PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PUC-SP CLARA MARIA PUGNALONI Comunicação para o Desenvolvimento. Apoio a projetos de ajuda humanitária em sociedades pós-conflito e em conflito latente: o caso em Angola. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2011 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PUC-SP CLARA MARIA PUGNALONI Comunicação para o Desenvolvimento Apoio a projetos de ajuda humanitária em sociedades pós-conflito e em conflito latente: o caso em Angola. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob co-orientação do Prof. Dr. José Manuel Pureza e sob a orientação do Prof. Doutor. Edgard de Assis Carvalho. São Paulo 2011 Autorizo a reprodução e divulgação parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Catalogação da Publicação Serviço de Documentação Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais Pugnaloni, Clara Maria. A contribuição da comunicação para os resultados de projetos de ajuda humanitária voltados á segurança alimentar e direitos humanos em sociedades pró-conflito/ Clara Maria Pugnaloni; orientador Edgard de Assis Carvalho. – São Paulo, 2011. 267 f. : il. Tese (Doutorado) - - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011. 1. Comunicação para o Desenvolvimento. – 2. Projetos de Ajuda Humanitária – Sociedades Pós-Conflito – Desenvolvimento – Segurança Alimentar. 3. Ciências Sociais. I. De Assis Carvalho, Edgard. II. Título. III. Título: Comunicação para o Desenvolvimento. Apoio a projetos de ajuda humanitária em sociedades pós-conflito e em conflito latente: o caso em Angola. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ DEDICATÓRIA Ás forças do universo, Á minha força interior, Aos meus amigos incondicionais. AGRADECIMENTOS O final de um processo. Momento de fazer um retrospecto, pesar o que ganhamos e pensar em quem nos conduziu pelo trajeto. Lembrar como éramos há cinco anos e quais as transformações que o conhecimento trouxe. Afinal, O saber ocupa lugar parafraseando o CES1. Algumas coisas deixarão saudades. Posso dizer que as observações feitas e as horas encantadoras com que meu orientador, Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho, nos brindou em suas aulas durante o curso será uma delas. Ele foi um encorajador dos projetos propostos, das idéias apresentadas, da quebra dos padrões e, sobretudo, da busca pela excelência. Como o processo de crescimento é múltiplo os professores da PUCSP, cada um a sua maneira, muito contribuíram. Mas, especialmente, a Prof. Drª Lúcia Bógus me mostrou que há outros caminhos a trilhar, e a Prof. Drª Norma Telles foi o incentivo que faltava para que eu me jogasse nas mudanças que a vida pode trazer. Em minha estada na Universidade de Coimbra, vinculada ao Núcleo de Estudos da Paz do CES, ampliei a minha visão de mundo instigada pelo meu co-orientador Prof. Dr. José Manuel Pureza. Agradeço a ele por isso. E, é claro, devo destacar a Maria José e o Acácio, da Biblioteca Norte-Sul, pela acolhida, amizade e apoio. Fazem daquele espaço de fato o Centro de Acolhimento para os estudantes estrangeiros. Colher as informações das ONGs em Portugal foi possível graças ao Dr. Francisco Sarmento, diretor da Action AID, que me introduziu junto aos demais dirigentes. Aos meus entrevistados em Angola, Itália e Portugal gostaria de dizer o quanto foi importante terem compartilhado seu tempo e seu conhecimento comigo. As belas imagens que dão uma idéia do que eu vi em campo, capturadas pelo sociólogo Ruben Villanueva, são suas percepções de quatro anos de trabalho humanitário em Angola, antes de ir desvendar Moçambique. Essa também uma sociedade pós-conflito. Agradeço a ele por nos revelar o seu olhar. Devo dizer que o Dr. Paolo Groppo foi um estímulo importante neste universo fascinante da comunicação voltada para o desenvolvimento do ser humano. Participativa, formativa, associativa, criativa na perseguição do objetivo de que cada um possa contribuir para seu crescimento e para o desenvolvimento comum. Tributo a ele ter trilhado este caminho. Por fim, agradeço a CAPES pela concessão da bolsa para o período de pesquisa na Universidade de Coimbra, o que possibilitou as entrevistas na Europa, sem a qual não teria sido possível realizar esta tese. 1 Centro de Estudos Sociais (CES) pertencente à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. "Quem não sabe o que procura não entende o que encontra" Hans Seyler Fotografia 1 – Mãe e filho Himbas com seu meio de deslocação RESUMO Pugnaloni, C M. Comunicação para o Desenvolvimento como apoio a projetos de Ajuda Humanitária em sociedades pós-conflito ou conflito latente: o caso em Angola. 2011. Tese (Doutorado) Departamento de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. O estudo ora apresentado adota os padrões da pesquisa social qualitativa para conhecer a adoção da Comunicação para o Desenvolvimento em dois momentos distintos na realização de projetos de Ajuda Humanitária. Na fase inicial, a da Emergência, quando as primeiras ações para reorganização do país são empreendidas pelas Organizações Internacionais. E, na fase de Desenvolvimento, quando instaurar a ordem política e socioeconômica e os direitos fundamentais passa a ser o prioritário. O objetivo foi dar a conhecer as ações de comunicação adotadas pela Organização Internacional (OI) e pelas Organizações não Governamentais (ONGs) selecionadas, nos projetos de Ajuda Humanitária que desenvolvem. O foco da tese foi o de elencar as principais ações de comunicação que possam facilitar a implantação dos projetos e a obtenção dos resultados pretendidos. E, dessa forma, colaborar para que os beneficiários se transformem em atores sociais, como prega à práxis da pedagogia de Paulo Freire. Como contribuição final, elaborei um referencial teórico-operacional em Comunicação para o Desenvolvimento possível de adoção em futuros projetos. Palavras-chave: comunicação para o desenvolvimento, cultura, cidadania, ajuda humanitária, direitos humanos, pós-conflito, construção da Paz. ABSTRACT Pugnaloni, C M. Comunicação para o Desenvolvimento como apoio a projetos de Ajuda Humanitária em sociedades pós-conflito ou conflito latente: o caso em Angola. 2011. Tese (Doutorado) Departamento de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. The study here presented follows the qualitative social research patterns in order to know the adoption of Communication for Development in two distinct moments for the realization of Humanitarian Help projects. In their initial phase, the Emergency one, when the first actions for the reorganization of the country are held by the International Organizations. And, in the Development phase, when the political and socioeconomic order and the fundamental rights become a priority. The objective was to get to know the actions for communication adopted by the International Organization (IO) and by selected the Non-Governmental Organizations (NGOs), in the Humanitarian Help projects which they develop. The aim of the thesis was to point the main actions for communications that might facilitate the implementation of the projects and the obtaining of the desired results. And, in this way, to collaborate with the rights holders, so that they are transformed in social actors, the way it is taught by the praxis of Paulo Freire pedagogy. As a final contribution, I developed a theoretical-operational reference in Communication for Development, possible to be adopted in future projects. Key-words: communication for development, culture, citizenship, humanitarian help, human rights, after-conflict, construction of Peace. LISTA DE FOTOGRAFIAS Fotografia 1 - Mãe e filho Himbas ................................. 7 Fotografia 2 - Banho matinal ......................................... 14 Fotografia 3 - Separando grão de milho......................... 16 Fotografia 4 - Mãe e filho indo comprar garrafa de cerveja............................................................................. 17 Fotografia 5 - Chapéu-de-sol.................... ..................... 18 Fotografia 6 - Com as compras feitas........... ................. 31 Fotografia 7 - Aconchego e o rei do galinheiro .............. 32 Fotografia 8 - A vendedora de panos ........................... 33 Fotografia 9 - Mulher em casa precária.......................... 34 Fotografia 10 - Uma tarde em família..... ........................ 35 Fotografia 11 - Irmãos na porta de casa............. ............ 36 Fotografia 12 - À espera de clientes..... .......................... 37 Fotografia 13 - O vendedor de galinhas........................... 38 Fotografia 14 - O vendedora de árvores de Natal........... 39 Fotografia 15 - Restos do passado ................................. 40 Fotografia 16 - Brinquedo .............................................. 43 Fotografia 17 - Brinquedos de guerra ............................ 54 Fotografia 18 - Futuro incerto ....................................... 56 Fotografia 19 - Vendedora de galinhas .......................... 57 Fotografia 20 - Vendedora de peixe seco ...................... 57 Fotografia 21 - Por-do-sol na zona rural.......................... 75 Fotografia 22 - As cores da África ................................. 103 Fotografia 23 - Família no quintal.................................... 106 Fotografia 24 - Jovem Mumuíla....................................... 107 Fotografia 25 - Mumuíla idosa......................................... 109 Fotografia 26 - Produtores de carvão.............................. 113 Fotografia 27 - Miúdo estudando...... ............................. 114 Fotografia 28 - A farmácia........... .................................. 116 Fotografia 29 - Cristo Rei em Lubando....... .................... 118 Fotografia 30 - Mulher cozinhando ................................. 119 Fotografia 31 - Armazém ................................................ 120 Fotografia 32 - Menina semeando .................................. 120 Fotografia 33 – Mucubais tomando cerveja ..................... 122 Fotografia 34 – A evolução dos meios de transporte....... 126 Fotografia 35 – O torcedor ............................................... 127 Fotografia 36 – O futuro sob as costas ............................ 133 Fotografia 37 – Jogos perigosos ..................................... 136 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...………………………………………………………... 13 1 CONTEXTOS DE PARTIDA...….....…………............................ 30 1.1 Um admirável mundo novo..................................................... 30 1.2 Sociedades em reconstrução pós-conflito. Guerras em paz.................................................................................................... 54 1.3 O pressuposto dos direitos humanos.…………………......... 58 2 PROJETOS DE AJUDA HUMANITÁRIA.……………………..... 59 2.1 Origens e evolução.………………………………….................. 59 2.2 Contextualização de emergência e de desenvolvimento.... 64 2.3 Das ações de emergência às de desenvolvimento………… 73 3 COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO...……….......……… 77 3.1 Da Representação de Mundo..………………………………… 77 3.2 Da Guerra................................................................................. 84 3.3 Da Cidadania e da Cultura da Paz.…………………………… 87 3.4 De Desenvolvimento.……………………………...................... 88 4 O ESTUDO DE CASO EM ANGOLA..….……………………… 102 4.1 Angola: dos reinos milenares subjugados à reconstrução 102 4.2 Comunicação para o Desenvolvimento e o Projeto Terra. 131 4.3 Do uso da Comunicação para o Desenvolvimento: ONGs e OI................................................................................................... 136 CONCLUSÕES................................................................................ 142 REFERÊNCIAS.………………………………………………………… 148 APÊNDICES....................................………………………………… 158 ANEXOS..............................................……………………………… 251 13 INTRODUÇÃO Meu propósito em pesquisar a adoção da Comunicação para o Desenvolvimento em sociedades pós-conflito ou em conflito latente e a sua contribuição em projetos de ajuda humanitária está relacionado à ação que realizei como consultora de comunicação em projeto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Isto me aproximou de sociedades pósconflito, nomeadamente Angola, me possibilitando uma imersão em uma sociedade com toda a sorte de precariedades de infraestrutura – incluindo a de comunicação – na luta para a reconstrução, construção do país. E, sobretudo, me instigou a conhecer mais uma realidade tão diversa e adversa: a da dificuldade das organizações da sociedade civil, organizações não governamentais, organizações internacionais, governos - nacional e provinciais – em apoiar suas ações na comunicação, por falta de estrutura ou por cerceamento. Outro forte motivo foi aprofundar o estudo em uma área muito importante e menos explorada - uma vez que não voltada aos princípios do mercado - e poder contribuir no estabelecimento das necessidades e das ações norteadoras em Comunicação para o Desenvolvimento, para quem opera no campo em ajuda humanitária. A partir do Primeiro Congresso Mundial de Comunicação para o Desenvolvimento (WCCD), ocorrido em Roma em 2006, que reuniu 900 profissionais, governantes, acadêmicos, organizações da sociedade civil, organismos internacionais, Organizações não Governamentais, os trabalhos que se realizam há anos, nos quatro cantos do mundo, foram apresentados, discutidos, sistematizados. O documento resultante desse primeiro encontro de ideias, práticas e experiências denominado The Rome Consensus, que norteou também essa tese, tem como conclusão a seguinte afirmação de Nelson Mandela. São as pessoas que fazem a diferença. Comunicação para o Desenvolvimento é essencial para fazer a diferença acontecer. E, como prefaciou Amadou-Mathar M´Bow, pensar que os povos desejem estabelecer vínculos de uma solidariedade cada vez maior e instaurar progressivamente relações de respeito e cooperação mútua, já não é uma utopia. Mas para isso, ressaltava o dirigente da UNESCO, seria necessário que os meios de 14 comunicação não fossem colocados simplesmente a serviço de interesses do poder, aprofundando as dificuldades já existentes entre as nações, naqueles anos da Guerra Fria. Afirmava M`Bow que o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial da Comunicação faria com que os povos pudessem compartilhar o conhecimento e a visão dos assuntos mundiais. “Quando isso for atingido, a humanidade terá dado um passo decisivo em direção à liberdade, à democracia e à solidariedade”. Transcrevo a mensagem do Diretor da UNESCO no lançamento do relatório Um Mundo e Muitas Vozes, por achar que o momento histórico que passamos a viver a partir de março de 2011, parece comprovar que a Nova Ordem finalmente está a chegar. Este estudo visa conhecer o uso da comunicação por parte da FAO e de ONGs de Segurança Alimentar e Direitos Humanos localizadas em Angola e em Portugal, com atuação nesses dois países. Toma como ponto de partida o Projeto ANG035/EU/FAO, realizado de 2007 a 2009 nas províncias angolanas de Huambo, Huíla e Benguela, para a capacitação dos atores locais em delimitação de terra e certificação de posse. Fotografia 2 - Banho matinal. A posse da terra garante acesso à água. 15 A comunicação no apoio aos projetos de Ajuda Humanitária é relacionada aos Direitos Humanos e ao desenvolvimento da própria comunidade para a qual é direcionada e denomina-se Comunicação para o Desenvolvimento. Essa especificidade difere da comunicação comercial, das relações públicas ou da comunicação institucional. Pressupõe a participação e, traz em si, o debate ideológico sobre o direito à comunicação que teve como marco representativo o Relatório MacBride1, cujas recomendações ainda hoje não estão em vigência em muitos países do sul. Quero instaurar no âmbito desta tese um novo entendimento quanto a condição das pessoas que são atendidas por projetos de ação humanitária. Em diferentes áreas da ajuda – cultura, educação, saúde meio-ambiente, segurança alimentar, direitos fundamentais – são designadas como beneficiários-alvo. De acordo com o Cambridge o verbete beneficiary teria o significado de “pessoas ou grupos que recebem dinheiro, vantagem ou ajuda”. E target designaria “pessoa ou grupo particular de pessoas a quem algo é direcionado ou pretendido”. A transição mais adequada vem a ser rights holders. Vejamos “as seguintes significações: (i) right considerado certo ou moralmente aceitável pela maioria das pessoas”; holders “quem é oficialmente é propriamente o detentor de alguma coisa”. O direito moral de ser detentor de algo. Direito e não benefício. O interesse em estudar este campo teve origem em uma pesquisa exploratória realizada em Angola, no ano de 2007, nas províncias de Luanda e Huambo, por ocasião do lançamento do Projeto Terra. Constatei, a partir da observação participante e de entrevistas não estruturadas, a problemática da ineficácia das redes de telecomunicações na integração do país na época. Da mesma forma, me deparei com a falta de familiaridade ou dificuldade de acesso às tecnologias tradicionais e novas tecnologias de informação no exercício do jornalismo e no trabalho humanitário das ONGs locais. A maioria dos meios de comunicação pertencia ao Estado e que era difícil para as ONGs conseguirem concessões para veículos comunitários. Percebi a dificuldade de utilização da comunicação por OIs e ONGs atuantes no campo no momento em que havia a necessidade de informar aos atores sobre a Lei de Terra. 1 O MacBride Report Many Voices, one World http://www.communicationofsocialchange.org/maziarticles.php? Sean MacBride foi jornalista, jurista e político. Prêmio Nobel e Prêmio Lênin da Paz. Presidente da Agência Internacional da Paz; ex-ministro de Assuntos Exteriores; membro fundador da Anistia Internacional; comissionado das Nações Unidas para a Namíbia. 16 Fotografia 3 – Mulher separando o grão de milho Em vias de ser regulamentada em Angola, na época, a Lei iria assegurar o direito e a certificação de posse da terra às comunidades tradicionais ou a outros demandantes, com desdobramento natural na garantia da segurança alimentar e acesso aos recursos naturais como a água. Em um momento em que muitos dos refugiados e deslocados internos retornaram para suas casas, motivados pelo fim da guerra, esse cenário estimulou a realização desta tese. Procedimentos e limitações Realizei o levantamento de dados para a tese durante um programa de estudos no exterior (PDEE/CAPES). A pesquisa bibliográfica foi também realizada 17 na Universidade de Coimbra. Mantive entrevistas com importantes dirigentes de ONGs de Segurança Alimentar e Direitos Humanos em Angola e em Portugal. Fotografia 4 – Mãe e filho indo comprar garrafa de cerveja. O trabalho em campo evidenciou que o estudo deveria ser aprofundado com a realização de entrevistas na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), sediada em Roma, onde também foi realizada pesquisa bibliográfica. A escolha da FAO não significa que as demais agências do complexo das Nações Unidas não tenham a mesma relevância, mas por essa ter sido a instituição criadora do conceito de Comunicação para o Desenvolvimento (CpD) e precursora em sua implantação. Nessa etapa foram entrevistados coordenadores de Departamentos da OI e dirigentes de organizações não governamentais em Portugal que realizam projetos também em Angola. Foram entrevistados no país africano dirigentes de ONGs de Segurança Alimentar e Direitos Humanos, para efeito comparativo. A pesquisa 18 qualitativa foi realizada na FAO/ONU, na Itália. Foram consultadas as organizações Action AID, Amnistia Internacional, Organização Portuguesa de desenvolvimento bastante representativa que opera nas ex-colônias e que solicitou sigilo, designada como Instituição M (IM), Intercooperação e Desenvolvimento (INDE) e a OIKÓS Cooperação e Desenvolvimento, em Portugal. Em Angola, foram entrevistados dirigentes da Municipalistas por La Solidariedad y el Fortalecimento Institucional (MUSOL) e Organização Cristã de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário (OCADEC). Em sua estada no Brasil, foi entrevistada a Coordenadora Internacional em Angola do Projeto Terra. Fotografia 5 – Mulher com chapéu–de-sol Essas entrevistas resultaram em um rico material sobre a importância e a aplicação da comunicação nos projetos realizados no campo. E permitiram visualizar as diversas concepções sobre comunicação e sobre os resultados que ela pode gerar em projetos de ajuda humanitária. O objetivo foi detectar importância atribuída, bem como deficiências e necessidades, referente a ações de comunicação como suporte aos projetos de Ajuda Humanitária e de Desenvolvimento realizados pelas instituições pesquisadas. 19 Portanto, o que se buscou foi a análise de um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto real (Yin,2005). O estudo do material coletado em campo e a revisão da literatura permitiram a construção de um referencial teórico-operacional em Comunicação para o Desenvolvimento, um dos objetivos deste estudo. Pretende-se que esse referencial possa contribuir para a efetividade de futuros projetos de Ajuda Humanitária e de Desenvolvimento. Como limitação deste estudo ressalta-se um entrave burocrático que impediu a concessão do visto de entrada em Angola o que inviabilizou o retorno da pesquisadora ao país. Para dar continuidade à investigação solicitei à Coordenadora do Projeto Terra em Angola aplicar o questionário remetido e registrar as entrevistas. Ressalta-se que não houve ingerência sobre as respostas. As gravações das entrevistas realizadas em Angola foram posteriormente a mim enviadas para a sistematização e decupagem dos dados lá coletados. Abordagem metodológica O Estudo de Caso foi adotado por permitir o enfoque em uma situação específica, que se supõe única em muitos aspectos, procurando-se descobrir quais os aspectos essenciais e quais as características que permitem a compreensão global do objeto de estudo. Também por possibilitar a análise em profundidade e a leitura de diferentes prismas relacionados ao problema em foco (Yin, 2005). Apresenta a vantagem de permitir uma abordagem holística - com o estudo de vários aspectos do mesmo objeto - e a investigação em profundidade de suas relações. É pertinente ao lidarmos com muitas das variáveis que interessam aos cientistas sociais como democracia, poder, cultura política, poder do Estado, e que são notoriamente difíceis de mensurar, até porque podem variar de acordo com o contexto cultural (Yin, 2004). É adequada a abordagem quando se quer descobrir as intersecções entre fatores significativos característicos da situação e a dinâmica de um problema ou processo, na busca de seu aprimoramento ou para ajudar organizações ou decisores a definir novas políticas. 20 Durante a realização desta tese utilizou-se além da entrevista, a análise do discurso e a observação para a coleta de dados. O método da observação permite a interação, o envolvimento e o aprofundamento com os fenômenos em estudo, sendo amplamente utilizado na prática da sociologia e da antropologia. Burawoy (2000) considera a observação participante como a técnica que permite vivenciar a realidade dos sujeitos a partir da inserção do investigador no mundo a ser pesquisado, o que lhe permitirá perceber os jogos de poder que perpassam os processos observados. Da mesma forma permite ao pesquisador ficar próximo quanto um membro do grupo a ser estudado, uma vez que participa das atividades rotineiras deste. (Marconi e Lacatos, 2001). A observação ocorreu na etapa de diagnóstico, primeiramente no período de divulgação do lançamento do projeto ANG035/EU/FAO, quando foram visitadas as diretorias dos meios de comunicação da capital Luanda e lideranças de ONGs de Segurança Alimentar e Direitos Humanos. Ampliando a visão de mundo No desdobramento do processo a observação ocorreu durante o seminário de lançamento do Projeto Terra, no Huambo. A província era emblemática por ter sido a principal produtora agrícola na época colonial e por sediar a Faculdade de Ciências Agrárias, que estava se reorganizando para retomar seu papel na formação de angolanos. Por isso tornou-se sede da coordenação do projeto no país. O evento reuniu as principais lideranças tradicionais – um dos participantes ao iniciar as suas ponderações no seminário de lançamento identificou-se como o “Rei de Huambo”, portanto líder tradicional e ancestral da região –, representantes da sociedade civil, a imprensa local e nacional. Também participaram dirigentes de ONGs ligadas à Segurança Alimentar e Direitos Humanos das três províncias selecionadas para a realização do projeto em Angola: Benguela, Huambo e Lubango. O futuro trabalho foi apresentado aos rights holders do projeto pela FAO, quando foi feita a divulgação dos conceitos que seriam trabalhados e os objetivos que seriam perseguidos em sua -realização. Na ocasião foi explicada a Lei de Terra, prestes a ser regulamentada. 21 O seminário permitiu o esclarecimento de dúvidas levantadas pelos participantes e o acolhimento das reivindicações trazidas pela sociedade civil aos representantes da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação e da Comunidade Europeia. Tive a oportunidade de me inteirar das reivindicações feitas, a maioria delas buscando esclarecimentos sobre a Lei e sobre a certificação de posse definitiva aos que possuíam documentos provisórios anteriormente concedidos. Em uma ação pré-evento expliquei à direção dos meios de comunicação da capital os benefícios do projeto tripartite que seria realizado pela FAO, por solicitação do governo de Angola e financiamento da União Européia. Na ocasião foi enfatizada a importância do apoio da imprensa para que todos fossem informados sobre o processo de requerer a delimitação de suas terras e a certificação de posse. Em visita ao diretor de Comunicação e Marketing da Televisão Pública de Angola (TPA), Pedro Ramalhoso, testemunhei o insight que teve sobre o que representaria o projeto para a população. Ramalhoso (2007) revelou que seu avô vivia em uma área que há centenas de anos abrigava a sua família, sem ter nenhuma garantia de posse. A informalidade poderia vir a significar nos tempos atuais a possibilidade de perda do direito de ocupação, caso um ator com maior força política ou econômica, a demandasse (informação verbal).2 Contribuí em Angola para a visibilidade do projeto ao acionar a imprensa em Luanda na divulgação de seu lançamento e, posteriormente, no apoio aos jornalistas durante o evento na província do Huambo. A observação foi relevante para buscar desvendar a ocorrência e a importância da Comunicação em projetos de Ajuda Humanitária. Procedimentos A técnica da entrevista por mim utilizada foi realizada com dirigentes de OIs e ONGs de Ajuda Humanitária, que trabalham em projetos realizados em todo o mundo. A entrevista apresenta a vantagem adicional do contato de curta duração com o entrevistado. “[...] Assim, por saber que o entrevistador provavelmente não 2 Informação fornecida por Ramalhoso, em Luanda, em 2007. 22 pertencerá ao seu círculo de relações pessoais ou profissionais, poderá revelar aspectos inesperados.” (Mendes, 1999, p.155). Foi necessário introduzir no instrumento aplicado em Angola, Itália e Portugal questões comuns para posterior análise comparativa. Os conteúdos de cada divisão de assuntos do questionário serão explicados a seguir: i. Questões referentes à ajuda prestada. Essas questões foram desenvolvidas buscando esclarecer a atividade prestada pela organização em seus projetos. O interesse foi também saber se havia dificuldades percebidas durante a realização dos projetos que fossem recorrentes. Por fim, procurou-se saber qual a receptividade dos beneficiários. ii. Questões referentes à importância da comunicação nos projetos. As questões foram formuladas neste item com os objetivos de perceber qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação e a percepção dos respondentes sobre a influência de ações de comunicação no resultado dos projetos. iii. Questões relativas à adoção da comunicação em projetos recentes Buscou-se verificar a existência de budget e o percentual para comunicação nos projetos realizados nos dois últimos anos (2007 e 2008). O levantamento de dados procurou perceber também a existência de planejamento de comunicação estratégica, as prioridades na divulgação ao iniciar um projeto e se os resultados são divulgados aos “beneficiários” ao seu término. iv. Questões referentes à necessidade da CpD e garantia de direitos Especializando mais a busca de informação se procurou levantar qual tem sido a necessidade de adoção da Comunicação para o Desenvolvimento nos projetos e 23 sua contribuição para o reconhecimento do direito à cidadania e à segurança alimentar pelos beneficiários. Durante as entrevistas houve flexibilidade em relação ao roteiro e a abordagem de assuntos pelos entrevistados não previstos inicialmente, enriquecendo assim o processo. Surgiram especificidades como no caso da Amnistia Internacional que não trabalha com organizações doadoras o que suscitou uma adequação imediata das questões de minha parte. Por ser a entrevista uma co-construção social o papel do entrevistador deve ser reconhecido nesta ocasião única. Desta forma, devem ser colocadas nas transcrições as perguntas, hesitações e expressões do entrevistador. De acordo com Mendes (1999) a citação de um extrato sem a pergunta do entrevistador é um ato descontextualizado redutor. Na análise das entrevistas para evitar a descontextualização das respostas é preciso transcrevê-las em sua totalidade, evitando a transcrição só de fragmentos ou trechos mais importantes. É preciso indicar o contexto e a dinâmica de cada entrevista, estabelecendo onde e como transcorreu, se houve interferências ou tensões. A íntegra das entrevistas realizadas está no apêndice da tese. As conclusões auferidas estão no relatório elaborado a partir dos dados coletados localizado no corpo da tese. Para a aplicação das entrevistas foram selecionados membros do staff da organização internacional, responsáveis pelas divisões de emergência, de segurança alimentar e divisão de Comunicação. Nas ONGs pesquisadas foram entrevistados os seus dirigentes, portanto atores com visão estratégica e poder de decisão dentro das organizações. E, também, poder no processo de negociação e na posterior realização de projetos. O interesse foi identificar a adoção da comunicação em projetos e verificar qual sua contribuição nos resultados. As entrevistas foram aplicadas por mim em Portugal e na Itália. Em Angola, por problemas burocráticos para a entrada no país, já citados, as entrevistas foram aplicadas pela coordenadora nacional do projeto ANG035/UE/FAO. A dirigente gravou as respostas às perguntas do questionário enviado e, posteriormente, entregou-me as gravações que transcrevi. A coordenadora do Projeto Terra para Angola foi entrevistada em sua estada no Brasil. Os depoimentos foram colhidos na Itália: em 24 de setembro com o chefe do Departamento de Educação e Comunicação da FAO, Jornalista; em 25 de setembro 24 com os coordenadores de Emergência, sociólogo e economista e com o coordenador de Segurança Alimentar, engenheiro agrônomo. Portanto, na Itália foram entrevistados oficiais dos setores de emergência, segurança alimentar e comunicação da FAO. As gravações em Portugal ocorreram em Aveiro em 21 de outubro de 2009 com o diretor internacional da Action Aid, engenheiro agrônomo. Em Lisboa foram realizadas em 14 de novembro, quando foi entrevistado o dirigente do Instituto M (IM), graduado em Relações Internacionais. Em 17 de novembro foi entrevistado o diretor do Instituto para o Desenvolvimento (INDE), jornalista; em 18 de novembro o diretor da Amnistia Internacional, advogado e, em 19 de novembro, o diretor da OIKÒS com a formação em filosofia e sociologia. Em Angola as entrevistas realizaram-se em 9 de dezembro de 2009 com o diretor para o país da MUSOL, que tem o nível de licenciatura; e em 11 de dezembro com diretor da OCADEC que é técnico agrônomo. Em Porto Alegre, em 23 de março de 2010 foi entrevistada a coordenadora do Projeto ANG035/EU/FAO para Angola, advogada. De modo geral, as entrevistas transcorreram com boa recepção por parte dos entrevistados. Apenas um se mostrou receoso com a posterior divulgação e solicitou anonimato e confidencialidade para excluir a possibilidade de motivar futuro entrave ao trabalho da ONG. Pela formação acadêmica dos entrevistados, alguns com PhD, e a grande experiência que tinham no terreno, ao início da entrevista ressaltei a importância de que esse estudo poderia ter para as ONGs. O fato de ter sido indicada aos demais entrevistados pelo Diretor Internacional da Action Aid e de estar vinculada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra facilitou os contatos e consegui a concordância em 100% das entrevistas solicitadas. Os dados das entrevistas foram estruturados segundo os seguintes aspectos para posterior análise: (i) Aspectos políticos: conhecimento da CpD; aceitação da CpD; valorização da CpD pelos doadores; percentual de budget nos projetos; percepção de benefícios; aceitação dos projetos pelas comunidades; (ii) Aspectos sociais: informação pré/pós-projeto; percepção da importância; participação dos beneficiários, conscientização política; 25 (iii) Aspectos técnicos: características dos projetos; benefícios auferidos; importância da CpD para a Organização. As hipóteses de partida serviram de instrumentos que orientaram a coleta dos dados não impedindo a verificação de outras possibilidades, decorrentes de fatos novos surgidos durante as entrevistas. Os dados foram agrupados para a identificação dos consensos de informação de cada categoria bem como da estabilidade de informação. No desdobramento do trabalho foi feita a análise das práticas adotadas na realização de projetos e as práticas de comunicação seguidas pela OI. Também analisei as ações adotadas pelas ONGs angolanas e portuguesas entrevistadas, para efeito comparativo. As informações sistematizadas possibilitaram conclusões e a realização de um referencial teórico-operacional em Comunicação para o Desenvolvimento, contribuição dessa tese. Objetivos e estrutura da tese O objetivo geral desta tese é identificar qual tem sido e qual deve ser o papel da Comunicação para o Desenvolvimento em Projetos de Ajuda Humanitária, no restabelecimento dos Direitos Humanos em sociedades pós-conflito, como no caso de Angola. Os objetivos específicos são: (i) especificar a relevância e a aplicação da Comunicação para o Desenvolvimento, pela Organização Internacional de Segurança Alimentar e Direitos Humanos selecionada, nos projetos humanitários realizados em situações de pós-conflito ou conflito latente3, caso de pós-guerra ou sociedades que vivem em guerra não declarada. 3 O estado do Rio de Janeiro, no Brasil, configura-se como um caso de guerra não declarada; com a banalização de ações armadas do exército ou da polícia civil, em confrontos com traficantes em determinadas regiões da cidade. 26 (ii) identificar as ações de comunicação realizadas como apoio aos projetos de Ajuda Humanitária de emergência ou projetos de Desenvolvimento4 - esses específicos da fase de reconstrução - pelas ONGs de Segurança Alimentar e Direitos Humanos selecionadas em Portugal, comparativamente a de organizações similares em Angola. (iii) identificar a contribuição da Comunicação para o Desenvolvimento no resgate dos Direitos Humanos em sociedades pós-conflito e em conflito latente. Por hipótese tem-se que há uma forte relação entre a implantação de ações de Comunicação para o Desenvolvimento no apoio a Projetos de Ajuda Humanitária e Projetos de Desenvolvimento e o resgate dos Direitos Fundamentais. Roteiro dos capítulos A estrutura da tese divide-se em quatro capítulos. O primeiro “Contextos de Partida” apresenta as características e o processo de reconstrução em sociedades pós-conflito. Aborda as sociedades que estão em conflito latente, mesmo que não declarado, designadas como Estados Frágeis, Falhados e em Colapso (EFFC) e que vivem as Guerras em Paz. Nesse capítulo serão delineadas as características e os principais problemas desses estágios e as possíveis soluções. No segundo capítulo “Projetos de Ajuda Humanitária“ serão analisados os projetos de Ajuda Humanitária que contribuem para a solução de situações emergenciais e para a reorganização política, socioeconômica e técnica em operações que objetivam o desenvolvimento. Essas, são implementadas em intervenções realizadas por OIs e ONGs visando também à reconstrução da Paz, como no caso de Angola. O terceiro capítulo “Comunicação como Instrumento” apresenta a análise da comunicação em seus diferentes contextos: da cultura da Paz, de desenvolvimento 4 Projetos de Ajuda Humanitária são implementados em situações de emergência - subsequentes a situações de catástrofes naturais ou de cessar fogo. Projetos de Desenvolvimento são implementados após o final do estado de Emergência, quando as ações adotadas serão voltadas para a reorganização político-socioeconômica. (POWER,S.2008). 