TRÊS ABORDAGENS PARA ANALISAR O CAMPO COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO Solange Puntel Mostafa - UNIVALI Luis Fernando Máximo - UNIVALI RESUMO - Esse texto objetiva discutir três abordagens teórico-metodológicas na produção de conhecimentos, tendo como pano de fundo a área de comunicação e educação: a abordagem empírico analítica da Ciência da Informação com sua metodologia de análise de citações (também chamada de Bibliometria ou Cientometria), a abordagem dialética da consciência dos estudos histórico-culturais, especialmente a vertente da teoria da atividade de Leontiev e a arqueologia do saber de Michel Foucault. A reflexão teórica surge como conseqüências de estudos recentes realizados pelos autores dentro da abordagem empírico-analítica da Ciência da Informação, onde foi possível mapear autores da área de Comunicação e Educação em espaços institucionais como uma revista e dois congressos nacionais brasileiros. 1. A ABORDAGEM INFORMAÇÃO EMPÍRICO-ANALÍTICA DA CIÊNCIA DA A recente pesquisa realizada por MOSTAFA (2002) na produção científica da Intercom e da Anped no GT Comunicação & Educação nos últimos quatro anos, respondeu as seguintes perguntas de pesquisa: 1. Quais autores nacionais e internacionais constituem a Frente de Pesquisa dos trabalhos apresentados na INTERCOM no período 1998-2001 no GT Comunicação educativa ? 2. Quais autores nacionais e internacionais constituem a Frente de Pesquisa dos trabalhos apresentados na ANPED no período 1998-2001 no GT Educação e Comunicação? 3. Há concentração de autores que poderíamos chamar de Frente de Pesquisa que seriam os autores mais produtivos e influentes? Em outras palavras a área já possui maturidade teórica para possibilitar uma concentração de autores ? 4. Há concentração de autores oriundos de uma das áreas, Comunicação ou Educação? 5. Seriam clássicos os autores mais influentes na área ou uma massa de jovens autores brasileiros se enuncia, ampliando o ‘colégio invisível’ com a proliferação dos Congressos e dos Cursos de Pós-graduação no Brasil ? 6. É possível visualizar tendências epistemológicas na produção científica das Associações Científicas na área da Comunicação e Educação? Assim, foram possíveis resultados do tipo da tabela 1 para o caso da pergunta de de pesquisa de número 2, referente à Anped. Pela tabela 1 pode-se afirmar que para os pesquisadores que se apresentam na ANPED, nesta particular interface entre Comunicação e Educação, Giroux e Hall são mais influentes do que Adorno e Hokheimer apesar de terem recebido menos citações do que Adorno. A coluna de autores citantes relativiza a alta pontuação de Foucault, por exemplo, deixando Levy em primeiro lugar em termos de influência. É grande a probabilidade de um autor muito citado ser citado também por muitas pessoas. Mas há casos em que o autor é muito citado mas poucos citaram-no em relação ao total dos autores citantes. Normalmente isso acontece quando um trabalho cita várias obras do mesmo autor, numa espécie de consulta a sua agenda teórica. São trabalhos 2 que tem uma densidade teórica maior. Para precisar a relação autor citado/autor influente, pode-se detalhar de onde partem as citações e com que intensidade. Porém o mais importante de estar sendo visto nesta tabela não é propriamente a noção moralista de ‘autor’ mas de área de conhecimento envolvendo um conjunto de autores. São as chamadas ‘escolas de pensamento’. Com exceção de Adorno & Hokheimer há uma coerência teórica de autores que encabeçam essa lista: Foucault, Levy, Silva, Giroux, Hall, Louro e Fischer. Outras coerências podem ser percebidas ao longo da tabela, algumas que se filiam à essa mesma matriz teórica e outras que se distanciam dela Nota-se que a abordagem da Ciência da Informação é claramente uma abordagem quantitativa (positivista) e empírico-analítica. Muito produtiva, por sinal. 