Apontamentos de problemas ergonômicos usabilidade em sapatilhas de ponta e de Notes on usability and ergonomic problems in pointe shoes SANTOS, Caroline Zanardo Gomes; Mestre; Faculdade de Presidente Prudente [email protected] OTANI, Lindomar Aparecido; estudante de Graduação; Faculdade de Presidente Prudente [email protected] Resumo O balé é uma forma de atividade física que executa movimentos específicos e que exige dos bailarinos grande esforço físico e rigor estético. Este artigo realiza uma pesquisa de dados bibliográficos e descreve o posicionamento científico a respeito da dança associada ao uso da sapatilha de ponta, seus agravos e problemas de ordem ergonômica e de usabilidade. Os resultados apresentam uma retórica reflexiva sobre o atual modelo de sapatilha. Palavras Chave: sapatilha de ponta; ergonomia; funcionalidade. Abstract The ballet is a physical activity that performs specific movements of the dancers and requiring great physical effort and aesthetic rigor. This article presents a survey of bibliographic data and describes the scientific position concerning the dance associated with the use of pointe shoe, their grievances and problems of an ergonomic and usability. The results show a reflexive rhetoric about the current model of shoe. Keywords: pointe shoe; ergonomics; functionality. Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta Introdução O balé clássico é uma modalidade de dança tradicional, performática e antiga. Ela se originou na Europa no séc. XVI e se estendeu aos demais países oferecendo espetáculos que proporcionam ao espectador verdadeira representação de graça e delicadeza. Esta modalidade de dança deu origem a várias outras, mas as suas particularidades fazem do balé clássico uma prestigiada forma de educação física, onde as estudantes começam com quatro anos de idade e se prolongam por vários anos a fio. O balé clássico se firma em regras e métodos pré-estabelecidos em conceitos antigos onde os bailarinos realizam movimentos árduos que, muitas vezes, extrapolam os limites físicos do corpo para alcançar o equilíbrio e a harmonia da coreografia em grupo. Parte do figurino que compõe a arte e a técnica do balé são as sapatilhas de ponta, importante ferramenta de trabalho para esta atividade, pois é a sapatilha que irá sustentar todo o peso do corpo na ponta dos pés. Sabendo que esta é uma atividade que se exige constante esforço físico e a execução de posições corporais minuciosas, pressupõe-se que haja uma inclinação para o desenvolvimento de problemas osteomusculares. Pressupõe-se, ainda, que a sapatilha de ponta seja um fator decisivo no estudo de prevenção destes problemas ou até mesmo um elemento que corrobora para o seu surgimento. Através da análise dos dados bibliográficos e do cruzamento das informações construiu-se um panorama geral e científico do assunto abordado abrindo caminhos para os estudos no design e na ergonomia da sapatilha de ponta. Esta pesquisa teve como objetivo verificar na literatura dados bibliográficos que apontem, especificamente, a incidência de problemas oesteomusculares relacionados à prática de balé por pessoas do sexo feminino associados ao uso da sapatilha de ponta, e que resultem numa nova concepção do assunto abordado. Metodologia Um trabalho de elaboração teórica é resultante do processo de identificação, localização e análise de publicações referentes a um tema ou a um problema de pesquisa. O seu objetivo é sistematizar os textos, verificar as convergências e as discrepâncias entre os fatos. Para esta metodologia, baseou-se em Gil (2010), utilizando-se uma abordagem dialética, com procedimentos técnicos descritivos e de coleta de dados que abordam pesquisa bibliográfica e documental. Os materiais são os artigos publicados em revistas indexadas em bases de dados nacionais e internacionais, bem como outros trabalhos acadêmicos das áreas da saúde, ergonomia e design. Os dados serão apresentados em forma de capítulos detalhando a investigação acerca: da descrição do balé, das características técnicas e de uso da sapatilha de ponta, dos problemas ocasionados pela prática do balé e pelo uso da sapatilha de ponta. A interpretação dos dados será demonstrada através dos resultados obtidos entre as convergências dos fatos, apontando problemas e soluções para tal assunto. O balé clássico e a sua relevância técnica e estética A dança é uma manifestação