Acórdãos STA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:
0763/07
Data do Acordão:
13-02-2008
Tribunal:
2 SECÇÃO
Relator:
JORGE LINO
Descritores:
IRS
MAIS VALIAS
Sumário:
Não há sujeição a IRS, por “mais-valias”, dos ganhos
obtidos pela venda, em 30-6-2001, de um imóvel,
adquirido em 26-10-1983, e cuja aptidão para construção
veio a ser declarada por Plano Director Municipal
aprovado em 23-9-1994 – de harmonia com as disposições
combinadas do artigo 1.º, n.º 1, e § 2.º, do Código do
Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46
373, de 9 de Junho de 1965; do artigo 10.º, n.º 1, alínea a),
do Código do IRS; e do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
442-A/88, de 30 de Novembro.
Nº Convencional:
Nº do Documento:
Recorrente:
Recorrido 1:
Votação:
JSTA0008766
SA2200802130763
A...
FAZENDA PÚBLICA
UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral
Texto Integral:
1.1
A… vem interpor recurso da sentença do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou
improcedente a impugnação judicial contra a «liquidação
de IRS relativa ao ano de 2001, no valor de 20.528,47
euros e Juros Compensatórios no valor de 3.358,54
euros».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes
conclusões.
1. Em 26 de Outubro de 1983 a recorrente adquiriu por
morte de B… ocorrida em 28 de Maio de 1983, 1/5 do
prédio rústico a que os autos se reportam, e em 30 de
Julho de 2001 ela e os demais comproprietários do
sobredito prédio, venderam o mesmo à sociedade
comercial C…, SA, por 104 747,55 euros.
2. A sociedade compradora solicitou em 11 de Outubro de
2001 uma licença de construção para o referido prédio que
foi emitida por Alvará em 13 de Outubro de 2003, tendo a
sociedade desistido do pedido de licença em 20 de Janeiro
de 2005.
3. O prédio rústico já estava integrado em Zona de
construção de acordo com o Plano Director Municipal de
Santo Tirso quando foi vendido em 30 de Julho de 2001.
4. Trata-se de saber no caso sub judicio se devem ser
tributados, em sede de IRS - Rendimento da categoria G os ganhos resultantes da alienação de um prédio rústico –
o prédio a que os autos se referem.
5. Alude a decisão recorrida e a Administração fiscal que
«De harmonia com o artigo 6.° do Código da Contribuição
Autárquica, com redacção do tempo, consideram-se
terrenos para construção os terrenos para os quais tenha
sido concedida qualquer licença de construção, licença que
foi requerida em Outubro de 2001», cfr. doc. n.° 3.
6. Acrescenta que, «Assim, na data da alienação o prédio
detinha a natureza de terreno para construção - art° 6 CCA
- não obstando à incidência do imposto de mais valias o
facto de ter sido adquirido pelo vendedor em 1983, como
prédio rústico, porquanto o conceito de terreno para
construção, reportar-se-á ao momento em que o ganho é
obtido - circular 30/65 de 16.09.1965».
7. Alude a decisão recorrida que dispunha o art. 1° do
Código do Imposto de Mais Valias aprovado pelo DL
46673 de 9 de Junho de 1965, que estavam sujeitos ao
respectivo imposto de mais valias a transmissão onerosa
de terrenos para construção qualquer que seja o título por
que se opere quando dela resultem ganhos não sujeitos a
encargos de mais valias previstos no artº. 17 da Lei 2030
de 22/1/48 ou no artº. 4 do DL 41616 de 10/05/58 e que
não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em
contribuição industrial.
8. Nos termos do parágrafo 2° dos mesmos preceitos
legais, são havidos como terrenos para construção, os
situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em
planos de urbanização já aprovados e os assim declarados
no título constitutivo.
9. Diz a douta decisão recorrida que o prédio em causa já
era terreno para construção, uma vez que, desde 1994
estava integrado em zona de construção segundo o PDM
da Câmara Municipal de Santo Tirso, pelo que a posterior
alienação estava sujeita a tributação em sede de mais
valias.
