O Inter-relacionamento entre Análise e Interpretação Musical em Peças para Piano de Olivier Messiaen e Almeida Prado Adriana Lopes da Cunha Moreira (Universidade de São Paulo) e Maria Lúcia Pascoal (Universidade Estadual de Campinas) O objetivo deste trabalho é investigar nos caminhos da análise as possíveis decisões para uma interpretação musical. Na procura de uma ligação entre essas duas atividades, considera como o processo da compreensão estrutural da peça poderá agir no produto final. Desta forma, apresenta análises de aspectos da estrutura nas peças para piano Le Rouge Gorge, da coleção Petites Esquisses d’Oiseaux de Olivier Messiaen e Poesilúdio nº4 da coleção 16 Poesilúdios, do compositor brasileiro Almeida Prado. Como se tratam de peças do final do século XX, entende-se como estrutura a própria narrativa, a formação do discurso (Dunsby 2002: 82). Como bases teóricas para as análises, foram utilizadas - de maneira não ortodoxa, nem excludente - as técnicas de análise: Teoria dos conjuntos (Lester 1989; Boss 1992; Oliveira 1998 e Straus 2005) e Análise de vozes condutoras, através de sínteses em gráficos (Salzer 1982). Para os possíveis inter-relacionamentos entre concepções de análises e de interpretações, hoje já se estudam modelos para desenvolver o que começa a ser conhecido como estudos de performance (Cook 1999: 12), que procuram demonstrar suas observações tanto em interpretações já conhecidas como também apontar caminhos para novas. Segundo o conceito de que estruturas produzem articulações formais em uma peça e se constituem em algo a ser descoberto a partir da percepção musical auditiva (Hasty 1981: 55-9), foram seguidos os seguintes passos durante a análise: (1) Percepção auditiva da peça e leitura ao piano, quando os diversos domínios estruturais puderam ser observados; (2) Anotação de considerações relativas a essas percepções; (3) Seleção dos conjuntos considerados relevantes; (4) Observação das variações desses conjuntos e seu relacionamento com o material total; (5) Seleção dos domínios: tempo, rítmica, dinâmica, extensão do piano, ressonância, textura e timbre (Messiaen 1966; Berry 1987 e Kostka 2006); (6) Análise de uma interpretação da peça de Messiaen; (7) Interpretação da peça de Almeida Prado. Na peça Le Rouge Gorge de Messiaen, a articulação dos sete conjuntos formou a estrutura da peça - por constituírem o material de base, que foi encadeado na disposição de textura, densidade e forma; por terem sido coordenados no espaço e no tempo, organizando a rítmica e o andamento; bem como por terem feito uso das diversas regiões do piano, com maior ou menor intensidade e velocidade no toque, constituindo a dinâmica e o timbre. Um uso motívico dos domínios altura, dinâmica, andamento, textura e região, somado à sua articulação quando de sua justaposição, formaram o movimento e a estrutura. Por serem elementos com identidades próprias e díspares entre si, os conjuntos garantiram a multiplicidade. Por outro lado, por produzirem variações cuja concatenação determinou o movimento e, por conseguinte, a forma, garantiram uma unidade na composição. A combinação dessas características resultou em um equilíbrio formal, cuja percepção é possível durante a audição da peça, interpretada por Yvonne Loriod, que designa timbres variados para cada segmento formado pelo uso motívico aqui apresentado. Quanto ao Poesilúdio n. 4 de Almeida Prado, a construção a partir de dois conjuntos promove uma estratificação na textura da peça: por estarem baseados em vozes condutoras semelhantes, mas arranjados de maneira contrastante e pelo uso seccionado da dinâmica e do timbre. Por outro lado, os conjuntos promovem equilíbrio, devido ao fato da expansão do conjunto 1 e suas variações ser neutralizada pelo material constante que forma o conjunto 2 e suas variações. A inexistência de um centro reforça a ênfase nos acordes pivôs, os quais são independentes de relacionamentos tonais. Na interpretação da peça, Adriana Lopes Moreira valoriza a diversidade, ao escolher timbres diversos para cada conjunto. Com base no presente trabalho, pudemos demonstrar que a análise segundo a teoria dos conjuntos pode ser útil à interpretação de obras compostas durante o século XX, uma vez que a organização motívica da peça é explicitada. Partindo da compreensão desse material formativo, o intérprete pode optar por uma concepção na qual a diversidade é valorizada, através da designação de timbres específicos que realcem as características individuais de cada conjunto e variações. Bibliografia BERRY, Wallace. Structural Functions in Music. NY: Dover, 1987. BOSS, Jack. Schoenberg’s Op. 22 Radio Talk and Developing Variation in Atonal Music. In: Music Theory Spectrum 14, n. 2, Autumn 1992, pp. 125-49. COOK, Nicholas. Words about music, or analysis versus performance. In: Theory into practice. Collected writings of the Orpheus Institute. Leuven: Leuven University Press, 1999 pp. 9-52. DUNSBY, Jonathan. Performing Music. Shared concerns. Oxford: Clarendon, 2002. FORTE, Allen. 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