CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE BACHAREL EM SERVIÇO SOCIAL TÁCILA CONSUÊLO DA SILVA SOUSA MULHER E A CRIMINALIDADE: UM ESTUDO DE CASO DE LÍGIA DOS ANJOS FORTALEZA 2014 TÁCILA CONSUÊLO DA SILVA SOUSA MULHER E A CRIMINALIDADE: UM ESTUDO DE CASO DE LÍGIA DOS ANJOS Monografia submetida à aprovação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará Faculdade Cearense - FaC, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel. Orientadora: Profa. Dra. Raquel Célia Silva de Vasconcelos. FORTALEZA 2014 TÁCILA CONSUÊLO DA SILVA SOUSA MULHER E A CRIMINALIDADE: UM ESTUDO DE CASO DE LÍGIA DOS ANJOS Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Professora Dra. Raquel Célia Silva de Vasconcelos (Orientadora) ___________________________________________________________ Professora Ms. Priscila Nottingham de Lima (1ª examinadora) ____________________________________________________________ Professora Ms. Monalisa Soares Lopes. (2ª examinador) Aos meus pais, Marcos e Solange, que me deram a vida e me ensinaram a vivê-la com dignidade e com compromisso, doaram-se inteiros e renunciaram aos seus sonhos para que os filhos pudessem realizá-los. Eles que sempre seguraram em minha mão, fazendo-me acreditar que sou capaz, resultado de um amor incondicional, possibilitando-me trilhar o caminho até aqui. Por tudo isso não bastaria um obrigado, assim, dedico essa conquista com amor infinito, foi para vocês e por vocês! AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar а Deus que sempre esteve presente em minha vida me iluminando por todo caminho percorrido. Sua mão me sustentou e em sua bondade infinita me agraciou com sabedoria, me fortalecendo nessa importante tarefa, sem sua ajuda nada seria possível. A Ele toda honra, glória e poder para todo sempre! Аоs meu pai Marcos que foi fundamental para a conquista desse sonho, seu amor incondicional, companheirismo e otimismo me incentivando todos os dias sem dúvida me trouxeram até este momento. Pai é impossível mensurar toda minha gratidão. A palavra obrigada não traduz o que há em meu coração, me faltam às palavras para te agradecer. Te amo! A minha mãe Solange que com amor e dedicação me mostrou como o mundo realmente é, me possibilitando escolher o melhor, me orientando sempre no caminho correto e fazendo de mim a pessoa que sou hoje. Mãe agradeço por seu cuidado constante não medindo esforços para queеu concluísse esta etapa da minha vida. Minha maior motivação foi seu amor. Te amo! Ao meu irmão, Matheus, que é também meu grande amigo, como sempre digo você é minha paixão. Obrigada por me arrancar sorrisos nos momentos que a angústia e o cansaço insistiam em prevalecer. Te amo! A minha querida tia Lila, que com muito amor sempre me incentivou, os momentos divididos com você nessa etapa foram essenciais. Obrigada por sua compreensão. Amo você! Ao meu amor, amigo, companheiro e namorado, Danilo Santos, que teve paciência e me incentivou com palavras e gestos de apoio e carinho sincero. Você é um presente de Deus. Agradeço também a um casal muito querido, Jaqueline e Leandro, pois a amizade de vocês também tem imensurável importância na realização desse sonho. Aos professores companheiros de caminhada ao longo desse curso, em especial professora Verbena Sandy, Priscila Notthingam, Márcia Mourão, Talitta Vasconcelos, Cristiane Porfírio, Sandra Lima, Flaubênia Girão e os professores Alexandre Carneiro, Mário Castro e Daniel Rogers. A minha formação, inclusive pessoal, não teria sido a mesma sem o conhecimento e amizade de vocês. A professora Doutora Raquel Vasconcelos, pela paciência durante a orientação е pelo incentivo, foi fundamental sua ajuda e sem ela não seria possível а conclusão deste trabalho. A banca examinadora. Agradeço a professora Mestra Priscila Notthingam que com muita atenção aceitou o convite e me alegrou imensamente em fazer parte desse momento especial. Agradeço a professora Mestra Monalisa Soares Lopes que com sua competência contribuiu ricamente nesse momento marcante. É uma honra ter a presença de vocês. Аоs companheiros que ao longo desses quatro anos tornaram as noites de aula mais leves diante o cansaço do dia a dia. Em especial Rotseana Bezerra que dividiu mais que trabalhos acadêmicos, minha amiga você soube se fazer mais que essencial na minha vida; Alinda Oliveira, através de sua amizade meus sorrisos se tornaram mais frequentes, obrigada por fazer parte desse momento; Raquel Abreu, os dias divididos com você foram planejados cuidadosamente por Deus; Cláudia Mendes, carinhosamente Claudinha, obrigada pelos momentos divididos, você se eternizou na minha história, afinal temos uma dia em comum; Erivaldo Diniz, meu querido você também faz parte dessa história, os momentos que dividimos são preciosos; Tatianny Santos, Paulla Sousa, Sheila Pereira, Giovanna Souza, Luciana Kelly, Nádia Maria, Auricélia Silva, Ana Lúcia, PaullaFahd, Sarah Alencar... Um muito obrigada não traduz o quanto agradeço a sincera amizade compartilhada. A todos vocês desejo sucesso nessa nova jornada. "Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. Rosa Luxemburgo RESUMO O presente trabalho tem como objetivo geral analisar as influências e as motivações que colocam a mulher no crime, e por seguinte em conflito com a lei, visando verificar no Código Penal Brasileiro se a mulher criminosa dentro do presídio feminino e em regime semiaberto é assistida em sua complexidade no que diz respeito ao seu envolvimento no crime. Para isso, os objetivos específicos são: verificar a condição da mulher no sistema penitenciário; analisar a efetividade da Legislação Penal pontuando as condições diferenciadas entre o homem e a mulher encarcerados a partir das vivências de Lígia; sugerir como o Serviço Social pode trabalhar junto a Lígia no sentido de fazê-la ressignificar sua vida longe do presídio e da atividade ligada ao tráfico. A pesquisa demonstra as principais motivações que induzem o sexo feminino na criminalidade e a relação desta com o sistema penitenciário. Tratar-se de um estudo de caso e de pesquisa documental, bibliográfica e exploratória. Para coleta de dados foi utilizada entrevista semi-estruturada com Lígia (uma mulher de 32 anos, semi-analfabeta e mãe de duas meninas e um menino) em que relata os crimes cometidos e a violência vivenciada na prisão. A fala da pesquisada revela sua vivencia e as dificuldades no cárcere, desvelando as relações de poder como manifestação de controle interna à instituição e de manutenção da vida entre as presas. Algumas características desse gênero são discutidas na perspectiva das políticas públicas que atendam as especificidades da população carcerária feminina. Considerações dos direitos humanos e do Código Penal Brasileiro também contribuíram na elaboração do trabalho como forma de evidenciar os direitos das mulheres em conflito com a Lei. Por fim considerações acerca do posicionamento do Serviço Social e atuação das/os assistentes sociais contribuindo para ressignificação da vida dentro e fora do presídio. Palavras-chave: Mulher. Gênero. Sistema Prisional. Criminalidade. ABSTRACT This work has as main objective to analyze the influences and motivations that place women in crime, and by following in conflict with the law , to verify the Brazilian Penal Code if the criminal woman in the women's prison and in semi-open regime is assisted in its complexity with respect to their involvement in the crime. And for this, the specific objectives are: to check the status of women in the prison system, with reference to the report of Lígia; analyze the effectiveness of the Criminal Law pointing out the different conditions between the man and the woman imprisoned from the experiences of Lígia; suggest how social work can work together to Lígia in order to make her reframe his life away from prison and activity linked to trafficking. Research shows the main reasons that induce females in crime and its relationship with the prison system. Treat yourself to a case study and documentary research, literature and exploratory. For data collection was used semi -structured interview with Lígia (a woman of 32 years, semi- illiterate and mother of two girls and a boy) in reporting the crimes committed and the violence experienced in prison. The speech of the studied reveals his experiences and difficulties in prison, revealing the power relations and internal control manifestation the establishment and maintenance of life among the prey. Some female characteristics are discussed from the perspective of public policies that address the specifics of the female prison population. Considerations of human rights and the Brazilian Penal Code also contributed to the elaboration of the work as a way to highlight women's rights in conflict with the law. Finally the considerations of social work position and performance of the social workers contributing to reframe life in and out of prison. Keywords: Women. Genre. Prison System. Crime. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ART - Artigo APAC - Associação de Proteção e Amigos do Cárcere CISPE – Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e Egresso CF - Constituição Federal CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CRESS – Conselho Regional de Serviço Social CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CP - Código Penal CPB - Código Penal Brasileiro CPPL I - Casa de Privação Provisória de Liberdade CTC - Comissão Técnica de Classificação DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional Ed - Edição INFOPEN – Informações Penitenciárias IPPS - Instituto Penal Paulo Sarasate IPFDAMC – Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa LEP - Lei de Execução Penal OMS - Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PEP – Projeto Ético Político SEJUS - Secretaria de Justiça do Estado do Ceará SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................................................................... 17 2.1 Apresentando o caso.................................................................................................... 20 2.2 O flagrante e a prisão de Lígia .................................................................................... 21 2.3 A vida na prisão e os tipos de violências sofridos no sistema prisional ..................... 23 3 A MANIFESTAÇÃO DA CRIMINALIDADE FEMININA COMO UMA RESULTANTE DAS DIFICULDADES ECONÔMICAS E AFETIVAS .......................... 27 3.1 A condição da mulher no presídio feminino e a Lei de Execução Penal para mulheres encarceradas ...................................................................................................................... 33 3.2 O cenário do cárcere .................................................................................................... 40 3.3 As mulheres presas e processos de discriminação ...................................................... 42 4 O SERVIÇO SOCIAL E A RESSIGNIFICAÇÃO PROFISSIONAL .............................. 44 4.1 Trabalho do assistente social e suas intervenções ....................................................... 47 4.2 Perspectivas de Lígia para uma nova vida .................................................................. 51 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 54 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 57 APÊNDICE A ....................................................................................................................... 60 12 1 INTRODUÇÃO Atualmente no Brasil a atuação de mulheres no mundo do crime tem se revelado comum, diversos fatores e influências tornaram habitual a condição de mulheres em presídios, e assim a problemática da criminalidade vem ultrapassando as fronteiras de gênero. Porém as mulheres que praticam crimes continuam invisíveis e ocultas dentro de uma sociedade que tende a recriminar e negar a mulher. A criminalidade é um tema complexo e incluir a mulher nesse cenário exige reflexão profunda em busca de compreensão das motivações e/ou influências que a conduziram a esse caminho. Portanto, a participação da mulher em delitos configura-se uma pratica utilizada desde os tempos antigos que se transforma conforme o contexto histórico e cultural. Na pratica delituosa, as mulheres, de classe econômica, de faixa etária e escolaridade diferenciada, têm se destacado de forma a elevar os percentuais da participação feminina nas estatísticas criminosas. Entretanto, em razão da rápida e acentuada inserção da mulher na pratica delituosa os números são alarmantes e se expressam em percentuais antes não atribuídos a elas,segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), compilados em relatório do Instituto Avanço Brasil, o número de presas passou de 10.112 no ano 2000 para 35.039 em 2012. Visto que os crimes cometidos pelas mulheres ainda estão fora de discussões expressivas na sociedade, evidenciá-lo no cenário das discussões viabiliza esclarecimentos a temática uma vez que é relevante a busca por fatores que proporcionam a inserção da mulher nesse contexto. A evolução da mulher na pratica criminal, sobretudo no tráfico de drogas, roubos, furtos e homicídios, deve ser analisada rigorosamente. A população carcerária feminina cresceu em números consideráveis e preocupantes. Este aumento de mulheres recolhidas ao sistema prisional se deu por elevado número de condenações por posse, uso e tráfico de drogas, mas, não sendo esse o único delito praticado. O perfil e os delitos se metamorfosearam, como exemplo sequestros e extorsões, pois para tais crimes não existiam sentenças condenatórias femininas recorrentes. Contudo, as sentenças referentes a estes crimes são habituais atualmente. A metamorfose ocorrida no cenário criminal revela que no total de 70 % (setenta por cento) das mulheres em regime penal estão ligadas ao tráfico de drogas, fato que contraria dados verificados no passado, onde apenas crimes ligados a fatores emocionais, passionais e políticos estavam atribuídos as mulheres. Ao analisar as punições em juízo, percebe-se que há duas décadas, por exemplo, não era recorrente ver um traficante no 13 tribunal em julgamento, no entanto, hoje é mais rotineira essa atividade no sistema judiciário brasileiro. A criminologia vem buscando, através de estudos, explicações para o aumento de mulheres envolvidas com o crime e os delitos. É a partir da década de 1960 que são elaboradas teorias que discutem acerca do sistema criminal feminino, mas foi principalmente na década de 1970 e 1980, que a criminologia feminista ofereceu novas análises sobre o tema. Portanto, a pesquisa, acerca de crimes que envolvem mulheres torna-se complexa, uma vez que a literatura sobre o tema da criminalidade está mais relacionada à prática criminosa do homem. O número de crimes cometidos por homens é bem maior que o número cometidos por mulheres, dificultando, assim, uma análise mais minuciosa do tema aqui proposto. As estatísticas acerca da criminalidade feminina, de modo geral, trabalham com bases em dados poucos reveladores da real dimensão desse fenômeno, isso dificulta mensurar