ASPECTOS MULTIDISCIPLINARES DA SÍNDROME DO RESPIRADOR BUCAL Ayla Martins Lobo* Erida Carvalho de Freitas* Gilberto Hot Rebouças* Olivia Zuccolotto Moreira* Rayan de Andrade Magalhães* Marileny Boechat Frauches Brandão** RESUMO O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão da literatura sobre a Síndrome do Respirador Bucal (SRB) destacando sua etiologia, diagnóstico, características gerais, enfatizando seus aspectos multidisciplinares. A síndrome ocorre quando a respiração nasal é substituída pela respiração bucal ou mista, podendo ocasionar um conjunto de alterações no crescimento e desenvolvimento dentofaciais. A etiologia pode estar relacionada a condições obstrutivas, como hipertrofia faríngea ou palatal, hipotonia da musculatura elevadora da mandíbula, desvio do septo nasal, ou não obstrutivas, devido aos hábitos deletérios. Para o diagnóstico deve-se combinar uma cuidadosa anamnese, seguida de um exame clínico minucioso, com atenção especial às possíveis alterações morfológicas congênitas. A SRB é uma condição multifatorial, necessitando, para o êxito de seu tratamento, um diagnóstico precoce, interação e atuação de profissionais especializados de diversas áreas da saúde. Palavras-chave: Síndrome do Respirador Bucal. Equipe Multidisciplinar. Tratamento da Síndrome do Respirador Bucal. * Acadêmicos do 8º Período do Curso de Odontologia da FACS/UNIVALE ** Especialista e Mestre em Odontopediatria. Professora da disciplina de Odontologia Pediátrica I e II do Curso de Odontologia da FACS/UNIVALE. 2 INTRODUÇÃO A respiração nasal é fisiológica do ser humano e, para que este processo ocorra, necessita de integridade anatômica e funcional das vias aéreas. A simples obstrução mecânica da passagem de ar pela cavidade nasal, hábitos inadequados e alergias são suficientes para que o indivíduo inicie a respiração bucal no intuito de manter suas funções vitais. A respiração bucal acarreta não somente a alteração da quantidade e qualidade do ar inspirado pelo indivíduo, como também transtornos funcionais e alterações oclusais (OLIVEIRA; MONTEMEZZO, 2002). Conceitua-se como respirador bucal todo indivíduo que, ao realizar o processo de respiração, utiliza-se da boca (LIMA, 2003). A respiração predominantemente bucal afeta as estruturas faciais e a saúde geral do indivíduo (PARANHOS; CRUVINEL, 2003). A síndrome do respirador bucal (SRB) consiste num conjunto de alterações provenientes de adaptações realizadas pelo organismo, na tentativa de compensar a nova forma de respiração adquirida, ou seja, pela boca (LIMA, 2003). De acordo com Ianni Filho; Bertolini; Lopes (2006) a SRB é multifatorial, necessitando, para o êxito de seu tratamento, diagnóstico precoce, interação e atuação de profissionais especializados, conferindo um caráter multidisciplinar. A SRB pode atingir indistintamente bebês, crianças e adultos, e apresenta uma maior concentração em grandes centros urbanos dos países desenvolvidos (VINHA, 2010). Esta síndrome é caracterizada por diversos sintomas, entre eles: ronco noturno, apnéia (falta de ar), rinites, sinusites, bronquites, problemas dentários, como mordida aberta anterior e mordida cruzada posterior, palato estreito e ogival, olheiras, perda de audição e otites, flatulência (gases), alterações de postura, de voz e na fala, comprometendo a qualidade de vida da criança e seu desenvolvimento global. O estresse neste processo de respiração pela boca é tanto que a criança não dorme 3 satisfatoriamente, ficando ansiosa, sonolenta, com déficit físico e mental (DURAN; FERRAZ, 2010). Santos; Santos; Santos (2008) destacaram que muitos cirurgião-dentista pode ser o primeiro profissional da área da saúde a ter contato com o portador da SRB, portanto é necessário que o mesmo conheça bem as características da síndrome, a fim de que possa ser inserido no conjunto de profissionais que fazem parte da equipe multidisciplinar para o tratamento da SRB. O objetivo do presente trabalho é realizar uma revisão da literatura sobre a Síndrome do Respirador Bucal, destacando sua etiologia, diagnóstico, características gerais, enfatizando seus aspectos multidisciplinares. REVISÃO DA LITERATURA RESPIRAÇÃO A respiração fisiológica é uma função