Ministério da Saúde Direcção Nacional de Assistência Médica Manual para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Junho, 2012 Serviços Integrados para Atendimento às Vitimas de Violência DEDICATÓRIA Esta publicação é dedicada a todas as crianças e mulheres sobreviventes da violência para que mantenham a coragem de lutar contra a violação dos seus direitos humanos. Ministério da Saúde Direcção Nacional de Assistência Médica Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Género Serviços Integrados para Atendimento às Vitimas de Violência Junho, 2012 FICHA TÉCNICA Autores Francelina Pinto Romão, MISAU Ana Baptista, Jhpiego Micó Polana, Jhpiego Sidónia Fiosse, Associação Moçambicana de Ginecologistas e Obstetras Raquel Mahoque, OMS Eliassara Antunes, Embaixada dos Países baixos Revisores Rosa Marlene, MISAU Grupo PRESWAP de Género Virgílio Ceia, MISAU Rómulo Muthemba, MISAU Armando Bucuane, MISAU Fátima Souto, MISAU Aleny Couto,MISAU Lídia Gouveia, MISAU Natércia Fernandes, Jhpiego Colaboradores: Amélia Kaufman, Consultora Jhpiego Débora Bossemeyer, Jhpiego Agradecimentos A todos quanto directa ou indirectamente contribuíram para que este manual fosse desenvolvido. Agradecimentos especiais aos médicos e médicas, psicólogos e psicólogas da Direcção Nacional de Saúde Púlbica e Direcção Nacional de Assistência Médica, ao Grupo Pré-SWAP, OMS, Jhpiego, WLSA Moçambique, Programa Nacional de Medicina Legal e os profissionais de saúde da DPS Gaza. ©Esta publicação do Ministério da Saúde da República de Moçambique (MISAU) foi realizada com o apoio técnico da Jhpiego/CDC e com os fundos do povo dos Estados Unidos da América, disponibilizados por meio do Plano de Emergência do Presidente para o Alívio do SIDA através dos Centros de Prevenção e Controlo de Doenças (CDC). MOÇAMBICANOS E AMERICANOS JUNTOS NA LUTA CONTRA O HIV/SIDA ÍNDICE Prefácio 5 Abreviaturas 6 MÓDULO I 7 Introdução 9 MÓDULO II 11 Conceito de género 12 Conceito de violência e a natureza estrutural da violência de género 15 Ciclo da violência e mitos que legitimam a violência e a dificuldade de denunciar 18 MÓDULO III 21 Impacto da Violência no Estado de Saúde da Mulher 23 Consequências fatais 24 Consequências não fatais 25 Problemas físicos de saúde 25 Problemas mentais e comportamentais 25 Problemas de saúde sexual e reprodutiva da mulher 26 A violência na mulher grávida 26 Relação entre violência e o HIV e SIDA 27 MÓDULO IV 29 A importância da violência como assunto de saúde pública 31 Mecanismos legais existentes para a protecção das mulheres 32 Convenções internacionais 32 Legislação Moçambicana 33 Lei sobre a violência doméstica praticada contra a Mulher ( Lei nº29/2009) 34 Principais mecanismos à disposição para denúncia e processos de justiça subsequentes 35 MÓDULO V 37 Papel da Unidade Sanitária e dos Profissionais de Saúde: provisão do pacote integrado de saúde 39 Papel da Unidade Sanitária e dos profissionais de Saúde 39 Protocolo de atendimento nas Unidades Sanitárias 42 Admissão 43 Material nos locais de atendimento 45 Algumas notas sobre o Atendimento 45 4 MÓDULO VI 49 Apoio Psicológico 51 Suspeita da existência de violência ocorrida no passado ou a oorrer actualmente 51 Orientar o Diálogo 52 Alguns exemplos de como ouvir e perguntar sobre violência doméstica contra as mulheres 53 MÓDULO VII 55 Perícia médico-legal 57 Traumatologia forense 57 Sexologia forense 57 Perícia médico-legal 58 MÓDULO VIII 61 Coordenação intersectorial e ligação com a comunidade 63 O atendimento integrado 63 Como envolver a comunidade na prevenção e apoio das mulheres vítimas de violência 64 Outros aspectos a ter em conta 64 ANEXOS 67 ANEXO A - Crimes previstos no código penal e respectivas penas 69 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência PREFÁCIO A violência baseada no género é uma violação dos direitos fundamentais do ser humano e constitui um problema sério de saúde pública. Tem impacto profundo na saúde física, sexual e mental da vítima, tanto no momento do acontecimento, como na sua vida futura. A violência, incluindo a sexual, ocorre em todos os cenários culturais e níveis sociais e é uma triste realidade que as mulheres e crianças têm vivido no nosso país. O controlo da violência não é tarefa exclusiva das esferas jurídica, policial e social, mas também da saúde, pois a maioria das vítimas procura estes serviços. Estudos feitos no nosso país mostram que cerca de 54% das mulheres já foram ou são vitimas de violência física e ou sexual. Não se conhece cabalmente a prevalência da violência na criança, mas todos os profissionais de saúde são unanimes na afirmação de haver cada vez mais crianças violentadas procurando os nossos serviços. Implementar serviços de atendimento integrado às vítimas de violência é zelar pelos Direitos Humanos e, valorizar no espaço de saúde, a realização desses Direitos é, neste caso, a melhor forma de garantir a saúde e, os profissionais de saúde estão numa posição privilegiada para a realização desta tarefa. Este manual prático tem como objectivo apoiar os quadros de saúde na organização e gestão dos serviços de saúde de modo que as vitimas recebam os cuidados que precisam, quando precisam, de forma amigável, obtenham os resultados desejados, sem desperdício de recursos, assegurando a uniformização da assistência, tendo em conta não só o trauma físico mas também o trauma psicológico e os aspectos legais. A oferta destes serviços deve ser sensível ao género de modo a reduzir o impacto físico e mental desta experiência traumática, e, ser baseada na aplicação de princípios éticos e de respeito aos direitos das pessoas atingidas por violência. Maputo, aos 21 de Dezembro de 2011 O Ministério da Saúde Alexandre L. Jaime Manguele Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 5 ABREVIATURAS AZT - Zidovudina CE - Contracepção de Emergência CSCS - Centro de Saúde D4T - Stavudina LPV/r - Lopinavir combinado com ritonavir HIV - Vírus de Imunodeficiência Humana IP - Inibidor de Protease ITS - Infecção de Transmissão Sexual PPE - Profilaxia Pós Exposição Não Ocupacional ao HIV SIAVV - Serviços Integrados para Atendimento às Vítimas de Violência Sexual SIDA - Síndrome de Imunodeficiência Humana SMI - Saúde Materno Infantil 3TC - Lamivudina US - Unidade Sanitária VS - Violência Sexual VVS - Vítimas de Violência Sexual 6 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo I Introdução 8 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Introdução A violência, especialmente a doméstica é um tema que vem sendo a cada dia mais abordado como uma questão de saúde. Entretanto alguns profissionais desta área têm sérias dúvidas sobre a oportunidade de trabalhar num problema desta natureza numa rede de serviços de saúde já bastante sobrecarregada. Realmente, muitas vezes os profissionais têm pouco conhecimento sobre o que fazer nestes casos, já que a sua formação raramente inclui o tema na sua globalidade. Intervir em situações de violência não é tarefa exclusiva das esferas jurídica, policial e psicosocial, mas é também da área de saúde, pois há sofrimentos e doenças que acometem às vítimas de violência, alterando o seu estado de saúde. Se este estado de doença não for imediatamente tratado ou prevenido, pode levar ao aparecimento de outras doenças ainda mais graves, muitas delas crónicas. Além disso, devido ao papel da mulher, ainda hoje quase que exclusivo na educação e prestação de cuidados às crianças, idosos e enfermos no âmbito doméstico, a mulher ocupa uma posição também central para lidar com a saúde dos membros da família. As mulheres vítimas de violência, devido à sua situação de stress tendem a ser menos efectivas na prestação de cuidados a si próprias e aos demais familiares sob a sua responsabilidade. Há diversas propostas no plano internacional e também em Moçambique, para estabelecer protocolos de atenção específica para a violência contra a mulher e/ou intra familiar, já que esta forma de violência é uma situação muito frequente e tem importantes repercussões nos direitos humanos e na saúde das pessoas. Existem várias acções simples que os profissionais da saúde podem realizar para apoiar a reposição dos direitos humanos violados e colocar-se contra a violência, de modo a prevenir episódios futuros, para além de tratar os episódios actuais. Este manual tem por objectivo ajudar a preencher as lacunas de conhecimento que impedem os profissionais de providenciarem uma melhor assistência às vítimas de violência nos serviços de saúde. A violência, em especial a doméstica, é uma triste realidade que necessita de uma abordagem global e integrada. O foco neste manual será colocado principalmente nas mulheres e nas crianças que sofrem de violência doméstica, mas os procedimentos também se aplicam aos demais grupos etários e ao sexo masculino, incluindo a violência contra as mulheres noutro ambiente que não o doméstico. A violência doméstica é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres, ao contrário dos homens, cuja principal forma é a cometida no espaço público por conhecidos ou estranhos. As mulheres são também as principais usuárias dos serviços de saúde, especialmente os de atenção primária, na componenete de saúde reprodutiva. Estar-se-á portanto, tratando principalmente da violência contra a mulher e da violência doméstica contra as mulheres e crianças que procuram os serviços de saúde. Atender essas mulheres e crianças que sofrem de violência é zelar pelo gozo dos seus Direitos Humanos e valorizar, no espaço da Saúde, a realização desses Direitos. Promover os Direitos Humanos é neste caso, a melhor forma de garantir a saúde, e os profissionais de saúde estão numa posição privilegiada para esta tarefa. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 9 10 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo II CONCEITO DE VIOLÊNCIA BASEADA NO GÉNERO 12 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Conceito de género Quando se fala sobre género refere-se às relações socialmente construídas sobre os papéis de mulheres e homens. Estas relações têm a ver com o que uma determinada sociedade estabelece sobre o que deve ser um homem e o que deve ser uma mulher para serem socialmente aceites: quais os papéis que cada um desempenha, qual o seu comportamento, os seus deveres, atitudes, responsabilidades, obrigações e direitos. O conceito de género é diferente de sexo. O sexo refere-se às características biológicas de mulheres e homens, isto é, a especificidade dos seus aparelhos reprodutores, o seu funcionamento e caracteres sexuais secundários decorrentes das hormonas de cada um deles. Estas características são naturais e não podem ser mudadas. Quanto ao género, desde o nascimento de uma criança, inicia-se o processo de socialização (educação para a vida social) a partir de regras, provérbios, mitos, usos e costumes, ensinados nas diversas instituições em que se inserem as pessoas: na família, na escola, na comunidade, na igreja e mais tarde no local de trabalho, incluindo as instituições do Governo a partir dos programas, das políticas, dos planos de acção, das leis e da aplicação da justiça. Estas instituições espelham a imagem do que deve ser o comportamento e atitude, deveres e direitos de uma mulher e de um homem no seu contexto social. São as normas, usos e costumes de uma determinada sociedade que determinam uma forma de estar diferente para homens e mulheres. O mais importante é que ao mesmo tempo que a sociedade estabelece o que deve ser um homem e uma mulher, define também que papéis são mais importantes, quem deve ter o controlo, a autoridade e o poder. Determina também quem tem acesso aos recursos, à educação, ao emprego e quem toma as decisões, ou seja, como devem ser as relações entre os homens e as mulheres. Observa-se que os homens são os mais valorizados nas suas tarefas: muitas sociedades consideram que é mais importante o trabalho dos homens e, o trabalho doméstico de cuidar da família é considerado menos importante, passando a um segundo plano. Mesmo se a mulher tem um trabalho remunerado, ela tem que "apresentar" o seu salário ao marido e é ele que deve autorizar a sua aplicação. Até o trabalho dentro do lar é controlado pelo marido. Isto é denominado "modelo patriarcal", onde o homem tem direitos e privilégios, autoridade e poder. Este poder faz com que a mulher se torne dependente, subordinada, dominada e muitas vezes discriminada ou excluída. Este modelo patriarcal é o modelo dominante na nossa sociedade, onde as "relações de poder" não são iguais, pois determinam quem é o dominador e quem é o dominado. Quando acima se fala de "relações entre homens e mulheres" refere-se portanto a relações de desigualdade construídas pela sociedade. Não é por natureza que a mulher é subordinada, é porque a sociedade assim entendeu e educou os seus cidadãos. A esta hierarquia social entre mulheres e homens se chama desigualdade de género ou discriminação de género. Quando se fala em mudar as relações de género o que se quer é a igualdade de direitos e de oportunidades entre as mulheres e os homens. Quando se diz que se deve lutar pela igualdade entre a mulher e o homem é porque se pretende mudar o que foi socialmente construído, e que, portanto, pode ser mudado. Não é uma luta fácil, pois existe muita resistência à mudança: por um lado os que detêm o "poder dominador" não o querem perder e por outro lado as subordinadas, as mulheres, foram educadas para aceitar esta ordem. Pode-se encontrar mulheres que dizem: "A vida é assim, paciência". No fundo, elas têm medo de lutar porque a sua subordinação cria-lhe extrema insegurança. Quando se fala em trabalhar numa "perspectiva de género", quer dizer que se vai trabalhar pela igualdade entre homens e mulheres: igualdade de direitos e oportunidades. A isto se também se designa de "justiça social". Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 13 Diferença entre… Género Sexo n Nasce-se com ele (natural, n É social biológico) n A pessoa é ensinada n É composto por: n É composto por: l Cromossomas l Atitudes l Comportamento l Hormonas l Cultura l Fisionomia l Relacionamento l Orgãos reprodutivos Muda com o tempo, situação económica, política, geográfica, social e cultural. . . Não se modifica Diferença entre… 14 Género Sexo Socialmente definido Genéticamente determinado Conjunto de características, responsabilidades, papéis e padrões de comportamento que diferenciam as mulheres e os homens Conjunto de características biológicas que identificam as diferenças entre as mulheres e os homens Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Conceito de violência e a natureza estrutural da violência de género A OMS define Violência como "o uso intencional da força física ou do poder, sob a forma de ameaça ou real, contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulta ou tem uma grande probabilidade em resultar em lesão, morte, dano psicológico, alterações no desenvolvimento ou privações". Ainda segundo a OMS, a violência contra a mulher, é qualquer conduta ou acto - acção ou omissão - de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples facto de a vítima ser mulher. Neste sentido está-se de acordo com a definição que aparece na Convenção para a Eliminção de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW em Inglês) adoptada pelas Nações Unidas em 1993: "A violência contra as mulheres é uma manifestação das históricas relações desiguais de poder entre homens e mulheres, levando à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens. Esta violência é um dos mecanismos sociais cruciais através dos quais as mulheres são forçadas a uma posição de subordinação em comparação aos homens". Toda a violência que pretende conservar as relações de género estabelecidas pelo poder patriarcal (do homem sobre a mulher) é denominada violência de género ou violência baseada no género. A violência de género é, portanto, no contexto social de Moçambique, violência contra a mulher. Quando isto acontece dentro do lar, chama-se de violência doméstica. A violência de género não acontece só no lar e no espaço privado, mas também na comunidade e no local de trabalho. O que é então a violência doméstica? A violência doméstica manifesta-se através de um comportamento depreciativo em relação à esposa ou parceira, ataques verbais persistentes contra a sua autoestima, a limitação ou proibição do seu relacionamento com familiares e amigos, o controlo do acesso ao dinheiro e outros recursos familiares, as acusações repetidas de infidelidade e de culpabilidade, conjuntamente com agressões contra a sua integridade física e a dos seus filhos, frustrando-lhe o seu projecto de vida, o que constitui em essência uma violação explícita dos direitos humanos. Na violência de género, o objectivo geral do perpetrador da VG é controlar e dominar. A VG geralmente envolve um padrão de abuso. Isto é particularmente verdade quando o perpetrador conhece a vítima, o que foi documentado na maioria dos casos de VG (Russell, 1986). As vítimas de VG afirmam que quanto mais íntimo o relacionamento, mais traumático o abuso (Zierler et al., 1991). O padrão do abuso pode ser episódico, recorrente ou crónico. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 15 Os perpetradores usam algumas tácticas como parte do abuso e assim podem abusar a vítima não só sexualmente como também física, psicológica, e emocional/verbalmente. Isto pode ter graves consequências na vítima, causando lesão física, dor psicológica e medo constante. A Violência de Género pode ser classificada como: Abuso Sexual Infantil Segundo a OMS, o abuso sexual infantil é "um abuso de poder que acompanha muitas formas de actividade sexual entre uma criança ou adolescente (maior parte das vezes uma menina) e uma pessoa mais velha," a maior parte das vezes um homem ou um rapaz mais velho, conhecidos da vítima. Este abuso pode ser fisicamente forçado ou conseguido através de tácticas coercivas tais como oferta de dinheiro para pagamento das despesas da escola ou ameaças para manter o segredo. Algumas vezes, pode tomar a forma de quebra de confiança na qual um indivíduo, que goza da confiança da criança usa essa confiança para assegurar os favores sexuais. "O incesto, abuso sexual que ocorre na família, embora na maior parte das vezes perpetrada por um pai, padrasto, avô, tio, irmão ou outro indivíduo do sexo masculino, pode também vir de um parente do sexo feminino. O incesto tem acima de tudo, uma dimensão psicológica de traição, por ser praticado por um membro da família que deveria tomar conta e proteger a criança" (OMS, 1997). O abuso sexual pode envolver carícias, masturbação, contacto oral, vaginal ou anal. Não é necessário que o acto sexual ocorra para ser considerado abuso sexual. O abuso sexual é também o uso da criança para prostituição, pornografia e exibicionismo. Violência doméstica A violência doméstica é a agressão física, verbal, emocional, psicológica e/ou sexual de uma mulher pelo seu esposo ou parceiro (ou ex-esposo ou ex-parceiro). Este tipo de VIOLÊNCIA pode envolver o uso de palavras ou actos ameaçadores ou intimidantes, espancamento, uso de arma, violação sexual, aprisionamento, controlo financeiro, crueldade em relação à mulher ou em relação a outras pessoas ou coisas que ela estima e linguagem abusiva e negativamente crítica. O abuso físico precisa de acontecer só uma vez para deixar a vítima com medo. Depois de experimentar um episódio de pancada, a vítima tem medo de uma reocorrência. O agressor só precisa agora de ameaçá-la verbalmente ou de olhar para ela de uma maneira intimidante para forçá-la a obedecer. Violência física envolve um padrão de assaltos e ameaças físicas usados para controlar a mulher. Inclui dar murros, bater, estrangular, morder e atirar objectos, dar pontapés e arrastar e usar uma arma como uma pistola ou faca. O abuso físico geralmente vai aumentando de intensidade ao longo do tempo e pode terminar com a morte da mulher. Violência sexual no contexto doméstico envolve o mau trato ou o controlo sexual da parceira. Pode incluir a demanda de sexo usando coerção ou a realização de certos actos sexuais, forçando-a a ter relações com outras pessoas, tratando-a de uma maneira derrogatória e/ou insistindo em sexo não seguro. Violência emocional e verbal é o mau tratamento e rebaixamento da personalidade da parceira. Pode incluir criticismo, ameaças, insultos, comentários para rebaixar e manipulação por parte do agressor. A violência emocional acompanha todas as outras formas de violência. 16 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Violência psicológica é toda a acção ou omissão cujo propósito seja degradar ou controlar as acções, comportamentos, crenças, direitos ou decisões das mulheres, através de intimidação, manipulação, ameaça directa ou indirecta, humilhação, isolamento, encerramento ou qualquer outra conduta ou omissão que implique um dano à saúde psicológica, ao desenvolvimento integral ou à sua autodeterminação. Traduz-se no uso de várias tácticas para isolar e rebaixar a auto-estima da parceira, para torná-la mais dependente e com mais medo do agressor. Pode incluir actos como: n Impedir que a mulher trabalhe fora de casa n Retirar dinheiro ou acesso ao dinheiro n Isolá-la da sua família e amigos n Ameaçar e magoar as pessoas e coisas que ela ama n Controlá-la constantemente. Este tipo de violência também acompanha todas as outras formas de violência. Violência ou Assalto Sexual Violência sexual é o uso da força física, ou ameaça de força ou coerção emocional para penetrar na vagina de uma mulher, orifício oral ou anal sem o seu consentimento. Na maioria dos casos, o perpetrador é alguém que a mulher conhece. A violência pode ser uma ocorrência única ou pode acontecer várias vezes. Também pode envolver o uso de álcool e drogas, tornando deste modo a mulher mais vulnerável. Muitas vítimas de violação sexual sofrem ferimentos graves e/ou perda de consciência, incluindo doença mental e morte a seguir à violação; muitas tentam o suicídio. As crianças do sexo feminino violadas, quando se tornam adultas, correm maior risco de prática de sexo sem protecção e consumo de drogas. Assalto Sexual é o contacto sexual não consensual que não inclui penetração. Assédio sexual Consiste na conduta de carácter sexual não desejada para quem a recebe. As mulheres são as principais vítimas de assédio sexual devido à discriminação a que são sujeitas. Os homens pensam que têm o direito a pedir favores sexuais porque é da "natureza" masculina desejar a mulher. As jovens estudantes e as jovens trabalhadoras, principalmente no escalão laboral mais baixo, são as maiores vítimas por serem mais vulneráveis às pressões masculinas e mais dependentes. Este tipo de violência é comum nos locais de trabalho e nas escolas. Outros tipos de violência com efeitos directos e indirectos na saúde da mulher: a) Violência social é todo o acto que envolve a distribuição rígida de papéis e carga de trabalho, em que a mulher é a única reponsavel pela manutenção da família (produção e transporte de alimentos, transporte dos utensilios para a machamba/casa, carregar água, lavar roupa, lavar louça, varrer, cozinhar, etc., impossibilitando-a de construir o seu projecto de vida. O acto de não permitir que mulheres e meninas estudem constitui também um acto de violência social. Este tipo de violência é o mais comum nas nos lares e nas comunidades. b) Violência económica é toda a conduta que envolva retenção, subtracção e/ou, destruição parcial ou total dos objectos ou recursos económicos. Exemplos comuns no nosso País tomam diversas formas como por exemplo: a esposa não conhecer o salário auferido pelo marido ou a esposa trabalhar na produção agrícola e o marido efectuar a venda dos produtos no mercado usando o dinheiro da venda a seu belprazer. O espólio dos bens da viúva constitui também violência económica, para além de patrimonial. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 17 c) Violência política é toda a conduta que discrimina a mulher, excluindo-a dos processos políticos. Em Moçambique o poder político ainda é gozado por uma minoria de mulheres. d) Violência patrimonial é toda a violência que cause deterioração ou perda de objectos, animais ou bens materiais da mulher ou do seu nucleo familiar. A natureza estrutural da violência doméstica Embora a mulher, muitas vezes actue segundo o modelo exigido pela sociedade (subordinação ao homem), ela reage a esta situação, sobretudo quando acha que o homem está a "passar da medida". Esta reacção foi constatada em pesquisas sobre a violência doméstica. Sempre que o homem percebe que de uma ou outra forma, a mulher pretende sair da "norma", seja porque ela decide tomar uma iniciativa própria como estudar, trabalhar, ou porque simplesmente pergunta porque é que o marido chega tarde a casa, ou ela diz que nesse dia está muito cansada, o seu marido ou companheiro acha-se no direito de a punir. Ele sente que não pode perder a sua autoridade e os seus privilégios. Não existe espaço para a negociação nem para explicações. Utiliza a violência porque acha que está no seu direito. Porque é que se afirma que a violência de género que acontece no lar (violência doméstica) tem "um carácter estrutural"? Um exemplo prático para uma maior compreensão: Quando se vai construir um prédio, para ele não cair precisa-se de uma estrutura em ferro com força suficiente para o suster. Assim, para que a construção social da desigualdade dentro do lar possa ser mantida, para que aquele que tem a autoridade e o poder de subordinar a sua mulher possa manter os seus privilégios, ele utiliza como instrumento, como estrutura, a violência. Se se pretende lutar pela igualdade de direitos e oportunidades para homens e mulheres, tem de se lutar contra esse instrumento, contra essa estrutura que mantém as relações de género que subordinam a mulher dentro do lar. O ciclo da violência e mitos que legitimam a violência e a dificuldade de denunciar Uma das diferenças da violência doméstica em comparação com outros tipos de violência é que na violência doméstica, o agressor está em contínuo contacto com a vítima. Isto quer dizer que existe a possibilidade de que esta violência se repita frequentemente. Segundo o observado em diversas pesquisas e confirmado por vários autores dedicados ao estudo do fenómeno, a forma como é exercida a violência doméstica apresenta um ciclo específico. É importante conhecer este ciclo para identificar a fase em que se encontram as mulheres violentadas e poder fazer um melhor atendimento. Falando no contexto da saúde poderia-se dizer que é um mal crónico com fases agudas. Numa primeira fase da relação, existe o que pode ser chamado de lua-de-mel, em que as relações do casal são, no geral, relativamente pacíficas. É portanto, uma fase de adaptação à convivência: o controlo do marido (um papel socialmente imposto) exerce-se de forma moderada (normal, dizem muitas das entrevistadas), e a paciência da mulher (qualidade socialmente estimulada) ainda consegue suportar as exigências. Os desencontros (também normais neste tipo de relacionamento muito hierárquico, em que o marido é o chefe e a mulher obedece em silêncio) não demoram a aparecer a partir de situações muito simples que, no geral, o marido chama de falta de respeito. Alguns exemplos: quando a mulher quer saber porque é que o marido chega a altas horas da noite; se ela tenta justificar quando ele a chama à atenção; se ela é encontrada a conversar com a vizinhança; 18 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência se não fez alguma tarefa do lar a tempo e horas. O tipo de punição pode ser diferente, mas sempre se faz questão de repisar que a culpada da situação é a mulher, o que justifica sempre a actuação do marido "ofendido". A mulher acaba desenvolvendo um sentimento de culpa ao qual se junta por um lado o desconhecimento que ela tem sobre os seus direitos e por outro, a uma série de "mitos" que justificam a violência e obrigam a mulher a ficar calada: "quem bate ama", ou "em briga de marido e mulher não se mete a colher", ou "uma boa esposa não fala lá fora sobre o que acontece no lar", só para citar algumas das posições mais frequentes. Isto faz com que a escalada da violência continue ao longo do tempo e se consolide cada vez mais a subordinação da mulher. Dois factores podem contribuir para que o fenómeno da violência passe de uma fase excessiva a uma fase onde não se manifesta com intensidade. Isto acontece quase sempre, depois de agressões muito fortes: o primeiro factor pode ser de conveniência para o marido, "o marido ainda precisa da sua mulher", sendo muitas as tarefas que ela realiza para facilitar a sua vida e, para não perder estes benefícios, o marido entra na fase de um "remorso conciliatório" e promessas de mudança. As situações violentas conhecem um intervalo, uma outra luade-mel, que em muitos casos pode ser passageira. O segundo factor: quando a mulher acha que está no limite e sente que o seu marido está a ultrapassar o socialmente aceite, ela reage e procura alguém para a apoiar a solucionar o problema. Tradicionalmente, para expôr um problema deste tipo, a via utilizada é uma reunião familiar, principalmente com a família do marido, mas frequentemente também é convidada a família da mulher. Estes encontros têm como pano de fundo o senso comum, ou seja, estão baseados nas normas e nos costumes que norteiam a resolução de conflitos na família. Normalmente, o principal em todos os casos é a reconciliação do casal. Isto faz com que muitas vezes, sobretudo a família do marido, procure culpar a mulher, e justificar os actos do marido. Contudo, muitas vezes também se recomenda para ele não exagerar, e isto faz com que o casal aceite o aconselhamento e uma paz superficial se instala de novo no lar. Algumas vezes, a esposa, desesperada em parar com a violência, pede ajuda às estruturas do bairro. Apesar de todas as formas de violência serem consideradas crime no Código Penal e na Lei sobre a violência doméstica praticada contra a mulher, as estruturas do bairro consideram os problemas dentro do lar como "casos sociais". A sua resolução não dista muito dos critérios utilizados na família: o principal objectivo é sempre a reconciliação do casal. Portanto, os resultados são os mesmos: depois de um certo tempo a violência continua. Estas duas instâncias (a família e as estruturas do bairro) dificilmente reconhecem à mulher os seus direitos e, pelo contrário, reforçam muitas vezes a posição de chefia do marido e de subordinação da mulher. Ou seja, contribuem para perpetuar e silenciar o ciclo da violência no lar. Como contribuir para que o ciclo da violência seja quebrado? Em primeiro lugar é preciso tornar a violência de género um assunto público, tanto em termos de problema de saúde como de justiça. Para isto é necessário seguir os seguintes passos: 1. Identificar as utentes nos serviços de saúde que sofrem de violência (mesmo quando a violência não é mencionada como a causa que leva a mulher à consulta). 