3.000,00
-
amortização R$ 620,00/a (em 10 anos com taxa de juros de 16% a.a)
Cálculo das quantias input/output:
44
o cálculo dos custos operacionais inclui investimento, energia, amortização
81
45
-
1kg de folha fresca / (1+UR ) x rendimento de óleo (1,5%) / densidade (kg/l) = l de
óleo
Produtos:
Adubo: P4.1
Adubo a partir das folhas que foram usadas para a extração dos óleos essenciais.
Valor no Mercado:
Preço de 1 kg de adubo natural: R$ 0,25 (preço de mercado)
Óleos essenciais: P4.2
O óleo essencial das folhas de Eucalyptus citriodora, segundo Gomes (1999), pode
entrar na composição química de desodorizantes, de sabonetes, de desinfetantes, de velas
aromatizadas e de papel perfumado, com resultados altamente positivos. A colocação do óleo
essencial das folhas de Eucalyptus citriodora no mercado permite ao proprietário rural a
angariação de novos recursos financeiros, derivados da atividade florestal. Isto ocorre numa época
em que o retorno econômico desta aplicação é praticamente nulo, ou seja, na fase inicial do
desenvolvimento do povoamento florestal.
Valor no Mercado:
Valor de 1 litro de óleo essencial: R$ 10,00
segundo www.urbi.com.br/users/jmonteiro
Avaliação do Processo e dos Produtos
Segundo a pesquisa de Gomes (1999), o processo da extração de óleo essencial
mostrou-se eficiente e viável sob o ponto de vista operacional. A questão é a quantidade de folhas
de Eucaliptus citriodora esperada e o investimento que pode ser feito para a extração do óleo.
Quando se trata de outras espécies de eucalipto, deve-se pesquisar o mercado e a porcentagem
de óleo que pode ser extraída para calcular a viabilidade econômica. Um recipiente de
aproximadamente 1000 litros serve para processar a produção diária da serra móvel, trabalhando
com 4 cargas de aproximadamente uma hora. A produção diária seria de 2 kg de óleo por dia.
Como fonte de energia para a extração pode ser utilizado a lenha da própria árvore.
Os resíduos da extração (folhas) podem ser deixados no campo como adubo para o
próximo plantio ou podem ser vendidos como adubo natural ou as duas formas podem ser
combinados de acordo com o mercado de adubos e da necessidade de substituir os nutrientes.
Carbonização: P3.2
Processo:
45
UR = umidade relativa
82
A pirólise da madeira, segundo Brito (1990), é um dos fenômenos mais antigos de que
se tem conhecimento. A sua finalidade é a obtenção de carvão vegetal, o que ocorre mediante a
ação do calor que elimina a maior parte dos componentes voláteis. A temperatura durante esse
processo define o grau da eliminação desses componentes. Uma temperatura entre 350 e 380°C é
recomendada (Brito, 1990, p.6), temperaturas mais baixas deixam ainda componentes voláteis e
temperaturas acima de 500°C levam à decomposição do carvão.
Segundo Andrade (1999), a quantidade de carvão obtida no processo varia entre 30 e
35% dependente da espécie de madeira e da temperatura. A quantidade das gases condensáveis
fica entre 41 e 48%. De acordo com a eficiência do equipamento, a quantidade de condensado
obtido pode ser inferior. A tabela 6.3 foi extraída do trabalho desse autor.
Tabela 6.3: Rendimento de Carvão da lenha de Eucalipto
E. grandis
Carvão
35,21%
Gases condensáveis
41,48%
Gases incondensáveis
23,31%
Carbono fixo
27,82%
Fonte: Andrade (1999)
E.citriodora&robusta
30,00%
42,5%
27,00%
21,75%
E.pellita&urophylla
30,00%
47,50%
22,00%
23,25%
Brito (1990) descreve três tipos distintos de processos de carbonização:
1.
O processo com fonte interna de calor utiliza a queima controlada de parte da carga
de madeira para obter a energia necessária para a extração dos componentes
voláteis. A carga é colocada no interior de um “forno” e a queima é realizada mediante
a admissão controlada de ar no interior. Esse processo é o mais simples em termos de
equipamento e por isso o mais utilizado no Brasil. A construção de um forno em
alvenaria com tijolos comuns pode ser executado por qualquer pedreiro experiente. O
controle desse processo é mais difícil que dos outros, porque a queima parcial da
madeira e o controle da temperatura dentro do forno exigem muito experiência.
2.
O processos com fonte externa de calor utiliza uma fonte externa de energia para a
extração dos componentes voláteis. Nesse tipo de forno o calor é admitido na carga
através de gases quentes gerados na fornalha pela queima de madeira ou resíduos
florestais não aproveitáveis para transformação em carvão vegetal. O consumo de
madeira é menor que o observado no processo com fonte interna de calor. A
construção desse forno é mais complicada que do primeiro, mas o processo é mais
fácil de controlar e para a queima pode ser usada madeira não aproveitável na
carbonização.
3.
Retortas com recuperação dos gases do próprio processo para a geração de calor.
Em muitas concepções de retortas, prevê-se a recuperação de produtos químicos dos
próprias gases. Os gases inertes quentes são utilizados na queima e os gases frios no
resfriamento do carvão produzido. Esse processo é o mais eficiente e fácil de
controlar, mas exige um investimento maior no equipamento.
83
Tecnologia:
A produção de carvão vegetal é uma tecnologia antiga e é feita em escala artesanal até
industrial. Os métodos mais simples são empilhamento da lenha com uma cobertura de terra para
controlar a temperatura através da entrada de oxigênio. Os fornos com fonte interna de calor são
os mais adequados para uma produção em pequena escala pela construção simples do forno e
seu baixo custo. O forno de combustão externa deve ser usado para uma produção em maior
escala. O maior rendimento e a melhor qualidade do carvão compensam os custos adicionais da
construção. Segundo Brito (1990), essa tecnologia é ainda pouco usada no Brasil, mesmo sendo
disponível. Sua implantação é uma necessidade junto com a tecnologia de recuperação dos
componentes voláteis do carvão. A recuperação desses produtos traz, além do benefício
econômico através da sua venda, a eliminação da poluição atmosférica. A retorta é o equipamento
mais indicado para uma produção em grande escala industrial. Esse equipamento é normalmente
produzido em aço e composto de vários recipientes e dispositivos de transporte entre eles. O
aproveitamento tanto dos componentes voláteis quanto da energia faz das retortas os
equipamentos com a maior eficiência.
Uma retorta descrita por Andrade (1999) mostra um exemplo prático de baixo custo e
com recuperação das gases condensáveis como o creosoto, o piche, o etanol, o metanol e o
alcatrão, os ácidos acético e fórmico, a acetona, entre outras. A eficiência na recuperação das
gases (média de 11,5%) aumentaria significativamente com um resfriamento ativo do tubo coletor.
Esse dispositivo possibilitaria ainda a recuperação energética dos gases, produzindo água quente.
Através de uma coluna de destilação os produtos podem ser separados, o que
representa agregação de valor. A conclusão dos pesquisadores foi que a retorta é de fácil
operação e eficiente no que se refere à produção de carvão vegetal e de sub-produtos da
carbonização; e que a técnica tem potencial para se tornar uma nova fonte de renda para os
pequenos produtores rurais.
Custo operacional do forno:
-
46
segundo estimativa do autor
R$ 60,00/t carvão
Investimento para forno de alvenaria com recuperação das gases:
-
segundo Andrade (1999) R$ 807,00
-
amortização R$ 219,00/a (em 6 anos com taxa de juros de 16% a.a)
Custo operacional para a separação de líquido pirolenhoso:
-
segundo estimativa do autor
44
R$ 84,00/t carvão
Investimento para a separação de líquido pirolenhoso:
46
segundo estimativa do autor R$ 2000,00
o cálculo dos custos operacionais inclui investimento, energia, amortização
84
-
amortização R$ 540,00/a (em 6 anos com taxa de juros de 16% a.a)
Produtos:
Carvão: P4.4
O uso mais conhecido do carvão vegetal é para churrasqueiras e siderúrgicas, mas ele
pode ser também usado por exemplo para fins medicinais (anti-séptico e regulador intestinal).
Essa opção exige mais cuidado em termos de limpeza e qualidade, exigindo um equipamento
mais sofisticado, em compensação o valor do carvão vegetal medicinal é muito mais elevado.
Valor no Mercado:
Valor de 1 kg de carvão vegetal:
-
47
preço de supermercado R$ 0.60
Valor de 1 kg de carvão vegetal medicinal:
-
segundo pesquisa do autor R$ 870,00
Gases condesáveis: P4.5
O líquido pirolenhoso contém vários componentes. O alcatrão insolúvel decanta-se e
pode ser facilmente separado. Ele pode servir como solução preservativa para madeira. Existe a
possibilidade de vender o líquido para terceiros ou acrescentar mais um passo na cadeia produtiva
através da separação dos seus componentes. Esse processo deve acontecer num lugar central,
devido à pequena quantidade e da necessidade de um equipamento para a destilação.
O ácido acético é matéria-prima básica para diversos produtos farmacêuticos, solventes,
produtos para a preservação de alimentos etc. O metanol é matéria-prima básica para a produção
de resinas, solventes e pode ser usado como aditivo para gasolina. Os aromáticos, fenólicos e
aldeídos são insumos para a indústria química e farmacêutica e seu uso e valor comercial
dependem da composição química exata. Um estudo mais detalhado dos componentes químicos,
da sua aplicação e uso, do mercado e do valor comercial ultrapassa o objetivo desse trabalho.
Para alcançar os objetivos da iniciativa ZERI de eliminar os resíduos e agregar mais valor possível
necessita-se de uma equipe multidisciplinar que elabora em conjunto as melhores alternativas.
Os subprodutos da carbonização podem entrar numa nova tabela de Output-Input da
Metodologia ZERI.
Tabela 6.4: Output-Input Produto P4.5
In\out
Ague
gases
100/40,6%
47
Àcid.
acético
100/7,2%
Metanol
Aromáticos
Fenóticos
Aldeideos
Piche
100/3,6%
100/5,1%
100/4,3%
100/1,4%
100/8,7%
Não
condens.
100/27,5%
3
Cálculo das quantias input/output: m de lenha x densidade / (1+UR) x rendimento de carvão
(35%)= kg de carvão vegetal
85
As porcentagens são da massa (kg) das gases a partir de lenha seca ao ar (+/- 20% Umidade)
Fonte: Briane, D. & Doat, J. (1985) em Brito 1990 p.4
Valor no Mercado:
Valor de 1 kg de Ácido acético:
-
preço R$ 1,8/kg segundo Westprochem (www.westprochem.com)
Valor de 1 kg de Metanol:
-
preço R$ 2,00/kg segundo Westprochem (www.westprochem.com)
Valor de 1 kg de Piche:
-
preço R$ 1,20/kg segundo casa de material de construção
Os demais componentes são misturas que não são vendidas no mercado. Através de
processos químicos eles podem ser separados e comercializados.
Avaliação do Processo e dos Produtos
O processo de carbonização através de retorta de alvenaria com combustão interna é
amplamente usado e o conhecimento de manuseio é difundido. A operação da retorta com
combustão externa é ainda mais fácil devido ao fácil controle da temperatura. O processo da
condensação descrito por Andrade (1999), pode ser ainda melhorado usando água para o
resfriamento dos gases, tirando assim melhor aproveitamento.
Carvão vegetal para churrasqueiras tem um mercado e preços estáveis, e a qualidade
necessária não é difícil de alcançar. Diferente é a situação para carvão vegetal para fins
medicinais. A qualidade exigida necessita de mais conhecimento e cuidado na produção, mas
compensa pelo melhor preço (1 kg de carvão vegetal para fins medicinais é vendido pro R$ 870,00
no mercado).
A recomendação é de começar com a produção de carvão vegetal para churrasqueiras
para obter um retorno rápido e seguro e ao mesmo tempo pesquisar a produção de carvão vegetal
para fins medicinais.
Desdobro: P3.3
Processo:
O processo do desdobro tem a finalidade de obter tábuas, vigas e caibros. A tora é
cortada com uma serra no sentido longitudinal nas dimensões desejadas. Existem serras que
executam mais que um corte por passagem. Estas têm a vantagem de cortar a tora simétrica,
aliviando as tensões internas da tora simetricamente e evitando a torção da mesma.
Especialmente o eucalipto exige um grande cuidado para essa problemática devido às tensões
internas características dessa espécie (Schaitza, 2000). Para obter um resultado semelhante com
uma serra de um só corte, aplica-se um procedimento de cortar primeiro um lado e em seguida o
lado oposto para aliviar as tensões internas. Dispositivos para girar as toras no leito da serra
facilitam este processo.
O local da execução do processo interfere no mesmo. Pelas tecnologias disponíveis, a
forma mais usada é o transporte da tora até uma serraria estacionária. A serra para o desdobro
86
exige um amplo espaço físico e uma fonte potente de energia mecânica. A fonte de energia era
antigamente a energia hidráulica, por isso as serrarias foram construídas na margem de rios ou
riachos. Com o surgimento da energia elétrica e dos motores a combustão, as serrarias ficavam
independentes da energia hidráulica e o local podia ser escolhido livremente. Pela inviabilidade
técnica de serrar a tora no local, o produtor era obrigado de vender as toras para o dono da
serraria ou, se ele necessitava de tábuas, pagava o dono da serraria com uma parte delas.