e traduzir os fatos que permeiam o cenário do crime que envolve mulheres. Assim, as mudanças dos valores, que impõem novos hábitos à sociedade contemporânea, trouxeram uma ressignificação às relações de gêneros, pois à medida que a mulher precisou se autoafirmar no novo contexto social favoreceu sua inserção na prática criminal. Ao longo do tempo surgiram diversas teorias na tentativa de explicar o fenômeno, analisando um conjunto de aspectos, como o sociológico, o político e o jurídico, a partir dos quais se possibilitou ter diversas visões sobre o assunto. Entretanto, desconsiderando as questões sociais, econômicas e culturais no que diz respeito aos arquétipos dirigidos a mulher, alguns estudiosos, como exemplo, apresentam a mulher com menos tendência ao crime uma vez que a mesma sempre fora subjugada ao homem e vista com um ser não evoluído em relação à figura masculina. Isto explicaria sua baixa atuação no crime pela ótica de uma personalidade feminina, submissa, passiva e educada a cuidar. Na teoria a mulher estaria sujeita a praticar um crime quando influenciada por fenômenos como menopausa, período menstrual, puberdade ou parto. A condição da mulher, como protagonista no crime, é marcada por interferências de estereótipos e préconceitos do senso comum da sociedade. Nesse sentido, compreender o drama vivenciado por uma mulher criminosa me possibilitou uma reflexão acerca do que discutir em minha monografia. Portanto, o interesse pelo tema se deu ao ouvir um relato de uma mulher de 32 anos, mãe de três filhos que cumpre pena no regime semiaberto, através do qual a mesma 14 relatava suas dificuldades diárias no tocante ao desemprego, educação dos filhos e sua participação no mundo do crime. Trata-se de um caso real que, no primeiro momento, não tinha me despertado o interesse em elaborar um estudo acerca do caso Lígia 1. Mas minha percepção, após meu ingresso no Curso de Serviço Social, mudou e possibilitou-me ter mais clareza de fenômenos, um exemplo o caso Lígia, que levam a mulher ao mundo do crime. Assim, entender como as mulheres, envolvidas nesse contexto, administram suas vidas dentro da prisão diante das inúmeras violências a que são submetidas me instigaram a elaborar um estudo sobre o referido caso, sobretudo no tocante as perspectivas de Lígia após a liberdade. Nesse sentido, fiquei me indagando como a sociedade, as políticas públicas e os órgãos da justiça contribuem para solucionar e estabelecer mediações para reverter à situação de Lígia para que a mesma não retorne ao mundo do crime. Nessa perspectiva, é relevante questionar porque a mulher, vista como inferior e símbolo de subordinação ao homem, adentra o cenário criminal e carcerário? Quais são os destinos dessas mulheres? Onde podemos encontrá-las? Em geral podemos encontrá-las na prisão. As justificativas de estarem em regime fechado apontam a opressão que sofrem diante de um padrão social estabelecido como principal motivação para os delitos. Entretanto, a mulher se rebela demonstrando à sociedade que ela também se enquadra a outro tipo de comportamento. Outro aspecto que justifica esta pesquisa é o fato do número de teorias que delineiam a mulher sendo punida porque é agressora e isso é inadmissível de acordo com arquétipos estabelecidos para ela. Contudo, o núcleo de dados estatísticos do Departamento Penitenciário Nacional (2012), relata que o crime de maior envolvimento da mulher é o tráfico de drogas, e não seu perfil de homicida, isto por conta dos fatores sociais e econômicos que podem influenciá-la a venda de drogas ilícitas. Ademais, a minha inserção no Curso de Serviços Social me proporcionou grandes e qualitativas mudanças na forma de lançar um olhar nos fenômenos sociocultural e econômico, possibilitando-me perceber e pensar, de modo diferente, acerca da condição feminina numa sociedade em que impera o machismo 2 e a misoginia 3 como elementos resultantes de um paradigma sociocultural patriarca e conservador. O dicionário Aurélio em sua quinta ediçãoexplica que o machismo é uma ação ou modos de macho ('ser humano', 'valentão'); macheza; e a misoginia é o ato de ter ódio ou aversão às mulheres, ou seja, 15 comportamento que tende a negar à mulher a extensão de prerrogativas ou direitos do homem. Contudo, o conteúdo da grade curricular do curso não foi suficiente para me pôr frente a frente com as desigualdades enfrentadas pelas mulheres que estão no crime, seja na pratica ou em cumprimento de pena, no regime semiaberto. Neste aspecto, o assunto pesquisado tem significativa relevância para a sociedade uma vez que a pratica do crime pelas mulheres tem sua complexidade e exige um aparato legal diferenciado. Pois, do ponto de vista científico, um fenômeno como esse não pode ser compreendido apenas como um inventário de dados isolados conectados por uma explicação teórica, mas é preciso que a teoria responda e corresponda à realidade. Nesse sentido, o objeto de estudo, em específico a mulher no crime, é analisado a partir das questões conjunturais e estruturais, na percepção de que a mulher tem se inserido na criminalidade em proporções não pensadas anteriormente. Sua inserção é gestada por desigualdades que não podem ser dissociadas dos fatores econômicos, políticos e, sobretudo, da questão social que contribui diretamente com a pobreza e o desemprego e a perda da dignidade. Neste contexto, é preciso ser colocado parâmetros no tocante à produtividade da mulher. Caso contrário, como iriam viver a maioria que não podem produzir renda pelo emprego ou trabalho? Diante dessa reflexão, levo-me a indagar se a não inserção da mulher no sistema produtivo está contribuindo para a crescente inserção da mulher no crime. Então, a prática delituosa seria uma estratégia de sobrevivência das mulheres chefes de família? O crime seria a solução para sua baixa condição de sobrevivência? Como já esclarecido anteriormente a importância deste debate e desta reflexão se propõe a oferecer uma contribuição no entendimento do crescente envolvimento da mulher no crime. Para isso, este estudo tem como objetivo geral analisar as influências e as motivações que colocam a mulher no crime, e por seguinte em conflito com a lei, visando verificar no Código Penal Brasileiro se a mulher criminosa dentro do presídio feminino e em regime semiaberto é assistida em sua complexidade no que diz respeito ao seu envolvimento no crime. E para isso, os objetivos específicos são: verificar a condição da mulher no sistema penitenciário, tendo como referência o relato de Lígia; analisar a efetividade da Legislação Penal (LEP), pontuando as condições da mulher encarcerada a partir das vivências de Lígia dentro do presídio feminino; Pontuar o trabalho do Serviço Social junto a Lígia em seus conflitos dentro do presídio. Neste sentido, são discutidos alguns conceitos fundamentais como mulher, gênero, sistema prisional e criminalidade. 16 Para uma melhor compreensão do presente trabalho, o mesmo está estruturado em quatro partes que tratam da mulher em conflito com a Lei. Portanto, a segunda parte detalha a metodologia utilizada para a realização do estudo. A terceira parte intitulada, “A manifestação da criminalidade feminina como uma resultante das dificuldades econômicas e afetivas”discute a condição da mulher de dependência econômica e afetiva que a colocam no percurso do crime. A quarta parte, denominada “O Serviço Social e a ressignificação profissional”, traz uma contextualização histórica do Serviço Social, de sua contribuição na inserção de Lígia no mercado de trabalho. E completando o estudo as considerações finais. 17 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Poucos cenários são tensos, intensos e férteis quanto universo criminal. Para compreendê-lo na perspectiva feminina esclarecendo as motivações, as influências e a lógica do funcionamento do crime que envolve a mulher é um desafio. Questionamentos acerca da finalidade da pena privativa de liberdade como pratica social também é uma reflexão necessária. De acordo com Bourdieu (2001), [...] “constituir um objeto cientifico é, antes de qualquer coisa e, sobretudo, romper com o senso comum, com representações partilhadas por todos.” Tendo como referência esse entendimento, estudar a inserção da mulher no crime exige um olhar que supere a superficialidade deste problema, sendo necessário analisá-lo sob o ponto de vista das relações de gênero e suas repercussões sobre o meio social. Na busca por apreensão de fatos em sua essência, conforme alerta Bourdieu (2001), muitas vezes, nos deparamos com alguns desafios que exigem de nós uma maior cautela. Desvendar a realidade, as situações da vida cotidiana, em sua complexidade e múltiplas manifestações, apresenta-se como uma tarefa árdua e requer uma metodologia que torne possível a apreensão do fato a ser investigado. Certa vez, em meio a livros diversos, ao realizar uma leitura encontrei uma frase que muito me chamou atenção e que me fez pensar melhor sobre minha aproximação com o meu tema de estudo. Tal frase dizia: “na verdade, a história de vida de cada pessoa encontrase com fenômenos a ela exteriores, fenômeno denominado sincronicidade, e que permite afirmar: ninguém escolhe seu tema de pesquisa, é escolhido por ele.”(SAFFIOTI, 2004, p. 43). Desse modo, O pesquisador integra-se ao conhecimento, interpretando os fenômenos para melhor aproximar-se da sua essencialidade. O objeto jamais será um elemento inerte e neutro, senão primordialmente qualitativo. A realidade social é, em si, o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a abundância de significados dela transbordante. A pesquisa deverá ser sempre, antes a possibilidade de um diálogocrítico e criativo com a realidade e tem seu melhor desfecho na elaboração do pensamento e na capacidade de intervenção. (OSTERNE,2001, p. 23) A afirmação da autora esclarece e reforça o quanto nossa realidade dialoga com nossa conduta durante a pesquisa, colocando a realidade social do pesquisador e o dinamismo que se dá no percurso da pesquisa. 18 Atualmente no Brasil a atuação da mulher no mundo do crime tem se revelado comum, diversos fatores e influências tornaram habitual a condição de mulheres em presídios, casas de custodia e albergados e assim a problemática da criminalidade vem ultrapassando as fronteiras de gênero. Porém as mulheres que praticam crimes continuam invisíveis e ocultas dentro de uma sociedade que tende a recriminar e negar a mulher. Criminalidade é um tema complexo e inserir a mulher nesse cenário exige reflexão profunda em busca de compreensão das motivações que a conduziram a esse caminho. Assim este estudo de caso busca desvelar as reais motivações e as influências que a mulher sofre em seu percurso até chegar efetivamente ao crime. Para alcançar as respostas procuradas fielmente nesse estudo foi necessário construir metodologicamente um caminho, onde a pesquisada se sentisse a vontade para contribuir. As temáticas relacionadas à mulher e o crime são passíveis de grandes debates, este estudo se propõe a oferecer uma contribuição no entendimento dos fatores que permite o crescente envolvimento da mulher no cenário criminal, ultrapassando o senso comum através do referencial teórico e metodologia adotada, utilizando a abordagem qualitativa, investigando o fenômeno no contexto cultural, social e histórico no qual o mesmo se reproduz. O trabalho de campo foi desenvolvido mediante uma pesquisa qualitativa, de formaexploratória, utilizando a entrevista semi-estruturada como técnica de coleta de dados, os quais foram transcritos. O método utilizado foi o qualitativo que segundo Neves (1996, p.1) favorece o fato de o pesquisador estar mais preocupado com o processo social, buscando visualizar o contexto e, se possível estabelecer relação empática com o objeto de estudo e, obviamente, melhor compreensão do fenômeno a ser estudado. A escolha da pesquisa qualitativa parte da compreensão necessária da relação do sujeito à dinâmica social e indissociável relação de poder estabelecida pela sociedade que não pode ser traduzida somente em números. Segundo Chauí, “Methodos significam uma investigação que segue um modo ou uma maneira planejada e determinada para conhecer alguma coisa; procedimento racional para conhecimento seguindo um percurso fixado.” (1994, p. 354) Neste sentido, compreende-se que o método é uma escolha de um caminho possível entre tantos outros. Assim, outro método utilizado para compreender o fenômeno Lígia foi o histórico estrutural que segundo Triviños, “é o enfoque mais válido para nossa realidade social.” (1995, p.125) 19 Assim, para compreender as dimensões do fenômeno estudado foi realizada uma pesquisa documental, uma vez que foram analisadas a Lei de Execução Penal e o Código Penal Brasileiro. Conforme Santos (2000), a pesquisa documental pressupõe uma investigação [...] realizada em fontes como tabelas estatísticas, cartas, pareceres, fotografias, atas, relatórios, obras originais de qualquer natureza (pintura, escultura, desenho, etc), notas, diários, projetos de lei, ofícios, discursos, mapas, testamentos, inventários, informativos, depoimentos orais e escritos, certidões, correspondência pessoal ou comercial, documentos informativos arquivados em repartições públicas, associações, igrejas, hospitais, sindicatos. (SANTOS, 2000, p. 20) Também foi realizada uma análise documental que segundo Ludke e André (1986) constitui uma técnica importante na pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema. Foi realizado um estudo de caso que segundo Yin (2001),é um método qualitativo que consiste, geralmente, em uma forma de aprofundar uma unidade individual e queserve para responder questionamentos sobre o fenômeno estudado. O processo de coleta de dados foi por meio de entrevistas semi estruturada junto à pesquisada. Segundo Barros &Lehfeld (2000, p.58), a entrevista semi estruturada estabelece uma conversa amigável com o (a) entrevistado (a), busca levantar dados que possam ser utilizados em análise qualitativa, selecionado os aspectos mais relevantes de um problema de pesquisa. As entrevistas com a pesquisada foram registradas com o uso de gravador, objetivando garantir a autenticidade dos depoimentos e transcritas conforme consentimento. A utilização das entrevistas é relevante por provocar ricas contribuições da pesquisada conforme afirma Pádua (1997, p.64-65), a entrevista é um procedimento mais usual no trabalho de campo. Por meio dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeito-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada. A compreensão do caso Lígia é possível através de um estudo minucioso desde a sua infância até o atual momento, captar suas percepções e motivações só é possível a partir da análise da totalidade vivenciada por ela. 20 2.1 Apresentando o caso Lígia dos Anjos, uma mulher de 32 anos, filha caçula, nasceu no interior do Estado do Ceará – Russas. Relata ter tido uma infância feliz, cercada por muitos irmãos, porém, cheia de dificuldades, pois o pai era açougueiro e com esse trabalho sustentava mais treze irmãos. Lígia perdeu o pai na adolescência e, como filha mais nova, sempre esteve mais próxima da mãe. Com a dificuldade do dia a dia enfrentada em sua cidade natal, Lígia sempre sonhou morar em Fortaleza na busca de uma vida melhor. Estudou até a oitava série do ensino fundamental, pois pensava que não valia a pena continuar os estudos por não haver chances no interior, diante dessa crença e nutrida pelo sentimento de melhores dias veio para Fortaleza em busca de emprego. Em 2002 Lígia se mudou para a cidade de Pacajus e lá passou a trabalhar, informalmente, com faxinas, lavagem de roupas e cuidar de crianças, essa era sua forma de renda. Nesse período, Lígia engravidou e assumiu sozinha a responsabilidade de sua gravidez. Sua primeira filha nasceu e sem condições de criá-la, Ligia pediu a sua mãe que tomasse conta da filha. No ano de 2006, Lígia foi para cidade de Itaitinga onde passou a trabalhar em casa de família como doméstica, fez amizades e conheceu Luiz 4, com quem manteve uma relação afetiva e se casou, resultando dois filhos desse relacionamento. A relação era conflituosa, o esposo bebia e era agressivo e após três anos de convivência Lígia se separou do marido. Nesse período, o marido de Lígia conheceu outra mulher, mas não deixou de procurá-la, mas Lígia o rejeitava, deixando-o enfurecido. Assim, Luiz, após procurar Lígia e não conseguir a reconciliação iniciou uma bebedeira e levou a outra pessoa, com quem se relacionava, para sua casa. Nesse mesmo dia, ao fim da madrugada, Luiz a matou e foi preso em flagrante. Encaminhado à delegacia, Luiz assumiu o crime e foi encaminhado ao IPPS (Instituto Penal Paulo Sarasate). No período em que esteve preso, Lígia passou a visitá-lo e volta a se relacionar com o ele. Então, com o ex-marido na prisão e sozinha, Ligia tem a responsabilidade de cuidar dos filhos, a vida difícil a coloca em busca de novas fontes de renda. Uma amiga de Lígia diz a ela que tem uma solução para seus problemas e pergunta se ela quer vender drogas. Ligia reluta, porém, vive sempre em contato com pessoas que cometem o tráfico. Suas 4 Nome fictício. 