10. Na sequência, sufraga a posição da Administração
Fiscal que procedeu à tributação de mais-valias à ora
impugnante, acrescido de juros compensatórios e do
estorno.
11. Não podemos anuir com a tese vertida na decisão
recorrida que assenta numa errada interpretação e
aplicação das normas jurídicas suscitadas mormente
daquilo que se deve considerar como terreno para
construção face aos preceitos ínsitos, na consideração
conjugada e nos moldes que infra se exporá, na
- alínea a), do n.° 1, do artigo 10º do CIRS (redacção ao
tempo da transmissão do prédio rústico),
- do n° 1, do artº. 5 do Decreto-Lei n° 442-A/88, de 30 de
Novembro (regime transitório da categoria G), DecretoLei n°46 373, de 9 de Junho de 1965),
- do n°1, do art. 1° do Código do Imposto de Mais-Valias,
- e, fundamentalmente do artº. 6 do CCA e n.° 3°, do artº.
6° do Código da Contribuição Autárquica (CCA),
- no § 3.° do artº. 49° do Código do Imposto Municipal de
Sisa e do Imposto sobre as doações - C.I.M.S.I.S.
(redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°
252/89, de 5 de Agosto).
12. Nos termos da alínea a), do n.° 1, do artigo 10° do
CIRS (redacção ao tempo da transmissão do prédio
rústico), constituem mais-valias os ganhos obtidos que,
não sendo considerados rendimentos comerciais,
industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem
da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
13. No entanto, de harmonia com o n° 1, do art. 5° do
Decreto-Lei n° 442-A/88, de 30 de Novembro (regime
transitório da categoria G) os ganhos que não eram
sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código
aprovado pelo Decreto-Lei n° 46 373, de 9 de Junho de
1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou
direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da
entrada em vigor do CIRS, ou seja, depois de 01 de
Janeiro de 1989, cfr. Artº. 2° daquele diploma.
14. De acordo com o disposto no n.° 1, do artº. 1° do
Código do Imposto de Mais-Valias, este imposto incidia
sobre os ganhos realizados através da transmissão onerosa
de terreno para construção qualquer que fosse o título por
que se operasse.
15. Nos termos do n.° 3º, do artº. 6.º do Código da
Contribuição Autárquica (CCA), são considerados
terrenos para construção, os situados dentro ou fora de um
aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedido
alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida
licença de construção - Destinação Objectiva - e ainda
aqueles que assim tenham sido declarados no título
aquisitivo - Destinação Subjectiva -, exceptuando-se, no
entanto, aqueles a que as entidades competentes vedem
toda e qualquer licença de construção, designadamente os
localizados em zonas verdes, áreas protegidas, ou que, de
acordo com os planos municipais de ordenamento do
território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a
equipamentos públicos.
16. Nada disso se verifica a propósito do prédio rústico em
causa.
17. À data da outorga da escritura pública de compra e
venda (30 de Julho de 2001) o prédio transmitido não
reunia os requisitos legais para ser qualificado como
terreno para construção já que, para o mesmo não havia
sido concedido qualquer alvará de loteamento, nem
aprovado ou concedida licença de construção.
18. O facto de o prédio estar localizado em zona de
construção segundo o PDM em vigor não releva para tal
classificação, uma vez que aquele conceito deve ser o que
consta dos referidos preceitos legais (CRITÉRIO DA
DESTINAÇÃO) - n.° 3°, do artº. 6° do Código da
Contribuição Autárquica (CCA) -, e não o que constava do
revogado Código do Imposto de Mais-Valias e no § 3° do
artº. 49.° do C.I.M.S.I.S. Doações (redacção anterior à que
lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 252/89, de 5 de Agosto).
19. O legislador não sufragou relativamente aos «Terrenos
para Construção» o conceito mais amplo que figurava no
revogado Código do Imposto de Mais-Valias no § 3° do
artº. 49.° do C.I.M.S.I.S. Doações (redacção anterior à que
lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 252/89, de 5 de Agosto).