2. Registar nos livros de registo o diagnóstico de violência, para que esta comece a aparecer nas estatísticas. Isto constitui um passo muito importante para tornar este fenómeno visível. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 19 3. Disponibillizar tratamento integrado: (i) Tratamento médico (nas Unidades Sanitárias: tratamento físico, psicológico e médicolegal); (ii) Aconselhamento (provido nas diversas instituições do Estado e Associações); (iii) Administrar a justiça (nos gabinetes de atendimento dos casos de violência contra a mulher e da criança nas esquadras da Polícia). Segundo um estudo realizado pelo Ministério da Mulher e Acção Social, (2004) só 10 em cada 100 mulheres denunciam que sofrem de violência. Isto acontece principalmente porque socialmente a mulher que denuncia o seu marido é desprezada. Além do mais, a construção social da mulher como dependente cria insegurança, mesmo que ela seja a principal provedora do lar e com capacidades para resolver a sua situação económica. Outros factores impedem a mulher de denunciar, entre eles o desconhecimento da lei e dos seus direitos, assim como o medo da reacção do marido. Este sente-se ofendido e justifica-se dizendo "eu não te casei na polícia". A mulher tem de voltar a morar com o agressor e pode aumentar a violência. A violência de género no lar constitui a forma mais perniciosa de violência. No entanto, como os profissionais de saúde atendem todos os tipos de violência, ao longo dos próximos módulos far-se-à referência aos demais. Recapitulando, a violência doméstica ocorre dentro do foro doméstico (casa, lar e ambiente familiar) e é na maioria dos casos perpetrada por parceiros íntimos da mulher. Este facto, associado por um lado, às questões sociais, culturais e económicas e por outro lado à vergonha sentida pela vítima, dificulta a capacidade da mulher vítima de violência de falar abertamente sobre ela e principalmente faz com que os casos de violência não sejam denunciados às autoridades competentes. A família desempenha em muitos casos um papel preponderante na mediação de conflitos entre os casais. Nos casos em que a mulher vítima de violência recorre à família para denunciar o acto e procurar ajuda, geralmente a família sugere que a vítima permaneça com o perpetrador, salvaguardando deste modo o núcleo familiar. Existem também casos em que a vítima recorre aos líderes locais para apoio e regra geral o conselho é o mesmo. Esta abordagem é determinada pelas normas sociais que regem e determinam as relações sociais, especialmente no que tange à construção da sexualidade masculina e feminina e dos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres. As normas sociais vigentes esperam que as mulheres sejam submissas e obedeçam aos seus parceiros. A mulher deverá ser capaz de suportar, sem reclamar, todos os contratempos da vida do casal. Enquanto o homem tem determinadas regalias, nele se concentra o poder de tomada de decisão e controlo dos recursos do agregado familiar, incluindo o controlo sobre a mulher. Estes factores "legitimam" a violência do homem contra a mulher, e contribuem para a sua perpetuação. É importante não ignorar o impacto que a conquista de cada vez mais espaço pela mulher tem sobre as relações de género e pode por outro lado também constituir motivo para despoletar os episódios de violência. Por exemplo, o processo de socialização prepara o homem para ser o chefe de família, o principal responsável por prover os recursos incluindo os financeiros, para sustentar a família. Contudo, existe uma tendência para o aparecimento de agregados familiares onde a condição financeira da mulher é superior ou se equipara à do homem, invertendo desta forma os papeis tradicionalmente atribuídos ao homem e à mulher. Esta mudança das relações de género causa em muitos casais fricções que acabam em violência. Como se pode ver a violência é despoletada por vários factores que a tornam complexa e específica e com características particulares a regiões, comunidades, países, etc. 20 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo III IMPACTO DA VIOLÊNCIA NO ESTADO DE SAÚDE DA MULHER 22 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Impacto da Violência no Estado de Saúde da Mulher O principal objectivo do presente capítulo é o de estabelecer a ligação entre a violência e a saúde da mulher, com especial atenção à saúde sexual e reprodutiva e saúde mental. Influência da violência na saúde da mulher 'E de referir que a violência não se abate só sobre a mulher adulta, mas sim ao longo do seu ciclo de vida, desde o momento da concepção. Eis alguns exemplos: n Na fase pré-natal – sexo selectivo, aborto selectivo e violência contra a mulher grávida afectando o feto; n Na infância – infanticídio feminino, acesso desigual a alimentos e cuidados médicos, negligência, mutilação genital, abuso sexual e incesto; n Na criança – mutilação genital, incesto e abuso sexual, acesso desigual a alimentos, cuidados médicos e educação, trabalho infantil, prostituição infantil e tráfico; n Na adolescência e idade adulta – Incesto e abuso sexual na família, sexo coercivo (económico), casamento forçado, violência sexual e violação marital, assédio e abuso sexual na comunidade, na escola e no local de trabalho, proibição do uso de contraceptivos e outras formas de planeamento familiar, proibição de sexo seguro e prevenção das ITS/HIV e SIDA, prostituição forçada e tráfico, abuso psicológico por parceiro íntimo ou familiar, abuso físico por parceiro ou familiar, crime e assassinato contra a viúva, assassinatos de "honra", esterilização forçada, abuso e violação de mulheres deficientes, perseguição, abuso e exploração de jovens viúvas, repetição da mutilação genital depois do parto; n Na terceira idade – abuso, acusação de feitiçaria, suicídio forçado ou homicídio da viúva por razões económicas, negligência, abuso psicológico por parceiro íntimo ou familiar, abuso físico por parceiro ou familiar, violência sexual e assédio sexual. IMPACTO DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE DA MULHER Consequências fatais Consequências fatais Homicídios, Suicídios, Mortalidade Materna, HIV e SIDA Físicos Ferimentos Incapacidade Permanente Estado de saúde geral debilitado Crónicos Síndrome de Dores Crónicas Sindroma de Intestinos irritáveis Distúrbios gastrointestinais Mental Stress pós traumático Depressão Ansiedade Fobia/Pânico Comportamento prejudicial à saúde Fumar, Álcool e Drogas, Comportamentos sexuais de risco Inactividade física Distúrbios alimentares Saúde reprodutiva Gravidezes indesejadas ITS/HIV Distúrbios ginecológicos Abortos Inseguros Abortos, Doenças Inflamatórios da Pélvis Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 23 De uma forma resumida, e de acordo com o esquema acima exposto, pode-se agrupar o impacto da violência na saúde da mulher em 2 grandes categorias: 1) Consequências fatais 2) Consequências não fatais Consequeências Fatais Entre as consequências fatais encontram-se os homicídios (ou femicidios), suicídios, grande percentagem dos casos de mortalidade materna e o SIDA. Os homicídios acontecem quando as mulheres são espancadas ou estranguladas até a morte, ou de agredidas de qualquer outra forma sendo o resultado final a morte. Os suicídios e tentativas de suicídio acontecem quando as vítimas, cansadas de sofrer, atingem um estado mental de depressão ou instabilidade mental extrema, terminando com a sua própria vida. Em muitos casos, comportamentos auto-agressivos como auto-agredir-se ou condução perigosa, alteração súbita do comportamento alimentar, consumo de substâncias nocivas e pensamentos de morte podem indicar risco de suicídio em mulheres vítimas de violência. A mortalidade materna surge nos casos em que a adolescente ou a mulher engravida contra a sua vontade e/ou não recebe nenhuma assistência durante a gravidez ou o parto. É comum em muitas regiões do nosso País, que uma mulher em trabalho de parto considerado "arrastado" pelos familiares que a cercam e apoiam no trabalho do parto, ela seja por este facto considerada infiel (há a crença - errada- de que o parto é arrastado porque o bebé não é do marido ou a mulher envolveu-se sexualmente com outro homem que não o marido durante a gravidez). Assim os mesmos familiares só a levam à unidade sanitária se ela confessar a sua infedilidade e informar o nome do homem. Esta situação inevitavelmente leva a que muitas mulheres não sejam atempadamente assistidas por pessoal competente na unidade sanitária, acabando por morrer por complicações diversas. Noutras regiões, quando o marido se encontra ausente, noutra província ou noutro país, a mulher só se pode dirigir à maternidade para o parto, depois de pedir autorização ao esposo. Com o estado actual das comunicações, também inevitavelmente, a mulher não tem parto assistido. Também há relatos de muitas mulheres que são agredidas psicológica e fisicamente durante a gravidez, acabando por desencadear um quadro de complicações que podem levar à morte. Ainda há exemplos que situações em que a mulher entrando em trabalho de parto, é levada aos praticantes de medicina tradicional para este "abrir o caminho" ou adivinhar se o parto vai correr bem, o que concorre para o atraso na assistência devida. Resumidamente pode-se dizer que a falta de poder de decisão sobre o seu próprio corpo e sobre a sua saúde, especialmente nos momentos cruciais da maternidade, acoplados a uma vida prenhe de discriminação, que se estende desde o acesso aos alimentos, à educação, práticas saudáveis de vida, etc., que a seguem desde a mais tenra idade, contribuem para o triste quadro de altíssimas taxas de mortalidade materna. Por último, o SIDA pode acabar sendo uma ameaça de morte para as mulheres que como se viu em relação à mortalidade materna, vivem numa sociedade que as explora e não respeita os seus direitos sexuais e reprodutivos. 24 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Consequências não Fatais Entre as consequências não fatais encontramos 3 grandes grupos de situações ou problemas de saúde: 1) Físicos (agudos ou crónicos) 2) Mentais e comportamentais 3) Na saúde sexual e reprodutiva Problemas físicos de saúde Estes são os problemas geralmente mais abertamente visíveis e que podem levar a mulher a procurar os serviços de urgência das unidades sanitárias. A vítima pode sofrer de escoriações, hematomas, fracturas, etc. O agressor pode fazer tentativas (com ou sem sucesso) de estrangular, puxar os cabelos, envenenar, ou decepar membros, etc. Este tipo de agressões pode conduzir à morte ou pode ocasionar incapacidades transitórias ou permanentes. Algums destas incapacidades podem exigir que a vítima tenha de fazer uma ou varias cirurgias para tratamento. Algumas doenças físicas podem aparecer em consequência das agressões, devidas ao mau funcionamento dos órgãos afectados. Embora os agressores possam atacar qualquer parte do corpo da mulher, em muitos casos eles agridem partes específicas como a face, a cabeça (para embaraçá-la perante os amigos, familiares e colegas), os seios, o abdómen e o baixo-ventre (sinais de feminilidade) e as coxas e pernas, para imobilizá-la. Como se verá mais adiante, para além das lesões traumáticas, a vítima pode contrair ITS/HV/SIDA, doença inflamatória pélvica, gravidez indesejada, aborto espontâneo, dor pélvica crónica e um consumo abusivo de drogas e álcool. A DOR física é u sintoma muito comum. Problemas mentais e comportamentais Como referido anteriormente, vários tipos de violência se abatem contra a mulher e têm um impacto muito negativo sobre a sua saúde. Por isso, os serviços de saúde ficam sobrecarregados com muitas mulheres com doenças psicossomáticas que os profissionais de saúde não conseguem diagnosticar devidamente e tratar. As mulheres violentadas vivem em depressão e ansiedade, sem vontade de viver, com diversos graus de incapacidades físicas e emocionais. Elas desenvolvem primeiro uma autoestima muito baixa, deixando de cuidar de si e da sua saúde. Ao mesmo tempo desenvolvem medo permanente. A sua saúde fica alterada com sintomas de doenças sem sinais físicos evidentes. Estas mulheres aparecem nas unidades sanitárias a pedir socorro silencioso (antecipam as datas das consultas seguintes, fazem testes laboratoriais repetidos cujos resultados são negativos, etc.) mas nem elas e muitas vezes nem os profissionais de saúde relacionam os seus sintomas com a violência que sofrem. Muitos trabalhadores de saúde ignoram os sintomas de depressão e ansiedade, desespero ou outros sintomas que acompanham as mulheres (ou crianças) violentadas e por isso não diagnosticam. Estas mulheres têm um sofrimento crónico que parece debilitar as possibilidades de cuidarem de si mesmas e dos familaires. A negligência de cuidados é reconhecida nos estudos, através da medida de comportamentos e uso de serviços, mostrando que estas mulheres são mais propensas a abuso de álcool, tabaco e drogas, sexo inseguro, entrada tardia no atendimento pré-natal e pior adesão aos cuidados de prevenção de saúde. A invisibilidade por parte dos serviços de saúde só piora a situação. Estas mulheres acabam Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 25 por ser rotuladas de poliqueixosas, somatizadoras, portadoras de distúrbios neurovegetativos, etc.. Os processos patológicos que surgem associados à violência e ao sofrimento psico-emocional, se não forem abordados de forma integrada, resultam em casos de difícil solução, mesmo quando se trata de patologias mais simples e bem conhecidas. De uma forma geral, estas mulheres sofrem de depressão, ansiedade, disfunção sexual, desordens de alimentação, problemas múltiplos de personalidade e comportamento obessivo/compulsivo, dores crónicas, fadiga, tentativa de suicídio e stress pós-traumático. Problemas na Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher A saúde sexual e reprodutiva da mulher é claramente afectada pela violência. Mulheres que são vítimas de violência têm maiores probabilidades de apresentarem um problema ginecológico do que as mulheres que nunca sofreram nenhum tipo de violência. As principais queixas destas mulheres incluem dor pélvica crónica, sangramento ou corrimento vaginal, infecção vaginal, desmenorreia, disfunção sexual, doença inflamatória pélvica, dor na relação sexual, infecção urinária e infertilidade. O HIV e Sida pode resultar de uma violação sexual, mas resulta geralmente das várias formas de violência combinadas. A violência social e a económica são agentes poderosos na origem da infecção e a mesma infecção pode ser um factor que despoleta a violência contra a mulher. A violência limita a capacidade da mulher controlar e decidir sobre a sua saúde sexual e reprodutiva. As mulheres que sofrem de violência física, psicológica e sexual têm muito mais probabilidade de utilizar métodos anticoncepcionais clandestinamente ou de interromper a sua utilização por imposição do parceiro e incorrer em relações sexuais sem o uso do preservativo. As sobreviventes de actos violentos têm maior probabilidade de adoptarem comportamentos sexuais de alto risco, gravidez indesejada e de sofrerem de disfunção sexual do que mulheres que nunca foram agredidas. Muitas mulheres violentadas acabam sendo atendidas nos serviços de saúde reprodutiva. As mulheres que sofrem de violência física, sexual ou psicológica podem ter uma série de problemas de saúde, muitas vezes em silêncio. São menos saudáveis física e mentalmente, sofrem mais lesões e utilizam mais os serviços de saúde do que as mulheres que não passaram por situações de violência. Os/as profissionais de saúde tem a oportunidade e a obrigação de identificar, tratar e educar as mulheres em situação de violência. (in Outlook) A violência na mulher grávida Mulheres que são vítimas de violência também relatam que a violência inicia e/ou escala durante a gravidez. A violência neste período tem impacto directo na saúde da mulher pois é um dos principais responsáveis por abortos voluntários e involuntários, a procura tardia de cuidados prénatais, o crescimento lento do feto devido ao stress, baixo peso do bebé à nascença e contribui para os altos índices de mortalidade materna. A violência sobre a menina, na forma de "casamentos" prematuros: as meninas com idade inferior a 15 anos têm uma maior probabilidade de morrer por complicações de parto, do que as mulheres. Existe também nesta faixa etária um maior risco de desenvolver a fístula obstétrica como resultado do parto prolongado e obstruído. 