21 amigas eram esposas de traficantes o que contribuiu para Lígia entender como funcionava o mundo do crime. As visitas a seu marido na prisão levaram Lígia a conhecer os companheiros de cela de Luiz, entre eles, Júnior5, esse que era marido de uma amiga que foi assassinada por disputa de pontos de venda de drogas. Lígia com o contato frequente se apaixona por Júnior e os dois passam a ter um caso. Durante as idas a prisão, Lígia o informava de suas atividades, o andamento de seus “negócios”, pois uma pessoa assumiu o lugar de Junior no período em que ele estava interno. A relação foi ganhando novas proporções, Júnior pressionou Lígia para que ela se separasse e ficasse com ele. Nesse contexto, Luiz recebeu sua liberdade condicional e após sua saída, Lígia pediu a separação. Lígia finalmente assumiu seu relacionamento com Junior, e entre as dificuldades enfrentadas, ela percebeu que o crime era uma vida fácil e Junior poderia mantê-la e a seus filhos. Júnior propõe a Lígia que assuma seus negócios, orienta que ela não deve se expor, mas lhe responsabiliza por gerenciar a quadrilha, passandolhe orientações durante as visitas. 2.2 O flagrante e a prisão de Lígia Lígia passou a gerenciar a quadrilha e tinha sob seu comando seis homens que executavam as ordens orientadas por Júnior e conduzidas por ela. Isto aponta que Lígia foi casada com um traficante temido na cidade de Itaitinga, com ele dividia uma vida estável, apaixonada por ele teve sua vida mudada em um dia aparentemente normal. Como Lígia gerenciava todas as operações ilícitasde Júnior, pois o mesmo encontrava-se preso na Casa de Privação Provisória de Liberdade, e deliberava a manutenção de seu “negocio”, Lígia foi se comprometendo e assumindo toda a responsabilidade de gerenciamento do tráfico. Na sua fala, isso fica bem expresso quando afirma: “Eu tinha a responsabilidade de gerenciar todas as operações, ele me passava o que fazer e eu repassava pra‟s outras seis pessoas que faziam o que ele mandava.” Aparentemente Júnior era um homem devotado à família, fazendo tudo paramantê-labem e suprida de todas as necessidades, resultante da prática de delitos, submetendo-se a uma vida de riscos, entre crimes e prisões.No dia 27 de outubro de 2011, no fim da tarde, Lígia estava em casa fazendo os afazeres domésticosquando um homem a 5 Nome fictício. 22 chama, vestido normalmente, o homem se apresenta como comprador de droga e pergunta se ela tem o suficiente para abastecê-lo, pois precisava de grande quantidade, estava ali a mando de seu marido, Júnior. Lígia responde que sim, pergunta o que ele deseja, prepara a mercadoria e informa o valor, nesse momento o homem se identifica como policial militar e informa que Lígia estava presa. A esse respeito Lígia afirma que: “... ele segurava um capacete e me bateu no peito e disse: a casa caiu pra ti vagabunda, você tá presa. De lá eles me levaram para outra casa que eu tinha e me bateram muito.” Lígia relata que foi bastante torturada, a colocaram em um saco de água para que fosse difícil respirar, e com tortura exigiam que ela informasse onde estava guardada toda a carga roubada e o armamento. Lígia relutou em informar o que a polícia desejava saber, pois temia o que Junior poderia fazer contra ela ou seus filhos. Em seguida Lígia foi levada para delegacia de Itaitinga para registro do flagrante, logo depois para delegacia de roubo de cargas e veículos e também para delegacia de capturas, permanecendo um dia. No dia 29 de outubro de 2011 Lígia foi conduzida ao Presídio Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, permanecendo em regime fechado até o julgamento. O julgamento de Lígia ocorreu em 12 de outubro de 2013 no Fórum da Comarca de Itaitinga. A juíza considerou Lígia culpada por todos os crimes relatados contra ela, sendo os seguintes artigos de acordo com o Código Penal (1940): Artigo 33 - que corresponde ao tráfico de drogas; Artigo 35 - que corresponde à associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33; Artigo 157 - que corresponde a subtrair coisa móvel alheia, para si ou paraoutrem, mediante grave ameaça ouviolência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência; Artigo 14 - que corresponde a porte ilegal de arma de fogo; Artigo 1º do Decreto nº 51.476 - que corresponde a roubo de cargas; Artigo 288 do Decreto nº 2848/40 - que corresponde à formação de quadrilha. Por todos esses crimes, sua sentença foi de seis anos em regime fechado. Lígia relata que durante o período em que esteve presa ficou um ano sem ver os filhos, o conselho tutelar, após sua prisão, levou-os para um abrigo da prefeitura de Itaitinga. Após várias tentativas de informações e com a ajuda do Serviço Social do presídio, Lígia conseguiu encontrá-los e manter contato com eles através das visitas. Atualmente Lígia encontra-se no 23 regimesemiabertoapós cumprirdoisanos e três meses da pena, pois por bom comportamento e dias trabalhados a justiça lhe concedeu o regime semiaberto, passivo de retirada, caso ela viole as condições impostas. Lígia não esquece os momentos na prisão, relata que neste espaço institucional vivenciou momentos difíceis onde a violência era recorrente. 2.3 A vida na prisão e os tipos de violências sofridos no sistema prisional O sistema prisional brasileiro vive uma verdadeira falência gerencial. A realidade penitenciária é arcaica, com estabelecimentos prisionais superlotados, anti-higiênicos, sujos e úmidos. Na sua grande maioria, representam para os reclusos um verdadeiro inferno em vida, onde o preso se amontoa a outros perdendo sua individualidade e autonomia. As violências são recorrentes no cárcere, podendo ser praticadas por agentes penitenciárias ou companheiras de cela. A violência pode se apresentar de diversas formas, sendo elas: a violência física que é o uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes, nesse tipo de violência são comuns, murros, estalos e agressões com diversos objetos e queimaduras; a violência psicológica, muito usada por agentes penitenciários, é tão ou mais prejudicial que a física, pois é caracterizada pela rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito e punições exageradas. É uma violência que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente provoca cicatrizes para toda a vida. Existem várias formas de violência psicológica, como a mobilização emocional da vítima para satisfazer a necessidade de atenção, carinho e de importância, ou como a agressão dissimulada, em que o agressor tenta fazer com que a vítima se sinta inferior, dependente e culpada. A atitude de oposição e aversão também é um caso de violência psicológica, em que o agressor toma certas atitudes com o intuito de provocar ou menosprezar a vítima. As ameaças de mortes também são um caso de violência psicológica; Violência verbal normalmente é utilizada para incomodar a vida das outras pessoas. Pode ser feita através do silêncio, que muitas vezes é muito mais violento que os métodos utilizados habitualmente, como as ofensas morais (insultos), depreciações e os questionários infindáveis; Violência sexual, na qual o agressor abusa do poder que tem sobre a vítima para obter gratificação sexual, sem o seu consentimento, sendo induzida ou obrigada a práticas sexuais com ou sem violência física. A violência sexual acaba por englobar o medo, a vergonha e a culpa sentidas 24 pela vítima; Negligência que é o ato de omissão em proporcionar as necessidades básicas, necessárias para a sua sobrevivência, para o seu desenvolvimento. Os danos causados pela negligência podem ser permanentes e graves.Por sua vez, a violência interna das prisões, é tamanha, e faz comque o preso, com o tempo, perca o sentido de dignidade e honra que ainda lhesresta, assim, o Estado que através do cumprimento da pena deveria nortear a conduta não violenta age de forma contrária, inserindo o apenado num sistema que para Oliveira(1997), nada mais é do que: Um aparelho destruidor de sua personalidade, pelo qual: não serve o que diz servir; neutraliza a formação ou o desenvolvimento de valores; estigmatiza o ser humano; funciona como máquina de reprodução da carreira no crime; introduz na personalidade e prisionalização da nefasta cultura carcerária; estimula o processo de despersonalização; legitima o desrespeito aos direitos humanos. (OLIVEIRA, 1997, p. 55) As mulheres enfrentam no dia a dia da prisão situações específicas e graves. Encarceradas e esquecidas em condições ainda pouco discutidas pelo poder público, praticamente desconhecidas pela sociedade em geral, colocadas em último plano nas políticas públicas. Dentro do sistema carcerário há mulheres já julgadas e, portanto cumprindo sua pena e mulheres aguardando julgamento. A superlotação e os relatos de maus-tratos são uma constante na rotina e assistência médica e jurídica é precária. Em alguns presídios como o Desembargadora Auri Moura Costa, há trabalho remunerado que lhes permite obter a redução da pena, onde três dias trabalhados dão remissão a um dia de cumprimento na pena, mas não são todos que trabalham com esse sistema. Neste cenário encontramos diversas personagens de histórias reais, mulheres detidas em regiões diferentes, com cultura, religião e formação educacional diferente. Algumas são estrangeiras, outras tem relações afetivas fora dos cárceres, algumas são casadas. Também se encontram mulheres que respondem por medo, pois assumiram delitos por medo de represarias. Dentro desse mundo esquecido, cada uma tem sua própria forma de lidar e sobreviver. Há as que preferem o cárcere, e se apegam como se de fato fosse sua casa. Há mulheres que morrem a cada dia, não suportam conviver com o espaço limitado, apenas suportam em silêncio as medidas disciplinares, as violências vividas entre parceiras, às violências sofridas e praticadas por agentes, a alimentação precária e o difícil confinamento. Lígia relata: “A comida lá não era muito ruim, o problema era as agentes que ficavam no refeitório dizendo as coisas com a gente, elas humilhavam dizendo que agente devia era morrer de fome pra aprender a não fazer coisa errada”. 25 A mulher gestante que está na condição de presa tem o direito garantido pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal ficar com o seu bebê durante o período de aleitamento, porém, esse direito pode ou não ser praticado dentro da unidade onde cumpre sua pena, desde que este estabelecimento prisional, tenha estrutura suficiente para proporcionar uma permanência saudável tanto para a mãe quanto para o bebê. Alguns presídios brasileiros não atendem prontamente o que é determinado na lei, o que às vezes pode tornar tardia o processo da amamentação, pois necessitam aguardar vagas em locais apropriados que possam oferecer o mínimo para um período salubre e conveniente. A dificuldade no cuidado com a saúde das presas é recorrente, algumas são dependentes química, possuem algum tipo de doença sexualmente transmissível ou estão grávidas. O acompanhamento que elas devem ter de um ginecologista e obstetra não faz parte da rotina e assim ficam expostas a doenças já que o ambiente não é higienizado. A maioria não tem contato com a família, foram abandonadas pelo companheiro, e esse fator agrava a questão da higiene pessoal, uma vez que os itens de higiene como absorventes são negados. Sobre essa questão Lígia colocou: “Uma vez eu tive que improvisar absorvente, eu peguei um monte de papel higiênico, eu não recebia visita e ninguém trazia essas coisas pra mim e eu não pedia nada as agentes por que eu sabia que elas iam me humilhar”. Um dos maiores problemas, entre tantos, enfrentado pela mulher encarcerada é a condição em que ficam seus familiares após sua prisão. A separação dos filhos, para a maioria delas, é uma das dificuldades mais complicadas e dolorosas, pois o processo de adaptação e superação dos problemas mostra-se em muitos casos irreversíveis. Vale ressaltar que a mulher enquanto casada dificilmente consegue manter sua relação quando detida, pois se o companheiro não for do crime ou não tiver nenhum envolvimento com o delito em raríssimas exceções ficam do seu lado. Há casos em que o parceiro apoia visita, presta assistência e assume no lar o papel de pai/mãe, mas é um fenômeno raro. Porém, a maioria, ou nunca mais retorna ou com o tempo vai se esquivando até o total esquecimento e abandono. Eu fui abandonada por ele, engraçado (silêncio) eu lembro quando ele dizia que me amava e que a gente ia ficar junto pra sempre. Quando fui presa ele não quis nem saber, não quis nem notícias minha. E o que mais me dói foi ele ter deixado meus filhos ir pro abrigo. Ele tava preso mais sabia de tudo que acontecia e podia ter evitado isso. (Lígia, 32 anos) 26 Violência legitimada é o que mulheres encarceradas enfrentam dia a dia, neste sentido, a questão é: a ação violenta dentro do presídio encontra-se amparada pelo direito? A ação violenta é moralmente justificável? Do ponto de vista da organização simbólica, nossa sociedade encontra-se dividida entre bons e maus e quem não é bom é condenado a juízos morais realizados por toda sociedade. O uso da violência física no sistema prisional está vinculado ao interesse institucional e esse tipo de violência é, via de regra, uma forma de punição à transgressão, seja a punição/violência do agente carcerário ou pelos demais companheiros de cela. Muitas das mulheres que encontram-se no sistema prisional entraram no mundo do crime por dificuldades econômicas e em outros casos por uma ligação com alguém do sexo masculino, podendo ser familiar ou companheiro. Essa realidade é uma constante no perfil das mulheres encarceradas. 