vital e inata ao ser humano, desenvolvida no nascimento, e que permite a sua sobrevivência (RIBEIRO et al., 2002). Ribeiro et al. (2002); Spinelli; Casanova (2002) afirmaram que o processo de respiração compreende, primariamente, a ventilação pulmonar que consiste da captação do ar atmosférico, podendo ser feita tanto pela boca quanto pelo nariz. O processo da respiração nasal inicia-se com a passagem do ar pelo nariz, onde este vai ser filtrado, aquecido e umidificado, chegando aos pulmões com boa qualidade e protegendo as vias aéreas inferiores, promovendo correto crescimento e desenvolvimento do complexo crânio-facial. Os autores destacaram que a causa mais comum e mais complexa de desvios do crescimento facial está relacionada a interferências na respiração nasal. A impossibilidade de respirar pelo nariz leva o paciente a desenvolver uma respiração bucal, o que pode gerar efeitos adversos no desenvolvimento facial e no posicionamento dentário. Isso porque o desenvolvimento ósseo se encontra em estreita 4 relação com uma adequada função. Qualquer modificação no mecanismo funcional da respiração poderá alterar o equilíbrio, levando a desvios e consequentes deformações (SPINELLI; CASANOVA, 2002). Yi et al. (2008) afirmaram que a respiração é a primeira função desenvolvida por ocasião do nascimento, estabelecendo-se como função vital do organismo. O seu desequilíbrio pode causar alterações em diversos órgãos e sistemas. SÍNDROME DO RESPIRADOR BUCAL A respiração bucal, que determina alterações funcionais e anatômicas, pode levar ao acometimento da postura corporal, devido à atuação sinérgica dos músculos e pelo fato de serem organizados em cadeias (VIG et al., 1980). Segundo Aragão (1988); Sartori (2000) a respiração (bucal ao invés de nasal) faz com que o organismo sofra uma série de alterações em vários segmentos e sistemas do organismo. Isto pode trazer sérias consequências, se não revertidas precocemente, pois acometem crianças no período de desenvolvimento, afetando o crescimento crânio facial, e a qualidade do ar que chega aos pulmões. Segundo Lima (2003) a SRB é um conjunto de alterações dentofacial e funcional ao nível corporal, compensando a nova forma de respiração adquirida, ou seja, pela boca. A SRB pode levar a alterações no crescimento e no desenvolvimento dentofacial, principalmente nos primeiros anos de vida, quando se tem um aumento das estruturas faciais e do crânio (IANNI FILHO; BERTOLINI; LOPES, 2006). O respirador bucal é o indivíduo que substitui o padrão correto de respiração nasal por um padrão inadequado, bucal ou misto (OLIVEIRA, 2001). O indivíduo apresenta uma disfunção respiratória associada ou não à obstrução nasal, sendo um fator desencadeante de deformidades dentofacial, postural e respiratória (SILVA, 2007). 5 A SRB ocorre quando a respiração nasal é substituída pela respiração bucal. A criança que respira cronicamente pela boca pode desenvolver distúrbios da fala, deformidades da face, má posicionamento dos dentes e postura corporal inadequada (ABREU et al., 2008). Carvalho (1996) classificou os respiradores bucais em: • Respirador bucal orgânico: paciente apresenta obstáculos mecânicos que podem ser nasais, retronasais e bucais. Tais obstáculos são diagnosticados clínica e radiograficamente. São exemplos a estenose nasal, a atresia maxilar, o retrognatismo, alteração de tônus, postura e tamanho da língua. Pode-se descrever ainda a ptose lingual ou glossoptose provocada pela atresia mandibular. • Respirador bucal funcional: geralmente estes pacientes já foram submetidos à tonsilectomia e também amigdalectomia, mas ainda respiram pela boca, mesmo tendo o trato respiratório superior absolutamente permeável. Fazem quadros catarrais repetitivos, característicos das rinites alérgicas. • Respirador bucal neurológico ou impotentes funcionais: pacientes que desencadeiam o quadro alterado de respiração por disfunção neurológica. Muitos desses quadros estão acompanhados de alterações psiquiátricas. Etiologia da Síndrome do Respirador Bucal Desvios no processo fisiológico da respiração nasal são observados frequentemente em crianças e são decorrentes de etiologias variadas que impossibilitam ou dificultam a passagem do ar pela cavidade nasal, favorecendo um modo adaptativo de respiração, a respiração bucal ou buco-nasal, que acarreta diversos problemas à saúde, envolvendo os aspectos fisiológicos, morfológicos e psicossociais (PAIVA et al., 1999). De acordo com Oliveira (2001) os fatores que podem ocasionar a respiração bucal são: problemas orgânicos como sinusites, hipertrofia faríngea ou palatal; hipotonia da musculatura elevadora da mandíbula, devido à alimentação pastosa ou simplesmente postura viciosa. 