27 e da Comunicação como um direito humano, fazendo um contraponto às históricas recomendações do Relatório MacBride do direito a uma comunicação igualitária e horizontal no mundo. No quarto capítulo “O Estudo de Caso em Angola” há a inserção de um elemento empírico trazido ao debate que é a descrição de um caso especifico situado em Angola. É nesse ponto da tese que são apresentados os resultados auferidos na investigação realizada com a OI e com as ONGs em Angola, Itália e Portugal. O seu conteúdo apresenta ainda a conceituação, delimitação do tema e diretrizes estabelecidas no Primeiro Congresso Mundial de Comunicação para o Desenvolvimento, cujo documento final The Rome Consensus foi colocado nos anexos. Como fechamento, apresento as conclusões e os resultados que esta tese permitiu delimitar. Está incluído nas conclusões um referencial teórico-operacional em Comunicação para o Desenvolvimento tendo como contexto de partida o Projeto Terra. As entrevistas permitiram delimitar a estabilidade da informação e as diretrizes em comunicação utilizadas nos projetos e pela OI e ONGs selecionadas. Essas, acrescidas do resultado da pesquisa bibliográfica, permitiram estabelecer os pontos considerados importantes nos projetos em Comunicação para o Desenvolvimento e que espero possam contribuir com futuros projetos. A primeira conclusão é a de que a Comunicação para o Desenvolvimento passará a assumir uma posição-chave no desenvolvimento dos países e nos projetos de ajuda humanitária, o que deverá ser reconhecido também pelos doadores a partir de agora. Já existe o consenso de que a prática é fundamental para fomentar a conscientização, a participação, a educação, o empoderamento de gênero e o reconhecimento dos direitos e deveres que a prática da cidadania encerra. A segunda conclusão é a de que o ensino de Comunicação para o Desenvolvimento, alternativa de conquista de uma sociedade mais equânime e, portanto, mais justa, é fundamental. Isto posto, que precisarão ser revistos os planos pedagógicos para que possam incluir essa área tão importante que é a comunicação inclusiva, educativa e participativa. Para que se alarguem os horizontes e as mentes 28 dos educandos, para que possam – como pregava Paulo Freire – se tornar multiplicadores. A terceira conclusão é a de que o momento se apresenta como o ideal para a realização de uma profunda mudança, pois as ordens sociais do mundo contemporâneo podem se desmanchar no ar na transformação numa velocidade surpreendente e que precisamos poder enxergar neste caleidoscópio, em todas as suas cores e facetas, reordenações, desenhos e inusitados resultados. O nosso olhar deverá estar apto a acompanhar esse admirável mundo novo. Onde a palavra, transmitida à distância, se soma a milhares, milhões de outras palavras, na velocidade da luz, em frações de segundos, fazendo com que o processo individual se transforme em local, nacional, global. E perceber que possui a força para derrubar a velha ordem estabelecida. As novas tecnologias, essenciais para que se possa trilhar por uma Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação, que, viva, permitiu que a comunhão de ideais e de forças libertárias transformassem em realidade desejos individuais, comunitários, nacionais há muito adormecidos ou amortecidos dos povos do norte da África e do Oriente Médio. O que antes de março de 2011 seria impensável. Aparentemente isolados, os indivíduos, comunidades, os povos, as nações, estão conectadas ao mundo e ligadas a uma sociedade em rede. Redes de comunicação que se formam e se transformam, estabelecendo uma nova ordem. A quarta conclusão me leva a refletir sobre as afirmações de que a reconstrução do ideal democrático está acontecendo fundamentado na participação nos circuitos de comunicação. A queda de regimes ditatoriais sob genuínos movimentos revolucionários orquestrados pela comunicação interpessoal e nas redes sociais – sem a participação dos meios de comunicação de massa confirmam a força da nova comunicação. Revelam que se estabeleceu outro ordenamento social por meio de um processo que se multiplicou espontaneamente. E que foi derrubando, de forma sucessiva, diversos regimes ditatoriais. Essa nova ordem da comunicação alterou em pouquíssimo tempo a configuração geopolítica de significativa parte do globo. E instaurando a possibilidade de que em antigas sociedades tradicionais e autocráticas possam florescer valores libertários, caros à democracia, como sublinhou Sarkosy. 29 Creio que estamos a ver a concretização da utopia da Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação. E que ela foi gerada de forma vertical, da base para o topo, da periferia para o centro. Do sul para o norte. Em uma ação revolucionária, imprevisível, a partir dos países periféricos, que atingiu, em cheio, um mundo civilizado atônito. Esse é um caminho a trilhar que confirma os preceitos da Comunicação para o Desenvolvimento. O novo está posto e nem a tentativa do governo egípcio em evitar a queda, retirando a rede mundial do ar, surtiu efeito. A força da comunicação concretizou a mudança ainda em curso na região. Realizando o que pregara o Relatório da UNESCO, mesmo sem a paridade da comunicação nos países do mundo. O que está a ocorrer no norte da África e que se propaga pelo Oriente Médio, acredito, vem a confirmar essa teoria. Parafraseando o sociólogo Fernando Henrique repito: cada vez mais, em silêncio, as pessoas se comunicam, murmuram e, de repente, se mobilizam para “mudar as coisas”. Neste processo, as novas tecnologias de comunicação desempenham papel essencial. [...] Um mundo que parecia ser basicamente individualista e regulado pela força dos poderosos ou do mercado, de repente mostra que há valores de coesão e solidariedade social que ultrapassam as fronteiras do permitido. 30 1 CONTEXTOS DE PARTIDA 1.1 Um admirável mundo novo Quem sobrevoa a África pela primeira vez, talvez espere enxergar aquela densa selva colossal, verde escuro, quase negra, úmida e intocada. Com uma vegetação desordenadamente profusa, tal qual imaginou Joseph Conrad, e com as grandes árvores a reinar sobre tudo. Sobre um grande vazio e o grande silêncio de uma selva imperscrutável. O Coração das Trevas se desdobrando como nos primórdios do mundo enfeitiçando-nos em um lugar distante, tal qual acontecera com o personagem Kurtz. “Mas toda essa quietude em nada lembrava a paz. Era a quietude de uma força implacável pairando sobre inescrutáveis desígnios, olhando para você com um ar vingativo” (Conrad, 1998, p.64). No entanto, quando se deixa a África do Sul em direção a Angola sobrevoando a Botswana e a Namíbia - países que se interpõem geograficamente ao destino - o que se pode ver são extensas áreas, quase sem vegetação, semelhantes ao cerrado ou a caatinga. A densa floresta imaginária não é perceptível quando o avião voa baixo nessa rota, o que acontece durante longos períodos. Ao nos aproximarmos de Luanda, capital do país, uma cena se apresentou beirando o inusitado. A pista de pouso era margeada a menos de 15 metros, em quase toda a sua extensão, por pequenas casas compostas por quatro paredes de tijolo nu cobertas por telhas de zinco, fixadas com tijolos soltos colocados sobre os quatro cantos. Essa configuração de moradia se multiplicava aos milhões fazendo com que o olhar até o horizonte pairasse sobre aquela musseque.5 Kassequel (grifo meu) abriga mais de quatro milhões de moradores que - ao deixarem suas províncias no interior do país - se transformaram em deslocados internos ao fugir das guerras colonial e civil. Aglomeram-se especialmente nas imediações de Luanda integrando 5 Musseque é o termo designativo de favela em Angola. Próximo ao aeroporto localiza-se a musseque denominada Kassequel. 31 a crescente população urbana de uma cidade projetada pelos portugueses para abrigar 600 mil habitantes. E onde vivem atualmente mais de quatro milhões de pessoas. O aeroporto Internacional, 4 de Fevereiro, reunia muita gente de forma desordenada e barulhenta para embarques e desembarques de voos que não tinham total comprometimento com o horário previsto. Fotografia 6 – Com as compras feitas As pessoas se acotovelavam para poder passar pelos fiscais de imigração. Longas filas se formavam. Grupos de pessoas esperavam e muitas vezes carregavam seus pertences em enormes trouxas amarradas. Galinhas vivas, acondicionadas em cestas ou em caixas, também viajavam com seus donos. Mulheres envoltas em panos com a grafia e as cores da África traziam crianças amarradas a elas por outras cores. 32 Fotografia 7 – Aconchego e o rei do galinheiro Um visitante vindo de um país com uma mínima organização no transporte aéreo se sentiria como um protagonista de filmes já vistos, com cenas da chegada em pequenos aeroportos no continente africano. Depois de ter visto na aterrissagem, quase a invadir a pista, milhões de pequenas casas até a vista se perder no horizonte, uma distinção me chamou a atenção por não ser usual em aeroportos na Europa ou na América. Havia uma passagem à esquerda do pequeno saguão para onde se dirigiam os viajantes em geral. No lado oposto uma placa indicava o acesso restrito a diplomatas e a estrangeiros. Por ali a entrada era imediata e livre de aglomerações. A exigência de informações sobre o motivo da entrada no país, apesar do visto de trabalho já concedido, é maior em Angola do que na chegada aos Estados Unidos. Jornalistas são vistos com desconfiança. O agente angolano fez uma série de questionamentos sobre o que eu faria lá, mesmo sendo consultora internacional contratada pelas Nações Unidas para um projeto solicitado pelo governo nacional. Fotografias de prédios públicos como o do aeroporto não eram permitidas, informou o agente da imigração angolano. Prováveis resquícios de autoritarismo do tempo da guerra ainda a perdurarem, cinco anos após o seu final. A viagem pode 33 incluir a espera de três horas pelas malas. Por isso, quando se vai para Angola o melhor é viajar apenas com bagagem de mão. Na saída do aeroporto as angolanas ofereciam por 2 kwanzas seus coloridos panos aos estrangeiros. Fotografia 8 - A vendedora de panos Os infindáveis pequenos casebres, vistos do alto, abrigam homens, mulheres e crianças vivendo sem luz elétrica, sem água encanada, sem água tratada, sem saneamento básico. Há mais de trinta anos. Os deslocados internos, vindos de diferentes regiões, passaram a compartilhar o mesmo espaço geográfico. Diversas etnias de refugiados, que se hostilizavam na época de paz, ao co-habitar na região urbana. Como resultado do convívio forçado ficou usual casamentos em Kassequel entre os que antes se matavam, afirmou Fernandez (2007) (informação verbal)6. A escassez de infraestrutura básica para enfrentar a vida com dignidade provocava um sentimento de comiseração. 6 Informação fornecida por Odílio Fernandes, em Luanda, em 2007. 34 Fotografia 9 – Mulher africana em casa precária Com os pobres de Angola representando os pobres de todo o mundo. Pobres que reconhecemos como despossuídos. Despossuídos até do acesso à comunicação. Sem ter televisão homens, mulheres e crianças se reuniam em pequenos bares lá existentes, onde mais de cinquenta pessoas se juntavam ao redor de um aparelho movido a diesel. Essa situação traz em si consequências negativas para as perspectivas de desenvolvimento de milhões de pessoas e espelha a realidade de muitos países do sul nos dias atuais. Como afirmava MacBride (1983, p.23-24) [...] Frequentemente, esquecemos ou menosprezamos o simples fato de que as funções da comunicação são essencialmente relativas e estão ligadas às diversas necessidades de comunidades e países diferentes, embora isso seja um pré-requisito para qualquer concepção realista dos problemas de comunicação, num mundo divergente e dividido, mas, ao mesmo tempo, interdependente. Daí se depreende que os efeitos da comunicação variam segundo as características de cada sociedade. Na verdade, não existe uma sociedade contemporânea, e sim várias. 35 Fotografia 10 – Uma tarde em família A média da natalidade em Angola é de seis filhos por mulher. As brincadeiras muitas vezes incluem os cuidados de crianças com os irmãos menores. Em Luanda muitos da destituída população de refugiados vivem também em favelas verticais. Essas são os blocos de apartamentos no centro da cidade que pertenceram aos portugueses e, que, agora, não têm mais elevadores em funcionamento, estrutura adequada de água e de recursos sanitários. Os que não encontraram abrigo nos prédios estão morando nas musseques com familiares ou conhecidos, o que dificulta ao governo cobrar taxas e estimar corretamente a sua população urbana. Um relatório publicado pela da Anistia Internacional em 2010 relatou que ocorreram despejos forçados nos bairros Bagdad e Iraque. A organização, que teve MacBride como um de seus membros fundadores, informou que em 2009 foi realizada uma das maiores remoções dos últimos anos, quando foram expulsas três mil famílias envolvendo quinze mil pessoas7. O setor da construção civil e a 7 Ver mais informações em: http://www.radioecclesia.org/index.php?option=com_content&view=article&id=2829:amnistia-internacional- 36 reorganização urbana necessitam de áreas para erguerem os novos prédios e os deslocados não são mais aceitos nessa nova lógica de mercado. O uso excessivo da força e maus-tratos por parte das autoridades estão incluídos na denúncia, além de prisões arbitrárias e execuções extrajudiciais. Fotografia 11 – Irmãos na porta de casa Na época estava sendo construída, por uma das inúmeras empreiteiras estrangeiras no país, uma nova rua que daria acesso ao aeroporto. As obras estavam suspensas e lonas de plástico preto cobriam a terra para fazer a contenção das áreas que haviam sido revolvidas pelos tratores. Quando as máquinas – depois paradas em meio à obra abandonada - abriram o solo, brotaram diamantes. O governo estava fazendo a licitação internacional para exploração da área, que critica-em-relatorio-policia-angolana-por-execucoes-sumarias-e-prisoes-de-activistascivicos&catid=132:internacionais&Itemid=484 37 estava situada no meio da região urbana, pelas companhias estrangeiras de comércio de diamantes. No caminho entre o aeroporto e o centro da capital angolana havia trechos nas ruas onde o calçamento simplesmente desapareceu pela ação do tempo e que não foram mais reparados depois da saída dos colonizadores. Mostravam a terra vermelha que teimava em se espalhar com o vento. Mulheres novas com filhos amarrados por panos às costas, acompanhadas de mulheres mais velhas, varriam a poeira vermelha das ruas, com vassouras feitas de galhos e folhas de árvores. Em uma luta infindável e perdida com o vento. Angolanos espreitavam próximo às calçadas. Os seus carrinhos-de-mão transportavam mercadorias ou, quando na espera de possíveis clientes, serviam de local de descanso para os seus donos. Fotografia 12 – À espera de clientes Sem transporte coletivo urbano e sem táxi, na Luanda de 2007, as pessoas circulavam em motos e carros – veículos por vezes sem a mínima conservação necessária – que pecavam pela falta de segurança. Apinhavam-se ainda nas kandongas (grifo meu) que eram pequenas vans azuis de transporte informal e por vezes sem portas, com capacidade para nove pessoas e transportando mais de 38 vinte. Centenas de Kandongas cruzavam as ruas em um interminável ir e vir no trajeto entre a feira de Roque Santeiro e o centro da cidade. E formavam um emaranhado de azul e branco em meio ao tráfego entupido de carros. A outra forma de mobilidade era andar a pé. As vias eram difíceis para veículos sem tração 4x4. Da janela do hotel Presidente, se podia ver centenas de portentosas camionetes Mercedes, BMW, Pathfinder, Nissan e WV Tuareg que desembarcavam rodando diariamente de dentro dos navios. Após deixarem o pátio do porto e ganharem as ruas eram paralisadas por milhares de carros, vans, motos e pedestres. Vendedores ambulantes com toda a sorte de mercadorias imiscuíam-se entre os automóveis. Na comercialização de seus produtos, que podiam ser vivos, paravam os carros para oferecer e para entregar compras. Contribuíam para fazer de toda a cidade um enorme engarrafamento. Fotografia 13 – Vendedor de galinhas 39 Fotografia 14 – O vendedor de árvores de Natal No trânsito totalmente caótico, sem regras a seguir e sem vontade de seguilas, as poucas polícias sinaleiras (grifo meu) apenas olhavam sem tomar atitude, numa visível intenção de não se oporem a balbúrdia instituída. Parece que existe uma via paralela em oposição à via oficial e que as coisas estão organizadas para funcionar de outra forma em Luanda, em um processo que parece irreversível. Irreversível porque as pessoas não retornarão mais para o campo. Criaram novas raízes. Em contraponto aos buracos, à poeira das ruas e às buzinas feéricas de motoristas que não primavam pela calma ou pela direção segura, arremetendo em meio aos pedestres, para meu total espanto irrompeu um reluzente Jaguar [automóvel], em uma cena absolutamente surrealista. Como que ausentes da agitação Kinguistas (grifo meu) tinham dezenas de notas de dinheiro dobradas ao meio no sentido longitudinal, colocadas entre os dedos de ambas as mãos. Eram homens que faziam o câmbio em plena rua, com o dinheiro na mão à espera de alguém precisando trocar dólares ou kwanzas. 40 A beleza natural A aproximação do centro de Luanda revelou uma cidade margeando uma linda baía, com prédios baixos, no padrão europeu, voltados para uma ilha que se estendia como um estreito em frente da cidade. É a Ilha do Cabo ou Ilha de Luanda que concentra bares e restaurantes, o clube náutico e as praias. E que se tinge de dourado quando o sol se põe defronte de Luanda. De perto os prédios, que eram sólidas construções, pareciam ter virado cortiços. Por toda a cidade se via que as antigas sacadas dos prédios coloniais, semelhantes às construções dos anos sessenta de Lisboa, foram fechadas com tijolos sem reboco ou com outro tipo de “puxados” para aumentar a área dos apartamentos. Essa prática multiplicada por toda Luanda – acrescida de roupas penduradas pelas fachadas, ao estilo português - conferia um estranho aspecto à cidade. Parecia degradada para quem a via pela primeira vez. Fotografia 15 – Restos do passado Certo dia o motorista local da FAO percebeu a forma como eu observava a cidade à minha volta, em uma das inúmeras vezes em que me apanhou no Hotel 41 Presidente para me levar ao escritório da organização em Luanda. Silva (2007) falou: - nós sofremos muito aqui com a guerra. A cada ano que passava sabíamos que se aproximava a nossa vez de ter que ir lutar. E nos lembrávamos de nossos amigos que tinham ido e morrido. A cada ano uma leva de conhecidos que ia para a guerra não voltava (informação verbal).8 O coordenador local do projeto Fernandes (2007) contou que, em meio à guerra e sem alimentos, a população recebeu do governo três porcos por família. Em Luanda eles eram criados também dentro dos apartamentos, como fez o seu irmão que não vivia em uma casa. Naquela altura até a Palanca Negra Gigante, um dos mais belos antílopes do mundo, animal símbolo do país e existente unicamente em Angola, já havia sido praticamente exterminado pelo povo faminto (informação verbal) 9 no interior, onde se desenrolava a guerra. Em meio aos prédios desfigurados da antiga cidade colonial cresciam como do nada, estruturas de enormes construções de cerca de 20 andares. Algumas obras ainda no início, com o esqueleto já quase concluído, ladeadas pelos enormes guindastes amarelos, altos como o prédio que surgia. Outras, já em fase de acabamento, eram moderníssimos prédios espelhados, que pareciam terem sido transplantados da Avenida Paulista. Empreiteiras internacionais – brasileiras e chinesas – para cumprirem seus cronogramas iniciais levavam para Angola os operários da construção civil, além dos engenheiros, arquitetos e paisagistas. Os administradores estrangeiros afirmavam que os angolanos não tinham comprometimento com o trabalho, faltando demais. E, que, para respeitar a data de entrega da obra era preciso importar também os pedreiros, serralheiros, pintores, eletricistas, encanadores, azulejistas, marceneiros, vidraceiros, escavadores... Assim o que poderia ser oportunidade de trabalho para os angolanos ficava para os estrangeiros pela falta de formação do povo. Elevador panorâmico e indignação local O fornecimento de luz em Luanda pressupunha energia 24 horas por dia. Uma vantagem dos habitantes da capital do país. Na província de Huíla localiza-se o 8 9 Informação fornecida por Vitorino, em Luanda, em 2007. Informação fornecida por Fernandes, em Luanda, em 2007. 42 município do Lubango que era uma das regiões de desenvolvimento do projeto Terra. Lá só havia fornecimento de luz por seis horas ao dia, em rodízio. Isto há trinta anos. A União Europeia era a patrocinadora do projeto e foi necessário fazer a apresentação de meu relatório de missão em Angola ao coordenador de segurança alimentar da organização no país. Destoando da falta de reparos de todos os prédios vistos até então, a sede da União Europeia que era um pequeno edifício de cinco andares, que havia sido bem reformado e possuía uma estrutura contemporânea. Além de mim, participaram da reunião o diretor do projeto da FAO Roma, o Representante da FAO em Angola, o coordenador internacional do projeto no país e o consultor angolano que o coordenava localmente. Na saída desci pelo elevador, enquanto os demais pela escada. Faltou luz e fiquei trancada com o consultor local no pequeno elevador, felizmente panorâmico, de onde se avistava a baía de Luanda e a Ilha do Cabo. Fomos baixados à força por dois angolanos que levaram quase uma hora puxando cabos. Ao chegarmos na Land Rover branca com o símbolo azul da ONU na porta, onde os demais nos esperavam acomodados, o Representante me disse que sempre faltava luz. E, portanto, não era recomendável entrar em elevadores. Nesse momento o coordenador internacional disse: - isso é Angola. A que eu respondi: – não, isso é o elevador. O motorista local que nos apanhava no hotel todos os dias e nos transportava calado, a menos que fosse consultado, nesse momento e para meu espanto disse inflamado: - é, isso é o elevador. Não Angola. Percebi naquele momento que muitas vezes comentávamos sobre o projeto e sobre a vida no país. E que, possivelmente, as impressões do olhar estrangeiro não lhe soavam bem. Uma das críticas frequentes das lideranças locais aos consultores internacionais de ajuda humanitária é a de que chegavam com uma estratégia exógena para ser implantada no país, inflacionavam os preços devido aos seus altos salários para os padrões locais, movimentavam-se em suas Land Rover brancas e, ao final de três anos iam embora nem sempre deixando soluções duradouras. Essa crítica foi repetida por Xanana Gusmão a Sérgio Vieira de Melo. O líder timorense reclamou que a ONU vinha distribuindo ajuda humanitária sem suficiente consulta local. Acrescentou saber das boas intenções da organização, mas lembrou que a ONU em sua missão no Camboja gastou milhões e, depois, ao ir embora, deixou um 43 vácuo atrás dela que foi preenchido pelo caos. (Power, 2009, p.33). Gusmão pediu que Vieira de Melo prometesse não repetir o Camboja. E não repetir significaria criar estruturas governamentais funcionais que fizessem uma diferença concreta e duradoura para os cidadãos.10 Essa mesma preocupação existia em Angola, pois era primordial que ao final do projeto os resultados fossem importantes também para a população. E isso significaria que os certificados de posse em mãos das pessoas em áreas rurais significassem o empoderamento, a possibilidade de acesso ao crédito para custeio do plantio e surgimento do sustento familiar. Fotografia 16 - Brinquedo 10 Ibidem 44 Conceitos revisitados Alguns conceitos abordados passam a ser agora preliminarmente descritos e ressalto que serão aprofundados no corpo da tese. Os projetos realizados por Organizações Internacionais (OIs) e Organizações não Governamentais (ONGs) com o objetivo de viabilizarem negociações aportando força política, know-how técnico e recursos para reverter quadros de fome, violência, exclusão, discriminação, bem como para minimizar efeitos de crises humanitárias são denominados Ajuda Humanitária. Ocorrem após catástrofes naturais ou provocadas pelo homem como nos conflitos bélicos e vêm apresentando efeitos cada vez mais devastadores por inúmeros fatores: mudança da natureza dos conflitos, alterações climáticas, disputa por recursos energéticos e naturais, pobreza extrema e má governação. Essas são situações afetam diretamente as populações civis, especialmente as pessoas mais pobres e vulneráveis de países não desenvolvidos e resultam, de acordo com o Instituto Português do Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), no surgimento de imensas populações de refugiados ou de deslocados internamente para outras regiões em seus próprios países. A ajuda humanitária se desenvolve em dois momentos distintos: (i) a fase da emergência imediatamente após o fim do conflito ou da catástrofe; (ii) a fase de desenvolvimento, quando terminam as ações de emergência e uma nova proposta é adotada para que sejam atingidas metas de promoção da retomada do desenvolvimento socioeconômico. Os projetos de emergência ocorrem na fase subsequente à ocorrência de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem, em articulação direta dos organismos nacionais e internacionais da área específica da ajuda para viabilizar estratégias de logística, de alimentação, de reconstrução, etc. As atividades de emergência num contexto de guerra podem ser, por exemplo: (i) montagem de campo de refugiados, (ii) envio de médicos, (iii) envio e distribuição de comida e água, (iv) envio de remédios, (v) colocação de quadros de pessoal para distribuição. Especificamente a emergência ocorre ao final de guerras, situação que é o foco desta tese, ou após eventos naturais. Nessa categoria o caso mais emblemático 45 para as Organizações Internacionais, em um passado recente, foi o Tsunami11 na Tailândia. Isso pela violência e alcance da devastação que resultou em enorme envolvimento da comunidade internacional. Quando conceitos se tornam realidade As guerras surgem sistematicamente nos quatro cantos do mundo e só no continente africano a devastação provocada pelo homem atingiu Angola, Moçambique, Serra Leoa, Libéria, Sudão para citar alguns países envolvidos em conflitos recentes. O Egito, a Tunísia, são casos de conflitos que eclodiram em 2011 e que rapidamente foram superados, com a renúncia de seus ditadores pressionados pelo povo e pela comunidade internacional. O reinado do Bahrein, neste momento, tenta romper o ciclo de revolta que chegou dos países vizinhos e se fortalece com a presença do exército da Arábia Saudita. O Iêmen também enfrenta revoltas, como a Síria. A Líbia decidiu fazer jogo duro bombardeando os revoltosos. Como resultado seguiu-se a aprovação das Nações Unidas e o bombardeamento iniciado pela França em 19 de março. Desta vez, ao contrário do que ocorreu no Iraque, as grandes potências não tomaram atitude alguma antes do referendum do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Depois que os Estados Unidos - com o apoio da Grã-Bretanha - abriram a Caixa de Pandora na guerra não autorizada pela comunidade internacional contra o Iraque, os poderosos ficaram mais cautelosos. Aquela guerra começou para ser “rápida” e após uma sucessão de equívocos, denunciados no seu transcorrer, até hoje os americanos não sabem como pôr um final. Nesta foi formada um coalizão de países que será liderada pela OTAN, com o desinteresse americano de liderar o conflito mais uma vez. Adotando uma atitude 11 E mais uma vez um tsunami. Desta vez , varreu o Japão no início de março de 2011. Frente a um mundo atônito que logo se mobilizou para a ajuda humanitária de emergência após a desgraça. Esse certamente terá efeitos muito mais devastadores que seu predecessor. O tsunami foi seguido do maior terremoto registrado no Japão em todos os tempos, acompanhado de contínuos sismos de menor intensidade. O tremor da terra acentuou a devastação da água que varreu o norte do país. Desta vez, ao sinistro da natureza se agregam incêndios e vazamento nos reatores da usina de Fukushima, com perigo real de contaminação do meio ambiente por radiação nuclear. Além de evacuar cidades inteiras em um raio de 30 km da usina, o acidente está motivando uma reavaliação de programas nucleares por governos em todo o mundo. 46 diferenciada em relação à era Bush, Obama anunciou do Brasil que aderia a uma “ação militar limitada” na Líbia como apoio à decisão da coalizão.. “O governo Líbio ignorou os avisos de cessar fogo da ONU e manteve os bombardeios. Manteve o ataque à sua própria gente. Atacar não foi a primeira solução e Kadafi teve a chance de parar de atacar o seu povo. As vezes é preciso tomar medidas penosas para proteger civis” discursou Barak Obama, neste 20 de março. Numa situação de conflito é necessário garantir socorro e proteção aos civis. Pregava a abordagem clássica que nesse momento deve haver imparcialidade para que haja igualdade na assistência. Ao final dos conflitos torna-se necessária a ajuda para a reconstrução ou, muitas vezes, criação, das estruturas. Por definição a ajuda de Emergência caracteriza-se por intervenções de curta duração. Os projetos que têm financiamento da União Europeia (UE) para a reconstrução, por exemplo, recebem subsídios por apenas seis meses. A Organização tem por objetivo assegurar que a população beneficiada faça frente à situação quando cessar a ajuda humanitária, podendo ter alternativas de ajuda ao desenvolvimento no longo prazo. Isto por ser grande o risco de não haver recursos que substituam a ajuda quando esta acaba. A reconstrução ao final da guerra muitas vezes deverá ser nos aspectos físico, econômico, político e social como foi o caso do Timor Leste. O país foi totalmente devastado durante a saída das forças da Indonésia que ocupavam o seu território e que implantaram a política de “terra arrasada”, comum ao final de conflitos. O resultado foi três quartos de todas as propriedades do país queimadas ou destruídas. A ação teve início uma hora após 78,5% dos timorenses terem decidido por sua independência em 4 de setembro de 1999, data declarada pelo líder da independência timorense Xanana Gusmão, como o “dia da libertação nacional. (POWER, 2008, p.314). Os projetos de ajuda humanitária em situações como a do Timor Leste buscam também restaurar a cidadania que é um construto moral, político e jurídico ambivalente, presente nas sociedades complexas e abertas. Nessas, o dilema entre indivíduo e sociedade é solucionado por meio de esferas públicas, que respeitam o mundo comum, reduzindo as influências do privado e referendando a igualdade como conquista política e jurídica. 47 A ideia da cidadania como um direito universal tem sido reforçada pela crença de ser um valor democrático, universal e baseado no princípio dos direitos humanos. O sucesso como projeto histórico decorre da convergência das lutas pelo reconhecimento, pela dignidade, pela participação e representação livres e igualitárias e pelo usufruto comum de direitos cívicos, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais das sociedades. A construção da cidadania exige o reconhecimento e o respeito à identidade, à cultura, à liberdade de credo e aos direitos políticos. (HESPANHA et al, 2009). Cidadania é ainda um construto moral, político e jurídico ambivalente que aparece em sociedades históricas complexas e abertas, nas quais o dilema entre indivíduo e sociedade é equacionado mediante o surgimento de esferas públicas que valorizam o “mundo comum”. Na modernidade tais esferas reduzem as influências do privado e realçam a importância da igualdade como conquista política e jurídica sendo a propriedade individual relativizada pela propriedade social. No plano moral, o valor primordial para a cidadania é a igualdade social, significando privilegiar o todo social, a vontade coletiva, a obrigação moral supra-individual e o predomínio da sociedade. (MARTINS, 2009; HESPANHA et al, 2009). Portanto, podemos entender cidadania como o respeito à diversidade humana que representa o tesouro da unidade humana que, por sua vez, constitui-se o tesouro da diversidade humana (MORIN, 1997). É necessário reencontrar e realizar a unidade humana na manifestação de sua diversidade para respeitar o direito à cidadania. É preciso reencontrar e cumprir a unidade humana na manifestação das diversidades, salvar singularidades e diversidades ao mesmo tempo em que seja instituído um tecido comum. Assim como é necessário que seja estabelecida uma comunicação viva e permanente entre passado, presente e futuro, essa deverá permear as singularidades culturais, étnicas, nacionais e o universo concreto de uma Terra-pátria para todos, reforça Morin. Entende o sociólogo que um dos grandes desafios deste século será: “regenerar as cidadanias locais e gerar uma cidadania planetária, ligar as nossas diversas pátrias no seio da Terra-pátria. Ainda não é possível regenerar uma vida democrática local, regional, à escala das cidades, nem gerar uma democracia para além do quadro nacional. (...) Civilizar a terra, solidarizar, confederar a humanidade no respeito pelas culturas e pelas pátrias, transformar a espécie humana em humanidade torna-se 48 assim o objetivo fundamental e global de toda a política que aspire ao progresso e à sobrevivência da humanidade” (MORIN,1997, p.34). A cidadania pressupõe deveres para com o interesse comum, que se traduzem em cooperação e responsabilidades. A igualdade de obrigações e de benesses em sociedade e os direitos e deveres perante a lei. Muitas vezes essas aspirações não são respeitadas gerando disputas que precisam ser mediadas para que impasses e interesses antagônicos possam ser superados. A Comunidade Internacional - grupo de países pertencentes às Nações Unidas e que de forma conjunta toma decisões a respeito de ações que afetam outros países – deve manter a ordem internacional interferindo em conflitos para mediá-los e para fornecer ajuda para minimizar as suas conseqüências com o trabalho realizado por suas agências. Existe uma distinção entre a comunidade internacional “oficial”, identificada como a Organização das Nações Unidas, e a comunidade “real” que é a composta pelas grandes potências mundiais e pelas empresas multinacionais. A comunidade internacional “real”, movida por seus imensos interesses econômicos, tem feito valer seu poder de influência nas decisões da ONU. Esse poder paralelo se fez presente em relação à Angola, em virtude de seus enormes recursos naturais. MESSIANT12 (2004 apud PUREZA et al, 2007, p. 13). A indústria do petróleo e a extração de diamantes posicionam Angola entre os maiores produtores mundiais. A receita derivada do petróleo significa 85% das reservas e dos diamantes 5% (CIA, 2010). Essa riqueza motiva a que interesses econômicos se sobreponham aos interesses humanitários e interesses sociais pelos players internacionais, que junto aos países hegemônicos formam a comunidade internacional “real”. Em uma sociedade destroçada por décadas seguidas de guerra e em paz apenas a partir de 2002, projetos de ajuda humanitária de desenvolvimento surgem no final da fase da ajuda de emergência. O direito à cidadania é uma construção que pode ser ampliada com a adoção da Comunicação para o Desenvolvimento que é um processo social, baseado no diálogo, que utiliza uma ampla gama de ferramentas e métodos com o objetivo de 12 Messiant, Christine. 2004. “As causas do fracasso de Biecesse e Lusaka:uma análise crítica. Da paz militar à justiça social? O processo de paz angolana.” ACCORD,n.15, Londres, 16-23. 49 partilhar conhecimento e competências. Visa construir políticas e promover debates que resultem em mudança significativa e sustentada em direção ao desenvolvimento e ao bem comum (ONU, 2006, p.9). Uma estratégia de desenvolvimento que aplica o enfoque da comunicação pode revelar as atitudes silenciosas das pessoas e sua sabedoria tradicional, ao mesmo tempo em que as ajuda a adaptarem suas perspectivas, adquirir novos conhecimentos e habilidades e propagar, de forma massiva, novas mensagens com conteúdo social para públicos mais amplos. (FRASER; VILLET 1994). O intercâmbio de ideias mais intenso entre todos os setores da sociedade, possibilitado pela comunicação, resultará em uma maior participação da população em uma causa comum. Participação essa que é requisito fundamental para o desenvolvimento sustentável como assinalaram os especialistas em comunicação FAO, organização que foi a criadora do conceito e introdutora da sua prática já no início dos anos 80. Os projetos que pretendem conduzir uma sociedade à solução de problemas políticos e socioeconômicos decorrentes de conflitos poderão ter diferentes enfoques, mas visarão ao desenvolvimento. Inicialmente o termo desenvolvimento foi usado em meados do século XIX para designar uma sociedade em evolução, tendo nessa noção o conceito implícito de um desenvolvimento que fosse progressivo. A denominação desenvolvimento relativa aos processos de uma economia industrial e comercial passa a ser usual no século XX. O conceito traz em si, entretanto, a ideia de seu contrário: o não desenvolvido. A mudança mais significativa ocorre, após 1945, com a conotação de subdesenvolvido, termo ao qual se associava a ideia de terras em que os recursos naturais se desenvolveram ou foram explorados de modo insuficiente; e de economias e sociedades destinadas a atravessar “etapas de desenvolvimento”, de acordo com um modelo conhecido. Ao mesmo tempo incluía a concepção de sociedades pobres, coloniais ou ex-coloniais e lugares nos quais as idéias já estabelecidas de desenvolvimento deveriam ser aplicadas. Mais ainda, a de economias e sociedades fadadas a atravessar etapas de desenvolvimento previsíveis, de acordo com um modelo consagrado. O termo adquiriu uma designação mais branda: em desenvolvimento ou em processo de desenvolvimento (WILIAMS, 2007). 