27 3 A MANIFESTAÇÃO DA CRIMINALIDADE FEMININA UMARESULTANTE DAS DIFICULDADES ECONÔMICAS E AFETIVAS COMO A manifestação da criminalidade feminina tem se caracterizado nos crimes “tradicionais”, ou seja, aqueles crimes que homens não cometem, como exemplo o aborto. As dificuldades econômicas e afetivas podem estar relacionadas à prática criminal das mulheres, como também a necessidade de criar e educar os filhos, pois em geral as mulheres possuem um ou mais filhos e na tentativa de satisfazer a quem se ama e a preservação de vínculos familiares, a mulher se submete às ações criminosas. Assim, a mudança que ocorre no cenário criminal coloca homens e mulheres em situações diferentes na discussão de gênero, com isso, é notável a realidade patriarcal direcionada às leis no direito penal. As temáticas relacionadas à criminalidade têm encontrado espaço nos debates atuais, o crime encontra-se cada vez mais próximo às diferentes camadas sociais e o cenário que se apresenta é de inúmeras ocorrências em virtude da violência generalizada nas grandes cidades. Essa problemática vem rompendo os espaços públicos e adentrando os espaços privados, as inúmeras formas de crime têm ganhado espaço nos noticiários. Através dos estudos da Escola Positivista, ao fim do século XIX, a criminologia foi reconhecida como ciência e teve como grande estudioso um médico conhecido pela obra “L'Uomo Delinquente”, Dr. Lombroso. O século XXI apresenta o crescimento da população carcerária, vários países da América Latina, inclusive o Brasil, tem essa realidade expressa em suas estatísticas. Segundo Simone Martins (2009), a criminologia é uma disciplina que, embora comumente vinculada ao direito, contempla e dialoga com diversos saberes, como a biologia, a psicologia, a psicanálise, a antropologia, a sociologia e a estatística. A sociedade sempre foi composta por pessoas de características diferentes, assim, aquelas que por um modo de agir ou pensar divergente, com uma identidade singular e que não estivesse adequada a um padrão julgado “normal”, sofreria com a exclusão e não seriam compreendidas suas motivações e atitudes. A sociedade que se julga soberana em seus padrões pré-definidos tem como resposta as diferenças um processo de exclusão. Na obra “Vigiar e Punir” de Michael Focault (1987), o autor apresenta que a população obedecia às regras ditadas pelo Estado por ter medo da morte, isso caracterizava um Estado de soberania. O poder da vida e morte estava nas mãos da soberania que, por sua vez, centrava os poderes executivo e legislativo. 28 Na França, como na maior parte dos países europeus – com a notável exceção da Inglaterra – todo processo criminal, até a sentença, permanecia secreto: ou seja, opaco não só para o público, mas para o próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas. (FOUCAULT, 1987, p. 31) Isto aponta que a punição real ou simbólica se compõe no sistema penitenciário e esta punição diante inúmeras manifestações da criminalidade se apresenta como solução para as demandas criminais e suas violências diárias. Considerando que ao fugir dos padrões de ordem e decência, a falta de disciplina e moral resulta na reclusão e privação do convívio social na perspectiva de uma resposta as práticas delituosas. Conforme Foucault (1987), o suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune. A criminalidade tem se desenhado através de personagens diversos, e em sua atuação o mais comum é um homem, porém na sociedade atual a presença de adolescentes e até mesmo mulheres tem sido bem cotidiano. Essa temática remete a várias reflexões, estas que passam por motivações para o crime, gênero, status, auto-afirmação e, principalmente fatores econômicos. O fato é que são muitas indagações diante da problemática e da busca por respostas, e se faz essencial pesquisa e ampla discussão. Diante a colocação apresentada, discutir a atuação da mulher na criminalidade abre uma nova dimensão ao assunto uma vez que a mulher foi socialmente educada para se manter idônea, a opção pelo crime vem despertar interesse na compreensão de suas reais motivações. Na idade média a mulher que tinha um comportamento mais ousado era vista pela Igreja como bruxa, simbolicamente atribuída ao pecado desde a criação do mundo, a sentença as suas transgressões era a fogueira, isto demonstra que historicamente a figura feminina é identificada nos discursos criminológicos, contudo, deve-se contextualizar esses discursos do ponto de vista político, social, econômico, e sobretudo, cultural. Por certo a sociedade ocidental foi construída dentro de parâmetros cristãos, a Igreja era a condutora dos bons costumes, a conduta da mulher era a mais observada uma vez que não era permitida as mesmas atitudes contraria a moral cristã que condenava a expressiva sexualidade e atuação social da mulher. Uma ordem fincada no ideal de família, de uma moral cristã, que unida a tantos fatores sociais vigentes na época, colaborou para a dicotomia, entre homem e mulher, as mulheres eram o “bode expiatório” de uma sociedade patriarca e machista. Para Silva (1983) esta ordem foi estabelecida desde momentos anteriores em 29 algumas sociedades, porém recebeu uma roupagem moralista que influenciou diretamente a figura da mulher nos discursos criminológicos que o seguiram. Embora a ciência tenha rompido com a Igreja, a moral cristã relacionada à sexualidade permaneceu nas entrelinhas, facilmente percebida nos discursos criminológicos. Discursos, estes que fizeram uso também do discurso médico e psicanalítico acerca da sexualidade e das diferenças entre masculino e feminino, sendo transmitido entre gerações e participando da formação cultural assimétrica que impõe estereótipos relacionados a papéis sexuais. Os crimes cometidos na sociedade moderna têm impressionado pôr registrar a mulher em atividades criminais. No século XIX a mulher estava relacionada aos crimes de prostituição, na atualidade a mulher criminosa atua no tráfico, no roubo e furto, formação de quadrilha e porte de armas, comprovando a evolução de uma prática criminal anteriormente atribuída apenas ao corpo. Para Zaffaroni (2005), especificamente sobre a mulher, afirmouque ainda que em menor número, ocupariam um rol importantecomo causa de todos os tipos de atentados que afligem a sociedade. Ao longo da história a mulher têm sido vítima de uma armadilha social que as coloca como frágeis e indefesas, portadoras de uma docilidade que a distanciam de qualquer pratica delituosa, ou ainda, estereótipo demenor capacidade. O senso comum da sociedade produz a lógica de que a mulher é incapaz de cometer um crime, muito embora seja identificável diante as estatísticas que a mulher tem essa capacidade, já que os presídios femininos têm sua funcionalidade em virtude de inúmeros crimes. A referida incapacidade para a criminalidade fortalece a ideia de que o universo feminino se mantém inferiorizado ao masculino em diversas esferas sociais. Parece que não é dado ao universo feminino o direito à violência, somente podendo atingir seus fins maléficos com a malícia. Não lhes é permitida a prática de condutas que demonstrem a capacidade deinverter o papel social de inferioridade que lhes é imposto, o uso de violência por parte das mulheres choca, pois demonstra, em verdade, a equivalência dos seres na espécie humana.(LIMA, 2007, p.317-318) É possível afirmar que a criminalidade da mulher sempre esteve em comparativo com o comportamento criminal do homem, mas a atuação da mulher na atualidade tem causado maior visibilidade a temática. Identificar qual elemento pode ser o responsável pelo aumento da pratica criminal da mulher e os fatores determinantes de sua conduta é um questionamento relevante para a sociedade. 30 Sabendo que a sociedade e seus sujeitos sofreram modificações, as estatísticas criminais apontavam crimes próprios das mulheres citando oinfanticídio, abortos e envenenamentos. Atualmente os registros criminais femininos as colocam em um cenário bem distante dos citados anteriormente. Na sociedade contemporânea as mulheres criminosas participam do tráfico de drogas, formação de quadrilha, roubo de cargas, tráfico de pessoas e assassinatos.De acordo com Lemgruber (1999), a partir da revolução feminista, da introdução da figura feminina no mercado de trabalho e da quantidade defamílias chefiadas pela mulher, houve um aumento da criminalidade feminina. A criminalidade é uma preocupação cotidiana, atualmenteas pessoasbuscamsegurança individual e de seu patrimônio, fortalecendoa cada dia os espaços privatizados,fechados e monitorados. Essa busca causaalteração na rotina ehábitos, como também naspráticas sociais, alterando os padrões de normalidade. A sociedade contemporânea presencia a banalização do crime, atrelada àfalta de estrutura e por problemas como a fome, o analfabetismo, a corrupção, e a extremadesigualdade social, a criminalidadeacaba sendo apenas mais um problema dentretantos outros encontrados na sociedade brasileira. Dados do I censo penitenciário do Estado do Ceará revelam que o perfil das mulheres criminosas se compõe por baixa escolaridade, trabalhos precários e renda familiar abaixo do salário mínimo. Para que possamos refletir de forma mais abrangente a problemática da criminalidade, teríamos que, além de levar em conta os números e as estatísticas, pontuar também as suas principais causas, e o que notamos, de acordo com o senso comum da sociedade e também por estudiosos do assunto, é que a pobreza tem sido muito discutida como causa e como principal responsável pelo aumento da criminalidade no Brasil. Mas a pobreza não é a única causa da criminalidade. Apesar da forte associação entre a marginalidade e a criminalidade,facilmente derrubada mediante uma reflexão mais profunda,a criminalidade é um fenômeno que perpassa por toda a sociedade, seus segmentos, classes, faixas etárias, etc. A sociedade sofreu mudanças no percurso da história, revoluções e evoluções que no novo século refletem espaços ocupados por mulheres. O século XX revolucionou a humanidade, as áreas científicas e tecnológicas deram um salto em qualidade e quanto às áreas educacionais e social, podemos também avaliar seu crescimento positivo, porém não como o idealizado. Dentro dessas mudanças e transformações, o gênero feminino teve 31 envolvimento significativo. No início do século XX, acreditava-se que as mulheres cometiam menos crimesdo que os homens por estarem confinadas ao espaço doméstico, mas as mulheres tiveram o seu papel social redefinido por conta das mudanças ocorridas na estrutura da família e nas condições sociais e econômicas. As mulheres conquistaram direitos políticos, asseguraram o acesso à educação e passaram a ganhar visibilidade nos espaços públicos. A mulher mesmo com todos os avanços e conquistas ainda sofre em meio aos processos sociais e culturais, a cultura do machismo ainda sufoca e inferioriza a mulher dentro de sua condição. A criminalidade também pode ser associada ao grau de integração social, pois a integração grupal, a estabilidade comportamental do mesmo, os controles informais à conduta, a pouca incidência de modificações estruturais violentas, bem como de seus componentes, ou ainda, a estabilidade generalizada dos membros em relação aos processos culturais e modos de ser sociais, contribuem de forma direta no cenário criminal. (VERGARA, 1998, p. 18). Por muito tempo o estudo da mulher e a criminalidade não foi explorado como devia, com a legitimação da categoria “Gênero”, a temática ganha maior destaque nos estudos fazendo-se importante na atual conjuntura social. Com a evolução e modernização sofrida pela sociedade não se faz possível analisar a mulher à sombra do modernização sofrida pela sociedade não se faz possível analisar a mulher à sombra do homem, dentro da temática criminalidade é inviável, pois as motivações dos crimes cometidos pelas mulheres se originam nas violências sofridas pelos homens. Scott (1989) coloca que nas análises das ciências humanas, essa associação não é mais aceita, visto que a partir desta categoria, ficou evidente a existência de diferentes temporalidades e mulheres atuando em cada lugar, em cada contexto, tornando-se, portanto, uma história múltipla. De mãe, esposa e cuidadora do lar a mulher passou a ser vista como chefe de família e trabalhadora, em busca de reconhecimento próprio de uma nova identidade a metamorfose sofrida a levou à pratica de atitudes atribuídas ao gênero masculino. O estabelecimento do novo padrão de atividade feminina permitiu a passagem da mulher das camadas médias, do status anterior de esposa e de mãe para o status de trabalhadora. A busca por uma identidade própria e do reconhecimento social dessa identidade teve um impacto profundo sobre o modelo de família baseado na ética do homem provedor, a mulher assume o papel invertendo a lógica da sociedade. 32 Segundo Rosa & Carvalho (2008), a mulher como figura provedora da família tem uma motivação para o crime uma vez que os fatores apontados como causa para sua inserção no crime são os fatores sociais, ou seja, as condições precárias em que vive.Lígia coloca que: “Eu no começo morria de medo, mas a vida nesse negócio era mais fácil, eu tinha dinheiro toda hora. Antes tinha dia que meus filhos me pediam comida e eu enganava eles com água.” Diversos fatores causam impacto direto nas relações sociais, famílias estão desestruturadas por causa do alto índice de desemprego, alcoolismo, drogas e pratica de delitos. Tais fatores vão repercutir nas relações sociais e estruturação familiar, provocando uma inadequação nas relações saudáveis e na formação da moral, ética e na personalidade desse sujeito, o que pode manter um comportamento social desviante. A mulher tem em sua história um passado de repressão, sua criação lhe foi imputada à submissão e limites, com isso, a mulher moderna traz consigo um desejo por liberdade busca autoafirmação e emancipação, porém, os riscos são reais. A mulher busca emancipar-se e a sociedade imputa-lhe rótulos fazendo com que essa emancipação seja vista contraditoriamente. Segundo Gastal (2000) “a tão desejada “liberdade feminina” traz consigo uma maior exposição ao risco de usar bebidas alcoólicas e drogas em geral...” (p.02). Dentro desse cenário conflituoso há uma facilidade que permite o acesso de mulheres ao crime. De acordo com dados de estudos em criminologia, a participação de mulheres em crimes é ignorada e se explica pelo fato de suas relações serem com parceiros criminosos. Lígia relata que: “No começo eu fiz tudo por amor, ninguém me obrigou a nada (silêncio) quer dizer eu achava que era amor. Amor mesmo só dos meus filhos, hoje eu sei disso!” Deve-se questionar se háinfluência dos homens na iniciação de mulheresno crime uma vez que as motivações para a inserção são diversas. As justificativas mais recorrentes são, por exemplo, as relações amorosas estabelecidas comhomens criminosos, como tambémem função das dificuldadesencontradas para sustentar seus filhos. De uma maneira geral,estudiosos da temáticaconcordam que para maior entendimento da criminalidade feminina, é preciso um nível amplo de análise, onde haja investigação do controle e da opressão sofrida pormulheres em diferentes esferas sociais. É possívelque a falta de atenção à criminalidade femininarelacione-se com ofato da mulher ser vista como vítima e não realizadora da prática criminal.Em um nível mais amplo, a análise da 33 criminalidade feminina deve incluir discussões acerca de cor e de classe, entendendo que esses são,juntamentecom gênero,elementos indissociáveis na construçãoda posição social e das identidades das mulheres.O conflito de gênero que está por trás da violência generalizadanão pode ser tratado apenas como uma pratica, mas precisa de um olhar que supra as especificidades próprias das mulheres, como exemplo deve-se avaliar a situação em que se apresenta o sistema prisional para receber a mulher apenada e as leis destinadas as mesmas. 