2. A ABORDAGEM DA DIALÉTICA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO DA CONSCIÊNCIA NA As citações foram compreendidas como unidade de análise por representarem a ‘visita’ ou a ‘consulta’ ou o ‘detour’ que todo pesquisador faz ao produzir conhecimento. É preciso ir ao outro porque como nos elucida Vygotsky “Nós nos tornamos nós mesmos através dos outros...” (Apud PINO, 2000 p.54). Essa ida ao outro é a base da produção do conhecimento. O outro na dialética hegeliana seria a negação momentânea de si para o reencontro em si com o outro no caminho de volta. O outro nos acompanha no caminho de volta sempre que o citamos em nossas referências (bibliográficas). Nós nos referimos ao outro para produzir conhecimento. A constatação de um dos autores ter sido ‘linkado’ numa página da Faculdade de Educação da Universidade de Colorado (EUA) no item ‘Sites Corolários’ como ilustra a figura 1, despertou a motivação de relacionar as citações ou os processos de linkagem eletrônicas com a dialética da consciência na produção do conhecimento. Por links corolários RYDER está entendendo aqueles endereços eletrônicos que citaram as suas páginas de pesquisa. De fato, no endereço mencionado, um dos autores disponibiliza um plano de ensino de um curso de pós-graduação chamado ‘Filosofia da Biblioteconomia’, onde no item três do conteúdo programático foi indicada a página da escola de Educação de Denver como segue: III - Sócio-construtivismo/Análise de domínio/Activity theory - Página da "Activity Theory" disponível na url: http://carbon.cudenver.edu/~myder/itc/activity.html; igualmente no item sete do conteúdo programático aparece outro endereço eletrônico relacionado com a teoria da rede de atores, como segue: VII - Teoria da Rede de Atores (Latour) e campo de ação (Bourdieu) Página da Actor Network Theory : Página da Actor Network Theory: URL: http://carbon.cudenver.edu/~mryder/itc/act_net.html. As páginas educacionais foram assim selecionadas porque entre elas havia textos referentes à Biblioteconomia como os trabalhos do dinamarquês Horjland e outros que interessava consultar na disciplina ‘Filosofia da Biblioteconomia’. Em dois momentos portanto neste plano de ensino foram citados os endereços eletrônicos da Escola de Educação da Universidade do Colorado, EUA. Com um comando no motor de busca AltaVista, na opção Avançada e usando o operador booleano AND NOT é possível saber quem linkou seu endereço na Web, como segue: link:address AND NOT (url:address) . A repetição do endereço após o operador booleano tem a finalidade de eliminar as “autositações”. “Sitations” tem sido a expressão com que o pessoal da webmetria expressa-se com relação ao processo de linkagem na web ( 3 Por essa via e outras RYDER nos linkou na sua plataforma cognitiva, assim como linkou demais autores ou páginas que de alguma forma haviam citado as suas próprias páginas. No alto da página web da figura 1 há uma referência do próprio Ryder remetendo-nos para uma explicação que ele chama de descrição teórica da atividade deste ‘recurso’ entendendo por recurso os tais links corolários. (‘For an activity-theoretical description of this resource see Ryder, 1999) Ryder (1998) discute então o seu próprio papel de mediador enquanto um pesquisador que no processo de busca de informações para suas pesquisas, descobre a existência de comunidades anônimas citando suas páginas (citações que o autor chama de links corolários). Comunidades anônimas no sentido de não serem conhecidas pessoalmente pelo pesquisador e de não terem se formado de forma intencional; formaram-se fora dos Gts das sociedades científicas. Investiga então o significado de linkar um documento ao outro na web dentro de uma perspectiva sócio-cultural da Teoria da Atividade. Assim o autor explica que começou a construir seus bookmarks como qualquer outro pesquisador faria, linkando ‘papers’ de outros colegas bem como sociedades científicas do seu interesse, numa prática expontânea de muitos acadêmicos que consultam a web para produzirem seus textos quando percebeu a riqueza de recursos ou fontes de informação que tinha se formado ao seu redor, constatado pelo processo de linkagem de outros sites às suas próprias páginas. “ … I watched my ‘page’ evolve from the beginings of a crude, unsorted list of socalled bookmarks to multiple indexes of domain knowledge”…the pages themselves were not the major focus of my activities. They were created and maintained in the context of academic research. … a semiotic index followed…the labor involved to collect those resources was saved in the form of topical lists. The lists were edited, and made available to anyone engaged in similar research.” (Idem 1999) Documentos, índices e listas são mais do que mecanismos de representação do conhecimento. São para o autor, ‘estratégicas semióticas’, marcações que podem ser vistas como dispositivos de construção de uma comunidade acadêmica virtual.: “... using semiotic strategies, we reveal these shared aspirations with our intended community...when other people make connectins to our work, it pleases us as a sing of community acceptance… once a community has formed around the artifact, the process os mediation transforms from a single-handed effort to a community funcion ” (Idem, 1999). Ao falar em comunidade o autor quer demonstrar que o processo de produção de conhecimento não é um processo isolado, mas de outros indivíduos, os quais utilizam dispositivos (instrumentos) técnicos e sociais (estratégicos) de produção e apropriação. Daí a conveniência da Teoria da Atividade de Leontiev para explicar a web, seus artefatos e a dialética da consciência na produção de conhecimento. A Teoria da Atividade tem sido apropriada por engenheiros e informatas para explicar a relação homem-máquina nos estudos de aprendizagem colaborativa bem como nos estudos de aprendizagem suportada ou mediada por computador ou aprendizagens no trabalho como retrata a área de Computer Supported Cooperative Work - CSCW , responsável pelo desenvolvimento de aplicações ‘groupware’. Todas essas áreas se apropriam de forma estratégica da Teoria da Atividade onde ela aparece transformada numa espécie de teorema hipotético-dedutivo como é o modelo sistêmico criado por Engestrom.(1987); a teoria da atividade hoje floresce em países escandinavos como Dinamarca ou Finlândia, de onde partem muitos dos trabalhos que 4 a desenvolvem, sendo Engestrom um dos iminentes divulgadores modernos da Teoria russa do começo do século. Isso porque, segundo os pressupostos marxistas da teoria da atividade, a relação do homem com o mundo não é direta mas mediada por instrumentos, os quais voltam a influenciar a constituição do homem, o que justifica a máxima marxista de que o homem, ao produzir o mundo se produz O homem se produz através de processos de produção que são suas atividades cotidianas. Essas atividades podem ser materiais ou simbólicas. A produção de conhecimento hoje, por exemplo, envolve um editor de texto e textos para a produção de outros textos. Nesse processo estão incluídos instrumentos (ferramentas) materiais e simbólicos: os editores de texto envolvem aspéctos simbólicos que se plasmam em materialidades instrumentais; as teorias textuais de que nos servimos são ferramentas simbólicas de tal forma que não é possível separar, numa abordagem dialética do homem, as atividades instrumentais e objetivas daquelas atividades simbólicas como esclarece MÁXIMO ao discorrer sobre a construção da personalidade (1999). A relação sujeito-objeto, a própria atividade, os instrumentos, a comunidade, a divisão do trabalho, a cultura são referidos nas abordagens histórico-culturais dos informatas como um modêlo sistêmico onde uma atividade é por definição, um processo de transformação de um objeto. A relação sujeito-objeto é mediada por uma ferramenta. A relação sujeito-comunidade também não é direta mas também mediada por regras. Quando uma comunidade está envolvida na transformação de um objeto há a conseqüente divisão do trabalho. A relação comunidade-objeto é então mediada pelo trabalho. Para o simplismo dessas apropriações valem as cinco hipóteses de DUARTE (1993): “Primeira Hipótese: Para se compreender o pensamento de VIGOTSKI e sua escola é indispensável o