1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIODIVERSIDADE TROPICAL
UNIFAP / EMBRAPA-AP / IEPA / CI-BRASIL
SUELIQUE DE SOUZA QUEIROZ
ECOLOGIA DE Lysapsus bolivianus (ANURA: HYLIDAE) NA ÁREA DE
PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO CURIAÚ, MACAPÁ, AMAPÁ, BRASIL.
Macapá - AP
2011
2
SUELIQUE DE SOUZA QUEIROZ
ECOLOGIA DE Lysapsus bolivianus (ANURA: HYLIDAE) NA ÁREA DE
PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO CURIAÚ, MACAPÁ, AMAPÁ, BRASIL.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Biodiversidade Tropical,
da Universidade Federal do Amapá, para
obtenção do Título de Mestre em
Biodiversidade
Tropical.
Área de Concentração: Ecologia
Orientador: Prof. Dr. Adrian Antonio Garda.
Macapá - AP
2011
3
SUELIQUE DE SOUZA QUEIROZ
ECOLOGIA DE Lysapsus bolivianus (ANURA: HYLIDAE) NA ÁREA DE
PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO CURIAÚ, MACAPÁ, AMAPÁ, BRASIL.
______________________________________________________________________
Orientador: Profº. Dr. Adrian Antonio Garda
Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte - UFRN
______________________________________________________________________
Examinador: Profº. Dr. Reuber Albuquerque Brandão
Departamento de Engenharia Florestal, Universidade de Brasília - UNB
______________________________________________________________________
Examinador: Profº. Dr. Marcos Tavares Dias
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (AP) - EMBRAPA Amapá
______________________________________________________________________
Examinador: Profº. Dr. Alan Cavalcanti da Cunha
Universidade Federal do Amapá - UNIFAP
4
Dedico este trabalho aos meus queridos pais
Jaime Viana de Queiroz e Antonia
Fernandes de Sousa, sinônimos do mais
simples e sólido sentimento - o amor
verdadeiro e pelo apoio concedido em todos
os momentos de minha vida.
Ao meu namorado e amigo Arthur de Souza
Colares, pelo carinho, amor, compreensão e
pela colaboração constante nas proveitosas
opiniões e na realização direta deste estudo.
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, que na sua infinita bondade me permitiu superar
todas as dificuldades, proporcionando-me forças para continuar essa caminhada durante esses
dois anos.
Ao Dr. Adrian Antonio Garda pelos ensinamentos, orientação e acompanhamento em
todas as fases deste estudo, que apesar da distância, não me abandonou em nenhum momento,
contribuindo em muito na minha formação.
Aos órgãos públicos do Estado do Amapá, Secretaria de Estado do Meio Ambiente –
SEMA e Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá - IEPA, pelos
apoios concedidos para realização deste estudo.
Aos órgãos públicos federais, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis – IBAMA e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
ICMBio pela licença concedida para realização deste trabalho.
À Universidade Federal do Amapá que contribuiu para minha formação e aos
professores do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical que direta ou
indiretamente contribuíram para a elaboração deste estudo.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela bolsa
de estudos concedida.
Ao professor e amigo MSc. Carlos Eduardo Costa de Campos pela ajuda com
informações pertinentes ao meu estudo, apoio às coletas de campo e pela amizade
estabelecida.
Aos meus amados pais Jaime Viana de Queiroz e Antonia Fernandes de Sousa, os
quais me apóiam em todos os momentos da minha vida e tenho como verdadeiro exemplo de
Educação, Amizade, Carinho e Amor.
Aos meus irmãos Javique, Antonique e Lunique de Sousa de Queiroz pelo apoio e
carinho em todos os momentos da minha vida. E aos demais familiares que direta ou
indiretamente ajudaram, ansiaram e torceram pela concretização deste ideal.
6
Ao namorado e amigo Arthur de Souza Colares por estar ao meu lado durante todo o
decorrer do curso (principalmente na execução direta deste estudo), sempre me
compreendendo, amando e apoiando em todos os momentos e incentivando para que eu nunca
desistisse dos meus objetivos, para assim crescermos juntos e solidificar a cada dia nosso
relacionamento de amor, amizade, respeito e admiração. Meus sinceros agradecimentos se
estendem aos demais membros da Família Colares, Afonso, Leni e Aline por todo apoio.
Aos meus amigos Huann Vasconcelos, Auridan Junior, Raimundo Nonato Junior,
Lorena Maniva, Willian Kalhy, Daniel Neves, Sérgio Filho, Viviane Amanajás, Rejane
Peixoto, Débora Arraes, Endrea Ariana e Israel Guedes pelo carinho, amizade e apoio durante
todo o curso, ajudando no que fosse possível para a conclusão de mais uma etapa da minha
vida com sucesso. E aos demais amigos que direta ou indiretamente sempre me incentivaram
em todas as minhas caminhadas e torceram pelas minhas conquistas.
Aos moradores da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, pela ótima recepção e
ajuda no trabalho de campo durante as visitas à área de estudo. Principalmente aos que
permitiram a pesquisa de campo em sua fazenda, Sr. Mateus Ramos da Costa e família.
7
“Os sapos são verdadeiros amigos, sendo
controladores do ecossistema, pois comem
insetos das casas, das plantações, das
hortas, as baratas, lagartas, cigarretes,
etc.”
Um Homem da Amazônia
8
LISTA DE FIGURAS
Pág.
Figura 1 - Macho de Lysapsus bolivianus em atividade de vocalização na Área
de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil .............................
16
ARTIGO I
Figura 1 - Lago da fazenda onde foram realizadas as coletas de dados durante o
período chuvoso.. ...................................................................................................
25
Figura 2 - Mapa dos limites da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú,
Macapá, Amapá, Brasil............................................................................................
26
Figura 3 - Ovos de Lysapsus bolivianus em laboratório ......................................... ..... 29
Figura 4 - Relação entre comprimento rostro-cloacal de fêmeas e diâmetro
médio dos ovos de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r² = 0,009; p = 0,626 ............................................ ..... 30
Figura 5 - Relação entre comprimento rostro-cloacal e tamanho da ninhada de
30 fêmeas de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r² = 0,017; p = 0,503. ...........................................
31
Figura 6 - Espectograma (acima) e sonograma (abaixo) para o canto A da
vocalização de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil ..............................................................................
33
Figura 7 - Frequência de pulsos concatenados do canto A, de acordo com a
posição durante o canto; N = 403 pulsos concatenados analisados ........................
34
Figura 8 - Espectograma (acima) e sonograma (abaixo) representando o canto B
da vocalização de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil..............................................................................
35
9
Figura 9 - Correlação de Spearmann entre o comprimento rostro-cloacal dos
machos e a freqüência dominante dos cantos A de Lysapsus bolivianus da Área
de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r = -0,4589; p =
0,0480. .........................................................................................................
36
Figura 10 - Correlação de Pearson entre o comprimento rostro-cloacal dos
machos e o número de pulsos dos cantos A de Lysapsus bolivianus da Área de
Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r = 0,353; p =
0,138. ..................................................................................................................... ..... 37
Figura 11 - Correlação de Pearson entre o comprimento rostro-cloacal dos
machos e a duração dos cantos A de Lysapsus bolivianus da Área de Proteção
Ambienal do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r = 0,096; p =
0,696...........................................................................................................
37
ARTIGO II
Figura 1 - Lago da fazenda onde realizamos as coletas de dados durante o
período chuvoso ..................................................................................................... ..... 52
Figura 2 - Mapa dos limites da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú,
Macapá, Amapá, Brasil........... ............................................................................... ..... 53
Figura 3 - Arena experimental utilizada para os testes de playback com fêmeas
de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá,
Amapá, Brasil .......................................................................................................
56
Figura 4 - Curva de acumulação de comportamentos da espécie Lysapsus
bolivianus na planície de inundação da fazenda Toca da Raposa, Área de
Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil ...................................
57
Figura 5 - Casal de Lysapsus bolivianus em amplexo na Área de Proteção
Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil .................................................
62
10
Figura 6 - Média do número de cantos (A e B) emitidos antes e depois do
experimento de playback realizado com 15 machos de Lysapsus bolivianus na
Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil ......................
64
Figura 7 - Comportamento chute com a perna (leg kicking) em Lysapsus
bolivianus da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá,
Brasil. Ilustração de Israel Guedes (acadêmico de Ciências Biológicas da
Universidade Federal do Amapá)......................................................................
67
Figura 8 - Comportamento “golpe com a cabeça” em Lysapsus bolivianus da
Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. Ilustração
de Israel Guedes. Ilustração de Israel Guedes.....................................................
67
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO GERAL .....................................................................................
14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................
17
ARTIGO I: Biologia reprodutiva de Lysapsus bolivianus Gallardo, 1961
(Anura: Hylidae) na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá,
Amapá, Brasil
19
ABSTRACT ......................................................................................................... ..... 20
RESUMO ............................................................................................................. ..... 22
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. ..... 23
2 MATERIAL E MÉTODOS .............................................................................. ..... 25
2.1 ÁREA DE ESTUDO ........................................................................................ ..... 25
2.2 METODOLOGIA ............................................................................................ ..... 27
2.2.1 Tamanho da ninhada .................................................................................. ..... 27
2.2.2 Relações de tamanho entre macho e fêmea ................................................ ..... 27
2.2.3 Tipos de cantos de Lysapsus bolivianus....................................................... ..... 28
3 RESULTADOS ................................................................................................. ..... 29
3.1 TAMANHO DA NINHADA ........................................................................... ..... 29
3.2 RELAÇÕES DE TAMANHO ENTRE MACHO E FÊMEA ............................ ..... 31
3.3 TIPOS DE CANTOS DE Lysapsus bolivianus ................................................. ..... 32
4 DISCUSSÃO ..................................................................................................... ..... 38
4.1 TAMANHO DA NINHADA ........................................................................... ..... 38
4.2 RELAÇÕES DE TAMANHO ENTRE MACHO E FÊMEA ............................ ..... 39
12
4.3 TIPOS DE CANTO DE Lysapsus bolivianus ................................................... ..... 41
5 CONCLUSÃO ................................................................................................... ..... 42
AGRADECIMENTOS ......................................................................................... ..... 42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ ..... 43
ARTIGO II: Comportamento social e acústico durante a atividade reprodutiva
de Lysapsus bolivianus Gallardo, 1961 (Anura: Hylidae) na Área de Proteção
Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil ................................................. .....
47
ABSTRACT ........................................................................................................ ..... 48
RESUMO ............................................................................................................. ..... 49
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................
50
2 MATERIAL E MÉTODOS ..............................................................................
52
2.1 ÁREA DE ESTUDO ........................................................................................
52
2.2 METODOLOGIA ............................................................................................
54
2.2.1 Etograma .....................................................................................................
54
2.2.2 Experimentos de playback ...........................................................................
55
2.2.2.1 Experimentos com fêmeas ..........................................................................
55
2.2.2.2 Experimentos com machos .........................................................................
56
3 RESULTADOS .................................................................................................
57
3.1 ETOGRAMA ...................................................................................................
57
3.2 EXPERIMENTOS DE PLAYBACK .................................................................
63
3.2.1 Experimentos com fêmeas ...........................................................................
63
3.2.2 Experimentos com machos ..........................................................................
63
13
4 DISCUSSÃO ....................................................................................................
65
4.1 ETOGRAMA ...................................................................................................
65
4.2 EXPERIMENTOS DE PLAYBACK .................................................................
69
4.2.1 Experimentos com fêmeas ...........................................................................
69
4.2.2 Experimentos com machos ..........................................................................
69
5 CONCLUSÃO ................................................................................................... ..... 71
AGRADECIMENTOS ......................................................................................... ..... 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ ..... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... ..... 76
14
INTRODUÇÃO GERAL
Nos últimos anos, o meio ambiente tem estado em destaque nas discussões mundiais,
devido à preocupação com a manutenção da biodiversidade no mundo, principalmente em
decorrência das alterações climáticas associadas a diversos fatores, tais quais, queimadas,
desmatamentos, poluição, entre outros (DIAS, 2009). Os anfíbios são elementos importantes
nas cadeias e teias ecológicas agindo como controladores de insetos e outros vertebrados
(STEBBINS e COHEN, 1995). Além disso, estes animais são bons indicadores biológicos e
ambientais, e, portanto necessitam de um ecossistema equilibrado para a sua sobrevivência
(STEBBINS e COHEN, 1995). Então, consequentemente são sensíveis a mudanças
ambientais, fator que nas últimas décadas tem refletido na redução e desaparecimento de
algumas espécies, provavelmente em decorrência da ação nociva do homem no meio
ambiente (STEBBINS e COHEN, 1995).