50 O desenvolvimento pode alternativamente ser entendido como o processo de ampliação das liberdades individuais, ou seja, das liberdades humanas, pressuposto esse que contrasta desenvolvimento com com as índices perspectivas de restritivas crescimento, de que identificam industrialização ou o de modernização. O papel instrumental da liberdade diz respeito ao modo como os diferentes tipos de direitos, oportunidades e habilitações, contribuem para o alargamento da liberdade humana em geral, promovendo assim o desenvolvimento (Sen, 2003). Esse constituirá o foco de Desenvolvimento prioritário nesta tese. Entendo que desenvolvimento deva ser holístico visando, em primeiro lugar, o crescimento do ser humano. E que esse crescimento possa concretizar uma sociedade sustentável, pautada pelos princípios básicos da sustentabilidade ecológica, econômica, social e política. Uma Sociedade Sustentável deverá definir seus padrões de acordo com as tradições culturais, parâmetros próprios, composição étnica e em estrito respeito às conquistas universais consolidadas na Declaração dos Direitos Humanos. Sociedade Sustentável passa a ser um conceito mais apropriado do que o de Desenvolvimento Sustentável à medida que possibilita a cada sociedade definir seus padrões de produção e consumo (DIEGUES, 1992). E também decidir o que é bemestar a partir de sua própria cultura, de seu desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural. Portanto, a crença na primazia do padrão das sociedades industrializadas é substituída pela possibilidade de existência de uma diversidade de sociedades sustentáveis. Essas, pautadas pelos princípios básicos da sustentabilidade , já descritos. A sociedade sustentável apresenta-se como uma das utopias para o século XXI. Tem o objetivo de conquistar opções econômicas e tecnológicas que visem principalmente ao “desenvolvimento harmonioso das pessoas” e de suas relações com o conjunto do mundo natural (DIEGUES, 1992). Na sociedade sustentável ou sociedade de transformação as pessoas serão “sujeito” e não “objeto” do desenvolvimento. E o desenvolvimento de uma consciência crítica permitirá ao homem transformar a realidade, responder aos desafios do mundo e fazer história pela sua própria atividade criadora (FREIRE, 2006). O desenvolvimento equitativo e harmonioso com a natureza deve ser tratado como primazia na pauta internacional. E, é claro, pressupõe a ampliação em todos os níveis do conceito de democracia 51 participativa, e que uma superação do abismo entre o Norte e o Sul se transmute em cooperação significativa (SACHS, 1993). Para que o mundo seja o lugar de acolhimento de todos os povos, alguns conceitos devem ser revisitados. A recuperação da natureza somente se dará à medida que a solidariedade for exercida entre todas as espécies vivas. Conceitos recorrentes como sustentabilidade, responsabilidade e esperança deverão ser idéias que guiarão a regeneração planetária. E apontarão para um caminho norteador que possibilitará que o equilíbrio da terra chegue às futuras gerações. Para um mundo sustentável precisará ser alterado seu o eixo, hoje prioritário, do crescimento econômico e dominação da natureza para o bem-estar comum da sociedade planetária. Necessitamos de um modelo cultural que garanta a continuidade e a preservação das espécies vivas. “Em outras palavras, razão, determinação, repetição e objetividade não sobrevivem sem sensibilidade, incerteza, criatividade e subjetividade. No cotidiano, exercitamos simultaneamente multiplicidades, objetivação e subjetivação. Ambas têm a ver com a preservação da Terra-pátria”. (De ASSIS CARVALHO, 2010, p.108). O princípio de que necessitamos conservar a vida da Terra e, portanto, a vida das espécies incluindo a humana, deverá ser adotado por organismos internacionais, instituições públicas e privadas empenhadas e emprenhadas pelo espírito da harmonia planetária, e pelas nações e seus cidadãos. A responsabilidade e o empenho com o respeito simultâneo para com a diversidade e a unidade dos processos civilizatórios devem como cunhou Hans Jonas, se constituir em patrimônios histórico-culturais a serem preservados a qualquer custo. E que se traduzem na salvaguarda do equilíbrio dos sistemas naturais e a fraternidade entre todos os povos e culturas (De ASSIS CARVALHO, 2010). Equilíbrio dos sistemas naturais, a fraternidade de todos os povos e culturas resultará na consolidação das Sociedades Sustentáveis. Outro conceito apropriado a esse estudo é o de Desenvolvimento Humano, definido pela ONU como “processo que amplia as liberdades das pessoas e das comunidades e lhes oferece diversas alternativas para que com base nelas selecionem e alcancem, segundo suas capacidades e valores, vidas plenas e criativas”. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) especifica ser o desenvolvimento o processo por meio do qual as oportunidades dos 52 indivíduos são ampliadas, sendo as mais importantes uma vida prolongada e saudável, o acesso à educação e a fruição de um nível de vida decente. Outras oportunidades incluem a liberdade política, a garantia dos direitos humanos e o respeito próprio. Nessa visão o ser humano é a meta do desenvolvimento e não o seu “meio”. Para o PNUD, o propósito do crescimento econômico deve ser a melhoria da vida humana que será alcançado com os avanços no crescimento econômico, isso para que os progressos no desenvolvimento humano sejam realizáveis e sustentáveis. Existem Estados em que a liberdade política, a garantia dos direitos humanos e o próprio desenvolvimento humano com tudo o que ele representa – direito à paz, não violência, educação, a habitação, a saúde, a segurança alimentar, a livre expressão - não são respeitados. São denominados Estados Frágeis, Falhados e em Colapso (EFFC) conceito que surge com o final da guerra fria quando os “novos conflitos” ou intraestatais – pré-existentes, mas dissimulados pela Guerra Fria – passam a ser conhecidos e alvo de intervenção de atores internacionais como jornalistas, consultores, investigadores, etc. De acordo com Pureza (2005) a necessidade de reforma dos EFFC é disseminada como resposta aos conflitos armados intraestatais e aos efeitos sobre a população civil e países vizinhos. Os conflitos internos e erosão das estruturas estatais têm dominado o panorama internacional contemporâneo resultando em 90% de vítimas civis e 40 milhões de pessoas deslocadas em guerras que elegeram a população civil como objetivo militar dos combatentes, o que resultou em um aumento de refugiados e deslocados internos extraordinário. As características dos EFFC de acordo com (HEDLEY BULL, 1995) são: (i) não assegurarem o mínimo de condições de civilidade internamente, (ii) apresentarem colapso da autoridade central, (iii) haver altas taxas de corrupção, (iv) ocorrer perda do controle territorial, (v) possuírem baixa capacidade administrativa e burocrática, instabilidade política, (vi) existir conflito armado, políticas repressivas e regimes autoritários. Nesse cenário não existem mais os direitos inerentes à sociedade civil. Em alguns EFFC o conflito armado é uma situação de conflito declarado, que está estabelecido. Entretanto, há que revelar a existência dos EFFC em que o conflito 53 latente e cotidiano com confrontos armados resulta em número de mortos superior ao de guerras convencionais. Nesses, a autoridade do Estado não é respeitada e são estabelecidas forças paralelas permanentemente em confronto com a ordem estabelecida, colocado em risco a vida da população civil num embate denominado como as Novas Guerras (PUREZA, 2005). Nesse cenário também não são mais respeitados os direitos inerentes à sociedade civil. O conceito sociedade civil tem sido objeto das mais diversas elaborações teóricas, incorporando diferentes sentidos, bem como de múltiplas interpretações no continente africano. Do ponto de vista operacional a questão fica complexa quando se estabelece os elementos representativos desta construção chamada sociedade civil. Três setores são particularmente sensíveis ao que concerne à definição de sociedade civil: o setor privado, as confissões religiosas e as formas de organização derivadas do parentesco e da proximidade com o social. Há o entendimento de que o setor privado não estaria de acordo com o princípio de caráter associativo porque seria mais conveniente falar de “alianças estratégicas”. Por outro lado, o setor privado se situa no meio do caminho entre “a casa e o Estado” e é considerado, não mais como um instrumento útil, mas como um membro legítimo, sem o qual não pode haver desenvolvimento (GYIMAH-BOADI, 2001). A sociedade civil é uma construção que não se define por si própria, mas que se reconhece na diversidade de um conjunto que é mais que a simples soma de seus componentes: auto-organização, associação voluntária, ausência de fins lucrativos, defesa dos direitos dos cidadãos em face ao estado e ao mercado, reivindicação por uma visão comum da sociedade. E a busca é por negociação, diálogo, espaço de interação entre o Estado, o mercado e o povo que resulte na paz e no desenvolvimento humano e social (NEGRÃO, 2004). Para Gramschi, sociedade civil é o espaço público não estatal onde convivem os sujeitos com seus valores, sua cultura, relações políticas e suas dinâmicas associativas, assumindo diferentes identidades comunitárias (BOBBIO, 1982). A sociedade civil e as organizações que dela fazem parte, como as organizações comunitárias, as organizações religiosas, os sindicatos, as organizações de comunicação social, as associações do setor privado, as universidades, são os meios pelos quais as pessoas participam da vida política e social. As organizações 54 da sociedade civil podem reivindicar pelos seus representados, podem monitorar o poder público e podem avaliar as suas ações em relação à redução da pobreza. 1.2 Sociedades em reconstrução no pós-conflito. Guerras em Paz O final da guerra fria permitiu a instauração de tensões e instabilidades antes latentes que se traduziram no surgimento de um número crescente de conflitos armados por todo o mundo, antes abafados pelas antagônicas forças bipolares. Imediatamente após o êxito de negociações e o estabelecimento do cessar fogo pondo término ao conflito armado, tem início a ação da comunidade internacional para a reconstrução. Ao final dos conflitos, caos e destruição é o que resta para as populações civis, agora o alvo prioritário das chamadas novas guerras. Rafael (2001) salienta o fato de que à destruição das instituições políticas, econômicas, sociais e culturais é adicionada a destruição moral e psicológica das sociedades pós- guerra. Fotografia 17 - Brinquedos de guerra 55 Os desafios do pós-guerra são maiores que os da época do conflito, pois será preciso refazer estruturas do país em um momento em que as diferenças ainda não foram superadas. Isto porque o final do conflito armado não significa o fim da mentalidade de guerra na população. Só após a resolução dos problemas que levaram ao conflito será possível reconstruir. Ou seja: construir junto. Esse processo deverá contemplar um plano de reabilitação com: (i) uma avaliação rápida dos danos causados pelo conflito, necessidades imediatas, recursos necessários e disponíveis para a reconstrução; (ii) uma análise das reformas que devem ser introduzidas para promover o desenvolvimento; (iii) formulação setorial de projetos; (iv) a elaboração de um documento discutido e aprovado por doadores e governo; (v) organização de uma conferência internacional para apresentação à comunidade doadora para obter o financiamento. (RAFAEL, 2001). A reconstrução no pós-conflito é um processo que exige a restauração de forma simultânea das estruturas políticas, econômicas e sociais. Os elementos fundamentais a serem implementados são a consolidação da paz por acordo entre as partes, e um consenso real entre os ex-beligerantes para viabilizar o processo de reabilitação. Na seqüência, será preciso desmobilizar e integrar os antigos combatentes à vida econômica e social do país, sendo a desmilitarização da sociedade uma tarefa bastante complexa. Há vários aspectos fundamentais para que seja retomada a vida na sociedade em reconstrução. Um ponto importante é a reforma do setor de segurança com a criação de uma nova força policial sob controle civil e capacitada para o respeito aos direitos humanos. Deverá ser composta parcialmente por soldados de ambas as facções do conflito. (PARIS, 2005). A reabilitação política e institucional é tida como o elemento mais desafiador na reconstrução, pois uma autoridade política reconhecida por todos é que poderá promover a reabilitação econômica e social. Uma ação fundamental na reconstrução da paz são as eleições, que consolidarão a legitimidade nacional e internacional de governos e instituições responsáveis pela reconstrução. 56 Foto 18 - Futuro incerto 13 O principal objetivo no processo será construir um novo sistema político de ampla representatividade que garanta um governo responsável, tendo como base o pluralismo e o respeito aos direitos humanos. A reforma judicial, por sua vez, garantirá a resolução dos maiores problemas herdados dos conflitos: questões de propriedade da terra e de bens se constituem a maior dificuldade a ser resolvida pelos refugiados e deslocados internos ao regressarem para suas casas. Do mesmo modo, a reconstrução da economia e das infraestruturas danificadas são um enorme desafio e uma das maiores tarefas a serem vencidas para garantir o restabelecimento dos processos produtivos. Assim, a reabilitação das infraestruturas materiais e de comunicação é uma das tarefas imediatas após o conflito para que o país possa voltar à normalidade. É de fundamental relevância o restabelecimento dos circuitos comerciais para que a produção agrícola e a industrial sejam escoadas e se reflitam em possibilidade de segurança alimentar. Outro ponto fundamental é a revitalização dos serviços básicos como os sistemas sanitário, educativo e de saúde. A reabilitação social inclui um duplo desafio: resolver os problemas sociais imediatos derivados do conflito e fazer com que a vida retome a normalidade na sociedade, com a possibilidade de geração de renda para a população. Em Angola, 13 O outdoor mostra um closed do presidente José Eduardo dos Santos - um Mbundu educado na União Soviética que foi primeiro ministro e ministro do planejamento na época da reorganização do país após 1978 - e que está no poder desde 1979. Eleições 2009. 57 por exemplo, 80% da economia é informal. As mulheres desenvolveram uma rede paralela de comércio pela necessidade de garantir o seu sustento e o de suas crianças, enquanto os homens estavam na guerra. Essas vendedoras existem às centenas nas ruas de Luanda e são chamadas de zungueiras. Elas comercializam todo o tipo de produtos que são carregados sobre a cabeça, num raro equilíbrio. Fotografia 19 - Vendedora de galinhas Fotografia 20 – Vendedora de peixe seco Pude ver nas ruas de Luanda as zungueiras vendendo frutas, peixes, galinhas, roupas, produtos em cestos ou caixas que eram levados sobre a cabeça. Uma, em especial, me chamou a atenção. Alta e magra, como as etíopes, transitava com uma pilha de cerca de 20 livros, caminhando pelas calçadas esburacadas com a mesma elegância de uma modelo nas passarelas internacionais. 58 1.3 O pressuposto dos direitos Humanos O século XX evidenciou a condição de dependência do cidadão de seu Estado nacional e a identificação redutora da pessoa como cidadão/súdito do estado. Na verdade, como sublinha Pureza (1998, p.69) “a concepção de Estado-Povo-Território se desfez com as multidões de apátridas e de refugiados do primeiro pós-guerra, pessoas desprovidas de status civil e do direito a ter direitos que ficaram marginalizadas do sistema, exclusivamente interestatal, e fundado no princípio das nacionalidades”. Nos anos e nos conflitos que se seguiram, o fenômeno foi acentuado pela desintegração de alguns Estados, o recrudescimento dos conflitos inter-étnicos, conflitos armados internos e violações sistemáticas dos direitos humanos. A desigual e injusta repartição da riqueza e o desequilibrado crescimento demográfico estão provocando em todo o mundo – não apenas no mundo desenvolvido – um fluxo maciço de vítimas desses fenômenos como evidencia a Declaração de Sevilha sobre Refugiados e Solidariedade Internacional (FERNANDEZ SANCHEZ, 1994). Essa materialização da idéia de comunidade internacional no domínio dos direitos humanos exprime a emergência de um novo princípio constitucional do Direito Internacional, “o princípio da proteção internacional à dignidade humana que poderá se contrapor ao princípio constitucional da soberania dos Estados para com a comunidade internacional em seu conjunto”. (CARRILLO SALCEDO, 1995, p.29). 59 2 PROJETOS DE AJUDA HUMANITÁRIA 2.1 Origens e evolução Após o fim da Guerra-fria houve um acréscimo significativo das missões humanitárias no mundo, resultante do aumento do número de desastres naturais e, sobretudo, dos conflitos armados que estão diretamente relacionados com violações graves de direitos humanos, deslocamentos em massa e fome generalizada. Essa nova realidade aliada ao uso indiscriminado do termo “humanitário” induziu a uma confusão sobre o caráter e o objetivo real da Ação Humanitária. O próprio conceito “humanitário” seguiu a evolução do mundo e sofreu mudanças e interpretações significativas. Além disso, tem havido abuso no uso do termo que se tornou complexo e fragmentado sendo utilizado para inúmeras situações e servindo muitas vezes para objetivos e propósitos diversos (PUREZA, 2005). As ações humanitárias não são mais exclusivamente realizadas pelas tradicionais agências humanitárias como a Cruz Vermelha ou o ACNUR14, por princípio associadas ao trabalho humanitário. Muitas outras organizações, agências e ONGs passaram também a incluir objetivos humanitários em seus mandatos mesmo que não sejam exclusivamente dedicadas ao campo. Como agora um número maior de atores está envolvido os termos humanitário/humanitarismo passaram a ser usados indistintamente para fins “mágicos ou ilusórios” de acordo com as circunstâncias. Se resultarem em sucesso serão mágicos e festejados pela imprensa internacional e meios diplomáticos. Caso contrário, quando contrariam interesses políticos e estratégicos particulares serão considerados ilusórios. (PUREZA, 2005). O humanitarismo abrange uma série de atividades e princípios legais que visam restringir e limitar a violência e é caracterizado por uma base legal que compreende normas de direito internacional humanitário, direito internacional dos direitos humanos e direito dos refugiados para aplicação no contexto de conflitos armados internos e internacionais. 14 Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, agência em que Sergio Vieira de Melo iniciou sua carreira nas Nações Unidas, em 1969, chegando a diretor de Relações Externas. Em 1999 deixa o ACNUR e se transfere para Nova York para assumir o cargo de subsecretário geral para assuntos humanitários e coordenador de ajuda humanitária e emergência. (Power, 2008:16). 60 A área de atuação da assistência humanitária é especificamente a de cenários de guerra, mas também em situações em que a vida e a dignidade humana estejam em risco, como salienta Jorge Castilla. E proteção especificamente aos atores não toma parte diretamente nos conflitos - civis, refugiados, etc - para garantir a sua preservação em qualquer situação em que esteja em risco, sem interesses e considerações políticas, religiosas, étnicas ou de qualquer outro tipo. Na concepção clássica o humanitarismo não se referia apenas ao que é feito, mas também como é feito. A assistência humanitária não consiste apenas em aliviar o sofrimento, mas sobretudo fazê-lo de forma imparcial, independente e não discriminatória. Aliviar e prevenir o sofrimento humano sem qualquer tipo de distinções (PUREZA, 2005). O sistema humanitário tradicionalmente baseou-se em três pressupostos principais: (i) separação entre ajuda de emergência e desenvolvimento, (ii) reconhecimento e aceitação das limitações às operações impostas por soberanias nacionais, (iii) concepção da ajuda humanitária como neutra, imparcial e independente de objetivos políticos e militares. Apesar de provocar acordos e discórdias, desde a sua origem, a ação humanitária tem sido justificada e legitimada por alguns aspectos característicos como a defesa de uma série de valores e princípios éticos e por ter a visão do ser humano dissociado de ideologias políticas. Todavia, respostas ao tipo de conflitos surgidos nos anos 90, frequentemente confusas e mal concebidas, refletiram uma comunidade internacional preocupada em aliviar o sofrimento humano, porém, mal preparada, pouco habituada a enfrentar tais situações e partilhando interesses e prioridades diferentes. Pureza (2005) ressalta que isso resultou em situações de paralisia e respostas inadequadas da comunidade internacional em face de crises catastróficas. Consequentemente, a assistência humanitária passa a ser alvo de críticas e acusações sobre missões humanitárias que falharam como na Somália, Bósnia, Serra Leoa e Ruanda. O fracasso da missão de paz e a experiência dos boinas-azuis da ONU que acabaram como expectadores do genocídio em Ruanda em 1994, representou um golpe devastador para a reputação das Nações Unidas. Com o fim da guerra fria e o surgimento de uma nova ordem mundial no início dos anos 90 caracterizada por mudanças geopolíticas importantes, aumento do número de conflitos e crises humanitárias de diferente natureza e por uma derrocada das tradicionais diferenças entre combatentes e não combatentes, civis e militares, 61 ocorrem mudanças importantes quanto à visão tradicional do humanitarismo e da assistência humanitária (PUREZA, 2005). Apesar do Conselho de Segurança dos anos 1990 ter sido liberado para impor a paz e a segurança internacionais, as calamidades sucessivas deixaram claro que se os civis não fossem peões de uma macro disputa ideológica, como foi o caso da guerra-fria, a sua segurança não atrairia muita atenção. Ao invés de usar o Conselho de Segurança para criar e impor uma ordem global nova, as grandes potências se limitaram a enviar tropas de paz levemente armadas a situações de risco extremas que acabaram simplesmente como expectadoras de carnificinas. Esse contexto gerou resultados duplamente devastadores: (i) civis assassinados em massa. (ii) “a culpa recaiu sobre essas tropas de paz, e não sobre os políticos que as incumbiram daquilo que Vieira de Melo gostava de denominar uma missão impossível” (POWER, 2008,p.216). O novo humanitarismo Há uma ruptura com a assistência humanitária clássica e surge uma concepção nova e com uma dimensão política mais acentuada de humanitarismo, que ganha uma importância crescente e passa a ser adotada por governos doadores, agências multilaterais e muitas ONGs. O “novo humanitarismo” desafiaria o paradigma clássico considerando que devido às novas circunstâncias de conflito e pós-conflito, os objetivos tradicionais de salvar vidas e aliviar o sofrimento humano eram insuficientes e meramente paliativos. A assistência humanitária deveria ter objetivos de longo prazo como a construção da paz, a reconstrução pós-bélica, proteção dos direitos humanos e, numa última fase, a promoção do desenvolvimento, enfatiza Pureza (2005). Esse humanitarismo com conotação política foi percebido por Sérgio Vieira de Melo que passou por todas as modificações e crises que o humanitarismo sofreu ao longo de seus 34 anos de carreira nas Nações Unidas. Teve a oportunidade de servir como trabalhador humanitário na maioria dos conflitos ocorridos no mundo de 1969 a 2003, ano de sua morte no Iraque. Vieira de Melo dizia que os dirigentes da ONU deveriam aceitar o fato de que “as crises humanitárias são quase sempre 62 crises políticas, que a ação humanitária tem sempre consequências políticas, tanto perceptíveis como reais”. Já que todos os outros estão fazendo política com a ajuda humanitária, escreveu Vieira de Melo, “não podemos nos dar ao luxo de ser apolíticos” (POWER, 2008, p.247). O “novo humanitarismo” passa a ser orientado para a resolução de conflitos e reconstrução pós-bélica, desenvolvendo instrumentos para realizar as transformações necessárias perseguindo a diminuição da violência em contraponto às suas ações originais de assistência humanitária. Enquanto o humanitarismo clássico tendia a ignorar os contextos políticos e seus possíveis efeitos, a nova concepção se caracteriza, além de maior intencionalidade política, também por ações militares. E substituiu a orientação tradicional do envio de tropas da paz da ONU, representadas por contingentes de boinas-azuis sem poder para abrir fogo a menos que previamente alvejados (sic). “[...] Pela primeira vez em nossa história, é mais perigoso ser um trabalhador de ajuda humanitária desarmado do que um soldado armado em missão pacificadora” declarou premonitoriamente Sérgio Vieira de Melo (POWER, 2008, p. 262). Em uma ruptura radical com a tradição de respeito à soberania dos Estados no ano de 1991 o Conselho de Segurança da ONU exigiu que fosse concedido às organizações humanitárias internacionais acesso imediato a um país, o Iraque. A operação denominada Fornecer conforto, realizada por aviões norte-americanos, franceses e britânicos lançou dos ares alimentos aos curdos. Em seguida, houve o envio de tropas terrestres para criar e proteger campos de refugiados do Acnur15 ao norte do país Tal qual ocorreu em outros conflitos históricos como o que transformou em “áreas de segurança” Sarajevo, Gorazde e Srebrenica. Naquela ocasião a decisão que resultou da Resolução 836 do Conselho de Segurança da ONU, determinando as três áreas de segurança, passou e ser encarada por Sérgio Vieira de Melo como “uma peça de museu de comportamento político e militar irresponsável”16 pois entendia que ao forçarem os civis a permanecerem em sua miséria nas “áreas de segurança” os países ocidentais e as instituições internacionais expuseram “os 1515 Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha , a França e a Turquia foram os grandes protagonistas. Ao todo treze nações participaram da operação diretamente em uma Força-Tarefa Combinada, com apoio material viabilizado por trinta países. O Conselho de Segurança também declarou uma zona de interdição de voo para impedir Saddam Hussein de bombardear os civis reclusos nas montanhas (Power, 2008,p.592). 1616 Entrevista concedida por Sérgio Vieira de Melo, em novembro de 2002, ao jornalista Philip Gourevitch (Power, 2008). 63 limites de nossa consciência moral” (POWER, 2008,p.212). Ou, a falta dela. Um relatório da ONU que foi divulgado em 2000 documentava que quando uma das partes beligerantes de um conflito atacava, repetidamente, a população civil, dar um tratamento igual sistemático a todos os lados como pregava o humanitarismo clássico, significava “na melhor das hipóteses, resultar em ineficácia e, na pior delas, representar uma cumplicidade com o mal” (POWER, 2008, p. 216). Sob fogo cruzado A assistência humanitária deixa de ser orientada prioritariamente para responder ao sofrimento e necessidades das vítimas e passa antes a estimular processos mais políticos e sociais. A ajuda humanitária, dentro desse novo conceito de humanitarismo, é percebida como cada vez mais ligada a interesses políticos e de ter os objetivos da assistência inerentes ao grau de cooperação e obediência do governo que recebe a ajuda. Os tradicionais princípios de neutralidade, imparcialidade, independência e universalidade da assistência humanitária são alvos de críticas erodindo a noção de espaço humanitário autônomo, uma vez que passa a ser crescente a politização e militarização da ação humanitária (PÉREZ, 2002). O novo humanitarismo assume objetivos de longo prazo, desenvolvimentistas, associando assistência de emergência ao desenvolvimento, resolução de conflitos e reconstrução social. Essa ótica foi posta em prática quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas criou pela Resolução 127, a United Nations Transitional Administration in East Timor (UNTAET) para ser uma administração transitória no Timor Leste conferindo “toda a autoridade legislativa e executiva” a um administrador estrangeiro. Contrariamente aos princípios democráticos - e aos valores desenvolvidos em sua formação em Filosofia na Sorbonne, aprofundados em décadas de dedicação às Nações Unidas - nos quais os poderes deveriam ser separados e não centralizados em um homem só, Sergio Vieira de Melo foi nomeado o representante especial do secretário geral da ONU no país recém-liberto. O mandato lhe conferia poder para administração plena do território incluindo o exercício dos poderes legislativo, 64 executivo e judicial. Suas atribuições contemplavam a promoção da segurança, do Direito, da ordem, estabelecimento de uma administração efetiva, desenvolvimento dos serviços e estruturas civis e sociais, garantia da assistência humanitária, da reabilitação e da ajuda ao desenvolvimento. A ação tinha a finalidade de criar condições para o autogoverno e um desenvolvimento sustentado no médio e no longo prazo na feição do “Novo Humanitarismo” (PUREZA, 2007). O mandato incluiu ainda responsabilidades como supervisionar a redação da constituição, planejar eleições, facilitar o retorno dos refugiados, recriar as instituições, sistema bancário, funcionamento de escolas e definição da moeda a circular. O país que teve que ser reerguido em uma ação imediata com políticas que normalmente evoluíam no decorrer de centenas de anos decididas em meses. (POWER, 2008). 2.2 Contextualização da Emergência e do Desenvolvimento As intervenções de emergência e de desenvolvimento têm sido tradicionalmente diferentes em termos de objetivos, quadros, princípios éticos, planificação e gestão, procedimento de trabalho, relação doador/receptor, linhas de financiamento, relevância dos meios de comunicação, dentre outras. Essas diferenças dificultam a articulação entre ambas as formas de atuação. Na concepção tradicional existem três etapas diferenciadas na ajuda internacional: (i) ajuda humanitária de emergência é destinada a salvar vidas e aliviar o sofrimento a curto prazo em situações de desastre; que pode ser natural como o que está vivendo o Japão após tsunami, após terremoto e no desastre nuclear neste início de 2011 ainda em curso; ou causado por ataques de exércitos ou de insurgentes. E que neste tempo também está a ocorrer na Líbia aos nossos olhos e em tempo real. É um processo imediato que exige atuação rápida para o restabelecimento de serviços básicos, auxílio às vítimas e garantias das condições de sobrevivência. Por isso, não considera as necessidades de médio prazo, nem objetivos e critérios que normalmente são associados à cooperação para o desenvolvimento; (ii) realibilitação ou fase posterior ao desastre quando as intervenções são de curto e médio prazos e visam à reconstrução da estrutura 65 necessária; (iii) cooperação para o desenvolvimento, baseada em intervenções de longo prazo para melhorar de forma duradoura a vida das pessoas para cuja planificação e gestão são elaborados diferentes critérios e métodos, tais como a análise da realidade, participação comunitária, capacitação institucional, empowerment, etc. Os projetos de cooperação para o desenvolvimento devem promovê-lo baseados na consciência de que sua importância reside em apoiar líderes e processos para desenvolver a capacidade local. Sérgio Vieira de Melo, morto no Iraque em 2003, funcionário de carreira das Nações Unidas e um emblemático trabalhador de ajuda humanitária dizia que o mais importante era ser franco e honesto com os que se pretendesse ajudar. Assim seria possível ter chance verdadeira de êxito e de reconhecimento das realizações por parte dos rights holders. O reconhecimento por parte dos rights holders. constituir-se-ia no verdadeiramente importante. Mais importante que o reconhecimento da comunidade internacional, argumentava Vieira de Melo. Para alcançar os objetivos de apoio às capacidades locais e alavancar o desenvolvimento o mais relevante, acrescentava, era entender a história, o orgulho e os traumas de uma nação do que se informar sobre suas taxas de alfabetização ou perspectivas comerciais. (Power, 2008). O conceito de desenvolvimento como hoje é conhecido surgiu nos anos 50, quando as ações de emancipação social e econômica do chamado terceiro mundo conquistaram a sua legitimidade pela formulação das teorias da modernização. Entre o final dos anos 60 e o princípio dos 70, as teorias da dependência e do sistema-mundo surgem como alternativas às teorias de modernização. Nos anos 80 ocorreu a convergência de todas as teorias de desenvolvimento/subdesenvolvimento. As teorias de modernização que foram dominantes na escola de pensamento sobre o desenvolvimento até os anos 60 e atribuíam unicamente ao mercado a possibilidade de desenvolvimento, excluindo os componentes sociais. O mercado seria um mecanismo natural em obediência as leis bellum omnium contra omnes de Hobbes; da seleção dos melhores na esteira do darwinismo social e a do autoequilíbrio por meio da “mão invisível” imaginada por Adam Smith. (MORIN, 1997). As sociedades humanas passariam como nos organismos biológicos por fases de 66 nascimento, crescimento e decadência ao longo da vida. As sociedades ocidentais estariam no auge da civilização e as demais, consideradas atrasadas, deveriam atingir o mesmo topo (MILANDO, 2005). Após o declínio das teorias da modernização surgiram as teorias da dependência que estudaram o subdesenvolvimento e buscavam compreender o impacto dos fatores externos nas economias do terceiro mundo. Os teóricos da dependência enfatizavam a dicotomia centro-periferia afirmando que a causa do subdesenvolvimento dos países periféricos originava-se da articulação com os países desenvolvidos (centrais) baseada na exploração de seus recursos naturais e em termos de trocas desiguais. A solução apontada na época seria a diversificação das exportações e a aceleração da industrialização dos periféricos. A teoria da dependência incluía duas variantes: (i) a teoria do sistema-mundo que introduzia o termo “semiperiferia” para designar países que poderiam se situar entre a periferia e o centro e para enfatizar o fato de que os interesses das classes econômicas teriam um papel, em parte determinante, no desenvolvimento dos países no quadro do sistema-mundo; (ii) o estruturalismo que ressaltava a interconexão dos fatores estruturais internos e externos na explicação do subdesenvolvimento. Distinguia os fatores estruturais ou os que estabelecem a ligação entre determinado fenômeno e o meio social em que se insere dos conjunturais, ou aqueles fatos sociais considerados passageiros ou contingentes. O conceito de desenvolvimento não permite uma definição precisa e livre de arbitrariedades, pois interpretações serão decorrentes de estatuto, posição social, organização de filiação e sistema de valores de cada entidade singular ou coletiva. (Milando, 2005). O desenvolvimento representa coisas diferentes para pessoas diferentes e tem inúmeras referências ideológicas que podem se manifestar sob forma da fé, da ciência ou de ambas. Os conceitos alternativos ao desenvolvimento “outro desenvolvimento”, “antidesenvolvimento” e “progresso” são definições baseadas em uma visão eurocentrista e em valores ocidentais que carregam o significado, em última análise, que o homem pode manipular racionalmente os recursos materiais e não materiais para que a sociedade evolua economicamente. Com uma conotação ocidental de progresso alcançado pelo planejamento racional do devir social, com a sua utopia, valores humanitários e crença nas promessas da ciência, o conceito de desenvolvimento é complexo e controverso 67 (Hall,1998). Alguns autores o equiparam ao crescimento econômico, ao aumento da produtividade, ao progresso tecnológico e à industrialização, criticando a inclusão de fatores não econômicos. A crítica a essa perspectiva centra-se no fato de considerar a base econômica como o centro da atividade humana e o principal suporte ao desenvolvimento, levou a uma visão tecnicista atualmente dominante. O desenvolvimento baseado no capital econômico, no entanto, tem contribuído para a melhoria das condições materiais de poucas pessoas e não da maioria das pessoas como seria o esperado. Essa visão reduz o desenvolvimento à mera produção de riquezas materiais. A ênfase nos padrões de vida com a redução da pobreza, distribuição equitativa de rendimentos, baixa mortalidade infantil, aumento da esperança de vida, acesso à educação, ao emprego e à habitação compõem também o foco de desenvolvimento. Desta forma, ele é um estado de bem-estar social ao alcance de todos e no qual a maioria desfruta das condições essenciais de vida estando relativamente livre de doenças, do analfabetismo, insegurança, exploração e opressão (MIDGLEY,1998). Existe ainda uma concepção de desenvolvimento que considera os fatores materiais enfatizando, porém, o potencial e as capacidades do indivíduo e sua interação com os grupos sociais. Nesse ponto de vista, o desenvolvimento passa a ser o processo de multiplicação das capacidades humanas e de promoção de um funcionamento harmonioso das instituições e organizações sociais. O fundamental nessa concepção é a ideia de que os seres humanos nascem com capacidades potenciais, sendo objetivo de desenvolvimento criar um ambiente no qual seja possível a afirmação e a ampliação de oportunidades. Nessa conceituação o desenvolvimento será resultado de escolhas disponíveis aos indivíduos e às sociedades. (MILANDO, 2005). Desenvolvimento holístico Com a incorporação de dimensões sociais e humanas ao conceito de desenvolvimento foi definida, em 1990, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) outra conceituação. Surge o Desenvolvimento Humano entendido como 68 “o processo através do qual as oportunidades dos indivíduos são ampliadas sendo as mais importantes uma vida prolongada e saudável, o acesso à educação, a fruição e um nível de vida decente. Outras oportunidades incluem a liberdade política, a garantia dos direitos humanos e o respeito por si mesmos. Estas oportunidades podem ser infinitas e alterar-se com o tempo” PNDU (1990). A partir deste novo entendimento fica clara a noção antes subjacente de que o ser humano deveria ser o “fim” do desenvolvimento, ao invés do “meio” que normalmente representa. E dessa vez não mais como um objeto e sim como sujeito de sua história (FREIRE, 1979)17. A construção de uma consciência crítica sobre o mundo permitirá o crescimento e o renascimento em uma posição de inserção e de presença na história, protagonizando o seu próprio desenvolvimento. As ideias de Paulo Freire fundamentaram-se no respeito à vida e na promoção da crítica e da luta contra as forças da opressão. A alfabetização foi abordada pelo educador não apenas como uma questão mecânica, mas como construção de uma consciência crítica conducente ao desenvolvimento (PUNTEL, 1994). Estudos realizados após os clássicos pressupostos de Putnan (1994) e Coleman (1990) em diferentes realidades e países no mundo revelaram fatores cruciais ao desenvolvimento e antes não contemplados no pensamento econômico ortodoxo, como os que integram o conceito de capital social. São eles (i) o clima de confiança entre as pessoas de uma sociedade e o respeito às suas instituições e líderes; (ii) o grau de associatividade ou a capacidade de criar esforços associativos de todo o tipo; (iii) o nível de consciência cívica; (iv) atitude participativa frente aos problemas comunitários, incluindo a preservação e limpeza do espaço público e o pagamento dos impostos. Há muito se sabe que o capital social conduz ao desenvolvimento e que a teoria do derrame foi comprovadamente ineficiente na América Latina, pois a realidade mostrou uma concentração da riqueza ao invés da distribuição. De acordo com Kliksberg (2001) estudos do Banco Mundial atribuem ao capital social e ao capital humano dois terços do crescimento econômico dos países e pesquisas 17 Para o educador Paulo Freire é preciso poder superar o opressor interno, pois o dominador consegue interiorizar sua visão no dominado. Somente o desenvolvimento de uma consciência crítica levará os atores à libertação de uma ideia deturpada de si próprios. Os séculos coloniais, com suas leis e demérito dos angolanos, tiveram esse efeito perverso. 