social, mas também é um fenômeno estético-cultural e simbólico. É uma forma de comunicação não-verbal, onde o corpo é o instrumento básico para análise, ele é a matriz geradora da dança, das performances, dos gestos plenos de significação consciente e dos movimentos espontâneos (SIQUEIRA, 2006). O balé clássico é uma forma de dança conhecida por prezar pela tradição e pelo rigor estético. Historicamente, ele nasceu com a Renascença, no século XVI, na Corte de Médicis, 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta em Paris, refletindo gestos, movimentos e padrões típicos da época. Mas foi ao final do século XVII que Pierre Beauchamps definiu as posições básicas do balé clássico, que descrevem todos os passos (BAMBIRRA, 1993). A partir de então, a técnica clássica evoluiu pela busca de leveza e agilidade, na qual o bailarino procura o total domínio do corpo, de seus músculos e de seus movimentos, de modo a poder utilizá-lo de forma expressiva, sem estar preso às limitações naturais. Segundo Malanga (1985), a técnica clássica possui certos princípios de postura (ereta e alongada) e colocação do corpo, que devem ser mantidos em todos os movimentos: trabalha-se essencialmente a amplitude dos movimentos articulares, a precisão de seus giros sobre ou fora do eixo corporal. A prática da dança traz diversos benefícios para a saúde e bem estar: ela desenvolve sensibilidade, musicalidade, percepção, coordenação, equilíbrio, tônus, lateralidade, noção espacial, noção temporal, ritmo, relaxamento e respiração (BANBIRRA, 1993). O balé conjuga, portanto, o domínio do corpo associado ao equilíbrio, a agilidade e aos movimentos harmônicos. Tais características técnicas e estéticas é o que fazem do balé algo tão valorizado e permanente na história. No balé são utilizados dois tipos de sapatilha: a “de meia ponta” e a “de ponta” (Figura 1). A sapatilha de ponta proporciona ao corpo da bailarina um distanciamento do solo para causar a impressão de um corpo levitando. Tal característica, assim como da bailarina içada deslizando o espaço, remetem à metáfora da supremacia da alma sobre o corpo, a um ideal da bailarina como um ser etéreo, mais próximo do céu/da alma do que da terra/da materialidade do corpo (SANTANA, 2005). Figura 1: Sapatilha de ponta (direita) e meia-ponta (esquerda) Fonte: Picon e Franchi, 2007. A estética da dança permeia a poética de interpretar cenicamente uma partitura musical, regida por expressões corporais sincronizadas em passos pré-estabelecidos com proporções métricas e harmônicas. Os elementos cênicos e de figurino ainda remetem aos valores românticos do séc. XVII, priorizando a coreografia à fotografia. Sua tradição e relevância é de inegável valor histórico e artístico. Segundo Meereis et al. (2010) as cinco principais posições dos pés utilizadas no balé clássico são as ilustradas na Figura 2: 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta Figura 2: Posições básicas do balé clássico Outros movimentos básicos são os chamados plié e demi-plié, que consiste em um movimento onde o bailarino vagarosamente flexiona seus joelhos na mesma linha dos pés que estarão em total rotação externa (en dehours), juntamente com o quadril (Figura 3): Figura 3: Movimentos básicos do balé clássico Com a sapatilha de ponta realiza-se a “primeira posição em ponta” do balé clássico que consiste, principalmente, na flexão plantar e manutenção do corpo ereto apoiado sobre o antepé: região de apoio e sustentação para a bailarina (Figura 4). Figura 4: Passos básicos do balé clássico Todos estes passos, movimentos e posições citados acima pertencem a um vocabulário específico do balé clássico que estão presentes de forma inalterável há décadas dentro da sua prática esportiva. Para Assumpção (2003) o ele compõe, na atualidade, um antagonismo, entre o novo e o antigo, preso a raízes estéticas na pedagogia do corpo, onde já não se comporta o sacrifício físico para atingir o belo. Salienta que é necessário uma proposta de superação destes valores, onde o trabalho é pautado na reprodução e repetição a fim de chegar a um movimento 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta tecnicamente perfeito. Segundo a autora, desvencilhar-se das antigas concepções reafirmadas pelo balé clássico sobre o ensino da dança é bastante árduo, porém muito necessário para que tenhamos uma nova proposta, pautada na liberdade e no respeito pela