O gênero Lysapsus Cope, 1862 (Anura, Hylidae) atualmente compreende quatro
espécies: L. bolivianus Gallardo, 1961, L. caraya Gallardo, 1964, L. limellum Cope, 1862, e
L. laevis (Parker, 1935) (AGUIAR-Jr et al., 2007). Este gênero possui distribuição restrita à
América do Sul (GALLARDO, 1961) e as espécies L. limellum, L. bolivianus, L. caraya e L.
laevis estão distribuídas nas bacias do Paraná, Amazônica, Tocantins-Araguaia e nas Savanas
de Rupununi, respectivamente (GARDA et al., 2010). Estas espécies possuem adultos e larvas
de porte pequenos, com comprimento do corpo variando de 16 a 24 mm (GALLARDO, 1961;
GARDA et al., 2010) e são abundantes sobre a superfície da água em grandes planícies de
inundação, pois apresentam hábitos exclusivamente aquáticos. Reproduzem-se aparentemente
ao longo do ano todo (PRADO e UETANABARO, 2000; GARDA et al., 2007) e possuem
um canto de anúncio complexo (BARRIO, 1970; HÖDL, 1977; BOSCH et al., 1996).
Recentemente várias revisões taxonômicas têm sido feitas no grupo, com isso, a quase
totalidade dos estudos com as espécies do gênero Lysapsus concentra-se em L. limellum e L.
bolivianus. De acordo com a distribuição geográfica destas espécies, para L. limellum, são
encontrados três estudos na literatura (BARRIO, 1970; KEHR; BASSO, 1990; PRADO e
UETANABARO, 2000). Barrio (1970) abordou caracteres do canto de anúncio dos Pseudae,
descrevendo dentre outras espécies, o canto de L. limellum limellum da Província de Santa Fé
(Argentina). Kehr e Basso (1990) descreveram o girino de L. limellum coletado na Província
15
de Corrientes (Argentina) e Prado e Uetanabaro (2000) abordaram a biologia reprodutiva de
L. limellum no Pantanal (Brasil).
Algumas publicações para Lysapsus bolivianus são encontradas na literatura, (e.g.,
HÖDL, 1977; BOSCH et al., 1996; CARAMASCHI e NIEMEYER, 2004; VAZ-SILVA et
al., 2005; GARDA et al., 2007), porém, em sua maioria, a espécie é identificada como L.
limellum ou L. laevis, que posteriormente foram corretamente identificados como L.
bolivianus, de acordo as mudanças taxonômicas. Hödl (1977) descreveu o canto de L. l. laevis
da Amazônia Central. Bosch et al. (1996) descreveram o canto de L. l. bolivianus de Beni
(Bolívia). Caramaschi e Niemeyer (2004) descreveram o girino de L. laevis em uma
localidade do Estado de Roraima. Vaz-Silva et al. (2005) abordaram a dieta de L. laevis em
uma região do Estado do Pará e no estudo de Garda et al. (2007) com espécimes de L.
limellum do Estado do Amazonas e Pará são apresentados vários aspectos de sua ecologia, tais
como distribuição geográfica, dieta, reprodução, uso de habitat e atividade.
Estudos ainda são escassos para as demais espécies do gênero, porém os poucos
estudos existentes (e.g., BUSIN et al., 2006; AGUIAR-Jr et al., 2007; GARDA et al., 2010)
têm contribuído para o entendimento da história natural destas espécies.
Lysapsus bolivianus (Figura 1) é uma das espécies encontradas na Área de Proteção
Ambiental do Rio Curiaú (APA1 do Rio Curiaú), Unidade de Conservação localizada ao norte
de Macapá, capital do Estado do Amapá. Lysapus bolivianus é uma rã esverdeada, que vive
em superfícies de água no meio de vegetação emergente em agregações soltas (BOSCH et al.,
1996) e ocorre em altas densidades nesta APA. Seu comportamento, biologia reprodutiva e
vocalização são pouco conhecidas. O presente trabalho teve por objetivos: 1) caracterizar a
biologia reprodutiva da espécie, 2) descrever detalhadamente os tipos de cantos, 3) identificar
os comportamentos associados à atividade reprodutiva, 4) testar as respostas comportamentais
de fêmeas e machos de L. bolivianus.
Esta dissertação está dividida em dois capítulos em formato de artigos: “Biologia
reprodutiva de Lysapsus bolivianus Gallardo, 1961 (Anura: Hylidae) na Área de Proteção
Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil”, que trata de características relacionadas à
reprodução da espécie; e “Comportamento social e acústico durante a atividade reprodutiva de
Lysapsus bolivianus Gallardo, 1961 (Anura: Hylidae) na Área de Proteção Ambiental do Rio
16
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil”, que apresenta aspectos relacionados ao repertório
comportamental da espécie.
Figura 1 - Macho de Lysapsus bolivianus em atividade de vocalização na Área de Proteção Ambiental do Rio
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
Foto: Carlos Eduardo Costa Campos (Professor da Universidade Federal do Amapá, Curso Ciências Biológicas).
1
APA é uma área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos,
estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas,
e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a
sustentabilidade do uso dos recursos naturais (Art.15º, capítulo III, do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação – SNUC (BRASIL, 2000)).
17
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR-JR, O.; BACCI JR, M.; LIMA, A. P.; ROSSA-FERES, D. C.; HADDAD, C. F. B.;
RECCO-PIMENTEL, S. M. Phylogenetic relationships of Pseudis and Lysapsus (Anura,
Hylidae, Hylinae) inferred from mitochondrial and nuclear gene sequences. Cladistics, v. 23,
n. 5, p. 455–463, OCT 2007. ISSN 0748-3007. Disponível em: < <Go to
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BARRIO, A. Caracteres del canto nupcial de los pseudidos (Amphibia, Anura). Physis, v. 24,
n. 79, p. 511-515, 1970.
BOSCH, J.; DE LA RIVA, I.; MARQUEZ, R. The calling behaviour of Lysapsus limellus and
Pseudis paradoxa (Amphibia: Anura: Pseudidae). Folia Zoologica, v. 45, n. 1, p. 49-55,
1996.
BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Diário Oficial República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 jul. 2000.
BUSIN, C. S. et al. Chromosomal differentiation of populations of Lysapsus limellus
limellus, L. l. bolivianus, and of Lysapsus caraya (Hylinae, Hylidae). Micron, v. 37, n. 4, p.
355–362, 2006. ISSN 0968-4328. Disponível em: < <Go to ISI>://000238302000010
CARAMASCHI, U.; NIEMEYER, H. Descrição do girino de Lysapsus laevis (Parker), com
notas sobre o ambiente, hábitos e desenvolvimento (Anura, Hylidae, Pseudinae). Revista
Brasileira de Zoologia, v. 21, n. 3, p. 449-452, 2004.
DIAS, L. C. Análise da Importância do Estudo sobre Anuros. Disponível em:
http://anhanguera.edu.br/home/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=2
21&Itemid=191. Acesso em: 15 set. 2009.
GALLARDO, J. M. On the species of Pseudidae (Amphibia, Anura). Bulletin of the
Museum of Comparative Zoology, v. 125, n. 4, p. 109-134, 1961.
GARDA, A. A.; COSTA, G. C.; FRANÇA, F. G. R.; MESQUITA, D. O. Ecology of
Lysapsus limellum in the Brazilian Amazon river basin. Herpetological Journal, v. 17, p.
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GARDA, A. A.; SANTANA, D. J.; SÃO-PEDRO, V. A. Taxonomic characterization of
Paradoxical frogs (Anura, Hylidae, Pseudae): geographic distribution, external morphology,
and morphometry. Zootaxa, v. 2666, p. 1–28, 2010.
18
HÖDL, W. Call differences and calling site segregation in anuran species from central
Amazonia floating meadows. Oecologia, v. 28, n. 4, p. 351-363, 1977.
KEHR, A. I.; BASSO, N. G. Description of the tadpole of Lysapsus limellus (Anura:
Pseudidae) and some considerations on its biology. Copeia, v. 1990, n. 2, p. 573-575, 1990.
PRADO, C. P. A.; UETANABARO, M. Reproductive biology of Lysapsus limellum Cope,
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STEBBINS, R. C.; COHEN, N. W. A Natural History of Amphibians. Princeton
University Press. New Jersey. 316p, 1995.
VAZ-SILVA, W.; FROTA, J. G.; PRATES-JÚNIOR, P. H.; SILVA, J. S. B. Dieta de
Lysapsus laevis Parker, 1935 (Anura:Hylidae) do Médio Rio Tapajós, Pará, Brasil. Comum.
Mus. Ciênc. Tecnol. PUCRS, v. 18, n. 1, p. 3-12, 2005.
19
ARTIGO I
Biologia reprodutiva de Lysapsus bolivianus Gallardo, 1961 (Anura: Hylidae) na Área de
Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
20
Biologia reprodutiva de Lysapsus bolivianus Gallardo, 1961 (Anura: Hylidae) na Área de
Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
Suelique de Souza Queiroz1
Adrian Antonio Garda2
ABSTRACT
The reproductive biology of most Neotropical anuran species is poorly known.
Detailed information on the reproduction and advertisement calls of Lysapsus bolivianus
Gallardo, 1961 (Anura, Hylidae) has not been published, even though this specie is one of the
most conspicuous frogs along the Amazon River floodplain. We studied the reproductive
biology of L. bolivianus during one year (March of 2010 to February of 2011) in the Área de
Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brazil. We collected 30 couples in
amplexus and took them to the laboratory, where they spawned and allowed us to quantify
clutch size and reproductive effort. Furthermore, we recorded and analyzed the advertisement
calls of 20 males to describe vocal repertory and evaluate the relationships between snoutvent length (SVL) and advertisement call characteristics. Females are larger and heavier
females than males. There are no differences in SVL of males found in amplexus compared to
males found alone. However, that difference is presented in mass, in that males not coupled
they are heavier. Clutch size varied from 4 to 52 eggs and there was no correlation between
female size and number or diameter of eggs. We identified two call types: 1) call A,
preliminarily considered as the advertisement call; and 2) call B, less frequent than call A and
of function no certain. Male SVL and call dominant frequency were correlated. However, call
duration and numbers of pulses within the call were not correlated to male SVL. This suggests
that female choice may be influenced by the vocalization type, dominant frequency and
indirectly by males mass.
Key words: Lysapsus bolivianus, sexual dimorphism, reproduction, vocalization, Amazonian
Brazilian.
21
1-Universidade
Federal do
Amapá
(UNIFAP),
Programa de Pós-Graduação
em
Biodiversidade Tropical (PPGBio). E-mail: [email protected]
2-Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Centro de Biociências, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário – Lagoa Nova 59078-900 - Natal, RN
- Brasil. E-mail: [email protected]
22
RESUMO
Na região Neotropical são escassos estudos sobre a biologia reprodutiva de diversas
espécies de anuros. A reprodução e a vocalização de Lysapsus bolivianus Gallardo, 1961
(Anura, Hylidae) são pouco conhecidas. Nós estudamos a biologia reprodutiva de L.
bolivianus durante um ano (março de 2010 a fevereiro de 2011) em uma planície de
inundação situada na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
Coletamos 30 casais em amplexo e levamos ao laboratório para aferição de medidas (tamanho
e massa) e obtenção das desovas. Além disso, gravamos e analisamos a vocalização de 20
machos para descrever o repertório vocal e avaliar as relações entre comprimento de rostrocloacal (CRC) e características do canto de anúncio. Existe dimorfismo sexual com fêmeas
maiores e mais pesadas que os machos. Não há diferença no tamanho de machos acasalados e
não acasalados. No entanto, essa diferença é apresentada em massa, em que machos não
acasalados são mais pesados. O tamanho da ninhada variou de quatro a 52 ovos e não houve
correlação entre o tamanho das fêmeas e o número ou diâmetro dos ovos. Identificamos dois
tipos de canto: 1) canto A, considerado preliminarmente como de anúncio; e 2) canto B,
menos frequente que o canto A e de função não determinada. Houve correlação entre o
tamanho dos machos e a frequência dominante, porém, não houve correlação entre a duração
do canto e o número de pulsos com o tamanho destes indivíduos. Isso nos sugere que a
escolha das fêmeas é influenciada pelo tipo de vocalização, frequência dominante e
indiretamente pela massa dos machos.
Palavras chaves: Lysapsus bolivianus, dimorfismo sexual, reprodução, vocalização,
Amazônia brasileira.