69 apontam significativos impactos do capital social sobre o 18 desempenho macro e microeconômico, a governabilidade democrática, a saúde pública e outras dimensões. A dimensão que considere o capital social pressupõe participação e fortalece a sociedade civil por meio de políticas que melhorem a confiança, destruída pela desigualdade, e a liberdade de operar em prol de seu próprio crescimento. “O papel instrumental da liberdade diz respeito ao modo como os diferentes tipos de direitos, oportunidades e habilitações, contribuem para o alargamento da liberdade humana em geral, promovendo assim o desenvolvimento” (SEN, 2003, p.53). O desenvolvimento é entendido alternativamente como o processo de ampliação das liberdades individuais, das liberdades humanas, pressuposto esse que contrasta com as perspectivas restritivas que identificam o desenvolvimento com índices de crescimento, da industrialização ou modernização. Como afirma Sen (1998) a liberdade aos homens promove o desenvolvimento, contribui para amadurecer a consciência cívica e ressalta o papel decisivo que tem a política pública no campo social. Para assegurar uma ampla cobertura de assistência social nas áreas da saúde e da educação, básicas ao desenvolvimento. Esse foco de Desenvolvimento é o prioritário nesta tese - como já referido na delimitação dos conceitos adotados - pois entendo que desenvolvimento deva ser holístico buscando, em primeiro lugar, o crescimento do ser humano. Esse, atuando como o germe da sociedade sustentável regida pela sustentabilidade ecológica, econômica, social e política. Sociedade que defina seus padrões de acordo com suas tradições culturais, as características de seu povo e que adote as diretrizes consolidadas na Declaração dos Direitos Humanos. Dentro desta visão holística de Desenvolvimento - que passa a ter uma conscientização crescente - foi preciso incluir a dimensão ambiental cujo entendimento é o de que é impossível que modelos insustentáveis de consumo e de degradação dos recursos naturais prevaleçam na velocidade e intensidade com que ocorrem neste desenvolvimento século XXI. sustentável Em como 1987, o “o Relatório Brundtland desenvolvimento que definiu o garante as necessidades do presente sem comprometer as necessidades das futuras 18 Bernardo Kliksberg apresentou resultados de suas pesquisas sobre os impactos do capital social no desenvolvimento em: El capital social e La cultura. Claves olvidadas de dasarollo. Buenos Aires, Instituto de Intrgración Latinoamericana/Intal/BID, 2000. 70 gerações”. Gro Brundtland, primeira ministra da Noruega e presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento afirmava na época que o desenvolvimento sustentável se constituiria em um desafio importante. E que a participação popular seria decisiva para vencê-lo. Acrescentava que somente com a contribuição da comunicação seria realmente possível um trabalho em favor dessa causa de interesse comum. Isto, por estar a comunicação relacionada basicamente com a democracia, com a participação, com a difusão dos conhecimentos e com a capacidade de nos fazermos cargo de nosso futuro. No documento gerado pela comissão (Nosso Futuro Comum, 1987) dois conceitos-chave foram definidos: prioridade na satisfação das necessidades das camadas mais pobres da população, e limitação ao estado que a tecnologia e a organização social vinham impondo ao meio ambiente. Além de ter sido introduzido um elemento novo (DIEGUES, 1992) inviabilidade de continuidade dos modelos de desenvolvimento dos países do Norte e do Sul, por não serem sustentáveis no longo prazo. E atenção à democratização do acesso aos recursos naturais na distribuição dos custos e benefícios do desenvolvimento. Mas o fundamental foi a proposição de uma concepção de economia contemplando as variáveis ambientais e a importância da participação política que resultasse no equilíbrio entre o uso dos recursos e o crescimento demográfico (DIEGUES, 1992). Mas o desenvolvimento em si não é definido. Assim, o desenvolvimento sustentável acaba por servir aos interesses de uma nova era de crescimento que, muitas vezes, não considera adequadamente uma perspectiva ecocentrada. E nem é capaz de fomentar instituições e práticas efetivas ao nível internacional. Esse fato pode ser exemplificado com acusação formal ou informal feita aos países “não desenvolvidos” durante a ECO92, realizada no Rio de Janeiro, de alimentarem as causas da degradação ecológica. E a indicação de que a adoção da tecnologia do Norte seria a solução do problema (PUREZA, 2005). Naquela Cimeira a Comissão do Sul, presidida por Julius Nyerere, preocupada com uma definição de desenvolvimento etnocêntrica e hegemônica, elaborou a sua concepção de desenvolvimento como sendo o processo que permite aos seres humanos desenvolver a sua personalidade e a sua autoconfiança, assim como ter uma existência digna e frutuosa. Acrescentou Nyerere que desenvolvimento seria um processo de libertar as populações do medo e da exploração e de fazer recuar a opressão política, econômica e social. Esse processo 71 se apresentaria como de crescimento e encontraria a sua base (fundamento) na própria sociedade em evolução em direção ao desenvolvimento. Esse entendimento aproximava-se da conceituação formulada pela da teologia da libertação. O entendimento do termo libertação pressupõe três níveis de significação que se interpenetram, em um processo único, a saber: (i) as aspirações de libertação das pessoas oprimidas sendo enfatizado o conflito subjacente ao processo econômico, social e político que se opõe às classes opressoras e às nações opulentas. Basicamente a libertação envolve a soltura de todas as amarras, como as da ignorância, da alienação, da pobreza e da opressão; (ii) compreensão da história, pois as pessoas humanas são vistas como seres que se tornam conscientes e assumem responsabilidades por seu próprio destino por meio da história, aspirando à transformação social. O conceito implicava o processo de conscientização, mencionado anteriormente, que dominou a cena da vertente politizada da igreja na América Latina. Essa pregava uma nova maneira de pensar sobre a fé interpretando o Evangelho à luz do contexto social. Isto significava trabalhar junto às pessoas e colaborar para a sua libertação de toda a espécie de opressão ou de dependência, como também propagava Paulo Freire. Fosse a opressão econômica, cultural ou religiosa; (iii) a experiência própria do povo é valorizada sendo a Bíblia ponto de partida para refletir a realidade. A realidade do povo é assim reinterpretada por meio dos símbolos. A teologia da libertação teve grande influência na comunicação alternativa que, sem dúvida, é um conceito que se aproxima da teoria da Comunicação para o Desenvolvimento. A palavra participação era fundamental nas atividades inspiradas pela teologia da libertação na comunicação alternativa, pois pretendia - a exemplo da Comunicação para o Desenvolvimento – ajudar as pessoas a tornarem-se, a partir do processo participativo, agentes de sua própria transformação. “Nesse sentido, a comunicação assume um papel “libertador” na criação de um espaço democrático para desenvolver o potencial e a mobilização dos setores populares no trabalho de transformação social” (PUNTEL, 1995). Quando o homem se incorpora ao seu processo de desenvolvimento, aí incluído o processo de produção, ele alcança uma posição social histórica e cultural que não ocupava. Conceber a cultura como agente das transformações indica a 72 superação do paternalismo e do fatalismo que o limitava a um objeto quase nulo do processo. A partir das transformações sociais que ele vê se realizarem na sua comunidade ele descobre que agora o fatalismo já não explica coisa nenhuma. Então ele descobre que, tendo sido capaz de transformar a terra, é também capaz de transformar a história, de transformar a cultura. Da posição fatalista ele renasce numa posição de inserção, de presença na história, não mais como um objeto, mas também como sujeito da história (FREIRE, 2001). Passadas duas décadas da ECO92 e da acusação formal ou informal dos países “desenvolvidos” aos países “periféricos” de alimentarem as causas da degradação do meio ambiente, o processo de transformar o homem em sujeito de seu desenvolvimento ainda estão em construção. E, importante registrar, a prática dos países detentores da tecnologia “de solução” para um desenvolvimento que contemple a preservação ambiental - que atribuíram aos países periféricos a responsabilidade pela degradação ambiental - a exportação de lixo tóxico para os países do sul. Prática que é recorrente para com os países africanos e que acabou descoberta também com o Brasil. Inúmeros contêineres de lixo tóxico foram despachados da Inglaterra para diversos portos brasileiros, ainda sem punições e responsabilizações nos âmbitos internacional e nacional. O projeto de diminuir as assimetrias entre os benefícios usufruídos pelos cidadãos do Norte e do Sul está a acontecer por pressão dos países periféricos a seus governos em uma cruzada, designada por Sarkozy19, como um momento histórico. O presidente francês iluminou o ineditismo de “povos derrubarem regimes em nome de valores caros para nós como o da liberdade, da democracia, da justiça e dos direitos humanos, sem a ajuda de ninguém”. É a luta pelo desenvolvimento que pode ser apreendido como uma condição existencial humana para a autorrealização e que se traduza em um equilíbrio entre três eixos: (i) “ser mais” que exprime os fatores culturais do desenvolvimento a partir do sistema de valores da sociedade humana; (ii) “ter mais” que seria a satisfação material progressiva que não contribuísse com o consumismo nem com o desequilíbrio do ambiente ecológico; (iii) “fazer mais” que seria a dinâmica produtiva e institucional que criasse ocupações dignas e postos de trabalho ao invés do desemprego (Rivière,1990). Por 19 Entrevista concedida à Revista Veja, edição de 11.03.2011. 73 fim, respeitadas as especificidades das culturas percebem-se associados à noção de desenvolvimento valores como habitação, cuidados sanitários e educação, segurança ecológica, liberdades cívicas, segurança alimentar e o respeito aos direitos humanos, próprios de sociedades sustentáveis. Que é pelo que lutam países no norte da África e no Oriente Médio neste ano de 2011. 2.3 Das ações de emergência às de desenvolvimento Dentro do quadro do novo humanitarismo, a ligação mais estreita entre emergência e ajuda ao desenvolvimento ganha espaço e importância crescentes com o argumento de que a emergência frequentemente limita-se a fazer o necessário em situações após o caos - provocado por conflitos armados ou desastres naturais - sem objetivos para desenvolvimento em longo prazo e sem qualquer contribuição positiva para o futuro, incumbências essas dos projetos de desenvolvimento. Apresentava-se a necessidade e a possibilidade de conceber e implantar intervenções de assistência humanitária que contribuíssem no longo prazo para o desenvolvimento e para a paz. Crescia a percepção de que seria mais proveitoso utilizar a ajuda humanitária e de emergência como investimento que propiciasse a criação de bases para um desenvolvimento sustentável e para minimizar a vulnerabilidade das populações e prevenir novas crises. (Pureza, 2005). A necessidade da ligação entre assistência humanitária de emergência e ajuda ao desenvolvimento baseou-se em duas estratégias fundamentais: Continuum: conjunto de fases cronológicas encadeadas e numa linha de progressão contínua com início no estado de emergência, passando pela reabilitação até concretizar o desenvolvimento. O objetivo da abordagem seria possibilitar uma transição suave, harmoniosa e coordenada entre as diferentes fases de ajuda externa, sob a responsabilidade cada uma delas de organizações especializadas; 74 Contiguum: as críticas à estratégia de continuum suscitaram o surgimento desse novo enfoque vinculando as ajudas de emergência e de desenvolvimento em meados dos anos 90. Nessa concepção a vinculação não consiste em uma adequada transição entre as sucessivas fases tidas como compartimentadas. Ao invés dessa visão a vinculação pretendida deverá permanentemente combinar diferentes formas de intervenção – tanto de emergência a curto prazo, de reabilitação a médio prazo, como de desenvolvimento a longo prazo - em uma estratégia integrada e coerente, orientada para a redução da vulnerabilidade da população a ser beneficiada. Como afirma Pérez (2002), as diferentes fases sobrepostas no tempo devem se reforçar mutuamente de acordo com a prioridade que a gravidade da situação confira a cada uma. Em ambas as estratégias de ligação entre emergência e desenvolvimento verificam-se implicações semelhantes como: análise clara dos contextos em que forem aplicadas, prever e evitar possíveis impactos negativos, tentativa de combinação das necessidades imediatas com desenvolvimento futuro, busca do reforço aos serviços e estruturas locais, promoção e proteção dos direitos humanos – incluindo questões de gênero – e a contribuição para a construção da paz (PÉREZ,2002,p.13). Nesse contexto, a participação, o incremento do poder e capacitação da população são de suma importância para o resgate da autoestima das comunidades, e para que possam novamente acreditar ter recursos para garantir o seu sustento e o seu futuro individual e comunitário. E a capacitação para a segurança alimentar é um dos principais pilares por se tratar de comunidades tradicionais rurais, desviadas de sua cultura de produção pela guerra que deixou uma triste herança em Angola. Hoje grandes extensões de terras - cerca de 40% das áreas que seriam agricultáveis - são improdutivas por serem campos minados (GROPPO, 2993). 75 Fotografia 21 – Pôr-do-sol na zona rural Todas essas estratégias foram executadas na prática nos muitos anos de atuação na resolução de situações de conflito por todo o mundo por Sérgio Vieira de Melo. E permitiram que sua a sólida formação teórica, aliada a uma profunda experiência, lhe dessem a clara dimensão do que se constituiria essencial para o êxito de projetos de emergência-desenvolvimento […] um futuro melhor poderia se concretizar em um mundo cada vez mais interligado e envolto na raiva e na irracionalidade crescentes se cidadãos e governos observassem algumas liçõeschave como: (i) a legitimidade de uma intervenção ser fundamentada na autoridade e no consentimento legal amparados por um desempenho competente; (ii) ter a dignidade como o pilar da ordem e a humildade e a paciência como imprescindíveis na atuação em terras estrangeiras, pregava. A experiência em projetos de ajuda humanitária delimitava para Vieira de Melo os fatores importantes para a percepção de legitimidade das intervenções dos organismos internacionais, ou mesmo das organizações não governamentais, pelos rights holders. 76 [...] Uma operação determinada trazia mais benefícios do que malefícios? Os estrangeiros seguiam as regras internacionais? Respeitavam as normas culturais? Estava ali para se dar bem ou para promover o bem? Prestavam contas de seu desempenho? A população local aceitava o que estava sendo feito? Chegava a ser consultada? (POWER, 2008: 561). A Comunicação constitui-se no instrumento que viabiliza a consulta à população para que suas aspirações estejam incluídas em projetos a serem desenvolvidos em seus países. Essa é a garantia de que não serão exógenos e verticais como muitas vezes as intervenções são percebidas pelos rights holders. E a Comunicação para o Desenvolvimento é o instrumento que privilegia o protagonismo das comunidades em seu próprio desenvolvimento, como será demonstrado no desenvolvimento da tese. 77 3 COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO 3.1 Da representação do mundo O que chamaríamos de práticas de comunicação existe desde sempre, uma vez que o homem sempre se comunicou. São práticas da Humanidade como a linguagem e o utensílio, legados recebidos do homem pré-histórico. As formas simples e primitivas de comunicação do homem, que se desenvolveram e se especializaram, são ainda utilizadas, apesar do surgimento constante das novas tecnologias e das complexas relações sociais em todas as sociedades. As imagens precederam as palavras e se perpetuaram nas inscrições rupestres que chegaram aos nossos dias demonstrando aquela forma de comunicação. A linguagem foi um progresso significativo na comunicação humana por permitir a transmissão do conhecimento, das tradições. As linguagens corporais e não verbais são há milênios indispensáveis nas sociedades tradicionais. Nessas, a comunicação interpessoal têm importância fundamental principalmente para as populações rurais dos países em desenvolvimento que constituem significativa parcela da população mundial. Em coletividades cujo isolamento, pequena dimensão ou o analfabetismo permitiram a sobrevivência da tradição, a linguagem, a ação e o exemplo são, por vezes, a única forma de transmitir a informação. A comunicação interpessoal continua a ser fundamental para a existência de sociedades democráticas e “reveste-se [...] de um novo significado diante da tecnologia moderna e dos efeitos de alienação que traz consigo” MacBride (1983, p.77). Entretanto, tais formas de comunicação interpessoal são, por vezes, desconsideradas e o interesse de pesquisadores e profissionais é focado nos meios de comunicação social como fonte de informação e de idéias. “Por ser o meio pelo qual uma pessoa exerce influência sobre a outra e também pode ser influenciada, a comunicação é o verdadeiro portador do processo social. Ela possibilita a interação e por meio dela os homens se tornaram e permanecem 78 seres sociais.20 Como a acumulação de conhecimento leva a novas descobertas e a avanços significativos na ciência e na sociedade que deverão ser transmitidos, apenas processos muito elementares poderiam ocorrer sem a comunicação. A própria sociedade pode ser definida como uma vasta rede de acordos mútuos. Contratos oficializados ou convenções verbais sobre comportamentos convencionados como aceitáveis. [...] A eficácia desses acordos depende da capacidade que tenham os homens de se comunicarem uns com os outros como afirmaram Hartley e Hartley (1970). A comunicação realiza para o indivíduo três funções importantes, pois padroniza o mundo ao seu redor; define a sua condição frente aos demais indivíduos e, por fim, ajuda na sua adaptação com êxito ao meio. Dessa forma, a comunicação irá exercer influência significativa sobre a formação da personalidade e do sentido do eu, permitindo ao indivíduo perceber padrões e valores do grupo que orientarão o seu próprio comportamento. A linguagem é o instrumento pelo qual se realiza com maior frequência a comunicação, e contém as definições e as limitações que individualizam o mundo externo. Pode ser considerada uma acumulação de experiências humanas simbolizadas e o reflexo da vida do grupo. As experiências e as diretrizes para a condução individual em um grupo se realizam por meio das palavras. Pela comunicação com os seus semelhantes o indivíduo chega a pensar e a sentir em função desses símbolos, quer em relação aos objetos e acontecimentos externos como em relação a si próprio. (HARTLEY; HARTLEY, 1970). A intersecção da linguagem com a técnica somente se inicia a partir de 1942, quando a comunicação percebe-se como um universo autônomo. Quando nasceu a moderna noção de comunicação entre os anos de 1942 e 1948, a maioria das técnicas de comunicação que hoje conhecemos já estavam em prática ou sendo colocadas em funcionamento. McLuhan popularizou nos anos 1960 a tese de que as grandes etapas da história da Humanidade derivaram diretamente das inovações no domínio das técnicas de comunicação. Para o pesquisador canadense as sociedades humanas seriam estabelecidas nos planos cultural, intelectual e social pelas grandes técnicas que foram a escrita, a imprensa e os próprios meios de comunicação de massa. 20 Habitualmente o termo cultura refere-se a produtos, conhecimentos, tradições, habilidades e crenças partilhados por um grupo de pessoas e que serão transmitidos por gerações. Portanto, sua própria existência estará baseada na ocorrência da comunicação, sem a qual não haveria partilha entre contemporâneos ou sucessores (Hartley;Hartley,1970). 79 A comunicação no sentido em que a entendemos hoje é uma noção de origem bastante recente. A palavra já utilizada há muito tempo expande as áreas de significação que o conceito internaliza a partir do século XX. A primeira etapa da construção da noção moderna de comunicação atribuirá a essa designação algumas práticas até então sem nomenclatura. A noção de comunicação nascerá no universo científico pelas mentes de um grupo de cientistas de várias áreas do conhecimento, colaboradores de Norbert Wiener, no seio do movimento da cibernética, que ligará práticas até então dispersas. Além de desempenhar um papel unificador se identificará com a modernidade. A comunicação passará a ser entendida como o encontro entre a operacionalização técnica da linguagem e a inovação do domínio das técnicas que possibilitaram impor a palavra sob a forma de uma mensagem, como salienta Breton (1994). Para Weaver21 (1949 apud Steinberg, Charles, 1970, p. 36-37) a comunicação inclui todos os processos pelos quais um espírito pode influir em outro, bem como uma interação social significativa. Existe uma unidade profunda entre todos os setores relacionados com a comunicação que, longe de se processar nas diferentes técnicas materiais da comunicação, surgirá de forma mais contundente como uma unidade no plano da ideologia que os liga no interior de um mesmo sistema de valores e de representações do mundo. Essa ideologia faz da “ação de comunicar” um dos imperativos essenciais de nossa sociedade e apresenta-se como um recurso das ideologias políticas ou como uma alternativa às ideologias políticas. Sob certos aspectos, essa ideologia é extremamente utópica por evocar uma “sociedade de comunicação” transparente, racional, consensual e pretensamente harmoniosa (BRETON; PROLUX, 2000). Partindo de um breve retrospecto, o aparecimento histórico e a moderna noção de comunicação, forjados nos anos 1940, e o discurso contemporâneo sobre a comunicação e o seu papel social foi praticamente instituído imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial. Pode-se afirmar que o ideal moderno de comunicação decorre de três importantes transformações radicais que explicam os aspectos essenciais da modernidade, conforme assinalaram (BRETON; PROULX, 2000 ,p.272) 21 Ver Weaver , Warren (1946). The mathematics of communication. Scientific American, vol 181, p.11. 80 Em primeiro lugar a definição de homem novo. Por intermédio de uma verdadeira mutação na representação do que é o homem, a cibernética, a ciência da comunicação criada em 1942 por Norbert Wiener irá pôr à frente, como nunca acontecera até então, o papel da comunicação na definição de ser humano [...] . Em seguida, o aperfeiçoamento de uma nova ideologia, a ideologia da comunicação que se constitui como alternativa às ideologias da barbárie cujo confronto [...] arrasa o mundo de 1915 a 1945. A nova ideologia que aponta como inimigos o ruído, a entropia, a desorganização, deve sem dúvida uma parte do seu êxito ao facto de se apresentar como uma ideologia sem vítima, num contexto em que a guerra fria e a ameaça do holocausto22 nuclear se sucederam à guerra mais mortífera23 que a humanidade alguma vez conheceu. Finalmente, o projeto de uma nova sociedade, a sociedade de comunicação. Essa nova utopia social, prevista pelo pai da cibernética, terá suas características distintivas: por um lado, será uma organização social inteiramente centrada na circulação da informação; por outro, as máquinas, nomeadamente as máquinas de comunicar, desempenharão nela um papel decisivo. Antes de Wiener ter percebido a importância da comunicação nas sociedades humanas este tema já havia sido abordado por antropólogos como G.H.Mead ou Gregory Bateson. A importância com que Wiener é reconhecido na abordagem do campo se dá pelo fato de seu pensamento ter deslocado a comunicação de um tema importante para o centro de todas as coisas. Ele propôs de fato uma visão do mundo global e unificada organizada em torno da comunicação. Essa incorporará todas as disciplinas e fará da comunicação um valor de amplo alcance social e político. Construindo a partir desse pressuposto uma nova utopia Breton; Proulx, (2000). Nela o interior não existe, a interioridade é um mito e resulta na melhor das hipóteses da metafísica e na pior da ilusão. Na hierarquia proposta por Wiener o critério é o da complexidade do comportamento de permuta da informação. Quanto mais um ser for complexo mais alto se elevará na escala de valores do Universo. E neste ponto de seu raciocínio, como afirma Breton (2000), aparecerá a retroação ou os famosos inputs (mensagens de entrada) e os outputs (mensagens de saída). Ela servirá para garantir a capacidade do recebimento e da emissão de informações necessárias à manutenção do equilíbrio. 22 Ironicamente passado o período da guerra fria e do medo de que o botão vermelho ou o botão errado fosse apertado, dois acidentes nucleares como há três décadas o de Chernobyl e recentemente o de Fukushima quase concretizam a antiga ameaça. 23 Até aquela época. As guerras contemporâneas e as Novas Guerras, cujos alvos passaram a se constituir a população civil, fazem mais vítimas que as guerras tradicionais. 81 Uma das consequências da aceitação do pressuposto de que tudo é comunicação é a abolição da barreira clássica que separa o natural do artificial e à desbiologização da inteligência e do espírito (mind). O processo utópico que se desenvolve em torno da comunicação é ambicioso e resulta em três níveis: (i) uma sociedade ideal, (ii) uma outra definição antropológica do homem (iii) e a promoção da comunicação como valor. Esses três níveis concentram-se e torno do que Wiener chamará de Homo communicans. Ele será um ser sem interioridade e sem corpo, que vive em uma sociedade sem segredos, um ser dedicado inteiramente ao social, que afirma a sua existência por meio da informação e da permuta em uma sociedade transparente. Transparente em função das novas máquinas de comunicar. Essas qualidades do homem de comunicação, que se alinham aos ideais do homem moderno, são para Wiener uma alternativa à degradação do ser humano resultante de um século mortífero XX.24 As novas concepções desenvolvem-se em torno de dois eixos: (i) todo ser que comunica em certo nível de complexidade é digno de ver reconhecida a sua existência como um ser social; (ii) e não será o seu corpo biológico que fundamentará a sua existência enquanto ser social, mas a sua natureza informacional. Já não existe o ser humano, mas seres sociais, definidos pelas suas capacidades para se comunicar socialmente. Uma nova humanidade abrange todos os homens, mas inclui todos os seres no estatuto parceiro comunicante de pleno direito. Este novo pensamento antropológico não é um pensamento humanista, pois não considera o homem o centro de todas as coisas. A partir dessa concepção “a vida deixa de estar na biologia, para passar a estar na comunicação” Breton; Proulx (1992, p.47). A comunicação introduz assim o homem em relação direta com outros seres e definido em termos de comportamento de troca de informação. O homem de Wiener constituirá as bases do homem moderno ideal, a que a nossa cultura contemporânea se refere. Não mais guiado a partir do interior e buscando uma intuição interior ou uma harmonia interna, volta-se para o exterior. Os modelos de comunicação e de comportamento serão os pontos de referência para a orientação no mundo. O papel dos media será indiretamente o instrumento essencial 24 As origens da Segunda Guerra devem-se aos agressores Alemanha, Japão e a Itália , de forma mais hesitante. E a pergunta sobre a causa da Segunda Guerra Mundial é respondida por um nome: Adolf Hitler. A Segunda não produziu tantos monumentos ao soldado desconhecido e, depois dela, a comemoração do Dia do Armistício, ocorrido em 11 de novembro de 1918, foi perdendo sua solenidade. Talvez 10 milhões de mortos parecessem um número mais brutal para os que jamais tivessem esperado tal sacrifício, do que 54 milhões, até 1945, para quem já havia presenciado a guerra como um massacre antes (HOBSBAWN, 1995, p.56). 82 para que o homem possa reagir adequadamente ao mundo. Assim, a representação do homem como ser comunicante está associada a metáfora que faz a ligação entre o cérebro humano e o computador em um ser sem corpo, como concebeu Wiener. As máquinas têm direito, após 1942, ao estatuto de seres comunicantes que podem ser comparadas ao homem no domínio da comunicação. Para Wiener o funcionamento do indivíduo vivo e de algumas máquinas de transmissão se revelariam paralelos. A crença na possibilidade das máquinas se tornarem inteligentes será um dos aspectos básicos do mito da modernidade. E da sociedade da comunicação de que todos fazem parte e cujo vigor reside na capacidade de libertar as suas forças comunicacionais intrínsecas. A nova sociedade articula-se em torno da transparência social, que une homem e sociedade. O processo da informação é uma troca com o mundo exterior, que pressupõe ajuste a adaptação a ele, e viver adequadamente informado. Nesta concepção qualquer entrave ao movimento e circulação de uma informação conduziria à decadência social. Wiener afirmava que a comunicação é o cimento da sociedade e que “as pessoas cujo trabalho consiste em manter livres as vias de comunicação são, precisamente, aquelas de quem depende sobretudo a perenidade ou então a queda de nossa civilização” (BRETON, 2000, p. 284). A questão se amplia e nos anos 1960 Jean D`Arcy foi um dos primeiros promotores do “direito à comunicação” quando afirmou que chegaria o dia em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos teria que incluir um direito mais amplo que o direito do homem à informação.25 Esse seria o direito dos homens de se comunicarem. (D´ARCY, 1969). O que motivava o novo enfoque era a observação de que as disposições nos direitos humanos ratificaram a Declaração Universal de Direitos Humanos e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos. O reconhecimento do 25 D´Arcy estabeleceu as etapas sucessivas para a adoção: na época da ágora e do foro, da comunicação interpessoal direta, surge o conceito básico para todo o progresso humano e para toda a civilização – a liberdade de opinião (...) o surgimento da imprensa, que foi o primeiro dos meios de expressão de massas, provocou, pela sua própria expansão e contra as prerrogativas de controle reais ou religiosas, o conceito correlato de liberdade de expressão (...) O século XIX, que presenciou o extraordinário desenvolvimento da grande imprensa, caracterizou-se por lutas constantes em prol da liberdade (...) A chegada sucessiva de outros meios de comunicação de massas – o cinema, rádio e televisão –da mesma forma que o abuso de todas as propagandas em véspera de guerra, demonstraram rapidamente a necessidade e a possibilidade de procurar, receber e difundir as informações e idéias sem consideração de fronteiras (...) por qualquer procedimento. Hoje em dia parece possível um novo passo adiante:o direito do homem à comunicação,derivado de nossas últimas vitórias sobre o tempo e o espaço, da mesma forma que da nossa mais clara percepção do fenômeno da comunicação (...) Atualmente, vemos que engloba todas as liberdades, mas que além disso traz, tanto para os indivíduos quanto para as sociedades, os conceitos de acesso, de participação , de corrente bilateral de informação, que são todas elas necessárias como percebemos hoje para o desenvolvimento harmonioso do homem e da humanidade” ( Le droit de l´homme à communiquer) Documento de número 39 apresentado por D`Arcy à Comissão MacBride. 