6 Miranda et al. (2002) afirmaram que nos casos de causas não obstrutivas, destacam-se as decorrentes de hábitos deletérios como uso inadequado ou prolongado de mamadeira ou sucção não nutritiva. A causa mais comum da respiração bucal é a obstrução das vias respiratórias. Muitos são os fatores que podem impedir parcial ou totalmente o fluxo normal de ar pelas vias aéreas superiores, como o desvio do septo nasal, hipertrofia de cornetos, rinite alérgica, hipertrofia de amígdalas, hipertrofia de adenóides, atresia de coanas e pólipos nasais (SPINELLI; CASANOVA, 2002). Os quadros obstrutivos estão relacionados à hipertrofia das adenóides e/ou amígdalas, bem como, aos desvios do septo nasal e rinites, podendo manifestar-se de maneira isolada ou associada. As adenóides estão presentes em todas as crianças imunologicamente sadias, desde seu nascimento. Elas atingem um pico de crescimento entre os 4 e 5 anos, e passam por um processo de atrofia que se completa em torno dos 10 anos. Em certos casos, as adenóides podem aumentar de tamanho e obstruir totalmente ou parcialmente a respiração nasal (DISCOLO; DARROW; KOLTAL, 2003; GUERRA, 2006). Segundo Di Francesco et al. (2004); Guerra (2006) dentre as rinites, a alérgica pode ser considerada como uma das mais relevantes para a instalação da SRB crônica no período do crescimento de uma criança, mas também interferindo de modo significativo na saúde geral, na qualidade de vida e no controle da asma. A rinite pode ser definida como um processo inflamatório da mucosa nasal que resulta na obstrução nasal uni ou bilateral, com obstrução intermitente ou persistente a partir da hipertrofia dos cornetos. GODINHO et al. (2006) citado por ABREU et al. (2008) afirmaram que as amígdalas podem aumentar de forma e invadir a nasofaringe ou estender-se inferiormente para a área da hipofaringe. A hipertrofia das adenóides e/ou amígdalas de caráter irredutível está envolvida na fisiopatologia dos casos de obstrução à respiração nasal, otites médias, sinusites e nasofaringites e é considerada a causa primária da 7 desordem respiratória relacionada ao sono, deste modo comprometendo o desenvolvimento físico e cognitivo da criança. Os desvios do septo nasal se originam no período pré-natal, no parto ou durante o crescimento. No entanto, ocasionam distúrbios respiratórios, podendo ser sintomático (com obstrução nasal) ou assintomático (sem obstrução nasal) (ABREU et al., 2008). Diagnóstico da Síndrome do Respirador Bucal O diagnóstico da ocorrência de obstrução nasal na infância é eminentemente clínico. Deve-se combinar uma rigorosa e cuidadosa anamnese, seguida de um exame clínico minucioso, com atenção especial às possíveis alterações morfológicas congênitas, destacando-se as atresias das coanas, desvios septais e neoplasias (MOTONAGA et al., 2000). Segundo Jorge; Abrão; Castro (2001) o diagnóstico da SRB pode ser feito através de dois tipos de testes: • Teste do espelho: coloca-se um espelho refletor abaixo das narinas da criança e verifica a formação de vapor, decorrente da respiração. Formação de vapor na parte superior do espelho indica respiração nasal e na parte inferior respiração bucal, nas duas partes respiração buco-nasal; • Teste da água na boca: onde com um pouco de água e os lábios em contato, a criança permanece sem engolir a água por três minutos. As crianças que não conseguirem permanecer com a água na boca podem ser consideradas como respiradores bucais. Na história do paciente portador de respiração bucal habitualmente tem-se: antecedentes de infecções repetidas de estruturas das vias aéreas superiores, alergias, traumas nasais. Na anamnese citam-se roncos, halitose, sono agitado, irritabilidade, falta de atenção e distúrbios posturais (SPINELLI; CASANOVA, 2002). 