3.1 A condição da mulher no presídio feminino e a Lei de Execução Penal para mulheres encarceradas No presídio a maioria das reclusas são afetadas diretamente por problemas sociais e econômicos, são mulheres com filhos, mães solteiras, provedoras e que se viram obrigadas a encarar a vida para manter a si e os que delas dependem. Geralmente não foram elas que procuraram o crime, mas a circunstância que chegou as colocarem dentro desse cenário. A complexa relação estabelecida entre a mulher e o sistema penitenciário revela uma intensa necessidade de discussão sobre a problemática, a partir de uma sanção penal designada por um representante do Estado, pois a condenação judicial coloca a mulher em uma instituição de privação de liberdade, alterando o percurso traçado pela sociedade desde a antiguidade para as mulheres. O ambiente prisional é composto por simbologias próprias do ambiente, trazendo consigo a manifestação de violência e imposições, as instituições fechadas reproduzem uma barreira ao mundo externo. A proibição de saída e acesso a liberdade está simbolizada por portões, arames farpados, armas e grades, lembrando a todo instante as pessoas enclausuradas onde é seu lugar. Segundo Goffman (1996), uma característica fundamental da sociedade moderna é a mobilidade, liberdade espacial e temporal do indivíduo. Ele dorme, come, aprende, reza, trabalha ou diverte-se, em locais diferentes, com pessoas diferentes, sob diferentes tipos de autoridade: em casa, o pai ou a mãe; na escola, a professora; no trabalho, o chefe; na igreja, o padre, na prisão o diretor. O traço dessas instituições penais é conceder ao indivíduo um tratamento coletivo e punitivo. Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e 34 formalmente administrada. As prisões servem como exemplo disso, desde que consideremos que os aspectos característicos de prisões podem ser encontrados em instituições cujo participante não se comportaram de forma ilegal. (GOFFMAN,1996 p.17). Na leitura de Foucault (1997), a esse respeito, percebem-se as instâncias de poder que se instalam nas prisões, seu estudo sobre as prisões traz grande contribuição para análise do poder que se estabelece. Foucault afirma: O que é fascinante nas prisões é que nelas o poder não se esconde, não se mascar cinicamente, e, ao mesmo tempo, é puro, é inteiramente justificado, visto que pode inteiramente se formular no interior de uma moral que serve de adorno a seu exercício: sua tirania brutal aparece então como dominação serena do bem sobre o mal, da ordem sobre a desordem. (FOUCAULT, 1997, p. 73). Portanto, analisar a questão da mulher encarcerada se faz essencial, a crítica a essa temática deve buscar o olhar a partir das garantias de direitos, compreendendo as especificidades e particularidades das mulheres que compõe o cenário prisional. Tratando dos direitos das mulheres, estudar todas as questões que a envolvem através de uma metodologia de análise de gênero que tem sua importância, ressaltando que a mulher esteve desde sempre inserida num sistema patriarcal, machista e disseminador de superioridade. Meus dias na prisão não foi fácil, eu não conseguia me adaptar, nos primeiros dias eu achava que a qualquer hora eu ia sair, mas depois de uma semana a ficha caiu. Por muito tempo eu tomei remédio, ficava dopada pra esquecer que eu tava ali dentro. Lá não tinha ninguém por mim, eu me enchia de remédio todo dia pra suportar. (Lígia, 32 anos) Com o surgimento das instituições de recolhimento prisional, compreende-se a necessidade de separar mulheres e homens, este entendimento vem da percepção de que as penas e os tipos de crimes são diferenciados. Historicamente, as primeiras prisões femininas localizavam-se em conventos e as freiras orientavam as mulheres que cometiam algum tipo de delito. Dessa forma, percebe-se que a penalidade para as mulheres era intrínseca a moral.Espinoza (2004) assinala que nos homens os valores a serem despertados com a pena eram de legalidade e necessidade do trabalho, mas se tratando das mulheres desviadas era preciso recuperar seu pudor com a pena designada. Ao discutir a criminalidade feminina, percebe-se a atribuição de estereótipos e desvalorização da mulher, e as características de gênero dificultam a percepção da mulher no universo do crime. O caminho trilhado pelas mulheres até sua reclusão se dá por diversas 35 situações. Estatísticas do Departamento Nacional Penitenciário (2012) coloca que o principal crime cometido por mulheres é o de tráfico, que corresponde a 60% (sessenta por cento), seguido dos crimes contra o patrimônio, que representam 23% (vinte e três por cento). O crime de tráfico, em sua maioria, está relacionado com a questão de gênero, onde na maioria dos casos de tráfico, a mulher está envolvida por conta de um homem de sua família, sendo este, marido, irmão ou filho, configurando um crime “familiar” ou em nome da família, como exemplo temos casos em que a mulher é detida ao tentar levar drogas ou aparelhos eletrônicos na ocasião da visita intima ao seu companheiro preso. Eu fazia tudo o que ele me pedia, teve vistoria lá e o celular que ele usava o “policia” achou. Um dia eu fui pra visita e ele me mandou levar uns aparelhos, ele disse que eu desse um jeito ai eu fui né? Uma pessoa que fazia essas coisas erradas também foi que me ajudou e ele me deu um balde, ele fez um fundo falso e botou três celular. (Lígia, 32 anos) O descaso que o sistema penitenciário enfrenta se revela nas más condições de manutenção e na superlotação recorrente, cotidianamente os presídios necessitam de reformas nos mais diversos âmbitos, no físico por conta de prédios antigos e em mal estado de conservação, nos recursos humanos uma vez que seu quadro funcional é composto por poucos funcionários e trabalhadores que, por sua vez, são submetidos as péssimas condições de trabalho, baixo salário e nenhuma perspectiva de crescimento. E ainda, na própria composição do ambiente, verifica-se baixa luminosidade e pouca ventilação. Nesse aspecto, as condições de aprisionamento refletem a condição das mulheres encarceradas, o descaso vai refletir no estado emocional e psicológico, expressando o abandono, a opressão e a sujeição que as acompanham. Uma particularidade recorrente do encarceramento feminino é o abandono da mulher por seus familiares. A família é uma das principais preocupações das presas, a visita é extremamente importante porque funciona como ligação do mundo externo. Na visita as reclusas recebem notícias, alimentos, materiais de higiene pessoal. Dados estatísticos do I censo penitenciário do Estado do Ceará do ano 2014 revelam que a maioria das presas, 87% (oitenta e sete por cento) não recebe nenhum tipo de visita e isso ocorre por dois motivos essenciais: um se trata de logística, como a quantidade de mulheres presas é menor em relação aos homens, a quantidade de penitenciárias femininas é bem menor. Isto resulta em muitos casos no afastamento da presa de sua localidade natal, 36 implicando diretamente nas visitas, pois a locomoção está ligada a um fator financeiro que, na maioria dos casos, as famílias não possuem. Mas em uma análise menos superficial o fator primordial explica-se na questão de gênero, onde a mulher criminosa recebe dupla punição, pois cometeu dois “crimes”, o ato infracional e o crime de não cumprir seu papel social: ser mulher correta e idônea. O comportamento desviante da mulher afeta profundamente sua imagem social, com isso, o abandono ocorre também por conta do marido e/ou companheiro. Isto retrata outra particularidade do sistema prisional feminino, a baixa procura de visita intima. A justificativa dos homens está nos procedimentos para a visita, são poucos os homens que se dispõem a passar pela inspeção anterior à qualquer visita nas penitenciárias e, para eles, é uma situação bastante constrangedora. Com essas pontuações, a sexualidade feminina fica restrita, sendo a mulher desestimulada em sua vida sexual. Por outro lado, no campo do direito, a resolução nº 4 de 29 de junho de 2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária representa uma contribuição importante em relação à visita intima. Recomenda aos Departamentos Penitenciários Estaduais ou órgãos congêneres que seja assegurado o direito à visita íntima a pessoa presa, recolhida nos estabelecimentos prisionais. Considerando relatório do Grupo de Trabalho Interministerial Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino, editado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (2008): "Garantia em todos os estabelecimentos prisionais do direito à visita intima para a mulher presa (hetero e homossexual)", resolve: Art. 1º A visita íntima é entendida como a recepção pela pessoa presa, nacional ou estrangeira, homem ou mulher, de cônjuge ou outro parceiro ou parceira, no estabelecimento prisional em que estiver recolhido, em ambiente reservado, cuja privacidade e inviolabilidade sejam asseguradas às relações heteroafetivas e homoafetivas. Art. 2º O direito de visita íntima, é, também, assegurado às pessoas presas casadas entre si, em união estável ou em relação homoafetiva. Art. 3º A direção do estabelecimento prisional deve assegurar a pessoa presa visita íntima de, pelo menos, uma vez por mês. Art. 4º A visita íntima não deve ser proibida ou suspensa a título de sanção disciplinar, excetuados os casos em que a infração disciplinar estiver relacionada com o seu exercício. Art. 5º A pessoa presa, ao ser internada no estabelecimento prisional, deve informar o nome do cônjuge ou de outro parceiro ou parceira para sua visita íntima. Art. 6º Para habilitar-se à visita íntima o cônjuge ou outro parceiro ou parceira indicado deve cadastrar-se no setor competente do estabelecimento prisional. Art. 7º Incumbe à direção do estabelecimento prisional o controle administrativo da visita íntima, como o cadastramento do visitante, a confecção, sempre que possível, do cronograma da visita, e a preparação de local adequado para sua realização. 37 Art. 8º A pessoa presa não pode fazer duas indicações concomitantes e só pode nominar o cônjuge ou novo parceiro ou parceira de sua visita íntima após o cancelamento formal da indicação anterior. Art. 9º Incumbe à direção do estabelecimento prisional informar a pessoa presa, cônjuge ou outro parceiro ou parceira da visita íntima sobre assuntos pertinentes à prevenção do uso de drogas e de doenças sexualmente transmissíveis. Art. 10. Fica Revogada a Resolução nº 01/99 de 30 de março do ano de um mil novecentos e noventa e nove (30/03/99). Publicada no DOU de 05/04/99, Seção 1. Art. 11. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. (LEI DE EXECUÇÃO PENAL, 1940) Isto pressupõe que o encarceramento produz diversas consequências com repercussão não só na pessoa reclusa, mas, principalmente, no núcleo familiar, levando em conta que a população carcerária não tem um padrão, mas a diversidade na estrutura familiar é constante. O sentimento de abandono dos companheiros das presas também reflete nos filhos, e é uma preocupação a mais para as reclusas. Ao contrário do homem, a mulher, em qualquer circunstância, cuida dos filhos, esteja os pais presos ou não. As reclusas se afligem ao perceber o abandono do companheiro, pois acredita que o mesmo ocorre com os filhos, não havendo políticas públicas que respondam a essa questão. A condição da mulher no presídio é dolorosa, sua vida é limitada a muros e grades lhe negando perante a sociedade seu exercício materno e convívio familiar.Lígia declara que não recebia visitas: “Eu não recebia visita de nenhum parente meu, eu sei que escolhi essa vida errada e tinha consciência que eu tinha que pagar por isso sozinha. Eles nunca me procuraram, mas eu entendo, lá em casa a única que fazia as coisas erradas era eu.” No tocante a legislação penal esta é escassa ao sexo feminino, percebe-se profunda negligência a problemática das mulheres encarceradas. O direito subjetivamente traz critérios masculinos e estes são de fácil identificação. O direito é sexuado, esta analise sugere que, quando um homem e uma mulher se veem frente ao direito, não é o direito que não consegue explicar ao sujeito feminino os critérios objetivos, mas ao contrário, aplica exatamente tais critérios, e, estes, são masculinos. Portanto insistir na igualdade, na neutralidade e na objetividade é, ironicamente, o mesmo que insistir em ser julgado através de valores masculinos. (BARATTA, 1999, p. 30-31) A legislação penal em suas formulações da teoria delituosa e tipificação das condutas punitivas incorpora condutas que estigmatizam a mulher, inferiorizando-a em relação ao homem e evidenciando a discriminação. A sociedade nutre em seu pensamento que no direito penal há neutralidade e objetividade, mas isso não corresponde à realidade. Barroso coloca 38 Que a neutralidade, entendida como um distanciamento absoluto da questão a ser apreciada, pressupõe o operador jurídico isento não somente das complexidades da subjetividade pessoal, mas também das influencias sociais, o que não se constitui uma verdade. Essa reflexão desenha que a neutralidade e objetividade que incorporam o direito são masculinos e, portanto a sociedade os aceita como universais. (BARROSO, 2001, p. 27). A luta das mulheres, nas últimas décadas, contribui para importantes modificações na redução da discriminação de gênero em matéria penal. Mesmo diante dos avanços, as desigualdades na legislação nas mais diversas áreas do direito penal ainda persistem. No Brasil, a câmara federal aprovou o projeto de lei que muda o código penal, retirando os dispositivos discriminatórios em relação à mulher. Romper o silêncio e ouvir