83 direito de comunicar-se é essencial se desejamos que a governabilidade global das “sociedades da comunicação” considere a preocupação com o respeito aos direitos humanos (HARMELINK, 2003). Isto significa não aceitar os Estados, mercados ou as tecnologias como as diretrizes. Mas que os interesses dos povos sejam definidos como as diretrizes do modelo de mundo que queremos e que deveremos seguir. A globalização encerra em si a metáfora de uma sociedade de comunicação viabilizada pelas tecnologias da informação. A aldeia global imaginada por MacLuhan é a metáfora que revela a percepção da globalização. Ela evoca a experiência hoje cotidiana de uma comunidade de comunicação, sustentada em tecnologias da informação que se desenvolvem a um ritmo prodigioso. De acordo com Pureza (1998, p. 41) “a identidade predominantemente televisiva da aldeia global está a suceder o acesso direto de cidadãos às fontes de informação privadas [...] e os grupos de discussão eletrônicos através da disposição de meios informáticos em rede”. A metáfora da aldeia global é um mecanismo de ocultação, uma vez que obscurece o passado de controle estatal sobre a informação, para consolidação das identidades nacionais. E cede espaço para a mundialização cuja fundamentação é o princípio da rentabilidade máxima da informação-mercadoria a que é submetida à sociedade. A metáfora da aldeia global é ilusória posto que a informação, agora mercadoria, reproduz um sistema hierárquico de dominação do sistema mundial. E, longe de ser planetário e de sustentar uma verdadeira comunidade de comunicação, dissimula a concentração e a maior assimetria entre países e regiões do globo (PUREZA, 1998). Também no que tange a informação e a comunicação O acesso à informação na ponta dos dedos, hoje banal, possui uma velocidade antes difícil de ser imaginada. Mas preconizada desde a temida sociedade totalitária criada por Orwell na obra 1984, onde o grande irmão exigia a cega obediência, fabricava a verdade, a ascensão e a queda de ídolos. Ou na epopeia de Júlio Verne, com a descoberta de que o interior é como o exterior, A Viagem ao centro da terra revela “um novo jogo metafórico ao redor de uma rede de significações”. Nela a imagem, a forma e a aparência vão ser cada vez mais valorizadas e, sobretudo, os mesmos termos servirão para descrever o que se passa no homem e os seus comportamentos externos afirmavam Breton e Proulx (1994, p.51). Avançando ao modelo da comunicação a partir das mídias de massa – cinema, televisão, rádio – ainda o principal referencial da comunicação atual e que é 84 mediada pela técnica, pela ausência de diálogo e direcionada para receptores potenciais indefinidos. Estabeleceu esse uma sociabilização midiática própria, reveladora do espírito desta época, superando barreiras geográficas e culturais, transformando a circulação de bens simbólicos em um mercado de significância econômica e social (PUNTEL, 2010). E que encerra a intencionalidade de seus produtores e a lógica industrial de sua produção. A comunicação dialógica não presencial é o elemento novo e instaura um modelo diverso que reestruturará o ambiente comunicacional, afirma Puntel (2010). Combinará a relação dialógica e a mediação técnica, permitindo a simulação do modelo que integra o diálogo e que fundamenta o conhecimento humano. Desconsidera barreiras de tempo e espaço em uma interação mediada pela máquina. Pelo computador, no ambiente do cyber espaço, em chats, emails, teleconferências e em listas de discussão. O modelo se soma aos precedentes constituindo nova configuração. Ou inaugurando uma construção social, a partir da tecnologia digital, que opera redimensionada em relação ao espaço-temporal clássico. Nessa rede comunicativa é possível o contato com todos, em todos os lugares do mundo, determinando um reordenamento da realidade. 3.2 Da Guerra Como afirma Morin (1998) o século XX dotou-nos ao preço do sangue, do terror e da morte. A experiência-chave do século é a de uma reação em cadeia, deflagrada em Sarajevo em 1914 e que desencadeou a Primeira Guerra. Esta suscitou o comunismo totalitário, o fascismo italiano, o nazismo. O partido de Hitler surge de uma crise econômica sem precedentes. Origina a Segunda Guerra Mundial que abre caminho para a guerra fria e que terminará com a implosão da União Soviética. O fim do império do proletariado agravou a crise do futuro, pois motivou a eclosão tumultuosa de nacionalismos. As regressões do século XX fizeram surgir guerras, crises, nacionalismos, socialismos que, diagnostica o filósofo francês, deram vida ao novo monstro histórico do totalitarismo. O século que passou fez-nos viver a experiência de uma religião da salvação terrestre, que se desintegrou na sua realização e mostrou que a 85 revolução ressuscitava uma pior forma de exploração do que a que deveria ser aniquilada. Nos regimes totalitários e em situação de conflito a comunicação é feita de forma unilateral – dos governantes para os governados sendo uma das características fundamentais dos regimes antidemocráticos. É preciso fazer a distinção entre a comunicação - um processo que deverá ser participativo e de diálogo - e a informação como canal de difusão vertical. O estilo verbal e a retórica cortante de Mussolini ou a linguagem mítica é de uma irracionalidade confinante ao histerismo de Hitler, e exemplificam historicamente que os governantes totalitários não se propunham - como não se propõem - minimamente a informar, mas sim impor o seu ponto de vista mediante uma hábil mescla de persuasão emotiva e de ameaça, permeada de um tom de exasperada exaltação nacionalista, ou racista. Mais que a informação propriamente dita havia ainda uma comunicação unilateral, seguida de decisões tomadas sob bases irracionais. Segundo essa concessão a política seria decisão pela decisão, puramente e simplesmente comunicada de modo tal que deveria ser aceita mais ou menos carregada de exaltante tensão emotiva ou, sobretudo, de terror como afirmava Aranguren, ele próprio exilado da Espanha franquista. Nessa situação o monopólio dos canais de comunicação permite manipular facilmente a [pseudo] opinião pública, uma vez que todos os meios de comunicação pertencem ou estão exclusivamente a serviço do governo, como é o caso em Angola. As ONGs presentes no país tinham dificuldade para conseguir concessão do Estado para operar rádios comunitárias. Pleiteavam sem sucesso em um momento em que apenas 24% dos habitantes das áreas rurais possuíam rádio na época, veículo de maior participação na população do país, apesar de nem sempre disporem das pilhas. Em situações de guerra, pós-conflito e em regimes totalitários a comunicação é cerceada de inúmeras formas: mensagens interceptadas, ameaças, fechamento de veículos de comunicação e mesmo a proibição de acesso do país à rede mundial. Poucos os que podem exprimir uma opinião ou apenas um, os demais serão meramente o seu eco. A imensa maioria dos súditos (não cidadãos) não pode fazer outra coisa que receber passivamente a opinião oficial uma vez que a 86 comunicação/informação é organizada de modo a ser impossível qualquer resposta. Pureza (2005). A abertura dos canais de comunicação, em contraponto, não significa que traga em si a verdadeira democracia. Araguren assinalou que os meios de informação, aparentemente livres e não controlados pelo Estado, podem de fato ser monopolizados pelo grande capital. Esse não tem interesse no totalitarismo e na ditadura, mas sem dúvida também não tem interesse em uma completa e autêntica democracia. “A imprensa livre” dizia não é livre, sobretudo, porque repousa sobre o dinheiro. Os meios de informação são livres em relação ao Estado, mas não em relação ao dinheiro. Que em essência é conservador. Vivemos em uma época em que a crueldade, a guerra e a violência fazem parte da realidade. E que os alvos dos conflitos se deslocaram intencionalmente de militares para civis. Independente dos acordos, acertos, desacertos, conluios e coesões militares entre governantes, o povo dos países tem o desejo de viver em liberdade, com seus direitos fundamentais assegurados e, principalmente, em paz. E seria de grande importância que os meios de comunicação reforçassem este ideal de forma sistemática. Onde predomina um sistema lucrativo de produção armamentista haverá interesse na manutenção dos gastos militares. E, portanto, a influência sobre a opinião pública, e sobre os decisores políticos, por parte de quem controla este jogo para manter os gastos que Eisenhower denominou complexo militar-industrial (MacBRIDE, 1983). A guerra não deve manchar com infâmia o estado de paz, nem as negociações de paz. Essas deveriam garantir a responsabilização e de alguma forma não mostrar desprezo pelo sentimento de autoestima das nações. Os cidadãos não poderiam “se dar ao luxo de lavar as mãos da construção de uma paz verdadeira” e deixar as decisões importantes para os estadistas” [...] Não deveriam abdicar de sua responsabilidade. “ Devemos agir como se a paz perpétua fosse algo real, embora talvez não seja” dizia Vieira de Melo na década de 1990. (Power, 2008, p. 95). 87 3.3 Da cidadania e da cultura da Paz A progressiva implantação das novas tecnologias da comunicação e a redução de custo dos próprios processos comunicativos assegura que, mesmo uma pequena organização, possa dispor de meios para divulgar a sua opinião. Entretanto, os meios não asseguram sua presença no debate social. A possibilidade de acesso nem sempre dependerá das organizações, mas sim do jogo político e ideológico que assegura o direito à visibilidade dentro do Estado, principalmente onde os direitos fundamentais e a democracia sejam valores relativos (HERNANDEZ, 2008). A comunicação deve ser um processo social, baseado no diálogo, que utiliza uma ampla gama de ferramentas e métodos com o objetivo de partilhar conhecimento e competências. Essa forma de comunicação visa construir políticas e promover debates que resultem em mudança significativa e sustentada em direção ao desenvolvimento e ao bem comum. Para Fraser e Villet (1994) uma estratégia de desenvolvimento que aplica o enfoque da comunicação pode revelar as atitudes silenciosas das pessoas e sua sabedoria tradicional. Ao mesmo tempo as ajuda a adaptar suas perspectivas, adquirir novos conhecimentos e habilidades e propagar, de forma massiva, novas mensagens com novo conteúdo social para públicos mais amplos. A questão que se levanta é o motivo desse debate ser continuado e permanecer em aberto. E as disparidades se evidenciando aos nossos olhos, aos olhos do mundo. A cidadania não pode encerrar injustiças e desigualdades A ponderação de que os meios de comunicação internacionais descrevem de modo impressionante as situações de fome, as inundações, epidemias e outras calamidades que atingem os países em desenvolvimento, [e até os desenvolvidos] poderia descrever aquilo a que o mundo hoje assiste. As tragédias sensibilizam e contribuem para provocar a ajuda e a intervenção dos governos e das organizações privadas. Mas as ações deveriam superar a fase dos primeiros auxílios e da reconstrução, para contribuir para o desenvolvimento e para a mudança. Apesar de atual o discurso pertence ao relatório MacBride (1983, p.297) e acrescentava que “a capacidade de resolver esses problemas imensos ou de provocar o desenvolvimento ultrapassa as possibilidades da comunicação. O que esta pode fazer é [...] concentrar a atenção, destacar as oportunidades, mobilizar a 88 opinião pública, criticar a indiferença e as obstruções”. O resultado seria a mobilização da opinião pública nos países em desenvolvimento e o fomento de uma maior compreensão nos desenvolvidos. O intercâmbio de idéias mais intenso entre todos os setores da sociedade, possibilitado por essa comunicação, resultará em uma maior participação da população em uma causa comum. E esta participação é um requisito fundamental para o desenvolvimento sustentável e para a manutenção da paz. 3.4 Do desenvolvimento Existe a necessidade de uma comunicação como um direito humano, que permita às comunidades terem voz própria e participarem progressivamente das decisões sobre seu desenvolvimento e sobre sua vida. Esta comunicação é chamada de Comunicação para o Desenvolvimento (CpD). Como evidenciou Nelson Mandela, são as pessoas que fazem a diferença. Comunicação é sobre pessoas. Comunicação para o Desenvolvimento é essencial para fazer a diferença acontecer. Comunicação para o Desenvolvimento: um processo que permite às comunidades falar, expressar suas aspirações e preocupações, e participar nas decisões que dizem respeito ao seu desenvolvimento (Assembleia Geral da ONU, resolução 51/172, artigo 6). Essa definição contrasta profundamente com a tendência de associar a palavra comunicação com conceitos como disseminação, informação, mensagem, mídia e persuasão. O termo Comunicação para o Desenvolvimento engloba esses conceitos, mas incorpora uma visão muito mais ampla para facilitar o diálogo, investigar riscos e oportunidades, comparar percepções e definir prioridades para mensagens e informações. E, o mais fundamental de um processo social, envolver as pessoas no seu próprio desenvolvimento. A diferença real entre a comunicação e Comunicação para o Desenvolvimento reside nessa visão mais ampla que considera as opiniões das pessoas afetadas pelas alterações decorrentes do desenvolvimento como 89 participantes ativos em um processo social, e não apenas receptores de mensagens. Se o desenvolvimento é algo feito por e para as pessoas a Comunicação para o Desenvolvimento deve ser central em qualquer iniciativa de desenvolvimento desde o seu começo, por envolver os beneficiários em seu processo de inclusão e de crescimento. A própria sustentabilidade dos programas e projetos de desenvolvimento está em relação direta com a participação dos interessados. E os interessados não são somente os chamados “beneficiários”, mas também as próprias organizações de desenvolvimento que pretendam que seus programas tenham um impacto no longo prazo e sejam (DRAGON-GUMUCIO, 2007). Assim, a Comunicação para o Desenvolvimento é um processo social, baseado no diálogo, que utiliza uma ampla gama de ferramentas e métodos com o objetivo de partilhar conhecimento e competências. Visa construir políticas e promover debates que resultem em mudança significativa e sustentada em direção ao desenvolvimento e ao bem comum (ONU, 2006:9). Existem aspectos diferenciadores fundamentais nesta comunicação, a saber: (i) buscar mais que a visibilidade institucional específica das relações públicas; (ii) ser um processo inclusivo e horizontal; (iii) constituir-se alternativa aos interesses políticos e comerciais hegemônicos; (iv) restituir o valor à terminologia social e rechaçar o mercantilismo dos meios massivos. Comunicação para o Desenvolvimento significa uma comunicação participativa que identifica as necessidades de informação dos interlocutores, encerra a produção das mensagens bem como sua apropriação pela comunidade igualmente de forma participativa. A reflexão sobre a Comunicação na contemporaneidade mostra e existência de uma unicidade profunda entre todos os setores relacionados com a comunicação. Interligada pela comunicação a sociedade planetária atingiu a profecia de Wainer (1948) e materializou o conceito da “sociedade da comunicação”: o conhecimento está ao alcance dos dedos em um mundo interconectado pelas máquinas por meios diversos e instantâneos. A informação é irrestrita, porém, o acesso é impossível a muitos grupos sociais ou mesmo a muitas sociedades. A situação deriva de delimitações econômicas, políticas e/ou religiosas – como atualmente na China, Iraque, Irã e Venezuela – para citar alguns exemplos recentes. O domínio da tecnologia é um importante fator que poderá determinar a exclusão do acesso à comunicação e estabelecer uma lacuna entre a comunicação 90 usual em países do Norte e a realidade no setor em muitos países do Sul. A consequência do cerceamento do direito à Comunicação – tecnológico ou ideológico - resulta na falta de informação que terá desdobramentos tanto para os países como para a vida cotidiana de seus povos. Essa realidade apresenta-se de forma freqüente nos países do terceiro mundo, organizados ou em processo de reorganização, em situação de conflito latente ou de pós-conflito, onde organizações estão presentes trabalhando para que a transição para a estabilidade socioeconômica e cultural possa ser o menos traumática possível. Comunicação como direito: utopia ou conquista? A vitalidade social, unidade cultural e a independência de um povo, dependem de sua espontaneidade social. Por isso, sempre foi uma constante saber como reforçar essa importante característica desvinculando-a do poder político, por vezes uma força repressora e aniquiladora da vitalidade social. A sociedade de uma comunidade de povo não possui apenas indivíduos. É composta de várias sociedades, grupos, círculos, agremiações associações que se diferenciam em tipo, caráter, extensão e dinamismo. Para Buber (2007) quanto maior for a relativa autonomia concedida às comunidades locais e regionais, maior se tornará o espaço de desenvolvimento dos poderes sociais. A opinião pública é um importante fator agregador dos indivíduos em sua mentalidade, como influenciador nas relações mútuas entre as sociedades. Nesse contexto, a comunicação assume uma posição de relevância por ser a via de acesso ao individual e ao social. Como tal deve passar a se constituir em um direito do ser humano de forma ampla. As Metas do Milênio das Nações Unidas (ONU, 2000) preconizaram em seus Valores e Princípios, no capítulo referente ao Desenvolvimento e a Erradicação da Pobreza, o direito à Comunicação. Afirma ser preciso lutar para que todos possam aproveitar os benefícios das novas tecnologias, em particular das tecnologias da informação e das comunicações, conforme as recomendações formuladas na Declaração Ministerial do Conselho Econômico e Social de 2000. 91 Como já está claro desde a segunda metade do século XX, é preciso que se afirme o direito dos povos à comunicação, resgatando as recomendações do Relatório MacBride26 que, apesar de ser considerado ambíguo por alguns em seus resultados, devido à própria configuração da comissão que o gerou27, permanece ainda hoje como o mais completo trabalho já produzido sobre a problemática da comunicação no mundo contemporâneo (Zylberberg & Demérs,1992). Sean MacBride afirmou que ao receber o relatório da comissão - verificando a falta de uniformidade e o fato de ser muito prolixo em algumas partes - desejou reescrevê-lo. Mas não havia tempo para a correção do estilo, “prejudicado pela grande diversidade das correntes lingüísticas, culturais e filosóficas entrelaçadas nesse amplo mosaico sobre a comunicação” (MacBRIDE, 1983:13). Revelou que o consenso existente em relação aos problemas importantes, dúvidas em aberto e a exigência de uma análise permanente para a construção de uma Nova Ordem da Informação, Havia a concordância da totalidade dos membros da histórica comissão de que seria fundamental a realização de reformas estruturais no setor de comunicação, pois a ordem existente mostrava-se inaceitável. A grande colaboração da comissão que, salientou MacBride na época, era amplamente representativa em termos de diversidade ideológica, política, econômica e geográfica do mundo, foi ter conseguido delimitar, analisar e esboçar soluções aos problemas de comunicação existentes no mundo àquela altura. Um esforço embrionário, na percepção de MacBride, para o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação. Essa seria um processo em mudança contínua na busca dos seguintes objetivos: maior justiça, maior equidade, maior reciprocidade no intercâmbio da informação, menos difusão de mensagens em sentido descendente, 26 , Elaborado pela comissão presidida por Sean MacBride – jornalista, político e jurista irlandês, ganhador dos prêmios Nobel e Lênin da Paz – que iniciou seus trabalhos em dezembro de 1977, apresentados em maio de 1980. Na divulgação do Relatório One World, Many Voices, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, seguidos pelo Japão, abandonaram a UNESCO por discordarem dos matizes ideológicos de suas recomendações. http://www.communicationofsocialchange.org/mazi-articles.php? 27 A Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, composta por notáveis especialistas internacionais em cultura e comunicação, foi integrada por Elie Abel (EUA), Hubert Beuve-Méry (França), Eleke Ma Ekonzo (Zaire), Gabriel García Marquez (Colômbia), Sergei Losev (União Soviética), Mochtar Lubis (Indonésia), Mustapha Masmoudi (Tunísia), Michio Nagai (Japão), Fred Isaac Akporuano Omu (Nigéria), Bogdan Osolnik (Iugoslávia), Gamal ElOteifi (Egito), Johannes Pieter Pronk (Holanda), Juan Somavía (Chile), Boobli George Verghese (Índia), e Betty Zimmerman (Canadá). 92 maior “autossuficiência” e identidade cultural e maior número de vantagens para toda a humanidade. Os princípios que regeriam a Nova Ordem foram determinados no exame dos problemas gerais em reuniões com especialistas e na troca de idéias entre os membros da Comissão. A partir da organização de um grande encontro internacional, foram estabelecidos problemas como os de conteúdo da informação, a exatidão e o equilíbrio na apresentação dos fatos e das imagens, as infra-estruturas dos serviços de informação, os direitos e deveres dos jornalistas e das organizações em relação à coleta e difusão de notícias e os aspectos técnicos e econômicos de suas operações (MacBRIDE, 1983). Além das reuniões ocorridas na própria UNESCO, a Comissão se reuniu quatro vezes em diversos países - Suécia, Iuguslávia, Índia e México – determinante para que os problemas culturais e sociais de natureza tão diversa fossem melhor compreendidos. O fato de estar in loco permitiu o contato direto com profissionais e pesquisadores com diferentes opiniões sobre os aspectos fundamentais da comunicação nas várias sociedades. Assuntos como a interação da sociedade e os meios de comunicação social, a cooperação entre os países em desenvolvimento e a relação entre comunicação e desenvolvimento foram debatidos em mesas redondas, integradas também por representantes dos governos, nos quatro cantos do mundo. Na América do Sul o eixo do debate girou em torno da temática da correlação entre a cultura e a comunicação. Na análise sobre o trabalho realizado pela Comissão em seus três anos de existência, presente no prólogo do livro resultante One World, Many Voices, foi dito que a consulta direta sobre os assuntos essenciais foi imprescindível para: “esclarecer as interconexões entre os problemas fundamentais da comunicação e confirmar a nossa idéia da Comissão de que existem vínculos estruturais entre esses problemas e as estruturas sócioeconômicas e culturais de que se revestem definitiva e inevitavelmente os problemas de comunicação, daí a sua importância primordial nos planos nacional e internacional” (MacBRIDE, 1983:14) As palestras básicas foram enriquecidas pelo exame de centenas de documentos escritos por especialistas do mundo inteiro e versaram sobre aspectos 93 concretos da comunicação e as suas percepções sobre o campo. Essa riqueza de material permitiu à Comissão realizar uma análise comparada de pontos de vista díspares. E, principalmente, possibilitar que problemas próprios da comunicação pudessem ser vistos sob novos prismas. Sean MacBride ressaltou o enriquecimento dos contatos profissionais pela possibilidade da participação em mais de vinte conferências, seminários, reuniões e debates de iniciativa das organizações internacionais, associações profissionais internacionais, de países não alinhados e instituições regionais e nacionais direcionadas à informação e à comunicação. Além de toda essa riqueza no mapeamento dos problemas da comunicação no final dos anos 70, outros atores como organismos internacionais, regionais e nacionais, centros de pesquisa, associações profissionais, escolas de jornalismo e universidades contribuíram, disponibilizando documentação e comentários. Na realização da XX Conferência Geral da UNESCO, ocorrida em 1978, o relatório provisório foi apresentado permitindo o seu enriquecimento com centenas de observações de pessoas físicas, organismos e governos. O trabalho da Comissão MacBride foi apresentado como uma sondagem mundial das “opiniões de indivíduos e instituições, a partir de uma massa sem precedentes de documentos, procedentes de uma enormidade de fontes, que representam a série mais ampla possível de matizes ideológicos, sócio-econômicos e culturais”. MacBride (1983:16). A origem dessa emblemática Comissão Internacional de Estudo dos Problemas da Comunicação, que gestou o polêmico Relatório MacBride, está associada à XIX Conferência Geral da UNESCO realizada em Nairóbi, em 1976. Nela houve uma prevalência no debate dos aspectos fundamentais da comunicação entre os povos e entre as nações. Ao mesmo tempo, o projeto de Declaração sobre os princípios fundamentais que norteariam a contribuição dos meios de comunicação para o fortalecimento da paz e da compreensão internacional para promoção dos direitos humanos, para a luta contra o racismo, o apartheid, a incitação à guerra - como a que a África do Sul, segregacionista, promoveu naqueles anos contra Angola - gerou um debate difícil. Para que o exame dos temas fosse facilitado e as controvérsias atenuadas foi proposta a realização de uma análise aprofundada “da totalidade dos problemas da informação e da comunicação na sociedade moderna”. MacBride (1983:481). Após um longo debate, os conferencistas aceitaram priorizar medidas destinadas a reduzir as desigualdades no acesso à informação, existentes entre os 94 países desenvolvidos e em desenvolvimento. Convencionaram que seria importante estabelecer a circulação internacional da informação de forma mais livre e equilibrada. A partir dessas diretrizes, determinada a necessidade de mapear os problemas da comunicação na sociedade, a comissão internacional composta de 16 membros seria designada em dezembro de 1977. O seu dever seria elencar os problemas de comunicação do mundo na época a partir de diretrizes determinadas. O ponto de partida foi a UNESCO como a principal tribuna de debate sobre a comunicação e as diferenças no acesso dos países à informação. O percurso do início dos anos 60 até a constituição da Comissão evoluiu a partir do fomento da UNESCO a acordos pioneiros para estabelecer intercâmbios internacionais de informação. Foram viabilizados projetos para criação de agências de notícias nacionais interligadas. O objetivo proposto pela UNESCO era o de aumentar os meios de expressão dos países em desenvolvimento e promover o intercâmbio de notícias e produtos da indústria cultural. Desta forma, filmes e outras produções poderiam circular em benefício de todos os países integrantes da cooperação. Isto garantiria, principalmente, a possibilidade de que a cooperação resultasse na informação a serviço da educação e do desenvolvimento. MacBride (1983). Nos anos 70, delegações de países em desenvolvimento participantes da XVI Conferência Geral da UNESCO solicitaram a organização de sistemas mais bem adaptados e equilibrados de intercâmbio de informação e o direito à identidade cultural, explicitando a problemática da distribuição desigual dos meios de informação. Esse foi o deflagrador do processo que, após dois anos, fez com que delegados da maioria dos Estados-membros destacassem, veementemente, os perigos que adviriam da circulação desequilibrada da informação. A colocação do problema permitiu que a direção-geral da UNESCO autorizasse pesquisas sobre a formulação das políticas de comunicação e a elaboração de estratégias e planos nacionais de comunicação, que levassem ao desenvolvimento. Na ocasião da XVIII reunião, em 1974, a Conferência Geral recomendou à UNESCO da América Latina realizar uma conferência intergovernamental sobre as políticas de comunicação no ano seguinte. E a preparação de uma conferência nos mesmos moldes da que ocorreria em 1977 na Ásia. O objetivo das conferências foi o de “facilitar a comunicação entre as nações, entre os povos e adquirir um conhecimento mais exato do papel que desempenham os meios e os processos de 95 comunicação na aplicação das políticas e dos planos de desenvolvimento nacional” (MacBride, 1983:64). A primeira conferência sobre políticas da comunicação ocorreu no ano de 1976 em San Juan da Costa Rica e acolheu a demanda de formulação de novas políticas nacionais e internacionais de comunicação. E, não só isso, como também os participantes entenderam ser fundamental o estabelecimento de conselhos nacionais de comunicação, desenvolvimento de pesquisas científicas na área e a criação de agências nacionais e internacionais de notícias. Considerada a comunicação como uma força poderosa entre as nações, os Estados integrantes da conferência de San José da Costa Rica declararam que as políticas nacionais de comunicação deveriam se concebidas considerando os seguintes aspectos: (i) a realidade nacional; (ii) a liberdade de expressão; (iii) os direitos individuais e sociais. Quando à conferência prevista para a Ásia ocorreu em Kuala Lampur, em fevereiro de 1977, foram estudados os aspectos de uma política de comunicação relacionados à Ásia e à Oceania. Foi destacado o papel decisivo da comunicação como modo de afirmação da identidade coletiva de uma nação, como instrumento de integração social e na democratização das relações sociais. Uma das conclusões geradas foi a de “que o esforço para a definição de algumas políticas globais e coerentes de comunicação nos planos nacional e regional deve-se se estender, nos próximos anos, às outras regiões do mundo” (MacBride,1983:65). Naturalmente foram temas que geraram debates acalorados e, conforme descreveu Sean MacBride, até mesmo conflitos violentos. Na época de divulgação do Relatório Mac Bride as discussões acadêmicas e políticas sobre a comunicação versaram sobre sua relação com o processo de desenvolvimento dos países do Sul. O direito à liberdade de Comunicação era permeado pela bipolaridade da configuração geopolítica internacional no período da Guerra Fria. Países detentores de ideologias de direita ou de esquerda buscavam impor sua visão de mundo para toda a sociedade planetária. Nesse período, batalhas reais ou simbólicas – divisão da Europa após a Segunda Guerra, da Coreia e do Vietnã, invasões da Hungria e Checoslováquia, militarismo na América Latina – eram confrontos também pelo domínio da Comunicação pelos Estados. É nesse cenário que surge o conceito de Políticas Nacionais de Comunicação a partir dos anos 50, originado no debate desenvolvimentista que dominou a UNESCO por três décadas. Na época, a agência das Nações Unidas para a 96 Educação, Ciência e Cultura recebera a filiação de países recém-saídos de processos de descolonização, que passaram a ser a maioria na organização. Naturalmente, os novos membros eram países de representações anti-imperialistas e com governos de tendências socialistas ou de organização ou formas capitalistas não alinhadas aos países centrais da América do Norte e da Europa. Até então hegemônicos na UNESCO os membros históricos vinham impondo, desde os anos 50, uma linha política liberal do livre-fluxo da informação, de acordo com os princípios de mercado. Zylberberg & Demérs (1992). Por ocasião da polêmica divulgação das conclusões do relatório da UNESCO o Brasil viveu o período em que o debate das políticas nacionais de comunicação desapareceu dos contextos acadêmicos e políticos dos anos 80, amordaçado pela onda neoliberal e pelo autoritarismo. Após a lacuna que se segue na teorização sobre o direito à comunicação coincidente à configuração das grandes e poderosas redes de comunicação comerciais internacionais e nacionais, percebe-se que o projeto da nova sociedade de Wiener não se concretizou. A “sociedade da comunicação” encarada não como um tema importante, mas como o centro de todas as coisas e a possibilidade da construção de uma nova utopia: a ideologia da comunicação como alternativa às ideologias da barbárie. Mais de trinta anos após a divulgação das recomendações de que a comunicação fosse um instrumento para a instauração da paz, da democracia e do desenvolvimento para todos os povos, não devendo ser utilizada de forma vertical, a comunidade internacional ainda mantém esse debate em aberto. O intuito de ampliar de forma irrestrita e imediata a concepção do direito à informação para direito à comunicação, - ambos integrantes dos direitos humanos -, e assim dar voz às pessoas em todo o mundo, por meio da Comunicação para o Desenvolvimento ainda está por se fazer. A Nova Ordem se faz agora A busca do acesso às tecnologias da informação e do acesso à comunicação irrestrita para alavancar o desenvolvimento humano e a construção permanente de cidadania, traz em si a complexidade do inacabado. Por isso, é sempre é necessária 97 a afirmação e a reafirmação e o apoio internacional a esse direito frente às sociedades autoritárias. As rebeliões no mundo iniciadas no norte da África e que alcançaram o Oriente Médio, nessa segunda década do século XXI, desnudaram aos olhos do mundo, em tempo real, o conflito latente por anos de subjugo, pela falta de liberdade, pelo desrespeito aos direitos humanos, pela inexistência de garantias individuais e sociais, pelo cerceamento do direito à informação, à comunicação e à liberdade de imprensa. Tais como se apresentam nas sociedades pós-conflito. E contra tudo aquilo destacado no Relatório MacBride. Mas, apesar de tudo, como um rastilho de pólvora o levante se espalhou pela região, levando o povo às ruas em diversos países, sucessivamente, mostrando imagens que valeram mais do que mil palavras. O mundo viu representantes ditatoriais, há décadas no poder, ruírem um a um em efeito dominó ameaçados e vencidos pelo povo, pela Comunicação para o Desenvolvimento e pelas redes sociais. Apesar do cerceamento do trabalho da imprensa internacional, ditadores quase vitalícios despencaram sob a ameaça da comunicação. Mostrando que, talvez, a preconizada Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação tenha se instalado naquela parte do mundo. E iniciado um processo para que, finalmente, a Comunicação assuma a complexidade e o poder de iniciar mudanças sóciopolíticas e de vencer conflitos. Ou assuma o significado descrito por MacBride de que o princípio da liberdade de expressão, aplicável a todos os povos do mundo, não admite exceção por ser inerente a dignidade humana28. Por ser um direito humano fundamental. 28 Textos relacionados de garantia do direito à informação e comunicação: Art. 19 da Declaração dos direitos humanos (1948) em que fica explicitado que o direito de liberdade de opinião e de expressão garante “não ser incomodado por causa de suas opiniões, pesquisar e receber informações e opiniões e o de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão”. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) afirma que o “direito à liberdade de expressão compreende a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerar fronteiras, seja oralmente, por escrito ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro procedimento da sua escolha”. A Declaração dos princípios da cooperação cultural internacional, aprovada na Conferência Geral da Unesco (1966) declara que: “a ampla difusão das ideias e dos conhecimentos, baseada no intercâmbio e na confrontação mais livres, é essencial para a atividade criadora, a procura da verdade e o cabal desenvolvimento da pessoa humana”. Art II da Declaração sobre os princípios fundamentais em relação à contribuição dos meios de comunicação de massas para o fortalecimento da paz e da compreensão internacional, para a promoção dos direitos humanos e para a luta contra o racismo e o apartheid e a incitação à guerra. Unesco (1978) declara: “ o exercício da liberdade de opinião, da liberdade de expressão e da liberdade de informação, reconhecido como parte integrante dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, constitui um fator essencial do fortalecimento da paz e da compreensão internacional”. Declaração dos governos dos Estados fundadores na constituição da Unesco: (1946) para garantir “a possibilidade de pesquisar livremente a verdade objetiva e o livre intercâmbio de idéias e de conhecimentos” 98 O processo de instalação de uma Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação possivelmente esteja a emergir neste início de década para instaurar a justiça, a liberdade e a paz. O despertar e a mobilização das forças sociais em uma ação de reivindicatória de base, de resistência e de oposição ao tiranismo, na luta para que as sociedades, antes oprimidas, tornem-se mais equitativas, mais justas e mais democráticas. Desnudando as relações fundamentais que existem entre a Comunicação para o Desenvolvimento e a liberdade. Entre a comunicação e o poder. E como que realizando a previsão de trinta anos atrás: (...) “Essa liberdade, frequentemente adquirida com esforço e contra a autoridade – qualquer seja essa, política ou econômica – à custa de grandes sacrifícios, inclusive da própria vida de alguns de seus defensores, constitui uma das conquistas mais valiosas da democracia, ao mesmo tempo em que a sua garantia essencial. A existência da liberdade de expressão – ou a inexistência – é um dos índices mais seguros de liberdade, nas suas diversas formas, num determinado país. (MacBRIDE, 1983, p. 29) A exposição à comunidade internacional das mazelas a que países ainda submetem seus habitantes, em pleno século XXI, fará com que o ditador que mandou bombardear o seu povo para manter um poder decrépito, que ele pretendia hereditário como as nossas capitanias coloniais, entre para a história como o exemplo vivo da intolerância e da incompetência social e política. Kadafi, em seus 41 anos de poder absoluto na Líbia não construiu uma nação. Manteve o país como diversas tribos com lealdade apenas aos níveis locais de comando, para realizar a máxima de Maquiavel: dividir para governar. Mas ventos de mudança varreram o norte da África e o Oriente Médio com a força de um furacão. Sob pressão da Human Rights Watch, da Anistia Internacional e da Comunidade Internacional a Assembléia Geral da ONU (01/03/2011) suspendeu a Líbia de seu Conselho de Direitos Humanos por cometer “sistemáticas violações dos direitos humanos”. A embaixadora americana na ONU manifestou profunda preocupação com a situação dos direitos humanos no país: “pessoas que apontam armas para seu próprio povo, não têm espaço no Conselho de Direitos resolveram “desenvolver e intensificar as relações entre os seus povos, a fim de que esses se compreendam melhor entre si e adquiram conhecimento mais preciso e verdadeiro das suas respectivas vidas”. 