8 A SRB caracteriza-se por cansaço frequente, sonolência diurna, redução da força muscular (adinamia), baixo apetite, enurese noturna (micção noturna) e até déficit de aprendizado e atenção. É importante comparar achados de sonolência diurna, cefaléia, agitação noturna, enurese, problemas escolares e bruxismo, de acordo com os seguintes diagnósticos: rinite alérgica, hiperplasia adenoideana, hiperplasia adenomigdaliana. Para o diagnóstico de rinite alérgica é necessário que o paciente, além dos sintomas e sinais de história e exame físico característicos, tenha executado teste de hipersensibilidade cutânea positivo (DI FRANCESCO et al., 2004). Ianni Filho; Bertolini; Lopes (2006) asseguraram que como a SRB é de etiologia multifatorial, necessita, para o êxito no seu tratamento, além do diagnóstico precoce, da interação de profissionais especializados, conferindo ao tratamento um caráter multidisciplinar. O diagnóstico da SRB é clínico e cabe ao pediatra, que tem o primeiro contato com a criança, realizar uma anamnese detalhada, valorizando as informações sobre as manifestações clínicas. Os responsáveis quase não relatam espontaneamente distúrbios, como ronco, dormir de boca aberta, babar no travesseiro e coceira no nariz, por julgarem não ser importante (ABREU et al., 2008). O diagnóstico também pode ser realizado através da utilização da telerradiografia em norma frontal (póstero-anterior) que quantifica o aumento transversal da cavidade nasal. A nasofibroscopia tem revolucionado o método de diagnóstico, com a utilização de telescópio flexível, conectado a uma microcâmera e a uma fonte de luz por cabos de fibras ópticas, possibilitando a filmagem e a gravação de imagens obtidas da região bucofaringe e nasogaringe, permitindo uma visualização direta das tonsilas palatinas, cavidades nasais e tonsila faringeana, desta forma tendo uma maior exatidão no diagnóstico (JORGE et al., 2011). Características gerais da Síndrome do Respirador bucal Os pacientes portadores da SRB apresentam algumas alterações e características próprias, tais como: 9 • Alterações torácicas: tórax estreito, anéis costais salientes, moderada cifose dorsal, musculatura abdominal flácida (SPINELLI; CASANOVA, 2002). • Desvios posturais (Figura 1): cabeça projetada para frente; fechamento dos ombros; desequilíbrio da coluna; falta de tônus da musculatura facial (SPINELLI; CASANOVA, 2002; MENEZES; TAVARES; GRAVILLEGARCIA, 2009). A postura de cada indivíduo é determinada por cadeias musculares, faciais, ligamentos e estruturas ósseas que são interdependentes entre si e estão presentes em todo o organismo. Na postura ideal, há um equilíbrio entre as estruturas de suporte envolvendo uma quantidade mínima de esforço e sobrecarga com uma máxima eficiência do corpo (SILVA et al., 2007). Respirador nasal Respirador bucal Figura 1- Representação esquemática que mostra como o indivíduo se apresenta à medida que se intensifica a respiração bucal. Ele vai perdendo o centro de equilíbrio, o qual se situa cada vez mais anterior. A perda do centro de equilíbrio faz com que se produzam modificações em pontos susceptíveis do corpo, marcados no esquema pelos triângulos. FONTE- Lima, 2003 Alterações psíquicas: incapacidade de atender ou fixar atenção, inaptidão ao trabalho e esportes, sinais de irritação, mau-humor, sonolência, inquietude, desconcentração, agitação, ansiedade, medo, depressão, desconfiança, impulsividade (SPINELLI; CASANOVA, 2002; MENEZES, TAVARES, GRANVILLE-GARCIA, 2009). O perfil das crianças respiradoras bucais mostra fragilidade de personalidade que repercute na escola e na família. À noite as crianças apresentam sono agitado e pela manhã estão cansados devido ao sono que não foi aproveitado de forma eficaz, e não 10 querem sair da cama para estudar, ou ir à escola. Na escola tem muito sono, não conseguem se concentrar, e apresentam dificuldades no processo de aprendizagem, com isso, tem baixo rendimento escolar. (SPINELLI; CASANOVA, 2002; MENEZES; TAVARES; GRANVILLE-GARCIA, 2009). Características faciais (Figuras 2 e 3): face alongada e estreita, olhos caídos e inclinados, olheiras profundas, nariz pequeno