individualidade do ser humano. A sapatilha usabilidade de ponta: características estruturais e de A sapatilha de ponta é um calçado utilizado no balé como meio de sustentação das bailarinas para auxiliar os movimentos sobre as pontas dos pés. Logo, este artefato deve suportar o peso, a força exigida para movimentos e ainda se adequar à anatomia da usuária (PÉRIGO; BUGLIANE, 2009). A sapatilha de ponta é composta de partes específicas com nomenclatura própria. Estas características são preponderantes para a compra e uso, a fim de se adequar o modelo ao formato de pé e biotipo de cada bailarina (Figura 5). Figura 5: Partes que compõem a sapatilha de balé. Fonte: adaptado de Gaynor Minden, 2010. É importante ressaltar a finalidade dos principais componentes de uma sapatilha, conforme descrevem: Perigo e Bugliani (2009), Cunningham et al. (1998), Picon e Franchi (2007): - a caixa: que é a estrutura confeccionada por cola (à base de água ou resina), papel, juta e tecido de algodão e que abriga os dedos dos pés; - a plataforma: onde todo o peso do corpo da bailarina se apóia; - a sola: de couro ou raspas de couro que auxilia as palmilhas a sustentarem o arco de pé; - as palmilhas: que são confeccionadas, geralmente, por papel cartão rígido, originado da colagem de suas camadas com resinas; - o tecido: cetim brilhante que reveste os calçados, sendo geralmente um tipo de polímero com finalidade estética. - gáspea: região que define a altura onde ficam encaixados os dedos; - abertura: parte da caixa onde se define a largura de cima. Os calçados são fixados às pernas das bailarinas por meio de fitas de cetim e elásticos sintéticos. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta A sapatilha de ponta trouxe um grande desenvolvimento técnico, exigindo prática, aperfeiçoamento, e anos de estudo sobre o assunto. (ASSIS et al., 2009). No período do desenvolvimento da técnica de ponta não existiam calçados apropriados. Os pés das bailarinas eram acolchoados e forrados com algodão e lã, e as sapatilhas eram cerzidas nas pontas e incluídas fitas para amarração dos tornozelos. Hoje, os modernos calçados de ponta possuem suas extremidades endurecidas com cola para maior firmeza (BARCELLOS; IMBIRRA, 2002). Segundo Guimarães e Simas (2001), hoje, a estudante iniciante de balé recebe aulas em sapatilhas macias de couro ou lona. As aulas concentram-se nas posições básicas dos pés e dos braços no controle do tronco e na rotação externa apropriada. É enfatizado o desenvolvimento da força, da coordenação e da graça. Com o passar do tempo, a sapatilha de ponta é introduzida na rotina da estudante. Guimarães e Simas (2001) complementam que é necessário estar atento para o tipo de material e características da sapatilha que o aluno dispõe, pois uma sapatilha que deixe o pé irregular ou esteja quebrada demais pode levar a uma fratura ou lesão. O papel do professor em orientar a escolha do calçado e sua composição material é de máxima importância. Também concerne ao professor estimular o uso de materiais auxiliares, como: protetores de dedos, ajustadores entre outros. Com a sapatilha de ponta, o esforço corporal é muito mais rígido. Além de a bailarina ter domínio das movimentações do balé ela deve ter força muscular suficientemente desenvolvida, uma postura ereta e consistente, e principalmente, um pé meticulosamente treinado (SIQUEIRA, 2006; ASSIS, 2009). Perigo e Buliane (2009) fazem severas críticas quanto ao caráter de usabilidade e sustentabilidade das sapatilhas de balé clássico: eles afirmam que além dos materiais constitutivos das sapatilhas acarretarem problemas que convergem para a instabilidade de uso, comprometendo o conforto e a segurança das bailarinas, a falência precoce dos materiais e das funções do calçado obriga as mesmas a utilizarem muitos pares destes, dando origem a uma quantidade de resíduos hipoteticamente acima do necessário. No mesmo estudo Perigo e Buliane (2009) apresentam dados fornecidos pelo English National Ballet onde as bailarinas profissionais inglesas chegam a inutilizar 120 pares do calçado por ano devido ao desgaste e deformação precoce das sapatilhas. Picon et al. (2002) também censuram as sapatilhas de balé, alegando que os materiais para a composição do calçado: cola, cetim, papéis especiais e palmilhas flexíveis, são materiais incapazes de oferecer proteção aos pés contra a atuação de forças externas. Atributos