as vozes das mulheres significa também, favorecer a organização e participação das mulheres, não individualmente, mas das mulheres como sujeito, ou seja, é preciso reforçar sua expressão pública para assegurar seus pontos de vista e que suas demandas sejam consideradas. (SOARES, 2004 p.118) O sistema penitenciário, em geral, vive em crise, superlotações, precarização, ineficiência entre outros. Nesta perspectiva, abordar e analisar as políticas públicas penitenciarias não constitui tarefa simples uma vez que o sistema prisional demonstra desde sua constituição ineficiência e dificuldades em cumprir seus objetivos, no caso punir e recuperar. A política penitenciaria e seu acompanhamento fiscalizador são de responsabilidade do Ministério da Justiça, por meio do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria, sempre em observância ao que determina a lei de execução penal, onde a competência é estabelecida pelo decreto nº 5.535, de 13 de setembro de 2005 que determina: I – propor diretrizes da política criminal quanto a prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança; II – contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciaria; III – promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua adequação as necessidades do País; IV – estimular e promover a pesquisa no campo da criminologia; V – elaborar programa nacional penitenciário de formação e aperfeiçoamento do servidor; VI – estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais e casas de albergados; VII – estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal; VIII – inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informa-se, mediante relatórios do conselho penitenciários requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal nos Estados e Distrito Federal, 39 propondo as autoridades dela incubida as medidas necessárias ao seu aprimoramento; IX – representar ao Juiz da Execução ou a autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em caso de violação das normas referentes a execução penal; e X – representar a autoridade competente para a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal. (LEI DE EXECUÇÃO PENAL) Assim, o sistema penal, além de funções administrativas, estabelece políticas internas seja para punição ou “favores” que, por sua vez, excede a função da sentença e age diretamente no comportamento da reclusa. Dessa maneira, o sistema prisional acaba por se autonomizar e gerar variação na pena e sua aplicação. Referente às políticas públicas penais, Adorno (2000) coloca que Estamos pensando num conjunto de normas, meios e procedimentos técnicos, que são dotados pelo Estado para prevenir a criminalidade, conter a delinquência, promover a reparação de um bem atingido pela ofensa criminal, custodiar cidadãos condenados pela justiça e realizar a segurança da população. É importante observar a generalidade das políticas públicas do País, onde essas se colocam como ressocializadoras e recuperadoras, mas que são de cunho meramente punitivo. (ADORNO, 2000, p. 25) A diversidade do sistema prisional brasileiro, com seus diferentes estabelecimentos, atores e necessidades, torna complexa qualquer pena. As que estão no sistema penitenciário incorporam sua fragilidade social que, consequentemente, está relacionada à negligência por parte do Estado, provocando um desenvolvimento contrário ao qual é oficialmente o objetivo do sistema de punição.Em vez de reintegração, há uma enorme probabilidade a reincidência, revelando um sistema prisional ineficiente. Há uma grande urgência em garantir dignidade às presas. É absurdo a justiça compactuar com a prática de mulheres dando à luz algemadas, exemplo de violação das resoluções dos direitos humanos nacionais e internacionais.Percebemos que poucos se interessam e trabalham com a questão do sistema prisional, e menos ainda com a questão da mulher. A modernização do sistema penitenciário e a expansão dos programas socioeducativos são vetores necessários para garantir que a dignidade e o respeito humano possam ser contemplados e vivenciados, abrindo novas oportunidades que futuramente permitirão a realização plena e efetiva das obrigações legais do Estado. 3.2 O cenário do cárcere 40 O sistema penitenciário feminino brasileiro esconde uma realidade dolorosa e violenta, um cenário frio, precarizado e inadequado que abriga mulheres com histórias de vida diferentes e com um presente em comum. A realidade prisional do Brasil é marcada por superlotação, falta de acesso à saúde, ausência de atividades específicas à mulher e trabalham no mesmo padrão de penitenciarias masculinas. Dentro desse contexto percebemos que as especificidades femininas como a maternidade e cuidados a saúde da mulher são ignoradas. A Constituição Federal instituiu no artigo 1º o Estado Democrático de Direito que a dignidade humana é um de seus pilares. Tratando de direitos e garantias a Carta Magna afirma que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” A Organização das Nações Unidas pontua regras mínimas que devem ser cumpridas no tratamento aos reclusos quando assinala que As regras que se seguem devem ser aplicadas, imparcialmente. Não haverá discriminação alguma com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição. (MORAES, 2002, p.157) A sociedade tem despertado para discutir questões de grande importância no campo dos direitos humanos, sendo, assim, discutir a realidade de mulheres encarceradas também deve ter seu espaço. Nesse contexto, deve-se levar em consideração a realidade prisional do Brasil, pois se percebe que, em muitos aspectos, ela deixa a desejar quanto às condições colocadas pela ONU e lei de execução penal. A Constituição Federal e tratados internacionais em que o Brasil se propôs assumir no tocante ao tratamento dispensado à população carcerária não condiz com a realidade vivida dentro das prisões. Segundo Borges, As normas penais e sua execução foram estruturadas assim como outras formas de controle social a partir do ponto de vista masculino, tal afirmação nos faz perceber que as especificidades femininas são desconsideradasdiante a sociedade fundamentalmente patriarcal e machista, que percebe a mulher como submissa e objeto de satisfação, passiva e sem direitos. As estatísticas revelam que os homens dominam a participação em crimes, porém a participação de mulheres em crimes e delitos vem ao longo do tempo sendo constante. (BORGES, 2007, p.193). Em dezembro de 2012 um levantamento do Ministério da Justiça apontou que no Brasil existem 53 penitenciarias femininas, 4 colônias agrícolas, 7 casas de albergados, 9 41 cadeias públicas e 5 hospitais de custodias para abrigarem as mulheres identificadas com problemas mentais. No período em que foram levantados os dados havia 31.552 mulheres presas no país, 3.733 tinham o ensino médio incompleto, 13.584 não haviam completado o ensino fundamental, 2.486 tinham sido alfabetizadas e 1.382 eram analfabetas. Dentre toda essa população, apenas 272 mulheres tinham o ensino superior. Esses dados nos revelam que o perfil de mulheres presas está ligado à baixa escolaridade e, na maioria dos casos, elas vêm de família de classe pobre. Os dados estatísticos de mulheres encarceradas revelam também que mulheres chefes de família, que assumiram a responsabilidade financeira da casa tem grande representação nos números, a maioria das acusações e detenções são por crimes contra o patrimônio e tráfico de entorpecentes, sendo a renda destinada a sustentação da casa. Porém não é somente nesses casos que as mulheres atuam, homicídios, infanticídios, furtos, roubos, latrocínios, estelionatos, perturbação da ordem, da moral e bons costumes também fazem parte do cotidiano de mulheres criminosas. Pelo controle sob o sujeito, a instituição retira qualquer autonomia do recluso, reforçando que tem total poder sobre esses indivíduos. A rotina é estabelecida mediante um processo de organização que tem como resultado a anulação e perca de autonomia, já que a intimidade e a privacidade são violadas em virtude do objetivo da instituição, restando poucas possibilidades para manifestação de vontade, ou seja, há rotina estabelecida pela direção, na qual, não são consultadas e nem têm direito de escolha. As sensações de vazio, monotonia, ociosidade pintam um cenário ainda mais frio, durante o dia buscam atividades para se distrair e amenizar o peso dos portões fechados. No Auri eu trabalhava, lá tinha uma confecção e eu fui trabalhar honestamente pela primeira vez na vida. Eu gostava muito de ter o que fazer, ajudava o tempo, passava mais rápido. Lá dentro eu aprendi um monte de coisa e ainda tinha aquela condição de que se eu trabalhasse minha cadeia diminuía. (Lígia, 32 anos) Para Foucault (2002), o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos. Esta ideologia de privação de liberdade e disciplina acaba transformando os internados em indivíduos autômatos. 42 3.3 As mulheres presas e processos de discriminação Apesar da evolução e atuação na sociedade, a mulher continua sendo excluída e discriminada e, mesmo com o desenvolvimento tecnológico e o rompimento com a igreja, a moral cristã continuou sendo parâmetro para a vida social, sendo notório em discursos criminológicos. As diferenças entre o masculino e o feminino estão ligadas ao discurso que impõe estereótipos entre os papeis a serem executados dentro da sociedade pelos homens e pelas mulheres. Todavia, considerando que a prisão já é uma violência, saber que este ambiente proporciona violação de direitos não causa surpresa diante dos relatos das encarceradas. A esse respeito Espinoza apresenta que O cárcere como uma instituição totalizante e despersonalizadora e o indivíduo que nele se encontra apresenta ruptura em diversos níveis sociais. O cárcere não apresenta somente a condição da perda da liberdade, mas da privação, autodeterminação e capacidade de reconhecimento social. (ESPINOZA, 2004, p. 78) Por certo, o cárcere produz naqueles que nele habitam sentimentos de inferioridade e efeitos desmoralizantes. Tratar da mulher no sistema penitenciário apresenta um dilema, pois aquela que se delegou cuidar da família, casar e ter filhos, sempre fora vista como frágil e dócil no imaginário social, agora descumpriu seu papel e quebrou regras, neste caso, deve pertencer a um confinamento como punição ideal. Isto aponta que é válida e pertinente a ideia de confinar a mulher que praticou algum crime tem objetivo de restauração da moral. Para Espinoza (2004, p. 79), “a educação penitenciariabusca, prioritariamente, reinstalar nas mulheres o sentimento de pudor, sendo estas, objetos de incidência de objetivos moralizadores”. As mulheres encarceradas são relegadas no sistema carcerário e colocadas em segundo plano, a princípio podemos analisar a estrutura física dos presídios. Conforme informações do Departamento Penitenciário Nacional, a maioria dos estabelecimentos penais femininos são adaptados e sem qualquer tipo de tratamento para ressocialização das presas, inviabilizando aparelhos como creche e berçário para os filhos. As encarceradas encontramse estigmatizadas, inicialmente, por ser mulher, em sua maioria a população carcerária é composta por presidiárias de baixa classe social e escolaridade mínima, carregando uma marca de desvalor social. Com a inserção na prisão perdem sua cidadania e passam a ser vistas como delinquentes. Lígia coloca em questão o tratamento recebido e relata: “Tem 43 agente que honra a farda que veste, mas é muito pouco, a maioria trata a gente como bicho e diz que tem nojo da gente. Eu é que tenho nojo delas, elas tão ali só pelo dinheiro e esquece que a gente é ser humano também.” As políticas penitenciarias foram elaboradas para homens, com isso, as mulheres são invisíveis e sofrem com a degradação de sua imagem e por ter sua dignidade violada. Os discursos de fragilidade e delicadeza sobre as mulheres as colocam em um lugar que a sociedade não atribui a sua figura, passando a vê-las como invasoras de um lugar que não lhe pertence. A justificativa para a falta de políticas penitenciarias está baseada em que não se espera que a mulher pratique atos delituosos uma vez que a mulher é considerada não apta aos atos agressivos. Mesmo com a menor parcela de mulheres em relação a população carcerária masculina esse fator não pode ser determinante para falta de políticas e garantia de direitos, conforme os dados do Infopen - as mulheres representam aproximadamente 6,5% (seis e meio por cento) dos presidiários. 44 4 O SERVIÇO SOCIAL E A RESSIGNIFICAÇÃO PROFISSIONAL A história da sociedade brasileira é marcada por lutas, crises econômicas e tensão do Estado que se configura neoliberal e capitalista. A questão social que se agrava ao decorrer dos séculos encontra espaço e se expressa no dia a dia de uma sociedade desfavorecida, composta por minorias e enfraquecida financeiramente. No século XIX trabalhar no contexto da estrutura e das relações sociais que peculiarizavam a sociedade era uma tarefa que a classe dominante reservou aos assistentes sociais. A princípio tal trabalho estava longe de uma observação às relações sociais, caracterizando como noção de caridade. Com o advento do cristianismo a assistência ampliou a visão se fundamentado não somente na caridade, mas especialmente na justiça social. Ao longo do tempo, inúmeros foram os caminhos trilhados pela assistência, assim como as formas operacionais adotadas para concretiza-la, porém um elemento se manteve sempre a ela vinculado, a caridade para os pobres. Desde a era medieval até mesmo o século XIX, a assistência era encarada como forma de controlar a pobreza e de ratificar a sujeição daqueles que não tinham posses ou bens materiais. Na assistência prestada pela burguesia havia sempre outras intenções, o que se buscava era perpetuar a servidão e fortalecer a submissão. A tarefa de racionalizar a assistência veio ao final da primeira metade do século XIX, da aliança da burguesia com a Igreja Católica nasceu à sociedade de organização de caridade. O Serviço Social trabalhando para a igreja tinha que trabalhar a massa, no sentido de impedir as manifestações coletivas e manter controle sobre a questão social. Tinha uma função ideológica, onde a repressão à organização da classe trabalhadora era essencial. A racionalização da assistência acabou constituindo uma estratégia política na qual a burguesia procurava desenvolver o seu projeto de hegemonia de classe. O serviço social teve suas origens dentro da Igreja Católica e visava preparar a grande massa operária para a o capitalismo industrial, período conhecido como “conservador”, o objetivo era preparar essa população para sistema socioeconômico e político da época.No Brasil, o Serviço Social nasceu por volta de 1930, como afirma Pellizzer (2008, p.28),o Serviço Social nasce no Brasil, na terceira década do século XX, em resposta à evolução do capitalismo, sob a influência europeia, como fruto direto de vários setores particulares da burguesia fortemente respaldados pela Igreja Católica. Nessa década, o Brasil 45 vivia 6um processo de industrialização de importações, no período de 1930 a 1935, o governo brasileiro sofre pressões da classe trabalhadora, que é então controlada através da criação de organismos normatizadores e disciplinares das relações de trabalho, em especial através do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O governo Getúlio Vargas é gestado em busca de crescimento urbano – industrial e fez emergir, na sua gênese capitalista, a questão social, que também é fruto das pressões e dos questionamentos da sociedade que passava por grandes transformações, no plano do conhecimento científico.A primeira escola de Serviço Social no Brasil é datada de 1936 em São Paulo, desenvolvia estudos de ação social vinculado a Igreja Católica. Neste centro eram organizados cursos de qualificação para organizações leigas no catolicismo, adequando política e ideologicamente a classe operária, nesta perspectiva surgiu o Serviço Social. Nascido por influência direta da Igreja Católica a profissão teve como suporte filosófico o neotomismo, em sua primeira fase, intervém no aparecimento da questão social, produzida pela relação de trabalho capitalista. O surgimento do trabalho livre profundamente marcado pela escravidão coloca a força do trabalho como moeda de troca. Dessa forma, as leis sociais marcam “deslocamento da questão social de ser apenas a contradição entre abençoados e desabençoados pela fortuna, pobres e ricos, ou entre dominantes e dominados, para constituir-se, essencialmente, na contradição antagônica entre burguesia e proletariado, independentemente do pleno amadurecimento das condições necessárias à sua superação” (IAMAMOTO; CARVALHO,1988,p.129). No decorrer da história muitos fatos marcantes e significativos ocorreram e foram responsáveis por mudanças relevantes no Serviço Social. A partir dos anos 80 o Serviço Social continuou enfrentando lutas para quebrar paradigmas na sociedade e aumentou a luta pela defesa dos direitos humanos. “O objeto do Serviço Social, de uma perspectiva histórica, passa para a discussão das relações de poder e saber, aprofundando o olhar crítico do contexto em mudança” (PELLIZZER, 2008, p. 28). O Serviço Social experimentou, no Brasil, um profundo processo de renovação, se desenvolveu teórica e praticamente, laicizou-se, diferenciou-se e, na entrada dos anos noventa, apresenta-se como profissão reconhecida academicamente e legitimada socialmente. 6 Neoliberalismo: doutrina proposta por economistas franceses, alemães e norte-americanos, na primeira metade do sXX, voltada para a adaptação dos princípios do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulador e assistencialista, que deveria controlar parcialmente o funcionamento do mercado. 46 A dinâmica deste processo que conduziu à consolidação profissional do Serviço Social materializou-se em conquistas teóricas e ganhos práticos que se revelaram diversamente no universo profissional. No plano reflexivo e da normatização ética, o Código de Ética Profissional de 1986 foi uma expressão daquelas conquistas e ganhos, através de dois procedimentos, negação da base filosófica tradicional, nitidamente conservadora, que norteava a “ética da neutralidade”, e afirmação de um novo perfil do técnico, não mais um agente subalterno e apenas executivo, mas um profissional competente teórica, técnica e politicamente. De fato, construía-se um projeto profissional que, vinculado a um projeto social radicalmente democrático, redimensionava a inserção do Serviço Social na sociedade brasileira, comprometido com os interesses históricos da população trabalhadora. O amadurecimento deste projeto profissional passou a exigir uma melhor explicitação do sentido do Código de 1986. Tratava-se de objetivar com mais rigor as implicações dos princípios conquistados e plasmados naquele documento, tanto para fundar mais adequadamente os seus parâmetros éticos quanto para permitir uma melhor instrumentalização deles na prática cotidiana do exercício profissional. Acompanhando as transformações da sociedade brasileira, a profissão passou por mudanças e necessitou de uma nova regulamentação, a lei 8662/93. Ainda em 1993, o Serviço Social instituiu um novo Código de Ética, expressando o projeto profissional contemporâneo comprometido com a democracia e com o acesso universal aos direitos sociais, civis e políticos. A prática profissional também é orientada pelos princípios e direitos firmados na Constituição de 1988 e na legislação complementar referente às políticas sociais e aos direitos da população, não pode haver qualquer tipo de discriminação no atendimento profissional. É mediante o processo de trabalho que o ser social se constitui, se instaura como distinto do ser natural, dispondo de capacidade teleológica, projetiva, consciente; é por esta socialização que ele se põe como ser capaz de liberdade. Esta concepção já contém em si mesma, uma projeção de sociedade, aquela em que se propicie aos trabalhadores um pleno desenvolvimento para a invenção e vivência de novos valores, o que, evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e alienação. É ao projeto social aí implicado que se conecta o projeto profissional do Serviço Social – e cabe pensar a ética como pressuposto teórico-político que remete para o enfrentamento das contradições postas à profissão, a partir de uma visão crítica, e fundamentada teoricamente, das derivações ético- 47 políticas do agir profissional. Os princípios fundamentais do código de ética coloca os seguintes fundamentos: I- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II- Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III- Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; IV- Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V- Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; VI- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; VII- Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; VIII- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação exploração de classe, etnia e gênero; IX- Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; X - Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; XI - Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. O código de ética e suas diretrizes tem fundamental importância na atuação dos profissionais e direcionamentos da profissão. Colocados em pratica os nortes do presente código possibilita a reversão de fatores negativos que contribuem para uma sociedade injusta, proporcionando a classe desfavorecida um aparato legal e colocando a frenética dinâmica da questão social em menor desempenho. 4.1 Trabalho do assistente social e suas intervenções Os assistentes sociais nas suas diversas inserções e na efetivação de suas ações, de acordo com os referenciais do projeto profissional, devem estar atentos às armadilhas que envolvem a analise da questão social. Para Iamamoto: [...] a questão social expressa à subversão do humano própria da sociedade capitalista contemporânea, que se materializa na naturalização das desigualdades 48 sociais e na submissão das necessidades humanas ao poder das coisas sociais - do capital dinheiro e seu fetiche. (IAMAMOTO, 2007, p.125) Diante a uma sociedade imersa no caos social percebemos, os desafios inerentes a profissão, o assistente social enfrenta barreiras fortalecidas no capitalismo e neoliberalismo que coloca o Estado como inimigo. A criminalidade é uma expressão da questão social, o sistema econômico ao qual está submetida à sociedade propicia a busca de recursos para manter a família, dentre eles, os recursos ilegais. Lígia é um exemplo da questão social em sua dinâmica. No período em que esteve reclusa, Lígia recorreu ao Serviço Social em busca de alívio para seus conflitos, um deles refere-se aos filhos que com sua prisão foram levados para um abrigo, onde Lígia perdeu o contato e não tinha nenhuma informação. Lígia procurou o Serviço Social, colocando suas angústias em busca de seus filhos, assim o Serviço Social passou a trabalhar o caso de Lígia, articulando suas unidades em busca de informações que levassem aos filhos de Lígia. O Serviço Social do IPFDAMC foi resolutivo nesta demanda, sua articulação junto aos abrigos localizou os filhos de Lígia, possibilitando o reencontro. Lígia relatou: Eu tava tão angustiada e todo dia eu pedia pra falar com a assistente social, ela me dizia que estava trabalhando para localizar meus filho, mas eu duvidei achava que era mentira dela. Aí um dia a “policia” me chamou e disse pra eu me ajeitar que a doutora queria falar comigo. Quando cheguei na sala a assistente social tava segurando uma foto deles e me perguntou: esses são os seus filhos? Nessa hora eu só consegui abraçar ela e chorar. Ela me pediu pra me acalmar e disse que eu ia receber a visita deles no domingo. O assistente social é desafiado no tocante à execução de medidas que favoreçam as minorias, como exemplo as mulheres que cometem crimes, mas que não deixam de ser sujeitos de direitos. Em benefícios a essas mulheres a categoria busca defender de forma radical o Projeto Ético-Político do Serviço Social construindo condições para sua materialização no cotidiano. Desta forma é imprescindível continuar preservando a autonomia do projeto, sem cair na armadilha de sua flexibilização. Como estratégias para o fortalecimento do trabalho profissional no cotidiano, o conjunto CFESS/Cress tem tido como diretriz a elaboração de parâmetros de ação para as principais áreas de atuação profissional. O Serviço Social deve fortalecer o exercício profissional com base no projeto ético-político, este que subsidia os assistentes sociais de referências teóricas e ético políticas para realização de suas competências e atribuições na defesa dos direitos tendo como objetivo a emancipação humana. Continuar aprofundando seu 49 conhecimento na teoria critica em muito contribui para análise e transformação da realidade e no enfrentamento as desigualdades sociais. A assistência jurídica é de direito de todos os presos, mas parte destes é de classe baixa, tendo que esperar o serviço de assistência gratuita, havendo um número muito baixo de defensores públicos. No sentido da assistência social, o preso deve receber amparo para ser preparado para sua liberdade. As atividades desempenhadas pelos assistentes sociais estão em consonância com Lei de Regulamentação da Profissão. Destaca-se que estas atividades têm como objetivo contribuir no tratamento penal, contudo, devido ao acúmulo de atividades burocráticas, os assistentes sociais enfrentam dificuldades para desenvolvê-las de forma a contribuir com o objetivo proposto. Conforme preconiza a lei de regulamentação da profissão em vigor, em seu artigo 4º, que estabelece a competência do assistente social, no qual se destaca o inciso XI – “realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades”. No artigo 5º, estabelece atribuições privativas do assistente social, descrevendo no inciso IV: “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de serviço social”. Cabe ao assistente social “acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias”. Em relação ao acompanhamento das saídas das presas da unidade em qualquer tipo de regime ou nas saídas temporárias com objetivo de visitar a família. Os assistentes sociais têm contribuído de maneira efetiva, considerando que muitas presas não possuem recursos em espécie para custear as despesas fora da prisão. O Serviço Social no primeiro momento entra em contato com os familiares com objetivo de informá-los sobre o benefício concedido e para verificar a possibilidade dos mesmos custearem as despesas. No caso daqueles que não possuem vínculos familiares o Serviço Social entra em contato com o DEPEN para verificar a possibilidade do mesmo custear tais despesas, fazendo os encaminhamentos necessários. O Serviço Social também realiza orientações no sentido de facilitar o seu retorno à liberdade e ao convívio sócio-familiar. Desta forma, em relação às atribuições especificas do serviço social, considera-se que dentro das possibilidades, os profissionais têm alcançado os objetivos propostos, para tanto busca-se: [...] ser um profissional criativo, no sentido de “desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano”, como aponta Iamamoto (1998:20), evitando permanecer somente como executor de tarefas e determinações, é o desafio permanente que se propõe aos profissionais assistentes sociais (CFESS, 2008, p. 27). 50 Diante as colocações sobre o trabalho do assistente social e das exigências profissionais colocadas no ambiente de trabalho, percebe-se que o grande desafio é desenvolver propostas que sejam capazes de garantir a efetivação de direitos sociais da população carcerária. A construção de um projeto societário voltado para a emancipação humana, contra hegemônica aos interesses do capital é uma necessidade, a luta pela garantia dos direitos deve se articular jun7to as instituições prisionais, buscando reafirmar as políticas públicas universais e de responsabilidade do Estado. Os direitos sociais como resultado de movimentos e lutas sociais, objetivam a visualização e compreensão por parte do Estado, das demandas e necessidades produzidas socialmente. Segundo Coutinho (1997, p.155), os direitos civis, os quais fundam a condição da cidadania moderna, operam com uma abstração das diferenças e dos antagonismos de classe. Tais interesses em confronto reaparecem na luta dos trabalhadores pelos direitos sociais, considerados como aqueles que permitem aos cidadãos uma participação mínima na riqueza material e espiritual criada pela coletividade. O mero reconhecimento do fundamento moral ou do fato de serem desejáveis, bons e justos, não transforma direitos declarados em direitos consagrados. Dessa forma, Os direitos, porém, não são uma dádiva, nem uma concessão. Foram„arrancados‟ por lutas e operações políticas complexas. (...) não são uma doação dos poderosos, mas um recurso com o qual os poderosos se adaptam às novas circunstancias histórico-sociais, dobrando-se com isso, contraditoriamente, às exigências e pressões em favor de mais vida civilizada (Nogueira, 2004, p.02). Portanto, os direitos sociais surgem de embates políticos e são frutos de ações de protagonistas sociais que reivindicam e problematizam suas demandas, objetivando um sistema de cobertura às exclusões e vulnerabilidades vivenciadas, expressando ações contra a ordem, na medida em que apontam para novos padrões de convivência e de sociabilidade. Apreendidos como respostas a um padrão de cidadania, visto que toda luta requer ruptura com as relações instituídas, redimensionadas a favor da autonomia e da equidade. Entretanto, a existência de garantias legais não se traduz necessariamente em garantias efetivas, não bastando somente afirmar legalmente um direito para vê-lo respeitado e materializado como uma realidade, visto que existe uma grande fratura entre o anúncio do direito e sua efetiva materialização. Nessa mesma linha de pensamento, Nogueira (2004, p. 03), salienta que 7 DEPEN: Departamento Penitenciário Nacional 51 “Paralelamente à reiteração jurídico-formal dos direitos, continuam a se multiplicar as situações de desrespeito, preconceito, exclusão e indiferença, assim como continuam a se prolongar as situações de marginalidade, „desproteção‟ e arbítrio. A luta por direitos é um processo de construção coletiva, exigindo o resgate do protagonismo, transformando os usuários em sujeitos potencialmente revolucionários, onde situamos a importância do trabalho do Serviço Social e suas contribuições. Nesse contexto de lutas e construções coletivas insere-se o Serviço Social, enquanto profissão interventiva e comprometida com os interesses das classes menos favorecidas, atuando como co-participante nos processos emancipatórios que produzam impactos na ação e construção de sujeitos sociais. 