estudo dos fundamentos filosóficos marxistas dessa escola psicológica. Segunda Hipótese: A obra de VIGOTSKI precisa ser estudada como parte de um todo maior, aquele formado pelo conjunto dos trabalhos elaborados pela Psicologia Histórico-Cultural. Terceira Hipótese: A Escola de VIGOTSKI não é interacionista nem construtivista. e Quarta Hipótese: É necessária uma relação consciente para com o ideário pedagógico que esteja mediatizando a leitura que os educadores brasileiros vem fazendo dos trabalhos da Escola de Vigostki. Quinta Hipótese: Uma leitura pedagógica escolanovista dos trabalhos da Escola de Vigotski se contrapõe aos princípios pedagógicos contidos nessa escola psicológica”. Boa parte da literatura de informática na educação ou no trabalho, nota-se um certo escolanovismo, especialmente a produção da área de sistemas de informação, para quem valeria a pena aprofundar as hipóteses de DUARTE (Idem). Vejamos como ficam essas relações numa abordagem pós-estruturalista ou arqueológica do saber. 3. A ABORDAGEM DA ARQUEOLOGIA DO SABER Alguns traços de identidade e diferença teórico-metodológicos entre a Bibliometria e a Arqueologia do saber foram encaminhados por ALVARENGA (1998), o que nos deu subsídios para pensar a questão da dispersão discursiva da área de comunicação e educação. A ciência da informação também lida com a categoria da dispersão mas sempre visando à unificação, à identificação de núcleos de concentração (os mais lidos, os mais citados, os mais produtivos, as revistas nota A, B, C – a qualidade vista 5 por uma abordagem gerencial, capitalista, bem na mão da universidade operacional e produtiva). Sendo a arqueologia do saber um método histórico que considera o discurso como saber e não como ciência, uma das primeiras distinções que Foucault nos pediria para fazer é a distinção entre domínios científicos e territórios arqueológicos pois seus princípios de organização são completamente diferentes (FOUCAULT p.207) “... o saber não está investido somente em demonstrações, pode estar também em ficções, reflexões, narrativas, decisões políticas...” (Idem, p.208). Ademais, o campo discursivo não se caracteriza pelos objetos que estuda, pelas modalidades de enunciação, pelos conceitos ou pelas temáticas privilegiados, mas sim pela maneira pela qual se formam seus objetos. Tal como os autores da abordagem sócio-cultural, FOUCAULT também reconhece que “... todo discurso manifesto repousa sobre um já dito ... as margens de um livro jamais são nítidas ou rigorosamente contadas: além do título, as primeiras linhas e o ponto final, além de sua configuração interna e a forma que o autonomiza está preso em um sistema de remissões a outros livros, outros textos, outras frases: nó em uma rede (Idem p. 26) Porém, como parte daquela distinção entre ciência e saber, o autor convidaria os estudiosos da produção discursiva (já não seria mais produção científica) a explicar a dispersão ‘não calcadas em princípios de seleção’ como esclarece ALVARENGA (Idem). Para que não se constituam grupos a partir somente de privilégios (autores mais produtivos, periódicos mais citados). Seríamos convidados a considerar os excluídos das seleções. Uma olhada rápida nos títulos das pesquisas realizadas no âmbito da Ciência da Informação no Brasil evidencia uma incidência na questão da dispersão: Dentre as leis bibliométricas a lei de Bradford foi de longe a mais estudada no Brasil; alguns títulos dessas pesquisas realizadas na década de 70 e 80 assim se enunciam: "Dispersão e produtividade da literatura brasileira sobre doença de Chagas”; “Dispersão bibliográfica de Bradford"; "Distribuição da literatura geológica brasileira: estudo bibliométrico"; "Estudos da produtividade e dispersão da literatura química brasileira"; "Identificação do núcleo básico de periódicos sobre fruticultura tropical e subtropical”. E assim por diante. Nota-se nos títulos dessas pesquisas a incidência de expressões como Distribuição da Literatura ou Dispersão; nota-se também a especificidade das análises todas dedicadas