Federação Nacional dos Professores
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"A Educação e os imperativos constitucionais": de que
escola pública estamos a falar?
Ao abrir o debate "A Educação e os imperativos constitucionais",
realizado na passada terça-feira, em Lisboa, o Secretário Geral da
FENPROF apresentou os convidados, saudou todos os presentes e
realçou o significado do 37º aniversário da Constituição da República
Portuguesa, destacando o papel da Lei Fundamental para o universo
do ensino, da educação, da formação e da ciência. Participaram na
iniciativa os deputados Isilda Aguincha (PSD), Pedro Delgado Alves
(PS), Luis Fazenda (BE), Miguel Tiago (PCP) e Michael Seufert
(CDS/PP). O debate desenvolveu-se ao longo de mais de três horas.
No momento que estamos a viver, com a “soberania nacional em causa, a
FENPROF não podia deixar de assinalar esta expressiva data”, observou
Mário Nogueira, que destacou, desde logo,o "caráter democrático da CRP".
“A Constituição continua a ser um instrumento fundamental da nossa democracia, que deve ser valorizado e defendido”,
salientou o dirigente sindical.
“É hoje evidente o apetite voraz da troika apontado à CRP, para que esta deixe ruir alguns dos seus pilares
fundamentais”, alertou Mário Nogueira, que chamou a atenção para a importância das funções sociais do Estado, no
quadro da "organização democrática da sociedade.“
O Primeiro Ministro, ao falar recentemente da refundação do Estado, afirmou que a educação seria um setor menos
protegido pela CRP, comparando, por exemplo, com a saúde. Isso não é verdade! "A CRP defende (e bem) o estado
social e as suas funções sociais”, esclareceu Mário Nogueira.
É o futuro do país
que está em causa
“Herança de Abril, após meio século de escuridão, a Constituição merece ser defendida”, afirmou o Secretário Geral da
FENPROF, sublinhando que este debate, tendo como referência a CRP, a democracia e o papel da educação na
sociedade, “é importante para o futuro”.
Até que ponto a escola pública resistirá aos ataques do Governo? Apontando alguns exemplos desta ofensiva,
Nogueira lembrou a continuação da política de constituição forçada de novos mega agrupamentos (“ontem foram mais
18"), os novos cortes curriculares, o estrangulamento financeiro, a perda de professores, etc. “É o futuro do país que está
em causa”, concluiu.
Luis Fazenda (BE)
Luis Fazenda, do Bloco de Esquerda (BE), valorizou uma Constituição que “após 37 anos tem ainda tantos que se
batem por ela”.“No essencial continua a ser um instrumento apontado ao futuro, a um futuro alternativo”, naturalmente
com “sonhos e utopias”. Um instrumento para combater as desigualdades sociais, hoje mais profundas.
A CRP fala da progressiva gratuitidade do ensino e depois, na prática, o que se passa, devido às políticas de sucessivos
governos,“é o contrário, é a violação da CRP”, lembrou o deputado do BE, apontando as propinas no Superior como
exemplo dessa situação.
“Todos devem ter acesso a todos os níveis de ensino, investigação e ensino artístico; nos últimos 20 anos assistiu-se a
uma divergência acentuada em relação a esse pressuposto”. Luis Fazenda relacionou o abandono escolar precoce com
as crescentes dificuldades económicas das famílias, motivadas por razões económicas. "Os filhos das classes mais
vulneráveis da sociedade são os mais atingidos", referiu, acrescentando: "Há que denunciar mais esta situação".
Precisamos de um sistema público de ensino para combater as desigualdades sociais, mas as politicas de sucessivos
governos têm feito o contrário, sublinhou Luis Fazenda, que alertou para as consequências do desemprego, da
precariedade e dos baixos salários.
Defendeu um sistema público para todo o tipo de ofertas educativas - do pré-escolar ao ensino superior. "Tudo isto tem
de ser garantido pela rede pública". O ensino privado é complementar, frisou o representante da bancada do BE no
hemiciclo.
A troika está em rota de colisão com a CRP em muitos e variados aspectos", sublinhou.“As ilegalidades contra a
educação começaram antes, desrespeitando a CRP."
"Vamos tentar livrar-nos da troika, vamos rasgar o memorando da troika e pôr a CRP no centro das alernativas que o
país exige, relançando o desenvolvimento económico e social; mas é preciso mais do que afastar a troika, é preciso
impedir a continuação destas politicas", destacou Luis Fazenda nas intervenções realizadas durante o debate.
Miguel Tiago (PCP)
“Olhar para a Constituição da República é fundamental nestes dias”, observou Miguel Tiago.
A CRP, na óptica do deputado comunista, tem sido "um obstáculo" para um conjunto de politicas praticadas ao longo dos
últimos anos.