26 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Dados do Inquérito Demográfico e de Saúde de 2003 indicam que 18% de mulheres jovens, com idade compreendida entre os 20 e os 24 anos, já eram "casadas" antes dos 15 anos de idade e 56% antes dos 17 anos. (IDS 2007) Relação entre violência e o HIV e SIDA No início do aparecimento da doença (década de 1980), a maioria das pessoas com HIV/SIDA eram homens. No entanto, a proporção de mulheres infectadas tem vindo a aumentar constantemente: até 2004, as mulheres e meninas correspondiam a cerca de 50% de todas as pessoas que viviam com HIV/SIDA, e na África Subsahariana, as mulheres e meninas representavam 57% das pessoas infectadas. Neste sentido, segundo a OMS, actualmente 15 milhões de mulheres padecem de SIDA; 80% delas foram contagiadas pelos seus parceiros (2008). Estima-se que do total de 1.6 milhões de Moçambicanos infectados pelo HIV/SIDA, cerca de 870.000 sejam do sexo feminino, ou seja 58%. A prevalência é mais alta no grupo etário dos 15 aos 29 anos (INSIDA, 2009). As razões que explicam a maior vulnerabilidade das meninas e mulheres ao HIV devem-se às suas relações de subordinação relativamente aos homens e os vários tipos de violência exercida sobre elas. De forma resumida, são as seguintes razões: n As esposas, noivas, namoradas continuam pensando que uma relação estável as mantém imunes ao HIV; n É muito difícil para as mulheres negociar o uso do preservativo com os seus parceiros, sem ser objecto de suspeita ou maus-tratos. n Ser a juventude, specialmente do sexo feminino a mais exposta, pelo facto da sua iniciação sexual ser muito precoce. n Cultura de silêncio em torno da sexualidade, que dita a norma de que as "boas" mulheres e meninas devem ser passivas e ignorantes sobre sexo. Isto impossibilita que elas se informem sobre como reduzir o risco da infecção. Contudo, mesmo quando informadas, é difícil tomar a iniciativa para negociar sexo seguro. n A "tradicional" norma da virgindade, paradoxalmente, aumenta o risco de infecção da menina e da mulher, porque limita as suas habilidades em conhecer a sexualidade, além do medo de que pensem que "ela já faz sexo". A virgindade também coloca as meninas em risco de serem violadas ou sofrerem coerção sexual em função das crenças comuns de que "sexo com virgem limpa o homem", ou que não se contrai SIDA ou também se cura SIDA mantendo relações sexuais com uma virgem. Sendo assim, esta coerção e/ou violação não é considerada infracção. Paralelamente a "virgindade" pode estar na origem do maior risco que as mulheres e meninas têm, pois como acontece em algumas partes da África do Sul, elas acabam realizando sexo anal que facilita ainda mais a transmissão do HIV que a relação vaginal. n Várias obras consultadas (INJAD, 2001; PSI Jeito, 2001, 2002, 2003; Osório e Artur, 2003, entre outras) demonstram que a dependência económica aumenta a vulnerabilidade das mulheres, particularmente das mulheres jovens, ao HIV (sexo por dinheiro, dependência económica numa relação estável, menor poder de negociar sexo seguro e diminuição da percepção de risco). n A forma mais perturbadora do poder masculino, a violência contra a mulher, contribui directa e indirectamente para a vulnerabilidade das mulheres ao HIV. Pesquisas mostram que entre 16 a 50% das mulheres em várias partes do mundo referem o abuso sexual por um parceiro íntimo (OMS, 2004), ou em inúmeros casos, por uma pessoa muito próxima delas. Um quarto das jovens universitárias tanto na cidade de Maputo como de Quelimane, respondeu que a sua primeira relação sexual foi forçada. n A violência física ou a simples ameaça de violência física ou mesmo o medo de ser aban- Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 27 donada, constitui uma verdadeira barreira para as mulheres ou raparigas que queiram negociar o uso do preservativo, discutir a fidelidade com o parceiro ou interromper a relações, quando percebem que estão em risco. n Comportamento de risco, por parte do homem, que o leva inclusive a não procurar cuidados de saúde, em busca de informação, aconselhamento e tratamento, colocando em risco a/s sua/s parceiras; n Os homens têm mais parceiras sexuais do que as mulheres, consequentemente uma maior probabilidade de "espalhar" as doenças de transmissão sexual incluindo o HIV e SIDA; n A masculinidade leva a que os homens não gostem de discutir/questionar assuntos relacionados com a sexualidade e os riscos das relações sexuais desprotegidas, apesar de terem muitas vezes consciência desses mesmos riscos. O HIV e SIDA são considerados como causa e efeito da violência. Vários estudos argumentam que as violações sexuais principalmente por parceiros íntimos reduzem a possibilidade de negociação do uso de preservativos. Existem mulheres que se sentem intimidadas em propor aos seus parceiros o uso de preservativo porque estes podem interpretar como sinal de desconfiança (pensar que o parceiro está envolvido com outras mulheres) ou o mesmo pode argumentar que ela está a ter uma relação extra conjugal. Por qualquer um destes motivos o homem pode agredi-la. Neste caso, se o homem estiver infectado poderá infectá-la, ou vice-versa. É de enfatisar que a infecção pelo HIV deve-se às várias formas de violência social, psicológica, económica, física e política que transformam a mulher num objecto sexual. Regra geral, a mulher é a primeira a saber sobre o seu estado serológico através das consultas pré-natais. Ao tomar conhecimento do facto de ser HIV positiva, a mulher sente que não pode partilhar esta informação com o seu parceiro pois tal resulta em estigmatização, exclusão social e violência contra ela. Por não revelar o seu estado de sero-prevalencia a mulher acaba ficando numa situação difícil para explicar e negociar o uso de preservativo entre o casal, incorrendo assim em reinfecções múltiplas que prejudicam a eficácia do tratamento, se ela já estiver em tratamento antiretroviral. Adicionalmente, a prática de relações sexuais desprotegidas resulta na infecção do seu parceiro para o caso de casais discordantes. Mulheres grávidas seropositivas que não partilham o seu estado de seropositividade têm maiores dificuldades em cumprir com os cuidados que devem dispensar ao bebé, nomeadamente a utilização do aleitamento artificial e o seguimento médico necessário para o bebé. A vítima de violência doméstica não costuma ser vítima só na área física, ou sexual ou psicológica ou eonómica, costumando sofrer as várias formas de violência combinadas. Por isso, quando a vítima se dirige à US, não se pode tratar só a parte física ou sexual, devendo tratar a pessoa violentada com muita empatia e prestar apoio psicológico. É muito importante para as Unidades Sanitárias que têm possibilidade fazer tratamento psicológico ao agressor. 28 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo IV VIOLÊNCIA COMO ASSUNTO DE SAÚDE PÚBLICA E DE DIREITOS HUMANOS 30 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Importância da violência como assunto de saúde pública Um estudo feito pela OMS em 2005 em 10 países (2006) identifica que tanto as mulheres que já foram vítimas de violência, como aquelas que eram vítimas no momento da pesquisa demonstravam problemas de saúde similares. Estes problemas equiparavam-se aos apresentados por mulheres que vivem em países em guerra. A violência doméstica é classificada como trauma intencional, por ser infligido deliberadamente. Um estudo nacional feito e publicado em 2004 pelo Ministério da Mulher e da Acção Social concluiu que 54% das mulheres Moçambicanas são ou foram vítimas de violência física e sexual. Por esta razão a VG é um problema de saúde pública importante e uma violação grave dos direitos humanos. As graves implicações na saúde das vítimas são ignoradas na maioria das vezes. Este tipo de violência é frequentemente invisivel uma vez que acontece por detrás de portas fechadas e efectivamente quando o sistema legal e as normas culturais não o consideram crime, mas sim um assunto de caracter "privado" familiar e parte da vida normal. Por todas estas razões, a comunidade deve ser informada sobre o conceito de violência e o seu impacto na saúde das mulheres (e das crianças). NADA JUSTIFICA A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES! Em África: n A mulher está marginalizada na tomada de decisões referentes à sua vida sexual e reprodutiva, social/económica e politica e é considerada muitas vezes como sendo propriedade do homem, e a violência é vista como sendo um castigo físico. n Muitas mulheres, devido à forma como foram socializadas, acreditam ainda que os seus parceiros têm o direito de abusar delas. n Em países onde existe legislação sobre a Violência de Género, a fraca capacidade institucional dos Órgãos da Administração da Justiça e de outras Instituições, leva ao insucesso da protecção da mulher contra a violência. O sector da Saúde é um órgão primordial na recolha das provas para as Instâncias da Justiça poderem aplicar a lei. A Violência de Género afecta todos os grupos sociais e além de constituir um problema político, cultural, policial e jurídico, é fundamentalmente um problema de saúde pública. Muitas mulheres adoecem devido à violência a que são sujeitas principalmente em casa mas também noutros locais como por exemplo, no local de trabalho (barracas, mercados, etc.), na via pública, escola, etc.. Existem várias acções simples que os profissionais podem tomar para apoiar os direitos humanos das pessoas e colocar-se contra a violência. A violência não é um assunto individual pois as consequências deste acto têm um impacto directo na vida do agregado familiar envolvido bem como nas instituições que tem que lidar com as vítimas de violência como unidades sanitárias, polícia, tribunais, etc. A vítima de violência é privada de um dos direitos fundamentais do ser humano, o direito a uma vida segura. É muito importante fazer notar que as sobreviventes de violência não estão desprotegidas pelo Estado. Existem leis nacionais e internacionais que as protegem dos abusos e prevêem sanções aos perpetradores. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 31 Mecanismos legais existentes para proteção das mulheres Convenções Internacionais Declaração universal sobre os Direitos Humanos A violência é uma clara violação aos Direitos Humanos da Mulher, nos seus artigos 1, 3, 4 e 5 que referem que todo o indivíduo tem direito à vida, igualdade e segurança. Moçambique é signatário da Declaração dos Direitos Humanos adoptada pelas Nações Unidas em 1948. A declaração das Nações Unidas não é um instrumento legal, mas é um instrumento que reflecte o compromisso dos países signatários em respeitar normas de convivência internacionais. n Direito à vida n Direito à Igualdade Então quais n Direito à Liberdade e Segurança direitos são n Direito a não ser objecto de tortura, ou outro tipo de acto Violados? cruel ou desumano, ou degradante; n Direito à igualdade de protecção perante a lei Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de discriminação Contra a Mulher (CEDAW) A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) é um instrumento jurídico de carácter universal relativo aos direitos da mulher. A CEDAW articula múltiplas disposições e declarações das Nações Unidas sobre os direitos humanos no geral e da mulher em particular, anteriormente aprovadas, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis, Políticos e Económicos, Culturais e Sociais e a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, aprovada pela Assembleia Geral 2263, de 7 de Novembro de 1967. A Assembleia da República de Moçambique ratificou a CEDAW a 2 de Junho de 1993, através da Resolução 4/93 . Ao ratificar a convenção, os Estados-Membros comprometem-se a adoptar uma série de medidas, incluindo legislação e medidas especiais temporárias, para acabar com todas as formas de discriminação contra a mulher, para que as mulheres possam usufruir dos seus direitos humanos e liberdades fundamentais. Os países que ratificaram a convenção estão legalmente vinculados à aplicação das provisões contidas neste instrumento jurídico. Ainda no seu artigo nº 3, esta Convenção instrui os países membros para que tomem medidas em todas as esferas políticas, sociais e culturais, inclusive formulando leis, para assegurar e garantir às mulheres todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdade de condições com os homens. O artigo 5º da CEDAW salienta que estas medidas têm que modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vista a eliminar prejuízos e práticas culturais de qualquer índole, que estejam baseados na ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres. 1 32 Boletim da República, I Série, Nº 22, de Junho de 1993. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência O Governo aprovou instrumentos legais importantes que protegem os direitos da mulher nomeadamente a Lei da Família, a Lei da Violência Doméstica contra a Mulher, a Lei contra o Tráfico e Abuso de Mulheres e Crianças, a Lei Anti-discriminação contra pessoas vivendo com o HIV e SIDA e o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (Lei n° 14/2009). Plataforma de Acção de Beijing Em 1995 realizou-se em Beijing uma conferência que reuniu governos e organizações da Sociedade civil que lutam pelos direitos da Mulher. A conferência da Mulher teve como resultado principal a adopção da Plataforma de Acção de Beijing que define áreas prioritárias para a promoção da igualdade e empoderamento da mulher a nível mundial. Entre as áreas consideradas prioritárias consta a implementação de acções de prevenção, combate e mitigação da violência doméstica. Vários países assumiram o compromisso de desenvolver planos nacionais que definem áreas prioritárias para cada país de acordo com as suas especificidades locais. Moçambique foi um dos signatários deste compromisso e tem submetido relatórios às Nações Unidas para reportar o grau de desempenho da implementação das áreas prioritárias no país. Como se pode depreender pelos diferentes instrumentos acima mencionados, Moçambique assumiu compromissos internacionais que lhe obrigam a tomar medidas internas para garantir que estes instrumentos sejam implementados na íntegra. A lei sobre a violência doméstica contra a mulher é por exemplo um dos instrumentos que permite assegurar a protecção (e prevenção) das vítimas de violência. O programa de Atendimento Integrado às Vitimas de Violência é também mais um instrumento que permite a provisão do atendimento e acompanhamento adequado às vítimas de violência, como define um dos objectivos da Plataforma de Acção de Beijing no pilar sobre violência doméstica.No País existem uma série de documentos, ou leis que protegem os direitos da cidadã e do cidadão: n Promover a revisão e adopção da nova legislação para combater as diversas formas de discriminação contra a mulher. n Promover a adopção de medidas integradas e coordenadas para prevenir e eliminar a violência contra a mulher e a rapariga. n Promover a maior participação da mulher no Sistema da Administração da Justiça (SAJ) n Promover assistência às vítimas da violência; n Promover o estudo das causas e consequências da violência contra a mulher e a rapa- riga de modo avaliar a eficácia das medidas preventivas. Legislação Moçambicana A Constituição da República de Moçambique aprovada em 1990, no artigo 35, defende o princípio de universalidade da igualdade. Pode-se ler neste artigo: Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política. Está também claramente definido na constituição o princípio de igualdade de género: o artigo 36 defende que perante a lei, homens e mulheres são iguais. Ou seja homens e mulheres têm os mesmos direitos e responsabilidades. Eles nunca poderão ser descriminados, ou de algum modo prejudicados pelo facto de serem homem ou mulher. A implicação directa desta afirma2 Normas e regras da sociedade que estão baseados nos factores culturais. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 33 ção é que, apesar de a sociedade moçambicana ser regida em muitas situações pelo direito costumeiro , este nunca se poderá sobrepor aos direitos constitucionais do indivíduo. Portanto aqueles que alegam que a violência doméstica é um legado cultural, não estão impunes à lei, pois a lei define que a violência doméstica é um crime. Lei sobre a violência doméstica praticada contra a Mulher (Lei n°29/2009) A lei sobre a violência doméstica praticada contra a Mulher foi aprovada em 2009. O processo para a elaboração da lei foi iniciado em 2001 pela sociedade civil Moçambicana, em 2007 a proposta de lei foi submetida á Assembleia da República que a aprovou em 2009. É importante referir que o processo de aprovação da lei não foi um processo pacífico, várias vozes se levantaram para procurar perceber a necessidade de haver uma lei que criminaliza especificamente a violência contra a mulher. Homens e mulheres sentiram que de certo modo a proposta de lei submetida pela sociedade civil ia contra os princípios culturais da sociedade Moçambicana. Este processo demonstrou quão enraizados os preconceitos em relação ao género está na nossa sociedade, e acima de tudo revelou a necessidade de um esforço adicional para actividades de informação e conhecimento sobre o género. Afinal o que diz a lei nº 29/2009? Capítulo I Artigo 3 A presente lei visa proteger a integridade física, moral, psicológica, patrimonial e sexual da mulher, contra qualquer forma de violência exercida pelo seu cônjuge, ex-cônjuge, parceiro, ex-parceiro, namorado, ex-namorado e familiares Artigo 11 Circunstâncias agravantes: a) Praticado na presença dos filhos ou outros menores; b) Haver ciclo de violência; c) Haver antecedentes de violência; d) For praticado contra uma mulher grávida; e) A mulher for portadora de deficiência; f) For praticado em espaço público; g) A impossibilidade da vítima pedir e obter socorro no momento da agressão. Capítulo II Artigos 13 a 20 Artigo 23 Tipificação da violência: a) Violência física simples; b) Violência psicológica; c) Violência moral; d) Cópula não consentida; e) Cópula com transmissão de doença; f) Violência patrimonial; g) Violência social. A denúncia pode, também, ser feita pelos membros da família, agentes de saúde, agentes de segurança social, membro da organização da sociedade civil ou qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do facto Artigo 35 34 Os processos relacionados com a violência doméstica contra as mulheres têm carácter urgente e prioridade sobre os demais. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Segundo a lei, qualquer pessoa que tenha conhecimento de algum caso de violência, deverá denunciá-lo à polícia, incluindo o pessoal de saúde. Toda a vítima de violência tem o direito a atendimento adequado. Em relação ao atendimento médico, a lei no seu artigo 22, refere que a vítima deve ser informada sobre a necessidade, o tipo, o modo de execução do exame e ser esclarecida sobre o resultado deste. A Lei sobre a violência doméstica contra a mulher prevê o tratamento das vítimas de violência, incluindo a violência sexual. Este instrumento representa um avanço importante em relação ao Código Penal que não tipifica a violência baseada no género como um crime. A lei preconiza ainda que o crime de violência contra a mulher é crime público, podendo pois ser denunciado por outras pessoas que não sejam as vítimas. Os desafios são assegurar a regulamentação e disseminação da lei para garantir a sua aplicação e fortalecer os mecanismos de denúncia e encaminhamento dos casos assim como a provisão dos serviços de atendimento preconizados na lei. Uma das formas de garantir a implementação plena desta lei é assegurar que as mulheres vítimas de violência tenham conhecimento sobre os seus direitos, e, nos casos em que não há denúncia, elas tenham a possibilidade ser identificadas e aconselhadas sobre os instrumentos ao seu dispôr para se protegerem da violência. Como já foi mencionado antes, os serviços de saúde materno infantil, constituem um dos principais, senão o principal ponto de entrada para mulheres vítimas de violência. Principais mecanismos à disposição para denúncia e processos de justiça subsequentes Consoante a gravidade da situação, a vítima pode denunciar a situação nos serviços de saúde ou nos gabinetes de atendimento da mulher e criança vítimas de violência na Polícia. Também pode fazer a denúncia na Procuradoria da República (Provincial e Distrital). A lei sobre a Violência Doméstica praticada contra a Mulher preconiza no seu artigo 21 que este tipo de violência constitui um crime público: qualquer pessoa PODE e DEVE denunciar às autoridades. Profissionais de saúde e professores/as têm uma responsabilidade especial nesta área. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 35 36 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo V Papel da Unidade Sanitária e dos Profissionais de Saúde: Provisão do pacote integrado de serviços 38 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Papel da Unidade Sanitária e dos Profissionais de Saúde: Provisão do pacote integrado de serviços Os profissionais de saúde encontram-se na linha da frente, no que toca ao atendimento das vítimas de violência. Muitas destas dirigem-se directamente às Unidades Sanitárias e outras dirigem-se primeiro aos Gabinetes de Atendimento da Mulher e da Criança na Policia e daqui são encaminhadas às unidades sanitárias. Seja qual for a primeira instituição onde elas se dirigem, pelo já exposto, elas desenvolvem problemas sérios de saúde, os quais cronificam se o atendimento não for integrado, isto é, se não incluir as três dimensões: tratamento físico, emocional/psicológico e médico-legal. Papel da Unidade Sanitária e dos Profissionais de Saúde a) Advocar, Criar uma Rede e Coordenar a provisão de cuidados É importante criar uma rede com outros sectores e associações que também lidam com as vítimas de VG. Montar coligações entre estes diferentes grupos pode aumentar a possibilidade de mudança. Esta mudança pode precisar de ocorrer na legislação de tal modo que as leis podem ser implementadas ou alteradas relativamente à VG, para obter o apoio do governo para a prestação de serviços básicos na assistência às vítimas e/ou criar ou expandir as ONGs na comunidade. Não só esses grupos coligados podem ser fontes potenciais de referência, mas também há a possibilidade de as utentes serem referidas de e para a US. Trabalhar juntos pode também ajudar a evitar a duplicação dos serviços. Esses grupos podem também ter material que pode ser usado como protótipo para o desenvolvimento de materiais a serem usados na unidade sanitária. b) Garantir Privacidade e Segurança De modo a perguntar às utentes sobre a VG deve haver um gabinete privado, com uma porta, onde essas discussões podem ter lugar. Para facilitar que as mulheres se sintam seguras ao relatar os episódios de violência, deve haver uma política claramente delineada que assegure a privacidade. Isso significa que não pode ser permitida a entrada do parceiro da vítima no gabinete de consulta enquanto decorre a conversa. Só a vítima e a pessoa que lhe está a atender podem estar no gabinete. Perguntar a uma vítima de violência doméstica àcerca da VG em frente ao seu parceiro, pode colocá-la em perigo. A unidade sanitária precisa de criar tal política, no caso de ainda não haver uma. Se necessário, deve ser então explicado ao parceiro que existe uma política na unidade sanitária que refere que cada utente deve ser vista sózinha durante a consulta. c) Garantir Confidencialidade Pode haver graves consequências para a saúde e bem-estar das vítimas se o que ela conta sobre a VG for tornado público. Deve haver também uma política sobre confidencialidade, na unidade sanitária, que seja clara tanto para o pessoal como para as utentes. Tal como acontece com outros problemas de saúde como HIV/SIDA, ITSs etc., esta é uma informação que precisa de se manter confidencial, devendo pensar-se como evitar que haja brechas na confidencialidade. Assim, se não houver um armário com fechadura para manter os registos, a unidade sanitária deve pensar cuidadosamente em como será capaz de fazer perguntas, registar as respostas e manter esta informação confidencial. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 39 O nível de confidencialidade na clínica irá sem dúvida afectar as suas respostas às perguntas sobre a violência. A confidencialidade também significa que as respostas das utentes às perguntas sobre VG não devem ser discutidas profissionalmente em espaços públicos da clínica, porque pode ser ouvido por alguém, e nenhuma desta informação confidencial deve ser comentada entre o pessoal. d) Manifestar Sensibilidade à Pessoa e ao Problema É também importante para o pessoal conhecer as leis sobre a violência. Esta informação pode ser útil para a percepção do problema e para a disseminação desta informação às utentes na clínica. Precisam de estar disponíveis materiais básicos em linguagem apropriada e para diferentes níveis de leitura, nas salas de espera, nos gabinetes de consulta e nas casas de banho, tanto para as mulheres lerem enquanto permanecem na unidade como também para levar para casa. Um aparelho de vídeo na sala de espera pode mostrar cassetes sobre a violência, focando tanto nos seus efeitos como nas soluções. As paredes devem ser cobertas com posters contendo fotos e mensagens escritas comunicando que a violência não é aceitável, que as mulheres não merecem este tipo de tratamento e que não é culpa das mulheres se isto acontece. Estes posters e material escrito podem apresentar a informação sobre como elas podem obter ajuda se estão presentemente ou foram no passado vítimas de violência. É muito útil desenvolver um pequeno cartão que contenha tanto informação educacional como a descrição de que tipo de comportamento constitui abuso, com endereços e números de telefone dos locais que elas podem chamar para conseguir assistência. Isto vai permitilas ter informação importante que pode ser escondida do agressor. Para as mulheres que não sabem ler nem escrever, os meios alternativos para transmitir esta informação são os vídeos mencionados acima ou então livros em banda desenhada e/ou posters com mensagens claras sobre a violência. Também, se for possível, manter grupos na sala de espera onde uma pessoa da US pode facilitar uma discussão educativa com as utentes sobre a violência nas vidas das mulheres, seria outra forma para educar tanto as alfabetizadas como as que não sabem ler nem escrever. e) Responsabilidades do Pessoal A maioria da educação e prática dos provedores de cuidados de saúde são baseados num modelo médico, que procura diagnosticar e "curar" os utentes. Mas há outras questões na violência a serem consideradas no tratamento médico. A prática da medicina deve ao invés, ser definida como "diagnosticar, curar, tratar, prevenir, prescrever ou remover qualquer perturbação física, mental ou emocional de um indivíduo". (Instituto de Pesquisa Cívica, 2000). O pessoal precisa de aprender um modelo diferente que acompanhe uma percepção dos muitos factores psicosociais que afectam a saúde e a vida de alguém, tais como a cultura, o género, família, religião, pobreza, drogas, álcool e educação. Há muitos benefícios neste modelo mais amplo. Se os prestadores de saúde podem usar este modelo e oferecer às vítimas o que elas precisam, (i.e compreensão, apoio, abertuta e respeito), eles podem realmente oferecer às vítimas a ajuda que elas precisam. Com o apoio da unidade sanitária, o pessoal precisa de examinar e expandir os seus papéis. O papel do profissional de saúde é identificar e avaliar a violência e assistir a sobrevivente a obter a ajuda que ela necessita para lidar com os seus efeitos. Os papéis específicos do pessoal são: 40 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência i. Testemunhar A maioria das mulheres que viveu ou vive a situação de violência nunca contou o seu segredo a ninguém. Tendo a coragem para o fazer agora, vai permiti-la provávelmente pela primeira vez, dizer a alguém a sua dor privada. Ela pode agora colocar em palavras o que nunca antes foi ouvido por nenhum outro ser humano. O profissional de saúde não precisa de ouvir toda a história, mas precisa de entender a injustiça do que está a ouvir e comunicar isto à sua utente. A par disto, o profissional de saúde pode e deve ajudar esta mulher a obter a assistência que ela necessita. ii. Ouvir e Validar Muitas vítimas dizem que a experiência de ser ouvida pelo clínico é por si só muito benéfica (Fundo da Prevenção da Violência na Família, 2000). Se a sobrevivente responde afirmativamente às questões sobre a violência, o provedor deve responder não com sugestões ou prescrições mas com compreensão. A sobrevivente precisa do apoio do clínico, mostrando à utente simpatia, sensibilidade e acreditar no que a utente lhe conta. iii. Educar Quando a mulher conta a sua história sobre as experiências de violência, o provedor deve ajudar a educar a utente acerca da ligação existente entre os seus sintomas e a violência, modos de cuidar melhor de si própria e mais importante ainda, que ela não está sózinha. Conhecer é poder e esta pode ser uma informação nova e importante para a utente pois ela nunca pode ter estabelecido a relação entre os seus sintomas e a violência ou nunca tenha conhecido alguém que tenha passado o que ela passou. iv. Documentar Quando se pergunta à utente sobre a violência, é importante para o clínico que a assiste documente as respostas na sua ficha. Esta documentação pode incluir a colocação de informação na ficha sobre o