20. Face ao conceito mais restritivo vertido no artº. 6° do
CCA, torna-se evidente que apenas constitui terreno para
construção aquele em relação ao qual existe, em
alternativa, aprovação de um projecto, licença de
construção, alvará de loteamento ou que assim tenha sido
declarado no título constitutivo, violando a decisão
recorrida este preceito ao considerar uma interpretação
ampla de terreno para construção.
21. Na falta de destinação subjectiva manifestada no título
aquisitivo, não basta, como pretende a administração fiscal
e a douta decisão recorrida, a mera potencialidade
abstracta para a construção, exigindo-se a emissão de
título que a possibilite em concreto, que a legitime cfr.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, 2.ª
secção - contencioso tributário -, de 10-02-2005, in
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf
22. No titulus adquirendi, em caso algum se referiu que o
prédio se destinasse a construção.
23. Tanto nos preliminares do contrato como na formação
dele, em circunstância alguma se declarou que o prédio de
destinasse a construção urbana, uma vez que a licença para
a realização de obras de construção no prédio, só foi
aprovada em 06.10.2003, tendo sido solicitada em
11.10.2001, sempre depois da celebração da escritura
pública de compra e venda.
24. Não pode a Administração Fiscal e o tribunal a quo
ficcionar que o mesmo se destinou a construção, já que tal
não aparece referido no título, sendo que o mesmo teria,
necessariamente, de destinar-se à prossecução dos fins da
própria empresa compradora, podendo destinar-se a tantos
fins quanto a imaginação humana permitir - v.g.: captação
de água para a actividade da compradora, exploração de
produtos hortícolas para a cantina da empresa compradora,
arrendamento ou qualquer outra aplicação financeira ou
revenda, aliás, destino expressamente declarado no
contrato de compra e venda pela compradora, etc., etc.,
etc.
25. Não se vislumbra reunidos os pressupostos de facto e
direito necessários para a administração fiscal actuar como
actuou, seja, liquidar imposto de mais-valias na
transmissão operada e, o mesmo se terá que dizer da douta
decisão recorrida ao manter a liquidação operada
sufragando a tese da Administração fiscal.
26. Assenta a douta decisão recorrida, e a posição da
Administração fiscal, numa errada interpretação daquilo
que se deve, face aos preceitos legais aplicáveis, entender
por terreno destinado a construção, violando a decisão
recorrida:
- o n° 1, do artº. 5 do Decreto-Lei n° 442-A/88, de 30 de
Novembro (regime transitório da categoria G) - DecretoLei n°46 373, de 9 de Junho de 1965;
- e, fundamentalmente o artº 6° do CCA e n.° 3°, do artº.
6° do Código da Contribuição Autárquica (CCA), que
consagra o conceito restrito de terreno destinado a
construção sufragado pelo legislador.
27. Nos termos do n.° 4°, do artº. 11° da Lei Geral
Tributária (LGT), a administração Fiscal, e o douto
tribunal a quo na decisão recorrida, não pode recorrer à
integração analógica no domínio dos elementos essenciais
dos impostos, como é o caso da incidência, para, por motu
próprio e em seu exclusivo beneficio, dar por assente
declarações que o contribuinte não produziu.
28. A proibição de integração analógica funda-se no
princípio constitucional da legalidade fiscal, cfr. José
Casalta Nabais, in Direito Fiscal, Almedina, pp. 190.
29. Não pode ser considerado pelo intérprete o
pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal, ainda que,
imperfeitamente expresso, cfr. Artº. 9° do Código Civil.
30. As dúvidas sobre a existência e qualificação do facto
tributário são valoradas a favor do contribuinte,
conduzindo à anulação do acto tributário, encontra-se
plasmado no artº. 100.°/1 do CPPT, que dispõe que
«sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida
sobre a existência e qualificação do facto tributário, deverá
o acto impugnado ser anulado».