23
1 INTRODUÇÃO
Um atributo essencial para a sobrevivência de qualquer espécie ou população é a
habilidade de produzir descendentes (DUELLMAN e TRUEB, 1986). As atividades
reprodutivas e de vocalização de um grande número de espécies sofrem interferência direta do
clima, principalmente através da temperatura e precipitação (MARTINS, 2009). Os anfíbios
(Ordens Urodela, Anura e Gymnophiona) estão entre os vertebrados tetrápodas mais
dependentes da umidade ambiental e a história natural das diferentes espécies é fortemente
influenciada pela distribuição e abundância de água, geralmente na forma de chuva
(McDIARMID, 1994).
Na região Neotropical existem poucos estudos sobre biologia reprodutiva de anuros.
Entretanto, estes estudos geram informações importantes sobre as estratégias reprodutivas,
modos reprodutivos, cortejo e outras características da biologia das espécies (e.g., BASTOS e
HADDAD, 1999; WOGEL et al., 2002; GIASSON, 2003; TOLEDO e HADDAD, 2005;
MENIN et al., 2004). Os anuros, em especial, despertam interesse dos pesquisadores devido
aos seguintes fatores: a presença destes animais em quase todo o planeta; a facilidade de
manuseio e, principalmente, por eles serem bons indicadores de equilíbrio ecológico (SILVA,
2004).
A comunicação sonora é um dos aspectos de grande relevância da reprodução, pois
influencia diretamente a biologia reprodutiva e o comportamento social de anuros (SALTHE
e MECHAN, 1974). A produção de sons por animais, particularmente dos anuros, através da
vocalização, tem como função primária anunciar a presença de um indivíduo a outros da
mesma espécie e, desse modo, contribuir para o reconhecimento entre indivíduos coespecíficos e evitar que espécies diferentes se acasalem e formem híbridos. Além disso,
contribui para delimitar territórios entre machos da mesma espécie, um aspecto do esforço
reprodutivo (DUELLMAN e TRUEB, 1986).
Diversos estudos têm mostrado que a comunicação sonora em anuros pode envolver
vários tipos de vocalizações utilizados em contextos sociais distintos. Esses contextos incluem
interações entre indivíduos, como atração das fêmeas, territorialidade, encontros agonísticos e
defesa (e.g., HADDAD, 1987; BASTOS e HADDAD, 1995; GUIMARÃES e BASTOS,
2003; LINGNAU et al., 2004). O tipo de vocalização mais comum dos anuros é o canto de
anúncio (“advertisement call”), que desempenha como principal função a atração de uma
24
parceira (canto de corte). Além desses, existem outros tipos de vocalizações usadas em
situações distintas, como o canto territorial (defesa territorial), o canto de agressão (interações
agonísticas entre machos), o canto de soltura, o canto de agonia e o canto de reciprocidade
(DUELLMAN e TRUEB, 1986; LIMA et al., 2008).
As vocalizações apresentam diversos componentes, tais como: o canto ou grupo de
cantos, a taxa de vocalizações (consiste na frequência de produção de cantos, medida em
cantos por minutos), a duração do canto, o número de notas, a taxa de repetição da nota, o
número de pulsos, a taxa de pulso, a frequência espectral (principais harmônicas: frequência
fundamental e frequência dominante), complexidade e intensidade (DUELLMAN e TRUEB,
1986). A variação desses componentes pode influenciar o comportamento social reprodutivo
dos anuros, pois influencia nas respostas comportamentais dos indivíduos. As vocalizações
auxiliam no reconhecimento das espécies pelo canto, e a análise de sonogramas pode ajudar a
identificar e descrever novas espécies (BERNARDE, 2006).
O gênero Lysapsus, pertencente à família Hylidae, foi descrito por Cope em 1862 e
atualmente compreende quatro espécies: L. bolivianus Gallardo, 1961, L. caraya Gallardo,
1964, L. limellum Cope, 1862, e L. laevis (Parker, 1935) (AGUIAR-Jr et al., 2007; GARDA e
CANNATELLA, 2007). Possui distribuição restrita à América do Sul (GALLARDO, 1961) e
as espécies estão distribuídas nas bacias do Paraná (L. limellum), Amazônica (L. bolivianus),
Tocantins-Araguaia (L. caraya) e nas Savanas de Rupununi (L. laevis) (GARDA et al., 2010).
Estas espécies possuem adultos e larvas de tamanhos pequenos, com comprimento corporal
variando entre 16 e 24 mm (GALLARDO, 1961; GARDA et al., 2010) e são encontradas em
abundância elevada. Vivem sobre a superfície da água em grandes planícies de inundação
associadas à vegetação aquática e apresentam hábitos exclusivamente aquáticos.
Reproduzem-se aparentemente ao longo do ano todo (PRADO e UETANABARO, 2000;
GARDA et al., 2007) e possuem um canto de anúncio complexo (BARRIO, 1970; HÖDL,
1977; BOSCH et al., 1996).
Não existem estudos sobre a reprodução de L. bolivianus ao longo do ano e pouco se
conhece sobre sua vocalização. Este estudo teve por objetivos: 1) verificar a ocorrência de
dimorfismo sexual; 2) investigar o efeito do tamanho das fêmeas no potencial reprodutivo; 3)
caracterizar a desova; e 4) descrever os tipos de canto.
25
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 ÁREA DE ESTUDO
Realizamos este estudo entre março de 2010 e fevereiro de 2011, em uma planície de
inundação situada na Fazenda Toca da Raposa (coordenadas: latitude 00º 09’ 00.7” e
longitude 051º 02’ 18.5”) (Figura 1), localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio
Curiaú (Figura 2), uma das Unidades de Conservação do Estado do Amapá, localizada ao
norte no Município de Macapá, capital do Estado do Amapá. Esta APA, amparada pela Lei
Estadual n.º 0431, de 15 de setembro de 1998 e criada através do Decreto Estadual n.º 1417,
de 28 de setembro de 1992, apresenta área de aproximadamente 21.676 hectares, limita-se a
leste com o Rio Amazonas, a norte/nordeste com o igarapé Pescada e o ramal que liga a
Estrada Estadual AP-070 à BR-210, a oeste limita-se com a Estrada de Ferro do Amapá e a
rodovia BR-156 e ao sul com uma linha seca de latitude 00º 06’N e com a cidade de Macapá
(AMAPÁ, 2009).
Figura 1 - Lago da fazenda onde foram realizadas as coletas de dados durante o período chuvoso.
Fotos: Arthur de Souza Colares.
26
Figura 2 - Mapa dos limites da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
Mapa: Raimundo Nonato Gomes Mendes Júnior. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio.
A APA do Rio Curiaú, localizada a 5 km do perímetro urbano de Macapá, é
caracterizada predominantemente por três tipos de ecossistemas: áreas de floresta de várzea,
campos inundáveis e cerrados (SILVA, 2002; AMAPÁ, 2010). Os campos inundáveis ou
planícies de inundação são ambientes que têm seu regime de inundação relacionado aos níveis
de precipitação das chuvas. Os campos inundáveis correspondem às áreas deprimidas das
várzeas que são submetidas à inundação periódica pelo Rio Curiaú, por lagos temporários e
canais de drenagem (AMAPÁ, 2010).
Sua flora é caracteristicamente herbácea com
predominância de macrófitas aquáticas (SILVA, 2002; AMAPÁ, 2010).
O clima na região de Macapá é o equatorial úmido (IBGE, 2009) e a temperatura
média anual é de 27ºC, com precipitação anual de aproximadamente 2.600 mm (SOUZA e
CUNHA, 2010). No Amapá, a estação chuvosa ocorre de dezembro a maio (verão e outono),
porém o período mais chuvoso ocorre no outono (março a maio), enquanto que a estação seca
ocorre de junho a novembro (inverno e primavera) com o período mais seco ocorrendo na
primavera (setembro a novembro) (SOUZA e CUNHA, 2010).
27
Desta forma, como nessa região são apresentadas apenas duas estações “bem
definidas” que são o período chuvoso e a estiagem, os campos inundáveis “sofrem uma
variação constante ao longo do ano”, entre o período mais seco e o de maior precipitação
pluviométrica, sendo observado um ressecamento quase completo no período da estiagem e
uma enchente máxima no pico do período chuvoso (AMAPÁ, 2010).
2.2 METODOLOGIA
2.2.1 Tamanho da ninhada
Para caracterizar o esforço reprodutivo das fêmeas (fecundidade), coletamos
manualmente trinta casais em amplexo durante o período noturno na área de estudo, de acordo
com a licença Nº 23117-1 expedida pelo SISBIO/ICMBio. Cada casal foi acondicionado em
sacos plásticos com água e levados ao laboratório para obtenção da desova em cativeiro.
Esses casais permaneciam no saco plástico durante a madrugada em ambiente escuro do
laboratório, sendo retirados pela manhã para os demais procedimentos.
As desovas foram retiradas dos sacos plásticos pela manhã e acondicionadas em
recipientes com formol a 5% para sua fixação e preservação. Posteriormente, para cada
desova quantificamos o número de ovos (tamanho da ninhada) e medimos uma amostra de 20
ovos por ninhada com ocular milimetrada em um microscópio estereoscópico Zeiss modelo
Stemi 2000-C. As ninhadas que continham menos de 20 ovos, todos foram medidos. As
fêmeas foram depois dissecadas para confirmar se ainda existiam ovos nos ovidutos.
Para investigar o efeito do tamanho das fêmeas no potencial reprodutivo, relacionamos
o comprimento rostro-cloacal (CRC, em mm) de fêmeas com o número de ovos por ninhada
através de Regressão Linear Simples, através do programa BioEstat 5.0 (AYRES et al., 2007).
Aplicamos este mesmo teste para verificar se existia relação entre o diâmetro dos ovos e o
CRC das fêmeas.
2.2.2 Relações de tamanho entre macho e fêmea
Medimos o CRC e a massa corpórea (em g) dos espécimes capturados em amplexo
com auxílio de paquímetro digital e balanças de precisão. Após esta etapa, os animais foram
28
mortos com pomada anestésica (lidocaína 5%), e fixados com formalina a 10% durante 24
horas. Após este período foram transferidos para álcool 70%. Todo material coletado foi
incorporado à coleção de fauna do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado
do Amapá (IEPA).
Para verificar a existência de dimorfismo sexual (sexo, variável independente) em
relação ao tamanho (variável dependente) e massa (variável dependente) do corpo de machos
e fêmeas em amplexo, aplicamos o teste paramétrico de t – Student através do programa
BioEstat 5.0 (AYRES et al., 2007).
Para avaliar se a escolha de parceiros pelas fêmeas é baseada em tamanho, testamos a
correlação entre massa e CRC dos machos e das fêmeas em amplexo usando a Correlação
Linear de Pearson. E ainda verificamos se existia diferença entre CRC e massa dos machos
acasalados (em amplexo) e dos machos não acasalados, aplicando o teste t-Student.
Para os testes estatísticos, testamos a Normalidade dos dados por Shapiro-Wilks
(AYRES et al., 2007), e quando necessário, foram submetidos à normalização. Apresentamos
os dados como média ± desvio padrão, variação e tamanho da amostra (N) e em todos os
testes estatísticos adotamos o nível de significância de 5%.
2.2.3 Tipos de canto de Lysapsus bolivianus
Para identificar e descrever os parâmetros acústicos e os tipos de vocalização dos
machos adultos de L. bolivianus, gravamos 20 indivíduos durante um período de 5min cada,
utilizando um gravador digital Marantz PMD 670 e um microfone direcional Senheiser
ME67, a uma distância aproximada de 5 m. Medimos as temperaturas do ar e da água com
auxílio de termômetro no momento da gravação. Após cada gravação, coletamos
manualmente o indivíduo registrado, acondicionamos em saco plástico com água, etiquetamos
estes sacos e transportamos para o laboratório para aferição de medidas (CRC e massa do
corpo). Em seguida matamos cada indivíduo com pomada anestésica (lidocaína 5%), fixamos
com formalina a 10% durante 24 horas e conservamos em álcool 70%.
As vocalizações foram analisadas através do programa Raven 1.2.1. Os parâmetros
usados para caracterização dos cantos foram: 1) frequência dominante, 2) número de pulsos,
3) duração do canto (notas), 4) número de cantos, e 5) presença de pulsos concatenados. Os
29
tipos diferentes de cantos foram caracterizados com base nesses parâmetros. Foram
produzidos sonogramas e espectrogramas no Raven.
Para analisarmos a relação das variáveis do canto (frequência dominante, número de
pulsos e duração do canto) com o CRC dos machos, verificamos a normalidade dos dados
através do teste de Shapiro-Wilks, sendo indicada a logaritmização apenas da frequência
dominante. Como estes dados permaneceram não-paramétricos, utilizamos a Correlação de
Spearmann para correlação desta com o CRC. Ainda considerando Shapiro-wilks, o CRC, o
número de pulsos e a duração do canto foram considerados paramétricos. Para estes dados
utilizamos a Correlação Linear de Pearson (AYRES et al., 2007).