4.2 Perspectivas de Lígia para uma nova vida Recomeçar parece impossível para uma pessoa que esteve reclusa, vivenciando na pele violências, humilhações e perca de autonomia dentro de um sistema prisional. A noção de cidadania precisa ser recuperada. Assim, os sujeitos que passaram por esse processo devem estar no foco de uma sociedade ativa e propositiva, vislumbrando a possibilidade de efetiva materialização de seus direitos e adquirindo visibilidade as demandas e necessidades socialmente produzidas. [...] sujeito (individuo) autônomo, ativo, participante, que tem consciência das desigualdades, da concentração de poder e de privilegio, das injustiças em suas diferentes formas de manifestação, das ameaças e do desrespeito aos direitos humanos e, ao mesmo tempo, é capaz de usar sua criatividade para realizar transformações por meio de sua atuação individual, inserindo-se em processos de lutas e construções coletivas de uma sociedade humana, solidária e cidadã (SILVA ,2001,p.9). Portanto, a partir da reflexão e ampliação da consciência social em relação às contradições sociais, o Serviço Social estabelece estratégias de enfrentamento que visam romper a subalternidade e garantir o acesso aos direitos sociais, através da luta e o fortalecimento das ações coletivas, visto que conforme Yasbek (1996, p.19) ao adquirir visibilidade, conquistar direitos e protagonismo social, as classes subalternas avançam no processo de ruptura e na produção de uma cultura em que prevaleçam seus interesses de classe. O cenário criminal teve aspectos e reflexos da desigualdade social, para se alimentar e fortalecer o cotidiano de Lígia. A falta de acesso à educação e emprego 52 propiciaram seu enveredamento por caminhos “fáceis” em busca de lucros para manutenção da família. Infelizmente, como nesse estudo de caso mostrou, Lígia pagou um alto preço perante a sociedade. Dentro de um sistema que nega a mulher, a inferioriza e humilha, o sistema prisional se encarregou de validar sua invisibilidade proporcionando esquecimento e marcas profundas no seu ser. O Serviço Social contrariando essa ação colocou-se oposto as condenações e buscou garantir direitos no atual contexto de Lígia, junto a Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e Egresso (CISPE) após a concessão de regime semiaberto articulou medidas que proporcionaram à Lígia entrar no mercado de trabalho, uma vez que ela nunca tinha trabalhado em regime de carteira assinada. Atualmente Lígia presta serviços a um hospital da cidade de Fortaleza, mora com seus filhos e voltou ao convívio familiar, conforme expressa: Depois que ganhei minha liberdade eu entendi o quanto ela é valiosa, não só pra mim, mas pros meus filho que ficaram sofrendo no abrigo. Eu procurei minha mãe, meus irmão e pedi perdão, eles me aceitaram e eu não quero vê minha mãe chorar de novo. Quando eu saí da prisão eu me senti perdida, sabe quando você não se acha em lugar nenhum, tudo é estranho? Eu tinha medo de sair de dentro de casa. Eu só saí à primeira vez quando a doutora lá da SEJUS me ligou, ela tava me ajudando a tirar meus filhos do abrigo ai ela disse que eu tinha que ir lá pegar uns papel pra levar no abrigo. Mas eu fui morrendo de medo. Eu só me senti melhor quando liguei pra minha irmã, eu quase não tive coragem, fazia mais de três anos que eu não falava com ninguém da minha família. Quando ela atendeu que eu disse que era eu ela começou a chorar nessa hora eu percebi o quanto fiz mal pra eles também. Mas isso já passou! Agora eu to mais acostumada, eu trabalho e convivo com muita gente. Lá no meu trabalho todo mundo me trata bem, lá eu não sou diferente de ninguém, mas fora as pessoas tem preconceito, minha chefe diz pra eu não ligar, mas é difícil sabe? Mas eu to feliz, aqui fora eu tenho tanta coisa boa pra viver, eu quero estudar, eu sou auxiliar na cozinha e eu quero fazer uma faculdade de cozinha, acho que é gastronomia que chama. Quero ensinar meus filhos as coisas direito, quero ver os três sendo homem e mulher de bem. Quero que eles estude pra ser doutor. Ate lá eu vou trabalhar muito fazer tudo direitinho pra nunca mais passar o que eu passei, eu sei que não vai ser fácil, agente fica marcada. À noite quando eu vou dormir eu vejo aquelas grades, consigo vê direitinho as celas, lembro de tudo o que eu passei. Os dias que eu fiquei na tranca (silêncio - Lígia chora), as “policia” me batendo... Mas eu to viva, Deus me deu uma nova oportunidade e é só isso que importa. Eu vou recomeçar e ter uma vida boa de verdade... acho que já to até apaixonada sabe? (Risos). Mas isso é pra outro momento agora não dá não. Agora eu preciso cuidar dos meus filho tentar compensar eles por todo o tempo que eu tava presa e só Deus sabe o que eles passaram. E muito obrigada por se interessar pela minha historia, é uma historia tão feia, mas acho que vai servir pra alguma coisa, to até me sentindo importante! (Risos). Lígia recomeçou sua vida, hoje busca se manter longe de qualquer pessoa ligada a seu ex marido e ao mundo do crime. Está trabalhando e faz disso uma oportunidade para uma vida melhor. Lígia ressalta que hoje é mãe de verdade, que sabe dar amor e atenção, mas que só aprendeu isso após o período que esteve longe dos filhos. Ela diz que a palavra recomeçar 53 está escrita no espelho de seu quarto e todos os dias ao acordar é a primeira imagem que vê. Lígia entendeu que não precisa de um marido ou qualquer pessoa que a coloque em situação de vulnerabilidade, a ressignificação que ela se permitiu a colocou em um novo caminho. 54 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pesquisar o universo da criminalidade tendo a mulher como protagonista é um desafio, nesse processo as indagações usam a investigação, na tentativa de compreender a realidade, em determinado momento histórico. Nessa perspectiva, delimitei o objeto de estudo e elegi como foco principal as influências e motivações para a inserção da mulher no crime. A pesquisa possibilitou a compreensão de que os fatores econômicos e afetivos são a principais motivações que proporcionam a mulher adentrar este cenário, em específico este estudo de caso trouxe as motivações de Lígia reafirmando sua inserção no mundo do crime por fatores econômicos e afetivos. A realidade dessas mulheres como Lígia é complexa, pois a esmagadora maioria tem em suas histórias de vida a pobreza, falta de acesso à educação e negação por parte da sociedade. Quando aprisionadas, perdem não só a liberdade, mas também identidade e autonomia. O cárcere se faz com muros altos, portões reforçados, grades, e cadeados, e bloqueia por determinado tempo o curso de uma vida. O crime para Lígia por algum tempo trouxe conforto, poder e riqueza, mas tudo foi em vão, pois com sua saída desse mundo tudo não passou de lembranças. Na prisão, seu mundo era controlado, movimentos em uma permanente vigilância. Em contraposição à realidade vivenciada por Lígia, encontra-se o rentável negócio da droga representando um dos setores mais lucrativos. Envolvidos nesse negócio, encontrase não apenas pessoas de segmentos sociais mais vulneráveis, no entanto, em raríssimas exceções, apenas pessoas de segmento mais pobre da sociedade prestam conta em julgamento e vão para o presídio. Na verdade, um contingente significativo de mulheres, invariavelmente, pobre, está no cárcere, sem que se discutam as condições de encarceramento. Como um dos objetivos do presente trabalho, a avaliação das condições de encarceramento feminino reafirmou o quanto as políticas públicas para essas mulheres não atendem as suas necessidades. No presente estudo de caso foi possível constatar que a exclusão social, representada pelo desemprego, permanente ou precário, a necessidade de atendimento aos direitos, principalmente, no que diz respeito assistência aos filhos e à saúde; foi fator motivador para a inserção de Ligia no cenário criminal. Há uma gama de questões que parecem não fazer parte de prioridades sociais, no entanto, são problemas urgentes que merecem atenção. 55 Pela pesquisa e depoimento de Lígia fica consolidado o fato de que o desemprego estrutural e o estado de absoluta necessidade de meios para prover a sobrevivência pessoal ou da família constituem os maiores responsáveis pela inserção no mundo do crime. Desta forma, o tráfico passa a constituir facilmente a estratégia de sobrevivência. Neste contexto, de mulheres postas à margem do mundo do trabalho, que precisam suprir as necessidades de subsistência da família, o crime e práticas ilícitas passam a representar uma real estrutura de oportunidade. A comercialização da droga, nos últimos anos, abre mais espaços para inserção feminina, principalmente para mulheres de segmentos sociais mais vulneráveis, como, por exemplo, Lígia. O crime e especificamente o tráfico de drogas passa a representar uma oportunidade para as mulheres, não só pela oportunidade de um retorno financeiro rápido, mas também pela informalidade do mercado e ausência de barreiras a inserção de mão-deobra feminina nesse negócio. Ao contrário do trabalho formal, o crime oferece vários atrativos, como fácil acesso, remunerações e tarefas mais fáceis de serem executadas, já que nesse campo a mulher geralmente gerencia e revende drogas, sendo ainda um negócio lucrativo. Esses fatores são positivos para muitas mulheres que trabalham com crimes, mas entendem que as atividades ilícitas têm alto risco pessoal. Ocorre que, na ausência de acesso ao trabalho formal, o crime envolve a mão-deobra feminina de segmento social mais vulnerável, e esse fator elevou o percentual de mulheres encarceradas. Por consequência o aprisionamento atinge não só a mulher, mas também a família. Compreende-se através deste estudo que as políticas utilizadas para controlar o crime têm caráter meramente repressivo, protelando soluções definitivas. Os cuidados para as especificidades da população prisional feminina sofrem com a absoluta negligência dos gestores do sistema prisional brasileiro, no que diz respeito à questão de gênero. A realidade é que um número significativo de mulheres se encontra no cárcere, sem que sejam discutidas condições de encarceramento.É urgente aelaboração de políticas que assegureminclusão no mercado de trabalho, tratando mulheres com igualdade de oportunidades e a criação de programas que assistam àsfamílias das internas também é essencial, uma vez que os vínculos familiares se fragilizam. Diante desse quadro, é importante ressaltar que novas abordagens se fazem necessárias para compreender o fenômeno da mulher no crime, não é possível uma análise 56 aprofundada das causas e efeitos do crime, sem a compreensão da estrutura social e econômica e das desigualdades sociais existentes em cada realidade. Nesse contexto apresentado percebe-se que a atuação do assistente social pode proporcionar meios de garantias de direitos através de formulações de políticas aplicáveis à demandas da sociedade, nesse caso políticas específicas ao sistema prisional, às mulheres encarceradas e às mulheres em regime semiaberto. Na história sociopolítica do ocidente, as constituições evoluíram ao reconhecer os direitos sociais, ao lado dos direitos individuais civis. Na atual conjuntura, o assistente social tem se destacado como o profissional mais qualificado para elaborar e executar políticas de bem estar social, cabendo ao mesmo promover melhor inserção socioeconômica de indivíduos, famílias e grupos, bem como procurar meios para amenizar as expressões da questão social. Logo, estamos sendo desafiados a reexaminar e aprimorar nossa contribuição político-profissional, face às inúmeras mudanças econômicas e ideológicas, impostas pelo novo reordenamento do capitalismo em escala mundial, engajados na defesa dos direitos e da justiça social. Cabe-nos, assim, indagar quais as alternativas e caminhos de organização e atuação para as entidades representativas da profissão, bem como para os assistentes sociais no seu cotidiano profissional, frente aos processos sociais que estão em curso. Vale ressaltar, que optar por princípios da universalidade, equidade, justiça social, na busca de uma nova sociabilidade, faz parte de um contexto dinâmico. O presente estudo, diante de tão complexa problemática não altera os acontecimentos, no entanto, minha intenção é trazer contribuição no campo reflexivo e colaborar de alguma forma nas discussões da temática, e que tais discussões revelem respostas concretas para mulheres socialmente negadas. Entendemos que este trabalho não se encerra nas conclusões obtidas ao longo da pesquisa e que ainda há cenários, visões e categorias a serem exploradas, com o propósito de possibilitar visão ampla da realidade pesquisada. 57 REFERÊNCIAS ADORNO, S. Sistema Penitenciário no Brasil, problemas e desafios, Revista USP (São Paulo), v.9, 2000. BARROS, A. J. S. e LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de Metodologia: Um Guia para a Iniciação Científica. 2 Ed. São Paulo: Makron Books, 2000. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 6, setembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 16 /11/20014 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. BOURDIEU, P. O poder simbólico. 4. ed. 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Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista, com roteiro de perguntas prédefinidas e será gravada se assim você permitir e que tem duração aproximada de quinze a vinte minutos. Os resultados desta pesquisa serão publicados nos meios científicos e em nenhum momento a Senhora será identificada. A Senhora não terá nenhum gasto ou ganho financeiro por participar desta pesquisa. Se depois de consentir em sua participação a Senhora pode desistir de continuar participando, tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, seja antes ou depois da coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa. Para qualquer outra informação, a Senhora poderá entrar em contato com a pesquisadora no endereço Avenida João Pessoa, 3884, Bairro Damas e telefone de contato (85) 3201-7000. Eu,___________________________________________________________, fui devidamente informada sobre o teor da pesquisa e a importância desta. Sendo assim concordo com minha participação, assinando as duas vias de igual teor. _____________________________________ Assinatura do participante _____________________________________ Assinatura do Pesquisador Responsável Data: ___/ ____/ _____