Com a disponibilidade de serras móveis existem novas oportunidades. Essas serras
pequenas e móveis, podem ser rebocadas ou até colocadas em cima de uma caminhonete e
levadas até o local das toras (no próprio local da corte ou numa clareia). Como essas serras
funcionam a óleo diesel ou gasolina, elas estão independentes da rede elétrica. O desdobro das
toras no local oferece as vantagens de evitar o transporte desnecessário dos sub-produtos, de
agregar valor na propriedade rural e principalmente de viabiliza economicamente o desdobro de
pequenas quantidades de toras produzidas em lugares mais afastadas, o que corresponde à
realidade da pequena propriedade rural.
A energia necessária para o desdobro depende do tipo de serra e da sua potência.
Tecnologia:
Existem várias tecnologias para o desdobro da madeira de acordo com o tipo da serra,
movimento da serra relativo à tora (serra fixa ou tora fixa) e como vimos acima, com a serra
estacionária ou móvel. Pelo fato que a serra móvel viabiliza o desdobro na pequena propriedade
rural, a descrição da tecnologia limita-se a esse tipo de serra.
Os dois principais pontos na escolha da serra são os investimentos e a produtividade da
serra. Os argumentos para a escolha são a escala e a organização. Schaitza (2000)
48
aborda este
assunto e chega à conclusão que a serra portátil que está sendo usada em Erechim é
economicamente viável e oferece até possibilidades de bons lucros, usando ela em dois turnos por
dia. A área necessária para produzir madeira suficiente para justificar a posse de uma serra é de
70 a 120 ha no caso do eucalipto. Mesmo necessitando um investimento maior (em torno de R$
3
80.000,00), a serra trabalha com lucro graças a sua produtividade (7 m /dia).
Essa serra é uma serra fita a qual se move ao longo da tora. Ela é equipada com um
motor a óleo diesel e uma mesa com dispositivos hidráulicos para manejar a tora em cima do leito.
A vantagem da serra fita em relação a serra circular é a espessura do corte de somente 2,3mm, o
que mantém o desperdício pequeno e a hidráulica que ajuda no procedimento de cortar as toras
de eucalipto sistematicamente para evitar o máximo a torção da mesma.
3
3
Hoje, um m de tora de eucaliptos vale ao redor de R$ 30,00. Um m de tábuas de
eucalipto vale mais ou menos R$ 180,00. Calculando com uma eficiência de 50% no desdobro da
3
3
tora e custos de R$ 30,00 para desdobrar um m de toras com a serra móvel, o lucro por 2 m de
tora vai de R$ 60,00 para R$ 120,00 (R$ 180,00 menos R$ 60,00 de custos do desdobro).
3
Podemos ver que a agregação de valor por m de madeira na floresta já é de R$ 60,00 ou de
87
100%. Como os resíduos ficam com o pequeno proprietário (ao contrário quando a tora é vendido
inteira), ele terá mais possibilidades de aumentar o valor agregado.
Quantificação dos Resíduos
Para a quantificação dos resíduos foi consultada a literatura. Os números na literatura se
referem a pinus e não eucaliptos, mas para a quantificação dos resíduos do desdobro não há
diferença.
Para definir as saídas (output) do processo do desdobro foram usados os números da
pesquisa de Olandoski (1999) por serem baseados num grande número das amostras e por
usarem uma metodologia apropriada.
Tabela 6.5: Input-Output Processo P3.3
in\out
tora
Madeira (tábuas)
51%
costaneira
12%
refio
24%
destopo
3%
serragem
10%
Produtos:
Tábuas: P4.6
Tábuas e vigas são os principais produtos do desdobro. Para diminuir a perda no
desdobro e dessa forma agregar mais valor à tora precisa-se cuidados em todas as fases do
processo. O primeiro cuidado é na hora de escolher as sementes porque, especialmente no
eucaliptos a porcentagem de perda por causa de encurvamento, arqueamento, torcimento e
rachaduras depende muito da espécie. O segundo cuidado é no espaçamento entre as mudas,
depois na poda (desrama), no desbaste e em geral no manejo do plantio (Menezes, 1998).
Os problemas da exatidão do corte e o torcimento segundo Waugh (1998) podem ser
dominados através de novas práticas de corte e do manuseio do produto. Com uma estratégia e
um sistema de cortar foi obtido uma maior produtividade e melhor qualidade. Carruagens
especiais e serra dupla levaram a menos torcimento, medidas exatas e melhoria da produtividade.
Valor no Mercado:
3
49
Valor de 1 m de tábuas de eucalipto R$ 130,00 –150,00 segundo Ferron
, R$ 180,00
segundo Schaitza, 2000, R$ 250,00 -300,00 segundo Paledson
3
Para a matriz foi escolhido o valor de R$200,00/m .
Costaneiras: P4.7
Costaneiras são tradicionalmente usadas para construções como galpões, estábulos ou
quando é desejado um aspecto rústico. A escolha das melhores costaneiras e o corte paralelo dos
laterais através de uma serra circular com duas lâminas gera um produto padronizado e leva a
48
ver Anexo B
88
uma agregação de valor. Esse beneficiamento junto com um marketing de "rústico e ecológico"
oferece novas oportunidades no mercado de material de construção.
A trituração das costaneiras abre a possibilidade de usá-las como substrato para a
criação de cogumelos. Se as costaneiras tiveram com casca, deve-se estudar a influência da
mesma sobre o desenvolvimento dos cogumelos.
Valor no Mercado:
3
3
Valor de 1 m de costaneiras de eucalipto R$ 15,00/m
Para o valor de costaneiras foi colocado o valor de lenha porque não existe um mercado
para costaneiras.
Serragem: P4.8
A serragem na região de Erechim está sendo usada para cama de aviários. O preço no
3
50
mercado é de R$ 3,00 por m (Piazza ) o que demostra a pequena procura. Com isso, muitas
serrarias não conseguem vender e acumulam esse "resíduo" num terreno ou o queimam.
Segundo Conto (1997), a serragem está sendo utilizada pela indústria de cimento e cal
como substituto para a lenha, mas a distância dessas indústrias das serrarias e a necessidade de
secar a serragem muitas vezes deixa essa opção inviável. O uso energético da serragem deve ser
mantido em segundo plano, uma vez que a produção de proteína através do cultivo de cogumelos,
agregando mais valor, faz mais sentido que a sua queima, que tem como efeito colateral a
produção de gás carbônico.
A composição da serragem é a mesma da madeira, refio e destopo, contudo a forma
física se apresenta diferente. Aproveitando da superfície maior e das fibras mais curtas pode-se
aproveitar da serragem para substrato para o cultivo de cogumelos, para produzir carvão
granulado ou para produzir polpa para a fabricação de papel.
Valor no Mercado:
3
Valor de 1 m de serragem de eucalipto: R$ 3,00, segundo Piazza
Refio e Destopo
Diferenciam-se da madeira pela dimensão. Muitos pedaços do refio podem ser utilizados
para cabo de ferramentas, vassouras etc.
Outra opção é a carbonização dessa madeira (junto a galhos por exemplo), para obter
carvão vegetal para churrasqueiras.
Também há a possibilidade de triturar essa madeira para a preparação de substrato para
o cultivo de cogumelos.
Uma outra possibilidade é a separação dos elementos da madeira (celulose,
hemicelulose e lignina) através da explosão de vapor. Esse processo leva a uma agregação de
valor grande pelo valor dos seus produtos no mercado. A descrição desse processo (P5.2) segue
mais adiante.
49
50
dados obtidos por telefone no dia 1 de agosto de 2000
comunicação pessoal no dia 16 de agosto de 1999
89
Valor no Mercado:
3
Valor de 1 m de refio/destopo de eucalipto: R$ 15,00
Para o valor de refio/destopo foi colocado o valor de lenha, porque não existe um
mercado para refio/destopo.
Tabela 6.6: Output-Input Processo P3.3
in\out
tábuas
cost. benef. peq. objet.
carvão
substrato
Expl. vapor
madeira
100/90%
100/10%
costaneiras
100/60%
100/40%
Refio/destopo
100/50%
100/50%
serragem
100/100%
Obs.: essa tabela deixa muitas opções abertas, porque tanto costaneiras como refio, destopo e
serragem podem servir para carvão, substrato ou explosão a vapor. O direcionamento depende
das tecnologias disponíveis e do mercado para os produtos.
Outros Produtos: Polpa e Capas Aglomeradas
Tanto a madeira das costaneiras, refio, destopo como a serragem podem ser utilizadas
para a fabricação de chapas de madeira ou para a produção de papel. Tanto as indústrias de
chapas de aglomerados quanto as indústrias de papel têm suas próprios fontes de madeira de
reflorestamento, que fornece a qualidade e quantidade uniforme que a indústria precisa para
produzir com qualidade uniforme. Para conseguir fornecer para esse mercado precisa-se de uma
produção grande e contínua, o que no caso dos pequenos proprietários rurais seria difícil de
alcançar. Através de um aumento significativo da área de reflorestamento na região a implantação
de indústrias de polpa ou aglomerados poderia ser tornada viável.
Avaliação do Processo e dos Produtos
O processo do desdobro através da serra móvel já foi implantado com sucesso na
COTREL e seus cooperados que trabalham com silvicultura podem aproveitar desse serviço.
Os produtos do desdobro, fora das tábuas, deixam muitas opções de agregação de valor
abertas. Por exemplo a escolha de transformar costaneiras em material de construção, em
pequenos objetos de madeira, em carvão vegetal, em serragem para o cultivo de cogumelo ou
usá-las para a extração de lignina, hemicelulose e celulose através de explosão a vapor depende
das tecnologias disponíveis para o pequeno proprietário ou a cooperativa, do incentivo através de
órgãos como a EMBRAPA e do mercado para tais produtos.
A implantação dessas tecnologias, a extensão, a pesquisa do mercado e o marketing
exigem um forte apoio para os cooperados e necessitam de um financiamento. O financiamento
pode ser feito através de linhas de financiamento para a criação de emprego, para o pequeno
proprietário rural e através de uma parte dos lucros obtidos pelos processos de agregação de
valor.
Secagem de Madeira: P5.1
Processo:
90
A secagem de madeira, especialmente no caso do eucalipto é reconhecida como um
elemento vital de agregação de valor no processamento da madeira. Del Menezzi (1999) alerta
que a secagem ao ar causa uma grande perda de valor devido a:
–
colapso, especialmente nas espécies de menor densidade,
–
tendência a rachaduras superficiais nas tábuas tangenciais,
–
alta contração,
–
acentuado gradiente de umidade e
–
tensões de secagem pronunciadas.
A secagem controlada em estufa segundo Martins (1999) diminui significativamente esse
problema, além de reduzir o tempo de secagem e com isso disponibilizar o capital mais rápido. O
comportamento característico de seis espécies de eucalipto diante da secagem é:
Tabela 6.7: Secagem de vários tipos de eucalipto
camaldulen
torcimento pequeno
rachaduras forte
secagem
muito lenta
Segundo Martins (1999)
citriodora
pequeno
muito lenta
cloeziana
moderado
pequena
moderada
grandis
pequeno
pilularis
pequeno
urophylla
pequeno
moderada
moderada
lenta
As medidas mais apropriadas para a secagem segundo a literatura são uma présecagem ao ar livre por duas semanas, seguida por uma secagem em estufa.
Tecnologia:
A tecnologia mais usada para secagem de madeira utiliza estufas em alvenaria ou
alumínio com aquecimento através de lenha, maravalha ou serragem. Porém, existe a
possibilidade de secar a madeira com energia solar. Um secador solar oferece uma opção
apropriada para as necessidades dos pequenos silvicultores. Baixo investimento e baixo custo de
serviço abre a possibilidade de beneficiar seu produto, agregando valor e criando trabalho.
51
A bibliografia sobre secadores solares mostra uma variedade grande de tipos. Plumptre
faz uma comparação de vários tipos de secadores solares para madeira serrada e classifica
quatro tipos básicos:
1.
Estufa (todas as paredes transparentes)
2.
Semi-estufa (teto e algumas paredes transparentes, o restante é isolado)
3.
Coletores externos (estrutura separada de coletor e câmara)
4.
Solar desumidificador (equipado com desumidificador e recuperação da energia de
condensação)
Foi desenvolvido pelo autor, em parceria entre CEFET e EMBRAPA um secador solar
3
tipo semi-estufa para 1m de madeira com base de concreto, paredes de compensados com
51
Plumptre, R. A. (1985). Solar Kilns for Sawnwood. Forest Products Abstracts 8-2
91
isolamento e uma cobertura de folha de plástico e a área de absorção sob ângulo de 35° da
horizontal. Dois ventiladores internos mantêm uma circulação forçada que facilita a secagem. A
operação pode ser manual ou automatizada de acordo com os recursos. Este secador está em
fase de teste (Março 2001).
Produtos:
O produto desse processo são as tábuas secas e, conforme os problemas acima
descrito, espera-se tábuas com falhas que surgirão durante a secagem. Essas tábuas ainda
podem ser aproveitadas na própria propriedade rural para construções que permitam tábuas com
falhas, ou podem entrar em outros processos de agregação de valor como a carbonização,
produção de substrato para cultivo de cogumelos ou explosão a vapor.
Tábuas secas: P6.1
Valor no Mercado:
3
Valor de 1 m de tábuas secas de primeira qualidade, R$ 410,00, e R$ 370,00 para
segunda qualidade
52
Segundo a empresa Paledson, Telemarco Borba
3
Para a matriz foi escolhido o valor de R$380,00/m .