31. O respeito pela propriedade privada,
constitucionalmente consagrado (artº. 62.°/1 da CRP),
reflecte-se em matéria tributária no princípio de um rígida
legalidade, a qual só por si revela que, mesmo no caso de
incerteza sobre a aplicação da lei fiscal, são mais fortes as
razões de salvaguarda do património dos particulares do
que as que conduzem ao seu sacrifício (este é o verdadeiro
fundamento teórico pretendido da regra in dubio contra
fiscum), cfr. António Carvalho Martins, in
“Responsabilidade dos Administradores ou Gerentes por
Dividas de Imposto”, 2ª edição, Coimbra Editora, pp. 43.
32. No mesmo sentido decidiu o STA (2.ª secção), cfr.
douto acórdão de 16-01-1980, apêndice ao D.R. de 31-101984: «Se os elementos existentes no processo mostrarem
uma dúvida irredutível, quanto à existência ou não
existência do acto tributário, a liquidação deve ser
anulada».
33. É inequívoco que a transmissão sub judicio não está
subjugada à tributação de mais- valias, porquanto, apesar
do prédio se situar em zona de construção segundo o PDM
de Santo Tirso, não foi concedido para o mesmo, à data da
transmissão, qualquer alvará de loteamento, ou aprovado
qualquer projecto ou pedido de licença de construção,
além de que na escritura pública figura como prédio
rústico tal qual figurava à data da aquisição pela ora
impugnante.
34. No sentido propugnado veja-se, em situação mais
dúbia do que esta, o Acórdão do Tribunal Central
Administrativo do Norte, 2.ª secção - contencioso
tributário – de 10-02-2005, in http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf
35. A Administração Fiscal e a decisão recorrida erraram
na classificação do terreno ao considera-lo para construção
em manifesta oposição aos preceitos legais supra
aduzidos, mormente do art. 6.° do CCA e n° 1, do artº. 5
do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro (regime
transitório da categoria G) - aplicável ao caso -, pelo que
se encontra o acto tributário inquinado do vício de
violação da lei e, como tal, deve ser anulado com as legais
consequências, e
36. Pelas mesmas razões a decisão recorrida errou, salvo o
devido respeito, na classificação do terreno ao consideralo para construção em manifesta oposição aos preceitos
legais supra aduzidos, mormente do artº. 6.° do CCA, e n°
1, do artº. 5 do Decreto-Lei n° 442-A/88, de 30 de
Novembro (regime transitório da categoria G) - aplicável
ao caso - pelo que se encontra o acto tributário inquinado
do vício de violação da lei - e por isso deve ser revogada a
douta decisão recorrida com as legais consequências.
Assim, e face a toda a retórica expendida, deve ser
revogada a sentença do douto tribunal a quo e ser
proferido acórdão, dando provimento a tudo o peticionado
pela recorrente na petição de impugnação da liquidação
tributária a que os autos se reportam (…).
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte
parecer.
Vistos os autos verifica-se que:
- A fracção em causa foi adquirida, por sucessão, em
28.5.1983;
- O terreno de que fazia parte estava inscrito em matriz
rústica, não se situava em zona urbanizada, nem estava
compreendido um plano de urbanização e da escritura de
venda consta que se destinava a revenda;
- Apenas em 1994 o PDM o integrou em zona de
construção e só em 2001 foi pedida licença para nele se
construir.
Por outro lado, o CIRS entrou em vigor em 1.1.1989 (artº.
2º do DL n.º 442-A/88 de, 30.11).
Do exposto resulta que, na data de aquisição, o terreno
não se destinava a construção (alínea 2 do artº. 1º do
CIMValias, “a contrario”) e que essa aquisição ocorreu
antes da entrada em vigor do CIRS.
Como assim, funciona a regra do art.º 5º do dito DL n.º
442-A/88, pelo que os ganhos obtidos na venda feita em
30.7.2001 não são tributáveis em IRS.
Cfr., em abono, nos acórdãos de 4.11.04, r. 659/04; de
29.3.06, r. 1213/05; de 6.6.07, r. 179/05; etc.).
É por estas razões que sou de parecer que o recurso
merece provimento.