99 humanos” afirmou Suzan Rice, incitando Kadafi a deixar o país imediatamente por ter perdido a legitimidade para governar. O fato de que os países da Liga Árabe e os da União Europeia não mais reconheceram Kadafi como líder da Líbia, abriu espaço para bombardeios dos países da coalizão e nos dão indício do que poderá se desenrolar na região daqui para frente. Mas, como dizia Hemingway, quem estudou a história sabe que uma revolução não será viável sem que ocorra antes um completo colapso da estrutura militar. Acrescentava, para compreender isso é preciso que saibamos o que acontece numa derrocada militar. É tão profunda e completa a decepção provocada pelo sistema que levou o país a tal situação, é tão radical a destruição e expurgo de todos os padrões, crenças e fidelidades vigentes, quando a guerra está sendo travada por um exército não profissional de conscritos, que uma catarse impõe-se antes de desencadear a revolução. (HEMINGWAY, 1969, p.216) O congelamento de ativos financeiros de Muammar Kadafi, familiares e auxiliares, o embargo de armas e a denúncia do ditador ao Tribunal Penal Internacional são vistos pelo embaixador da França nas Nações Unidas como um passo e um precedente importantes. Gérard Arnaud29 declarou: a preocupação não é o petróleo, e sim que a Líbia está do outro lado da rua. A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) enviou duas equipes humanitárias à região para ajudar e fornecer alimentos e medicamentos aos líbios que fogem para a Tunísia e para o Egito. A chanceler americana, Hilary Clinton30, ressaltou que “os EUA não desconsiderarão nenhuma opção enquanto o governo líbio continuar a apontar armas contra a sua população”. Enquanto os embaixadores árabes e africanos afirmavam extra-reuniões que serviam a ditadores e regimes autoritários, mas que também são seres humanos e comovidos com os acontecimentos - informou o 29 Mais informações em http:// oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/03/01/embaixador-que-liderou-negociações- por-sanções-acha-que-libia-abre-precedente-interanacional-923909967.asp 30 Mais informações em http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/03/01/eua-enviam-mais-dois-navios-militarespara-aumentar-pressao-sobre-regime-de-kadafi-na-libia-923906721.asp 100 embaixador Arnaud da França - navios americanos reforçavam a posição militar na região e a coalizão se estruturou para a guerra. Os conflitos revolucionários da África islâmica surgem para instaurar uma nova realidade. Como na Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação podem ser definidos como um processo - e que instala uma dúvida - para onde nos levará? O presidente francês Nicolás Sarkozy que convive com um conflito que se desenrola do outro lado da sua rua, e a quem coube iniciar os bombardeios à Líbia, fez uma profética declaração: “O que está ocorrendo no mundo árabe é histórico. Sem a ajuda de ninguém, com uma coragem incrível, esses povos derrubaram regimes em nome de valores caros a nós, como a liberdade, democracia, justiça e direitos humanos. Pela primeira vez na história, esses princípios podem triunfar em ambos os lados do mediterrâneo. Não acho que essas revoluções devam ser temidas. Na Tunísia e no Egito, nenhum manifestante gritou «abaixo o ocidente» e não se ouviram palavras de ordem extremistas ou fundamentalistas. O que se pediu nas ruas foi o respeito aos direitos básicos dos cidadãos”. Sarkosy (2011). Para Sarkosy será preciso aumentar em 70% a produção agrícola mundial se quisermos alimentar os 9 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em 2050. E que o mundo tem, neste ano de 2011, um bilhão de pessoas desnutridas. Para piorar a situação os preços dos produtos agrícolas dispararam em função dos conflitos. “Podemos dizer que nada nos garante que não veremos novas revoltas causadas pela fome ainda este ano”.31 concluiu o presidente francês. E como tudo isto se iniciou? Ocorreu uma nova ordem de reivindicação de direitos? E quais direitos? E quais aspirações? A Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação foi concebida como processo que poderia se modificar permanentemente. E não como um conjunto de condições práticas. Mas com objetivos que continuam e continuarão a ser os mesmos que previu a Comissão: maior justiça, maior equidade, maior reciprocidade no intercâmbio de informação, menos dependência em relação às correntes de comunicação, menos difusão em sentido descendente, maior “autossuficiência” respeito à identidade cultural dos povos e maiores vantagens para toda a humanidade (MacBRIDE, 1983). Ouso dizer que o processo assumiu a feição do século XXI e que a Nova Ordem se coloca com toda a sua força. Agora não mais depende dos meios de 31 Entrevista à Revista Veja, seção páginas amarelas, edição de 11/07/2011. 101 comunicação, não mais depende da autorização dos conglomerados de comunicação, de diretores, governantes. Ela criou vida própria e materializou-se por meio das redes sociais, pelos celulares, pela comunicação interpessoal. E se multiplicou internacionalmente, num caminho que não mais terá retorno. A complexidade do inacabado e do aprimorar constante está se pondo aos nossos olhos globalmente. O século XX descobriu a perda do futuro, como nos coloca Morin (2002). Descobriu sua imprevisibilidade e o fato de que a nossa história nos leva ao rumo do desconhecido. A um futuro aberto e imprevisível. As próprias determinantes econômicas e sociológicas encontram-se em relação instável e incerta com acidentes e imprevistos. A recessão econômica iniciada em 2007 e que se abateu sobre o planeta é um exemplo disso. A crise política que resultou na queda dos regimes totalitários no norte da África revela esta complexidade. Um pensamento complexo reconhece ao mesmo tempo a incompatibilidade e a necessidade de unificação. Como afirma Morin (2008) “Deve, pois, tipicamente, visar à totalização, à unificação, à síntese, pois como consciência absoluta é irremediável do caráter inacabado de todo o conhecimento, de todo o pensamento, de toda a obra”. (MORIN, 2008, p. 37). O sociólogo descreve a ambiguidade deste pensamento, que só assim, poderá fazer jus a este mundo de incertezas concretíssimas. Por ser aquele que reflete a incerteza enquanto concebe a organização ele está apto a unir, contextualizar, globalizar e ao mesmo tempo reconhecer o singular, o individual e o concreto. O fato de que o pensamento complexo não se reduz nem à ciência nem à filosofia permite que aconteça uma comunicação entre os conhecimentos servindolhe de ligação. E o mais importante que poderemos apreender é que o modo complexo de pensar também permitirá desvendar problemas políticos e sociais, ressalta Morin (2000). Isto porque um pensamento que enfrenta a incerteza pode esclarecer as estratégias do nosso mundo incerto. Um pensamento que une pode iluminar uma ética da religação ou da solidariedade. “O pensamento da complexidade tem igualmente seus prolongamentos existenciais, ao postular a compreensão entre os homens” (MORIN, 2000). 102 4 O ESTUDO DE CASO EM ANGOLA 4. 1 Angola: história de reinos milenares subjugados Angola conta com uma área total de 1.246.700 quilômetros quadrados (incluindo a província de Cabinda) o que lhe confere a posição de sétimo maior país da África Subsaariana, mas é também um dos menos povoados. O país limita-se ao Norte com o Zaire, ao Oeste com a Zâmbia e ao Sul com a Namíbia. Os 7.270 quilômetros quadrados do enclave de Cabinda, separados do restante da área de Angola por parte do território do Zaire, limita-se com o Norte do Congo. Mapa 1 – Províncias angolanas Mapa 2 – Angola na África Como toda a África tropical, Angola tem distintas e alternadas estações de chuva e seca. No Norte a estação das chuvas dura sete meses, normalmente de setembro a abril. No Sul a estação das chuvas começa em novembro indo até 103 fevereiro. A estação das secas (cacimbo). A temperatura cai com a distância do equador, com a altitude e com a proximidade do Oceano Atlântico. A média anual da temperatura é próxima aos 26ºC. Mas é menor, cerca de 16ºC, em Huambo, no temperado platô central. Os meses mais quentes são julho e agosto, no meio da estação da seca. Após cinco séculos como colônia portuguesa, Angola tornou-se independente em novembro de 1975. Apesar da riqueza em petróleo, gás, diamantes, minérios e terras férteis, em 1988 ainda não havia conquistado a paz e a prosperidade. A guerra devastava a zona rural e a economia do país. As potências estrangeiras continuavam a determinar os destinos de um povo que foi subjugado ao ultraje da escravidão, sofreu a indignidade dos trabalhos forçados e da opressão, mas que sabia agüentar desde o tempo dos reinos indígenas (CORELLO, 1989). Foto 22 – As cores da África 104 A população divide-se em categorias etno-linguísticas elaboradas pelos portugueses e por africanos tendo os limites físicos delimitados com base nessa sistematização. Apesar das divisões terem adquirido significado com o tempo (Vallodoro, 1990) para as pessoas nelas incluídas no período colonial e durante a luta nacionalista, as categorias não eram fixas e internamente homogêneas. Por isso, foram se alternando em função de mudanças históricas. As três maiores categorias são a dos Ovibundo, os Mbundu e os Bakongo – que constituem três quartos da população. Os mestiços que são em torno de 2% tiveram importante papel no partido no poder desde a independência. Educados na Europa, se destacavam em uma sociedade em que as pessoas foram pouco educadas. Mas eram alvo de ressentimento por se identificarem como portugueses e por se considerarem por vezes superiores aos africanos. Ao assumir a presidência em 1979, José Eduardo dos Santos, visando minimizar os ressentimentos, diminuiu a participação de mestiços no poder substituindo-os como funcionários de alta patente do governo, por indivíduos de outras etnias. Pouco se conhece sobre o verdadeiro funcionamento dos sistemas sociais indígenas, alterado no período colonial. Ao contrário dos demais colonizadores – há minuciosos relatos dos ingleses sobre os hábitos hindus - os portugueses não fizeram um relato sistemático das sociedades encontradas no continente africano quando aportaram naquelas terras. Os grupos constituídos como clãs ou tribos, foram baseados na descendência de um ancestral comum, na maioria dos casos, um ancestral comum do sexo feminino (VALLODORO, 1990). Apesar disso, com raras exceções, a autoridade sempre esteve com os homens. Apesar de terem durado muito tempo esses agrupamentos perderam muito de seu significado no fim do colonialismo. Um dos motivos foi a devastação causada pela insurgência da UNITA que provocou o deslocamento em massa de grande parte da população da área rural, palco principal dos combates. A estrutura nacional imposta pelos portugueses foi quase totalmente destruída pelas instituições marxista-leninistas criadas após a independência, em 1975. Isso pude constatar in loco ao visitar a Faculdade de Ciências Agrárias do Huambo. Local onde Jonas Sambinvi fez seu esconderijo e onde foi morto após ser traído por um correligionário. Parecia um prédio abandonado às pressas, o que de fato ocorreu. Salas de mapas, a gráfica onde eram impressos livros, salas administrativas, amplos espaços vazios. Mostravam o que acontecera anos antes. 105 Todos fugiram e ficaram as mesas vazias, as mesas com os mapas como se tivessem sido consultados há pouco. Vários prédios do complexo da Universidade vazio de funcionários, professores e alunos. Na altura a Faculdade de Ciências Agrárias se reorganizava e foi escolhido como um importante player do Projeto Terra para difundir o conhecimento em delimitação de território. O MPLA investiu contra tudo o que chamou de pequenas tendências burguesas, mas aceitou a iniciativa privada e foi tolerante com o ganho pessoal como alternativa aos enormes problemas econômicos e administrativos. Apesar de ser contra a religião o governo marxista-leninista não proibiu as instituições religiosas. Os missionários foram importantes na educação dos angolanos quando, na época colonial, a escolaridade foi negada aos africanos pelas autoridades coloniais. Muitos eram católicos e protestantes, mas o governo acreditava que grandes grupos organizados poderiam ameaçar a sua estabilidade. Além disso, era antagônico a igreja católica romana que não se posicionara contra o colonialismo português. Os protestantes, por terem evitado laços próximos com as autoridades coloniais eram mais bem aceitos. As religiões indígenas influenciavam e influenciam a vida de grande parte da população que também se diz cristã. O governo não tinha angolanos educados para prover a ocupação de cargos especialmente nas áreas técnicas, nos setores econômico e governamental. A oferta de educação nos níveis primários e secundários progrediu apesar da falta de professores Vallodoro, (1990), principalmente nas áreas rurais onde a ação da UNITA foi maior. 106 Fotografia 23 – Família no quintal Muito antes dos navegantes portugueses Os ancestrais dos atuais angolanos estavam na terra milhares de anos antes da chegada do primeiro português, no final do século XV. Entre os reinos indígenas, um dos primeiros e provavelmente dos mais importantes reinos pré-coloniais tenha sido o do Kongo que existiu entre os séculos XIII e XIV, na área que hoje ficaria entre Angola e o Zaire. Ao chegarem os colonos portugueses, que tinham como objetivo estabelecer o comércio negreiro destruíram muito da organização social existente. Apesar das intenções iniciais, os exploradores perceberam as vantagens econômicas e estratégicas de estabelecer relações amistosas com os líderes dos reinos do interior de Angola. Previsivelmente no meio do século XVI o tráfico de escravos suscitou uma inimizade entre portugueses e africanos que durou até a independência (CORELLO; 1989). 107 Foto 24 - Jovem Mumuíla Como o que ocorreu na colonização do Brasil no século XVI, os portugueses que foram para Angola eram exilados e criminosos – os degredados – que se envolveram ativamente no tráfego de escravos e espalharam corrupção e desordem endêmicas, que se expandiu por toda a colônia. A falta de escrúpulos dos degredados fez com que os angolanos desprezassem os colonizadores portugueses da época Corello (1989). Posteriormente, no início do século XX, afluíram para Angola camponeses portugueses, fugidos da pobreza da metrópole, que passaram a cultivar a agricultura e a buscar outros meios de subsistência. De um modo geral, os colonos tardios não tinham capital, educação ou mesmo comprometimento com a nova pátria. 108 Nesse contexto, é preciso ressaltar a diversidade existente em Angola decorrente não só da multiplicidade de grupos étnicos - a maioria do substrato Bantu - como pela sua própria história. Os portugueses estiveram 500 anos em algumas regiões, menos de um século em outras e não se aventuram em muitas das áreas recônditas do interior do país. A diversidade é determinada, também, pelas fronteiras com quatro países e sua localização entre as Áfricas francófona (central) e a anglófona (austral) (ADRA, 2003). O início da insurgência: abandonada à própria sorte Quando no começo dos anos trinta o Estado Novo foi instituído em Portugal, Antonio Salazar deixou Angola à sua própria sorte. Não investiu em infraestrutura social e econômica adequada ao desenvolvimento no longo prazo. A ideia do ditador era que o aumento de densidade do povoamento rural branco no país, “civilizaria” os africanos. Mesmo ainda na segunda metade do século XX os princípios da ocupação portuguesa ainda se baseavam na “diferenciação administrativa”, os angolanos eram considerados inferiores e não lhes eram dadas oportunidades para desenvolver sua própria cultura, ou condições de participação no mercado. Os colonizadores discriminavam política, econômica e socialmente os angolanos, que eram divididos em “assimilados” – os que adquiriram certo grau de educação e o modo de vida ao estilo europeu, tendo direito à cidadania portuguesa, mas sem todos os direitos previstos em Lei aos demais cidadãos portugueses -, e “indígenas” denominação conferida às populações autóctones. A legislação portuguesa remeteu essas populações para uma situação de exclusão sem direitos reconhecidos - excluídas em termos econômicos, sociais, culturais, políticos e simbólicos – e, regidas pelo Estatuto dos Indígenas. Essa discriminação perdurou até 1961, no início da luta armada, quando foi abolido. Mas o mal duraria até a independência. Os poucos oficiais e cidadãos portugueses que denunciaram os maus tratos aos africanos foram ignorados ou silenciados pelos governos coloniais. 109 Até 1940 os portugueses constituíram menos de 1% da população em Angola e somente em 1950 a proporção atingiu o índice de 2% portugueses no país. O crescimento dos europeus e a continuação da prática do trabalho forçado – que não foi abolido até 1962 – além de outros abusos levaram a uma intensificação do conflito racial. Vallodoro (2000). Foto 25 – Mumuíla idosa Nos anos 50, associações lideradas por africanos e mestiços - com explícitos objetivos políticos - iniciaram a surgir em Angola. O salazarismo, no entanto, cala os movimentos e os líderes se exilam. Dez anos mais tarde, esses grupos políticos estavam suficientemente organizados, apesar de dividirem-se de acordo com lealdades étnicas e animosidades pessoais, e iniciaram a movimentação para a independência. Ao mesmo tempo, grande parte da população afetada pela perda de terras, trabalho forçado e pressão de uma economia em declínio, estava pronta para se rebelar. Eclodem violentos eventos nas zonas urbana e rural – tendo por muitas 110 vezes angolanos armados de forma rudimentar e ineficaz – marcando o início de uma longa luta pela independência. Portugal para manter o poder econômico e político sobre a colônia estava preparado para usar a força militar. Em 1974, entretanto, o exército português, cansado da guerra em Angola e nas demais colônias portuguesas, derrubou o regime de Lisboa (CORELLO, 1989). O novo regime deixou Angola à sua própria sorte, abandonando-a aos três principais movimentos anticoloniais. Confronto bipolar A diferença ideológica e a rivalidade entre as lideranças dividiram os movimentos. Imediatamente após a independência, em 1975, a guerra civil eclodiu entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e União para a Independência Total de Angola (UNITA). O conflito caracterizou-se adicionalmente como um confronto bipolar, uma vez que havia interferência e o apoio internacional aos dois principais litigantes. Os Estados Unidos da América (EUA) e a África do Sul alinharam-se à UNITA, enquanto o MPLA era beneficiado com o apoio soviético e cubano (Paris, 2005:64). O país viveu então um longo período em guerra, período iniciado na guerra da independência deflagrada pelos três movimentos de libertação com suas ideologias e consequentes apoios externos. Os movimentos, que não possuíam características democráticas, evoluíram para partidos autoritários após a independência. Entre 1961 e 1974 a guerra pela independência de Portugal devastou Angola. Os três movimentos entraram em guerra por um breve período em 1975 em uma disputa pelo poder que resultou na declaração da independência pelo MPLA que controlava a capital Luanda, em novembro daquele ano. Na sequência eclodiu a guerra civil, que durou de 1975 a 1991, entre UNITA e FNLA contra o MPLA. O desfecho foi o acordo de Paz que permitiu a transição política para um governo multipartidário. Entretanto, as pressões do exército sul-africano do regime do apartheid, em apoio à UNITA e contra movimentos guerrilheiros da Namíbia e África do Sul que estavam em solo angolano, motivaram mais uma guerra. 111 A África do Sul que temendo uma guerra do MPLA - de ideologia soviética – invadiu Angola o que motivou a rápida reação da União Soviética e de Cuba que forneceram apoio logístico e armamentos possibilitando ao MPLA, dirigido por Agostinho Neto, assumir o controle do governo. O MPLA que se declarava um partido marxista-leninista de vanguarda enfrentou a tarefa de restaurar os setores agrícola e de produção, praticamente destruídos na saída dos portugueses e em decorrência do longo período das guerras. Agostinho Neto percebeu que as políticas marxistas - leninistas tradicionais, que pregavam a expropriação em larga escala e a propriedade estatal, poderiam prejudicar os esforços de reabilitação. Para contornar o problema permitiu a participação privada no setor comercial e na indústria em pequena escala. Além disso, desenvolveu importantes relações econômicas com os países ocidentais, especialmente em conexão com a indústria de petróleo angolana. Após a morte de Agostinho Neto, em 1979, seu sucessor José Eduardo dos Santos, herdou grandes dificuldades econômicas. Aliado a isso, havia os enormes os custos militares para combater a UNITA e as forças sul africanas, que chegaram a representar 50% da receita do país (CIA; 2009). Totalmente dependente dos armamentos soviéticos e do apoio das tropas cubanas, as duas prioridades do regime de Luanda no final dos anos 80 formam: (i) buscar o desenvolvimento econômico; (ii) acabar com a insurgência da UNITA. Diamantes de sangue A recusa do partido oponente em aceitar o resultado das primeiras eleições multipartidárias do país em 1992, reconhecidas pelas Nações Unidas, motivou a mais devastadora das guerras. A UNITA retirou-se para a zona rural e manteve uma guerra de guerrilha, ao passo que a FNLA se tornou paulatinamente ineficaz no norte do país. A guerra civil só terminou com a morte do líder rebelde, Jonas Savimbi, e a rendição e o desmantelamento do seu exército. O movimento rebelde não resistiu ao abandono dos aliados, as consequências de sanções impostas pela ONU e o confronto com um exército superior estrategicamente e em capacidade bélica graças aos recursos petrolíferos. 112 Os Estados Unidos retiraram o seu apoio à UNITA que financiou a guerra com recursos da exploração de diamantes retirados da área sob seu domínio, ao noroeste do país. O regime de trabalho nos garimpos era praticamente escravo e filmes revelaram ao mundo em que condições de trabalho os chamados diamantes de sangue eram garimpados. No período compreendido entre os anos de 1995 e 1997 a UNITA atingiu o recorde de vendas de diamantes de mais de 600 milhões de dólares/ano no mercado ilegal (HODGES, 2003).32 Após o assassinato de Jonas Savimbi, em fevereiro de 2002, na operação denominada Kissonde, com a vitória militar do MPLA foi possível ao partido retomar a prioridade anteriormente estabelecida: fim do confronto interno e início da reconstrução econômica do país. O longo conflito angolano foi alimentado por atores internos desejosos do poder conferido pelo controle dos recursos naturais, por atores externos inseridos no contexto da guerra fria e atores com interesses econômicos sobre as impressionantes riquezas naturais. No final dos 27 anos de confronto armado entre o MPLA e a UNITA, um milhão de pessoas foram mortas, 500 mil se tornaram refugiadas, e existiam em Angola 4,3 milhões de deslocados internos. O país de aproximadamente 13 milhões de habitantes33 teve a infraestrutura física, do sistema econômico e as principais vias de comunicação praticamente destruídas. E milhões de minas enterradas. A reconstrução A longa guerra civil serviu para justificar a falta de desenvolvimento social e econômico, a ausência de serviços públicos e a pobreza extrema da maior parte do povo. A negligência dos governantes por muitos anos com as suas obrigações, surpreendentemente, não despertou alguma forma de consciência de classe na população angolana. Ao contrário, acentuou os elementos de divisão baseados em laços de solidariedade, de família, religião, etnias, o que impossibilitou a mobilização política e a organização dos angolanos em grupos que se identificassem horizontalmente como classes. O que é compreensível numa sociedade dominada 32 33 Atualmente as reservas de diamantes de Angola rendem 7% das receitas estatais no comércio lícito. Estimativas do governo, agências internacionais e sociedade civil, pois o último censo foi realizado em 1970. 113 pela informalização e personalização das relações sociais. E onde existe influência pessoal ao invés de resoluções institucionais para a resolução de questões econômicas e sociais. Além do sentimento de desamparo coletivo, existe a inibição de uma lógica de cidadania. O resultado é uma população dividida, marginalizada e vulnerável em um tecido social cada vez mais fragmentado (Pureza, 2005). A população de Angola se configura em 13.068.161 milhões de pessoas e apresenta uma média anual de crescimento de 2,063% (CIA, 2010). Do total dos habitantes 59% compõem a população urbana, e 43,5% têm menos de 15 anos. Na faixa dos 15 aos 64 anos situa-se 53,7% da população. Um dos países de maior crescimento econômico da África, com um aumento do PIB de 15% (CIA; 2010), tem 65% da população abaixo do nível de pobreza e 80% atuando na economia informal. Fotografia 26 - Produtores de carvão 114 Angola exibe a maior desigualdade social do mundo conforme afirma a ONU. Os milhares de pequenos comerciantes – a maioria informais e ilegais - de Luanda e das principais cidades das demais províncias, que o Fundo Monetário internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) pretendiam enquadrar como uma classe empresarial, são pessoas lutando para a sobrevivência familiar diária e vivendo na mais absoluta miséria (PUREZA, 2005). O sistema escolar, que ficou a cargo de professores cubanos durante a guerra, ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir educação para o povo. Durante o período colonial a educação era proibida aos angolanos o que traz consequências desastrosas até os dias atuais. E como resultado, o índice de alfabetização da população hoje é de 67,4%. Fotografia 27 – Miúdo estudando O português, que é a língua oficial, divide com o Bantu e com outras línguas africanas a adoção pelos povos localizados em Angola. Dos habitantes alfabetizados com mais de 15 anos de idade, 82,9% do total corresponde à população masculina e o índice de 54,2% reflete mulheres que sabem ler e escrever. A quantidade de filhos 115 por mulher é 6,05 e apenas 2,7% das pessoas que nascem e vivem em Angola chegarão aos 65 anos de idade (CIA, 2010). Uma área totalmente decisiva para a economia e para a sociedade é a da saúde. Toda a sociedade democrática [e mesmo as totalitárias] tem a obrigação de garantir a seus membros o direito à assistência médica que, afirma Kliksberg (2001), é o direito mais básico. Além disso, melhorar os níveis de saúde da população exerce toda a ordem de impactos favoráveis e queda nos custos ligados a doenças. De acordo com as estatísticas das Nações Unidas Angola é um dos piores países do mundo para a infância com índices alarmantes de mortalidade infantil. Possui baixo percentual da população com acesso a recursos sanitários (56%) e serviços de saúde (25%). A água potável chega a 62% da população e 50% dos angolanos não têm acesso à eletricidade.34 Em 2007, uma séria epidemia de cólera assolou Angola, com milhares de casos e centenas de mortes verificadas também na capital onde existe melhor estrutura de atendimento. A malária é endêmica e doenças infectocontagiosas, que decorrem da falta de saneamento e da desnutrição, são responsáveis pela expectativa de vida de apenas 38,48 anos no país. A mortalidade infantil é de 178,13 crianças em cada 1.000 nascimentos e a CIA coloca Angola na posição de líder no ranking mundial em mortalidade infantil. 34 Fonte: IDH, PNDU 2004. 116 Fotografia 28 – A farmácia Na ocasião em que realizei a pesquisa participante, em Angola, conheci uma economista anglo-brasileira que vivia em Maputo e atuava em ajuda humanitária na área da saúde para uma ONG inglesa. Ela esteve por quatro meses em Angola e o objetivo de seu projeto era mapear o percurso feito pelas verbas da rubrica dentro do sistema angolano de saúde. A humanitarista (2007) afirmou que estava encerrando o seu trabalho sem ter atingido os seus objetivos, pois a verba simplesmente sumia sem deixar rastros (informação verbal).35 35 Informação fornecida por humanitarista da saúde, em Luanda, em 2007. 117 Autoridades fazem tratamentos de saúde no exterior para garantir qualidade nos serviços médico e hospitalar. Quando o ex-presidente Agostinho Neto morreu, em 1979, em decorrência de complicações de uma cirurgia, estava sendo operado na ex-União Soviética. Por outro lado, o jet set tem o hábito de voar em busca de serviços médicos. Muitas das angolanas viajam até São Paulo para fazer exames laboratoriais de rotina e, segundo a médica M.C (2008), essa prática é muito usual (informação verbal)36. Mas para o total da população o acesso a um sistema de saúde público que garanta um bom atendimento ainda é uma realidade distante. As doenças infectocontagiosas constituem, ainda nos dias de hoje, a principal causa de óbitos na população. Por lá são comuns males como a malária, cólera, schistosomose, febre tifóide, protozoal diarreic, tryparosomiasis africano, para citar as mais frequentes (CIA, 2009). A complexidade da religiosidade na África deve-se à adoção das crenças dos colonizadores convivendo com crenças tradicionais. Em Angola não é diferente e 47% do povo segue as religiões tradicionais, 38% são católicos e 15% protestantes. E muitos dos que se declaram católicos também praticam os rituais das religiões de seus ancestrais. Além da religiosidade a feitiçaria é uma realidade africana e as pessoas que vivem lá aprendem que os africanos têm o conhecimento de como usar de alguma forma o poder das energias, para o bem ou para o mal. Em minha estada em Angola pude ler nos jornais diários notícias sobre sacrifício de crianças por feiticeiros, e que chegaram ao conhecimento público. Ouvi relatos de consultores que chegaram a Angola e começaram a passar mal, deprimirem-se e definharem. Sem explicação médica alguma. E, após a ajuda de um feiticeiro recobrar o equilíbrio e a saúde.37 Ouvi de mais de um profissional de ajuda humanitária internacional durante minha estada que, na África, se aprende a respeitar feitiço e envenenamento por ervas. 36 Informação fornecida pela Dra.M.C., da área de análises clínicas, São Paulo, em 2008. Relato feito por uma consultora sobre o que ocorreu com uma trabalhadora de ajuda humanitária do Peru, que após se recuperar com a ajuda de uma angolana que trabalha com energias para o bem, deixou o país. 3737 118 Fotografia 29 – Cristo Rei em Lubango A força de trabalho é de 7.977 milhões de pessoas, Dessas 85% atuam na agricultura e 15% nos setores da indústria e de serviços (CIA, 2010). O PNUD estimou que em 1996 a força de trabalho na agricultura representou 75% do total da população (CIA, 2008). Portanto, um aumento de 10% em 14 anos, incrementado pelos programas de desenvolvimento voltados à segurança alimentar realizado pelas organizações internacionais atuantes no país. Convém ressaltar que 40,5% dos angolanos vivem abaixo da linha da pobreza (CIA, 2006). Em 2001 o PNUD estimou que 3,9 milhões de pessoas fossem refugiados internos, por causa do conflito. Em 2006, foi avaliado que 4,5 milhões de pessoas tivessem sido reassentadas em suas áreas de origem ou área de preferência. Os dados da CIA apontam ainda para uma população de refugiados de 12.615 milhões de pessoas, provenientes do Congo (CIA, 2008). Pessoas que retornam depois de anos longe de suas casas, de suas terras e que deverão retomar a vida. Deverão poder produzir para o seu sustento a partir do zero. 119 Muitas das ONGs que atuam em projetos de segurança alimentar nas áreas rurais realizam intervenções para o empoderamento de comunidades onde se reinserem os ex-refugiados. Foto 30 – Mulher cozinhando A Organização Cristã de apoio ao Desenvolvimento (OCADEC) na ocasião da entrevista realizava um programa que estava sendo implantado em uma comunidade distribuída pelas províncias da Huíla, Cunene, Cuando Cubango e em uma parte do Moxico. A ação se constituía na distribuição de alimentos básicos e utensílios agrícolas para o plantio e outros “apetrechos”, como afirmou o seu diretor Benedito Quessongo38. Segundo ele, era preciso apoio para que as pessoas pudessem reiniciar suas vidas, já que esses grupos perderam todos os seus haveres 38 Entrevista concedida por Benedito Quessongo, em Angola, em 2009. 120 durante a longa guerra que assolou o país. Esses projetos realizam ações para instituir a segurança alimentar não apenas como um conceito. Segurança alimentar como um derivativo do direito humano a uma alimentação adequada e que garanta saúde e melhoras nos índices de desenvolvimento humano no país. Organizações que trabalham com as comunidades tradicionais sabem e hoje já está comprovada a efetividade e os melhores resultados de projetos devido à participação comunitária. Quando comparados às formas organizativas tradicionais que operam unicamente com gestões organizativas burocráticas os projetos participativos se sobressaem. No campo social isto é muito visível e programas sociais fazem melhor uso dos recursos39, “conseguem ser bem sucedidos no alcance de suas metas e criam autossustentabilidade se as comunidades pobres [...] participam desde o início, ao longo de todo o seu desenvolvimento e compartilham do planejamento, da gestão, do controle e da avaliação” afirma Kliksberg (2001, p.39). Fotografia 31 – O Armazém de fardos 39 Fotografia 32 – Menina semeando Nicholas Stern, Empowerement leads to enrichment, Finacial Times, 9.10.2000. 121 O Banco Mundial reconhece os resultados dessa forma de gestão como demonstra a afirmação de Nicholas Stern, na época seu economista-chefe. Ao longo do mundo, a participação funciona: as escolas operam melhor se os pais participam, os programas de irrigação são melhores se os camponeses participam, o crédito trabalha melhor se os solicitantes participam. As reformas dos países são muito mais efetivas se forem geradas no país e dirigidas pelo país. A participação é prática e poderosa. (STERN, 2000 apud KLIKSBERG, 2001, p. 39) A volta para a área de origem nem sempre é fácil, pois uma multiplicidade de atores estará disputando a posse da terra. No cenário aparecem os refugiados, exrefugiados e os deslocados internos que, ao termino do conflito, retornaram para suas áreas de origem muitas vezes já ocupadas por outros atores. As comunidades tradicionais são os atores mais vulneráveis no processo. Uma dimensão dramática que dificulta a reintegração dos refugiados é o fato de serem encarados como estrangeiros, que vêm competir pelos já escassos recursos. Situações de discriminações e de violência são agravadas na procura por trabalho pela dificuldade da língua. As pessoas passaram a vida em campos de refugiados em outros países e não falam o português. Por vezes, em seu retorno se depararam com indivíduos estabelecidos em grandes extensões de terra - possuindo apenas o levantamento topográfico preliminar do terreno – e que alegavam a legitimidade da posse de uma área que incluía as dos retornados. Estabelecendo-se assim um ambiente permeado por diferentes atores com interesses antagônicos. Fundamental entender as dinâmicas territoriais, as visões e as construções dos espaços por parte das comunidades locais, reconhecendo a grande diversidade de situações existentes no país. E, portanto, a necessidade do diálogo para dirimir os conflitos. Os povos tradicionais com suas especificidades de hábitos, cultura, língua, conhecimento, crenças e localização convivem com as mudanças dos novos tempos - e os rearranjos que esse traz - e acabam por vezes sofrendo aculturação. A tradição encontra a contemporaneidade e as mudanças que essa encerra, estabelecendo outras dinâmicas. 