Avaliação do Processo e dos Produtos
Para avaliar a eficiência da secagem com energia solar foi construído um secador para
madeira com tecnologia apropriada para a pequena propriedade rural. O objetivo principal foi um
secador com baixo custo de investimento, baixo custo de serviço, simples construção e
manutenção, simples uso, boa eficiência na secagem e um manual específico para a secagem de
tábuas de eucalipto. Uma série de testes deve mostrar a eficiência de secagem em várias
condições e quais são os melhores parâmetros do processo.
O processo de secagem é importante para o produto porque muitos problemas
relacionadas com tábuas de eucalipto vêm da falta de secagem ou de uma secagem imprópria.
Com uma secagem controlada, a qualidade do produto melhora significativamente o que ajuda
também a eliminar certos preconceitos contra eucalipto como madeira para construção e para a
indústria moveleira.
Mais um passo na cadeia produtiva pode ser o beneficiamento das tábuas secas, por
exemplo, para assoalhos. Um investimento em torno de R$ 10.000,00 pode produzir um valor
3
agregado de R$ 475,00/m
53
e ainda fornecer maravalhas para o cultivo de cogumelos . Este
processo não está sendo abordado porque o objetivo do conceito ZERI foi alcançado com as
tábuas.
52
53
dados obtidos por telefone no dia 6 de novembro de 2000
Investimento segundo Maquipar, Curitiba e valor do assoalho segundo Piazza
92
Explosão a Vapor: P5.2
Processo:
A explosão a vapor é um processo físico de separação dos componentes principais de
matérias fibrosas como a madeira. Através da exposição do material lignocelulósico a uma
pressão de 14 a 30 bar e uma temperatura de 200 a 240 °C durante 1 a 6 minutos, e da sua rápida
expansão à pressão atmosférica, a ligação entre os componentes rompe e eles podem ser
separados facilmente. Esses componentes (Celulose, Hemicelulose e Lignina) podem ser
transformados em matéria-prima para múltiplas finalidades com alto valor no mercado. O processo
é um pré-tratamento para facilitar a extração dos componentes e os processos sucessores.
As experiências de Ramos e Emmel (1997) mostram a quantidade dos componentes que
podem ser separados de flocos de eucaliptos grandis através da explosão a vapor. Depois de
expor a madeira, que foi impregnada com uma solução de ácido sulfúrico de 0,5%, a uma
temperatura de 200°C durante 3,5 e uma expansão rápida, foram verificados seguinte
componentes: Glucan 53,5%, Xylan 3,1% e Lignina 37,8%.
O vapor para esse processo necessita de uma fonte energética que pode ser obtida da
própria madeira.
93
Tecnologia:
A tecnologia de explosão a vapor é nova e são poucas as empresas que fabricam os
equipamentos. A pesquisa em escala de laboratório está em estado avançado, mas não foram
encontrados exemplos na literatura sobre a aplicação industrial dessa tecnologia. Porém, foi
encontrada uma empresa canadense que fabrica os equipamentos e os divulga para a produção
de polpa de papel a partir de matéria não-madeira, como bagaço de cana, palha e similares.
Diferente dos equipamentos de laboratório, esse equipamento trabalha com fluxo contínuo, o que
é mais adequado para um processo de produção.
A apresentação desse processo no presente trabalho, mesmo não oferecendo uma
opção imediata para a agregação de valor dentro do âmbito sócio-econômico da cooperativa, tem
como objetivo mostrar as múltiplas possibilidades de alta agregação de valor usando a
Metodologia ZERI e despertar o interesse para uma futura ampliação do aglomerado de indústrias.
A separação de matéria é um dos enfoques da Iniciativa ZERI, porque é através dessas
tecnologias que se consegue aumentar a produtividade da matéria.
Acredita-se que pela crescente demanda de celulose para a produção de papel e pela
possibilidade de alta agregação de valor a materiais fibrosos, especialmente resíduos, a tecnologia
de explosão a vapor vai ser desenvolvida e ganhar mais importância.
Produtos:
Após a explosão a vapor a celulose, hemicelulose e lignina são separadas por hidrólise.
Segundo Ramos (1997), a lignina pode ser transformada em resinas fenólicas para a fabricação
de placas de aglomerados ou usada como combustível. A celulose pode ser processada para
obter viscose, nitrocelulose ou espessantes para a indústria de alimentos e a hemicelulose pode
servir como base para produzir xilitol, um adoçante com valor elevado. Outro produto é o furfural
que pode ser extraído e processado a partir da hemicelulose. Atualmente, sendo usado como
solvente pode servir como percursor para compostos de alto valor comercial como butadieno,
estireno e vinilfurano (Parisi, 1989 em Ramos 1997)
Lignina: P6.2
Valor no Mercado:
-
segundo Chan, G. (PROSI Magazine, Août 1996, nº 331)
-
R$ 4.000,00/t
54
Celulose: P6.3
Valor no Mercado:
-
segundo Chan, G. (PROSI Magazine, Août 1996, nº 331)
-
Celulose microcristalina R$ 4.000,00/t
Hemicelulose: P6.4
54
valores originalmente em US$ foram transferidos em reais usando a cotação de R$ 2,00 por
US$.
94
Valor no Mercado:
-
segundo Chan, G. (PROSI Magazine, Août 1996, nº 331)
-
Xilitol R$ 12.000,00/t
Furfural: P6.5
Valor no Mercado:
-
segundo Chan, G. (PROSI Magazine, Août 1996, nº 331)
-
Furfural R$ 3.000,00/t
Tabela 6.8: Output – Input Processo P5.2
In\out
Glucan
Xylan
Lignina
Restos de Madeira 100/53,5%
100/3,1%
100/37,8%
A extração de furfural a partir da hemicelulos rende 4 a 8% da massa da madeira.
Os valores podem variar de acordo com a espécie de madeira, seu teor de umidade e dos
parâmetros do processo.
Avaliação do Processo e dos Produtos
Em laboratório o processo está bem dominado (Ramos, 1997), mas não foram
encontrados pesquisas sobre experiências em escala industrial. A tecnologia tem potencial para
ser transformada em uma tecnologia apropriada para pequena escala industrial.
A explosão a vapor vem sendo intensivamente estudada como alternativa aos processos
de polpação de materiais lignocelulósicos para papel (Ramos e Emmel 1997). O equipamento da
empresa canadense Stake Tech
55
está sendo usado principalmente em indústrias de papel. Porém
o investimento para esses equipamentos está em torno de 4 milhões de dólares e vai além das
possibilidades dos pequenos produtores rurais ou da cooperativa.
A substituição de produtos derivados de petróleo por outros oriundos de recursos
renováveis traz vantagens pela economia de recursos não-renováveis, pela diminuição da
poluição e dos perigos da extração, transporte e processamento do petróleo e pela captura de
carbono através da fotossíntese.
O mercado para os produtos da explosão a vapor está em crescimento por tratar-se de
componentes biológicos (Pauli, 1998). A lignina por exemplo, pode substituir o formaldeído como
adesivo na fabricação de placas de aglomeradas. O formaldeído está proibido em vários países da
Europa por ser cancerígeno. Outro produto, o furfural pode ser usado como antienzimático natural
ou bactericida (Pauli, 1998).
Picotagem: P5.5
Processo:
A picotagem tem como objetivo homogeneizar os pequenos resíduos de madeira e
55
Site da empresa: www.steamexplosion.com
95
aumentar sua superfície para o uso como substrato no cultivo de cogumelos ou para o uso para
fins energéticos. Outra aplicação pode ser seu uso como fornecedor de nutrientes e protetor do
solo, se for aplicado em canteiros de hortas.
Tecnologia:
A tecnologia é simples, e consiste em uma máquina com motor elétrico ou de combustão
que gira facas que cortam os resíduos de madeira. Através da regulagem das facas define-se
granulometria do material. A alimentação pode ser manualmente ou automática.
Produtos:
O único produto desse processo são as maravalhas, mas como elas podem servir como
matéria-prima para diferentes aplicações, seu tratamento deve considerar o uso final. Isso se
refere especialmente ao tamanho dos pedaços e a umidade relativa. Para fins energéticos as
maravalhas necessitam normalmente de um processo de secagem. Existem porém fornos que
podem ser abastecidos com maravalhas úmidas, porque a construção da câmara de combustão
prevê a secagem do combustível.
Maravalhas: P6.5
Valor no Mercado:
-
segundo Piazza
56
, R$ 8,00/ m
3
Tabela 6.9: Output-Input Processo P5.5
in\out
substrato
energético
aviário
prot. solo
maravalha
100/100%
Obs.: nesse caso toda a maravalha está sendo usada como substrato para a criação de cogumelo.
Porém existe a possibilidade de usar ela para outras finalidades.
Avaliação do Processo e dos Produtos
O processo de picotagem é simples e não oferece problemas. O mercado nacional
fornece picadores de vários tamanhos e capacidades com alimentação manual e automática. Para
o uso de um picador junto à serra móvel, este deve ter a capacidade de cortar os resíduos que a
3
serra produz (costaneiras, refio, destopo), o que seria em torno de 0,5 m /h.
56
comunicação pessoal no dia 16 de agosto de 1999
96
Cultivo de Cogumelos: P7.1
Existem cogumelos que têm a capacidade de transformar celulose em proteínas. Nesse
trabalho procurou-se mostrar como aproveitar desse fato para agregar valor aos resíduos de corte
de madeira, produzir proteínas de alto valor nutritivo e gerar renda e postos de trabalho no meio
das pequenas propriedades rurais. Como se trata de um processo da própria natureza, a sua
aplicação é facilmente realizada de forma apropriada.
A China entendeu primeiro a grande importância do cultivo de cogumelo como fonte
alimentar e desenvolveu várias tecnologias de cultivo. Entre os anos 1985 e 1995, a produção de
fungos foi listada como o item mais importante no programa de desenvolvimento desse país. A
produção nacional cresceu de 19 mil toneladas em 1980 para 150 mil toneladas em 1994 (Urben,
1998). A produção de cogumelos em países em desenvolvimento é de grande importância, pela
possibilidade de produzir proteínas e carboidrato a partir de resíduos e em pequenas áreas.
Processo:
O cultivo de cogumelos tem quatro fases; a preparação dos micélios, a preparação do
substrato, a inoculação dos micélios e sua proliferação (corrida) e a frutificação com a colheita.
A primeira fase, a preparação dos micélios serve para obter as sementes para o cultivo
dos cogumelos. Essa fase exige muito cuidado porque a qualidade das sementes decide sobre a
qualidade do produto. Faz sentido que a preparação dos micélios aconteça centralizada em um
laboratório que permita executar um trabalho especializado e não na propriedade rural.
A segunda fase, a preparação do substrato, inclui a mistura do substrato e a sua
esterilização com o objetivo de conseguir uma base uniforme e limpa para o crescimento do
cogumelo.
Na preparação do substrato a serragem é misturada com a farelo de trigo (ou arroz) na
relação 5 de serragem por 1 de farelo com a adição de gesso e carbonato de cálcio para equilibrar
o pH e depois molhado até 70-75% de umidade. Segundo a literatura (Chang, 1997; Okino, 1997 e
Kohari, 1997) não há diferença na produtividade do substrato usando vários suplementos como
farelo de trigo, de arroz ou farinha de soja.
A esterilização tem a função de matar os microorganismos (fungos e bactérias) dentro do
substrato para que depois da inoculação os fungos não tenham concorrência, o que pode
prejudicar seu crescimento. A esterilização realiza-se através de um tratamento do substrato com
vapor.
A terceira fase, a inoculação dos micélios e sua proliferação, necessita de um ambiente
fechado, com temperatura e umidade controlada. Os micélios são inoculados no substrato e
cresce durante várias semanas, até penetrar todo o substrato.
Na quarta fase, da frutificação, a fruta do cogumelo se desenvolve e pode ser colhida.
Nessa fase, a temperatura, umidade e insolação são fatores importantes que precisam ser
controlados.
Tecnologia:
Os componentes do substrato devem ser misturados homogeneamente, de preferência
97
com um equipamento. Muito usado são betoneiras, mas o mesmo resultado pode ser alcançado
através de um tambor (de petróleo) equipado com um eixo, pás internas para misturar e uma
abertura para carregamento e descarregamento.
Após a mistura, o substrato é colocado em saquinhos de plástico (polipropyleno ou
polietyleno) que resiste à temperatura da esterilização. Os sacos não podem ser fechados
hermeticamente, para que a pressão do vapor dentro do saco não os faça explodir.
Há duas maneiras de tratar o substrato, uma é a esterilização que ocorre com
temperaturas acima de 100°C durante uma à duas horas, o que exige um recipiente de pressão; a
outra maneira é a superpasteurização, que é feita com uma temperatura de 100°C durante 6
horas. Para a esterilização em escala grande usa-se autoclaves que exigem um maior
investimento. Por essa razão, para pequenos proprietários é mais interessante tratar o substrato
através da superpasteurização.
A inoculação deve ocorrer logo que o substrato resfriou e exige cuidado para não levar
bactérias e outros fungos na hora de colocar os micélios. Uma câmara esterilizada com leve
sobrepressão através de ventilador e filtro seria o ideal, mas uma lamparina pode também criar um
ambiente local estéril para a operação da inoculação. Um ventilador tira o gás carbônico da sala
de corrida e ajuda manter a temperatura abaixo de 30°C.
Após o crescimento do cogumelo, o substrato será tirado do saco e receberá um banho
numa caixa d’água colocada no corredor. Esse choque térmico provoca a frutificação do
cogumelo. Após esse tratamento o substrato será guardado nas estantes de frutificação
As condições climáticas dentro da estufa de frutificação são essenciais para a
frutificação. A umidade relativa do ar deve ser entre 80 e 90%, e a temperatura entre 15 e 25°C.