como amortecimento, estabilização e direção ainda não foram levados em consideração na construção de sapatilhas de ponta, e, embora estudos já tenham apontado que modificar o calçado esportivo não significa diminuir sobrecargas e impactos, existe uma grande lacuna no estudo do calçado para dança. Os métodos biomecânicos de medição podem render grandes esclarecimentos para um melhor conhecimento do uso do aparelho locomotor e de sobrecargas envolvidas nos movimentos da dança clássica e do treino em pontas (PICON et al., 2002). Considerando, portanto, que a sapatilha de ponta tem a função de proteger os pés dos impactos e auxiliar nos movimentos do balé, o seu projeto deve levar em consideração aspectos mecânicos e estruturais. Apenas um único trabalho de pesquisa foi realizado neste âmbito que se tenha conhecimento: os testes realizados por Cunningham et al. (1998) que avaliou a rigidez estática, força estática e propriedades de fadiga (ciclos de falha) das sapatilhas de ponta. O estudo se baseou em testes mecânicos e ensaios em laboratório avaliando as cinco marcas preferidas pelos praticantes de balé: Capezio, Freed, Gaynor Minden, Leo, e Grishko. Os 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta resultados mostraram importantes aspectos que elucidarão os estudos subseqüentes para o projeto deste calçado: - necessita-se aumentar a flexibilidade da sapatilha como um todo, principalmente para os movimentos de flexão plantar, distribuindo melhor a pressão desta região; - a sapatilha de ponta deve ser capaz de fornecer o apoio e a proteção quando a praticante estiver em pointe, na posição demi-pointe ou realizar um giro; - O desenho do sapato deve reforçar a forma cônica da perna para facilitar um pouso tranqüilo; - em relação à resistência de compressão nenhum desenho suportou a força de compressão simulando o peso do corpo humano na posição em pointe; - a haste rígida com uma palmilha flexível colabora com o aumento da flexibilidade; - a rigidez da região da caixa ajuda a absorver as forças de que o pé está sujeito; - O material ideal para a construção do calçado é tido como o que preserva as propriedades contra os choques e que permite sentir (em termos de percepção) o contato do pé com o chão; - o calçado tido como ideal é aquele que passa a sensação de conforto e que permite manobras artísticas, não significa necessariamente o sapato mais forte e durável; Compreendeu-se, portanto, que muitos aspectos projetuais apontados pelo autor precisam ser melhorados. Tanto na questão estrutural como no conforto. Perigo e Buliane (2009) colocam o seguinte questionamento em pauta: porque em um tênis de corrida existe muito mais tecnologia que em uma sapatilha de ponta, onde o desempenho dos bailarinos fica reduzido a uma pequena plataforma, recheada de tecido rústico, cola de farinha de trigo e papel? Onde o processo de fabricação não depende apenas da máquina, mas da manipulação e avaliação constante de um artífice, que executa cada etapa da confecção dos calçados? As bailarinas, por sua vez, são as menos beneficiadas, pois: sofrem com a obsolescência do produto, submetem-se a riscos e são obrigadas a adquirir e descartar um número exorbitante de material de consumo periodicamente. Picon et al. (2002) também relata que a dança clássica, no decorrer de sua evolução, vem exigindo de seus praticantes desempenhos cada vez mais complexos em calçados que podem ser considerados rígidos, a fim de manter sua tradição e o grau de dificuldade técnica desta arte. Percebe-se, até aqui, que este produto carece de modificações estruturais, ergonômicas e de uso. Contribuições no campo da Ergonomia, como o estudo de Keller e Santos (2006) e de CEZAR et al. (2003), já apontaram que: para se obter um calçado confortável e então ergonômico, deve-se analisar as condições: de calce, temperatura, distribuição de pressão e absorção de choque, deve-se manter a integridade dos pés, proteger os pés, oferecer segurança, estar adequado à atividade a que se destina,. Um calçado confortável deve preservar a saúde do usuário, não machucar os pés, protegê-lo e ser adequado à atividade que o calçado se destina. Tratando-se da sapatilha de ponta, este é um verdadeiro desafio. Problemas ergonômicos associados à prática do balé e ao uso de sapatilha de ponta Como será demonstrado abaixo, muitos estudos, na área da ergonomia e da saúde, apontam a prática do balé clássico como portadora de diversos problemas ocupacionais. Acredita-se que estes dados sejam manifestados em uma porcentagem significativa das praticantes profissionais. A ergonomia é um campo de estudo amplamente utilizado em diversas áreas, com caráter multidisciplinar (IIDA, 2005) e que tem por objetivo melhorar as condições do homem de acordo com as atividades realizadas no dia-a-dia, trazendo conforto, satisfação e bem-estar, e ainda, garantindo a sua segurança (MORAES; MONT’ALVÃO, 2010). 