OBRA ANALISADA: GÊNERO AUTOR DADOS BIOGRÁFICOS Til -- 1872 Romance José de Alencar Nome completo: José Martiniano de Alencar BIBLIOGRAFIA Romance: • Cinco Minutos, romance, 1856; • O Guarani, romance, 1857; • A Viuvinha, romance, 1860; • Lucíola, romance, 1862; • As Minas de Prata, romance, 1862-1864-1865; • Diva, romance, 1864; • Iracema, romance, 1865; • O Gaúcho, romance, 1870; • A Pata da Gazela, romance, 1870; • O Tronco do Ipê, romance, 1871; • Sonhos d'Ouro, romance, 1872; • Til, romance, 1872; • Alfarrábios, romance, 1873; • A Guerra dos Mascate, romance, 1873-1874; • Senhora, romance, 1875; • O Sertanejo, romance, 1875. Teatro • Verso e Reverso, teatro, 1857; Crônica • Ao Correr da Pena, crônica, 1874; Crítica: • Cartas Sobre a Confederação dos Tamoios, crítica, 1856; • Cartas de Erasmo, crítica, 1865; • O Juízo de Deus, crítica, 1867; RESENHA A obra narra a história de uma vingança como condição para revelar um caso de amor. Til desenvolve o princípio de que a vida dos homens é uma história concebida por Deus. Na trama, há uma luta contínua entre forças adversas, representadas por ímpetos como a maldade e a ternura. O romance possui dois aspectos diferentes, mas complementares: é, por um lado, uma história de aventura e ódio, cuja origem está centrada num caso de violência sexual; por outro lado, é uma fábula de conversão da filha do estupro (Berta) em agente de forças positivas na narrativa (Til). Então, na trama de Til há duas ordens de acontecimentos: a história do crime e a parábola de Berta. No enredo, um rapaz apaixonou-se pela moça mais bonita da região. Como ela fosse pobre, ele a abandonou. Embora ofendida, ela casou-se com outra pessoa, que se ausenta de casa no dia seguinte, por razões de negócio. Essa pessoa permanece incomunicável por mais de um ano. Na ausência do marido, o antigo namorado da moça entra na casa e a violenta. Após o nascimento de uma criança, o marido retorna. Julgando que a esposa tivera um amante durante sua ausência, mata-a e foge para Portugal. Enquanto isso, o ex-namorado casa-se com uma mulher rica e feia. Com o dote do casamento, o rapaz prosperou, tornando-se respeitável fazendeiro na comunidade rural de São Paulo. Quinze anos depois do crime (tempo em que o romance é narrado), o rapaz retorna de Portugal e planeja a morte do então fazendeiro, suposto amante da mulher. Após várias tentativas, a vingança é frustrada, porque o fazendeiro também planejou matá-lo, já que ele matou a mãe da criança e fugiu para Portugal. Nessa disputa, vence o fazendeiro, que mata o seu algoz. A órfã é Berta, a protagonista que, ao longo da narrativa, se transforma em Til. Os acontecimentos acima representam a crise que permeia a sua estória, e são revelados apenas ao final: Ribeiro, o assassino da própria esposa, retorna de Portugal com o nome e as feições alterados, pretendendo matar o amante da mulher. Nessa altura, Berta tem cerca de quinze anos e vive nas imediações da fazenda de Luiz Galvão, sem saber com clareza que seu passado se relaciona com o dele (o fazendeiro é seu pai biológico). Apesar de muito pobre, a menina é amiga dos filhos do fazendeiro rico, sem saber de seu parentesco com eles. Todavia, pela força de seu dom, ela descobre a identidade dos agentes da sua história, empenhando-se em revelar as verdades sobre o passado. ESTILO DE ÉPOCA Til incorpora características da tradição europeia para retratar o mundo rústico do cenário brasileiro. Ao lado de O Gaúcho e O Tronco do Ipê, Til é normalmente caracterizado como romance regionalista. A obra foi publicada inicialmente no folhetim "A República", entre 21 de novembro de 1871 e 20 de março de 1872, em um total de 62 folhetins. Folhetim eram histórias para leitura rápida, publicadas todos os dias nos jornais em espaços determinados e destinados ao entretenimento. Esse gênero textual foi importado da França, e com o gradual desenvolvimento das cidades, em especial o Rio de Janeiro, ocasionou a criação de inúmeros jornais diários, encontrando amplo espaço de publicação na capital do Império, e no interior do país. A leitura das publicações de romances de folhetim influenciou de maneira marcante a formação da identidade nacional brasileira, que assimilava os modelos europeus e os adaptava ao nosso cotidiano, em um momento de construção do estilo de vida que estava sendo adotado pelo povo brasileiro. Til mostra o interesse do autor em retratar o interior paulista, uma das regiões do Brasil que recebia menos influência europeia. Essa influência predominava na Corte fluminense. Destaca-se a preocupação de José de Alencar em retratar o interior do país e seu povo, relatando mitos, lendas, tradições, festas religiosas, usos e costumes observados pessoalmente por ele. Assim, ligava hábitos da vida no campo e cultura popular à beleza natural e exótica das terras brasileiras. O cenário de “Til” é a fazenda das Palmas, localizada próxima a Campinas, no interior de São Paulo, onde hoje é a cidade de Americana. São citadas, ainda, as cidades de Santa Bárbara d’Oeste, Piracicaba e Itu, que se constituíam como vilas àquela época. INTERTEXTUALIDADE Características do teatro de Shakespeare estão presentes neste romance de José de Alencar. Titus Andromicus (1594) é uma das tragédias mais violentas de Shakespeare, superando, inclusive as atrocidades de Macbeth. Depois de muitas guerras contra os bárbaros, o general Titus Andromicus retorna de Roma, trazendo consigo a prisioneira Tamora, rainha dos Godos. Na festa de celebração do seu retorno, o general oferece o filho mais velho da prisioneira em sacrifício aos deuses. Depois, Tamora casa-se com o Imperador de Roma e prepara vingança contra o general, fazendo com que seus filhos mais novos violentem a filha do general. Mais tarde, Titus mata os agressores da filha, faz uma torta com a carne deles e oferece a Tamora, que come os próprios filhos como resultado da vingança de Titus. VISÃO CRÍTICA Para o entendimento do romance Til, o conceito de "alegoria" é muito importante. Alegoria é narrativa que possui no mínimo dois sentidos: um aparente e outro encoberto. Em Iracema, ao contar a estória do amor de um português por uma índia, Alencar produz a alegoria do encontro de duas culturas diferentes. Através do encontro entre essas duas culturas, surge o povo brasileiro. Algo semelhante ocorre na trama de O Guarani, que também procura criar um mito para explicar o Brasil. Assim, a alegoria é a veiculação de uma noção abstrata por meio do discurso concreto. Portanto, partilhando da natureza do mito, do símbolo e da metáfora, a alegoria sugere uma coisa para falar de outra. Til pode ser considerado romance alegórico, porque revela um conceito de vida, de natureza e dos homens. Ao narrar a relação de uma menina pobre com o ambiente hostil de uma fazenda, o romance compõe a metáfora de sua transformação em santa. Mas esse sentido não é dito dessa maneira. Quando ela consegue ensinar um código abstrato a uma criatura que vivia no limite entre a condição de homem e de réptil, a menina deixa de ser Berta e se transforma em Til. Assim como acontece em Iracema e em Ubirajara, a alteração do nome funciona como símbolo de mudança no interior da personagem. Til é constituído de uma história de bandidos (uma narrativa de vingança) como suporte para uma fábula de amor. Ao compor a trama de Til, José de Alencar utilizou o modelo da "narrativa de vingança", padrão bem conhecido na literatura europeia. Esse tipo de narrativa, popular na Inglaterra entre 1585 e 1640, tornou-se conhecido a partir da "tragédia de vingança". Foi primeiramente o teatro que se apropriou de velhas estórias de violência para estabelecer esse gênero. Os personagens principais, nessas estórias, são geralmente pessoas atormentadas por traições e danos do passado. Do teatro em verso, a narrativa de vingança migrou para a prosa, sobretudo no século XIX, com o romance romântico. Outro exemplo de narrativa de vingança, talvez o mais célebre, é "O conde de Monte Cristo", de Alexandre Dumas, editado entre 1844 e 1845.