com a pirâmide óssea excessivamente alargada, sulco naso-labial profundo, desvio do septo, selamento labial inadequado, lábios ressecados, lábio inferior volumoso, hipotônico, invertido, lábio superior curto e uma assimetria facial (SPINELLI; CASANOVA, 2002; MENEZES; TAVARES; GRANVILLE-GARCIA, 2009). FIGURA 2 – Paciente respirador bucal, apresentando a boca entreaberta, como o estreitamento das fendas nasais. FONTE- Lima, 2003 Figura 3 – Paciente respirador bucal apresentando hipotonia labial, olhos caídos, olheira profunda, rosto fino e alongado. FONTE- Cintra, 2000 Características intra-bucais (Figuras 4 e 5): maxila atrésica e palato ogival, protrusão de dentes ântero-superior, linguoversão de dentes ântero-inferior, muitas vezes apresenta Classe II, divisão 1ª de Angle, desarmonias oclusais, que incluem apinhamento, mordida aberta anterior, protrusão, mordida cruzada posterior, mucosa ressecada, podendo apresentar uma gengivite anterior marginal, palato estreito e ogival 11 (SPINELLI; CASANOVA, 2002; MENEZES; TAVARES; GRANVILLE-GARCIA, 2009; DURAN; FERRAZ, 2010). A B C FIGURA 4- Atresia maxilar(A); mordida cruzada posterior(B); mordida aberta anterior(C). FONTE: IanniFilho;Bertolini; Lopes, 2006 FIGURA 5- Classe II 1º divisão de Angle. FONTE- Freitas, 2009 Alterações das funções orais: mastigação ineficiente, levando a engasgos pela falta de coordenação da respiração com a mastigação e problemas digestivos, deglutição atípica, fala imprecisa, com excesso de saliva, sem sonorização, voz rouca e anasalada (COSTA, 1997). Alterações dos órgãos fonoarticulatórios: hipotrofia, hipotonia e hipofunção dos músculos elevadores da mandíbula, hipofunção dos lábios e bochechas, anteriorização da língua e propriocepção bucal alterada (COSTA, 1997; MENEZES; TAVARES; GRANVILLE-GARCIA, 2009). Costa (1997); Oliveira (2001); Abreu et al. (2008) acrescentaram ainda alterações como: sinusites, otites frequentes, olhar cansado, halitose e diminuição do paladar e do olfato, alterações do apetite, sede constante, diminuição da audição, ronco, coceira no nariz e presença de entupimento nasal diário. 12 Duran; Ferraz (2010) enfatizaram a presença de ronco noturno, apnéia, rinites, sinusites, bronquites, olheiras, perda de audição e otites, flatulência (gases), alterações de postura, de voz e na fala, criança ansiosa, sonolenta, déficit físico e mental. Alterações na oclusão: mordida aberta anterior, sobremordida profunda, mordida cruzada posterior, maloclusão classe II 1ª divisão de Angle (RIBEIRO et al.; 2002; ANDRADE et al.; 2005; DURAN.; FERRAZ, 2010). Tratamento da Síndrome do Respirador Bucal Segundo Christensen e Fields (1996) a respiração bucal é um assunto complexo, o principal problema está em identificar de maneira confiável os respiradores bucais. Alguns indivíduos parecem sê-lo devido à postura mandibular ou seus lábios incompetentes. É normal que entre os três e seis anos de idade, a criança apresente uma leve incompetência labial. A principal prevenção da SRB é a amamentação, pois esta nutre as necessidades emocionais e propicia o adequado desenvolvimento das estruturas do sistema estomatognático. Durante a amamentação a criança estabelece o padrão correto de respiração, mantém corretamente as estruturas bucais, facilitando a evolução do sugar para o mastigar. Estabelecimento de um bom vedamento labial, além de estímulos para o correto posicionamento mandibular, corrigindo o retrognatismo natural após o nascimento (OLIVEIRA, 2001). Segundo Lima (2003) a amamentação é uma das formas mais simples de prevenir a ocorrência da respiração bucal, proporcionando à criança alimento, proteção e estimulando seu crescimento fisiológico sem transtornos. O tratamento da respiração bucal será melhor quanto mais cedo se intervir, devido aos seus efeitos deletérios durante o processo do crescimento facial. Além de remover a causa direta da respiração bucal, o paciente deve ser submetido a uma reeducação da respiração e à readaptação da musculatura. Devem ser realizados exercícios para fortalecer toda a musculatura perioral, objetivando o vedamento labial, além de 13 exercícios que tonifiquem os músculos elevadores da mandíbula. Em geral esses pacientes também