De acordo com o tipo de cogumelo esses valores podem variar. Para alcançar e manter as
condições climáticas, a estufa de frutificação será equipada com nebulizadores, ventiladores,
termostato e umidostato, além da possibilidade de abrir e fechar uma abertura frontal e os laterais
da estufa. De acordo com as temperaturas mínimas, no inverno existe a possibilidade de usar
vapor para esquentar e umedecer a estufa de frutificação.
A frutificação leva 30 a 60 dias, de acordo com a espécie de cogumelos. Após esse
tempo, os cogumelos são colhidos e de acordo com a forma de comercialização são vendidos, ou
passam por um processo de secagem que conserva o produto.
A decisão sobre a venda do produto fresco ou conservado e o tipo de conservação só
pode ser tomada depois de um estudo do mercado. Esse estudo é essencial, porque não existe
ainda um mercado grande para cogumelos. Um plano de produção e de marketing deve
acompanhar a produção de cogumelos para produzir na quantidade certa e para incentivar o
consumo de cogumelos como alimento valioso. Como a cooperativa trabalha há anos com a
produção de alimentos e a sua distribuição, os cogumelos podem ser comercializados através
desta infraestrutura.
Cogumelos: P8.1
Valor no Mercado:
-
segundo Urben, 1999 p.78
98
-
Shiitake R$ 12,00/kg
Adubo: P8.2
Valor no Mercado:
- segundo pesquisa no mercado
- R$ 0,25/kg
Avaliação do Processo e dos Produtos
A produção de cogumelos em substrato lignocelulósicos é uma técnica bastante
divulgada. Mesmo assim, há vários fatores que são pouco conhecidos, que podem destruir uma
colheita inteira, como por exemplo a invasão de um fungo que expulsa o cogumelo. A
produtividade do cultivo de cogumelos depende também da sua linhagem e da qualidade do
substrato.
Para estudar estes fatores a EMBRAPA construiu uma unidade de teste que serve tanto
para testar os diferentes tipos de cogumelos, suas linhagens e os respectivos substratos, como
também para estudar as tecnologias apropriadas de cultivo que podem ser transferidas para os
pequenos produtores da COTREL. Com os resultados desse projeto espera-se obter as
tecnologias necessárias para dominar o processo.
A escolha dos tipos de cogumelos deve acontecer em função do substrato
(lignocelulose), do fácil manuseio e do mercado. Os estudos da EMBRAPA vão fornecer
informações sobre as espécies mais adequadas.
99
6.2 Matriz de Agregação de Valor (MAVA)
A matriz de agregação de valor foi elaborada pela necessidade de trabalhar com a
complexidade e a grande quantidade de informação intrínseca de um sistema de produtividade
total da matéria-prima, com seus fluxos de matéria, os valores comerciais, a agregação de valor e
os investimentos e custos operacionais, para obter informações relevantes sobre a viabilidade
econômica do sistema e para poder adaptar e remodelar o mesmo. Ela serve para qualquer
matéria-prima e para quaisquer processos de transformação, simplesmente adaptando as colunas
e linhas conforme o número de produtos e processos de transformação.
A elaboração da matriz (como das tabelas output-input) e a simulação com parâmetros
diferentes é um exercício complexo, que exige criatividade e inovação. Por isso ele deve ser feito
numa equipe multidisciplinar, composta de especialistas nas áreas tangidas, por exemplo um
projeto de silvicultura, deve contar com engenheiros florestais, biólogos, bioquímicos e
economistas, além de especialistas em sistemas para coordenar o grupo (ver também subcapítulo 4.1.1 A Metodologia ZERI). A recompensa desse exercício são grandes oportunidades de
negócios, a criação de postos de trabalho e a eliminação de resíduos.
Não estão incluídos na matriz informações em relação à geração de postos de trabalho e
demais aspectos sócio-econômicos, como o benefício através do desenvolvimento sustentável
regional, ou o benefício educacional através da transferência de tecnologias apropriadas. Porém
esses parâmetros precisam ser incluídos na tomada de decisões.
A MAVA foi desenvolvida pelo autor a partir das tabelas output-input da Metodologia ZERI
com a sobreposição de valores econômicos e da colocação da “cascada” de tabelas output-input
na mesma planilha, oferecendo o cálculo automatizado na mudança de parâmetros, melhor
visualização e maior facilidade na comparação dos resultados econômicos.
O preenchimento começa com a matéria-prima e a definição do produto principal. Em
seguida define-se o processo de transformação que deve ser escolhido sob aspectos como
tecnologia apropriada disponível, melhor prática ou produtos de alto valor agregado. Na seqüência
devem ser calculados os investimentos e os custos operacionais e inseridos na matriz. Os
produtos obtidos por esse processo devem ser quantificados e seu valor distinguidos, através de
pesquisa no mercado. Se os resultados em termos de valores agregados são satisfatórios e não
se trata de um produto final que vai para o mercado, segue o próximo passo na cadeia de
transformação. Como o objetivo é resíduo zero, aplica-se o mesmo procedimento para todos os
produtos oriundos do primeiro processo de transformação. A cadeia de transformação acaba
quando todos os produtos saíram para o mercado.
Os custos operacionais devem ser calculados incluindo amortização dos investimentos
(considerando linhas de créditos subsidiados onde for conveniente), custo de mão-de-obra,
transporte, serviço de terceiros, material de consumo e energia. No sub-capítulo 6.1 Processos e
Produtos esses valores foram calculados para as matrizes 1 à 4.
A agregação de valor foi calculada segundo a seguinte formula:
V
prod.
–C
oper.
–V
mat. x
% mat.
100
Agreg.[%]. =
V
mat. x
% mat.
Agreg. = Agregação de Valor em %
V
prod.
= Valor do produto
C oper. = Custos operacionais (salários, energia, serviço d e terceiros e amortização do capital)
V
mat.
= Valor da matéria-prima
% mat. = Porcentagem da matéria-prima usada para o produto
Através da mudança dos parâmetros, pode-se verificar a influência deles sobre o
resultado final e distinguir dessa forma os enfoques de agregação de valor.
3
Certa dificuldade apresentou o fato de que o valor da madeira é definido em R$ por m
enquanto o fluxo da matéria foi calculado pelo peso seco. O fator de conversão usado para
eucalipto é de 500kg por metro cúbico de madeira seca
57
.
Como exemplos, foram calculadas as matrizes 1 a 4; a primeira integra a tecnologia de
explosão a vapor por produzir produtos com alto valor agregado, enquanto na segunda todos os
“resíduos” foram transformados em substrato para o cultivo de cogumelos, que representam alto
valor agregado com tecnologia apropriada. A terceira é igual à segunda, mas mostra a influência
no resultado final se o valor dos cogumelos no mercado cai de R$ 12,00/kg para R$ 6,00/kg. Na
Quarta, os restos de madeira são transformados em carvão que oferece uma opção menos
lucrativa mas de fácil domínio técnico e com um mercado bem conhecido e estável.
A Figura 6.1 mostra o diagrama explicativo para o preenchimento e uso da Matriz de
agregação de valor. O fluxograma deve ser repetido para cada processo e produto até que todos
os produtos saiam para o mercado.
57
sugerido como valor médio por Schaitza; comunicação pessoal.
101
Figura 6.1: Diagrama explicativo da Matriz de Agregação de Valor (MAVA)
102
Produto
Árvore
Quantidade
100% 100%=1t sec
Valor R$/t sec.
40
Processo
Corte P1.1
Produto
Folhas P2.1
Quantidade
13%
Valor R$/t sec.
5
Custo oper./t
5
Valor R$
1
Custo oper.
1
Valor agreg.
-93%
Processo
Destili.P3.1
MAVA 1
Galhos P2.2
10%
30
12
3
1
-55%
Carbon.P3.2
Toras P2.3
77%
60
12
46
9
20%
Desdo. P3.3
Produto
Adubo P4.1 Óleos P4.2 Carvão P4.4 Liq.pir.P4.5 Tábuas P4.6 Costan. P4.7
Quantidade
98,5%
1,5%
35%
41%
51%
39%
Valor R$/t sec.
250
10.000
600
300
400
30
Custo oper./t
48
5550
60
84
120
5
Valor R$
32
20
21
12
157
9
Custo oper.
6
11
2
3
47
2
Valor agreg.
2526%
57750%
1700%
620%
367%
-58%
Processo
Secag.P5.1 Expl.V.P5.2
Produto
Quantidade
Valor R$/t sec
Custo oper./t
Valor R$
Custo oper.
Valor agreg.
Valor. Prod.
32
20
21
Valor relativo
Lucro relativo
1%
2%
1%
1%
1%
1%
Serrag. P4.8
10%
7,5
3,0
0,6
0,2
-93%
Cult.CogP7.1
Táb.secP6.1 Lignina P6.2 Celulose P6.3Hem.CelP6.4 Cogumelo P8.1
Adubo P8.2
100%
38%
54%
3%
60%
50%
760
4.000
4.000
12.000
12.000
250
27
2.000
2.000
4.000
1.450
48
298
456
649
108
554
9,6
11
228
324
36
67
1,8
83%
6567%
6567%
26567%
140567%
2593%
12
298
456
649
108
554
10
Valor Total R$
2161
Custo oper. Total R$
691
Lucro Total R$
1470
1%
1%
14%
20%
21%
16%
30%
22%
5%
5%
26%
33%
0%
1%
103
Produto
Árvore
Quantidade
100% 100%=1t sec
Valor R$/t sec.
40
Processo
Corte P1.1
Produto
Folhas P2.1
Quantidade
13%
Valor R$/t sec.
5
Custo oper./t
5
Valor R$
1
Custo oper.
1
Valor agreg.
-93%
Processo
Destili.P3.1
MAVA 2
Galhos P2.2
10%
30
12
3
1
-55%
Carbon.P3.2
Toras P2.3
77%
60
12
46
9
20%
Desdo. P3.3
Produto
Adubo P4.1 Óleos P4.2 Carvão P4.4 Liq.pir.P4.5 Tábuas P4.6 Costan. P4.7
Quantidade
98,5%
1,5%
35%
41%
51%
39%
Valor R$/t sec.
250
10.000
600
300
400
30
Custo oper./t
48
5550
60
84
120
5
Valor R$
32
20
21
12
157
9
Custo oper.
6
11
2
3
47
2
Valor agreg.
2526%
57750%
1700%
620%
367%
-58%
Processo
Secag.P5.1
Produto
Quantidade
Valor R$/t sec
Custo oper./t
Valor R$
Custo oper.
Valor agreg.
Valor. Prod.
32
20
21
Táb.secP6.1
100%
760
27
298
11
83%
12
298
Valor relativo
Lucro relativo
1%
1%
1%
0%
1%
1%
0%
0%
9%
11%
Serrag. P4.8
10%
7,5
3,0
0,6
0,2
-93%
Cult.CogP7.1
Cogumelo P8.1
Adubo P8.2
60%
50%
12.000
250
1.750
48
2717
47,2
396
9,1
42827%
746%
2717
47
Valor Total R$
3147
Custo oper. Total R$
438
Lucro Total R$
2709
0%
0%
0%
0%
0%
0%
86%
86%
1%
1%
104
Produto
Árvore
Quantidade
100% 100%=1t sec
Valor R$/t sec.
40
Processo
Corte P1.1
Produto
Folhas P2.1
Quantidade
13%
Valor R$/t sec.
5
Custo oper./t
5
Valor R$
1
Custo oper.
1
Valor agreg.
-93%
Processo
Destili.P3.1
MAVA 3
Galhos P2.2
10%
30
12
3
1
-55%
Carbon.P3.2
Toras P2.3
77%
60
12
46
9
20%
Desdo. P3.3
Produto
Adubo P4.1 Óleos P4.2 Carvão P4.4 Liq.pir.P4.5 Tábuas P4.6 Costan. P4.7
Quantidade
98,5%
1,5%
35%
41%
51%
39%
Valor R$/t sec.
250
10.000
600
300
400
30
Custo oper./t
48
5550
60
84
120
5
Valor R$
32
20
21
12
157
9
Custo oper.
6
11
2
3
47
2
Valor agreg.
2526%
57750%
1700%
620%
367%
-58%
Processo
Secag.P5.1
Produto
Quantidade
Valor R$/t sec
Custo oper./t
Valor R$
Custo oper.
Valor agreg.
Valor. Prod.
32
20
21
Valor relativo
Lucro relativo
2%
2%
1%
1%
1%
1%
Serrag. P4.8
10%
7,5
3,0
0,6
0,2
-93%
Cult.CogP7.1
Táb.secP6.1
100%
760
27
298
11
83%
12
298
1%
1%
17%
21%
Cogumelo P8.1
Adubo P8.2
60%
50%
6.000
250
1.750
48
1358
47,2
396
9,1
17699%
746%
1358
47
Valor Total R$
1789
Custo oper. Total R$
438
Lucro Total R$
1350
0%
0%
0%
0%
0%
0%
76%
71%
3%
3%
105
Produto
Árvore
Quantidade
100% 100%=1t sec
Valor R$/t sec.
40
Processo
Corte P1.1
Produto
Folhas P2.1
Quantidade
13%
Valor R$/t sec.
5
Custo oper./t
5
Valor R$
1
Custo oper.
1
Valor agreg.
-93%
Processo
Destili.P3.1
MAVA 4
Galhos P2.2
10%
30
12
3
1
-55%
Toras P2.3
77%
60
12
46
9
20%
Desdo. P3.3
Produto
Adubo P4.1 Óleos P4.2
Quantidade
98,5%
1,5%
Valor R$/t sec.
250
10.000
Custo oper./t
48
5550
Valor R$
32
20
Custo oper.