1.5 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da
posição do Ministério Público, a questão que aqui se
coloca é a de saber se estão sujeitos a IRS, ou não, os
ganhos obtidos com a alienação do imóvel em foco.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o
seguinte.
A - Dos factos provados, com relevância para a decisão
da causa:
- Em 26 de Outubro de 1983 a impugnante adquiriu por
morte de B… ocorrida em 28 de Maio de 1983 1/5 do
prédio rústico denominado “…”, com a área de 9500 m2,
sito no lugar de Luvazim, freguesia de Vila das Aves,
concelho de Santo Tirso, descrito na Conservatória do
Registo Predial sob o n.° 2094 e inscrita na respectiva
matriz rústica sob o artigo 406-cfr. Certidão emitida pelo
Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães do processo
de inventário obrigatório (doc. fls. 25 a 29 dos autos).
- Em 30 de Julho de 2001 a impugnante e os demais
comproprietários do prédio, venderam o mesmo à
sociedade comercial C…, SA, cfr. doc. de fls. 25 a 29 dos
autos por, 104.747,55 euros.
- A sociedade compradora solicitou em 11 de Outubro de
2001 uma licença de construção para o referido prédio.
- A licença de construção pedida foi emitida por Alvará
em 13 de Outubro de 2003.
- A sociedade C…, desistiu do pedido de licença em 20 de
Janeiro de 2005.
- O prédio rústico já estava integrado em zona de
construção de acordo com o Plano Director Municipal de
Santo Tirso quando foi vendido em 30 de Julho de 2001.
- O referido Plano Director Municipal foi aprovado pela
Resolução do Conselho de Ministros n.° 90/94 de 23 de
Setembro.
B - Factos não provados com relevância para a decisão
da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a
decisão da causa.
2.2 O n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto de MaisValias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de
Junho de 1965, determinava que «O imposto de maisvalias incide sobre (…) a transmissão onerosa de terreno
para construção, qualquer que seja o título por que se
opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos
encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º
2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do
Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não
tenham a natureza de rendimentos tributáveis em
contribuição industrial».
E estabelecia o § 2.º do mesmo artigo 1.º do mesmo
Código do Imposto de Mais-Valias que «São havidos
como terrenos para construção os situados em zonas
urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização
já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
Considerava, assim, a lei, como qualificativos de natureza
jurídica de terreno para construção três circunstâncias não
cumulativas: a de os terrenos estarem abrangidos por
planos de urbanização; a de, por declaração dos
contraentes, se destinaram a construção urbana; e a de os
terrenos, objectivamente e independentemente de qualquer
daquelas características, se localizarem em zona
urbanizada – cf. a este respeito, por exemplo, António
Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal
Português, II, p. 746.
Sob a epígrafe “Mais-Valias”, o artigo 10.º do Código do
IRS, na alínea a) do seu n.º 1, preceitua que «Constituem
mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo
considerados rendimentos empresariais e profissionais, de
capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de
direitos reais sobre bens imóveis».
No entanto, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do DecretoLei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro – que aprovou o
Código do IRS, e estabelece o “Regime transitório da
categoria G” – «Os ganhos que não eram sujeitos ao
imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965 (…) só
ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a
que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em
vigor deste Código».
A função deste preceito é a de delimitação negativa do
âmbito de incidência do n.º 1 do artigo 10.º do Código do
IRS. Com efeito, este n.º 1 do artigo 10.º do Código do
IRS procede a um alargamento da base de tributação do
IRS, especificamente na componente de mais-valias –
alargamento que se torna perceptível pela comparação dos
ganhos sujeitos a este imposto, taxativamente enunciados
no n.º 1 do dito artigo 10.º do Código do IRS, com os
ganhos descritos no n.º 1 do artigo 1.º do Código do
Imposto de Mais-Valias.
Portanto: a norma do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º
442-A/88, de 30 de Novembro, visa afastar de sujeição a
IRS os ganhos das vendas de imóveis, adquiridos antes da
entrada em vigor do Código do IRS, que já não fossem
sujeitos ao imposto de mais-valias criado pelo Código de
Imposto de Mais-Valias aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46
373, de 9 de Junho de 1965.
Cf. neste sentido os acórdãos desta Secção do Supremo
Tribunal Administrativo, de 7-6-2004, 29-3-2006, e 6-62007, proferidos nos recursos n.º 659/04, n.º 1213/05, e n.º
179/07, respectivamente.
Assim, do regime legal acima apontado retiram-se os
seguintes ditames:
- os ganhos já sujeitos ao imposto de mais-valias
encontrar-se-ão sujeitos a IRS, pela categoria G;
- os ganhos não sujeitos a imposto de mais-valias, e
decorrentes da alienação de bens ou de direitos que
tenham sido adquiridos até 31-12-1988, não se
encontrarão sujeitos a IRS;
- os ganhos não sujeitos a imposto de mais-valias e
decorrentes de alienação de bens ou direitos que tenham
sido adquiridos depois da entrada em vigor do Código do
IRS, encontrar-se-ão sujeitos a este imposto se forem
enquadráveis nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 10.º do
mesmo Código.
2.3 No caso sub judicio, está assente mormente que, na
data de 26 de Outubro de 1983, a impugnante, ora
recorrente, adquiriu um quinto do prédio em foco; que, em
30 de Julho de 2001, a ora recorrente, e os demais
comproprietários do prédio, venderam o mesmo à
sociedade comercial “C…, SA”; que o mesmo prédio «já
estava integrado em zona de construção de acordo com o
Plano Director Municipal de Santo Tirso quando foi
vendido em 30 de Julho de 2001»; que «o referido Plano
Director Municipal foi aprovado pela Resolução do
Conselho de Ministros n.º 90/94 de 23 de Setembro».
Como assim, e de acordo com o regime legal acima
apontado, o ganho obtido pela impugnante, ora recorrente,
mercê da venda do imóvel em foco, efectuada na data de
30-6-2001, não está sujeito a IRS (por “mais-valias”).
Na verdade, esse é um ganho que não está sujeito ao
(velho) imposto de mais-valias, já que, sendo embora
resultante da alienação de imóvel adquirido antes de 3112-1988, o certo é que só pela aprovação do Plano
Director Municipal, em 23-9-1994, quando já se não
encontrava em vigor o Código de Imposto de Mais-Valias,
é que esse imóvel vem a ser reconhecido com aptidão para
a construção.
Os ganhos obtidos pela venda em foco, efectuada em 306-2001, não estão sujeitos a IRS, porque – não obstante
constituírem mais-valias «de alienação onerosa de direitos
reais sobre bens imóveis», nos termos da alínea a) do n.º 1
do artigo 10.º do Código do IRS – entram no âmbito de
aplicação da norma de delimitação negativa resultante do
n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de
Novembro: por um lado, são ganhos que não eram sujeitos
ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965; e, por
outro, a aquisição dos bens ou direitos a que esses ganhos
respeitam foi efectuada antes, e não depois, da entrada em
vigor do Código do IRS.
Estamos, deste modo, a concluir, e em resposta ao thema
decidendum, que não estão sujeitos a IRS os ganhos
obtidos com a alienação do imóvel em foco – pelo que
deve ser revogada a sentença recorrida que não laborou
neste entendimento.
Então, havemos de convir que não há sujeição a IRS, por
“mais-valias”, dos ganhos obtidos pela venda, em 30-62001, de um imóvel, adquirido em 26-10-1983, e cuja
aptidão para construção veio a ser declarada por Plano
Director Municipal aprovado em 23-9-1994 – de harmonia
com as disposições combinadas do artigo 1.º, n.º 1, e § 2.º,
do Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965; do artigo
10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS; e do artigo 5.º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao
recurso, revogando-se a sentença recorrida, e julgando-se
procedente a impugnação judicial, anulando-se a
liquidação impugnada.
Custas pela Fazenda Pública, na instância, fixando-se a
procuradoria em um oitavo.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008. – Jorge Lino (relator) –
Lúcio Barbosa – António Calhau.
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