à otimização de acervos e literaturas na busca do "núcleos bradfordianos". As leis hiperbólicas são também conhecidas como fenômeno da regra 80/20: em qualquer conjunto de elementos, por exemplo, livros na biblioteca, 20% do total satisfaz 80% da demanda. Daí os estudos de coleção e de uso realizados pelos bibliotecários a fim de identificar o conjunto dos 20% tido como parte nobre da coleção. Identificadas essas partes, trata-se de atualizá-las, mantendo-as em dia e assegurando a sua existência. Esses nobres 20%, chama-mo-los "núcleo" ou "core". Pouco numerosos, seus artigos são relevantes para o acervo de uma dada especialidade. Um segundo conjunto de artigos que já não fazem parte do núcleo encontram-se dispersos em maior número de revistas (a lei de Bradford, por exemplo, é também chamada Lei da Dispersão); e há ainda o terceiro conjunto e quarto, etc. chamados de zonas nas aplicações bibliométricas. A tal ponto que para encontrarmos o mesmo número de artigos relevantes, é preciso consultar um periódico da literatura-núcleo, cinco dos domínios conexos e 25 das áreas mais periféricas, conforme esclarece COADIC (1996). 6 É o mesmo que dizer que lendo apenas os periódicos da literatura-núcleo, já se terá encontrado quase 40% dos artigos relevantes. Há formas mais matematizadas de dizer o mesmo (e com efeito, a Ciência da Informação explorou todas essas formas: distribuições hiperbólicas são distribuições em que o produto de potências fixas das variáveis é constante; F(x).x elevado a n= constante. Diz-se portanto que as relações informacionais ou são de natureza hiperbólica ou são de natureza logarítmica. A uma causa (insumo) que cresce de modo geométrico corresponde um efeito (produto) que cresce de modo aritmético. São as mesmas leis do reflexo encontradas na psicologia comportamental. Ou no consumo de drogas: chega num ponto em que é necessário muito mais insumo para causar o mesmo efeito. Regularidades conhecidas como lei dos rendimentos decrescentes. Em exemplos mais evangélicos, Price encontrou no evangelho de S.Matheus (a todo aquele que tem será dado em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem será tirado") as premissas básicas dos processos cumulativos da informação: o rico fica mais rico; o pobre empobrece ainda mais. Uma forma sistemática de enunciar o evangelho está em COADIC 1: • "um artigo que já foi citado numerosas vezes será citado mais freqüentemente do que um artigo que só recebeu poucas citações; • uma revista que é freqüentemente consultada será mais regularmente consultada do que as que são menos consultadas; • um autor que já publicou muitos artigos publicará outros mais facilmente do que quem não publicou tanto; • há palavras que fazem parte da linguagem comum, enquanto outras são raramente utilizadas; • o milionário enriquece mais rápido do que o pobre" (le Coadic, 1996, p.78) A esse positivismo, Foucault nos convidaria a sacudir a quietude dessas regularidades, questionando o processo de produção delas e refletindo sobre o regime de verdade dos discursos científicos bem como a instituição de suas regras e de seus jogos de linguagem. A análise dos excluídos identificaria nas próprias revistas acadêmicas, em sessões do tipo experiências, serviços ou entrevistas autores que não chegam a compor as listas dos mais citados simplesmente porque a narrativa própria a essas sessões não segue as regras da sessão dos artigos onde as referências são mandatórias. São as regras do jogo da ciência; são seus imperativos. A revista brasileira chamada Comunicação & Educação da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo contém uma sessão chamada ‘Experiências’ onde professores do ensino fundamental e médio relatam suas experiências em sala de aula com os meios de comunicação. Assim, por exemplo, há relatos intitulados: ‘Os meios de comunicação de massa nas aulas de História’ ou ‘Aulas de culinária para crianças’, ‘Exercícios com jornais’ ‘Alunos de sexta série produzem uma revista’, ‘O jornal e as notícias nas aulas de português’, e