3 RESULTADOS
3.1 TAMANHO DA NINHADA
Os ovos de Lysapsus bolivianus apresentam cor variando entre marrom-claro a
marrom-escuro, com pólo vegetativo esbranquiçado. São envoltos por uma massa gelatinosa
clara (transparente) e espessa, a qual protege e une os ovos da ninhada (Figura 3).
Figura 3 - Ovos de Lysapsus bolivianus em laboratório.
A
B
Fotos: A - Suelique de Souza Queiroz; B – Huann Carllo Gentil Vasconcelos.
30
Fêmeas de L. bolivianus coletadas em amplexo depositaram em média 19,5 ovos (4-52
ovos) em laboratório. O diâmetro médio dos ovos foi de 1,8 mm (1,4-2,5 mm; N = 496) e não
foi influenciado pelo CRC das fêmeas (r² = 0,009; F1,29 = 0,25; p = 0,626; N = 30) (Figura 4).
O tamanho da ninhada também não foi influenciado pelo CRC de fêmeas (r² = 0,017; F1,29 =
0,47; p = 0,503; N = 30), ou seja, a quantidade de ovos depositados independe do tamanho da
fêmea (Figura 5).
Figura 4 - Relação entre comprimento rostro-cloacal de fêmeas e diâmetro médio dos ovos de Lysapsus
bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r² = 0,009; p = 0,626.
31
Figura 5 - Relação entre comprimento rostro-cloacal e tamanho da ninhada de 30 fêmeas de Lysapsus bolivianus
na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r² = 0,017; p = 0,503.
3.2 RELAÇÕES DE TAMANHO ENTRE MACHO E FÊMEA
O tamanho médio das fêmeas foi de 20,0± 1,08 mm (18-23 mm), enquanto o tamanho
médio dos machos foi de 17,4 ± 1,17 mm (15-20,3 mm). As fêmeas foram significativamente
maiores que os machos (t = 9,048, GL = 29; p < 0,0001, N = 30) e os machos da espécie
também foram mais leves que as fêmeas (t = 9,027; GL = 29; p < 0,0001; N = 30). O peso
médio das fêmeas foi de 0,830 ± 0,109 (0,7-1,1 g) e dos machos foi de 0,537 ± 0,140 (0,1-0,8
g).
Não existiu relação entre CRC (r = 0,009; p = 0,963; N = 30) ou a massa (r = -0,007; p
= 0,972; N = 30) de machos e fêmeas em amplexo. Não existiu diferença de CRC entre
machos acasalados (17,37 ± 1,37 mm; N = 30) e machos não acasalados (17,65 ± 0,936 mm;
N = 32) (t = -1,017; GL = 60; p = 0,313). No entanto, ocorreu diferença entre massa de
machos acasalados (0,537 ± 0,020 g; N = 30) e machos não acasalados (0,622 ± 0,010 g; N =
32) havendo diferença significativa (t = -2,762; GL = 60; p = 0,008), em que machos
acasalados são mais leves que os não acasalados.
32
3.3 TIPOS DE CANTO DE Lysapsus bolivianus
Machos de Lysapsus bolivianus vocalizaram em todos os meses ao longo do ano, com
uma diminuição no tamanho do coro em noites claras e durante os meses da estação seca,
principalmente em outubro e novembro. A atividade de vocalização realizou-se ao longo do
dia e da noite, porém no turno da noite a atividade intensificava-se, iniciando ao pôr-do-sol e
com uma diminuição após as 22 horas.
Caracterizamos dois tipos de canto diferentes para a espécie. O canto A e o B. Ambos
são bastante variáveis e irregulares.
O canto A é o canto de anúncio da espécie, constituído por vários pulsos individuais e
concatenados (unidos) (Figura 6). Em média, o canto A é composto por 10 pulsos, com tempo
de duração de 0,213 s e apresenta frequência dominante de 4728,9 Hz (Tabela 1). Os pulsos
concatenados foram variáveis em número e posição durante o canto, e foram mais
encontrados na posição 3/4 com 70 pulsos, posição 1/2 com 66 pulsos e 2/3 com 52 pulsos
(Figura 7).
33
Figura 6 -Espectograma (acima) e sonograma (abaixo) para o canto A da vocalização de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá,
Brasil.
34
Figura 7 - Frequência de pulsos concatenados do canto A, de acordo com a posição durante o canto; N = 403 pulsos concatenados analisados.
35
Figura 8 -Espectograma (acima) e sonograma (abaixo) representando o canto B da vocalização de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú,
Macapá, Amapá, Brasil.
36
O canto B apresenta uma divisão em duas subunidades X e Y (Figura 8). O canto B
apresenta frequência dominante em média 4755,6 Hz; 0,164 s de duração e aproximadamente
17 pulsos. A subunidade X tem duração de 0,052 s apresentando uma frequência dominante
de 4397,6 Hz e em média 10 pulsos. A subunidade Y tem em média 7 pulsos, com duração de
0,036 s e frequência dominante de 4767,2 Hz (Tabela 1).
Houve relação entre o tamanho (CRC) dos machos e a frequência dominante dos
cantos A (rs = -0,459; p = 0,048; N = 19) (Figura 9). Diferentemente, o número de pulsos (r =
0,353; p = 0,138; N = 19) (Figura 10) e a duração do canto (r = 0,096; p = 0,696; N = 19)
(Figura 11) não foram significativamente influenciados pelo tamanho do corpo.
Figura 9 - Correlação de Spearmann entre o comprimento rostro-cloacal dos machos e a frequência dominante
dos cantos A de Lysapsus bolivianus da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r =
-0,4589; p = 0,0480.
37
Figura 10 - Correlação de Pearson entre o comprimento rostro-cloacal dos machos e o número de pulsos dos
cantos A de Lysapsus bolivianus da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r =
0,353; p = 0,138.
Figura 11 - Correlação de Pearson entre o comprimento rostro-cloacal dos machos e a duração dos cantos A de
Lysapsus bolivianus da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. r = 0,096; p =
0,696.
38
Tabela 1 - Características dos parâmetros acústicos das vocalizações (n = 20 indivíduos; 175 cantos A; 147
cantos B) de Lysapsus bolivianus da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. Dados
de média ± desvio padrão; (amplitude).
Parâmetros
acústicos
Canto A
Canto B
Total
4755,6 ±
Frequência
4728,9 ± 433,9
234,34
dominante (Hz)
(86,1-5168)
(3789,85340,2)
Número de pulsos
Duração do canto
(s)
Número de cantos
Subunidade X
4397,59 ±
671,41
(2411,7-5254,1)
Subunidade Y
4767,2 ± 240,90
(3789,8-5340,2)
10,41 ± 2,57
16,75 ± 5,91
9,79 ± 3,88
6,96 ± 4,28
(6-20)
(8-41)
(2-20)
(2-28)
0,213 ± 0,044
0,164 ± 0,072
0,052 ± 0,031
0,036 ± 0,023
34,15 ± 37,01
21,2 ± 21,64
(2-140)
(4-70)
-
-
4 DISCUSSÃO
4.1 TAMANHO DA NINHADA
O tamanho da ninhada de L. bolivianus não foi positivamente relacionado com o CRC
de fêmeas. Assim, o tamanho das fêmeas parece não influenciar no número de ovos
depositados. Este resultado não era esperado e corroborou com o estudo de Garda et al.
(2007) para L. bolivianus na Bacia Amazônica brasileira, porém, diferiu do estudo de Prado e
Uetanabaro (2000), em que o tamanho da ninhada de L. limellum no Pantanal foi
positivamente relacionado ao CRC das fêmeas. Um fator que pode estar influenciando o
resultado obtido é o modo de ovoposição, que talvez possa estar ocorrendo em pequenos
pacotes isolados, durante o amplexo. Assim, as fêmeas podem estar espalhando a desova
durante o amplexo como ocorre com algumas espécies de anuros que apresentam amplexo
axilar, principalmente em muitos hilídeos de zona temperada, inclusive para Pseudacris na
América do Norte, que é ecologicamente similar a Lysapsus (WELLS, 2007). Além disso, é
possível que as fêmeas coloquem mais de uma ninhada por ano e que a primeira ninhada seja
a maior de todas e relacionada ao tamanho do corpo, enquanto as ninhadas subsequentes não.
Ambas alternativas são possíveis porque a maior ninhada que obtivemos em laboratório é bem
menor do que as maiores registradas por Prado e Uetanabaro (2000) e Garda et al. (2007).
39
As fêmeas de L. bolivianus também podem produzir uma quantidade maior de ovos
nos períodos do ano com melhores condições ambientais, como verificado por Prado e
Uetanabaro (2000) para L. limellum, de modo que uma porcentagem maior de sua prole
sobreviva (GIASSON, 2003). Entretanto, a relação entre o tamanho da desova e o período do
ano ou parâmetros ambientais, carece de uma investigação em L. bolivianus, bem como
observado em Hypsiboas albomarginatus na Mata Atlântica (GIASSON, 2003).
4.2 RELAÇÕES DE TAMANHO ENTRE MACHO E FÊMEA
As fêmeas de L. bolivianus são maiores e mais pesadas que os machos, evidenciando o
dimorfismo sexual. Este resultado já era esperado, pois na maioria das espécies de
anuros(cerca de 90%) as fêmeas são maiores que os machos (SHINE, 1979) e corrobora com
alguns estudos para espécies do mesmo gênero (PRADO e UETANABARO, 2000; GARDA
et al., 2007) e para outras espécies de anuros (e.g., GIASSON, 2003; TOLEDO e HADDAD,
2005; GIASSON e HADDAD, 2007; MARTINS, 2009). Existem várias razões para este
dimorfismo. Uma explicação mais usual é que machos sofrem mortalidade maior (maior
pressão de predação) que fêmeas, assim raramente vivem bastante para atingirem um tamanho
maior (SHINE, 1979). Provavelmente os machos são mais vulneráveis pela sua atividade de
vocalização, que atraem os predadores (TUTTLE e RYAN, 1981). Outra causa pode estar
ligada a restrições ao crescimento de machos devido a demandas energéticas ligadas à
atividade reprodutiva. Por outro lado, fêmeas maiores são capazes de produzir óvulos maiores
ou em maior quantidade (PRADO e UETANABARO, 2000; RODRIGUES et al., 2003).
A hipótese levantada por Shine (1979), onde espécies em que machos defendem
território, os machos tendem a serem maiores que as fêmeas, é refutada em nosso estudo, pois
os machos de L. bolivianus entram em confrontos físicos. No entanto, as fêmeas são maiores,
assim como observado por Giasson (2003).
Nossos resultados sugerem que as fêmeas não fazem escolhas de parceiros com base
no tamanho (CRC). Porém, é provável que exista escolha das fêmeas baseada em peso dos
machos associado à frequência dominante do canto de anúncio, pois machos acasalados foram
mais leves que machos não acasalados. Talvez as fêmeas evitem machos muito pesados,
podendo limitar o sucesso do amplexo sobre a água (ROBERTSON, 1986, 1990). Com base
no peso dos machos, podemos explicar o fato da desova ser pequena. Segundo Robertson
40
(1990) machos leves têm quantidades significativamente menores de esperma do que machos
mais pesados. Isso nos sugere que os machos que acasalaram, por serem mais leves, poderiam
não ter esperma suficiente para fecundação de todos os óvulos das fêmeas, uma explicação
igualmente sugerida para H. albomarginatus (GIASSON, 2003).
Halliday (1983) sugere que a formação dos casais é determinada principalmente pela
disputa entre machos, questionando qualquer tipo de escolha exercida por fêmeas em anuros.
Nesta hipótese podemos aceitar a influência da disputa entre os machos para a formação de
casais, mas não podemos deixar de considerar que exista escolha realizada pelas fêmeas,
principalmente pela vocalização, pois existem indícios de que as fêmeas escolhem seus
parceiros pelo tipo de vocalização emitida (Ver artigo 2). Esta escolha pode estar associada a
caracteres da vocalização, pois a faixa de frequência do canto de anúncio pode ser um dos
mecanismos usado pelas fêmeas para identificar o tamanho dos parceiros reprodutivos
(GIASSON, 2003). A frequência dominante foi significativamente correlacionada com o CRC
dos machos de L. bolivianus, porém não encontramos correlação entre as outras variáveis do
canto de anúncio e tamanho do corpo dos machos. Desta forma, a frequência do canto pode
indicar um bom parceiro para o acasalamento, não necessariamente o maior indivíduo, e ainda
pode demonstrar o potencial de um oponente para disputas físicas (GIASSON, 2003). Isso
nos leva a considerar que fêmeas escolhem seus parceiros pelo tipo de vocalização e a
frequência dominante pode demonstrar o porte deles.
Além disso, a estrutura do coro pode também influenciar a escolha das fêmeas por
machos. Em anuros com reprodução prolongada, machos que se apresentam em muitas noites
tem mais chances de encontrarem fêmeas do que os que estão presente em apenas algumas
noites (WELLS, 2007). Isto foi registrado em muitas espécies de anuros, as quais
apresentaram uma correlação positiva entre a duração e frequência de machos no coro e o
sucesso reprodutivo (GUIMARÃES e BASTOS, 2003; GIASSON e HADDAD, 2006).
Provavelmente, o que mais dita o sucesso reprodutivo dos machos é a maior assiduidade deles
no coro, pois nesta espécie a atividade de vocalização ocorre durante o ano todo e o dia todo,
então quem canta mais tem mais chances de reproduzir. Essa hipótese, entretanto, ainda
precisa ser avaliada.
41
4.3 TIPOS DE CANTO DE Lysapsus bolivianus
O canto de anúncio de Lysapsus bolivianus de Beni (Bolívia) foi descrito por Bosch et
al. (1996), a partir de 13 cantos analisados de um único indivíduo. Este canto apresenta uma
série de pulsos rápidos (duração média 0,0004 s), que variaram entre 2 e 13 pulsos, emitidos
em intervalos irregulares. Os pulsos tiveram frequências dominantes entre 2250 e 3700 Hz e
foram emitidos em grupos de pulsos com uma duração média de 1,5416 s. Esta descrição não
coincide com a de nosso estudo, pois a frequência dominante registrada por nós é bem maior
(4728,9 ± 433,9) que a apresentada por Bosch et al. (1996). O número de pulsos também
supera o deles (6 a 20), porém a duração do canto no estudo deles supera o registrado em
nosso estudo (0,213s). O canto de L. bolivianus de Beni é mais longo que o emitido por L.
bolivianus da APA do Rio Curiaú. Além disso, Bosch et al. (1996) indicam que o canto é
irregular e nenhum padrão pode ser reconhecido.
Igualmente ao estudo de Bosch et al. (1996), Barrio (1970) descreveu o canto de L.
limellum da Província de Santa Fé (Argentina) e os resultados foram semelhantes, com a
frequência dominante não ultrapassando 4000 Hz. Barrio (1970) descreveu o canto da espécie
como o mais agudo dentre as demais do gênero e a estrutura do canto como “variado e
irregular, não só relativo à falta de periodicidade de cada som, mas também na estrutura de
cada nota”, composta por 3 a 6 pulsos. Esta descrição pôde ser observada também neste
estudo, diferindo apenas a quantidade de pulsos, pois o canto é também irregular e variado, o
que o torna complexo e de difícil análise e caracterização.
Em suma, nos estudos anteriores com Lysapsus não foi possível identificar a
existência de mais de um tipo de canto, como identificamos. Porém, Hödl (1977), descreveu o
canto de L. bolivianus na Amazônia Central e registrou uma estrutura variável de canto, mas
uma frequência dominante variando entre 4500 e 5600 Hz. Assim, L. bolivianus é a espécie
com canto mais agudo que L. limellum.
Até o momento, não existe registro de descrição do canto B, assim como não há
descrição minuciosa do canto A. O canto B apresenta características semelhantes ao canto A
por ser variado e irregular e pelo número de pulsos parecidos, mas difere por ter duração
menor, ou seja, é um canto mais rápido e pode ser diferenciado principalmente pela sua
subdivisão, por apresentar estrutura complexa, formada por duas subunidades distintas. Além
42
disso, o canto B é mais agudo que o canto A, e provavelmente atua na defesa de território do
macho, mas não confirmamos esta função.
A estrutura dos cantos descritos para as espécies do gênero Lysapsus é muito
complexa, variável e irregular.Além disso, os cantos de diferentes populações são difíceis de
serem comparados porque as descrições anteriores foram imprecisas. Por isso, em alguns
aspectos parecem ser bastante semelhante e em outros, totalmente diferentes, o que nos
impossibilita de uma melhor comparação entre elas e até mesmo diferenciação específica.
5 CONCLUSÃO
Lysapsus bolivianus é uma espécie que apresenta reprodução ao longo do ano todo.
Exibe dimorfismo sexual em tamanho e peso. O tamanho do corpo das fêmeas não tem
influência no potencial reprodutivo e a desova é relativamente pequena, mas com ovos de
diâmetro maior que o descrito para outras espécies e populações. Nesta espécie não há escolha
de parceiros através de tamanho (CRC), mas através de massa e característica do canto
(frequência dominante). São descritos para a espécie dois tipos de canto, sendo um deles o
canto de anúncio e este apresenta frequência dominante influenciada pelo tamanho do corpo
do macho cantor. Com estes resultados, apresentamos aspectos anteriormente pouco
conhecidos da biologia reprodutiva de L. bolivianus, incluindo um melhor conhecimento da
sua vocalização.
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa
de estudos concedida. À Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), ao Instituto de Pesquisa
Científica e Tecnológica do Estado do Amapá (IEPA), à Secretaria de Estado do Meio
Ambiente (SEMA-AP) e ao IBAMA-AP/ICMBio pelos apoios concedidos para este estudo.
Ao Dr. Adrian Garda pela orientação e colaboração durante o estudo, aos colegas MSc. Carlos
Eduardo Campos, Esp. Arthur Colares, e biólogos Huann Vasconcelos e Auridan Padilha pela
colaboração na coleta e análise de dados, e ao proprietário da fazenda Sr. Mateus Ramos e
família pela ajuda durante a execução deste estudo.
43
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47
ARTIGO II
Comportamento social e acústico durante a atividade reprodutiva de Lysapsus
bolivianus Gallardo, 1961 (Anura: Hylidae) na Área de Proteção Ambiental do Rio
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
48
Comportamento social e acústico durante a atividade reprodutiva de Lysapsus
bolivianus Gallardo, 1961 (Anura: Hylidae) na Área de Proteção Ambiental do Rio
Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
Suelique de Souza Queiroz1
Adrian Antonio Garda2
ABSTRACT
More than 50% of anuran species occur in the Neotropics. However, most of these
species lack any information on their reproductive behavior. We studied the reproductive
behavior of Lysapsus bolivianus associated with reproductive activity, between March 2010
and February 2011, in the Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá,
Brazil. We directly observed the species behavior using several methods (ad libitum, scan
sampling, all the occurrences and sequence) to elaborate an ethogram with the species most
conspicuous behaviors. We conducted playback experiments with females in an artificial
arena and with males in natural environment to characterize the function of call types and to
describe behavior responses after playbacks. We registered 24 behaviors for L. bolivianus,
mostly related to courtship and territorial behavior. The playback experiment with females
showed that the call A, the advertisement call, is more attractive. For males, playback
broadcasting was followed by reciprocal answers of the receiving male. However, after the
emission stopped, most males reduced calling activity to rates lower then observed prior to
playback.
Key words: Lysapsus bolivianus, vocalization, playback test, behavior, Amazonian brazilian.
1-Universidade
Federal do
Amapá
(UNIFAP),
Programa de Pós-Graduação
em
Biodiversidade Tropical (PPGBio). E-mail: [email protected]
2-Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Centro de Biociências, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário – Lagoa Nova 59078-900 - Natal, RN
- Brasil. E-mail: [email protected]
49
RESUMO
Na região Neotropical encontram-se mais de 50% das espécies de anfíbios anuros
conhecidas. Porém, grande parte destas espécies ainda não tem seu comportamento
reprodutivo estudado. Estudamos o comportamento de Lysapsus bolivianus associado à
atividade reprodutiva entre março de 2010 e fevereiro de 2011 em uma planície de inundação
situada na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. Para as
observações diretas comportamentais da espécie usamos os métodos ad libitum, varredura
(scan sampling), todas as ocorrências e sequência. Em seguida, elaboramos um etograma com
os principais tipos de comportamento da espécie. Realizamos experimentos de playback com
fêmeas, em arena artificial, e machos, em ambiente natural, para caracterizar a função de cada
tipo de canto e para descrever o comportamento destes animais frente aos diferentes tipos de
vocalizações e seus contextos sociais. Registramos 24 comportamentos para L. bolivianus,
voltados principalmente para a corte e o comportamento territorial. O experimento de
playback com fêmeas mostrou que o canto A, o canto de anúncio, é mais atrativo. Para os
machos, a emissão do playback foi seguida por resposta dos mesmos, mas após a parada,
grande parte desses machos reduzia o comportamento de vocalização a taxas menores que as
anteriores ao playback.
Palavras chaves: Lysapsus bolivianus, vocalização, teste de playback, comportamento,
Amazônia brasileira.
50
1 INTRODUÇÃO
Na região Neotropical, encontram-se mais de 50% das espécies de anfíbios anuros
conhecidas (DUELLMAN, 1999). Embora o número de espécies descritas nesta região tenha
aumentado de forma significativa nas últimas décadas, grande parte destas espécies não
possui seu comportamento reprodutivo estudado (MARTINS, 2009). Os anuros são
considerados excelentes modelos para estudos de seleção sexual e estudos sobre a história
natural e comportamento neste grupo cresce em ritmo acelerado (POMBAL-Jr e HADDAD,
2007).
No Brasil, estudos sobre anuros são principalmente de caráter taxonômico, sendo
poucos os trabalhos que tratam de aspectos de história natural (POMBAL-Jr, 1992). Estudos
de história natural abrangem aspectos do comportamento social, como territorialidade, corte,
cuidado parental e outras interações envolvendo, principalmente, vocalizações (GIASSON,
2003). Consequentemente há escassez de informações sobre o repertório comportamental da
maioria das espécies de anuros brasileiros, mesmo das mais comuns (GIASSON, 2003).
O estudo do comportamento reprodutivo em anuros é facilitado pela relativa
imobilidade dos indivíduos, bem como o pouco distúrbio causado pela manipulação dos
espécimes e ainda pela grande variedade de ambientes em que ocorrem (SANTOS, 2009). O
estudo do comportamento de anuros durante a reprodução é fascinante, mas são relativamente
poucos os trabalhos realizados frente à grande riqueza de espécies existentes no Brasil (e.g.,
BERNARDE, 2006; GIASSON e HADDAD, 2006, 2007; POMBAL-Jr e HADDAD, 2007;
WOGEL e POMBAL-Jr, 2007).
Uma das características mais conspícuas na reprodução dos anuros é a vocalização dos
machos para atração das fêmeas da própria espécie. Cada espécie tem uma vocalização
específica, que funciona como uma "impressão digital" para a espécie, caracterizando-a
(BERNARDE, 2006). Os sinais acústicos, em geral, têm diversas funções biológicas para os
anuros. Entre estas funções estão inclusas a atração sexual, a corte, a disputa entre machos, o
contato, a defesa de território, a angústia e o erro de amplexo (SILVA, 2009). A comunicação
sonora é um dos vários aspectos do comportamento reprodutivo de anuros, e é especialmente
importante na biologia reprodutiva e no comportamento social deste grupo (SALTHE e
MECHAN, 1974), pois quando os machos vocalizam para atração das fêmeas, estes animais
podem ter uma vida social bastante intensa (POMBAL-Jr e HADDAD, 2007). Além disso, os
51
tipos de vocalizações emitidas pelos machos são inatos, ou seja, não existe aprendizado ao
longo da vida do animal. Isso é extremamente vantajoso para estudos de respostas
comportamentais, uma vez que o repertório vocal dentro de uma mesma espécie é constante e
o contexto social onde ele é emitido não varia em função do aprendizado.
Os tipos de comportamento em resposta à vocalização emitida são vários, mas o
padrão escolha pelas fêmeas de diferentes tipos de canto emitidos pelos machos tem sido o
principal foco de estudo, visto que fêmeas podem usar alguns caracteres do canto para a
escolha do macho (RYAN, 1980). A vocalização do macho é uma das principais fontes de
estudo do comportamento reprodutivo, pois está diretamente relacionada com o ato de
reprodução. Assim, através da vocalização, tem se estudado a ecologia comportamental da
biologia reprodutiva em anfíbios anuros (SANTOS, 2009).