6
11
Valor agreg.
2526%
57750%
Processo
Carbon.P3.2
Produto
Quantidade
Valor R$/t sec
Custo oper./t
Valor R$
Custo oper.
Valor agreg.
Valor. Prod.
32
Valor relativo
Lucro relativo
4%
4%
Tábuas P4.6 Costan. P4.7Serrag. P4.8
51%
39%
10%
400
30
7,5
120
5
3,0
157
9
0,6
47
2
0,2
367%
-58%
-93%
Secag.P5.1
Cult.CogP7.1
Carvão P4.4 Liq.pir.P4.5 Táb.secP6.1
35%
41%
100%
600
300
760
60
84
27
84
49
298
8
14
11
2299%
860%
83%
20
84
49
298
3%
1%
11%
12%
6%
5%
39%
44%
Cogumelo P8.1
Adubo P8.2
60%
50%
6.000
250
1.450
48
277
9,6
67
1,8
60567%
2593%
277
10
Valor Total R$
770
Custo oper. Total R$
119
Lucro Total R$
651
0%
0%
36%
32%
1%
1%
106
Análise das Matrizes
O objetivo da matriz em mostrar o fluxo da matéria e a agregação de valor em cada
processo de transformação foram alcançados. A possibilidade de mudar os parâmetros e os
processos e verificar sua influência sobre a agregação de valor pode levar a oportunidades até
então desconhecidas, e mostra sua capacidade como ferramenta criativa.
A interpretação dos valores deve acontecer com o devido cuidado, considerando a
qualidade dos dados que foram usados, como por exemplo as porcentagens no fluxo da matéria,
os valores de cada produto e os custos operacionais. Os valores dos produtos são valores do
mercado e de acordo com a forma de venda deve-se descontar as despesas da comercialização.
De acordo com o mercado, o valor dos produtos pode sofrer grandes alterações, que devem ser
consideradas no cálculo da agregação de valor. Para as tecnologias apropriadas é difícil conseguir
cálculos econômicos do desempenho, e os valores do custos operacionais devem considerar essa
incerteza. A implantação acompanhada das tecnologias oferece a possibilidade de verificar os
valores.
A MAVA 1 contém como processos para a agregação de valor aos resíduos a extração
de óleos essenciais, a produção de carvão com aproveitamento das gases condensáveis, a
explosão a vapor e o cultivo de cogumelos. A explosão a vapor, pela falta de tecnologia à
disposição no mercado, representa ainda uma hipótese, mas mostra o potencial de agregação de
valor e uma alternativa para o cultivo de cogumelos. A análise da matriz por um grupo
multidisciplinar pode revelar outras opções para a transformação dos produtos de cada processo.
Por exemplo, produzir furfural a partir da hemicelulose (P6.4) em vez de xilitol significa uma
tecnologia mais simples, mas um menor valor agregado. Podemos ver que a explosão a vapor e o
cultivo de cogumelos representam os processos com o maior valor (82%), enquanto a atividade
principal, a madeira serrada, representa 14%.
Na MAVA 2, os restos de madeira e serragem são transformados em substrato para o
cultivo de cogumelos. Como na MAVA 1, a madeira serrada (9%) vira secundária diante do cultivo
de cogumelos (86%). O êxito desse processo depende do mercado para cogumelos e do preço,
dois parâmetros estreitamente ligados. Antes de investir nessa atividade precisa-se de um estudo
econômico do mercado de cogumelos na região atingida.
A MAVA 3 mostra o impacto se o preço dos cogumelos for a metade (R$ 6,00/kg em vez
de R$ 12,00/kg). Podemos ver que o cultivo de cogumelos ainda representa a atividade principal
com 76% do valor total gerado.
Na MAVA 4, os restos de madeira são transformados em carvão para verificar o
desempenho econômico desse processo de tecnologia simples e bem conhecida. Conclua-se que
comparada com a MAVA 3, o valor total se reduz em 57% (de R$ 1789,00 para R$ 770,00). O
cultivo de cogumelos fica no mesmo patamar com as tábuas (36/39%) e a produção de carvão,
junto com o aproveitamento do gás condensável, chega a 17% do valor total.
O desdobro das toras através da serra móvel representa uma agregação de valor de
467% e significa uma importante contribuição para uma maior independência econômica do
pequeno produtor rural. Uma comparação dos valores das tábuas verdes e secas alerta para a
107
importância da secagem. A agregação de valor está em 83% e os custos operacionais estão
baixos. O valor relativo das tábuas verdes representa entre 5 a 9% do valor total e sobe para 9 e
17% para tábuas secas.
Conclui-se que o desdobro das toras e a secagem das tábuas são metas importantes
para a agregação de valor aos produtos da silvicultura, mas existem muitas outras possibilidades
até agora pouco usadas. Destaca-se o cultivo de cogumelos como uma das alternativas mais
importantes, abrindo oportunidades que tornam a madeira um negócio secundário em termos
econômicos. Cada processo de agregação de valor necessita de uma pesquisa de mercado para
conferir os valores monetários que servem como base para o cálculo da viabilidade econômica do
processo. A carbonização ganha importância maior com a utilização das costaneiras e dos restos
de madeira para esta finalidade, em vez de usá-los para a preparação de substrato para os
cogumelos. Para iniciar um projeto, essa opção é interessante, comparada com os fatores de risco
que o cultivo de cogumelos representa.
Importante ressaltar aqui que deve-se partir de tecnologias apropriadas que sejam fáceis
de dominar e que levem a resultados uniformes, em vez de procurar tecnologias que prometam
mais agregação de valor mas talvez não sejam adaptadas às necessidades dos usuários. Um vez
dominada a tecnologia deve-se progredir em direção de tecnologias mais complexas, com maior
eficiência e maior agregação de valor.
A viabilidade de um processo não deve ser julgada apenas pelo valor agregado, porque
os aspectos sociais, como geração de postos de trabalho, dignidade dos trabalhadores, a
aquisição de novas tecnologias pela comunidade, têm um valor importante na decisão sobre a
viabilidade de um processo.
108
CAPITULO 7: Considerações finais
Acredita-se que o presente trabalho de pesquisa tenha contribuído para esclarecer que
quando desejamos implantar um projeto de desenvolvimento sustentável, a implantação não se
restringe a um trabalho técnico, propondo novas formas de desenvolvimento, mas sim que um
projeto desta natureza engloba a consideração de aspectos ecológicos, filosóficos, sociais,
educacionais, econômicos, políticos, éticos e até espirituais.
As considerações destas questões (sub-capítulo 3.2.2) têm como objetivo garantir a
adequada inserção do projeto no seu contexto e garantir, além do suprimento das nossas
necessidades como ser humano, a qualidade de vida das futuras gerações e a preservação do
planeta.
Um projeto que a princípio parece simples, torna-se então complexo, pois a necessidade
de considerar o bem-estar de todos e a responsabilidade de garantir a integridade ecológica do
planeta representa um grande desafio. Enfrentar o mesmo exige uma mudança de paradigma,
mudando de uma visão linear e causal para uma visão sistêmica do mundo (sub-capítulo 3.2) e de
valores egocêntricos para valores cooperativos em prol à vida.
Uma analogia para ilustrar o conceito de implantação de projetos com enfoque sistêmico
pode ser feita através da música. Tocando notas musicais mecânica e aleatoriamente como
pontos isolados, não é suficiente para que haja música. É preciso que as notas tenham uma
relação entre si, um sentido melódico, tanto horizontalmente quanto verticalmente (harmonia). São
as relações das notas entre si que fazem com que a música seja música. No entanto, mesmo
compreendendo e executando todas as informações que uma partitura nos oferece, não teremos
música se por parte do intérprete hão houver um espírito motivador que realiza a obra através da
vontade e da interrelação entre a sua inteligência emocional e racional.
Saint Exupery, o autor de “O Pequeno Príncipe” dá-nos uma idéia desse espírito
motivador quando escreve: “se queres ensinar os homens a construir um barco, não adianta reunilos para buscar madeira, preparar ferramentas e distribuir tarefas, mas antes de tudo dar a eles a
nostalgia do mar”. Portanto, não basta conhecer as ferramentas tecnológicas para realizar um
projeto de desenvolvimento sustentável, é preciso antes de tudo um desejo profundo de todos em
se desenvolver dentro do espírito ecológico, que é sistêmico, cooperativo, interligado e poder
transformá-lo em cada atividade que planejamos e executamos.
No presente trabalho, o objetivo de propor o desenvolvimento sustentável através de um
sistema usando a Metodologia ZERI (descrito no capítulo 4) foi alcançado no que se refere à
elaboração teórica do sistema, da pesquisa de fluxo de matéria e da agregação de valor aos
produtos
dos
processos
produtivos
propostos.
A
literatura
consultada
referente
ao
desenvolvimento sustentável aborda amplamente a questão sistêmica, as interdependências
sócio-econômicas, ecológicas e culturais que devem ser consideradas em projetos desta
natureza. A discussão sobre problemas ambientais (sub-capítulo 2.3) aponta para uma falta de
109
consciência sobre a importância dos processos ecológicos, para um comportamento predatório
em relação ao meio ambiente a nível global e para um conceito vigente de desenvolvimento
muitas vezes destrutivo para as florestas nativas, especialmente nos países em desenvolvimento.
No entanto este trabalho aponta para o fato de que nas últimas duas décadas, começou
a manifestar-se uma mudança de paradigma no mundo inteiro. Essa mudança propicia um
entendimento sistêmico dos problemas abordados, uma nova visão do mundo e novos valores
mais ecológicos em que a competição cede lugar para a cooperação. Sendo assim, a integração
dos novos conceitos analisados no âmbito do desenvolvimento, no uso sustentável dos recursos
naturais, nas tecnologias apropriadas estão ganhando cada vez mais defensores. No entanto,
uma questão importante neste tempo de transição é como fortalecer estas iniciativas rumo ao
desenvolvimento sustentável.
Conclua-se que o maior suporte encontra-se em ações dirigidas pelo paradigma
ecológico, e que estas devem ser executadas nos planos político, econômico, social e ecológico.
A seguir apresentam-se recomendações para a implementação de estratégias neste sentido,
tanto no contexto geral quanto especificamente no contexto da COTREL.
Plano Político
Os principais requerimentos para o desenvolvimento sustentável no plano político
descritos no relatório Brundtland (sub-capítulo 3.2.2) envolvem a efetiva participação dos cidadãos
nos processos decisórios. A Agenda 21 brasileira está na mesma linha de pensamento quando
destaca o processo do planejamento participativo para um futuro sustentável e considera a
democracia participativa a via política para a mudança esperada (Bezerra, 2000). O planejamento
do desenvolvimento a longo prazo é necessário, caso contrário os projetos atenderão somente às
necessidades imediatas, desvirtuando do objetivo desejado. Esse planejamento deve acontecer
nos níveis nacionais, estaduais e municipais, sendo que as Agendas 21, elaboradas nesses
mesmos três níveis oferecem uma ferramenta eficiente para isso. O planejamento deve também
abordar o financiamento do desenvolvimento e acontecer de forma participativa, envolvendo os
interesses e expectativas dos setores atingidos da sociedade .
Mecanismos de constante avaliação e adaptação do planejamento conforme as
mudanças na sociedade são uma necessidade, bem como a institucionalização do diálogo entre
os governantes e os governados em torno das decisões políticas para que o desenvolvimento
esteja de acordo com as necessidades da população (Sachs, 1986).
Para os autores da Agenda 21 Brasileira, a grande questão que orientou seu trabalho
estava em articular propostas para superar o descompasso entre o discurso e a prática (Bezzera,
2000). A maneira mais eficaz de combater esse descompasso é o fortalecimento dos valores
éticos, o cumprimento das leis, o controle rígido dos orçamentos para o desenvolvimento e o
cumprimento dos compromissos políticos assumidos com a sociedade.
No contexto específico da COTREL, as metas no nível político também envolveriam um
planejamento municipal e regional do desenvolvimento em favor dos pequenos proprietários
rurais, destacando a capacidade da região para a silvicultura e incentivando o uso integral da
110
biomassa. A participação integrada e sincronizada dos pequenos produtores rurais, das entidades
de apoio como EMATER (extensão) e EMBRAPA (pesquisa) e da COTREL são indispensáveis. O
financiamento parcial do projeto através de dinheiro público também deve ser discutido nesse
item.
Plano Econômico
Conclui-se, baseado neste trabalho, que o desenvolvimento sustentável só é possível
quando a atividade econômica for vista como meio e não como fim para suprir as necessidades
dos seres humanos; quando conceitos como crescimento econômico constante forem substituídos
por conceitos de manutenção do sistema; quando os indicadores macroeconômicos como PIB e
PNB forem substituídos por outros como Pegada Ecológica e PIB Verde, que consideram o
impacto ambiental de uma sociedade e os custos ambientais dos processos produtivos. Outro
conceito importante para tornar processos produtivos sustentáveis é a produtividade da matériaprima, o que significa evitar desperdício e resíduos e favorecer o desenvolvimento sustentável
pela redução do uso de capital natural, pela diminuição do impacto ambiental e pela redução do
uso de capital financeiro. A Metodologia ZERI junto com tecnologias apropriadas mostra-se neste
caso como ferramenta eficiente para realizar tal tarefa e a Matriz de Agregação de Valor pode
induzir novas oportunidades econômicas e fornecer dados sobre a viabilidade econômico dos
processos produtivos.