outras experiências que podem estar tendo bastante 1 Se a Bibliometria nasceu na Inglaterra com Bradford que realizou o primeiro estudo na década de 40 tendo Brookes sido o inglês que na década de 60 mostrou Bradford ao mundo, quase que inaugurando a Bibliometria como área de estudos, e encontrando nos EEUU um terreno forte de crescimento por conta do pragmatismo americano, a produção francesa na área vem se revelando notável. Além deste livrinho didático publicado em português, veja também o endereço do sítio de Marseilles na nova área de gestão do conhecimento: http://crrm.univ-mrs.fr/vl/metricts.html 7 impacto entre professores e demais ‘educomunicadores’ que não seriam objeto de análise num estudo de citações da revista simplesmente porque os relatos de experiência não têm a obrigatoriedade da citação a outros autores. Da mesma forma, percebe-se na tabela 1 a existência de centenas de autores que não aparecem aqui porque um mecanismo de seleção não permitiria: os espaços de visibilidade são disputados no interior das práticas acadêmicas onde as regras editoriais de revistas ou congressos nacionais ou regionais ditam de 10 a 15 páginas com resumo de 180 e 200 palavras em espaço simples. Os mesmos congressos nacionais e regionais ditam que não aceitam textos de caráter descritivo, relatos de experiências, projetos ou planos de pesquisa ou similares a estas modalidades, observação antecedida por uma nota intitulada ser essa uma observação ‘Importante’. Vemos aí os contratos da comunidade científica sendo firmados acerca do que é pesquisa e de como os pesquisadores devem se apresentar à comunidade científica. Assim, um conjunto de discursos contextuais da prática científica vêem se somar à obrigatoriedade de fazer referências bibliográficas em textos que serão visíveis pela publicação em revistas e congressos, ficando visível também pelo ordenamento que essas publicações receberão nas bibliotecas. A abordagem pós-estruturalista não se satisfaria com a lógica hegeliana das relações entre o sujeito e o objeto refinadas nas teorias da aprendizagem históricas e culturais; a história que ela quer contar tem a ver, tanto quanto a abordagem marxista, com o modo de produção das práticas sociais; o modo de produção na ciência tem nas referências bibliográficas um imperativo categórico que cerca o sentido dos enunciados dentro do paradigma em questão, tanto quanto as normas e regras dos congressos e revistas cercam o sentido do ‘dictum’ disciplinarmente. Na área de comunicação e educação esse sentido está cercado por paradigmas que os autores constroem e confirmam dependendo da associação científica com a qual eles se identificam, seja a comunicação seja a educação. Os comunicadores desenvolveram a compreensão sobre a ‘edição’ do mundo. BACCEGA (1994) por exemplo, abre a revista Comunicação & Educação da Escola de Comunicações e Artes Da Universidade de São Paulo com um texto sobre a ‘edição do mundo’ ou ‘mundo editado’. A autora coloca de forma original a “edição” do mundo já no primeiro fascículo da revista. E se tal, é preciso conhecer o processo de produção deste mundo enquanto uma nova edição. Ou uma edição em “permanente construção”. Para tal chama a atenção dos dois pólos desta construção: os meios de comunicação e os receptores dos meios de comunicação. Se há certa oniprescença dos meios (“não dá mais pra segurar diria o querido Gonzaquinha”...) os receptores também estão em todo lugar. A recepção implica também numa construção. O segundo fascículo da revista vem marcado por essa dialética entendida no quarto fascículo como “mediações” que mais tarde serão qualificadas como mediações da linguagem (fascículo 15). E aqui reside o fulcro de interesse da autora: dois dos seus livros citados referem-se à linguagem e à complexa noção de discurso, quiçá um aprofundamento (lingüístico) da noção de edição (Palavra e discurso e Comunicação e linguagem) . O fato de BACCEGA ser a editora da revista coloca-a na posição de apresentadora com 18 aparições assinadas, o que dá mais visibilidade