Cinto de segurança: uso obrigatório de quem e para quem? * Patrícia Viviani da Silva Na semana do dia 3 de novembro a Rádio CONCEPA solicitou entrevista sobre o uso do cinto de segurança. As questões indagadas eram: por que as pessoas não fazem uso do cinto de segurança em trajetos curtos? O que isso implica? Por que deste descumprimento da lei? Por que as pessoas se expõem ao risco? Vivemos hoje em uma sociedade individualista, onde cada vez mais cada pessoa só pensa em si. Joel Birman, psicanalista carioca coloca que vivemos em uma “sociedade do espetáculo”; o que importa é o show que cada um consegue dar e quanto maior e melhor a performance, maior é o sucesso. Isso coloca nós indivíduos frente a uma vulnerabilidade assustadora e aterrorizadora, pois perdese a identidade, a singularidade, o respeito e consideração ao próximo. Todos tem pressa, querem o imediato, com isso não importa de que forma conseguirão ser ou chegar em primeiro lugar, e assim consequentemente tornam-se também onipotentes frente a vida. Diante deste cenário, a vida no trânsito não poderia ser diferente e acaba sendo palco explícito do mal que padece o ser humano, pois reproduz exatamente esta cultura em ambiente desproporcional e descabido. O trânsito somos nós, embora muitos enxerguem como algo separado, todos estamos inseridos neste contexto seja como motoristas, caroneiros ou pedestres e sofremos as consequencias destes desajustes. É preciso uma mudança de cultura, de comportamento, de paradigma. Precisamos trabalhar que vivemos em um coletivo, que não podemos ter atitudes egoístas, que não podemos ser individualistas, que precisamos respeitar o outro. Mas como mudar isso tudo, se a sociedade prega bem o contrário? O culto a pressa, a competição e ao imediatismo? Se faz urgente uma revisão de valores. As pessoas não fazem uso do cinto de segurança em trajetos curtos pela onipotência de achar que nada irá acontecer, afinal “só irá alí na esquina… não precisa é rápido, é logo alí…” “estou com pressa, atrasado, sente aí e vamos filho…” estes são discursos corriqueiros que presenciamos no dia a dia. Quem cuida de quem? De quem é a responsabilidade? Precisamos realmente da fiscalização como um limite externo? Mas a vida é de quem? O uso do cinto de segurança se tornou obrigatório desde 1989 nas rodovias nacionais, mas foi a partir de 1 de janeiro de 1998 quando entrou em vigor o Código de Trânsito Brasileiro que se concretizou a obrigatoriedade de seu uso em todas as vias públicas. De acordo com a Associação Brasileira do Tráfego, cerca de 60% das mortes no trânsito do país são causadas por pancadas na cabeça e as outras 40% em virtude de lesões no peito, pescoço e abdômen. Hoffmann (2003), coloca que se o condutor brasileiro tivesse mais consciência, o uso do cinto evitaria grande parte dessas lesões e também das mortes. As crianças desde século estão desenvolvendo o hábito de fazer uso do cinto como forma de proteção e não questionam seu uso, não sentem como uma obrigatoriedade e sim uma forma de cuidado. É lamentável que muitos adultos ainda sejam resistentes ao seu uso. Precisamos estar atentos a esta alteração de valores e funções, afinal não é o adulto que deve transmitir cuidado, a prática de boas maneiras, o exemplo, a noção de limites??? Vivemos também uma inversão de papéis, onde as crianças estão ensinando e transmitindo o que é certo. “Papai não corra”, “mamãe você esqueceu do cinto!?” Temos que estar juntos nesta causa, neste bem comum, todos unidos, cada um fazendo sua parte, não podemos somente esperar por um futuro melhor e sim tornar um presente bom também, com qualidade de vida, com tolerância, com respeito, com humanidade. A invenção do cinto de segurança não foi por acaso e sim devido a disparidade de mortalidade entre as vítimas lançadas para fora e aquelas que permaneciam dentro dos veículos. Foram anos de investigação para constatar a eficácia na redução do número de vítimas e na gravidade dos ferimentos com o uso do cinto. Desta forma, cabe pensar em adaptar cada vez mais nosso transporte coletivo de forma que estejam aptos a transportar crianças, adultos, pessoas portadoras de necessidades especiais de forma correta e segura. Alertamos a necessidade de que todos os meios de transportes ofereçam cadeiras para crianças, Assim, vamos aos poucos construindo este trânsito que tanto sonhamos, onde todos possam transitar com menos receio, menos temor e mais vida. *Psicóloga, Psicanalista de adolescentes e adultos, Sócia Fundadora do Ande Bem Instituto de Psicologia do Trânsito e Diretora do Exercício Profissional da Sociedade de Psicologia do RS (2009-2011).