Estudos de respostas comportamentais têm sido realizados principalmente por uma
técnica utilizada em estudos bioacústicos e geralmente associada a estudos etológicos, o
playback, que consiste no registro do canto de anúncio de um indivíduo seguido de sua
reprodução para observar as reações de machos e outros indivíduos no coro. O estudo do
comportamento reprodutivo de anuros com experimentos de playback têm aumentado nos
últimos anos no Brasil e têm demonstrado eficiência no registro do comportamento social e
escolha de parceiros sexuais (e.g., HADDAD, 1987; HADDAD e CARDOSO, 1992;
BERNARDE, 2006; GIASSON e HADDAD, 2006; HARTMANN et al., 2006).
O gênero Lysapsus Cope, 1862 pertencente à família Hylidae atualmente compreende
quatro espécies de anuros: L. bolivianus Gallardo, 1961, L. caraya Gallardo, 1964, L.
limellum Cope, 1862, e L. laevis (Parker, 1935) (AGUIAR-Jr et al., 2007). Possui distribuição
restrita à América do Sul (GARDA et al., 2010) e as espécies estão distribuídas nas bacias do
Paraná (L. limellum), Amazônica (L. bolivianus), Tocantins-Araguaia (L. caraya) e nas
savanas de Rupununi (L. laevis) (GARDA e CANNATELLA, 2007; GARDA et al., 2010).
Estas espécies possuem adultos e larvas pequenos, com comprimento do corpo variando de 16
a 24 mm (PRADO e UETANABARO, 2000; BUSIN et al., 2006; GARDA et al., 2007) e são
encontradas em abundância elevada vivendo sobre a superfície da água em grandes planícies
de inundação associadas à vegetação aquática, apresentando hábitos exclusivamente
aquáticos.
52
Não existem informações e estudos sobre o comportamento social e acústico de L.
bolivianus associados à atividade reprodutiva desta espécie ao longo do ano. Desse modo, este
estudo teve como objetivos: 1) descrever o amplexo de L. bolivianus; 2) identificar e
descrever os comportamentos voltados à atividade reprodutiva da espécie; 3) testar as
respostas comportamentais de machos e fêmeas de L. bolivianus aos diferentes cantos: a) em
um experimento com fêmeas em ambiente artificial; e b) em um experimento com machos no
ambiente natural.
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 ÁREA DE ESTUDO
Realizamos este estudo entre março de 2010 e fevereiro de 2011, em uma planície de
inundação situada na Fazenda Toca da Raposa (coordenadas: latitude 00º 09’ 00.7” e
longitude 051º 02’ 18.5”) (Figura 1), localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio
Curiaú (Figura 2), uma das Unidades de Conservação do Estado do Amapá, localizada ao
norte no Município de Macapá, capital do Estado do Amapá. Esta APA, amparada pela Lei
Estadual n.º 0431, de 15 de setembro de 1998 e criada através do Decreto Estadual n.º 1417,
de 28 de setembro de 1992, apresenta área de aproximadamente 21.676 hectares, limita-se a
leste com o Rio Amazonas, a norte/nordeste com o igarapé Pescada e o ramal que liga a
Estrada Estadual AP-070 à BR-210, a oeste limita-se com a Estrada de Ferro do Amapá e a
rodovia BR-156 e ao sul com uma linha seca de latitude 00º 06’N e com a cidade de Macapá
(AMAPÁ, 2009).
Figura 1 - Lago da fazenda onde realizamos as coletas de dados durante o período chuvoso.
Fotos: Arthur de Souza Colares.
53
Figura 2 -Mapa dos limites da Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
Mapa: Raimundo Nonato Gomes Mendes Júnior. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio.
A APA do Rio Curiaú, localizada a 5 km do perímetro urbano de Macapá, é
caracterizada predominantemente por três tipos de ecossistemas: áreas de floresta de várzea,
campos inundáveis e cerrados (SILVA, 2002; AMAPÁ, 2010). Os campos inundáveis ou
planícies de inundação são ambientes que têm seu regime de inundação relacionado aos níveis
de precipitação das chuvas. Os campos inundáveis correspondem às áreas deprimidas das
várzeas que são submetidas à inundação periódica pelo Rio Curiaú, por lagos temporários e
canais de drenagem (AMAPÁ, 2010).
A flora deste ecossistema é caracteristicamente
herbácea com predominância de macrófitas aquáticas (SILVA, 2002; AMAPÁ, 2010).
O clima na região de Macapá é o equatorial úmido (IBGE, 2009) e a temperatura
média anual é de 27ºC, com precipitação anual de aproximadamente 2.600 mm (SOUZA e
CUNHA, 2010). No Amapá, a estação chuvosa ocorre de dezembro a maio (verão e outono),
porém o período mais chuvoso ocorre no outono (março a maio), enquanto que a estação seca
ocorre de junho a novembro (inverno e primavera) com o período mais seco ocorrendo na
primavera (setembro a novembro) (SOUZA e CUNHA, 2010).
54
Desta forma, como nessa região apresenta-se apenas duas estações “bem definidas”
que são o período chuvoso e a estiagem, os campos inundáveis “sofrem uma variação
constante ao longo do ano”, entre o período mais seco e o de maior precipitação
pluviométrica, sendo observado um ressecamento quase completo no período da estiagem e
uma enchente máxima no pico do período chuvoso (AMAPÁ, 2010).
2.2 METODOLOGIA
2.2.1 Etograma
As amostragens para coleta e obtenção de dados iniciaram ao anoitecer e terminaram
quando a atividade dos anuros diminuíra ou cessara. Realizaram-se as observações com o
auxílio de lanternas cefálicas e manuais, cobrindo o foco com papel celofane vermelho, pois
em teoria, os anuros não enxergam o vermelho, como provado para algumas espécies (DELCLARO, 2004). Desta forma, o papel vermelho além de diminuir a intensidade de iluminação,
supostamente também reduz a interferência e perturbação sobre os animais em estudo durante
a exibição dos comportamentos (GIASSON, 2003). Fotografamos e/ou filmamos, quando
possível, os animais em atividade com câmera digital.
Para as observações diretas comportamentais relacionadas à atividade reprodutiva da
espécie usamos os métodos ad libitum, varredura (scan sampling), todas as ocorrências e
sequência (ALTMANN, 1974; DEL-CLARO, 2004; SOUTO, 2005). Por último, elaboramos
um etograma com os principais tipos de comportamentos da espécie.
No método ad libitum não existem constrangimentos sistemáticos em relação ao que é
registrado ou quando é registrado (DEL-CLARO, 2004). Essa metodologia foi utilizada no
início do estudo, onde registramos todas as atividades executadas pelos indivíduos de um
determinado grupo. Adotamos essa abordagem pelo fato do pouco conhecimento sobre a
espécie (SOUTO, 2005). Em seguida, utilizamos o método scan sampling, que foca
sequencialmente todos os elementos do conjunto em estudo, onde fizemos um
esquadrinhamento com diversos indivíduos por determinado período (15 min) e em intervalos
regulares (5 min) (SOUTO, 2005).
Para obter informações sobre taxa de ocorrência de determinado comportamento nós
aplicamos a metodologia de todas as ocorrências por determinado período de tempo (15 min).
55
O método de sequência consistiu no registro de ações sucessivas de três casais em amplexo,
um por vez, caracterizando um registro contínuo (sem determinação de tempo). Para as
descrições do comportamento reprodutivo observamos principalmente espécimes em amplexo
(objetivando entre outras coisas determinar o tempo de amplexo) (DEL-CLARO, 2004).
2.2.2 Experimentos de Playback
Os experimentos descritos abaixo serviram para caracterizar a função de cada tipo de
canto e para descrever o comportamento de fêmeas e machos frente aos diferentes tipos de
vocalizações e seus contextos sociais.
2.2.2.1 Experimento com fêmeas
Para o experimento com as fêmeas produzimos uma arena próxima à lagoa onde
colocamos os indivíduos. Montamos essa arena com uma piscina de plástico com 1 metro de
diâmetro e 20 cm de profundidade. Na piscina colocamos água, da própria lagoa, até 15 cm de
profundidade e reconstituímos o habitat natural colocando plantas flutuantes e vegetação
submersa.
Coletamos para o experimento 15 fêmeas separadas do amplexo. Em seguida, as
colocamos no centro da arena e deixamos descansar por cinco minutos. Emitimos os cantos a
serem testados, separadamente e alternadamente, a partir de caixas de som posicionadas em
extremidades opostas da arena, durante 15 min, na mesma intensidade e a resposta
comportamental foi anotada (Figura 3). A cada 5 min, fizemos um intervalo do experimento.
Em seguida, invertíamos a emissão dos cantos para que cada canto fosse emitido em lado
diferente na segunda rodada de playback. Utilizamos um decibelímetro modelo DL-4020 para
medir a intensidade (em dB - decibéis) dos cantos emitidos a partir das caixas de som, de
modo que esta intensidade fosse semelhante a dos indivíduos no ambiente natural, evitando
assim uma inibição indesejada do comportamento das fêmeas.
56
Figura 3 - Arena experimental utilizada para os testes de playback com fêmeas de Lysapsus bolivianus na Área
de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
Foto: Arthur de Souza Colares.
Emitimos às fêmeas cantos gravados de espécimes na natureza, na mesma localidade
Os experimentos consistiram de testes entre dois cantos diferentes (canto A vs. canto B).
Avaliamos as respostas comportamentais para cada tipo de canto e as fêmeas quanto a sua
preferência (respostas fonotáticas positivas incluíram direcionamento, aproximação e contato
com a fonte emissora) (LEARY et al., 2006).
Para analisar a preferência das fêmeas por cantos usamos o teste do Qui-quadrado (χ2)
com Correção de Yates (AYRES et al., 2007), visto que existem três tipos possíveis de
resposta (a fêmea prefere um canto, prefere outro ou nenhuma preferência).
2.2.2.2 Experimento com machos
Testamos quinze machos, estimulando-os por experimentos de playback de áudio. O
experimento consistiu em gravar a vocalização dos machos no ambiente natural por 3 minutos
e, em seguida, emitir, à distância de aproximadamente 1 m e intensidade (dB) equivalente à
previamente medida a essa mesma distância, o seu próprio canto durante um tempo estipulado
(1min) e anotamos o comportamento observado. Após a emissão do playback, gravamos o
canto dos machos por 3 min (GIASSON e HADDAD, 2006).
57
Comparamos as proporções dos tipos de canto antes e depois da emissão do playback
em ambiente natural por meio de um gráfico ilustrando a média do número e tipo de cantos
emitidos.
3 RESULTADOS
3.1 ETOGRAMA
Durante o estudo, nós totalizamos um esforço de 126 horas de observação em campo.
As vocalizações de L. bolivianus ocorreram no período diurno e noturno. A formação do coro
ocorreu a partir das 18 horas nos meses de estudo e teve uma diminuição por volta das 22
horas.
Após seis coletas de dados a curva de acumulação de comportamentos não atingiu a
assíntota (Figura 4). Durante estas coletas observamos 24 comportamentos diferentes para a
espécie, conforme apresenta o etograma (Quadro 1) para a mesma. Esses comportamentos
foram em geral interações voltadas à corte, territorialidade e disputa associadamente. E a
maioria destes comportamentos foi exibida pelos machos.
Figura 4 - Curva de acumulação de comportamentos da espécie Lysapsus bolivianus na planície de inundação da
fazenda Toca da Raposa, Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
30
Nº de comportamentos
25
23
23
24
20
18
15
12
10
9
5
0
1ª
2ª
3ª
Nº de coletas
4ª
5ª
6ª
58
Os comportamentos, “macho deslocador” (17 vezes) e “alternância de canto” (17)
tiveram maior frequência de ocorrência durante as observações, seguido dos comportamentos
“fuga de casal” (14) e “antifonia” (10), de acordo com o método de todas as ocorrências
(Tabela 1).
59
Quadro 1 - Etograma envolvendo comportamentos associados à atividade reprodutiva de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú,
Macapá, Amapá, Brasil.
ETOGRAMA
NOME DO
COMPORTAMENTO
Aproximação
Agarramento
Alternância de canto
Antifonia
Aperto na fêmea
Ataque
Briga de machos pelo fim do
amplexo
Chute com a perna (leg kicking)
Elevação de cabeça
Encaixe amplectante
Exibição de saco vocal
Fuga de casal
Fuga de fêmea
Giro de casal
Golpe com a cabeça
Macho deslocador
DESCRIÇÃO DO COMPORTAMENTO
Simples aproximação, em pulo pequeno, de um macho em direção a outro macho, fêmea ou casal em amplexo
(com respectivo recuo ou não do segundo animal).
Movimento em que o macho, que está em amplexo, faz um agarramento estranho na fêmea, um ato meio
selvagem/bruto, chacoalhando-a rapidamente.
O indivíduo macho durante a sua vocalização faz alternância de canto (vocaliza o canto A e muda para canto B e
canto A novamente ou vice-versa).
Indivíduos machos estão cantando um em seguida do outro, no mesmo lago, e param de cantar em seguida do
outro também.
O macho que está no amplexo dá um aperto, com os membros anteriores, na barriga da fêmea.
Um macho entra em confronto físico com o seu oponente (outro (s) macho (s)), onde o atacante bate, em pulos,
no adversário e este foge em pulos.
São pulos pequenos e seguidos que um macho executa em direção a outro macho (adversário), em que ambos
brigam entre si para tentar separar casal em amplexo.
Ato em que o macho que está no amplexo, dá chute rápido com a pata traseira (um dos membros posteriores),
num movimento para traz na fêmea e logo retrai, como um coice, chute.
Ato em que a fêmea, que está parada sobre a vegetação, eleva sua cabeça (próxima ou um pouco mais distante de
uma vocalização) e permanece assim a partir de então.
Ato de se ajeitar na fêmea, em rápido e único movimento para melhorar a posição do amplexo.
O macho em atividade de vocalização mantém o saco vocal totalmente inflado, porém neste momento não
vocaliza.
Ato que um casal em amplexo formado foge, em pulos, de ataque de um indivíduo macho.
Ato de fugir, em pulo e mergulho de fêmea para longe de um macho que tentou amplectar.
O casal em amplexo formado faz um giro circular juntos sobre a água, sem se soltar, e em seguida dão um pulo
para frente.
O macho movimenta, de forma rápida, a sua cabeça na fêmea (especificamente batendo o queixo na cabeça dela),
durante o amplexo.
Lançamento de um macho, em pulo sobre o casal para tentar tirar o macho que está no amplexo e ocupar o seu
lugar sobre fêmea. Às vezes o macho atacante segura o macho amplectante, tentando tirar do amplexo, porém
60
Macho satélite
Mergulho em amplexo
Movimentação sexual
Pulo em círculo
Rejeição
Sobressair no coro
Tapa na barriga
Tentativa de amplexo
sem sucesso.
Um macho chega depois de outro (s) macho(s) que já estava na área perto da fêmea e entra em amplexo sem
esforço, vencendo o seu adversário.
Ato em que o casal em amplexo mergulha na água rapidamente e em seguida volta à superfície.
Movimentos rítmicos da região posterior do macho executado na região posterior da fêmea, empurrando-a no ato.
Pulos rápidos de um macho girando em círculo e vocalizando, quando está perto de uma fêmea ou casal em
amplexo, e próximo de atacá-la para tentar o amplexo.
Ato que um macho pula sobre a fêmea e entram em amplexo, porém logo se separam e ambos se afastam.
O indivíduo macho que está parado (vocalizando anteriormente) sobre a vegetação e relativamente próximo a
outros machos, faz um movimento mudando a sua direção e depois vocaliza novamente.
Ato em que o macho em amplexo dá patadas/tapas (com um dos membros anteriores) na lateral da barriga da
fêmea.
Lançamento de um macho, em pulo sobre a fêmea para tentar entrar em amplexo.
61
Tabela 1 -Frequência de ocorrência dos atos comportamentais sociais e reprodutivos de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá,
Brasil.
MÉTODO DE TODAS AS
OCORRÊNCIAS
15
MIN
****
****
15
MIN
****
*
17/06/2010
15
15
MIN
MIN
***
*****
**
***
**
15
MIN
*
15
MIN
15
MIN
05/03/2010
15
15 MIN
MIN
15
MIN
Alternância de canto
Antifonia
*
Aproximação
Briga de machos pelo fim do amplexo
*
**
Chute com a perna (leg kicking)
*
Elevação de cabeça
Encaixe amplectante
**
*
*
******
*
Fuga de casal
Fuga de fêmea
Giro de casal
*
Golpe com a cabeça
**
*
*
******
***
Macho deslocador
Macho satélite
*
Mergulho em amplexo
*
**
*
Movimentação sexual
Pulo em círculo
**
*
*
**
Sobressair no coro
Legenda: (*) Corresponde a quantidade de vezes que cada comportamento ocorreu durante o período de 15 min de observação. MIN = minutos.
01/03/2010
15
15
MIN
MIN
*
***
****
*
*
*
62
O amplexo é axilar e ocorre nas vegetações emergentes na água, onde machos e
fêmeas ficam na posição horizontal e se deslocam constantemente na área (Figura 5).
Figura 5 - Casal de Lysapsus bolivianus em amplexo na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá,
Amapá, Brasil.
Foto: Suelique de Souza Queiroz.
Dentre três amplexos registrados continuamente, um deles foi observado por um
período ininterrupto de 2h30min, o amplexo mais duradouro. Inicialmente um macho
vocalizando, continuamente e por um longo tempo para uma fêmea próxima, entra em
amplexo às 19h14min com um salto sobre o dorso da fêmea. O casal se desloca e quando
para, o macho inicia uma “movimentação sexual” sobre a fêmea, em seguida saltam juntos e
quando param o macho dá leves “golpes com a cabeça” na cabeça da fêmea ao mesmo tempo
em que fazem a movimentação sexual. Entre alguns deslocamentos do casal, outro macho
(vizinho) que se encontra vocalizando aproxima-se deles e os ataca seguidamente, porém não
consegue separar o casal em amplexo, que se afasta. Após algum tempo, o casal volta a fazer
a movimentação sexual, com leves golpes com a cabeça na fêmea e nesse tempo sofre vários
ataques do macho vizinho. Após estes eventos, o casal fica por um tempo sem sofrer ataques
do macho vizinho, e faz um “agarramento” selvagem. Ao decorrer do amplexo surgem mais
dois machos vizinhos próximos ao casal, que brigam entre si saltando no adversário e dando
tapas, para apenas um tentar separar o casal amplectante. Em um desses ataques, o casal
63
mergulha em fuga e depois sobe à superfície rapidamente, faz agarramento selvagem e salta.
Macho dá golpes com a cabeça na fêmea e “tapas (com pata anterior) na barriga” dela, em
seguida saltam várias vezes seguidamente. Em meio a muitos ataques de machos vocalizantes
próximos ao casal, este não se separa do amplexo e nos momentos calmos continuam sua
atividade, realizando as mesmas ações já comentadas anteriormente e o amplexo é observado
até as 21h44min, quando o casal pula várias vezes seguido, sumindo no meio da vegetação,
onde sai do alcance do observador, terminando assim a observação neste casal.
Nas outras observações de casais em amplexo registramos mais alguns
comportamentos durante esse processo, além dos já citados acima, tais como “aperto na
fêmea”, “encaixe amplectante”, “giro de casal” e “chute com a perna (leg kicking).
3.2 EXPERIMENTOS DE PLAYBACK
3.2.1 Experimento com fêmeas
Das 15 fêmeas capturadas retiradas do amplexo, sete realizaram escolha por um dos
cantos (o canto A) e foram, dessa forma, consideradas receptivas. Por outro lado, as demais
fêmeas capturadas (N=8) não realizaram nenhuma escolha. Considerando estes dados
observados, as fêmeas têm preferência pelo canto A dos machos de L. bolivianus (x2teórico =
5,99; p = 0.027).
A realização da escolha foi observada através do deslocamento aleatório da fêmea do
centro da arena para a direção da caixa emissora. Algumas vezes a fêmea ficava posicionada
na borda da piscina próxima à caixa, outras, ficavam paradas na água em frente à caixa. Em
duas ocasiões a fêmea chegou a tocar na caixa emissora (em pulo), em seguida ficou
procurando o macho de um lado ao outro em frente à caixa.
3.2.2 Experimento com machos
As respostas comportamentais observadas no experimento de playback foram variadas
nos machos de Lysapsus bolivianus:
1 – macho cantou (determinado tipo de canto) por todo o tempo de playback; e/ou macho
cantou em antifonia com o playback, quase simultâneo, imitando;
64
2 – macho cantou (determinado tipo de canto) por certo tempo, logo no início da reprodução
do playback e depois parou de cantar;
3 – macho parou de cantar imediatamente e/ou macho não respondeu durante todo o
playback;
4 – macho parou de cantar por certo tempo, logo no início da reprodução do playback e
depois voltou a cantar;
5 – macho baixou o saco vocal e/ou virou-se para direção oposta à caixa (fonte emissora) do
playback;
As respostas comportamentais mais exibidas durante o experimento foram as respostas
3, 1 e 2. Dos machos testados, quatro (26,67%) apresentaram a resposta comportamental 1,
três (20%) exibiram comportamento conforme a resposta 2, cinco (33,33%) apresentaram a
resposta 3, apenas um (6,67%) apresentou a resposta 4 e dois (13,33%) apresentaram a
resposta 5.
No experimento de playback realizado com os machos de L. bolivianus, houve uma
inibição na emissão de vocalização dos machos testados após a reprodução dos cantos
gravados, pois observamos uma diminuição no número de cantos emitidos por eles (Figura 6).
Média de Nº de Cantos
Figura 6 - Média do número de cantos (A e B) emitidos antes e depois do experimento de playback realizado
com 15 machos de Lysapsus bolivianus na Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil.
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
ANTES
DEPOIS
A
B
Tipos de Canto
65
4 DISCUSSÃO
4.1 ETOGRAMA
O fato da curva de acumulação de comportamentos não ter atingido a assíntota mostra
que o número de comportamentos pode aumentar com o aumento do esforço amostral. As
curvas de acumulação permitem avaliar o quanto um estudo se aproxima de capturar, neste
caso, todos os comportamentos da espécie. Quando a curva estabiliza, ou seja, nenhum
comportamento novo é adicionado, significa que a riqueza de comportamento total foi obtida.
A partir disso, novas amostragens não são necessárias. Então, é provável que estejamos perto
do real conhecimento do número de comportamentos associados à reprodução de L.
bolivianus, pois nas duas últimas coletas só registramos apenas um comportamento novo a
cada uma. Talvez a estabilidade fosse alcançada com mais uma ou duas coletas. Nosso
etograma supera a lista com repertório de sinais visuais durante a comunicação em anuros na
Mata Atlântica levantada por Hartmann et al.(2005), que apresenta 15 comportamentos.
Em relação ao comportamento associado à atividade reprodutiva, L. bolivianus
apresentou um número relevante de atos comportamentais voltados principalmente à corte,
territorialidade e disputa. Segundo Pombal-Jr e Haddad (2007), os machos apresentam um
conjunto maior de estratégias comportamentais associadas à reprodução que fêmeas, talvez
porque, de modo geral, o sexo mais limitado nos ambientes de reprodução seja o feminino, o
que gera competição entre os machos na obtenção de fêmeas ou de seus óvulos. Fato este
observado neste estudo, em que a maioria dos comportamentos esteve voltada à disputa e
territorialidade exibida pelos machos de L. bolivianus, em busca do sucesso reprodutivo.
Dentre muitos atos comportamentais observados na disputa pelas fêmeas de L.
bolivianus, pôde-se identificar com frequência o “macho deslocador”, já relatado na literatura
por Pombal-Jr e Haddad (2007). Nessa estratégia, um casal em amplexo é interceptado por
um macho (às vezes mais de um), que tenta deslocar o macho amplectante para roubar-lhe a
fêmea (POMBAL-Jr e HADDAD, 2007). A maior frequência desta estratégia talvez ocorra
devido a um desvio da abundância de machos no sítio reprodutivo. A escassez de fêmeas no
ambiente pode fazer com que os machos que não conseguiram sucesso no amplexo tentem
interceptar fêmeas já amplectadas como última alternativa de sucesso reprodutivo. Outra
possibilidade é que, os custos energéticos associados à vocalização e corte favoreçam machos
satélites deslocadores. Semelhante a isso, o comportamento de “alternância de canto”,
66
também muito frequente durante as observações, pode ocorrer como alternativa de sucesso
reprodutivo, pois diante da maior quantidade de machos que fêmeas na área, quem cantar
melhor, neste caso alternando seu tipo de canto, pode se destacar dentre os demais, ou seja,
teoricamente tem mais chances de conseguir uma parceira.
Entre aspectos importantes do comportamento de L. bolivianus estão atos relacionados
à vocalização, principalmente para atrair as fêmeas e na maioria das vezes o macho enfrenta
disputas físicas para alcançar o sucesso ou pode utilizar de estratégias para se destacar no
coro. Provavelmente, isso ocorre durante a interação, devido ao fato dos machos emitirem um
tipo de vocalização, menos intensa que a vocalização de anúncio, através da qual os
concorrentes podem avaliar o tamanho do oponente e decidir pela continuidade do embate
(DAVIES e HALLIDAY, 1978).