ao seu nome. Cinco de seus editoriais/apresentações tem, contudo, a força argumentativa do artigo científico uma vez que são citados como tal. É o caso de Comunicação/Educação e Transdiciplinaridade: os caminhos da linguagem; Recepção:nova perspectiva nos estudos de comunicação, Comunicação e cultura , Conhecimento, informação ... e , Do mundo editado à edição do mundo ; esse último 8 com impacto também para a própria autora que o retoma em várias edições como na apresentação do 21º fascículo. Se os comunicadores falam muito em edição, os educadores entendem que na ‘edição’ do saber escolar, ou na ‘edição’ da unidade escolar ou na ‘edição’ dos conteúdos escolares, a mediação do professor se coloca como responsabilidade da Pedagogia e das teorias pedagógicas aí desenvolvidas. Por isso algumas das hipóteses desenvolvidas por DUARTE (Idem) podem funcionar como ferramentas analisadoras nas polêmicas da interrelação entre Comunicação e Educação, especialmente as hipóteses 3, 4 e 5 referidas no item 2 acima. A análise das três possibilidades teóricas resulta produtiva: a ciência da informação fornece indicadores sobre os quais ela quase nada pode dizer (autores citados, dispersão dos textos nos periódicos, núcleos de concentração). Mas ela pode indicar, marcar, pontuar. Como é a função do catálogo de uma biblioteca: autores, resumos, sistemas de classificação, ‘links corolários’ na terminologia de RYDER (Idem). A abordagem histórico-cultural entende que as listas e os catálogos fazem mais do que representar o conhecimento, funcionando também como agenciadores de comunidades (virtuais ou presenciais). Já a abordagem pós-estruturalista pede uma explicação sobre o sistema de marcações: por que esses e não outros ? Que regime de verdade instituiu esses autores, esses mecanismos de divulgação, essas regras ? Contem-nos sobre as regras que regem essas comunidades, sobre o seu ‘modo de produção’ para além da dialética do eu e o outro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, Lídia. Bibliometria e arqueologia do saber de Michel Foucault – traços de identidade teórico-metodológica. Brasília, Ciência da Informação, 27(3) 1998. Disponível na url: http://www.ibict.br/cionline/270398/27039802.pdf Arquivo capturado em 01.06.2002. BACCEGA, Maria A. Do mundo editado à edição do mundo. (apresentação). São Paulo: ECA/Moderna, Comunicação & Educação 1(1), 1994. LE COADIC Yves-François A ciência da Informação. Brasília, Briquet de Lemos/Livros 1996 COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO. São Paulo. Escola de Comunicações e Artes. USP. 1994- (21 fascículos). DUARTE, Newton. A escola de Vygotsky e a educação escolar. (1993) (texto xerografado. ) ENGESTROM Y. Activity model. Disponível na url:. http://www.marxists.org/archive/leontev/model.htm Arquivo capturado em 02.06.2002 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Univ., 1995 MÁXIMO, Carlos E. O papel da educação na construção da personalidade. Porto Alegre:PUCRG. (Trabalho apresentado à disciplina Personalidade e Cultura do programa de Mestrado em Psicologia Social e Personalidade. 1998) MOSTAFA, Solange P. A produção científica da Intercom e da Anped no Gt Comunicação e Educação. (trabalho submetido à 25 ª Reunião Anual da Anped, Caxambu, 2002 – cópia xerox). 9 PINO, Angel. A psicologia concreta de Vygotsky: implicações para a educação. IN: PLACCO, Vera M.N.S. (Org.) Psicologia & Educação; revendo contribuições. São Paulo:Educ/Fapesp, 2000 ROUSSEAU, R. Sitations: na exploratory study. Cybermetrics 1(1) paper 1. Disponibilizado url: http://www.cindoc.csic.es/cybermetrics/articles/v1i1p1.html . Arquivo capturado em 15. 02. 1999 RYDER, Martin Spinning webs of significance; considering anonymous communities in activity systems (1998) Disponível na url: http://carbon.cudenver.edu/~mryder/iscrat_99.html . Arquivo capturado em: 01.06.2002 _____________ The World Wide Web and the dialetics of consciousness. (1999) Disponível na url: www.cudenver.edu/~mryder/iscrat_99.html . Arquivo capturado em 01.06.2002