tipo de violência que ela sofreu, quando ocorreu, registo da avaliação feita, as referências que foram feitas, e, no caso de evidência física como escoriações ou cicatrizes preenchidas no desenho de um corpo humano. Se há uma política de confidencialidade na unidade sanitária e, se for possível documentar as respostas das utentes às perguntas sobre a violência, registe o termo violência na parte interna da capa do processo da utente para se tornar visível a qualquer membro do pessoal. Outra informação sobre violência, as respostas às questões sobre quem é o abusador, impressos com a avaliação do perigo, e a avaliação detalhada podem ficar na parte interna do processo. v. Apoiar Os provedores precisam de ser capazes de reagir adequadamente quando as mulheres contam os seus segredos sobre a violência. O provedor precisa de se mostrar não crítico, sensível e compreensivo. Isto significa não dizer à utente o que ela deve fazer mas sim assisti-la a pensar sobre as várias opções e o que é que ela está preparada para fazer agora. Apoiar as Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 41 utentes significa respeitar o seu poder de decisão e acreditar que elas melhor que ninguém sabem o que precisam. As utentes depois de se abrirem sobre a violência podem recear um julgamento negativo por parte do provedor e seria útil deixar as vítimas saberem que elas não estã a ser julgadas mas que, por exemplo, o facto de contarem o seu segredo é um gesto de bravura e corajem da sua parte. vi. Ser Membro da Equipa Os clínicos precisam de trabalhar com outro pessoal na unidade sanitária que também está envolvido com a utente. O pessoal precisa de trabalhar como equipa, coordenando os cuidados da sobrevivente e depois de ter permissão da utente, partilhar a informação sobre ela. vii. Referir As vítimas de violência precisam de ser referidas aos vários tipos de serviços de acordo com as suas necessidades específicas. O pessoal precisa de ser treinado em como e quando fazer a referência da sobrevivente de violência. Os provedores devem assistir as utentes a obter os serviços que elas precisam. É importante o conhecimento sobre que recursos há disponíveis, como ajudar as utentes a fazerem a ligação com esses recursos e fazer o seguimento das utentes ou se elas usaram a referência, a respectiva retro-informação sobre o serviço prestado. viii. Prestar Serviços Relacionados Se a unidade oferece serviços no local - como por exemplo aconselhamento psicológico, grupos de apoio, aconselhamento e assistência legal - o pessoal precisa de saber como é que as vítimas podem ter acesso a esses serviços na unidade sanitária, assisti-las a fazê-lo e ter contacto com os outros membros do pessoal que tratam as vítimas de violência na unidade sanitária. Protocolos de atendimento nas unidades sanitárias O Atendimento às vítimas de violência, no SNS, tem sido concentrado principalmente no trauma físico. Este tratamento pode ser suficiente, quando se trata de violência "da rua". Da mesma forma, este atendimento não é geralmente realizado de forma confortável para a pessoa agredida, que é referida sucessivamente de gabinete em gabinete ou de serviço em serviço, o que termina muitas vezes em abandono ao tratamento. Quando se trata de violência doméstica, o tratamento físico exclusivo é absolutamente insuficiente, pois está-se perante um caso em que a violência emocional e psicológica é mais grave que a física, e de duração mais longa. E, como se trata de uma violação de direitos, o profissional de saúde dever fazer um registo pormenorizado das lesões e aconselhamento sobre como a vítima gerir o relacionamento com o agressor, com quem a vítima convive (maior parte das vezes diariamente), com base na lei. Devido ao facto destas sobreviventes de violência doméstica sofrerem concomitantemente de vários tipos de violência (social, económica, verbal, emocional, psicológica e sexual para além da física) e não terem sofrido de um único acto isolado de violência, mas viverem numa relação violenta, não têm a possibilidade e a liberdade de se dirigirem à Unidade 42 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Sanitária de acordo com a necessidade. Quanto mais vezes ou dias ela for solicitada a dirigirse à Unidade Sanitária, maior o risco de interromper/abandonar o tratamento. As normas que se apresentam a seguir têm o objectivo de organizar o atendimento, tendo em mente os constrangimentos acima referidos. Admissão a) Centros de Saúde n Serviço de Urgências n Consulta médica As vítimas devem receber o pacote completo de serviços, no mesmo dia, pela mesma equipa. b) Hospitais Distritais, Rurais, Gerais ou Provinciais Dependendo do sexo, idade, tipo de violência e estado clínico da vítima, a sua admissão ao hospital poderá ser feita nos seguintes serviços: n Serviço de Urgências n Urgências de Ginecologia/Obstetricia As vítimas devem receber o pacote completo de serviços, no mesmo dia, pela mesma equipa ou por inter-consulta. c) Hospitais Centrais Dependendo igualmente do sexo, idade, tipo de violência e estado clínico da vítima, a sua admissão ao hospital poderá ser feita nos seguintes serviços: n Departamento de Urgências n Urgências de Ginecologia n Urgências de Pediatria n Medicina Legal As vítimas devem receber o pacote completo de serviços, no mesmo dia, pela mesma equipa ou por inter-consulta (Psicologia, Medicina Legal). No entanto, chama-se a atenção para o facto de as vítimas de violência de facto usarem todos os serviços e consultas como porta de entrada, tanto em episódios recentes como crónicos. As consultas preventivas de Saúde Materno-Infantil e da Criança (nos Centros de Saúde) constituem os locais com maior proporção de vítimas de violência. Nos hospitais, as vítimas de violência também usam como porta de entrada os serviços de medicina, cirurgia, ortopedia, otorrinolaringologia, oftalmologia, estomatologia, ginecologiaobstetricia, etc. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 43 Abuso Sexual Infantil 1. Encaminhar a vítima à consulta médica; 2. Dar apoio emocional/psicológico, acompanhado de explicação sobre os direitos que a vítima tem; 3. Instituir o tratamento físico e mental de acordo com o diagnóstico; 4. Comunicar o evento às autoridades policiais; 5. Se se tratar de violação sexual deve-se seguir as instruções da violação sexual descritas abaixo. Violência Doméstica 1. Instituir o tratamento físico de acordo com o diagnóstico; 2. Encorajar a vítima a participar nas sessões terapêuticas e outros serviços de apoio psicológico na US ou nas organizações/serviços que prestam apoio à comunidade durante os seis (6) meses seguintes; 3. Denunciar o caso às autoridades policiais, pois a agressão é um crime público punido por lei; 4. Elaborar relatório médico-legal destinado às autoridades policiais; 5. Estabelecer comunicação regular com as autoridades policiais para fazer o seguimento dos casos. 6. Marcar consultas de seguimento. Violação ou Assalto Sexual 1. Encaminhar urgentemente a vítima à consulta médica; 2. A vítima não deve lavar-se após o acto da violação. Também não deve mudar de roupa, antes de ser observada na US (pode cobrir-se com uma capulana ou casaco para se dirigir à US); 3. Fazer aconselhamento e testagem do HIV/SIDA; caso o resultado seja negativo, a vítima deve repetir o teste ao fim de 3 (meses); 4. Administrar anti-retrovirais de emergência nas primeiras 24h; 5. Administrar antibióticos para prevenir as ITS; 6. Administrar vacina contra a Hepatite B; 7. Administrar medicamentos para tratamento da depressão, insónia e/ou ansiedade; 8. Encorajar a vítima a participar nas sessões terapêuticas e outros serviços de apoio psicológico ou nas organizações/serviços que prestam apoio à comunidade durante os 6 meses seguintes; 9. Guardar o processo clínico em local seguro; 10. Denunciar o crime às autoridades policiais; 11. Marcar consultas de seguimento; 12. Para as vítimas do sexo feminino, com 11 anos de idade ou mais: instituir contracepção de emergência a qual deve ser feita tomando lofemenal/microgenon o mais cedo possível, não depois de 72 h após a violação. Se ela aparecer depois de 72h mas antes de completar 5 dias, insere-se DIU. Se ela aparecer depois de 5 dias, já não há nada a fazer senão aguardar até o início do período menstrual. Se a menstruação não aparecer até ao dia esperado, deve voltar ao CS para avaliar se está grávida. 44 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Material Necessário nos Locais de Atendimento Organizar Kits com todo o material e medicação necessários. O conteudo dos kits é apresentado em anexo. Algumas notas sobre o Atendimento Conselhos Gerais Nos gabinetes médicos (e policiais) deve haver n Confidencialidade; n Muita sensibilidade e empatia; O pessoal de saúde deve n Testemunhar sempre que chamado ao tribunal; n Educar as vítimas para que denunciem a agressão/violação, pois segundo a lei a violência é um crime público, punido por lei; n Documentar as respostas no processo clínico e guardar em local seguro e registar o diagnóstico de Violência, para além do diagnóstico biomédico; n Apoiar, isto é, não ser crítico, ser sensível e compreensivo; n Trabalhar em coordenação com outros parceiros envolvidos na assistência das vítimas, tanto do governo como da sociedade civil. Tendo em conta as consequências da violência na saúde e o actual padrão de atendimento, foram definidas as seguintes prioridades: 1) Melhorar a qualidade de serviços n Garantir a disponibilidade de equipamento básico e exigências de exames, incluindo um gabinete com privacidade e segurança. n Melhorar a qualidade dos cuidados prestados nos diversos serviços, incluindo nas Urgências, tendo em atenção o pacote de cuidados, com especial referência a: l Disponibilidade de contraceptivos de emergência l Acesso à interrupção voluntária de gravidez 2) Desenvolvimento de capacidades n Orientar os trabalhadores da saúde em assuntos de género, direitos humanos e violência. n Organizar formação específica para médicos e outros quadros que estão directamente envolvidos na prestação de cuidados às vítimas de violência, especialmente a violência sexual. n Investir num centro ou instituição médica para ser desenvolvido como um centro de exce- Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 45 lência. Isso facilita a expansão de conhecimentos, formação e cria oportunidades para pesquisa e estudos experimentais. n Integrar questões da violência no currículo dos institutos de ciências de saúde, centros de formação e faculdades de medicina, bem como academias da polícia. 3) Melhorar o sistema de referência n Os serviços devem ser coordenados de tal forma que o número de exames e entrevistas para vítimas sejam minimizadas, para impedir a revictimização . n A interacção e o estabelecimento de redes funcionais entre as diferentes entidades, em primeiro lugar entre a Polícia, ONGs e Unidades Sanitárias, o que permitirá não só o uso máximo dos recursos financeiros e humanos disponíveis a nível local mas beneficiará de uma abordagem mais abrangente das necessidades das vítimas. 4) Serviços médicos-legais n Um bom serviço de medicina legal reforça o processo de investigação e um compromisso para melhorar a justiça e a reposição dos direitos humanos violados. As unidades forenses praticamente não existem e a especialização na medicina legal é escassa. Neste aspecto, os investimentos necessários para criar serviços funcionais no País constituem um desafio. n Um ponto de partida poderia ser o desenvolvimento de normas mínimas para exame e registo de resultados. Isso envolve a identificação e formação dos quadros certos nos exames elementares médico-legais, elaboração do relatório e comparência no tribunal bem como o desenvolvimento de um formato de relatório médico legal padronizado. 5) Advocacia n O sector da saúde tem um papel na missão de quebrar o silêncio em volta da violência em geral e da sexual em especial. Ainda existe pouca sensibilidade sobre a questão daí a necessidade de aumentar a advocacia. 6) Registo correcto do diagnostico da violência no processo clínico e no livro de registos n A violência tornou-se um problema de saúde muito grave mas invisivel, tanto a nível internacional como no nosso País. Uma das razões que explicam esta invisibilidade é o registo inadequado do diagnóstico, o qual costuma ser biomedico em vez de causal. Assim uma mulher que é violentada e fica com hematoma ocular como resultado da agressão costuma ser diagnosticada e registada como tendo hematoma ocular, sem menção da violência. Por outro lado, nos casos de violência crónica, quando a mulher se apresenta com problemas de saúde mental, ela é catalogada de "depressão" sem menção à situação violência. Este subregisto acontece em praticamente todos os serviços e todas as unidades sanitárias. O diagnóstico causal de violência é registado só por um pequeno número de profissionais de saúde. 1) Registar o diagnóstico de violência em todas as situações em que a mulher refere ter sido violentada, com ou sem sinais físicos comprovativos. 2) Registar o diganóstico de violência sempre que suspeitar da sua existência. As vítimas de violência têm um comportamento mais ou menos típico que precisa de ser analisado. Muitas vítimas confirmam a existência do fenomeno quando inquiridas logo à pri- 46 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência meira vez, mas outras precisam de mais tempo para confiar no profissional. O esquema que a seguir se apresenta pode servir de modelo para registo das lesões físicas no processo clínico. O registo detalhado dos casos de violência no processo clínico, é necessário para: n A avaliação do programa n Servir como documento para a justiça. n Visualizar o problema nas estatísticas da saúde n Aprofundar o fenómeno da violência doméstica e os seus efeitos na saúde da população n Tomar medidas em políticas públicas para garantir medidas de prevenção, e atendimento integrado em condições. Deve-se registar todas as informações prestadas pela mulher e aquelas encontradas no exame físico, pois podem ter valor no futuro, inclusive em processos judiciais. Pode-se pensar que é muito difícil introduzir ou modificar os instrumentos de registo, mas isto faz parte da luta para erradicar a violência. Cada serviço pode decidir o que deve ser registado até estabelecer um instrumento que satisfaz a todos. A seguir, oferecemos como exemplo alguns itens que podem constar num registro sistemático: n Dados socio-demográficos (idade, profissão, escolaridade, número de filhos, tipo de união, endereço, etc). n Serviços a que já recorreu (Gabinetes da Polícia, Bairro, Família, tribunal comunitário, provincial, distrital, etc.) e nível de satisfação. n Tipo e história da violência sofrida, incluindo a duração e implicação de menores. n Presença de lesões no exame físico. n Rede de apoio social existente (na família, na vizinhança). n Risco e presença de arma em casa. n Expectativas quanto ao atendimento. n Expectativas e planos de vida expressos pela mulher. n Plano assistencial traçado e instituições para onde é referida. n Avaliação da mulher e do profissional sobre o processo. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 47 48 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo VI Apoio Psicológico 50 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Apoio Psicológico Suspeita da existência de violência ocorrida no passado ou a ocorrer actualmente As situações de violência contra a mulher repercutem-se nos serviços de saúde de forma paradoxal. Ao mesmo tempo em que há um uso aumentado dos serviços, a assistência médica de facto prestada tem um baixo poder resolutivo e as mulheres em situação de violência têm mais queixas e sintomas do que aquelas que não sofrem de violência. Por outro lado, os serviços de saúde não estão preparados para o atendimento e reconhecimento das situações de violência, especialmente a doméstica. As mulheres que sofrem de violência normalmente sofrem também pressões sócio-culturais e familiares que as colocam numa situação de omissão da denúncia. São poucas as mulheres que procuram os serviços de saúde por serem vítimas de violência doméstica e as poucas que os usam é devido a lesões físicas sérias e que precisam de um atendimento médico urgente. No entanto muitas mulheres vítimas de violência frequentam os serviços de saúde, nas diversas consultas gerais ou de especialidade, incluindo as consultas de Saúde Reprodutiva (Saúde Materno-Infantil, Ginecologia e Obstetricia), Medicina, Cirurgia, Psiquiatria, Ortopedia, Pediatria, Otorrinolaringologia, Estomatologia, Oftalmologia, Fisioterapia, Cardiologia, etc., com sintomatologia diversa muitas vezes causada ou associada à situaçao de violência. Os serviços de SMI são os mais usados pelas mulheres, quer para si próprias quer levando os seus filhos menores. Existe portanto uma certa confiança da mulher nas enfermeiras que as atendem e conhecem uma parte da sua vida íntima. No entanto, a abordagem do problema da violência doméstica e sexual requer uma técnica específica de conversa e um bom conhecimento das organizações que prestam apoio psicólogico para que o profissional possa apoiar a mulher a tomar a decisão sobre as melhores alternativas no seu caso. Para que relatos das situações de violência possam emergir, algumas condições institucionais são importantes. A falta destas condições não significa que não há nada a fazer, pelo contrário: a construção destas condições institucionais é em si um trabalho contra a violência e a favor de uma melhor qualidade de serviços de saúde: n O serviço tenha uma cultura institucional de respeito aos usuários, propiciando aos profissionais tempo e condições de escutar a mulher e estabelecer um diálogo com ela; n Existam indicações claras no serviço de que este é um lugar aberto e preocupado com estas questões (cartazes, folhetos e uma recepção informada sobre o problema); n Existam espaços educativos e atenção a dimensões psicossociais nos atendimentos, onde a emergência de temas como esses pode ser facilitada; n Exista compromisso institucional, especialmente das Direcções, em implantar e apoiar o trabalho; n Os profissionais conheçam a relação da violência com a saúde, saibam detectar o problema e tenham alternativas assistenciais disponíveis para oferecer às mulheres; n As pessoas sejam acolhidas e respeitadas quando têm vergonha do problema; n As pessoas saibam que os profissionais se importam com as situações de violência e podem oferecer recursos e não desvalorizarão o seu relato ou farão julgamentos sobre as suas escolhas e situação de vida; Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 51 n A privacidade e a confidencialidade sejam garantidas. n Exista informação sobre a rede intersectorial (serviços jurídicos, policiais, de orientação psicológica e social) no bairro, na vila ou na cidade. A disponibilidade do profissional para ouvir os problemas da pessoa em atendimento e a sua preocupação com as raízes do seu sofrimento também são importantes para a detecção do problema. Devemos lembrar sempre que a violência leva ao medo e à perda da auto estima Orientar o Diálogo Alguns sintomas mostram-se consistentemente associados com a violência, e podem servir de critério suspeitar e identificar as vítimas: n Transtornos crónicos, vagos e repetitivos; n Início tardio no pré-natal; n Companheiro muito controlador; reage quando separado da mulher; n Infecção urinária de repetição (sem causa secundária encontrada); n Dor pélvica crónica; n Síndrome do intestino irritável; n Transtornos na sexualidade; n Complicações em gestações anteriores, abortos de repetição; n Depressão; n Ansiedade; n História de tentativa de suicídio; n Lesões físicas que não se explicam de forma adequada Quando houver algum destes sintomas ou sinais, deve-se suspeitar da existência de violência e iniciar o diálogo sobre o assunto, evitando ao máximo colocar questões directas, como por exemplo, quem te fez mal? O seu marido bate-lhe? Deve-se recorrer a este tipo de perguntas em casos extremos de recusa, negativismo e medo paralisante. As questões exemplificadas podem ser feitas também a outras pessoas que por um motivo ou outro nos pareçam poder estar ou ter estado em situação de violência, já que o problema é frequente e o conjunto de sintomas aqui colocado não é definitivo. Quando há uma suspeita, diversos estudos sustentam que a pergunta, directa ou indirecta, é a melhor estratégia. Se a pessoa não estiver nesta situação, ela responderá com tranquilidade e perceberá a importância da pergunta para as mulheres em geral, desde que suficientemente esclarecida. Se a mulher negar e o profissional estiver convencido de que não é verdade, respeite! É bom que ela saiba que há disposição para ajudá-la. A queixa mais apresentada pelas mulheres que sofrem violência é a dor crónica em qualquer parte do corpo ou mesmo sem localização precisa. É a dor que não tem nome ou lugar! Deve-se assegurar à mulher que haverá sigilo no seu atendimento. Deve-se declarar que ninguém merece sofrer violência, que existem diversos caminhos para a saída de situações deste tipo e que o profissional está disposto a auxiliá-la. Deve-se também avaliar o risco iminente (perguntando se ela tem medo de voltar para casa e avaliando se há crianças menores envolvidas). Em caso positivo, contactar alguma instituição de referência no momento, dentro ou fora do serviço de saúde. Atenção, no caso de violência, o profissional da saúde que atende pode prestar apoio psicológico: contendo a vítima, confortando-a, orientando-a através de técnicas simples como escutar e sobretudo, mostrar preocupação e empatia com o problema da vítima. 52 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Alguns exemplos de como ouvir e perguntar sobre violência doméstica contra as mulheres. Para que se possam identificar as mulheres em situação de violência existem diversas propostas: a) Acolher o relato espontâneo LEMBRAR: O conhecimento da existência de serviços para apoiar as vítimas de violência, tais como os Gabinetes de Atendimento às Mulheres e Crianças Vítimas de violência nas esquadras da Polícia e as ONGs que aconselham e dão assistência legal, são fundamentais para o trabalho dos profissionais de saúde. Nunca se deve iniciar o trabalho de assistência sanitária sem este conhecimento, pois isto vai garantir uma boa coordenação intersectorial. Não apenas mulheres com o corpo cheio de hematomas podem nos lembrar situações de violência. Existem relatos não tão claros que podem significar um pedido de ajuda e devem chamar a atenção do profissional, como por exemplo os seguintes: n Ataques a entes queridos, principalmente aos filhos, familiares e amigos/as; n Restrição da liberdade individual (impedimento de trabalhar fora, de estudar ou de sair de casa, mesmo para visitar a família); n Práticas que resultam em restrições de direitos ou liberdades: não disponibilizar dinheiro; ameaças de agressão ou brigas verbais; n Humilhação (maus tratos, desqualificações públicas ou privadas); n Discussões e brigas verbais frequentes; n Ameaças de agressão, ameaças com armas ou instrumentos de agressão física; n Relações sexuais forçadas; n Não fazer planeamento familiar n Iniciar tarde a consulta pré-natal n Submissão a práticas sexuais indesejadas; n Agressão física de qualquer espécie, incluindo envenenamento. Estes relatos são mais comuns em alguns espaços da rede assistencial, menos presentes em outros. Ainda assim são relativamente restritos em comparação com o universo de casos existentes, de acordo com a literatura. Muitas mulheres têm vergonha ou medo de abordar o problema, ou não acreditam que poderão encontrar alguma resposta nos serviços de saúde. Mas isto não significa que não se pode ajudá-las, pelo contrário, pode-se abrir canais de comunicação para facilitar o relato. b) Perguntar quando há suspeitas: A melhor estratégia para lidar com esta recusa é a pergunta directa, que facilita às pessoas que querem falar do problema a iniciar a abordagem do assunto. A disponibilidade do profissional para ouvir os problemas da pessoa durante o atendimento e a sua preocupação com o seu sofrimento, também são importantes para a detecção do problema. n Perguntar indirectamente As mulheres que frequentam o SMI muitas vezes têm problemas em casa. Por isto podemos abordar o assunto nas consultas através de qualquer destas perguntas. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 53 l Está tudo bem na sua casa, com o seu companheiro? l Tem problemas no relacionamento familiar? l A senhora às vezes se sente humilhada ou agredida? l Acha que os problemas em casa estão afectando a sua saúde? l A senhora e o seu marido brigam, discutem muito? l Quando discutem, ele fica muito zangado? Agressivo? n Perguntar directamente l Como você deve saber, hoje em dia não é estranho escutarmos sobre pessoas que foram agredidas física, psicológica ou sexualmente ao longo das suas vidas, e sabemos que isto pode afectar a saúde mesmo anos mais tarde. Isto aconteceu alguma vez consigo? l Já vi problemas como o seu em pessoas que são fisicamente agredidas. Isto aconteceu consigo? l Alguém lhe bate? l Você já foi forçada a ter relações sexuais com alguém? Aconselhar e apoiar Como foi dito no início, o papel do profissional de saúde é apresentar as várias opções que a ajudem a vítima a tomar a decisão mais acertada. Estas opções devem ser identificadas caso a caso, mas devem ser apresentadas com base no apoio emocional e psicológico bem como nos direitos humanos das mulheres. Por isso deve ser aplicado o postulado na Lei da violência doméstica, e, a vítima deve ser informada que o Governo encarregou os serviços de saúde de apoiar a aplicação da justiça a todos os criminosos que não respeitam os direitos humanos das mulheres, informando à Policia para que esta siga os procedimentos definidos nesse sentido. No entanto, o apoio psicológico para ser efectivo deve ser longo e constitui a primeira prioridade do profissional, que deve informar a sua cliente sobre as consequências da violência no âmbito mental e como preveni-las. A cliente deve ser também informada que o tratamento psicológico vai requerer pelo menos 6 meses. Um dos aspectos fundamentais no apoio às vítimas é a aceitação incondicional. Não interessa ao profissional de saúde a curiosidade em relação aos aspectos de intimidade, mas apenas o apoio à vítima que sofre. Atenção: mesmo que sem evidências físicas e às vezes psicológicas, a vítima de violência sofre. 54 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo VII Assistência Médico-legal 56 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Perícia Médico-legal Perícia médico-legal é toda a actuação médica/paramédica mediante a qual se presta assessoria à administração da justiça em relação a um determinado problema de natureza médico-biológica. n Pode ser efectuada em qualquer ramo de Direito (Penal, Civil, etc.), no ser vivo, cadáver, objectos, animais, etc. n Está disciplinada na Legislação em vigor e deve ser realizada nas Instituições MédicoLegais, Instituições de Saúde por Peritos Oficiais, Peritos Ocasionais e por outros Profissionais de Saúde. n Tem como objectivo a produção de uma prova (é um elemento demonstrativo de um facto). Traumatologia Forense n Estuda as lesões e estados patológicos imediatos ou tardios, produzidos por violência sobre o corpo humano. n Estuda o diagnóstico, prognóstico, as implicações legais e socio-económicas da violência. Ofensas Corporais: com base nos art. 359 e seguintes do Códido Penal. médicolegalmente: "a perturbação ilícita da integridade corporal doutrem". n Esta definição exclui as lesões traumáticas direccionadas para regiões anatómicas específicas tais como: seios, vulva/vagina, útero, gonadas, etc. que seriam indicativos de crime contra a honestidade, aborto criminoso e castração. Sexologia Forense Crimes contra a honestidade Os artigos relacionados com este capitulo vem contemplados no Codigo Penal., Livro 2º- dos crimes em especial, Titulo 4º dos crimes contra as pessoas, capitulo 4º:dos crimes contra a honestidade: n Secção I – Ultraje público ao pudor: art. 390 n Secção II – Atentado ao pudor, Estupro e Violação: art. 391 atentado ao pudor; art. 392 estupro; art. 393 violação e art. 394 violação de menor de 12 anos; art. 395 rapto violento ou fraudulento; art.396 rapto consentido; art. 397 cárcere privado e ocultação de menores; art. 398 agravação especial; art. 399 denúncia prévia; art. 400 dote da ofendida e efeitos especiais do casamento. n Secção II – Adultério - revogado. n Secção IV – Lenocínio: art. 405 lenocínio, art.406 corrupção de menores. Abordagem Médico-Legal Cópula: é um tipo de manifestação sexual, provem da palavra latina União – acto ou efeito de juntar ou ligar uma coisa a outra, acto ou união sexual, ligação carnal. Do ponto de vista médico-legal a cópula pode ser efectuada em qualquer região anatómica ou orifício natural em que é possível a consumação/ligação carnal. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 57 1. Atentado ao pudor art. 391: médico-legalmente constitui "atentado ao pudor são todos os actos impúdicos praticados em indivíduos de ambos os sexos, exceptuando estupro ou violação (entidades bem definidas), exercidas em menores de 16 anos ou com violência depois daquela idade, com o fim de satisfazer um prazer venéreo, lascivo, por curiosidade, depravação, vingança ou por padecer de um distúrbio de instinto sexual. 2. Estupro art. 392: médico-legalmente "é a cópula vaginal por meio de sedução com uma mulher virgem menor de 18 e maior de 12 anos". 3. Hímen complacente/elástico é o hímen que permite o coito vaginal sem se lacerar. 4. Violação art. 393 e 394: os critérios médico-legais são: n Cópula vaginal com uma mulher com idade igual ou inferior a 12 anos, independentemente do consentimento ou não da vítima. n Nas mulheres com idade igual ou inferior a 12 anos não é imprescindível que a penetração do pénis seja completa, basta que seja uma cópula vestibular ou vulvar. n Cópula vaginal com uma mulher com idade superior a 12 anos contra a sua vontade, veemente intimidação, violência física ou de qualquer fraude. n Cópula com uma mulher que esteja com um quadro de perturbação mental, isto é, com um quadro de Transtorno Mental Transitório. Perícia Médico-Legal: Constitue uma Urgência Médico-Legal porque: Permite n Efectuar a profilaxia contra HIV/SIDA e ITS (até 72 horas após o facto). n O tratamento médico e psicológico. n Colheita de todos os elementos de prova ou indícios (no corpo, vestuário, etc.) na vítima e no perpetrador. n Evidenciar os sinais de conjunção carnal e outro tipo de lesões na vítima e no perpetrador. n Efectuar o teste de HIV/SIDA ao perpetrador. No âmbito da história clínica e exame físico deve-se obter informações sobre: n A data e a hora aproximada da agressão n A história dos contactos sexuais recentes (número de parceiros, uso do preservativo, práticas sexuais) n Antecedentes de ITS n Data da última menstruação n Avaliar a possibilidade de gravidez prévia O exame físico sempre deve incluir: Inspecção da região genital: examinar a genitália externa, afastar os lábios vaginais, visualizar o intróito vaginal, examinar a vagina. Avaliar sinais de penetração e a extensão das lesões. Inspeccionar o períneo e o ânus e avaliar a evidência ou não de penetração. 