apresentam deglutição atípica e posicionamento lingual e labial incorretos, assim torna-se evidente a necessidade de reeducação da deglutição e exercícios de dicção (SPINELLI; CASANOVA, 2002). A atuação multidisciplinar na SRB é de extrema necessidade, pois trata-se de um quadro complexo, onde é necessária a intervenção de vários profissionais especializados (JUSTINIANO, 1996; OLIVEIRA, 2001; SPINELLI; CASANOVA, 2002; SIPOLATTI; DADALTO, 2003; DI FRANCESCO et al., 2004; IANNI FILHO; BERTOLINI; LOPES, 2006; ABREU et al., 2008): • Otorrinolaringologia: intervém com o tratamento clínico e/ou cirúrgico, eliminando a obstrução nasofaringeana, e quando a forma craniofacial possibilita o restabelecimento da função respiratória; • Odontopediatria: prevenção primária, acompanhando o desenvolvimento dos dentes, correção das desarmonias oclusais, auxílio no posicionamento da língua; • Ortodontia/ortopedia facial: importante na prevenção do crescimento facial desfavorável, monitorando o crescimento da face, e corrigindo os problemas de oclusão presentes; • Fonoaudiologia: responsável por trabalhar com a função muscular perioral, enfocando os distúrbios de linguagem, voz, audição e motricidade oral. Os problemas de motricidade oral devem ser tratados restabelecendo-se as posturas dos lábios, língua e mandíbula, melhorando a tonicidade da musculatura orofacial e as funções estomatognáticas de deglutição, mastigação e fala, restabelecendo a função respiratória e reensinando o paciente a respirar pela cavidade nasal; • Fisioterapia: correção dos distúrbios relacionados à postura. • Alergologia: Execução dos testes alérgicos e tratamento das rinites alérgicas. Orientações quanto a condições do quarto da criança (mobiliário, tapetes), uso de aspirador de pó, proibição do fumo dentro de casa e necessidade de execução da higiene nasal da criança; 14 • Pediatria: primeiro a ter contato com a criança. Pode diagnosticar logo ao nascimento, quando se usa a sonda nasogástrica, podendo verificar atresia parcial ou total das coanas, encontrando um ponto de resistência no procedimento de respiração, incentivo no aleitamento materno, orientação quanto a posição correta ao amamentar, orientação quanto ao uso racional da chupeta; • Psicologia: percepção de ansiedade, depressão, impulsividade e do déficit de aprendizado e atenção; • Psicopedagogia: percepção de alterações no comportamento da criança no ambiente escolar. De acordo com Lara; Silva (2007) os ortodontistas recebem muitos pacientes para tratamento de maloclusão dentária cuja etiologia está na respiração bucal. Para obtenção de sucesso no tratamento ortodôntico, o ortodontista deve reconhecer os efeitos sobre sua área de atuação e a necessidade de encaminhamento do paciente para o tratamento da etiologia da SRB. O cirurgião-dentista deve atuar diretamente na reabilitação dos respiradores bucais, buscando um entrosamento com outros profissionais para alcançar o objetivo final, que é o equilíbrio entre a forma e a função, sem nunca deixar de visualizar o paciente na sua totalidade (SANTOS; SANTOS; SANTOS, 2008). DISCUSSÃO Como ressaltado por Aragão (1988) e Sartori (2000) a Síndrome do Respirador Bucal ocorre pela substituição da respiração nasal pela bucal ou buco-nasal promovendo no indivíduo uma série de alterações em diversos segmentos e sistemas do organismo, levando a alterações no crescimento e desenvolvimento dentofacial. Podem ocorrer alterações torácicas, desvios posturais, alterações intra-bucais, alterações das funções orais e alterações órgãos fonoarticulatórios. Christensen e Fildes (1996) argumentaram que o problema principal no tratamento da SRB está na identificação de maneira correta dos pacientes portadores da mesma. 