ID: 46096264
10-02-2013
Tiragem: 41360
Pág: 20
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 26,65 x 30,32 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
Terceiro carril na linha Sines-Badajoz
arrisca-se a não ser rentável
Instalar um terceiro carril é uma operação mais complexa do que parece. E como, do lado espanhol, não
há continuidade com bitola europeia, especialistas alertam que este investimento pode não ser rentável
Transportes
Carlos Cipriano
A opção do Governo por uma Linha
de Transporte de Mercadorias (LTM)
em substituição do TGV pode ter significado ao nível do discurso político
— a alta velocidade era um “luxo”
dispensável para o país —, mas a alternativa apresentada do terceiro
carril revela-se pouco rentável, devido a questões técnicas ainda pouco
estudadas e à realidade do mercado
do transporte de mercadorias na Península Ibérica.
O anúncio de que a linha SinesBadajoz contemplará um terceiro
carril, para, em simultâneo, nela
poderem passar comboios em bitola ibérica (1,67 metros de distância
entre carris) e bitola europeia (1,44
metros), foi feito na quinta-feira pelo
secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, que avançou
para esse fim com um investimento
estimado de 700 milhões de euros,
para o qual haverá comparticipação
comunitária.
Este projecto inclui a construção
de uma linha nova em via única
entre Évora e Badajoz com os três
carris, bem como a colocação de
um terceiro carril ao longo dos 233
quilómetros de via-férrea entre Sines e Évora. Em alternativa, poderão ser construídos novos troços só
em bitola europeia ao lado da linha
existente.
No troço Casa Branca-Évora, que
foi alvo recentemente de um investimento de 48,4 milhões, é necessário
desfazer a obra feita, porque as travessas bibitola estavam preparadas
para, no futuro, receberem a bitola
europeia e não para a instalação de
um terceiro carril.
Do ponto de vista estratégico e
comercial, este investimento não
tem garantias de rentabilidade,
porque, do lado espanhol, não há
continuidade. Entre a fronteira portuguesa e a fronteira francesa, há
mil quilómetros de distância que
aguardam pelo interesse (e capacidade de financiamento) dos espanhóis em mudar a sua bitola para a
que existe além-Pirenéus.
É certo que a linha de alta velocidade que Espanha está a construir
entre Madrid e Badajoz (e que já
não terá continuidade para Lisboa)
é em bitola europeia, mas trata-se
exactamente de uma linha de alta
velocidade, para velocidades de
350 km/hora, não vocacionada para comboios com cargas pesadas de
contentores e granéis.
Mais: essa linha chega à capital
espanhola através de um troço comum com a linha de alta velocidade
Sevilha-Madrid e sem qualquer ligação aos terminais de mercadorias
madrilenos, aos quais só se acede
em bitola ibérica de e desde toda a
Peninsula Ibérica.
Mercadorias sem comboio
Manuel Tão, doutorado em Economia de Transportes, alerta para
o facto de só 4% das mercadorias
transportadas entre Portugal e Espanha viajarem de comboio. “Esta
baixa quota intrapeninsular não
se pode explicar pelo facto de não
existir bitola europeia. A bitola é a
mesma entre os dois países”, diz,
realçando que, segundo o INE, cerca de 70% das cargas terrestres que
entram e saem de Portugal fazem-se
com Espanha e só 30% com o resto
da Europa.
“Logo, há ainda muito a crescer
para o modo ferroviário durante
várias décadas e com a bitola ibérica”, conclui. E, parafraseando o
também especialista em Transportes José Manuel Viegas, acrescenta:
“Antes de ganhar o campeonato europeu, temos de ganhar o campeonato ibérico”.
Por estes motivos, o também professor na Universidade do Algarve
diz que “a bitola não é um problema
para o transporte ferroviário de mercadorias, pelo que o Governo não
está a acertar nas prioridades”.
Nélson Oliveira, engenheiro com
pós-graduação em Transporte Ferroviário, chama a atenção para esta
“solução minimalista” do Governo,
que percebeu que seria um erro eliminar a bitola ibérica pela importância que esta tem no efeito de rede em
Portugal e Espanha. Mas tem dúvidas
quanto aos milhões que vão ser gastos no terceiro carril. “Em vez de se
investir em linhas novas para encurtar distâncias, o que vão fazer é apostar na geografia actual colocando o
terceiro carril”, disse. E acrescentou:
“Mais valia investir na modernização
da linha de Cascais”.
Álvaro Costa, da Universidade do
Porto, questiona a rentabilidade deste projecto e pergunta onde estão os
estudos que o sustentam. “Enquanto não houver um estudo de rentabilidade para esta ideia do terceiro
carril, não faz sentido pensar-se no
investimento”, disse ao PÚBLICO.
LUÍS PÓ
Problemas técnicos
O secretário de Estado vai mais longe
e quer que os portos de Setúbal e
Lisboa estejam também ligados a Badajoz com bitola europeia (com colocação de terceiro carril), mas num
horizonte mais largo e com recurso
a outro pacote de financiamento.
A instalação de um terceiro carril
numa via-férrea não é, porém, tão
simples quanto parece, porque é necessário abrir a linha e substituir as
travessas, uma operação que demora
muitos meses e obriga a interrupções
de via, que prejudicam o trânsito dos
comboios. Há também problemas
que não estão devidamente estudados ao nível da sinalização devido à
coabitação, na mesma linha, de comboios com diferentes bitolas. Por último, é ainda obrigatório mudar todos
os aparelhos de via (agulhas) para os
adaptar ao terceiro carril.
O transporte de mercadorias entre Portugal e Espanha é sobretudo rodoviário, só 4% das cargas vão de comboio
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Terceiro carril na linha Sines-Badajoz arrisca