58 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência A – Se não houver sinais de penetração a vítima de ser orientada para apoio psicológico, médico-legal e jurídico. B – Se houver sinais de penetração Investigar o tempo decorrido desde a agressão. Se a violação ocorreu a menos de 72h deve-se: n Deve-se fazer a testagem rápida para o HIV e Sífilis e colheita de secreções vaginais para avaliação médico-legal. Esta colheita deve ser feita na primeira observação e inclui o exame vagina com espéculo e colheita de material com zaragatoa. Colocar a zaragatoa num frasco para posterir envio ao laboratório análises clínicas, para pesquisa de ITS. A colheita de matéria de biológico do conteúdo vaginal também deve ser realizada para a pesquisa de espermatozóides. n Providenciar quimio-profilaxia para o HIV por um mês e contracepção de emergência. Se a violação ocorreu há mais de 72h apenas se deverá realizar a profilaxia para as ITS e testagem rápida para o HIV e Sífilis A profilaxia das ITS, a quimioprofilaxia do HIV, a contracepção de emergência e a profilaxia da Hepatite B, deverão ser realizadas de acordo com as normas nacionais, que é a abordagem sindrómica. Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 59 60 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Módulo VIII Coordenação Intersectorial e ligação com a comunidade 62 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Coordenação Intersectorial e ligação com a comunidade Como anteriormente referido, a violência constitui uma violação dos direitos humanos das mulheres (e das crianças) e, portanto o tratamento integral impõe que as sobreviventes da violência sejam atendidas por uma multiplicidade de profissionais, não só na Saúde, mas também na Assistência Social, na Polícia e nos Tribunais. Foi aprovada a criação dos Centros de Atendimento Integrado (CAI), a qual procura responder à preocupação da cooperação multissectorial entre entidades estatais e/ou da sociedade civil que lidam com conflitos de violência de género, para garantir que: n As pessoas atingidas por violência de género que ganham coragem de denunciar vejam as suas necessidades respondidas; n Não haja revitimização secundária, isto é, que os agentes sociais que atendem as mulheres que denunciam respeitem os seus direitos, a sua dignidade e privacidade; n Haja menos denunciantes a desistir da queixa e a interromper o processo de denúncia; n Mais mulheres sejam incentivadas a denunciar, motivadas pelo grau de eficácia dos serviços. Espera-se concretamente que o atendimento integrado, por ser disponibilizado num mesmo espaço, diminua as despesas de transporte, tendo em conta a situação de pobreza em que vivem a maior parte das mulheres que denunciam. Por outro lado, pela maior celeridade do processo, conta-se com uma economia de tempo, que tão precioso é para quem vive do seu trabalho, onde a ausência representa sempre menos oportunidades de obter rendimentos. Para além disso, existe a expectativa de que serviços até agora quase inexistentes, como por exemplo o atendimento psicossocial, possam ser acessíveis. O Atendimento Integrado funciona para: n Melhoria da qualidade no atendimento, a partir da definição de procedimentos básicos que visem o respeito pela pessoa atingida por violência e uma melhor resposta aos seus problemas e necessidades; n Elaboração de Guiões Únicos de Atendimento para todos os profissionais e instituições envolvidas (Ministerio da Mulher e da Acção Social, Ministério do Interior, Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, ONGs, etc.); n Institucionalização da recolha e análise de dados, com base em fichas uniformizadas, e de acordo com os indicadores definidos. Este Centro deve começar a funcionar com base nas infra-estruturas já existentes nas unidades sanitárias que contam com a presença de Postos Policiais, unidades estas que devem contar com assistentes sociais. A vítima beneficia-se de um atendimento que começa com o tratamento médico, psicológico e médico-legal, o qual preenche a ficha única (em anexo), referindo de seguida ao Posto Policial que inicia os procedimentos para abertura do processo que é posteriormente enviado à Procuradoria. Esta deve requerer exames médicos adicionais se necessário, e um relatório médico-legal circunstanciado com vista à instituição do julgamento que segundo a lei deve ser realizado até 3 dias após a recepção do processo. A ficha única permite que a sobrevivente seja registada uma única vez e nas referências a serem feitas apresente a informação sobre o seu caso, sem ter de contar a história a cada pro- Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 63 fissional que a atende. Esta ficha também permite seguir a evolução do caso e evitar sobreregistos dos casos de violência. Como envolver a Comunidade na Prevenção e Apoio das Mulheres Vítimas de Violência Porquê envolver a Comunidade na prevenção e apoio das vítimas de violência? Na comunidade, as chefias e membros têm conhecimento sobre quem resolve as agressões no lar. Conhecem vítimas e agressores e portanto têm capacidade para poder desempenhar um papel mais eficaz ao nível da prevenção, do auxílio e do encaminhamento das vítimas. Outros aspectos a ter em conta: n Os líderes da comunidade são quem tradicionalmente resolve conflitos dentro do lar. n A forma de resolução dos conflitos na comunidade realiza-se com base no senso comum, construído a partir das leis costumeiras e da tradição. n Segundo a tradição o marido é o chefe da família. n Segundo as leis do costume a mulher deve obedecer ao marido e este deve corrigir e educar a sua mulher. n Tradicionalmente os casos de violência contra a mulher são tipificados como casos sociais. n As estruturas comunitárias não conhecem a Constituição e as leis do País. n Homens e Mulheres, não sabem que os direitos humanos são iguais para todos e com carácter universal, e que segundo a lei da família, a esposa e o esposo são os dois chefes da família. n Líderes e membros da comunidade não conhecem muitos dos efeitos da violência doméstica na saúde das mulheres e dos seus bebés e crianças. n Nos encontros comunitários pode-se encontrar muitos parceiros que geralmente não aparecem nos serviços de saúde. Factores que tornam uma comunidade mais vulnerável à violência doméstica contra as mulheres: A violência de género no lar acontece sem distinção sócio-económica, dado que o modelo patriarcal influencia a construção social de relações de género que subordinam a mulher em todas as camadas sociais. Contudo, há condições sociais que podem criar situações que agudizam o fenómeno da violência no lar, nomeadamente: n Muito desemprego na comunidade n Degradação do tecido social (roubo, criminalidade) n Alta frequência de poligamia e "amantismo" n Isolamento das mulheres e dos filhos O que a comunidade (estruturas, homens e mulheres) deve saber? 64 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Se a violência doméstica é um assunto de saúde pública, é indispensável: n Informar sobre os efeitos das diversas formas de violência doméstica na saúde das mulheres em geral e das mulheres grávidas em particular. n Informar sobre a importância de que as mulheres falem sobre a sua situação de sofrimento na consulta de SMI. Para prevenir a violência doméstica deve-se: n Informar sobre a igualdade de direitos de Homens e Mulheres na Constituição da República de Moçambique. n Informar que toda a agressão contemplada na lei aplica-se ao casal e com agravamento da pena. n Informar sobre a obrigação de denunciar o crime (a violência doméstica é considerada crime público e qualquer pessoa DEVE denunciar, não só a vítima). n Informar sobre a importância de denunciar todo o tipo de violência no lar nos Gabinetes de Atendimento da Mulher e da Criança, na polícia. n Informar sobre o direito das vítimas serem aconselhadas e assistidas legalmente. n Informar a igualdade de direitos e responsabilidades no casamento (Lei da Família). n Informar sobre a obrigação de prestação de alimentos aos filhos, mesmo em situação de união de facto. n Informar sobre a necessidade/ obrigação de registo das crianças. n Informar sobre a necessidade de registar os casamentos tradicionais (Lei da Família). O que a comunidade (estruturas, vizinhos, homens e mulheres) pode e deve fazer: n Estruturas e vizinhos devem estar atentos para intervir e socorrer uma mulher vítima de violência. n Criar redes de apoio e protecção, para que a vítima não se sinta sozinha. n Facilitar o encaminhamento da vítima, segundo o caso, a um local seguro, ao hospital ou posto de saúde, e aos Gabinetes de Atendimento da polícia. Se está em estado de gravidez deve ir ao SMI ou às urgências da maternidade. n Nunca re-vitimizar, nunca culpar a vítima pela agressão que sofreu: "O que você fez para o seu marido fazer isto?" n Não justificar a atitude do agressor: "De certeza você teve motivos". Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 65 66 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência ANEXOS 68 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência ANEXO A CRIMES PREVISTOS NO CÓDIGO PENAL E RESPECTIVAS PENAS Artigo 391 Atentado ao pudor Todo o atentado contra o pudor de uma pessoa de um ou outro sexo, que for cometido com violência, quer seja para satisfazer paixões lascivas, quer seja por outro qualquer motivo, será punido com prisão (entre 3 dias a 2 anos). Único – se a pessoa ofendida for menor de 16 anos, a pena será em todo o caso a mesma. Artigo 392 Estupro Aquele que por meio de sedução, estuprar mulher virgem, maior de 12 anos e menor de dezoito anos, terá a pena de prisão maior de dois a oito anos. Artigo 393 Violação Aquele que tiver cópula ilícita com qualquer mulher, contra sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a mulher privada do uso da razão, ou dos sentidos, comete o crime de violação, e terá a pena de prisão maior de dois a oitos anos. Artigo 394 Violação de menor de 12 anos Aquele que violar menor de 12 anos, posto que se não prove nenhuma das circunstâncias declaradas no artigo antecedente, será condenado a prisão maior de oito a doze anos. Artigo 395 Rapto violento ou fraudulento O rapto de qualquer mulher com fim desonesto, por meio de violência física, de veemente intimidação ou de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a mulher privada do uso da razão, ou dos sentidos, será punido como atentado ao pudor com violência, se não se consumou o estupro ou a violação; e será considerado como circunstância agravante do crime consumado. 1° – O rapto de menor de doze anos com fim desonesto considera-se como violento 2° – Se por crime de cárcere privado ou de outro se deverem impor ao ciminoso penas mais graves, serão estas aplicadas. Artigo 396 Rapto consentido Será considerado como circunstância agravante o estupro ou rapto de qualquer mulher virgem, maior de 12 anos e menor de dezoito anos, da casa ou lugar em que com a devida autorização ela estiver, que for cometido com o seu consentimento; se o estupro porém se não Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 69 consumar, será punido o rapto por sedução com prisão até um ano. Em todos os crimes desta secção, as penas serão substituídas pelas imediatamente superiores, se o criminoso for:A l scendente ou irmão da pessoa ofendida l Se for tutor, curador ou mestre dessa pessoa. Artigo 359 Ofensas corporais voluntárias Aquele que voluntariamente, com alguma ofensa corporal maltratar alguma pessoa, não concorrendo qualquer das circunstâncias enunciadas nos artigos seguintes, será condenado a prisão até 3 meses, mediante acusação do ofendido. § único - se o ofendido for menor de 16 anos ou incapaz, o procedimento criminal dependerá de simples participação do ofendido ou seu representante legal. Artigo 360 Ofensas corporais voluntárias de que resulta doença ou impossibilidade para o trabalho A ofensa corporal voluntária de que resultar, como efeito necessário da mesma ofensa, doença ou impossibilidade de trabalho profissional ou de qualquer outro, será punida: 1° – Se a doença ou impossibilidade de trabalho não durar por mais de 10 dias, com prisão até seis meses e multa até um mês 2° – Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de 10 dias, sem exceder a vinte, ou produzir deformidade pouco notável, com prisão até 1 ano e multa até dois meses. 3° – Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de vinte dias, sem exceder a trinta, ou produzir deformidade notável, com prisão e multa. 4° – Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de trinta dias, com prisão nunca inferior a dezoito meses e multa nunca inferior a 1 ano. 5° – Se da ofensa resultar corte, privação, aleijão ou inabilitação de algum membro ou órgão do corpo, com prisão maior de dois a oito anos. 70 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Artur, M. J. Osório, C (2009): Proposta para a criação do Atendimento Integrado no Combate à Violência Contra a Mulher Associação das Mulheres na Comunicação Social, et al, (2008): A violência Doméstica não é amor! BASTA! Maputo. Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica, (2001): Principais Instrumentos Internacionais de Defesa dos Direitos da Mulher e da Criança. Maputo. Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA, (2004): Plano Estratégico Nacional de Combate ao HIV/SIDA. Livro I: Análise da Situação, Maputo. Faculdade de Medicina USP (2003): o que devem saber os profissionais de saúde para promover os direitos e a saúde das mulheres em situação de violência doméstica. Brasil. Fórum Mulher, (2005): Para Além das Desigualdades: a Mulher em Moçambique, Maputo. Fórum Mulher, (2007): A violência doméstica é uma violação dos direitos humanos das mulheres. Anteprojecto de lei contra a violência doméstica. Maputo. Graeve, Hilde de (OMS) (2006): O primeiro passo para uma Resposta de Saúde Pública contra a Violência Sexual em Moçambique. Maputo. Innocenti Digest (UNICEF) (2000): Violência Doméstica contra as Mulheres e Raparigas, Número 6, Julho de 2000, p.7. Ministério da Mulher e da Acção Social, (2004): Inquérito sobre violência contra a mulher, Maputo. Ministério da Saúde – Programa Nacional de Combate às ITS/HIV/SIDA (2006): Guia para tratamento e controlo das Infecções de Transmissão Sexual (ITS), Vol II, Maputo. Ministério da Saúde – Departamento de Prevenção e Controlo da Incapacidade e Doenças não Transmissíveis (2007): Plano Estratégico para Prevenção e Controlo do Trauma e Violência do Ministério da Saúde 2008-2014. Moreno, Garcia (OMS) (2002) – Violência contra as Mulheres, Genebra. Nações Unidas (1993) – Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembleia Geral, Dezembro de 1993. 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UNFPA (2001): a Practical Approach to Gender-Baesd Violence: A Programme Guide for Health Care Providers & Managers, New York. 72 Manual de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência