1 ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO NA TRANSAMAZÔNICA Neila Reis UFPA-ICED [email protected] Resumo Objetiva-se registrar algumas caminhadas de movimentos pela Pedagogia da Alternância. A metodologia é análise documental e pesquisa de campo. Os resultados trazem compreensões, propostas e ações de sujeitos institucionais, professores e gestores no campo educativo. No trato com as fontes, sínteses desses movimentos relacionais enunciam sua luta pedagógica contra-hegemônica. Experiências referenciadas que têm expectativa de reestruturação da educação oficial e sua política no campo paraense. Palavras-chave: História da educação; alternância pedagógica; política educacional Introdução O pressuposto embasador do programa de Alternância das Maisons Familiales Rurales é de que a formação escolar seja um processo de construção do conhecimento, relacionando saberes. Fundamenta-se seu Projeto Político Pedagógico, como ponto de partida, em experiências produtivas familiares. O trabalho é princípio educativo central. Os instrumentos pedagógicos das Maisons buscam demandas locais, considerando a mediação entre tempos educativos, escolar e familiar, como espaços singulares para aprendizagens efetivas. Assim, o ato educativo é dialógico, permitindo a participação do aluno para problematizar aportes práticos da agricultura e serem integrantes da organização curricular. Esses aportes são aprofundados teórica e 2 metodologicamente. Entre os instrumentos pedagógicos se têm: le plan de formation (plano de formação), e le plan d’étude (plano de estudo). Le cahier d’exploitation familiale – o Caderno de Propriedade – este tem sentido de inclusão, aperfeiçoado no processo de cada formação. O programa destaca-se por se propor a ser um contraponto a escola tradicional. Percursos da Alternância O movimento de camponeses em torno de uma educação diferenciada para seus filhos nasceu na França, com base na alternância pedagógica entre Escola e Família, no período entre as duas guerras mundiais que abalaram o século XX. A razão dessa ação corresponde à inquietação de um pai, na década de 1930, Jaime Peyrat, sindicalista da Secretaria Central de Iniciativa Rural, em Sérignac-Péboudou, com a insatisfação de seu filho para continuar seus estudos na escola; uma vez que sua organização curricular distanciava-se da realidade. Silva, L.H. (2003) e Estevam (2003), assinalam que essa experiência é inaugural das Maisons Familiales Rurales; construída pelos pais e o padre Grannereau, A criação do Movimento da Juventude Agrária Católica (JAC), conforme Gramsci (2004) representa o verdadeiro partido da Igreja Católica. Neste sentido, é uma das suas referências na influência do sindicalismo do campo, com destaque para a SCIR. Esta secretaria, em sua legislação, prevê a criação de Centros de Treinamentos para jovens camponeses, empenhando-se na afirmação dessas Maisons, assim como de cooperativas agrícolas (ESTEVAM, 2003). A conjuntura entre Guerras e o desenvolvimento tecnológico em avanço são razões que exigem uma reestruturação no sistema produtivo da agricultura francesa, segundo as propostas de políticas do Estado, envolvendo uma relação de parceria entre este, empresários e agricultores, para mudar o processo produtivo de agricultura, constituindo-se na introdução da modernização agrícola (ESTEVAM, 2003). É nesse contexto de envolvimento entre o Estado, setor privado e agricultores que emerge a modalidade de alternância educativa nos campos franceses. A experiência, a partir de 1937, estende-se para Lauzan (ESTEVAM, 2003). 3 Modalidade educativa, representando novo projeto pedagógico, com inserção de saberes da agricultura, se afirmou e recebeu a denominação de Maisons Familiales. Organização camponesa assumiu a gestão administrativa e pedagógica dessas Maisons; sua constituição foi na modalidade de Associação de Agricultores, com fins jurídicos, financeiros e administrativos. O entendimento geral concerne à participação dos pais na gestão, mas, com orientação sindical e religiosa, priorizando conteúdos técnicos. Profissional de Agropecuária é o professor, monitor; e orienta tecnicamente às familias. Também a discussão de uma formação geral entre História, Ciências, Geografia, Agricultura, além de conteúdos para a organização associativa é incorporada, mas, junto conteúdos religiosos cristãos, face a concepção defendida pelos seus fundadores. Assim, monitores, religiosos e sindicalistas, compunham a equipe pedagógica; compreendendo, a alternância, um tempo educativo de uma semana nas Maisons e três na Comunidade. A receptividade dessa modalidade, seu sucesso com alunos do sexo masculino, interesse dos pais e dos atores institucionais promoveram a sanção da Lei de Ensino Agrícola da França, de 17 de junho de 1938, tornando oficial o método das Maisons Familiales Rurales para jovens do campo. Estevam (2003) destaca que é só em 1940 que foi criada a escola feminina, com duração de cerca de seis meses apenas. Em 1941, os registros documentais das MFRs apontam o funcionamento de 16 Maisons; em 1942, são 17, com mais de 500 jovens para uma formação em agricultura, em plena 2ª Guerra Mundial. O processo de expansão, período 1941-45, foi central para a criação da União Nacional das Maisons Familiales Rurales (UNMFRs), em setembro de 1942. Estevam (2003) destaca a vigorosa expansão, tendo um resultado de 35 novas experiências em 1943; em 1944, eram 60. Silva, L.H. (2003) registra que em 1945 as unidades de Maisons eram de 80. Apesar da situação da ocupação alemã no território francês, esse modelo educativo teve expressiva expansão. Emergiram, todavia, diferenças conceituais e de gestão. Duas correntes: uma que analisava o modelo com tendências laicas, outra, religiosa. A busca pela centralização das MFRs compreende um movimento conjuntural de afirmação identitária aos princípios de formação, denominado por Chartier (1986) apud SILVA, L.H. (2003) de desconfessionalização do movimento popular das famílias, como também o afastamento do Estado, o que significa contraposição organizativa. 4 A primeira referência documental em torno de um projeto da Pedagogia da Alternância do Campo da UNMFRs, é de 1943; indica pressupostos filosóficos e metodológicos para formação integrada. Em 1945, estava delineada a metodologia da Alternância, partindo, nas diretrizes de seu planejamento, da realidade do campo, objetivando superar problemas pedagógicos contemporâneos (SILVA, L.H. 2003). O período de 1945-50 delineia instrumental didático e metodológico. A busca pelos princípios de alternância, a partir de sistemas produtivos, foi uma política decisória para afirmação do método ativo e do projeto pedagógico das Maisons. Por meio da atualização de seus instrumentos, encontros, considerando o aluno, como centro do processo da formação, esse Programa é fortalecido (MFR, 2001a, apud SILVA, L.H. 2003). No âmbito internacional, o Movimento das Maisons ocorreu na década de 1950. Uma viagem de representantes do governo da Itália que conheceram a experiência, dando início à expansão em 1959, região de Verona. Queiroz (2004) aponta a Feira Internacional da Tunísia, em 1954, também como uma referência em intercâmbio, que permitiu aos representantes das Maisons Familiales socializarem a experiência de formação em alternância. Os intercâmbios marcaram a abertura à expansão, 1966, na Espanha e, em 1985, em Portugal. Estevam (2003) ressalta que, na Itália, o Programa de Alternância sofreu adaptações, denominado de Escola Família Rural. O tempo da alternância foi alterado: 15 dias escolares, internato, e 15 familiares. Estevam e Silva, L.H. (2003) registram que a equipe das Maisons ofereceu, para países africanos, a partir de l959, monitores para assessoramento a esse ensino, no Congo, Togo e Senegal. Na década de 1960, as Maisons funcionavam em 07 países. Na América Latina, o marco das Maisons é o Brasil, em 1968, no Espírito Santo. Em 1969, na Argentina. Na América Central, intercâmbios foram feitos, em regime de colaboração com o Ministério das Affaires Estrangeiros. Em 1973, implantado na Nicarágua. Na América do Norte, Quebec, Canadá, 1999 (PINEAU, 2002). Na Bélgica, a alternância é organizada por meio de modalidades: fusão, justapositiva, complementaridade e articulação. Na Alemanha, a alternância é denominada de Sistema Dual, organizada no sentido de colaboração entre trabalhadores, patronato e sindicatos. Década de 1990, reforçada pela Pedagogia das competências. 5 Na Ásia, Filipinas, com orientação das Maisons Espanholas, em 1988. Implantada no Vietnã, em 1998. Também na Nova Caledônia, com oito Casas, e no Taiti, com quatro. Na Oceania foram implantadas em 1977. Na França, as Maisons são agregadas à Union Nationale des Maisons Familiale Rurale Éducation et Orientation (UNMFREO). A UNMFREO, em parceria com o Centro Nacional Pedagógico em Chaing, efetiva uma relação de cooperação com países africanos e sul-americanos para formação de monitores e produção de materiais pedagógicos. Foi criada, em 1975, a Association Internationale des Mouvements Familiales de Formation Rurale – AIMFR, Congresso Internacional em Dakar, Senegal. Esta objetiva promover princípios, métodos e expansão das Maisons (SILVA, L.H., 2003; ESTEVAM, 2003). Alternância no Brasil A Pedagogia da Alternância no Brasil ocorre na década de 1960, pelo modelo italiano; fundam-se, as EFAs; e sob o francês, as CFRs. Essas instituições são organizadas na forma de Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Norte e Nordeste do Brasil – ARCARFAR/NORTE – e da Associação das Casas Familiares Rurais do Estado do Pará – ARCAFAR/PARÁ – para filhos de agricultores. No Espírito Santo, a implantação ocorreu em 1968, (GIMONET, 1999a). Em Pernambuco, em l984 (SILVA, L. H., 2003), estendendo-se aos outros Estados, como Paraná, Rio Grande do Sul, Piauí e Maranhão. No Pará: em Medicilândia, l995, Pacajá,1998 e Uruará, em 2000. Centros de Estudos Familiares em Alternância – CEFFAs reúnem, em 2004, sete diferentes experiências de formação, Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), Casas Familiares Rurais (CFRs), Escolas Comunitárias Rurais (ECRs), Escolas Populares de Assentamentos (EPAs), Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais (PROJOVEM) e Escolas Técnicas Agrícolas (ETAs), reunindo, até 2004, 224 formações (VISBISKI et al, 2000; QUEIROZ, 2004). A alternância pedagógica é o eixo metodológico central do Programa CEFFA, o qual se baseia em um plano de formação, que prioriza nas diretrizes de seu 6 planejamento (PPP/CFRs, 2004), o âmbito profissional, considerando demandas locais. O CEFFA e a vida social local, na proposta pedagógica, se interligam mutuamente, por meio da absorção e interação desse Programa às demandas técnicas locais. As EFAs constituem referência em formação em alternância, na década de 1960; a partir de orientação das Maisons italianas. No Brasil, o diálogo com camponeses e lideranças sobre a alternância foi efetivada pelo padre jesuíta Humberto Pietrogrande, visando à implantação dessa educação, em 1968 (UNEFAB, 1999, ZAMBERLAN, 1995; QUEIROZ, 2004, SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). Calazans (1983) e Silva, L.H. (2003) registram que, na perspectiva de integração do campo ao projeto desenvolvimentista econômico, os governantes militares atribuíam à escola o papel de mediadora, além de ser designada como responsável para garantir princípios básicos para educação nacional, tendo como ponto de partida o local, visando construir uma formação voltada para a vida em comunidade. Teve início então, no contexto das EFAs, um movimento de contatos que conduziu à criação da Associação dos Amigos do Espírito Santo (AES), ítalo-brasileira, visando intercâmbios econômicos, educativos, religiosos e culturais. Assim, foi elaborado um Plano de desenvolvimento socioeconômico para os municípios, em que o padre Pietrogrande atuava. Nesse contexto relacional, é fundado, em abril de 1968, o Movimento Educacional e Promocional do Espírito Santo (MEPES), para atuar na saúde, educação e ação comunitária (ZAMBERLAN, 1995; SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). Isso possibilitpartir de 1969, o MEPES, implementar ações educativas em alternância no Espírito Santo. Tendo um movimento de continuidade para afirmação e expansão para outros Estados, como Bahia, Minas Gerais – a partir de 1973, mediado pelos STRs e Igreja Católica. Com o crescimento do projeto em Alternância surgiu à necessidade de uma maior estruturação, sendo criada, em 1982, por meio da primeira assembléia geral das EFAs, a União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil (UNEFAB), com a tarefa de coordenar, implantar, assessorar e agregar as ações das escolas vinculadas (ZAMBERLAN, 1995; SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003; QUEIROZ, 2004). A UNEFAB ganhou espaço em relação ao MEPES. Foi criada uma equipe pedagógica nacional com fins de construir planos de formação com caráter regional. 7 Essa desvinculação permitiu a aproximação com experiências francesas e a introdução de seus princípios. A criação das CFRs está vinculada a iniciativa da UNMFRs, com participação direta, por meio de assessoramento técnico francês (SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). Em relação à implantação das Casas Familiares Rurais, Silva, L.H. (2003) e Estevam (2003) registram que, esse interesse ocorreu em função de contatos e conhecimentos da experiência, por meio de uma viagem de técnicos do MEC à França, em 1979. Silva, L.H. (2003, p. 76-77), situa a história das CFRs no Brasil, em quatro momentos: “[...] primeiro, no qual foram realizados os primeiros ensaios de organização, no Nordeste; segundo: ocorrência de migração dos Projetos, implantação no Paraná; o terceiro: expansão para outros Estados da Região Sul; quarto momento, ofensiva das CFRs em vários Estados [...]”. A implantação inicial ocorreu no nordeste, na cidade de Arapiraca, em Alagoas, e em Riacho das Almas, Pernambuco, por meio de convênios e acordos de cooperação entre governos da França e do Brasil. Apesar de a fase inicial ter ocorrido no Nordeste, com o patrocínio da SUDENE, o Movimento não teve êxito, porém encontrou um campo fértil, com apoio financeiro governos estaduais e municipais, além, da ONG Belga DISOP/SIMFR e da embaixada francesa no Brasil (QUEIROZ, 2004). Nesse contexto, são criadas as primeiras Casas Familiares no Paraná, Barracão, 1989 e Santo Antonio do Sudoeste, 1990. O apoio oficial do governo do Estado, em 1991. A institucionalização das Casas Familiares e sua oficialização possibilitaram a expansão para os demais Estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Diante da intencionalidade de expandir e de padronizar as experiências educativas em alternância, e da necessidade de estruturação organizativa para coordenação, formação dos monitore dessas Casas, é criada a Associação das Casas Familiares Rurais ARCARFAR/Sul. Essas Associações, em nível regional, objetivam organizar a ação das CFRs. As Casas Familiares desenvolvem no Pará a formação no ensino fundamental de 5ª à 8ª série; a partir de 2005, inserem algumas experiências com ensino médio. Essas oferecem, além da formação (ARCAFAR/NORTE, 2005). geral, uma qualificação em agricultura 8 Casas Familiares Rurais no Pará A criação das Casas Familiares no Estado do Pará é ligada ao processo de luta de camponeses, em torno da superação da crise do Projeto de Colonização da Transamazônica por melhorias socioeconômicas, técnicas, à base de, nos seus planejamentos, uma lógica contra-hegemônica para o processo de reprodução da agricultura familiar – com trato de cuidado da terra e renovação de seus recursos naturais. A intencionalidade para a implantação era, inicialmente, como