122 Fotografia 33 – Mucubais tomando cerveja Escassez em meio à riqueza Angola possui recursos internos e receitas de exportação suficientes para recusar as condições impostas sobre a África pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM). O país rivaliza com a Nigéria como maior produtor africano de petróleo. De acordo com dados do FMI (2010) sua economia, impulsionada pelas receitas do petróleo, cresceu a uma média de 12% a cada ano desde 2002, e em 2005 o crescimento atingiu o patamar de 20,6%. Em decorrência da crise mundial e seu período de incertezas em 2010 o país apresentou um crescimento mais lento, apenas 5,9%. Apesar de suas reservas naturais Angola teve que recorrer ao FMI e firmou um acordo de stand-by de 1.320 milhões de dólares. A recessão global, além de frear temporariamente o crescimento econômico, determinou a queda dos preços do petróleo e dos diamantes. Por isso, muitos projetos de construção foram paralisados em Luanda. Apesar de a inflação ter 123 baixado dos 325% em 2000 para 14% em 2010, o governo angolano não consegue reduzir o índice a um dígito para cumprir a exigência do FMI. O fim da corrupção exigido FMI - atualmente em nível extraordinário, especialmente no setor extrativo - constitui-se em outro grande desafio. Apesar da situação financeira do país ter se deteriorado nos últimos anos devido ao rápido aumento da dívida externa, o regime ainda tem tido condições de implementar a reforma econômica e política a seu ritmo e não adotar políticas previamente acordadas. Dentre essas, a de maior transparência para a divulgação das receitas do petróleo e que tem implicações políticas claras, como ressalta Pureza (2005). O poder econômico derivado de suas reservas petrolíferas fez até agora com que abusos políticos recorrentes fossem ignorados pelos parceiros comerciais ou por países que pretendem futuramente firmar negócios. De acordo com o vice-diretor executivo do FMI, Naouki Shinohara, “o programa financeiro de Angola alcançou um progresso significativo”. As reservas internacionais estão sendo reconstruídas e a situação fiscal sendo aprimorada com o ajuste nos gastos. Mas o discurso do Fundo Monetário Internacional não exime o governo da exigência de melhoria na transparência do setor público, objetivo considerado vital pela instituição. E para que seja realidade deverá haver a publicação das declarações financeiras das entidades públicas auditadas externamente. O FMI revisou o acordo com Angola em 2010 liberando 178 milhões e 200 mil dólares, perfazendo mil milhões de dólares já entregues ao abrigo do acordo de stand-by de um bilhão e 320 milhões de dólares negociados (FMI; 2011). Angola possui reservas de diamantes que representam 7% das receitas estatais com o comércio de pedras realizado de forma legal. As suas reservas petrolíferas lhe conferem a posição de quarto produtor mundial e de segundo produtor na África Subsaariana, são de boa qualidade e de extração relativamente fácil e barata. A localização offshore confina o petróleo e o deixa protegido e em segurança, como foi constatado durante as décadas de conflito. Existem cerca de trinta empresas petrolíferas em operação em Angola e enormes somas foram pagas para a obtenção das concessões, embora estes dados nunca tenham sido publicados. (PUREZA, 2005). Além dessas riquezas, outros minérios integram as reservas do país, como o ouro o urânio, além do gás natural e o magnésio. O país ainda apresenta clima e solo favoráveis à produção agrícola e à criação de gado. As suas bacias 124 hidrográficas são ricas em peixes e possuem um enorme potencial hidrelétrico. Apesar do cenário descrito, o país importa muito dos alimentos que consome, pois a guerra acabou com a agricultura, com a transformação dos produtos agrícolas e com a comercialização previamente existente com os mercados interno e externo. Antes da guerra Angola exportava açúcar, arroz, tabaco e peixe e situava-se como o terceiro produtor mundial de café. Na atualidade, além de receber anualmente ajuda alimentar do exterior tem comprometida a infraestrutura de escoamento da produção pela destruição de estradas, ferrovias e pontes durante os anos de guerra. E muito do que não foi destruído, encontra-se minado. Problema que afeta 40% da área agricultável do país (GROPPO, 2003). A situação começa a mudar e, desde 2005, o governo usou bilhões de dólares em linhas de crédito da China, Brasil, Portugal, Alemanha, Espanha e Estados Unidos para reconstruir infraestruturas públicas (CIA, 2010). As receitas estatais compõem-se de receitas provenientes do comércio legal de diamantes perfazendo o percentual de 7% e um percentual de 1% advindo de todos os outros produtos combinados. As exportações petrolíferas representam cerca de 80% das receitas governamentais, o que coloca o país em uma situação de vulnerabilidade, principalmente pela sujeição às flutuações do preço no mercado internacional, o que foi comprovado na crise iniciada em 2007. Há falta de investimento e abandono de investimentos em outros setores que possibilitariam a criação de empregos para os angolanos. Além de não gerar empregos para a mão de obra local que não possui a especialização exigida, a indústria petrolífera tem todo o seu rendimento acumulado pelo governo. Esse quadro poderá ser revertido por meio da consolidação da agricultura, para que a garantia da segurança alimentar seja alcançada pela maioria da população. Convém que se destaque a importância do apoio aos pequenos agricultores, da viabilização do acesso a terra e aos programas de microcrédito, bem como a continuação dos programas de desminagem uma vez que a maior parte da área agricultável do país está comprometida (GROPPO, 2003; PUREZA, 2005). A reconstrução e a pacificação definitivas estão associadas à exigência de que a exploração de seus recursos naturais reverta para o desenvolvimento econômico e social do país. 125 O público e o privado O final da guerra levou Angola a ingressar em um processo de transição com enormes obstáculos a serem transpostos para a consolidação da paz. De acordo com Pureza (2005) o caso de Angola é difícil de ser analisado, e limitado quanto à possibilidade de resultar em ilações a serem aplicadas por vários fatores, dentre eles destaca-se a trajetória de libertação anticolonial e construção estatal e o poder excepcional do país em termos de recursos naturais. A associação de fatores como prática de corrupção e patrimonialismo - apesar de recorrentes em muitos países africanos – assumem uma dimensão tal em Angola a ponto de colocar o país em delicada posição em sua relação com a comunidade internacional de doadores (Pureza, 2005). De acordo com o relatório do Economist Intelligence Unit de 2003, 39 cidadãos angolanos possuem fortuna calculada em no mínimo 50 milhões de dólares e outros vinte detêm pelo menos 100 milhões. Os seis mais ricos estavam a já algum tempo no governo e o sétimo há apenas dois anos. Em conjunto, a sua fortuna somava 3.950 milhões de dólares, em face de um PIB total de 10.200 milhões para 13 milhões de habitantes no ano de 2002. Pureza (2005). A organização Transparency International situou Angola em 98º em seu Indice de Percepção de Corrupção, de um total de 102 países, o que levou a afirmação de que mais do que o dividendo de paz, Angola necessite de um dividendo de transparência. Várias organizações internacionais têm denunciado a corrupção do regime de Luanda. A Human Rights Watch calculou, tomando por base as últimas negociações do governo de Angola com o FMI e em estudos de auditorias internacionais, que entre 1997 e 2002 foram desviados mais de 4.200 milhões de dólares oriundos das receitas do petróleo, o equivalente a um desvio de 9,25% do Produto Interno Bruto (Human Rights Watch, 2004, p.16). Ë indiscutível a importância estratégica que possui Angola, regional ou internacionalmente, tanto pela profusão de seus recursos naturais, como pela posição de potência regional que esses lhe conferem. Apesar disso, a liderança política angolana, que reflete níveis de corrupção e clientelismo dos mais elevados 126 do mundo, gerou uma elite cada vez mais rica e corrupta e uma população em condições de vida cada vez mais indigna e miserável. Fotografia 34 – A evolução nos transportes O ambiente da Comunicação em Angola Os desafios de Angola para a reconstrução nacional são inúmeros e significativos. Destacam-se entre tantos a reinserção dos milhares de excombatentes - que não possuem outra qualificação - e que na sociedade angolana atual trabalham como seguranças privados e, segundo Silva (2007), misturam-se com a população pelas ruas do país. (Informação verbal)40. Um segundo fator importante é o desarmamento da sociedade, bem como o apoio aos setores mais vulneráveis da população, a luta contra a corrupção e a má governança, a reconciliação nacional e o respeito pelos Direitos Humanos. E, principalmente, a 40 Informação fornecida por Silva, em Luanda, em 2007. 127 construção de uma sociedade onde não exista mais a cultura da violência, comum nas gerações que cresceram em tempos de guerra e, sim, a cultura da Paz ressalta Pureza (2005). O povo, sem dúvida, forma uma imensa torcida para que a paz duradoura permita a melhoria das condições de vida no país. É usual em emails recebidos de angolanos a assinatura saúde e paz encerrando a comunicação. Fotografia 35 - O torcedor Para que essa transformação possa ocorrer e se torne permanente, os meios de comunicação social são fundamentais. No entanto, o fato de a maioria deles ser propriedade do estado acaba por conferir uma tendência de jornalismo “chapa branca” ou “governamental”. Após o final da guerra da independência o governo nacionalizou toda a imprensa e as emissoras de rádio e de televisão. A agência oficial de notícias de Angola, ANGOP, distribuía aproximadamente 8.000 exemplares do jornal do governo Diário da República, e 40.000 cópias do diário Jornal de Angola em Luanda e em outras áreas urbanas. A imprensa internacional operando na capital angolana 128 incluía a France Press, Cuba Prensa Latina, Xinhua News Agency e outras agências soviéticas e do Leste Europeu. Sob a censura do MPLA a mídia era limitada e divulgava apenas a política oficial sem comentários críticos ou pontos de vista da oposição. A Associação dos Jornalistas de Angola reclamava o seu direito de liberdade de expressão garantido na Constituição do país (VALLORO, 2000). Em 2007, o governo ainda exercia esse controle inclusive sobre as novas mídias, restritas a algumas províncias e à capital Luanda. A precariedade de recursos tecnológicos, humanos e financeiros foi visível no trabalho da imprensa em Angola na época da pesquisa participante. Visível nas instalações dos veículos de comunicação como no caso da rádio Luanda Antena Comercial (LAC) - instalada em diversos contêineres que abrigavam a sala da diretoria, os escritórios e também os estúdios. Na falta de acesso às tecnologias de informação usuais, como constatei que o editor da Rádio Nacional de Angola (RNA), não possuía email nem sabia como usá-lo em janeiro de 2007. A falta de informatização de jornalistas, falta de estrutura nos veículos de comunicação, em algumas regiões do país, e a formação insatisfatória de quadros técnicos era também uma das heranças do longo período das guerras. Atualmente existem jornais privados que procuram abrir espaço para debates da sociedade civil e realizar um trabalho independente. A distribuição é regional em Luanda e prioriza as notícias da capital em detrimento das demais províncias do país. Como não há fluxo contínuo de informação, a possibilidade de pressão pela opinião pública é mínima. No entanto, as pressões exercidas pelo governo aos veículos de comunicação independentes são significativas. A liberdade de imprensa ainda está condicionada às práticas do período totalitário e existe de forma modulável. A percepção de Ismael Mateus, antigo Secretário-Geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), é a de que existem níveis diferentes de liberdade de imprensa e de expressão no país traduzidos em três velocidades: a da capital Luanda onde existe de forma relativa; a das províncias do litoral e as de maior desenvolvimento econômico onde o processo está se desenvolvendo de forma mais livre e crítica; e a velocidade inexistente do restante do país. “A interferência e o controle do poder político assume tal dimensão que meios de comunicação e cidadãos não podem exprimir livremente suas ideias e opiniões sem temer represálias" (PUREZA, 2005, p.188). 129 Mateus prega que os órgãos de comunicação social terão um enorme desafio em Angola. O da transmutação em uma força de trabalho de democracia e de reconciliação, após terem atuado durante décadas como instrumentos de luta político-ideológica. Durante o conflito desempenharam o papel de controle político idêntico ao que detinham na época colonial, quando as autoridades portuguesas e anticolonialistas do MPLA discutiam suas diferenças pelo rádio. Após a independência, o governo passa a empregar a lógica do “jornalismo de estado” de inspiração marxista-leninista. Em nome da guerra, os órgãos de comunicação foram “enxertados” de elementos sem as mínimas condições técnicas e éticas para exercer a profissão. Naquele período contava apenas o critério político (Mateus, 2004). Uma das facetas mais visíveis do vínculo político dos órgãos de comunicação lembra o dirigente, era a linguagem. A Agência de Notícias (ANGOP), o Jornal de Angola, a Rádio Nacional de Angola e a Televisão Pública de Angola, tornaram-se porta-vozes de retórica política e de agressividade militar contra o inimigo. O jornalismo em Angola refletiu longos anos de silêncio impostos ou aceitos a prática de uma atividade a serviço da pátria, ao invés de atender ao interesse público. Os anos que se seguiram à independência foram dominados pela instrumentalização político-militar. Na época havia entrevistas propagandísticas de feitos militares. De acordo com Mateus (2004), reportagens repetidas à exaustão para denunciar agressões militares ou textos de apologia à defesa nacional e combate aos que eram considerados como “inimigos”. E que, esclarece o jornalista, eram os angolanos de outra vertente ideológica. Os meios de comunicação nos tempos mais duros refletiam o estado de guerra de acordo com o entendimento do governo. Para comemorar vitórias ou para esconder derrotas. Cita Mateus que em episódios de combates ou ataques “com hospitais cheios de feridos e com amplo conhecimento da população, a comunicação social divulgava notícias de menor importância ou vitórias esportivas”. Reconstruindo a credibilidade A crise do jornalismo em Angola origina-se em importantes ausências: faculdades de jornalismo que garantam sólida estrutura de ensino e órgãos de 130 regulação profissional. A comunicação social no desenvolvimento democrático do país deve incluir, segundo Mateus41, “uma comunicação direcionada ao desenvolvimento, voltada às prioridades da programação jornalística, conteúdos informativos e formativos na perspectiva de construção de nação e desenvolvimento locais das regiões. Mateus (2004) sublinha que através da comunicação social é possível promover a educação cívica dos cidadãos, com informações sobre seus direitos, deveres e garantias. Nas rádios comunitárias, jornais regionais ou programas dirigidos de televisão “ é possível levar o desenvolvimento aos mais recônditos pontos do país e criar pontes entre as várias entidades culturais que compõem a nação angolana”, reforça. Em janeiro de 2011, o Conselho Nacional de Comunicação Social (CNCSAngola) deliberou que “em democracia o tratamento jornalístico do discurso de qualquer político deve obedecer aos princípios fundamentais que regem a elaboração dos chamados gêneros informativos” relatou o presidente da entidade. Antônio Correia de Azevedo referiu-se à notícia, à reportagem e à entrevista, gêneros que mais se aproximam da realidade dos fatos e dão credibilidade aos jornalistas frente à sociedade. Ao divulgar as decisões do órgão representativo do jornalismo angolano Azevedo afirmou que a isenção, o rigor e a objetividade são os norteadores da prática profissional imprescindíveis. E que a ética é o fundamento do jornalismo. Valores caros para uma sociedade em reconstrução e que devem ser assegurados. As tentações de manipulação dos discursos políticos foi abordada com o apelo de que os jornalistas angolanos refletissem sobre a importância de seu papel. Papel esse que deve ser sério, honesto e independente. Que possa assegurar a não subordinação política ou econômica, o pluralismo e o confronto de ideias nos veículos de comunicação. O Conselho se referiu à necessidade da liberdade de imprensa. Lá se vão seis anos do final da guerra e essa reivindicação ainda está na ordem do dia. A luta dos jornalistas em Angola no ano de 2011 pontua a organização representativa, refere-se à necessidade da liberdade de imprensa, ao direito fundamental à comunicação e a não aceitação de sanções aos jornalistas. 41 Ex-presidente do Sindicato de Jornalistas de Angola. Entrevista concedida em 2004. 131 4.2 Comunicação para o Desenvolvimento e o Projeto Terra O projeto ANG/035/FAO/EC motivou esta tese e ocorreu entre 2007 e 2009 em três províncias angolanas. Teve como Objetivo de Desenvolvimento, Ver reforçada a descentralização da posse de terra e as instituições de gestão de recursos naturais, bem como a implementação participativa de intervenções sensíveis ao gênero em áreas selecionadas das províncias de Benguela, Huíla e Lubango. Foram estabelecidos objetivos, resultados imediatos e atividades cujas linhas principais serão descritas como elemento empírico trazido ao estudo e que precederão os conceitos resultantes da pesquisa que realizei em campo. Em decorrência do Objetivo de Desenvolvimento, o Objetivo de Comunicação Estratégica foi o de criar condições para que as atividades do projeto fossem amplamente divulgadas contribuindo, através da visibilidade, para facilitar o trabalho no terreno, com um forte componente de empoderamento das mulheres (PUGNALONI, 2007). As mulheres são consideradas nos projetos humanitários como atores42 principais, pois está demonstrado que elas investem os recursos que lhes são atribuídos inteiramente no provento da família. A igualdade dos direitos e a plena participação das mulheres em todas as esferas da vida social constituem uma necessidade para o desenvolvimento total de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz.43 É importante incluir as mulheres especificamente entre os rights holders, caso contrário é possível que elas permaneçam totalmente fora dos programas, mesmo os bem projetados (YUNNUS, 2008). O Nobel da Paz de 2006 estabeleceu as mulheres como público prioritário para a concessão de crédito no Greemen Bank.44 por saberem administrar muito bem a escassez. Mas nem 42 O termo ator refere-se a um agente concreto, localizado em determinado contexto. Designa qualquer indivíduo ou grupo social/institucional, interessado no desenvolvimento de um território. Os atores podem ser definidos como as partes que serão direta ou indiretamente afetadas de forma positiva ou negativa, pelas decisões adotadas. Configuram-se na “porta de entrada” que permitirá a identificação e compreensão das problemáticas territoriais em uma determinada área, por meio de uma análise histórica. Os atores podem ser agrupados em tipologias ou classes de acordo com critérios de identificação tais como: gênero, relações de poder e estratégias, objetivos e interesses ante questões examinadas. (FAO, Comunicação, diálogo, conciliação. Roma, FAO) 43 Declaração da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra as mulheres. 44 O Greemen Bank e o conceito de microcrédito foram criados no final da década de 1970 por Yunnus, com um capital inicial de 27 dólares e 5 estagiários como staff. É hoje uma empresa social, outro conceito que ele propaga, pois reinveste todo o lucro em seu próprio crescimento. Em 2008, havia realizado empréstimos da 132 sempre foi assim, pois elas não se viam como merecedoras e capazes de fazer bom uso do dinheiro, lembra Yunnus. Isto devido aos milênios de tradição em sociedades machistas que delimitavam esse domínio como masculino. Apesar de ser bastante comum nas comunidades pobres que a renda do marido, ao invés de ser aplicada ao custeio da família, seja gasta em mesas de bares. “Quando visitamos pela primeira vez as mulheres pobres das aldeias de Bangladesh para lhes oferecer crédito, elas ficaram com medo de aceitar o dinheiro e disseram que não tinham ideia de como usá-lo de maneira prática. Essas mulheres tinham muitas habilidades. Contudo, tinham acumulado tanto medo e insegurança durante anos e anos de exposição a atitudes sociais repressivas, que nem sequer conheciam os próprios talentos. [...] Em pouco tempo, as mulheres perceberam que possuíam habilidades suficientes para usar o capital oferecido a fim de ganhar dinheiro” (YUNNUS, 2008, p. 125). A mesma idéia de empoderamento das mulheres é compartilhada pelas Nações Unidas, especialmente pela FAO. O projeto Terra teve como rights holders na certificação de posse de terras prioritariamente as mulheres45. A FAO constatou que historicamente as mulheres não vendem as propriedades e garantem a continuidade da posse para assegurarem o bem-estar da família. É a mulher a protagonista para que a vida prevaleça, vingue, triunfe, mesmo em condições inóspitas como na guerra. Ou no que a paz reservará a ela e aos seus se o país vencer ou capitular. É a mulher que protege a prole, luta por ela, deixa de comer para alimentá-la. Que busca força em seu interior onde já não existe força alguma. A não ser a que ela deve passar às vidas por ela geradas. E, assim, um ser frágil, porque sensível, mesmo na fraqueza deve parecer uma fortaleza. A mulher, essência da vida, deve cuidar para que a vida gerada desabroche e se desenvolva e proteger essa vida iniciante. Como enobrece Puntel (2010, p.221-222) [...] não se faz acontecer a vida sem a luta, sem a fadiga, sem o suor, sem a tristeza, sem as lágrimas... a mulher faz, também, acontecer a vida, construindo-a, conquistando-a, tecendo-a no silêncio ou na felicidade de se doar... até que um novo ser exista, renasça, cresça, ordem de 7 bilhões de dólares às mulheres pobres de Bangladesh sem nenhuma garantia legal, numa média de empréstimos individuais de no máximo de 32 dólares. A sua taxa histórica de inadimplência é de 2,8% das operações realizadas nos anos de existência do Greemen Bank. (Yunnus, 2008). 45 Ver no Anexo B fotografias e declarações colhidas na Primeira Conferência das Comunidades San de Angola, ocorrida em 2007. Nele aparece uma descendente San exibindo o seu certificado de posse de terra. 133 ame, se doe, se integre, seja feliz! Assim, a mulher, geradora de vida, luta para que a vida triunfe; luta para que a dignidade da vida seja respeitada; luta para que os direitos da pessoa humana sejam igualitários e a discriminação não prevaleça. Fotografia 36 – O futuro sobre as costas Quanto às suas estratégias e ações a principal foi a de que o Projeto Terra se constituísse em seu próprio agente de comunicação. Ao invés aguardar que os meios de comunicação cedessem espaço para notícias relativas ao andamento do projeto, importantes para o esclarecimento da opinião pública, foi proposto serem firmados acordos com os veículos estatais e privados (monopólio estatal) para a criação de programas de serviço – portanto de utilidade pública46 – passando a 46 Entende-se por programa de utilidade pública, no contexto, o que proporcionasse a resolução de problemas de domínio público e de cidadania. Informações sobre procedimentos legais e técnicos, direitos e deveres. Além disto, que incluísse a possibilidade de desenvolver o senso crítico, o direito de reivindicar e a mobilização das comunidades. 134 equipe a ter domínio, através do acordo prévio, sobre o conteúdo e a periodicidade da informação e construindo um espaço de comunicação popular. Essa como afirma Peruzzo (2004), contribui para a democratização da sociedade e a conquista da cidadania, pois ensina a participar politicamente, a apresentar a sua canção e o seu desejo de mudança, a denunciar condições indignas, a aprender a exigir seus direitos. E conseguirá a comunicação realizar esses propósitos quando inserida na dinâmica dos movimentos que trabalham com as comunidades, no caso a FAO e as ONGs locais de segurança alimentar. Nessa ação foi pensada a comunicação como parte de um movimento para a emancipação a ser estimulada nos habitantes das comunidades tradicionais rurais. O objetivo seria o de fomentar a comunicação entre eles, e deles para si próprios, com o apoio dos especialistas em comunicação e em segurança alimentar. Além da participação na comunicação seria importante o empoderamento e a criação/fortalecimento do sentido de pertencimento, enfraquecido ou mesmo perdido durante a guerra. Foi previsto que os programas de rádio contassem com a participação de representantes das comunidades a serem envolvidas na produção e gravação, para possibilitar maior acesso popular aos órgãos de comunicação e a participação da coletividade nas decisões sobre a programação47. O que era normalmente restrito aos meios de comunicação locais estatais em sua maioria. E que, ao final do projeto, esses programas passassem a ser produzidos e apresentados exclusivamente pelos co-participes já então capacitados em um processo de autogestão que pressupõe um papel ativo nas decisões sobre a programação e sobre assuntos comunitários. A recomendação para o primeiro dos sete resultados imediatos foi a criação de um canal próprio de comunicação para garantir à equipe autonomia, domínio sobre o conteúdo, domínio sobre a veiculação e para contribuir na conquista da credibilidade e o apoio comunitário nas fases de implantação e de desenvolvimento do projeto Na sequência o planejamento previu aperfeiçoar o uso dos canais de comunicação existentes para conquistar a confiança dos jornalistas, comunidades tradicionais e ONGs, que seriam os parceiros na iniciativa. Foi recomendado garantir 47 Berthold Brecht afirmou há cerca de oitenta anos que “o rádio seria o meio de comunicação mais maravilhoso que se pode imaginar na vida pública, uma imensa rede, e o seria se fosse capaz não só de emitir, mas também de receber, de permitir ao ouvinte ouvir a também falar e, assim em lugar de se isolar, facilitar-lhe-ia o contato” (Bertohold Brecht, Teoria do rádio, Gesammelte Werke, 1932 apud MacBride). 135 um fluxo contínuo de informação, nacional e internacionalmente, divulgando periodicamente as atividades realizadas em artigos ou matérias jornalísticas por serem de interesse público e de interesse da comunidade internacional. Uma meta importante recomendada foi conquistar a atenção da imprensa com um sistema contínuo de distribuição de conteúdo e programas co-produzidos [equipe/atores locais], para garantir a informação às comunidades tradicionais. Importante também seria estabelecer um fluxo adicional de comunicação - cerca de 24% da população rural possui rádio - compatível com a cultura das comunidades tradicionais utilizando os recursos de comunicação alternativos e próprios da Comunicação para o Desenvolvimento como o teatro, a música, filme e a rede de comunicação dos líderes religiosos. Outra necessidade foi a de garantir a visibilidade ao financiador em todos os materiais e veiculações sobre o projeto48 e estabelecer uma comunicação regular com a imprensa, encaminhando informações sobre os avanços obtidos. Como o Projeto Terra possuía um caráter metodológico inovador e foi um projeto piloto exitoso, futuramente deverá ser referência, recomendou-se maximizar o apoio da imprensa e, com isto, a difusão das informações sobre a legalização de terra, sobre a intervenção da FAO e a própria metodologia do projeto, além da visibilidade do doador. Foi prevista a parceria com as redes de comunicação do país, com ONGs, OSCs e com as lideranças religiosas para assim fazer com que a informação chegasse às comunidades tradicionais e a parte significativa dos atores envolvidos num momento importante como o foi o da delimitação, certificação de posse e legalização da ocupação das terras em Angola. Os públicos delimitados internacionalmente foram: a opinião pública internacional e os países doadores da União Européia. Como rights holders angolanos estavam estabelecidos no Projeto Terra colaboradores das administrações locais de nível provincial, municipal e comunal envolvidos com questões relativas ao direito à terra, investimentos agro-econômicos, administração de terras e gestão de recursos envolvidos no processo de limitação de terra e certificação de posse. 48 A partir de 2007 o material de divulgação dos projetos financiados pela Comunidade Européia deveriam ter claramente expresso o valor investido pelos doadores. 136 Como rights holders a ser sensibilizados pela comunicação estavam as comunidades e lideranças tradicionais, comunidade de retornados e migrantes, grandes proprietários e pequenos proprietários. Os atores institucionais deveriam ser sensibilizados para participar da formação e do processo de legalização de terras. Os atores da comunidade deveriam ser sensibilizados a participar do processo para garantir seus direitos. As ONGs e OSCs atuantes em direito a terra, segurança alimentar e desenvolvimento rural foram selecionadas, pois eram parceiras naturais, atuantes no terreno junto às comunidades tradicionais, com laços de confiança já estabelecidos. Fotografia 37 – Jogos perigosos 4.3 Do uso da Comunicação para o Desenvolvimento nas OI e ONGs selecionadas O Primeiro Congresso Mundial de Comunicação para o Desenvolvimento aconteceu nas dependências da FAO, em Roma, Itália, em outubro de 2006. Foi organizado pelo Banco Mundial, pela FAO e pela Iniciativa de Comunicação, reunindo mais de 900 participantes vindos de todas as partes do mundo para expor ideias, apresentações e projetos e fazer recomendações para futuras práticas. 137 O evento global congregou, pela primeira vez, os três principais grupos com participação em Comunicação para o Desenvolvimento – os profissionais, os acadêmicos, os criadores de políticas e tomadores de decisão. Estiveram reunidos mais de 200 jornalistas e representantes da mídia local, nacional e internacional que divulgaram o evento ao redor do mundo. O congresso reuniu trabalhos de pioneiros, profissionais atuantes e acadêmicos, além de políticos interessados na Comunicação para o Desenvolvimento. Apesar de Comunicação para o Desenvolvimento ser estabelecida como uma disciplina e ser reconhecido que, em muitos níveis, a comunicação é essencial para o desenvolvimento, o público em geral e decisores de políticas ainda desconhecem o que ela envolve. Uma das propostas do congresso mundial de Comunicação para o Desenvolvimento para minimizar essa falha foi demonstrar como e por que a Comunicação para o Desenvolvimento deve ser introduzida em políticas e processos de desenvolvimento. Para isto, os organizadores do World Congress on Communication for Development (WCCD) e os membros dos diversos comitês concordaram em elaborar sete princípios que descrevem o que é a disciplina de Comunicação para o Desenvolvimento49, que relatarei a seguir. 1. É, em primeiro lugar, e como mais importante, sobre pessoas e o processo necessário de facilitar o seu compartilhamento de conhecimento e percepções para possibilitar uma mudança e desenvolvimento positivo. Mídia e tecnologia são ferramentas para isso, mas não um fim em si mesmas. 2. É baseada no diálogo e na necessidade de promover a participação de todos os stakeholders. Cada participação é necessária para entender as percepções dos demais stakeholders, perspectivas, valores e atitudes, e praticas que podem ser incorporadas no esboço e na implementação das iniciativas de desenvolvimento. o49 A versão final do estudo foi revisada e editada pelos três mebros da secretaria: Mario Acunzo, Chris Morry, e Paolo Mefalopulos. 138 3. È significativo haver duas vias, um modelo horizontal e não o tradicional modelo vertical de uma via, Emissor-Mensagem-Canal-Receptor, e incrementar o uso de formas emergentes e interativas de comunicação, possibilitadas pelas novas tecnologias. Sempre que utilizado o modelo unidirecional (por exemplo, em campanhas) a comunicação deverá ser facilitada e seu entendimento deverá levar em conta as percepções, prioridades e conhecimento das pessoas. 4. É dar voz para aqueles mais afetados pelas questões do desenvolvimento para seu crescimento, ajudando-os a participarem diretamente na definição e implementação de soluções, e na identificação de diretrizes para o desenvolvimento. 5. É reconhecer que a realidade é socialmente construída de forma abrangente. As implicações são: que pode haver diferentes realidades (ou diferentes percepções da mesma realidade) para a mesma situação, de acordo com percepções e necessidades de grupos específicos. Assim, a base do desenvolvimento - e por extensão da comunicação – não é “impor” a correta realidade, mas fomentar o diálogo para facilitar o entendimento mútuo sobre diferentes perspectivas. Comunicação para o Desenvolvimento, por isso, respeita e trabalha com diferentes fundamentos sociais, religiosos e culturais das pessoas, das comunidades, e de nações engajadas no processo do desenvolvimento. 6. Comunicação é contextual. Isto é, não há uma fórmula universal capaz de adaptar-se a todas as situações; por isso necessita ser aplicada de acordo com os contextos cultural, social e econômico. 7. Utiliza inúmeras ferramentas, técnicas, mídias a métodos para facilitar o entendimento mútuo e definir e construir diferentes percepções. Proporciona ações direcionadas à mudança, de acordo com as necessidades particulares das iniciativas de desenvolvimento. Essas ferramentas e técnicas poderão ser utilizadas em um trajeto integrado e são mais efetivas quando usadas no início das iniciativas de desenvolvimento. 139 Na declaração final do congresso, as mesas redondas endossaram a ideia de que fossem identificadas pelo WCCD as seguintes assertivas como questõeschave: Como expandir comunicação nos níveis local e nacional nos processos e políticas de desenvolvimento Como demonstrar a adição de valor e o impacto da Comunicação para o Desenvolvimento e como incorporá-la nas políticas governamentais, internacionais e dos doadores Como adaptar para as novas e rápidas mudanças do meio ambiente resultantes da globalização, privatização, pressão ecológica, descentralização dos serviços, explosão da mídia, e emergência de novos atores sociais Como equilibrar a rápida expansão das tecnologias da informação e da comunicação (ICTs) [referente à designação na língua inglesa, information and communication Technologies] com a distância contínua entre conhecimento e informação – e a participação relativamente limitada dos mais pobres no processo de desenvolvimento Cinco principais questões emergiram como áreas prioritárias para colaboração entre as agências das Nações Unidas, Organizações não Governamentais e acadêmicas: (i) advocacy, (ii) conhecimento e capacitação, (iii) construção de alianças, (iv) pesquisa, monitoramento e avaliação e (v) compartilhamento de informação (FAO, World Bank, 2007). 140 4.3.1 A FAO e a Comunicação para o Desenvolvimento em Projetos de Ajuda Humanitária A agenda da FAO é muito clara sobre levantar questões relacionadas aos direitos e deveres dos cidadãos de um país, em torno dos recursos naturais que pertencem ao espaço público. Reconhecimento das terras de comunidades que estão nelas há séculos, o que é a base para a construção de qualquer hipótese de recuperação em conflitos e desastres naturais. Assistir a populações afetadas por essas circunstâncias são as atividades básicas da FAO. A organização trabalha com comunidades inteiras e atende grupos desfavorecidos, mulheres, indígenas e cidadãos marginalizados, o que reduz o custo individual. As dificuldades recorrentes nos projetos relacionam-se com envolver os parceiros governamentais nas atividades, dificuldades logísticas e conseguir que a comunicação seja incorporada desde o início do projeto como fator estratégico. Presente desde a fase do diagnóstico, passando pelo planejamento, implementação e a avaliação. Outro problema é a falta de clareza sobre a diferença entre comunicação como informação e gestão do conhecimento; e a Comunicação para o Desenvolvimento como um processo de empoderamento, de gestão local do conhecimento, de informações e dos processos informacionais. São âmbitos diferentes, outros aspectos da comunicação, complementares. E, é claro, a sustentabilidade econômica, pois os próprios ministérios dos países atendidos não incorporam nas próprias políticas recursos, fundos, para financiar as atividades de Comunicação para o Desenvolvimento. Outra questão relevante é o fato de que as intervenções precisam de tempo, o que dificilmente é adequado em termos de visibilidade ao doador. É preciso tempo para construir relações de confiança e para sensibilizar os governos a abrirem a Caixa Preta do assunto Terra. Apesar do direito à alimentação ser um direito humano – protegido pelo pacto de 66 - não existe uma verdadeira visão de direitos humanos dentro da FAO. A unidade Right to Food foi criada há apenas seis anos, o que é considerado sintomático. Não existe uma linguagem de direitos humanos dentro da FAO. E hoje não deve ser dito mais target beneficiary, falar de beneficiários. Hoje devemos nos referir às pessoas como rights holders. E na FOA essa é uma linguagem totalmente 141 estranha. Existe na organização um documento que fala de values e não aparecem os direitos humanos. Uma organização das Nações Unidas que não insere em seus valores os valores humanos exibe um problema de cultura organizacional. A FAO em sua essência é uma organização técnica. E, por isto, em sua cultura a técnica é o fator predominante. As demais questões como comunicação, gestão de projetos ou comunicação, são vistas como secundárias, apesar da longa tradição e o pioneirismo da FAO no assunto. Será preciso desenvolver uma atitude positiva em relação à comunicação dentro da própria FAO. E uma parceria no sentido de trabalhar a própria visibilidade com as demais agências das Nações Unidas, será bem vista. A FAO não é muito orientada para a comunicação como podem ser a UNICEF ou o Programa Mundial de Alimentação (PMA), por exemplo. Mas está sendo iniciada uma reflexão em nível global na FAO sobre a comunicação. Não só para o Desenvolvimento, mas também para a Emergência. No caso de distribuição de alimentos, por exemplo, é fundamental a comunicação já nessa fase da emergência. 