Alguns comportamentos registrados em nosso estudo são semelhantes aos descritos
em outros estudos para outras espécies de anuros (GUIMARÃES e BASTOS, 2003;
HARTMANN et al., 2004; HARTMANN et al., 2005; MIRANDA et al., 2008; ), mas, a
maioria dos comportamentos é descrita pela primeira vez. Por este fato, a função de cada
comportamento ainda não está muito bem definida e para isso são necessários mais estudos
para comprovações.
O comportamento “chute com a perna (leg kicking)” (Figura 7) observado durante o
amplexo foi registrado primeiramente por Hartmann et al. (2005) em Hypsiboas
albomarginatus e Scinax eurydice, no qual o macho realizou movimentos com o membro
posterior, fazendo rápida extensão do membro, um de cada vez (MIRANDA et al., 2008).
Este comportamento é semelhante ao descrito para Dendropsophus werneri na Mata Atlântica
(MIRANDA et al., 2008), em que a interação é muito semelhante, difere-se apenas no fato de
que foi um movimento pouco frequente durante o amplexo de L. bolivianus e o macho só
realizou esta ação com um membro. Igualmente a D. werneri, em todos os amplexos
observados, foram registrados para L. bolivianus o comportamento “golpe com a cabeça”
(Figura 8), onde o macho tocava várias vezes a fêmea, com o levantar e abaixar da cabeça, de
forma rápida e repetida. Como proposto em Aplastodiscus eugenioi por Hartmann et al.(2004)
é provável que estes comportamentos durante o amplexo, considerados estímulos táteis com o
corpo, sejam utilizados como forma de estimular a fêmea para a ovoposição. Em Lysapsus
bolivianus, o estender dos membros posteriores poderia estimular a liberação dos óvulos da
fêmea, sendo que o pé do macho se posiciona acima dos folículos ovarianos da fêmea e
67
provavelmente o chutar com esse membro poderia fazer com que os óvulos passassem pelo
ventre da fêmea e viessem a ser liberados, como proposto para D. werneri (MIRANDA et al.,
2008).
O mesmo pode ser sugerido para os comportamentos “agarramento”, “aperto na
fêmea”, “encaixe amplectante”, “movimentação sexual” e “tapa na barriga”, pois se
enquadram à estimulação tátil corporal. Porém, não existem estudos sobre comportamento de
corte e oviposição que possam suportar essas idéias, sendo necessárias mais observações e
estudos para entender a função destes comportamentos.
Figura 7 - Comportamento “chute com a perna (leg kicking)” em Lysapsus bolivianus da Área de Proteção
Ambiental do Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. Ilustração de Israel Guedes (acadêmico de Ciências
Biológicas da Universidade Federal do Amapá).
Figura 8 - Comportamento “golpe com a cabeça” em Lysapsus bolivianus da Área de Proteção Ambiental do
Rio Curiaú, Macapá, Amapá, Brasil. Ilustração de Israel Guedes.
Vocalização em “antifonia” é uma estratégia comportamental utilizada por muitos
machos, garantindo menor interferência acústica intra-específica (WOGEL et al., 2002).
Wells (1977a) sugere que esse comportamento pode estar relacionado ao espaçamento entre
machos (manutenção de territórios), já que é um meio de reduzir a interferência acústica e,
68
portanto, uma forma de maximizar as chances de atração de fêmeas. Segundo Wogel et al.
(2002), esse mecanismo comportamental parece estar relacionado à densidade populacional,
pois foi observado somente em espécies que apresentavam muitos indivíduos em atividade de
vocalização. Em Lysapsus bolivianus foi observada esta relação, com ajuste em seus cantos
para não ocorrer sobreposição.
O comportamento “exibição de saco vocal”, descrito previamente por Hartmann et al.
(2005) em Hyla sp., é em decorrência da vocalização, pois nesta ação o macho para de
vocalizar e ainda permanece com saco vocal inflado. Este comportamento observado em
Lysapsus bolivianus fora semelhante também ao obtido em Guimarães e Bastos (2003) para
Hypsiboas raniceps, em que os machos podem manter o saco vocal inflado sem emitir
vocalização, e esta situação sempre ocorreu após interações físicas entre machos nesta
espécie, dando a impressão de aumento do tamanho da cabeça. Porém, em nosso estudo, esse
comportamento não ocorreu após confrontos físicos, mas após interações acústicas entre os
machos, provavelmente como comportamento relacionado à corte.
Em anuros são identificadas duas estratégias para o padrão temporal de reprodução: a
reprodução prolongada e a reprodução explosiva. Nas espécies com reprodução explosiva,
que ocorre em poucos dias, a competição entre os machos pelo acesso as fêmeas tende a ser
menor e consequentemente as oportunidades para seleção sexual por escolha realizada pelas
fêmeas são baixas. Nas espécies com estação reprodutiva prolongada, onde há poucas fêmeas
ovadas e muitos machos sexualmente ativos, a competição tende a ser muito grande pelo
acesso às fêmeas e pode existir maior oportunidade de seleção sexual por escolha realizada
pelas fêmeas (WELLS, 2007). Lysapsus bolivianus apresenta esta última estratégia, o que
pode explicar comportamentos associados à territorialidade e corte e até mesmo a escolha de
machos pelas fêmeas desta espécie, registrado neste estudo. Como sugerido para Wells,
(1978), pode existir uma associação entre combate entre machos e o padrão de reprodução
prolongado ou explosivo, em que no padrão prolongado as espécies são territoriais (brigam) e
no padrão explosivo as espécies não são territoriais (não brigam). Esta hipótese para padrão
de reprodução prolongado é suportada em L. bolivianus, pois os machos entram em
confrontos físicos, portanto podem ser considerados territoriais.
Além disso, em espécies de reprodução prolongada, pode haver a estratégia de macho
satélite (POMBAL-Jr e HADDAD, 2007). A estratégia comportamental de macho satélite é
conhecida em muitas espécies de anuros, inclusive L. bolivianus. Segundo Wells (1977b),
69
esta estratégia em anuros pode estar relacionada à espera da vacância de sítios de vocalização
ou ao parasitismo sexual com machos satélites tentando interceptar fêmeas que se aproximem
de machos cantores. Em nosso estudo, as observações de comportamento de machos satélites
corroboram com a segunda alternativa proposta por Wells (1977b), pois a interceptação de
fêmea ocorreu mesmo na presença do macho cantor e a primeira alternativa não foi suportada
devido à dimensão da área de estudo, em que há muitos sítios reprodutivos.
4.2 EXPERIMENTOS DE PLAYBACK
4.2.1 Experimento com fêmeas
Durante os experimentos de playback, de modo geral as fêmeas capturadas em
amplexo se mostraram mais receptivas ao canto A (46,67%). Com isso, podemos confirmar
que o canto A foi significativamente preferido pelas fêmeas, conforme o teste de quiquadrado. Além disso, o fato das fêmeas de Lysapsus bolivianus testadas terem sido retiradas
do amplexo pode explicar a maior receptividade destas ao experimento de playback, pois
como sugerido por Wogel e Pombal-Jr (2007) em Dendropsophus bipunctatus, fêmeas em
amplexo, submetidas a experimento de playback, provavelmente comportam-se mais
intensamente de modo a reaver seu parceiro sexual, além do fato destas fêmeas
provavelmente apresentarem níveis hormonais mais altos, estando mais aptas para o amplexo
ou escolha (WOGEL e POMBAL-Jr, 2007).
O fato da maioria das fêmeas não ter apresentado resposta alguma ao experimento
pode ter ocorrido devido à manipulação realizada nas mesmas, causando um estresse ao
indivíduo e consequentemente uma interferência no comportamento. Além disso, o ambiente
artificial pode ter influenciado nessa falta de reação, pois se trata de uma arena relativamente
pequena, uma estrutura não muito sofisticada, e estava instalada em um local coberto,
totalmente diferente do seu ambiente natural.
4.2.2 Experimentos com machos
Todas as respostas emitidas durante o experimento de playback com os machos foram
voltadas à territorialidade, em que foi notadamente visível a disputa acústica ou física e/ou a
inibição dos machos submetidos ao teste. Essas reações podem ter ocorrido pelo fato do
70
playback reproduzido ter sido registrado do próprio macho testado, o que nos leva a supor que
as características da vocalização eram as mesmas, ou seja, o macho testado poderia entender o
playback como um oponente ao seu próprio nível, fazendo com que continuassem a disputa
ou desistissem. A maioria dos machos (33,33%) parou de cantar imediatamente e/ou não
respondeu durante todo o playback (resposta 3), o que representa uma inibição destes machos
e desistência da disputa, provavelmente por achar que pode vir a perder o confronto, então
prefere poupar-se, principalmente economizando energia para uma possível disputa com um
macho inferior posteriormente. O mesmo pode ser sugerido para a resposta 5, com inibição e
desistência de 13,33% dos machos. Oposta a esta reação de inibição, 26,67% dos machos
cantaram por todo o tempo de playback e/ou cantaram em antifonia com o playback (resposta
1), representando decisão por continuidade na disputa.
A resposta 2, em que os machos cantaram apenas por um certo período (no início da
reprodução) durante o playback, demonstra inicialmente continuidade na disputa, mas logo
em seguida desistência, provavelmente pelo fato do playback ter sido reproduzido
continuamente, ou seja, demonstrando uma maior assiduidade no coro e mais energia na
disputa, então o macho testado pode ter achado que não seria capaz de vencê-lo e resolve não
competir. Já a resposta 4, mostra o oposto, os machos cantaram apenas por um certo período
(no final da reprodução) durante o playback, significando que sofreram uma inibição no
início, mas depois perceberam que poderiam ser capazes de competir e assim fizeram.
O fato dos machos durante o playback ficar muito ativos e em seguida pararem de
vocalizar, em geral, quer dizer que eles entram na disputa na maioria das vezes, mas que
depois que o oponente para eles param também. Isto pode ser comprovado através do
histograma apresentado neste estudo, que mostra a média dos cantos emitidos antes e depois
do teste de playback com os machos, havendo diminuição na emissão de número de cantos
(notas) após a reprodução do playback, bem como registrado em Hypsiboas albomarginatus
(GIASSON e HADDAD, 2006). Durante a emissão do playback, a taxa de notas emitidas
pelos machos testados não pôde ser medida.
71
5 CONCLUSÃO
Todos os aspectos comportamentais relacionados à atividade reprodutiva foram, pela
primeira vez, estudados para a espécie Lysapsus bolivianus, que até o presente momento
apresentava apenas algumas informações a respeito de sua história natural. Este estudo
representa um conhecimento relevante para o gênero Lysapsus e para os anuros do Amapá e
do Brasil, porém ainda são necessários mais estudos para conhecermos melhor a ecologia
destes animais.
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa
de estudos concedida. À Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), ao Instituto de Pesquisa
Científica e Tecnológica do Estado do Amapá (IEPA), à Secretaria de Estado do Meio
Ambiente (SEMA-AP) e ao IBAMA-AP/ICMBio pelos apoios concedidos para este estudo.
Ao Dr. Adrian Garda pela orientação e colaboração durante o estudo, ao Dr. Arley Costa
pelas informações etológicas, aos colegas MSc. Carlos Eduardo Campos, Esp. Arthur Colares,
e biólogos Huann Vasconcelos e Auridan Padilha pela colaboração na coleta de dados, ao
acadêmico de Ciências Biológicas da UNIFAP Israel Guedes pelas ilustrações feitas e ao
proprietário da fazenda Sr. Mateus Ramos e família pela ajuda durante a execução deste
estudo.
72
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fêmeas de Lysapsus bolivianus são maiores e mais pesadas que machos.
O amplexo desta espécie é axilar e dura mais de 2h30min.
As desovas apresentaram de quatro a 52 ovos, sendo que não houve correlação
positiva entre CRC de fêmeas e o número de ovos, sugerindo que o tamanho das fêmeas não
tem efeito no seu potencial reprodutivo.
A espécie L. bolivianus apresenta dois tipos de canto (A e B), um de anúncio e o outro
com função ainda desconhecida.
Lysapsus bolivianus exibiu 24 comportamentos relacionados à atividade reprodutiva.
Experimentos de playback mostraram que fêmeas realizam escolha de parceiros pelo
tipo de canto emitido (canto de anúncio) e a emissão do playback aos machos foi seguida por
resposta deles, mas após a parada, grande parte dos machos reduzia o comportamento de
vocalização a taxas menores que as anteriores ao playback.
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Ecologia de Lysapsus bolivianus (Anura: Hylidae)