experiência piloto, para, após seu desenvolvimento e resultados, essa modalidade escolar ser reconhecida oficialmente. Na década de 1980, o ator de front do processo de luta por outra educação do campo na Transamazônica, foi o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica – MSPT. Na de 1990, denominado Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu – MDTX, na transição do século XX ao XXI, transformado na Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP. Desde as discussões iniciais, a partir de junho de 1994, destaca-se um marco referencial, para inserção da alternância na região, o Encontro promovido pelo MDTX, em parceria com o Laboratório Agroecológico da Transamazônica da UFPA. Organizaram esses encontros: professores e alunos da UFPA em Altamira, técnicos da Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira, agricultores de Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, Setores da Igreja Católica, professores da rede estadual, vinculados ao Sindicato dos Trabalhadores do Pará, realizado no município de Altamira (ARCAFAR/NORTE, s/d). Esse encontro incentivou lideranças regionais a visitarem experiências em alternância das CFRs em Barracão, no Paraná. Assim, essa experiência serviu de base para fortalecer o movimento em torno da implantação dessas Casas no Pará. A mobilização de incentivo ocorreu no espaço local, por meio de visitas às famílias nas vicinais, autoridades e lideranças para divulgação, tendo receptividade, para iniciar a formação em Medicilândia. Nos municípios de Uruará, Brasil Novo, Pacajá e Vitória do Xingu, o processo de discussão teve continuidade. Esse movimento possibilitou a criação da Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Norte – ARCARFAR/NORTE –, visando coordenar o processo de discussão e implementação dessas Casas na região. A implantação em Medicilândia ocorreu em 06 de novembro de 1995, com sua sede no Km. 110 da Rodovia Transamazônica, em infra-estrutura cedida pela CEPLAC, 9 com vinte e cinco alunos. Esses alunos foram adolescentes e jovens, filhos de agricultores da região. Após três anos, ocorreu a conclusão de curso da primeira turma, em 28 de setembro de 1998, com l9 jovens agricultores (RELATÓRIO-CFRM, 1996). A criação da Associação da Casa Familiar de Medicilândia ocorreu em 21 de março de 1995, com estrutura cedida pela CEPLAC. Wronsky (fev de 2005) assinala que, com o tempo de seis meses, sentiu a diferença na relação CFRM e pais. Esses pais foram participar das Assembléias. Segundo seu depoimento, relatos de mães expressaram que houve mudança no comportamento dos filhos: “‟[...] nunca esperava que meu filho Marcos fosse me ajudar: que fosse fazer tarefas de casa”‟. Além desse fato, esperanças, em torno da terra, e de revitalização da agricultura na Transamazônica como projeto de sobrevivência foram renovadas: “[...] agricultores iriam vender o lote, mas um ano após, tinha Plano de Consórcio de pimenta-do-reino com café. Mudas melhoradas, colheita da pimenta, após dois anos; 800 kg. por hectare; vendidas a R$ 11,00 cada; é marcante; o agricultor pagou o banco” (WRONSKY, 2005). Araújo (2002) comenta que a organização em torno da divulgação, mobilização de lideranças e reuniões em Medicilândia contribuiu para que este município fosse o escolhido para a primeira experiência das CFRs na Transamazônica. Nessa direção, Ribeiro (2003) também registra que a escolha não foi feita a priori, mas sim embasada nesses critérios. Destaca que a divulgação foi realizada em vários municípios, sendo provável que a força política dos cacauicultores da região da Transamazônica tenha influênciado nessa escolha. Ressalta-se, concordando com Ribeiro (2003), que, a relação entre política e educação são dimensões qualificadas estreitamente nas relações sociais. Neste sentido, a força política dos cacauicultores, também presente em Uruará, não ocorre isoladamente, mas sim em conjunto com os sujeitos sociais, políticos