Miguel Tiago sublinhou a importância de dois instrumentos fundamentais: a Constituição da República e a Lei de Bases
da Educação.Respeitando, aplicando e valorizando aqueles dois instrumentos “resolviam-se muitos problemas”, realçou.
Criticou as políticas dos governos que se vão alternando no poder e interrogou: “Para que serve a escola? Para nós é
fundamental como instrumento de valorização humana, da construção da igualdade de oportunidades, de superação de
desigualdades, de responsabilidade cívica; para o mercado capitalista a escola tem objetivos inversos."
O objetivo constitucional e objetivo do capital são antagónicos, realçou o deputado do PCP,
"Sem a escola pública não pode haver uma democracia plenamente realizada", salientou Miguel Tiago, que caracterizou
o contraste entre "abandono escolar e vias limitadas, para uns; e os caminhos abertos para outros". que destacou o papel
da escola pública no combate às assimetrias e acusou as políticas do PS, PSD e CDS de, à margem da lei, porem em
causa a escola pública democrática. De Lurdes Rodrigues, por exemplo, até aos dias de hoje, sucederam-se os atos de
ataque direto à escola pública e aos seus profissionais, observou o deputado do PCP.
“Não há democracia sem escola democrática dignificada valorizada”, destacou
“Já desde os Governos Sócrates que querem chegar aos 50 por cento dos alunos nas vias profissionalizantes; agora,
quanto mais novinhos para esta seleção melhor...”
Alertou para a “desfiguração do Estado em diversos vetores" e concluiu que “a CRP não é letra morta”.
Michael Seufert (CDS)
O deputado do CDS presente neste encontro da FENPROF viajou no
tempo e lembrou ao auditório que no “clima conturbado de 76”o CDS foi o
único partido que em S. Bento votou contra a Constituição.
A CRP, prosseguiu Michael Seufert, “vai evoluindo como evoluiu o país;
hoje a Constituição de 76 teria mais votos contra”, Recordou ainda “as
duas grandes alterações introduzidas nos anos 80” no texto constitucional.
Michael Seufert comentou a “visão programática”da Constituição de 1976,
ao“abrir caminho para uma sociedade socialista”. Ora, recordou, “o CDS
era o único que dizia que não era socialista; na altura essa visão que
apontava para as bases dum caminho que se devia trilhar, mas as eleições
nunca deram maioria aos que tinham essa visão socialista”. Recordou a formação do Governo PS/ CDS com Mário
Soares, que, na altura, “pôs o socialismo na gaveta”.
“Ainda hoje a Constituição tem problemas mas não na educação”, destacou o deputado centrista, que chamou a atenção
para as diferentes opiniões e opções na sociedade, rejeitando qualquer colagem ao antigamente.
A CRP trouxe melhorias à nossa população, considerou Michael Seufert, lembrando estudos internacionais que refletem
o sucesso da qualidade do ensino ministrado em Portugal.
O deputado falou das bases culturais das famílias e da sua repercussão nas crianças e jovens, destacando também o
papel dos professores – "quanto melhor é o professor melhor é o ensino e a sua qualidade; um bom professor faz a
diferença".
“O programa eleitoral do CDS está longe de ser aplicado” pelo Governo atual, desabafou o deputado centrista.
Pedro Alves (PS)
O deputado socialista começou por destacar “a centralidade que a CRP deve ter”.
“Há poucas alterações na CRP em matéria de educação”, observou. Trata-se de um setor “fundamental para o nosso
futuro coletivo”.
Pedro Alves recordou os tempos da República e lembrou que o sucesso da democracia era, então, a aposta firme na
educação, num pais de analfabetos.
O representante da bancada do PS em S. Bento abordou "os atrasos que fomos acumulando" e relacionou investimento
com imperativos constitucionais.
"Partimos em desvantagem face aos nossos parceiros da OCDE e da UE, porque tivemos de recuperar do atraso (da
ditadura). Há que colocar no topo da agenda as questões da educação para ultrapassar a crise", destacou.
A CRP é programática e consensual, sublinhou. Se olharmos para as normas em matérias de educação - objetivos,
garantias e tarefas do Estado; - encontramos, naturalmente, diferentes visões mas há consensos, referiu Pedro Alves.
O deputado do PS falou também da liberdade de aprender e ensinar, e da importância do ensino privado. "Nunca
ninguém foi condicionado – desde que se respeite as regras de fiscalização, a liberdade existe", sublinhou. Noutra
passagem, ainda sobre o privado e os contratos de associação, afirmou que "os erros do passado não devem repetirse..."
Falou ainda das tarefas e responsabilidades do Estado em matéria de educação, do artigo 74º , da gratuitidade, da
atenção às realidades das comunidades portuguesas no estrangeiro e dos alunos com necessidades educativas
especiais. Para todas estas situações, sublinhou, a rede pública tem que encontrar respostas. A CRP traduz valores - a
democratização da educação e a redução das desigualdades.
“A Constituição não tem bolor”, frisou o parlamentar do PS, que acrescentaria noutra passagem: "É necessário
investimento social. Poupar em recursos humanos não é solução. Essa poupança fácil vai sair muito cara."
“Temos que definir prioridades”, sublinhou Pedro Alves. "Demoraremos décadas a recuperar", alertou mais adiante.
Destacando que "não temos excesso de licenciados", lembrou que "continuamos a estar abaixo da média dos nosso
parceiros europeus" nessa matéria. Entretanto, "temos que estar alerta" face a boatos que correm sobre o as incertezas
do futuro rede pública de ensino superior a nível nacional.
Referiu-se ainda ao ensino profissional e ao ensino dual. “A realidade alemã é uma coisa, a realidade portuguesa é
outra”, reconheceu o parlamentar socialista.
“A aposta na educação é fundamental para sair da crise”, concluiu.
Isilda Aguincha (PSD)
Professora, a deputada do PSD prometeu integrar nas suas palavras “a perspetiva dos professores”.
“A nossa Constituição
dá-nos orientação de base, aquilo que é vontade dos intervenientes: levar a educação a todos, com qualidade",
declarou Isilda Aguincha.
“Dar condições de aprendizagem é essencial”, sublinhou Isilda Aguincha, que afirmaria numa das suas intervenções:
"Tivemos necessidade ao longo dos anos de escolas privadas. Há experiências e há qualidade que não podemos
descurar. Quando a rede pública cobrir tudo, então teremos que equacionar algumas coisas, mas não se pode enjeitar a
escola privada. Nem todos os colégios privados têm fins lucrativos".
"Tem havido muitas preocupações, muitas afirmações e também muitas inflamações – com e sem razão – sobre o
caminho que está ser percorrido pelo atual Governo, que, recorde-se, enfrenta uma situação complicada, com a
intervenção de instâncias estrangeiras".
"O Governo tem procurado manter a abrangência da oferta nos diversos graus mas também na criação de opções que
vão ao encontro das necessidades do nosso país", observou.
Afirmando que “a orientação vocacional é muito importante”, a deputada falou dos percursos académicos e da
importância de “escolher um caminho”, referindo a dado passo: “Hoje afligimo-nos ao encontrar muita gente que não tem
saída profissional”.
Ao referir que "o Estado nos tem facultado a todos o acesso a um conjunto de oportunidades que advêm da CRP", a
deputada afirmou que é preciso deixar de lado preconceitos quando se fala de ensino dual ou de ensino politécnico estes não podem ser entendidos como ensino de menor qualidade. E lembrou: "Hoje há falta de pessoas competentes
em diversas áreas e há licenciados que não encontram saídas profissionais" no país.
Realçando o papel dos parceiros educativos, a deputada laranja concluiu que “os alunos, os professores, as famílias e as
comunidades podem e devem contribuir para o desenvolvimento e para as dinâmicas do trabalho conjunto de várias
escolas”, valorizando um percurso feito na base do mesmo projeto, o que “pode ser uma mais valia para o
desenvolvimento dos nossos jovens”.
"Eu própria questiono algumas das coisas... mas há o direito à liberdade para pensar alto e divergir; acredito, acima de
tudo, que há direitos e há a perspetiva de futuro para a escola pública..." - concluiu.
De que Escola estamos a falar?
Não pondo ninguém em causa a escola pública, do que é que
estamos a falar ?
A interrogação foi introduzida por Mário Nogueira após a primeira ronda de
intervenções dos deputados presentes.
E pormenorizou: estamos a falar de uma escola democrática, inclusiva,
dinâmica, com respostas ou uma pobre escola pública asfixiada? Estamos
a falar da escola que o Estado promove diretamente ou da que é
subsidiada, sendo negócio privado?
“As opiniões diversas tornam a democracia mais rica”, lembrou o
Secretário Geral da FENPROF.
Após as intervenções iniciais dos deputados, foi dada a palavra à assistência, o que proporcionou o enriquecimento do
debate, retomando temas expressivos já abordados e introduzindo outras questões de viva atualidade. Aos
parlamentares foi dada oportunidade para responder e comentar.
Particularmente em foco estiveram questões relacionadas com a redução brutal do número de professores, a “liberdade
de opção” escola pública/escola privada e as tomadas de posição do Ministro Crato sobre o assunto, a gratuitidade
definida na CRP e a situação económica e financeira do país, as propinas nos diferentes ciclos do Superior, a
contradição entre imperativo constitucional e situações como os despedimentos de milhares de professores, a insistência
nos mega agrupamentos ou a diminuição do investimento na educação, afastando-nos cada vez mais da realidade da
OCDE e da UE.
A iniciativa organizada pela FENPROF decorreu no Hotel Marquês de Sá e registou a presença de professores e
educadores, dirigentes sindicais e representantes de várias organizações como a CONFAP. O debate prolongou-se por
mais de três horas. / JPO
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