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta Para discorrer sobre a ergonomia é necessário primeiramente explicar a anatomia dos pés. Segundo Keller e Santos (2006) o pé tem como importante função a sustentação do corpo e é essencial para a atividade de locomoção. Ele possui músculos divididos em quatro regiões, sendo estas: a dorsal, plantar, plantar interna e plantar externa, tendo entre elas um total de 20 músculos e possuindo ainda os tendões que são uma continuação dos músculos, e os ligamentos que tem como função o sistema ósseo do pé. Segundo Prati e Prati (2006), a atividade física, como qualquer movimento corporal produzido pelo sistema músculo-esquelético, proporciona maior gasto de energia, acarretando em benefícios à saúde do praticante, quando realizadas corretamente. Dentro desta prática esportiva destaca-se o movimento, uma das características mais presentes na atividade do balé. As estruturas do organismo podem ser diretamente afetadas pela forma de execução, quantidade e especificidade do movimento. Por isto, Guimarães e Simas (2001) relatam que, quando a atividade física é levada a certos limites, solicitando ao máximo dos músculos e tendões, ossos e articulações, pode atuar como agente patológico sobre o aparelho locomotor. A atividade do balé apresenta elevadas amplitudes articulares e repetitividade de movimentos que levam a desequilíbrios de grupos musculares, alterando a biomecânica do corpo e comprometendo a função (COSTA; PINHEIRO, 2007). A bibliografia também apresenta dados alarmantes sobre a quantidade e variedade de lesões osteomusculares associadas à prática do balé com o uso da sapatilha de ponta, conforme mostrado a seguir. Segundo Guimarães e Simas (2001), as lesões mais frequentes derivadas da prática do balé são as de pé e tornozelo, seguido das de joelho e quadril. Os membros superiores são menos acometidos. Essas lesões acontecem devido ao excesso de exercícios, repetições e graças ao uso incorreto e precoce da sapatilha de ponta. Prati e Prati (2006) relatam diversos estudos que apontam que dentre os problemas de postura e dores prevalentes em bailarinas clássicas, estão: as hiperlordoses lombares (80% de casos), tronco inclinado (72% de casos) e cifose cervical (62% de casos). Monteiro e Grego (2003) afirmam que as lesões decorrentes da dança vêm sendo investigadas na Europa e América do Norte, com enfoque predominante para o balé clássico. Por este motivo, profissionais da dança atualmente vêm condenando, por exemplo, o uso da sapatilha de ponta, sendo, as posições básicas, realizadas em meia ponta para prevenir lesões. O trabalho na ponta faz com que os dois primeiros metatarsos suportem a maior parte do peso corporal. Conseqüentemente, quando as bailarinas aprendem a dançar na ponta dos pés, esses ossos começam a sofrer processo de remodelagem, tornando-se muito mais espessa que em pessoas que não dançam. (BARCELLOS, IMBIRIBA, 2002). A tendência da bailarina é ficar na posição en dehors (princípio mais importante do balé) e transferir o peso do corpo para o arco interno do pé, podendo desenvolver alterações nos membros inferiores, como o pé valgo e calcâneo valgo. Assim também o trabalho incorreto do demi-plié pode levar a problemas na coluna, joelhos, pés e tornozelos. As articulações são afetadas pela força colocada nos pés, tornozelos e joelhos. Este cenário biomecânico prepara a bailarina para a formação do joanete e resulta em problemas de disfunção patelofemoral, tendinite patelar e condromalacia da patela. Podem surgir joelhos elásticos ou para trás, em conseqüência de ligamentos distendidos. Outras deformações ainda podem advir do uso precoce de pontas, com os pés em garra, ou seja, com os dedos encolhidos, como sugere o nome (GUIMARÃES; SIMAS, 2001). A técnica do balé aplicada de forma incorreta e precoce provoca lesões que, muitas vezes, acabam com a carreira da