e lideranças institucionais atuantes na região. O reconhecimento dos estudos desenvolvidos pelas CFRs, no Estado do Pará, pelo Conselho Estadual de Educação foi solicitado pela ARCAFAR/NORTE, vindo a ter materialidade positiva sobre o reconhecimento para o funcionamento da Casa Familiar de Medicilândia, em 03 de outubro de 2000, pela Resolução de nº 690. Este permitiu precedente para resoluções estenderem-se aos demais CEFFAs, mas seu reconhecimento não foi definitivo. Os certificados de conclusão de curso em alternância foram expedidos pela Escola Sede, situada em cada município em que tiver um CEFFA em atividade (PPP/ARCARFAR/NORTE, s/d). 10 A articulação por financiamento e parcerias, Wronsky (2005) assinala o apoio recebido de Cooperativas, como a CODESTAG, STRs, Igrejas. Destaca a participação efetiva da CEPLAC. Em 1998, esta instituição repassou para a CFRU o montante de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) para construir a estrutura da escola. A visita do Secretário de Educação do Estado do Pará, professor João de Jesus Paes Loureiro, em setembro de 1996, à Casa Familiar de Medicilândia, permitiu um olhar institucional favorável sobre essa modalidade de ensino via alternância pedagógica. Dessa visita, emergiu a criação de um Convênio entre a Secretaria Executiva de Educação (SEDUC), a SECTAM, Universidade Federal do Pará (UFPA), Secretaria Executiva de Agricultura (SAGRI) e a Associação Regional da Casa Familiar de Medicilândia. A articulação com o poder público estadual é uma das ações na agenda da ARCAFAR/NORTE para continuar o movimento pelo reconhecimento do ensino em alternância pedagógica. Nessa trajetória, houve diversas audiências solicitadas, para discussão das CFRs, com a participação de outras instituições. A reunião da pauta da Pedagogia da Alternância, 23 de abril de 2002, em Belém, entre governo do Estado, Movimentos Sociais e a ARCAFAR/NORTE, teve como principal conquista, a celebração do acordo com o Governo do Estado do Pará, para construção/reconstrução e outras atividades de l2 CFRs. Desse total, a contrapartida do Estado é de R$ 3.2 milhões e R$ 8,3 milhões do BNDES, totalizando, 11,5 milhões ao Programa das CFRs (GOVERNO DO ESTADO, 2002; ARCAFAR/NORTE, 2002). O convênio assinado em 2l de janeiro de 2004 entre a FVPP e a Secretaria Executiva do Governo do Estado do Pará, na quantia de R$ 3.258.000,00 (três milhões duzentos e cinqüenta e oito mil reais), faz parte da Cooperação Técnica e Financeira para as Casas Familiares Rurais. Este Convênio visou à construção e reconstrução de bases físicas dessas escolas e para aquisição de outros materiais de infra-estrutura, como veículos, materiais de instalação, em doze municípios da Transamazônica, com participação direta do BNDES. Apesar de todo esse esforço, o Governo do Estado, até 04 de fevereiro de 2006, não havia transferido para esta Fundação os recursos acordados. O repasse do Estado para construção e reforma das 12 Casas Familiares Rurais da Transamazônica se concretizou plenamente em 2010; inclusive com repasse de R$ 9 milhões para as demais Casas de outras mesorregiões, que constituem um universo de 28 no Pará 11 (SANTOS MARTINS, 2010). Outra forma de financiamento foi à cessão de professores para a CFRs, – como de História e Geografia – que iniciaram as aulas em 2005. CFRs e sua trajetória, é sintetizada por Batista (fev. de 2005): [...] As CFRs como projeto foram construídas em uma conjuntura especial, desde 1995. Entendida em uma trajetória de três fases: primeira, de experimentação, com o Movimento Social MDTX bancando e cristalizando a proposta inicial para a região e o Estado. Segundo momento compreende a discussão com poderes públicos municipais, Estado e União. BNDES abre espaço para a discussão dos convênios. [...] Movimento criterioso com a SEDUC/PA para consolidar o processo, em duas direções: a primeira, no âmbito pedagógico e técnico, objetivando a