Para o contexto específico da COTREL, as metas a nível econômico seriam a introdução
de um sistema produtivo integrado (como proposto nos capítulos anteriores). Não há necessidade
de introduzir indicadores de custo de capital natural e de impacto ambiental nos cálculos da
viabilidade econômica se a meta da Metodologia ZERI em eliminar os resíduos for alcançada.
Porém, numa comparação de diferentes projetos de desenvolvimento, esses indicadores não
podem faltar. Conclua-se que a aplicação da Metodologia ZERI garante uma avaliação econômica
integral porque, além de calcular a viabilidade financeira através da matriz de agregação de valor,
sabe-se que os custos de capital natural (árvores de reflorestamento) e de impacto ambiental
foram reduzidos a zero.
Considerando
a
oferta
em
madeira
replantada
através
do
Plano
COTREL
de
Reflorestamento pode-se calcular o impacto econômico que a implantação do Sistema de
Aproveitamento Integral da Biomassa de Árvores de Reflorestamento pode causar na região. A
3
oferta de madeira para serraria foi estimada em 10.000 m na média anual entre 2007 e 2012 e de
3
140.000 m na média anual entre 2014 e 2019 (Dossa, 2000). O valor agregado segundo as
3
matrizes é de R$ 350-1000/m (R$ 700-2000/ton) o que representa um valor médio anual de R$
3,5 milhões – 10 milhões entre 2007 e 2012 e de R$ 49 milhões – 140 milhões entre 2014 e 2019.
Comparado com um valor média anual de R$ 0,3 milhões (2007-2012) e R$ 4,2 milhões (20143
2019), calculado pelo valor da tora (R$ 30/ m ), as oportunidades econômicos para os silvicultores
do Plano COTREL de Reflorestamento aumentariam de forma expressiva.
Plano Social
111
O desenvolvimento deve estar voltado para a satisfação das necessidades fundamentais
do ser humano (Sachs, 1986). Hoje este conceito de desenvolvimento tem uma aceitação grande,
mas a definição das necessidades ainda ocasiona polêmica. Como a definição das necessidades
exerce uma influência importante sobre a estratégia do desenvolvimento, este ponto precisa de
uma atenção especial.
A
abordagem
de
desenvolvimento
proposta
por
Max-Neef
(Sub-capítulo
3.2.2)
“Desenvolvimento à Escala Humana” concentra o desenvolvimento ao redor da satisfação das
necessidades fundamentais do ser humano. Esta abordagem representa um instrumento eficiente
para implementar projetos como o proposto aqui. A visão sistêmica das necessidades humanas e
a
autodependência
como
pré-requisito
são
capazes
de
promover
um
processo
de
desenvolvimento que satisfaça as necessidades fundamentais.
Para as dificuldades que o Brasil enfrenta em termos de exploração e exclusão humana,
o Desenvolvimento à Escala Humana pode trazer soluções valiosas. Segundo Max-Neef (1989), a
substituição do feiticismo de números e de quantidade pelo desenvolvimento das pessoas e a
substituição da gerência vertical do Estado e a exploração de uns grupos por outros, por um
querer social que estimula a participação, autonomia e distribuição eqüitativa dos recursos satisfaz
tais necessidades. O fortalecimento da autodependência, que desde os tempos da colonização foi
oprimida, envolve uma regeneração que surge do próprio esforço, capacidade e recursos. A
autodependência muda a maneira como as pessoas percebem seu potencial e sua capacidade e a
redução da dependência econômica cria mais solidariedade entre parceiros iguais. Ela também
estimula e fortalece a identidade cultural através uma maior autoconfiança e finalmente as
comunidades alcançam um melhor entendimento da tecnologia e dos processos produtivos que
elas conseguem auto-gerenciar.
No contexto específico da COTREL a aplicação do modelo poderia trazer resultados
positivos a nível social. A satisfação de várias necessidades como subsistência, participação,
criação de identidade e a autodependência devem surgir como conseqüências da implantação
sistêmica do modelo.
Educação
Vimos no sub-capítulo 3.2 que são nossos valores, nossa visão do mundo e nosso
paradigma, que direcionam nossas decisões e que, para construir um futuro sustentável
precisamos construir o paradigma ecológico no qual nossos valores são de cooperação, parceria e
conservação, e nossa percepção é de sistemas, redes e interdependências.
A meta para construir esse novo paradigma é a educação ecológica ou, segundo Capra
(1999), a alfabetização ecológica. Uma iniciativa nesse sentido está sendo realizado em Curitiba
através da Secretaria Municipal de Educação que oferece cursos para professores e alunos.
Um outro conceito educacional o project-based learning (PBL, aprendizado baseado num
projeto) oferece oportunidades na construção do novo paradigma pela possibilidade de trabalhar
sistemicamente assuntos ecológicos. O enfoque do PBL está na investigação dirigido pelos
estudantes para encontrar respostas para perguntas cruciais e envolve a colaboração entre os
112
aprendizes e os facilitores. Neste conceito, o saber e o fazer não estão separados mas se
desenvolvem paralelamente, construindo um conhecimento profundo pela ligação entre o abstrato
e o concreto. Por exemplo, se escolhe a árvore como assunto do aprendizado e através de
perguntas, pesquisas, elaboração de planos de trabalho e comunicação, se aprende como
“funciona” uma árvore mas também quais são as ligações que ela tem com o ambiente.
Em termos do contexto específico da COTREL, a educação ecológica pode ser
promovido através do apoio, da ampliação e disseminação das iniciativas existentes, como os
arboretos e as florestas demonstrativas, nos municípios nos quais a Cooperativa trabalha e da
formação de professores. A alfabetização ecológica é essencial para a construção do novo
paradigma nas escolas da região e pode ajudar substancialmente na implantação do SAIBA a
médio prazo.
Plano Ecológico
O objetivo mais importante do desenvolvimento sustentável no plano ecológico é a
manutenção ou recuperação do equilíbrio ambiental. O planejamento e a implantação para a
manutenção /recuperação desse equilíbrio deve acontecer nos seus respetivos espaços (local,
regional, nacional, internacional). Através da análise dos problemas ambientais pode-se concluir
que o enfoque deve estar na vegetação ou, mais específico ainda, nas florestas; principalmente
pelo fornecimento de serviços ambientais como o regime hídrico e ciclo d’água, ciclo de carbono e
captura de carbono, equilíbrio climático e habitat para a fauna, fonte de biodiversidade, mas
também como fonte de recursos naturais como a madeira, alimentos e, considerando a
produtividade total da matéria, todos os produtos oriundos da madeira como apresentado neste
trabalho.
As florestas nativas continuam sendo ameaçadas e por isso a meta mais importante é o
uso sustentável das florestas nativas. Leis que protegem as florestas nativas existem, porém só
através da mudança da percepção e dos valores vai se instalar o hábito do uso sustentável dos
recursos naturais. A implantação de um projeto como aqui proposto pode causar a mudança
através da nova relação que se cria com o meio ambiente e pela vivência com os ciclos naturais.
Em termos do contexto específico da COTREL, além da continuação com o incentivo
para o reflorestamento, a diversificação das espécies, principalmente o reflorestamento com
espécies nativas vai trazer benefício ecológico. Um reflorestamento em grande escala na região
vai interferir positivamente no regime hídrico, no clima e na proteção do solo, além de trazer
vantagens econômicos como descrito acima.
Plano Organizacional
Organização/ Implementação/ Transferência
A organização/implementação de um projeto de desenvolvimento sustentável deve
considerar
os
aspectos
dos
planos
acima
citados.
Considerando
a
experiência
com
desenvolvimento através da Metodologia ZERI em Santa Vitória do Palmar (Sub-capítulo 4.2), as
metas para a implantação da Metodologia ZERI como estratégia de desenvolvimento sustentável
devem contar com três elementos básicos:
113
-
a participação de todos em todos os níveis e estágios do projeto,
-
os facilitadores que devem prever e gerenciar os conflitos e
-
espírito do projeto que deve ser criado e mantido por todos dentro de um desejo comum
de desenvolvimento.
O cálculo das matrizes de agregação de valor fornece informações importantes para
uma estratégia de implantação em termos de processos. Vale lembrar que no início deve-se
valorizar mais as tecnologias simples, que talvez oferecem menos valor agregado, mas que
oferecem mais segurança nos resultados. Um vez dominada a tecnologia deve-se progredir em
direção a tecnologias mais complexas, com maior eficiência e maior agregação de valor.
O
parágrafo
transferência
da
tecnologia
contém
recomendações
referentes
a
implantação de tecnologias em projetos com abordagem sistêmicas.
Transferência da Tecnologia
Vimos que o desenvolvimento sustentável precisa de tecnologias apropriadas para seu
melhor desempenho. Neste trabalho foram apresentados várias tecnologias apropriadas para os
objetivos e o contexto do projeto. A forma como estas tecnologias são transferidas para o usuário
é decisiva para o êxito delas e em conseqüência sobre o êxito do projeto.
Uma contribuição valiosa para a transferência da tecnologia para a agricultura familiar no
sul do Brasil encontra-se em Passini (1999). Esse autor chega à conclusão que num enfoque
sistêmico, a interdisciplinaridade e a participação dos beneficiários são mais complexas e difíceis
de gerenciar e executar que projetos convencionais de transferência de tecnologia. Porém são
mais adequados para desenvolver tecnologias apropriadas para a agricultura familiar. O mesmo
autor também encontrou obstáculos na formação e experiência dos técnicos e nas estruturas das
suas
instituições. Estruturas hierarquizadas geram administrações personalistas, onde as
veleidades e vaidades afloram e dificultam o estabelecimento de relações não hierarquizadas
entre os diferentes participantes. A tendência é a transferência das estruturas hierárquicas das
instituições para os projetos de parceria.
Baseado na mesma pesquisa, Passini (1999) chega a diversas recomendações. Por
exemplo, que devem ser escolhidas pessoas, tanto no nível de gerência tanto no nível técnico,
que estão sensibilizadas com o público meta do projeto, com o tema tratado e com a metodologia
proposta, para facilitar sua adesão ao projeto e criar um espírito favorável para a execução do
mesmo.
Outro exemplo é que a estrutura organizacional para um projeto sistêmico deve ser
elaborada de acordo com as particularidades desse projeto e dos seus participantes. Essa
estrutura deve ser flexível, democrática e não-hierárquica, tendo facilitadores sem grau de
hierarquia que gerenciam as ações e os participantes. O desafio será gerenciar os conflitos
advindos da falta de experiência em trabalhar sistemicamente e da insegurança de sair de
instituições hierárquicas e burocratizadas com projetos rígidos para aprender cooperação,
autonomia, solidariedade e transparência nas relações de partes iguais.
114
Para
Passini
(1999),
é
fundamental
a
consolidação
de
um
“caderno
de
responsabilidades” negociado por todos os parceiros, onde cada um saberá exatamente quais
são suas funções, atribuições, responsabilidades e formas de operação e onde caberá aos
facilitadores de gerenciar os espaços de interação, procurando o maior nível de sinergia possível.
Outra recomendação de Passini (1999) alerta para a criação e desenvolvimento de uma
“cultura do projeto” (o que foi denominado no sub-capítulo 5.3.1 como espírito) pelo conjunto dos
participantes, onde todos assumem o projeto, junto com a democratização da informação e o
poder de decisão, que devem fazer parte íntegra dessa cultura. Outra recomendação aborda a
elaboração e manutenção do projeto que imprescindivelmente deve contar com todos os atores
envolvidos e que deve definir os principais elementos do projeto como objetivos, metas,
estratégias, responsabilidades, gerenciamento de mudanças, sistemas de informação e decisão.
A validação e difusão da tecnologia devem fazer parte do projeto e contar com os
segmentos pesquisa, extensão e produção. A validação constante no decorrer do projeto serve
como input para o melhoramento da tecnologia em termos técnicos e de adaptação ao projeto.
Uma validação de vários projetos que usam a mesma tecnologia aumenta ainda sua eficiência.
Para Passini (1999) o grande aliado para a difusão da tecnologia é o agricultor colaborador e,
utilizando as redes locais de comunicação, pode ser difundida para toda a comunidade local. Um
estudo de campo sobre a adoção e rejeição da tecnologia ajudaria em comunicar melhor as
vantagens, e desta forma motivar mais pessoas para adotá-la.
Extensão do Modelo
Mesmo que o modelo aqui proposto para a aplicação da metodologia ZERI foi concebido
no contexto do reflorestamento e da pequena propriedade rural, ele pode ser transferido para
qualquer projeto que vise, através da produtividade total da matéria, o desenvolvimento
sustentável. O que precisa ser adaptado num outro contexto são a matéria-prima a ser usada e
conseqüentemente os produtos gerados e as tecnologias utilizadas. Lembramos que para uma
tecnologia se tornar apropriada há necessidade de considerar o contexto sócio-econômico e
cultural dos usuários, assim esta precisa ser adaptada para o contexto específico.
O modelo conceitual do sistema que envolve as interligações sociais, ambientais e
econômicos, a estrutura do sistema e as matrizes de agregação de valor são comuns para
qualquer projeto. Isso se aplica também para os processos de análise e otimização do sistema.
Proposta para futuras pesquisas
Para futuras pesquisas recomenda-se:
•
Estudar todos os aspectos da implantação de um projeto sistêmico num ambiente como
proposto pelo projeto da EMBRAPA, a pequena propriedade rural e uma cooperativa como
coordenadora do projeto, para detectar e avaliar o pontos sensíveis da implantação. Acreditase que o espírito que está atrás de um projeto tem uma influência muito maior sobre seu êxito
do que os aspectos tecnológicos ou organizacionais.