bailarina. Isto pode ocorrer quando se trabalha 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta excessivamente um só movimento, principalmente na sapatilha de ponta (GUIMARÃES; SIMAS, 2001). As características técnicas e estéticas do balé levam a uma prática com movimentos nada anatômicos, conduzindo a bailarina clássica a um grupo de lesões: associadas a erros de técnica e de treinamento e ao uso indevido da sapatilha de ponta (GUIMARÃES, 2001). Picon e Franchi (2007) cita que sapatilhas de ponta são particularmente desconfortáveis para os artelhos, pois estes devem se ajustar na gáspea e daí alcançar a completa flexão plantar, que é a posição em pontas. Nesta especial construção, a flexão plantar é totalmente atingida, dedos, arcos plantares, e bordo anterior dos pés ficam comprimidos e formam as principais regiões de apoio e sustentação para a bailarina, o que requer um grande esforço neuro-muscular, fisiológico e ósseo. Grego et al.(2006) alega que a execução de exercícios sobre a sapatilha de ponta foi nos seus estudos a segunda dos AMEs. Os estudos que apontam as sapatilhas de ponta como calçados pouco seguros para a prática da dança (PICON et al., 2002) e o formato anatômico da sapatilha de ponta que provoca o estrangulamento dos dedos (MONTEIRO; GREGO, 2003). Portanto, a sapatilha de ponta, associada a específicos movimentos pode ser um importante instrumento no desenvolvimento de lesões, uma vez que esta não é desenhada a fim de proteger os pés contra estresses físicos (PICON et al., 2002). Não se deve culpar unicamente a atividade física, mas também os erros de técnica e de treinamento, que acabam sendo os principais causadores de problemas ergonômicos. Fica claro também que a bibliografia associa o aparecimento destes problemas de ordem ergonômica ao uso de sapatilhas de ponta. Resultados e conclusão É pertinente afirmar que a literatura proporcionou convergências em relação a algumas premissas, mesmo quando de áreas diferentes: - apesar do balé ser uma forma de arte antiga e prestigiada, ainda está presa a conceitos que nos fazem questionar suas diretrizes austeras e adversa a mudanças. Um olhar mais detalhado oferece condições de afirmar que já existem questionamentos quanto ao sacrifício do corpo pela arte e que a expressão corporal deve evoluir para a expressão da individualidade; - existe um consenso de que a sapatilha carece de transformações tecnológicas e que, atualmente, o desenho não oferece segurança, conforto e estabilidade. Os movimentos minuciosos que encadeiam a participação de ossos, músculos e nervos são diretamente afetados pela relação entre a prática do balé e o uso da sapatilha de ponta; - muitas considerações presentes na bibliografia poderiam auxiliar o projeto de novos produtos demonstrando os pontos falhos e apontando parâmetros ergonômicos para a elaboração de novos produtos; - estudos interdisciplinares da área de design e de ergonomia para sapatilhas de ponta seriam proveitosos e acrescentariam virtuosidade técnica, estética e tecnológica. Beneficiariam os usuários, deixando se der considerado um objeto de confecção defasado; - o excesso de exercícios e repetições, o uso precoce e incorreto da sapatilha de ponta e a prática de posições incorretas são os grandes causadores de lesões osteomusculares. O bom preparo físico, a informação e um bom calçado somam qualidade de vida e devem estar presentes em qualquer forma de atividade física. Este artigo buscou conhecer e analisar as contribuições culturais e científicas existentes sobre o assunto abordado, onde se sucedeu a reflexão sobre o tema com o intuito de proporcionar maior qualidade de informações possíveis do fenômeno em questão e auxiliar 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta futuras pesquisas sob o ponto de vista do design, na expectativa de que o balé, que é uma manifestação artística tão sutil, possa deixar de ter um fardo tão pesado. Referências ASSIS, M. D. P. ; et al. Expressão Corporal e Ballet Clássico aplicados à Ginástica Rítmica: importância na composição de base de uma série. Movimento & Percepção, Espírito Santo do Pinhal, SP, v. 10, n. 15, p. 274-303. jun/dez 2009. ASSUMPÇÃO, Andréa Cristhina Rufino. O balé clássico e a dança contemporânea na formação humana: caminhos para a emancipação. Rev. Pensar a Prática. Goiás, v. 6, p. 1– 20, 2003. 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