regulamentação das CFRs; a segunda, em relação ao custeio, concedendo recursos para o pagamento dos monitores: o Convênio saiu no Diário Oficial, mas não foi operacionalizado. Com a expansão e reinauguração das Casas é fundamental a contratação de monitores de forma definitiva. Os municípios acham caro bancar o projeto; hoje, só 10% desse custeio é feito, para pagamento de vigia, aquisição de alimentação. Os recursos da União garantem a aquisição de veículos à tração, infra-estrutura, construção e regularização dos espaços adequados, como salas de aula, de reuniões, de assembléias. Foi elaborado o Plano Político Pedagógico. A necessidade de contratação de monitores e equipe pedagógica para aperfeiçoamento de instrumental pedagógico. Organização maior da parte burocrática para não prejudicar os alunos. A terceira fase compreende a busca por mais instituições parceiras, reinauguração de quatro Casas até março de 2005, com previsão de conclusão de mais quatro para outubro, e mais quatro para 2006. A quarta fase compreende a caminhada para transformação da formação em alternância em política pública A participação sobre o processo de reconhecimento da formação em alternância pelos dirigentes do MDTX, das CFRs e da coordenação da ARCAFAR foi um luta contínua. Wronsky (2005) registra que, neste movimento relacional, “[...] em 1998, houve um ganho grande, “[...] a filosofia da alternância ganhou a Câmara Técnica do Conselho Estadual de Educação, com a aprovação do regimento interno. Falta, porém, muita coisa. Exemplo: regulamentação da documentação dos jovens”. O reconhecimento da Pedagogia da Alternância ocorreu em 09 de janeiro de 2009 (PARÁ. CEE), Resolução nº 01. Nesse processo, depois de mais de treze anos de luta, a ARCAFAR teve articulação relevante, no trabalho de Leônidas Martins. Sua ementa: “[...] Estabelece normas para o reconhecimento e regulamentação da pedagogia da alternância como metodologia de organização do ensino para os Centros Familiares de Formação por Alternância – CEFFAS e demais estabelecimentos de ensino da rede pública e particular, referente à Educação Básica”. O compromisso de atores sociais envolvidos com as CFRs da Transamazônica paraense compreende trajetórias pela formação, a partir de demandas locais, lutando por condições objetivas para a educação escolar dos seus filhos e pela agricultura camponesa. Também tem sentido social, uma vez que “[...] não se trata, pois, de uma educação ou de uma luta para „os‟, mas sim „dos‟ trabalhadores do campo e é assim que ela deve ser assumida pelos membros deste movimento” (KOLING; CERIOLLI; 12 CALDART, 2002, p. 17). Registra-se que não se trata de uma luta em oposição aos demais territórios, mas sim de pertencimento dos campos e articulação inter-relacional entre cidade, águas e florestas. Conclusão Essa trajetória de atores camponeses legitima raízes e impactos notórios, com méritos. Entre alguns impactos, vale citar a alternância pedagógica como referência metodológica em outros movimentos/espaços educacionais, como o MST, Programas Oficiais do MEC de Formação docente e discente para escolas do Campo, como o PRONERA e SABERES DA TERRA e as próprias IFEs. No Pará, a partir de 2004, a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal, em 2010, Instituto Federal Técnológico do Estado do Pará, Campus de Castanhal, é pioneiro na adoção da Pedagogia da Alternância em algumas de suas atividades pedagógicas, aos moldes das CFRs. A UFPA tem sua inserção na alternância pedagógica, por meio de os cursos de formação docente, como o de Pedagogia da Terra, d‟Aguas, de Licenciatura em Agronomia. Outro corolário, que é um mérito de luta, é o Decreto da União, sobre Educação do Campo, nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, o qual dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional Educação Reforma Agrária – PRONERA, estabelecendo, no seu Art.2º, item IV, “[...] o respeito a diversidade valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e metodologias adequadas às necessidades dos alunos do campo, bem como flexibilidade na organização escolar, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; [...], Um legado legislacional, que nasce de iniciativas de povos do campo do Estado do Pará. Nessa direção é relevante registrar que lideranças sociais da Transamazônica devem continuar lutando pela longevidade desse movimento, todavia é relevante não se seduzir por projetos de sociedade que conduzem à reprodução do capital, como o agronegócio, grandes projetos na Amazônia, atualíssimos na ordenação de políticas públicas nessa primeira década do século XXI, como os de energia, siderurgia. Suas concretudes também se realizam no solo de sistemas de ensino, na escola, e embaçam lutas, experiências sociais exitosas, como as de alternância. Experiências educativas que têm por base a agroecologia, esta próxima a racionalidade camponesa, distante de sistemas e projetos racionalizados pela lógica formal, que orienta a modernização do 13 campo, floresta e rios no movimento político em curso. Ademais, é a educação que movimenta pensamentos culturais para manter ou transformar estruturas da sociedade. Pensar o desenvolvimento com sustentabilidade, referência de povos amazônicos e sua formação escolar, é ensejar a transformação social, vigiar não só presenças estranhas internacionais, nacionais e locais, seus movimentos para captar o sentido e articulação que se desenvolve; assim evitar perigos, como, políticas que se expressem em caráter sistêmico e, contraditoriamente, focalizado, uma vez que essas negam projetos de sociedade que não se findam a clientelas específicas, excluindo povos. É imperativo registrar um movimento relacional das CFRs em 2010. O Folder de Organização de Encontro de Estudantes do SOME e CFRs Transxingu, de 28 a 30 de novembro de 2010 CFR- Altamira, Intitulado TANSAMAZÔNICA 40 ANOS. Desenvolvimento e Desafios, promovido, pela 17 URE DA SEDUC, em parceria com a CFR-Altamira, FVPP, tem como patrocinador, o Grupo Consórcio Belo Monte. Face ao esse fato recente, é importante refletir sobre os rumos que a Pedagogia da Alternância na Transamazônica está seguindo e os princípios signatários que devem permanecer vivos nas ações de lideranças locais, para não se distanciar de um projeto de desenvolvimento que considere demandas camponesas, indígenas, ribeirinhas, e não corra o risco de esvaziar-se de fins coletivos que esses povos clamam há cerca de quatro décadas, além dos indígenas, há mais de 500 anos. Diante de movimentos conjunturais e estruturais na sociedade, que devem ser apreendidos na formação escolar, é necessário se estar atento para que princípios educativos não sejam modificados para uma função produtivista, distanciados do percurso da luta pela alternância pedagógica, com padrão de qualidade e aprendizagem sólida. Ademais, significa manter referenciais teórico/metodológicos no campo de uma pedagogia crítica, para que o jovem tenha na sua formação, possibilidades de desenvolver a capacidade de pensar e agir eticamente nas relações sociais. Fontes Orais BATISTA, João SANTOS MARTINS, Leônidas WRONSKY, Darcírio 14 Fontes Escritas ARCAFAR/NORTE. Casa Familiar Rural. A experiência das Casas Familiares Rurais na Transamazônica – 1995-1999. Altamira, Pará: ARCAFARNORTE, s/d. ARCARFAR/NORTE. Proposta Pedagógica das Casas Familiares Rurais para o Norte. Altamira, PA, 200l. Digitado. ASSOCIAÇÃO REGIONAL DAS CASAS FAMILIARES RURAIS DO NORTE/NORDESTE (ARCARFAR/NORTE). Programa de Educação Rural para o Estado do Pará. Altamira, PA, s/d. BRASIL. PRESIDÊNCIA. DECRETO Nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Brasília, Distrito Federal. CASAS FAMILIARES RURAIS. CASA FAMILIAR RURAL DE MEDICILÂNDIA. Relatório de Atividades do 1º Ano da Casa Familiar Rural de Uruará. Medicilândia, PA, 1996. Digitado. 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