115
•
Aprofundar mais a avaliação sócio-cultural do sistema de produtividade total da matéria-prima
e a integração desses aspectos na matriz de agregação de valor para trazer uma base ainda
melhor para a tomada de decisões relativo à viabilidade sistêmica dos processos. Para isso
sugere-se usar fatores de desempenho social ou algo similar.
•
Desenvolver um programa informatizado para elaborar a MAVA com acesso a um banco de
dados (com possibilidade de retroalimentação) que fornece informações como composição de
matérias-primas, ou parâmetro financeiros como valores de produtos, custos operacionais,
investimentos etc.
O autor espera que um dia a idéia se torne realidade e contribua para um futuro mais feliz.
“É sábio aquele que sabe usar o conhecimento para integrar a própria prática”
Antonio J. Severino
116
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CD-Rom:
BIOSFERA. Forest 99, Anais...Curitiba: 1999. CD-ROM
120
Anexo A
Projeto da EMBRAPA-Florestas que foi usado como contexto no presente trabalho.
Aproveitamento integral da madeira de florestas plantadas para usos
múltiplos.
A partir dos problemas com o uso não-sustentável das madeiras nativas e dos
crescentes custos para o transporte, a madeira oriunda de florestas plantadas desenvolve um
papel cada vez mais relevante para suprir a demanda das indústrias das regiões Sul e Sudeste. O
projeto visa melhorar tanto a qualidade da matéria-prima através de estudos das espécies mais
promissoras quanto o processamento das madeira, seja desdobro, laminação, secagem,
usinagem e acabamento superficial através do estudo do comportamento dessas madeiras. Com
enfoque sistêmico visa o aproveitamento integral da árvore através da utilização dos resíduos
gerados como matéria-prima para a elaboração de produtos diversos, de fundamental importância
para a viabilidade econômica de qualquer empreendimento de base florestal.
Problema e sua importância
Entre as madeiras brasileiras oriundas de reflorestamento, somente as do gênero Pinus
têm importância para a indústria de processamento mecânico. Apenas recentemente o eucalipto
passou a ser usado em escala industrial mais significativa para a produção de madeira serrada
(ABRACAVE, 1996).
As perdas na indústria florestal brasileira ocorrem em todas as fases do processamento
da madeira e, de um modo geral, a geração de resíduos tem sido um problema para as indústrias.
(Fontes, 1994), principalmente na forma de serragem e peças A Região Sul gerou no ano de 1990
3
cerca de 2,1 milhões de m de resíduos na indústria madereira de madeira de pequena dimensão
enquanto a produção de produtos sólidos de madeiras chegou em aproximadamente 4,6 milhões
3
de m .
As perdas e a geração de resíduos são causadas tanto pela baixa qualidade da matériaprima quanto pela falta de conhecimento básico das propriedades da madeira e pela aplicação de
tecnologias inadequadas para seu processamento. Quanto a baixa qualidade da matéria-prima é
necessário o aprimoramento de técnicas silviculturais e o melhoramento genético específico para
a produção de madeira sólida; quanto as tecnologias inadequadas é necessário trabalhar-se com
métodos de processamento que minimizem as perdas e maximizam o rendimento econômico do
eucalipto.
Os principais resíduos da indústria madereira são:
a)
a serragem, originada da operação das serras, que pode chegar a 12% do
volume total de matéria-prima
b)
os cepilhos, gerados pelas plainas, que podem chegar a 20% do volume
total de matéria-prima, nas indústrias de beneficiamento
c)
a lenha, composta por costaneiras, aparas, refios, cascas e outros, que
pode chegar a 50% do volume total de matéria-prima, nas serrarias e laminadoras
O aproveitamento de resíduos na indústria madereira não se restringe à disposição dos
mesmos nas florestas. Boa parte dos resíduos lignocelulósicos apresenta um vasto potencial
industrial para a produção de combustíveis, para queima direta em fornos e caldeiras, "in natura"
ou densificada em briquetes, matéria orgânica para compostagem ou vermicompostagem,
matéria-prima de extrativos (taninos, ceras, óleos essenciais, complexos fenólicos), enzimas de
interesse industrial, aditivos alimentares, entre outros. Além disso, poderiam ser utilizados na
produção de pasta e celulose, de chapas e na fabricação de modulados fenólicos. Porém, o que
se verifica na prática é que os resíduos são queimados à céu aberto (maior utilização), sem
aproveitamento de energia, ou são removidos para terrenos baldios ou aterros.
121
Objetivos
-
analisar viabilidade econômica de produzir serrados em pequena escala para consumo
próprio e para o mercado local, bem como de produzir casas de madeira localmente
minimizar a geração de resíduos na indústria madereira
desenvolver tecnologias para o aproveitamento de resíduos de origem florestal
Subprojeto 4: Desenvolvimento
lignocelulósicos
de
tecnologias
para
aproveitamento
de
resíduos
Este Subprojeto tem o objetivo de gerar tecnologias para a utilização de
resíduos da exploração e da indústria de base florestal, contribuindo para a solução
do problema ambiental e para o aumento da rentabilidade do empreendimento.
Como estratégia, serão identificados os principais problemas para
reciclagem de resíduos junto às indústrias e, através de parcerias com as mesmas,
buscar-se-ão soluções tecnológicas que atendam os interesses industriais dentro de
conceitos da manutenção da qualidade ambiental.
A fim de seguir uma sistemática nos procedimentos envolvendo resíduos, a
abordagem metodológica do subprojeto deverá seguir o roteiro abaixo descrito:
-
-
-
-
-
levantamento dos principais resíduos gerados nas indústrias de bases florestal serão realizados em conjunto com os demais subprojetos visando detalhar
qualitativamente e quantitativamente os resíduos gerados nos diferentes tipos de
indústrias florestais (serrarias, papel e celulose, chapas, etc.);
levantamento dos principais resíduos da exploração florestal - deverá retratar o
percentual de resíduos gerados após o corte das árvores para a produção de
madeira, e o destino desses resíduos (se permanecem no local da exploração ou
não);
caracterização física e química dos resíduos - os resíduos serão caracterizados
quanto a sua granulometria e quanto aos seus componentes orgânicos (lignina,
celulose, hemiceluloses, extrativos, etc.);
triagem dos resíduos para fins de extração de produtos químicos de interesse
industrial;
desenvolvimento de tecnologias a partir dos resíduos pré-selecionados, com ênfase
para a produção de energia, de celulose e papel, de chapas cimento-madeira, de
compósitos poliméricos e como substrato para a produção de fungos comestíveis
(metodologias a serem detalhadas nos respectivos experimentos);
validação das tecnologias junto ao setor produtivo.
Subprojeto 5: Avaliação sócio - econômica e ambiental das tecnologias geradas
Este subprojeto é parte da validação e difusão das tecnologias geradas nos
anteriores. Trabalhará em parceria com pequenos proprietários rurais, verificando a
economicidade da produção de madeira de reflorestamento e do processamento
desta madeira na pequena propriedade.
As madeiras de reflorestamento serão serradas em serraria portátil,
produzindo um mix de produtos voltados ao atendendimento das necessidades da
propriedade e de comunidades próximas. Nele está a construção de casas de
madeira, com os esforcos convergindo para atender especialmente as classes de
baixa renda. Profissionais das áreas de arquitetura e da engenharia civil, entre outros,
deverão ser envolvidos em todas as suas fases.
A possibilidade de obtenção de outros produtos de madeira, como carvão
em pequena escala, aproveitamento secundário de peças de menor dimensão e
aproveitamento de resíduos para produção de cogumelos comestíveis e compostos
122
será também analisada. O módulo florestal adequado para atendimento de um
pequeno complexo industrial composto por uma serraria portátil, forno de carvão de
pequeno volume, produção de cogumelos comestíveis e composto orgânico para
horticultura e/ou jardinagem será avaliado.
Os objetivos deste Subprojeto são:
-
Quantificar o custo de produção de florestas de rápido crescimento de eucalipto,
pinus e bracatinga em pequenas propriedades;
analisar a viabilidade econômica de se produzir serrados em pequena escala para
consumo próprio e para um mercado local;
analisar a viabilidade de se produzir casas de madeira localmente;
estabelecer serrarias portáteis pequenas em comunidades de pequenos produtores;
analisar formas de minimizar a produção de resíduos e introduzir novas tecnologias
para seu máximo aproveitamento;
definir o tamanho de um módulo florestal necessário para atendimento das
necessidades da serraria e da indústria de resíduos;
usar este Subprojeto como mecanismo de validação das tecnologias geradas nos
demais.
A produção de serragem, casca, restos de madeira será quantificada. Os
resíduos obtidos serão utilizados inicialmente para produção de carvão, composto de
casca e serragem e cultivo de cogumelo.
123
Anexo B
A Experiência do uso da Serra-Móvel
Depois de mais que um ano de uso da serra móvel pela COTREL a EMBRAPA fez uma
avaliação da experiência. Nesse trabalho, Schaitza (2000) identifica as oportunidades, as
vantagens e restrições e o retorno econômico que esse tipo de serra apresenta.
O uso de serras móveis se justifica, segundo Schaitza (2000), especialmente em dois
casos. No caso em que os reflorestamentos são de difícil acesso, o desdobro no local evita o
transporte de resíduos que apresentam algo ao torno de 50% do volume original. Porém, sob o
ponto de vista sistêmico, os resíduos devem ser aproveitados. O outro caso são as pequenas
áreas de reflorestamento, principalmente nas pequenas propriedades rurais, que justificam o uso
de serras móveis pela quantidade pequena de toras e pelas oportunidades que o aproveitamento
dos resíduos oferecem. Estes casos apoiariam o desenvolvimento de áreas rurais e levariam à
criação de postos de trabalho.
A parceria da EMBRAPA com a COTREL se insere nesse quadro e a serra móvel
desempenha o papel do primeiro elo na corrente de agregação de valor. Mas também o transporte
e a industrialização de madeira aumentam o valor dela. Se por exemplo uma árvore for vendida
3
3
3
por R$ 15,00/m no toco e ela vale R$ 20,00/m no pátio ao lado da estrada e R$ 25,00/m na
fábrica, cada transporte significa um acréscimo do valor da tora. Se as tábuas cortadas dessa tora
3
3
3
valem R$ 60,00/m e a eficiência é de 2 m de tora por 1 m de tábua só a metade do ganho fica
na propriedade e a outra metade fica com outros atores da cadeia produtiva.
Desdobrar as toras no local de corte evita o transporte de resíduos (50% do volume
original), deixa esses resíduos para o beneficiamento pelo proprietário e diminui o impacto
ambiental pelo menor volume a transportar com caminhões.
Os proprietários rurais enfrentam problemas com a venda das toras, especialmente
quando se trata de quantidades pequenas. Os proprietários das serrarias recebem a maior parte
das tábuas como pagamento, porque eles são responsáveis pelo transporte, e muitas vezes ficam
com as melhores tábuas, já que eles fazem a separação. O transporte da serra móvel é simples, o
modelo usado em Erechim pode facilmente ser rebocado por um pequeno caminhão.
O desdobro do eucalipto apresenta certa dificuldade devido às tensões internas da
madeira. O corte simétrico, através de serras duplas ou rotação da tora entre dois cortes, pode
diminuir essa dificuldade. Serras móveis com equipamento para o manuseio (hidráulica para girar
a tora) facilitam o desdobro apropriado dessa madeira (Waugh, 1998).
A tendência das toras de eucalipto de rachar nas pontas aumenta com o tempo. A serra
móvel tem a vantagem que a árvore pode ser desdobrada imediatamente após a corte, antes que
as pontas comecem a rachar.
Uma das principais razões pelo êxodo rural é a falta de alternativas econômicas nas
pequenas comunidades rurais, uma vez que a maioria dos produtos são vendidos sem agregação
de valor. A serra móvel agrega valor à produção básica e gera trabalho com relativamente baixo
investimento.
124
Importante para distinguir a viabilidade do uso da serra é a definição do tamanho da área
de reflorestamento e o tipo de manejo. Para Pinus uma área de 125 ha é suficiente para o uso
economicamente sustentável de uma serra móvel, o que significa que plantando uma área de 5 ha
por ano durante 25 anos produz-se matéria-prima suficiente para justificar uma serra móvel.
A plantação de eucaliptos com tempo de rotação de 20 anos, com o devido desbaste,
3
produz 400 à 500 m /ha de toras do desbaste e 250 – 300 árvores do corte final, com isso 70 –
125 ha são suficiente para abastecer uma serra móvel.
Cálculos Econômicos
Os cálculos de investimento e retorno econômico da serra móvel feitos por Schaitza
(2000) baseiam-se na serra Woodmizer LT30HD que está sendo usada pela COTREL. O valor da
serra no Brasil é em torno de R$ 80.000,00. Esse valor se calcula a partir do preço de tabela nos
Estados Unidos que é de US$ 25.300,00 mais o transporte, as taxas de importação e o câmbio.
Para o financiamento da serra há várias linhas de crédito com baixos juros (entre 6% e 18% ao
ano) destinados ao desenvolvimento na área rural e à geração de trabalho. Para os cálculos foi
usado o valor de 6%. Os ganhos com os serviços da serra e os custos operacionais e de
amortização levam a um lucro de aproximadamente R$ 1.000,00 por mês. Os valores detalhados
são os seguintes:
3
- Preço do desdobro em tábuas de 1 polegada em serrarias na região R$ 35,00/ m de tora
cortada
3
- Produção média de 7m /dia (jornada de 8 horas)
- Custo da serra
R$ 80.000,00
3
- Renda por mês (21 dias úteis): 147m x R$ 35 =
R$
5.145,00
- Custos variáveis (fita, diesel, lubrificante e peças):
R$
508,00
- Custos fixos (salário, desvalorização, transporte):
R$
1.737,00
- Custos fixos (amortização, juros):
R$
1.878,00
- Custo total:
R$
4.123,00
- Lucro por mês com os juros mais baixos:
R$
1.022,00
58
Com a operação da serra em dois turnos, o lucro já se apresenta bem maior, em torno
de R$ 4.100,00 ao mês e o investimento se amortiza mais rápido. Nesse caso a área reflorestada
que for atendida pela serra deve ser o dobro.