15 A identificação do paciente portador da SRB envolve vários profissionais de diversas áreas da saúde como pediatra, odontopediatra, ortodontista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, otorrinolaringologista, alergologista, bem como destacado por Justiniano (1996); Oliveira (2001); Spinelli; Casanova, (2002). Em se tratando da SRB o mais adequado seria a prevenção da ocorrência da mesma através de cuidados precoces, como amamentação correta propiciando desenvolvimento harmônico das estruturas do sistema estomatognático de acordo com Oliveira (2001) e Lima (2003). Spinelli; Casanova (2002) ressaltaram que o tratamento será melhor quanto mais cedo se intervir. Uma vez que a SRB é de etiologia multifatorial, Ianni Filho; Bertolini; Lopes (2006) asseguraram que o êxito do tratamento, além do diagnóstico precoce, necessita também da interação de profissionais especializados, conferindo ao tratamento um caráter multidisciplinar. Para Justiniano (1996); Oliveira (2001); Spinelle e Casanova (2002); Sipolatti e Dadalto (2003); Ianni Filho, Bertolini e Lopes (2006) há necessidade de envolvimento de profissionais da área de pediatria, otorrinolaringologia, fonoaudiologia, fisioterapia, alergologia e odontologia. E uma vez que os pacientes com a SRB podem apresentar um quadro de ansiedade, depressão, déficit de atenção, na equipe multidisciplinar, segundo Oliveira (2001) é importante a inclusão do psicólogo e no âmbito escolar o psicopedagogo. Santos; Santos; Santos (2008) asseguraram que o sucesso do tratamento da SRB dependerá do reconhecimento dos efeitos da síndrome sobre a área de atuação de cada profissional e dos encaminhamentos multidisciplinares. CONCLUSÕES Após a revisão da literatura podemos concluir em relação a Síndrome do Respirador Bucal: 16 • A etiologia multifatorial da SRB pode estar relacionada a condições obstrutivas, como hipertrofia faríngea ou palatal, hipotonia da musculatura elevadora da mandíbula, desvio do septo nasal, ou não obstrutivas, devido aos hábitos deletérios. • O diagnóstico deve combinar uma cuidadosa anamnese, seguida de um exame clínico minucioso, com atenção especial às possíveis alterações morfológicas congênitas. • Pode ocasionar um conjunto de alterações no crescimento e desenvolvimento dentofacial, além do possível aparecimento de alterações torácicas, desvios posturais, alterações das funções orais e alterações órgãos fonoarticulatórios. • Para o êxito de seu tratamento é importante realizar um diagnóstico precoce e promover a atuação e interação de profissionais especializados, conferindo um caráter multidisciplinar ao tratamento. ABSTRACT MULTIDISCIPLINARY ASPECTS OF MOUTH BREATHING SYNDROME The aim of this study was to review the literature about mouth breathing syndrome (MBS) showing the etiology, diagnosis, general characteristics, emphasizing the aspects multidisciplinary. This syndrome occurs when nasal breathing is replaced by mouth breathing or mixed, can cause a number of changes in dentofacial growth and development. The etiology may be related to obstructive conditions, such as adenoid hypertrophy or palate, hypotonia elevator muscle of the jaw, nasal septum deviation, or non-obstructive, due to harmful habits. For the diagnosis must combine a careful medical history, followed by a detailed physical examination with special attention the possible morphological congenital alterations. The mouth breathing syndrome becomes a multifactorial condition, requiring for the success of its treatment, early diagnosis, interaction and performance of skilled health professionals. Key-words: Chronic oral breathing. Multidisciplinary team. Treatment of the chronic oral breathing. 17 REFERÊNCIAS ABREU, R. R. et al. Etiologia, manifestações clínicas e alterações presentes nas crianças respiradoras orais. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 84, n. 6, p. 529-535, nov./dez. 2008. ANDRADE, F. V. de et al. Alterações estruturais de órgãos fonoarticulatorios e más oclusões dentarias em respiradores orais de 6 a 10 anos. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 7, n. 3, p. 318-25, jul./set. 2005 ARAGÃO, W. Respirador bucal. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 8, n. 64, p. 349-352, agosto 1988. CARVALHO, G. D. Síndrome do respirador bucal ou insuficiente nasal. Revista Secretários de Saúde, São Paulo, ano II, n.18, p. 22-24, julho 1996. CHRISTENSEN, J.; FIELDS, H. Hábitos bucais. In: PINKHAM. J. R. Odontopediatria da infância à adolescência. 2. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1996. p. 661. CINTRA, C. F. S. C.; CASTRO, F. F. M.; CINTRA, P. P. V. C. 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