A agregação de valor através do processo do desdobro de eucalipto calcula-se da
3
3
3
seguinte forma: a tora (no toco) no Sul do Brasil vale R$ 30,00/m , 2m de tora rendem 1m de
3
3
tábuas que vale R$ 180,00/m , ou para 2m de tora que valeria R$ 60,00 paga se R$ 70,00
3
(2 m x R$ 35,00) e se vende por R$ 180,00, o que significa um valor adicional de R$ 50,00
Mas não só o produtor tem benefício, as pequenas cidades ganham com a prosperidade
dos cidadãos, da geração de novos empregos e dos impostos. O desdobro é o primeiro passo da
125
industrialização, outros passos como secadores, fornos de carvão, pequenas carpintarias e
fábricas de móveis podem agregar mais valor à madeira e gerar renda na região.
A serra móvel foi um fator muito importante na motivação para reflorestamento porque os
pequenos proprietários podem ver as oportunidades da agregação de valor ao produto deles. Nos
dias de campo organizados pela COTREL e outros entidades, a serra móvel sempre despertou
muito interesse.
Comparação com outras serras móveis
No ano 2000 a EMBRAPA adquiriu duas serras móveis, de menor custo de compra, para
comparar o desempenho e a viabilidade econômica entre diferentes serras.
A serra Husqvarna é do mesmo tipo como a Woodmizer com a serra de fita passando
sobre a tora fixa. O equipamento é bem mais simples e a potência do motor bem inferior, o que
explica a diferença do preço. A capacidade de desdobro dessa serra é aproximadamente a
metade da Woodmizer e o lucro chega a R$ 315,00 ao mês. O uso da serra Husqvarna justifica-se
quando a possibilidade de conseguir um maior empréstimo for limitada ou quando a quantidade de
madeira para serrar for menor. Para o transporte da serra basta uma pequena camioneta.
A serra Lucas é diferente das outras duas pelo tipo de serra (circular) e pelo fato que a
tora fica apoiada no chão e não pode ser manobrada facilmente. Essas duas caraterísticas têm
certas desvantagens. A serra circular faz um corte de maior espessura, o que leva a mais
serragem e menos tábuas e a largura das tábuas está limitada pelo diâmetro da serra. O fato que
a tora fica fixa dificulta o corte simétrico para aliviar as tensões internas da madeira no caso do
eucalipto. Pro outro lado essa serra oferece o melhor desempenho (lucro de R$ 2.350,00/mês) e
pode ser levada em lugares de difícil acesso uma vez que ela pode ser transportada com uma
pequena camioneta. A Tabela B1 mostra o desempenho econômico das três serras.
Tabela B1: Desempenho econômico de três serras móveis:
Marca
Produção média
Custo da serra
Renda por mês (21 dias úteis)
Custos variáveis
Custos fixos
Custos Total:
Lucro por mês (juros 6%)
Fonte: Schaitza, 2000/autor
58
m3/dia
R$
R$
R$
R$
R$
R$
Woodmizer Husqvarna Lucas
7
3
6
80.000,00
18.000,00
20.000,00
5.145,00
2.205,00
4.410,00
508,00
252,00
435,00
3.615,00
1.638,00
1.625,00
4.123,00
1.890,00
2.060,00
1.020,00
315,00
2.350,00
esses valores foram levantados por Schaitza (2000)
126
Anexo C
Produção e comercialização de madeira de plantios florestais na Região do
Alto Uruguai
Para verificar a viabilidade econômica de um projeto de desenvolvimento, além da
viabilidade econômica dos processos é importante analisar o mercado. A EMBRAPA junto com a
COTREL fez em 1999/2000 uma avaliação da produção de madeira de reflorestamento (Dossa,
2000) e do mercado para essa madeira na região do Alto Uruguai. O objetivo desse trabalho foi
ampliar o conhecimento sobre a oferta da produção de florestas plantadas com mudas da
Cooperativa COTREL, de 1993 a 1998, e sobre o comportamento da demanda atual de produtos e
subprodutos florestais, para fornecer subsídios a novas estratégias de utilização e ampliação dos
reflorestamentos naquela região.
A atual situação do mercado segundo Dossa (2000) se carateriza por três fatores
principais:
1. A necessidade de implementar florestas na região devido à devastação ocorrida
durante o ciclo da madeira (1920-60) e na expansão das lavouras e pecuária (implementação da
produção de grãos e animais), que tornou as áreas inadequadas devido à exaustão da fertilidade e
resultou no seu abandono gradativo.
2. A escassez da matéria-prima de boa qualidade para as indústrias madeireiras
prejudica seu desenvolvimento. Essa indústria, composta de serrarias, fábricas de móveis e
aberturas, caixarias de madeira, marcenarias, carpintarias entre outras tinha se instalado na região
pela disponibilidade de florestas nativas no passado.
3. A falta de interesse em reflorestamento devido à perda da cultura florestal, à
necessidade de um retorno a curto prazo e pela falta da mão-de-obra familiar.
3
Para a estimativa da produção foram calculados 25 m por hectare de incremento médio
anual para pinus com corte final aos 21 anos. Para eucalipto o incremento médio anual foi
3
calculado em 35 m por hectare e ano com desbaste para 300 árvores/ha e corte final aos 21
anos.
Nos cinco anos estudados foram plantados 3,3 mil hectares ou seja, uma média de 560
ha/ano. Das árvores 79% eram da espécie eucalipto. A perda foi de 29,4% das mudas de
eucalipto e 33,2% das de pinus. Os índices de sobrevivência estão muito abaixo do nível desse
tipo de plantio e se devem principalmente a ataques de formiga mas também à falta de
conhecimento dos produtores. Existe um potencial de ação técnica a ser implementado para
melhorar a taxa de sobrevivência das mudas.
A pesquisa conclui que o interesse em reflorestamento é grande na região, 68% dos
produtores pretendem implantar florestas, ampliar seus reflorestamentos ou apenas efetuar a
reposição das áreas com florestas submetidas a corte final. O eucalipto e o pinus continuam sendo
as espécies preferidas. Os motivos principais para plantar árvores são: a venda para serrarias com
127
71%, a produção de lenha com 67% e a diversificação da renda com 36%. O baixo número de
produtores que mencionaram a diversificação de renda como motivo para o reflorestamento indica
que a maioria deles não perceberam que a atividade florestal pode ser uma alternativa econômica
importante na formação da renda familiar.
A aplicação de adubos (50% para eucalipto, 45% para pinus) ou o desrama das árvores
que é feita em 50% das propriedades são indicadores para a preocupação com as atividades
florestais, com a qualidade da madeira e do conhecimento sobre o assunto.
Segundo Dossa (2000) os gastos anuais dos produtores na compra de madeira foram de
R$ 470,00 em 1998 e de R$ 345,00 em 1999. A redução de R$ 125,00 de 1999 em relação a 1998
é uma conseqüência do crescimento do plantio florestal que beneficiou a propriedade. O desbaste
também tem trazido renda e estimulado muitos produtores a ampliar seus plantios. Numa região
onde a renda bruta anual mínima foi estimada em R$ 265,00, (Confederação Nacional da
Agricultura, CNA, 1999) essa renda adicional pode ser considerada significativa. Para antecipar o
retorno econômico, os produtores tendem a antecipar os cortes finais, mas o maior
aproveitamento dos plantios acontece com desbaste aos 14 anos e corte final aos 21 anos.
Considerando que a madeira para serraria e laminação chega a atingir mais de cinco vezes o valor
do metro cúbico para lenha, a orientação deve insistir nesse ponto.
Estimativa de Produção de Madeira
3
A Tabela C1 mostra a produção (m ) estimada com desbastes aos 14 anos dos
reflorestamentos com eucalipto de 2007 a 2012 a partir das mudas comercializadas pela COTREL
de 1993 a 1998.
Tabela C1 Produção estimada com desbastes aos 14 anos
Ano
Serraria
Lenha
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Média
12.443
6.883
12.583
9.149
7.907
8.978
9.657
111.087
61.447
112.331
81.676
70.589
80.159
86.215
Fonte: Dossa, 2000
3
A produção média de 9600 m ao ano entre 2007 e 2012 justifica a compra de 6 serras
móveis com a capacidade da serra Woodmizer ou de 3 serras trabalhando em dois turnos.
3
A Tabela C2 mostra a produção (m ) estimada com corte final aos 21 anos dos
reflorestamentos com eucalipto de 2014 a 2019 a partir das mudas comercializadas pela COTREL
de 1993 a 1998.
Tabela C2: Produção estimada com corte final aos 21 anos
128
Eucalipto
Serraria
Lenha
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Média
181.696
100.503
183.732
133.592
115.456
131.110
141.015
64.163
35.492
64.882
47.176
40.772
46.300
49.797
Fonte: Dossa, 2000
3
A produção média de 141.000 m ao ano entre 2007 e 2012 justifica a compra de 80
serras móveis com a capacidade da serra Woodmizer ou de 40 serras trabalhando em dois turnos.
Consumo de Produtos e Subprodutos Florestais
3
A Tabela C3 mostra a demanda (m ) de produtos do setor florestal por setor na região do
Alto Uruguai em 1999.
Tabela C3: Demanda de Produtos do Setor Florestal
Energia
Carvão
Serrarias
Construção
outras
Total
Outras
Eucaliptos
Pinus
Total
3
3
3
3
m
m
m
m
34.760
67.583
350
102.693
3.000
3.000
6.000
20.975
5.846
1.782
28.603
1.360
12.180
13.540
12.039
12.262
426
24.727
72.134
100.871
2.558
175.563
Fonte: Dossa, 2000
A Tabela C3 mostra a grande demanda de madeira para energia (62%) que nos
próximos anos pode ser cumprida com madeira do desbaste, mas que a partir de 2008 encontrará
dificuldade no abastecimento. Para a madeira serrada faltará até o ano 2013 uma quantidade de
3
aproximadamente 56.000 – 60.000 m por ano, o que significa importação de madeira ou extração
de florestas nativas.
Dossa (2000) observa que há um grande crescimento para os produtos e subprodutos
decorrentes do processamento da madeira. São empresas que fabricam móveis, aberturas para
residências, carrocerias de caminhões, caixarias para consumo regional e painéis de pinus para
exportações. O subproduto dela decorrente agrega valor à produção florestal e alavanca à
economia como um todo.
Considerando o consumo atual, estima-se que são necessários cortes anuais de 7 mil
hectares. Isto representa uma área 12 vezes maior do que a plantada atualmente com mudas da
COTREL. As mudas por pequenos viveiros da região assim como de regiões vizinhas amenizam
um pouco o déficit, mas o consumo de madeira de florestas nativas é preocupante, já que isto é
feito muitas vezes de maneira ilegal, em desacordo ao código florestal. De toda a madeira
consumida na região 75% é de origem local. Das madeiras importadas de outros estados observase a procura de madeiras que não são produzidas na região. Isto indica um nicho de mercado que
pode ser explorado pelos produtores do Alto Uruguai objetivando ganhar este espaço econômico.
129
Na área de movelaria, por exemplo, há procura por espécies como cerejeira, mogno, imbuia, louro,
canela, grápia e açoita.
Uma questão fundamental é conhecer a necessidade de consumo de acordo com o
crescimento da economia. Considerando taxas médias de crescimento da economia em 2% ao
ano, Dossa (2000) calcula que o atual consumo de 175.563 metros cúbicos por ano vai crescer
para 215 e 260 mil metros cúbicos nos anos de 2010 e 2020, respectivamente. Se toda a madeira
consumida fosse retirada da região do Alto Uruguai, seria necessária uma área anual plantada de
8,0 mil hectares, para o ano de 2007. Este valor cresceria para 9,2 mil hectares em 2014. Isto
indica a necessidade de 14,4 milhões e 16 milhões de mudas de eucaliptos, pinus, entre outras,
para suprir essa demanda naqueles anos. Mas além da quantidade de madeira produzida, existe a
questão da qualidade da matéria-prima. Para os consumidores da região isso representa o maior
problema.
Durante a avaliação da produção e do mercado Dossa (2000) encontrou dois problemas
básicos. O primeiro é como expandir um programa de estímulo ao reflorestamento na região para
suprir a demanda futura. O segundo é como aproveitar bem a matéria-prima que será produzida
com os reflorestamentos existentes.
Para o primeiro caso o mesmo autor sugere que se organize uma ação inter-institucional
de fomento para a produção de florestas. Nessa ação seria necessário acrescentar informações
sobre rentabilidade para apoiar os produtores na introdução de florestas ao nível da propriedade, o
que poderia ser realizado por equipes de prestadores de servi ços de plantio e manejo florestal.
Para o segundo, uma das alternativas seria a ampliação do uso serrarias portáteis. Se
houver a opção de instalar máquinas similares, nove outras serrarias móveis ou fixas poderiam
estar operando a partir de 2007 na região. Além disto, caso haja uma produção local consistente
de serrados e laminados, seria possível instalar outras indústrias para o processamento de
madeira como indústrias de chapas coladas, móveis, aberturas e casas pré-fabricadas.
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centro federal de educação tecnológica do paraná