142 5 CONCLUSÃO “Para haver participação tem que haver comunicação.” Jacques Diouf apontava a importância decisiva da comunicação para promover o desenvolvimento humano. O Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação afirmava, em 1994, que os programas de desenvolvimento poderiam ter resultados promissores se os conhecimentos e tecnologias fossem efetivamente compartilhados com uma população empenhada e motivada em alcançar o êxito comum. A população deveria ser a força motriz de seu próprio desenvolvimento na conquista de uma melhora permanente em seu nível de vida. A comunicação seria decisiva ao serem formulados os programas de desenvolvimento e permitir nesse processo a consulta à população. E, também, perceber suas necessidades e atitudes para a valorização dos seus conhecimentos tradicionais. A existência de denominadores comuns às questões relacionadas com o desenvolvimento, defendida por Fraser e Villet (1994) apontava como prioritário o fator humano. A participação da população definiria o resultado positivo, mais que o aporte científico ou material que um projeto poderia viabilizar. Esse discurso foi datado quase quinze anos após a divulgação do Relatório MacBride, mas a concretização das recomendações da Comissão ainda esperava por se fazer. A pergunta que me impus agora, quando se passaram já trinta anos da divulgação do Relatório, é se essa discussão ainda seria atual. E a resposta que encontrei foi a de que enquanto uma questão do nosso tempo não foi resolvida, continuará sendo atual. Ouso afirmar que o tema da Comunicação para o Desenvolvimento, a comunicação que pressupõe a participação religa-se ao da Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação. E que, essa, após todos esses anos em compasso de espera, está se concretizando. Chega num processo revolucionário e espontâneo. Simplesmente aconteceu. Contra tudo e contra todos. Os membros visionários da Comissão acreditavam que ela só aconteceria se fundamentada nos direitos individuais à livre expressão e informação. E que estes teriam como pressuposto básico o direito à associação, à participação, à organização para a busca de uma nova sociedade (MacBride, 1983). 143 O mundo assistiu a um processo que mobilizou milhões de pessoas e que vingou apesar de não ter tido possibilidade ou direito à associação, à liberdade e a livre expressão. Com a força de um tsunami a comunicação eclodiu a princípio frágil sem outro poder que o da vontade popular, em sociedades em conflito latente. E com palavras de ordem pela liberdade, pela justiça e pelos direitos humanos derrubou regimes e instaurou a comunicação planetária a serviço da democracia. Concretizada pelas redes sociais e pelas ondas de celulares. Apesar das proibições e das restrições técnicas. A Nova Ordem surge nos países do sul, portanto, de forma verticalizada, mas agora partindo da base. Foi uma conquista e não uma permissão. Os países que representavam as antigas colônias libertas que eram os mitigantes do acesso paritário à comunicação junto à UNESCO nos anos 1960, viraram o jogo. Foram esses a instituírem esta nova forma de usar a comunicação como instrumento de luta no ano 2011. O que se constitui, a meu ver, em uma nova ordem. Essa nasceu do conflito, da luta, fez mártires. E não da paz, como imaginaram seus postulantes há trinta anos. Uma nova ordem que eu já havia pressentido ao realizar a entrevista com o diretor da Amnistia Internacional em Lisboa. Há uma tendência sentida em todo o movimento, disse-me Pedro Krupenski, de que o ativismo no sentido tradicional está mudando de configuração. Nas campanhas globais da Amnistia - simultâneas nas entidades congêneres existentes em outros 56 países - a participação hoje se dá pelo que nós chamamos de “ativismo eletrônico” com o re-encaminhamento de cartas e abaixo assinados que percorrem em poucos minutos o mundo inteiro. “As comunidades virtuais conseguem chegar à gente numa velocidade espantosa, que age e age em função daquilo que estamos a pedir, sem se deslocar ao outro lado do mundo” afirmou o dirigente. Apesar de não contar mais com a pressão de um grupo protestando na porta de uma embaixada, reclamando o cumprimento dos direitos humanos, o impacto do ativismo eletrônico é muito maior. E na própria relação com a imprensa também se repetiu o fenômeno. As “Conferências de Imprensa” que eram organizadas pela anistia, com o comparecimento massivo e efetivo dos jornalistas, não são mais realizadas desde 2007. Krupenski relatou que em 2004 foi feita a última conferência de imprensa, pois ficou nítido que havia mudado o sistema. “Apareceram apenas três jornalistas e uma agência noticiosa que recolheu a informação e espalhou por todos os meios de 144 comunicação. Teve um imenso impacto, mas, mais uma vez, sem a presença física das pessoas. É outro modo de fazer as coisas, sem o face-to-face”. Assim, mais uma vez, a participação física e a livre associação não acontecem, mas a comunicação se dá de forma portentosa em outra forma de participação, que em meu entendimento materializa uma Nova Ordem Mundial de Comunicação e Informação. Essa tem o poder de driblar os meios de comunicação de massa tradicionais, que têm o poder de cercear, bloquear ou censurar a informação. E assim impedir a comunicação. E para que o objetivo da Nova Ordem possa ser conquistado e sacramentado será necessária a adoção nesse processo de outro modelo comunicação, humanizado, não elitista, democrático e não mercantil, como pregava Luis Ramiro Beltrán, já se referindo à ligação entre o desenvolvimento rural e Comunicação para o Desenvolvimento. Uma forma que se constitui em germe de uma comunicação participativa e associativa como caminho para a construção de sociedades mais humanas e solidárias. A Comunicação para o Desenvolvimento inclui a mídia livre, plural e o direito à informação e à comunicação a serviço da resolução de questões globais de interesse público. Como o preconizado pela comissão MacBride que colocou aos olhos do mundo a comunicação como um dos direitos humanos, não sem provocar polêmicas internacionais por isso. [...] “O direito à comunicação constitui um prolongamento lógico do progresso constante em direção à liberdade e à democracia” (MacBRIDE, 1983, p. 287). O relatório traz associada ao conceito Comunicação uma nota relativa ao comentário feito, na época, por Sergei Losev, o representante da ex-União Soviética: “o direito à comunicação não é um direito reconhecido, nem no plano nacional, nem no plano internacional. Por conseguinte, não deveria ser examinado tão amplamente nem abordado desse modo no nosso relatório.” Os Estados Unidos foram mais proativos. Por discordarem do conteúdo que constituía o Relatório MacBride retiraram-se da UNESCO em 1980, seguidos da Grã-Bretanha. Obviamente o dinheiro que aqueles países aportavam para a organização e que significavam cerca de noventa por cento da verba total, foi retirado também. Os elementos integrantes do direito à comunicação foram formulados pela comissão como sendo o direito de reunião, de discussão, de participação; o direito de questionar, de ser informado. E ainda outros direitos como o de associação, o 145 direito de fazer perguntas e que não foram contemplados no norte da áfrica e no Oriente Médio. Mas a comunicação derrubou regimes, mesmo assim. Nesse processo revolucionário, a comunicação das novas tecnologias, feita em rede, mediou a liberdade, o acesso, a participação, o diálogo e o equilíbrio de poder. Em um mundo onde a comunicação seja mais democrática, seja um direito e seja formativa e de voz aos despossuídos, os horizontes dos homens se ampliarão rumo a equidade. Ideais de uma outra ordem de comunicação. A ordem da Comunicação para o Desenvolvimento. Considerações finais e limitações desta tese Apesar de atuar há décadas como jornalista, foi muito difícil escrever esta tese. Aliás, para mim passou a ser difícil escrever quando entrei em meu primeiro mestrado, no final dos anos 1990. Descobri como era difícil ler. Logo para mim que me alfabetizei lendo a coleção inteira de Monteiro Lobato, há muito esquecida numa prateleira em meu esconderijo na casa da infância. Os donos dos livros já eram adultos e eu, criança, encontrei a Emília, o Visconde de Sabugosa, o Pedrinho e a Narizinho, muito antes de se tornarem personagens em programas infantis. Mas a leitura técnica, em um volume enorme e com prazo curto, era diferente também daquela da graduação. Não mais ler para saber ou para lazer. E quando descobri o quanto eu ignorava de tanta coisa que havia para saber, parei de escrever. Pois escrever se tornou um sofrimento. Escrever para alguém avaliar. Não mais escrever para informar a opinião pública. Ou escrever para registrar meus pensamentos. Passou a ser escrever para sistematizar o meu conhecimento sobre um campo. Penso que na escritura da tese voltei ao princípio da trajetória e à insegurança de pensar se o que produzi poderá ser válido, ter utilidade, contribuir, de alguma forma. Posso dizer que eu sempre quis ficar em uma zona de conforto. No entanto, sempre fui levada a ter que enfrentar o desconhecido, o novo. Descobri com o passar do tempo, que a única coisa que é segura e definitiva é o processo da mudança. Do mundo, dos outros, de nós mesmos. E que a vida é um exercício contínuo da busca pelo equilíbrio na adversidade, no crescimento, na impassividade. 146 Sim, porque este incessante transformar permite que o novo se apresente e se transforme. Ou, nos transforme. E que seriam aborrecidos os dias, os meses, os anos, se tudo fosse estanque, passivo, igual. É engraçado como o processo de construção desta tese parece que confirmou este meu sentimento de insatisfação com o usual, com o comum. Ela se tornou um elemento com vida própria e foi me guiando no registro de mudanças que foram ocorrendo à nossa volta. Ela exigiu que eu fosse ampliando minha visão e o meu repertório de vida. E, por fim, ela me levou a um resultado que eu não esperava quando começamos a conviver, quando passei a escrever as minhas ideias na luz. Até o final ela me exigiu, pela própria transformação do mundo nestes cinco anos e, principalmente, neste mês de março de 2011. Exigiu que eu transformasse o meu olhar e ampliasse a análise. E quando me deparei com a dúvida de ser pertinente ou não a abordar um assunto datado de 30 anos - as recomendações do Relatório MacBride - a tese me reservou duas surpresas. A primeira, foi entender que por mais tempo que tenha se passado, se um assunto não foi resolvido, continua atual. A segunda, foi ter vislumbrado que a questão há décadas no compasso de espera, em meu entender agora se resolve e de forma inusitada. O direito a uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação defendido - ao final de forma consensual - pela Comissão MacBride como um direito a ser concedido pelos países hegemônicos, ou a ser conquistado pelos países do Sul, na verdade tomou um caminho não previsto. Em uma ação revolucionária, imprevisível, países africanos subjugados criaram uma Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação de forma vertical a partir da base da sociedade. E da periferia para o centro. Dos países periféricos para o mundo civilizado. Aproveitando a instauração, ou a consolidação tardia da tecnologia de comunicação - que burla censuras, proibições e ameaças, se propagando pelas redes sociais em microondas – as sociedades em rede iniciaram um processo histórico de mudanças sociopolíticas, apoiadas pela comunicação interpessoal, que ainda não sabemos como irá reordenar o mundo. Mas o fato está posto. Nem a atitude autoritária do governo egípcio, de retirar a rede mundial do ar, evitou a sua queda. Pelas ondas simples do celular a comunicação se concretizou e a força da mudança emergiu. E se estende ainda. Ouso dizer que o que era pregado por Sean MacBride tornou-se real. E, convém ressaltar, sem a paridade da comunicação nos países do mundo. O que está a 147 ocorrer no norte da África e que se propaga pelo oriente médio, acredito, vem a confirmar essa teoria. Essa tese se limita quanto ao desenrolar dos acontecimentos na esfera política internacional, pois foi concluída em 29 e março de 2011. 148 REFERÊNCIAS ADRA. Relatório do Conselho Directivo: relativo ao ano de 2004. Luanda: ADRA: 2005. ADRA. Angola: Construindo a Cidadania num país em reconstrução. Luanda: ADRA (no prelo). ANAYEGBUNAM, Chike et al. Participatory Rural Comunication Appraisal:Starting with the people, a handbook. 2nd edition. Rome, Italy: SADC. Center of Comunication for Development Harare and Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2004 ARANGUREN, José . Sociologia della Comunicacione. 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Seu objetivo é avaliar o uso da Comunicação para o Desenvolvimento como apoio a projetos de Ajuda Humanitária e de Desenvolvimento em sociedades pós-conflito. APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas Organização: Endereço: Coordenador: Data: Fone: Email: Cel: 1. Dados Organizacionais Nome da Organização: Origem da Organização: Descrição da atividade de ajuda: Tempo de atuação no país: 2. Dados pessoais Data: Nome: Formação: Tipo de contrato: Tempo de atuação no país: Idade: Cargo: Tempo na atividade: I. Dados referentes à ajuda prestada 1.Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária/desenvolvimento realizadas por sua organização? 2.Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados? 3.Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados nos últimos dois anos? II . Dados referentes à importância atribuída à Comunicação 4. Existe relevância na divulgação do doador? 5. Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação? 159 6. Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso da comunicação? III. Dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. 7. Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? i. Se não, por qual motivo? ii. Se sim, qual o percentual dos recursos foi investido em comunicação? 8. Houve planeamento de comunicação estratégica para os projetos realizados? 9. Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual é mais freqüente? 10. Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados? 11. Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes? IV. Dados relativos à Comunicação para o Desenvolvimento (CpD) 12. Existe necessidade de introduzir ações de CpD nos projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por quê? 13. Que resultados são esperados nestas ações? 14. Quais são as limitações às ações de CpD nos projetos implementados? V. Dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos Direitos Humanos Dados sobre a contribuição da comunicação para a garantia da Segurança Alimentar 15. Como pode contribuir a Comunicação para o Desenvolvimento para a percepção do Direito à cidadania em sociedades pós-conflito? 16. Poderá a Comunicação para o Desenvolvimento contribuir para a consolidação de a Segurança Alimentar em sociedades pós-conflito? Se sim, de que forma? 160 Entrevistas realizadas em Portugal APÊNDICE B – Entrevista com Pedro Krupenski – 20/11/2009 Advogado e Diretor da Amnistia Internacional - Portugal CLARA: Bom dia. Eu gostaria de saber alguns dados referentes à ajuda prestada pela Amnistia Internacional. Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária e desenvolvimento realizadas por sua organização? PEDRO: Bom, antes de mais, gostaria só de fazer aqui uma contextualização do tipo de trabalho que a Amnistia desenvolve. Eu estava lendo aqui o questionário e vi que fala muito em projetos, que fala muito em doadores. E em relação a essas duas vertentes pelo menos, a Amnistia é bastante atípica. É uma organização que serve – e para isso nasceu – para promover os direitos humanos e denunciar a sua violação, e como tal, para garantir alguma independência, imparcialidade relativamente às denúncias que vai fazendo, optou desde o primeiro dia por não obter fundos de doadores coletivos, vive, e centra basicamente nas doações e nas cotas pagas pelos membros associados pelo mundo afora. E, portanto, não temos uma relação direta com a maior parte das organizações (...) particularmente as que trabalham em ajuda humanitária. Em comparação, há uma relação de doadores, e de beneficiários, através da elaboração de projetos, de acordo com as headlines feitas por estes doadores, para recorrermos a qual financiamento para nossa ação. E, portanto, nessa medida, somos bastante atípicos, isto para dizer que não funcionamos com base em projetos e não funcionamos com base em co-financiamento público. E como é óbvio, temos programação do nosso trabalho e que é feito, não só em escala nacional, mas cada vez mais de forma concertada com todo o movimento, com as outras facções que existem em 56 outros países e também com o Secretariado Internacional, que leva a cabo aquilo que são as campanhas globais. Falamos muito em campanhas e não tanto em projetos, embora no âmbito das campanhas (...) vários projetos e esses são implementados por países que entendem implementá-los, pois há projetos, que chamamos de Projetos WOOC, que é Work on Own Country, portanto trabalhando no próprio país e que tem muito a ver com a realidade dos direitos humanos em cada país. Em suma, todas essas campanhas têm a ver com áreas dos direitos humanos que foram, consensualmente, entre as várias facções e o Secretariado Internacional, consideradas como prioritárias. Portanto, temos uma grande campanha sobre a violência contra as mulheres, temos uma grande campanha de controle das armas, temos uma grande campanha relacionada agora com a pobreza enquanto violação dos direitos humanos. E essas campanhas, são campanhas normalmente plurianuais, normalmente de 5 a 6 anos. E, no âmbito dessas campanhas, vão se levando a cabo várias atividades: atividades de sensibilização da opinião pública, de lobby direto com as instituições políticas envolvidas nisso, de campanhas de comunicação, de ativismo puro e simples. E naturalmente, todas essas atividades são como dizia, feitas no 161 cumprimento de uma planificação previamente feita e financiada pelas cotas pagas pelos membros associados. CLARA: Existem algumas dificuldades que sejam recorrentes nessas campanhas? PEDRO: Há, de fato, algumas dificuldades, e em um movimento como da Amnistia, que é um movimento de ativismo, em que o valor acrescentado dessa organização seria o envolvimento individual de cada pessoa, enfim, de alguma forma, com a sua consciência social inquieta, vir para a rua e, como cidadão, exigir o cumprimento dos direitos humanos por quem o esteja violando. O que muitas vezes sentimos, e isso é uma tendência sentida em todo movimento, é que o ativismo, no sentido tradicional, está mudando de configuração. Hoje em dia, as pessoas envolvem-se, querem envolver-se, mas envolvem-se de uma maneira muito mais distanciada, não aparecem fisicamente, não querem fazer manifestações de rua e estão muito mais disponíveis para aquilo que já chamamos de “ativismo eletrônico”, ou seja, procurarem re-encaminhar cartas para as instituições políticas, como por exemplo, para um governador qualquer dos Estados Unidos, cujo poder de decisão pode evitar que alguém que esteja na iminência de ser executado no âmbito da pena de morte, não o seja. Estão muito mais disponíveis para pegar uma minuta de uma carta que tínhamos nós feito, nós a Anistia, assinar a carta e re-encaminhá-la para outros destinatários. Estão mais disponíveis para isso do que propriamente se envolverem ativa, física e presencialmente naquilo que é o ativismo. CLARA: Mas isso não seria um novo ativismo, uma vez que a gente vê que o presidente dos Estados Unidos foi eleito, basicamente, baseando a sua campanha em comunicação na internet? PEDRO: Não há dúvida, não há dúvida. É uma dificuldade, mas ao mesmo tempo, uma oportunidade. Uma dificuldade, no sentido de que, em quase 50 anos da historia, o ativismo na Anistia foi feito muito com a presença voluntária e ativa dos, enfim, dos membros da anistia e dos simpatizantes da anistia, e agora já não tanto. E, portanto, isso exige de nós – e nessa medida, uma oportunidade – exige de nós um reajuste do nosso modo de fazer as coisas. E a verdade é que o impacto e os resultados que são obtidos por essa forma de ativismo eletrônico, a verdade é que, muitas vezes, não substitui o impacto que tem um conjunto de pessoas na porta de uma Embaixada reclamando do cumprimento dos direitos humanos. CLARA: O impacto, por que de alguma maneira fica maior a visibilidade perante a opinião pública ou por causa da cobertura dos meios de comunicação social? PEDRO: Sem dúvida, embora também os próprios meios de comunicação social também estão cada vez mais digitalizados também. Nosso entendimento, por exemplo, há uma publicação anual do Relatório da Anistia, que refere-se à situação dos direitos humanos em todo o mundo, em quase todo o mundo, e esse é um momento que tem que continuar a ter imensa visibilidade junto da mídia. Nós, antigamente, organizávamos – há dois anos que não o fazemos – organizávamos sempre uma Conferência de Imprensa, e uma Conferência de Imprensa presencial, com a presença efetiva dos jornalistas e tinha uma adesão massiva dos jornalistas. Há três anos fizemos, quando começou a mudar o modo de agir, relativamente a essas questões, fizemos uma Conferência de Imprensa e apareceram três 162 jornalistas, um dos quais era de uma agência noticiosa que recolheu a informação e depois espalhou por todos os meios de comunicação, portanto teve um imenso impacto, mas mais uma vez, sem a presença física das pessoas. É outro modo de fazer as coisas, também eficaz, mas não há aquela relação humana, não há o face to face, aliás, o face to face é o nome do nosso projeto de angariação de membros na rua, de chamarmos mesmo face to face e está experimentado quase por todo mundo que há a Anistia, como tendo justamente um valor a acrescentar, o fato de ser uma conversa cara a cara, nas ruas, as pessoas, devidamente informadas por esse (...) da Anistia, abordam diretamente as pessoas na rua, apresentam a Anistia e mostram às pessoas a vantagem que há para elas próprias e para o mundo em geral, elas se tornarem ativistas da Anistia, tanto que para nós é muito crível, muito desejável esta presença física e ativa das pessoas. No entanto, em termos de impacto nos direitos humanos, tem tanto a mais, porque envolve mais gente, a verdade é essa hoje em dia, com as comunidades sociais virtuais, consegue-se chegar à gente numa velocidade espantosa, que age e age em função daquilo que estamos a pedir, sem se deslocar ao outro lado do mundo. CLARA: Quando a gente fala em comunicação e fala em doadores, apesar de serem doadores individuais, também são doadores da Anistia. Qual a importância, vocês tem um levantamento ou uma percepção de qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação? Digamos assim, especificamente em cima das divulgações das campanhas que são feitas? Campanhas, as ações feitas, na divulgação dessas ações, que os doadores saibam o que estão construindo? PEDRO: Claro, é verdadeiramente fundamental e passou a ser ainda mais, a partir do momento em que nós começamos a associar a angariação de membros da Anistia a campanhas específicas. Até a relativamente pouco tempo, desafiávamos as pessoas a juntar-se a essa luta pelos direitos humanos em abstrato. E chegamos à conclusão que haveria pessoas que estariam muito mais interessadas em fazer parte da Anistia para lutar por uma causa específica no âmbito de uma campanha, do que simplesmente fazerem parte da Anistia pelos direitos humanos em geral... CLARA: Segmentação de marketing... PEDRO: Exatamente, é isso mesmo. E então ainda se torna mais necessário do que já era, a comunicação dos resultados. Ou seja, as pessoas não só se tornam membros, mas dão do seu tempo, dão inclusivamente do seu dinheiro, cota e, portanto, temos a estrita obrigação de dar conta às pessoas, de como é que estamos a administrar o seu dinheiro e como é que estamos a envolver. E temos o cuidado de fazer, há uma comunicação muito próxima com os 12.000 membros que temos e que não é fácil, justamente porque são 12.000, mas temos seis diferentes newsletters eletrônicas, uma das quais especificamente para questões de accountability, e essa é bimensal; portanto, em cada dois meses mostramos a evolução da situação financeira: quantos membros angariamos o que isso representa em termos de income, de receitas, o que vamos fazer o que já fizemos. Uma newsletter muito simplificada, não é um relatório financeiro massador, chato, mas com os gráficos a explicar muito bem o que é feito com o dinheiro. CLARA: Em que suporte? 163 PEDRO: Normalmente digital, mas normalmente, no processo do tal face to face de angariação de membros, os membros que consentem em aderir a Anistia preenchem uma ficha e nessa ficha, que é a ficha de membro, escolhem a forma como querem receber toda a informação que lhes enviamos. A grande maioria tem escolhido receber por e-mail, mas se alguém porventura, diz que prefere receber por correio postal, nós temos essa indicação na base de dados e, portanto, toda essa informação que sai vai por correio postal. CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários às campanhas que foram implementadas nos últimos dois anos pela Anistia? PEDRO: Eu diria que um dos pontos fracos da Anistia é conseguir olhar o impacto junto dos beneficiários. A Anistia começou muito por trabalhar apenas em casos individuais: eram prisioneiros de consciência, prisioneiros políticos, pessoas concretas, senhor A, B, C. A Anistia continua a fazer isso, e, nesse caso, é muito fácil acompanhar a evolução da situação e naturalmente avaliar a satisfação e a receptividade realmente dos beneficiários. Em outras áreas, que também é um trabalho que ocupa muito dos recursos e dos esforços da Anistia, é um trabalho muito de lobby para construção de legislação internacional, de tratados e convenções internacionais, e isso não só o ritmo – e a evolução disso – é muito mais lento, como também os resultados são mais intangíveis, é mais difícil de avaliar. Portanto, estamos em construção de alguns mecanismos de avaliação de impacto para conseguirmos ter uma corretíssima avaliação do impacto junto aos beneficiários. Muitas vezes temos um feedback muitíssimo satisfatório, conhecemos casos concretos, e temos isso comentado em cartas enviadas por um prisioneiro qualquer que esteve injustamente preso em El Salvador e que esteve isolado durante não sei quanto tempo e disse que nos anos em que esteve na prisão, a única coisa que lhe chegava às mãos eram as cartas dos membros da Anistia dizendo: não se preocupe, nós estamos a tratar do seu caso e não vamos esquecer. E ele depois, viu resolvido o seu caso e fez de dar conta disso à Anistia, dizendo que aquilo foi lhe dando esperança, aquilo foi lhe dando ânimo na situação em que estava, foram as cartas que os membros da anistia lhe faziam chegar, tanto que temos realmente apreciação do que os beneficiários da nossa ação vão sentindo relativamente ao nosso trabalho, mas há áreas em que isso é mais difícil de avaliar e quantificar. CLARA: Essas campanhas promovidas pela Anistia, elas tem uma verba para ser investida em comunicação? Existe um percentual destinado? PEDRO: Para a comunicação, é concreto, sim, definitivamente, sim. Eu diria que o trabalho da Anistia se assenta em dois eixos fundamentais: um dos eixos parte da investigação. Há muito esforço dedicado à investigação, investigação essa que no fundo passa um bocado pela monitorização da implementação dos direitos humanos. Por um lado olhamos para o que os estados se comprometeram via tratados internacionais, via legislação internacional, o que se comprometeram a fazer em termos de direitos humanos; depois confrontamos isso com a prática, e se não houver coerência entre uma coisa e outra, nós estamos perante um abuso, a uma violação dos direitos humanos e, portanto, agimos em inconformidade. Mas sempre baseados em casos concretos, não em coisas etéreas e abstratas, é sempre em casos muito assim, concretos. E depois dessa investigação, partimos para a 164 ação. E a ação que segundo, eu acho importante, passa muito pelo setor da comunicação, não só pela comunicação direta com o nosso target nesse momento, mas justamente com a comunicação para envolver o maior número de pessoas nesta luta, na pressão que estamos a fazer, para a resolução da situação em caso, e isso é verdadeiramente fundamental. Temos um contato, muito assim, regular e muito ágil com os meios de comunicação social e com pessoas em concreto, quer dizer, não temos apenas os e-mails ou os faxes das relações, há pessoas em concreto com quem mantemos uma relação muito próxima, com a mídia em geral, incluindo todos os meios. E depois também, uma comunicação muito ágil com os nossos membros, em particular com aqueles que manifestaram e tem manifestado interesse em participar ativamente nestas várias ações. Porque há pessoas que de fato são consideradas membros da Anistia, mas que escolhem ter um papel mais pacífico, quer dizer, querem ser informadas, pagam a sua cota, mas não tem disponibilidade, ou às vezes interesse, em intervir mais diretamente. Mas sim, isto para dizer que a comunicação é uma das componentes fortíssimas e, portanto, há de fato, muito investimento nesta parte. Felizmente, temos, no âmbito das campanhas, temos tido o apoio de muitas empresas ligadas ao setor, e é uma parceria win-win, como se costuma dizer. Estas empresas de publicidade também, pois, podem concorrer aos festivais que (...), e, portanto, com os portfólios deles com este segmento de publicidade para os direitos humanos ou publicidade, e é um pouco isso é aquilo que lhes damos em troca, para, obviamente, podermos passar os tais recibos ao abrigo da lei de mecenato, que lhe dá benefícios fiscais. Mas a grande catch, além do interesse que eles têm em pessoalmente produzir campanhas para questões humanitárias e por questões de direitos humanos e não para vender margarina, que também é a função deles, dá-lhes mais gozo criativamente, pensar numa campanha para vender uma causa do que vender um produto. Portanto, eles se sentem mais estimulados nisso e temos tido um excelente apoio nesse nível para divulgar as campanhas. Portanto, essa é uma outra vertente da comunicação, é uma comunicação em massa, a par da comunicação mais direcionada para os meios de comunicação por um lado e para os membros por outro. CLARA: Percebe-se alguma prioridade de divulgação quando é iniciada uma nova campanha? Se existe, qual é a mais frequente? PEDRO: A mais frequente, normalmente, justamente através dos meios de comunicação social, porque é o que chega, de fato, ao maior número de pessoas e de alguma forma, depois remete-se novamente para nós, se as pessoas têm interesse em envolver-se, mesmo que não sejam membros da Anistia. Até porque as mensagens e os apelos que a Anistia faz são normalmente apelos a ação de cidadania. O problema dos direitos humanos é um problema de todos nós e, portanto, aquilo que nós fazemos normalmente é chamar a consciência das pessoas justamente para essa (...) das coisas, a dignidade de alguém concreto está a ser atentada, isso significa que a minha própria dignidade enquanto ser humano também está a ser atentada, nessa medida eu próprio também devo agir para superar essa situação. E, portanto, sendo os meios de comunicação social aqueles que mais eficazmente chegam ao maior número de pessoas, muitas vezes, na maior parte das vezes, nos utilizamos dessa forma. Agora, depende justamente da finalidade, depende do tema, depende às vezes, da sensibilidade da questão; muitas vezes não podemos divulgar, sob o risco de agravar ainda mais a situação da pessoa em concreto, cujos direitos estão sendo violados, e, portanto, depende muito 165 de caso para caso, mas genericamente, diria que o principal recurso são os meios de comunicação social. CLARA: Houve divulgação aos beneficiários dos resultados das últimas campanhas que foram realizadas? De comunicação, nos últimos dois anos? PEDRO: Sempre, há de fato, sempre essa preocupação e até, mais uma vez, enfim, de marketing aplicado a essas questões, chegamos um pouco à conclusão de que o registro comum das nossas comunicações era, por um lado sempre apelativo, estávamos sempre a pedir que as pessoas se envolvessem que as pessoas participassem que as pessoas doassem, e por aí afora e normalmente, com uma carga um bocado negativa, porque era sempre aqui uma situação de violação dos direitos humanos, aqui uma situação de abuso. Portanto, sentíamos que a nossa comunicação estava um pouco pesada e que quebrava ao meio, porque as tantas depois, não dávamos o feedback relativamente a isso, e justamente, tendo tomando consciência disso, sequenciamos o processo de comunicação. Continuamos, naturalmente, a fazer o apelo. O apelo normalmente inclui, não só a adquirição da situação em causa, mas já inclui proposta de solução, portanto já há ali, um aspecto mais positivo. E depois, num segundo momento, quando houver resultados, damos tempo para o feedback, damos sempre a conhecer o que aconteceu ou o que não aconteceu depois do envolvimento das pessoas nesse trabalho. CLARA: Existem limitações referentes à comunicação nessas campanhas que sejam recorrentes? PEDRO: Sim, eu diria que sim. E as limitações são, normalmente, ou a agenda midiática está ocupada com assuntos, enfim, se há um campeonato de futebol, por exemplo, não há espaço para mensagens da Anistia. CLARA: Pensei que fosse só no Brasil, isso... PEDRO: Não, não, é universal, mundial, essa é de fato uma limitação. E outra é nossa própria dificuldade em perceber o que poderá acolher entre esse público, e somos surpreendidos às vezes, por coisas que nós achamos que não vai acolher com aquele interesse público de jornalistas, já alguns temas que são talvez mais ligados à legislação internacional, a grandes tratados e tal e achamos que são matérias técnicas e, portanto não terão grande apetência do público, mas às vezes tem. Ou por outro lado, questões que nós achamos que no contexto português não terão muito interesse e acaba por ter, muitas vezes somos surpreendidos por isso. Lembro, por exemplo, o ano passado, quando houve o ataque, aquele problema que houve na Ossétia do Sul, uma pequena guerra entre Rússia e a Geórgia a propósito justamente dos territórios da Ossétia do Sul, eu pensei que era uma questão que, enfim, que teria espaço em algumas páginas de jornais, mas que não acolhesse o interesse que acolheu e foi durante praticamente duas semanas diariamente de entrevistas e a televisão, rádios, jornais, sobre a questão nossa aqui do sul, eu pensei que a Ossétia do Sul não era assim um tema muito sexy em Portugal, mas aparentemente, foi definitivamente foi. Às vezes há essa dificuldade, percebermos o que pode interessar ou não ao público e, às vezes com a convicção de que interessa bastante, sermos confrontados com a agenda midiática ocupada com outras coisas. 166 CLARA: Quando vocês são surpreendidos positivamente pelo interesse, existe um trabalho conjunto em divulgação da própria Anistia e angariação de membros nessas ocasiões? PEDRO: Não propositadamente, mas, ou seja, não capitalizamos esse interesse... CLARA: Não deveriam? PEDRO: Naturalmente, sim, mas não o fazemos de uma forma tão imediata porque não queremos naturalmente também passar a imagem, porque não corresponde à realidade, de que tiramos proveito de algumas questões mais preocupantes do ponto de vista dos direitos humanos para capitalizar isso a favor da organização. O que, pois, procuramos fazer é se determinada situação teve fatos (...), demonstrar que assim como podemos agir e agimos nessa situação, com impacto, de modo a resolver os problemas, também podemos fazer isso em muitas outras situações que esses cidadãos sejam importantes e para isso precisamos de sua ajuda e, portanto, por que não tornar-se membro? Mas quer dizer, não há ali uma associação imediata: olha, nós tivemos bons resultados nisto, por isso... CLARA: Não, claro, claro. Agora, dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. A Anistia entende necessário ou não a introdução de ações de comunicação para o desenvolvimento em projetos de ajuda humanitária de desenvolvimento? PEDRO: Eu acho que sim, que é verdadeiramente fundamental, e nós, este ano, em maio deste ano lançamos uma nova campanha global, que é aquela que lhe referia há pouco, tem exatamente a ver com encarar a pobreza como violação dos direitos humanos, portanto, ao contrário do que temos feito nos últimos anos, vamos trabalhar muito nessa área e justamente um dos três eixos estratégicos dessa campanha, que é uma campanha global, porque não só vai decorrer durante seis anos, pelo menos seis anos, mas vai decorrer globalmente no universo da Anistia, um dos três eixos estratégicos dessa campanha é justamente permitir e facilitar a comunicação. E a comunicação entra os potenciais destinatários da ajuda e os membros doadores. Por quê? Porque se tem chegado de fato à conclusão, e não é apenas uma conclusão da Anistia, de que há uma enorme falta de diálogo entre aqueles que querem ser ajudados e aqueles que querem ajudar. Há uma certa tendência das ONGs, das organizações internacionais e daqueles que estão, digamos, do lado dos doadores, de impingirem soluções para os destinatários da ajuda. Soluções essas que muitas vezes não são adequadas àquilo que são as necessidades dos destinatários da ajuda. E, portanto, aquilo que a Anistia vai procurar promover é o active participation, participação ativa dos destinatários da ajuda, não só na identificação dos seus próprios problemas, mas na identificação das soluções dos seus próprios problemas. Ouvi-los, dar-lhes voz, procurar perceber no contexto cultural em que vivem, quais é que são efetivamente os problemas e quais é que efetivamente são as soluções para os seus problemas. E em função disso, esse é que vai ser o capital base, é que se vai procurar juntar recursos e materializar as soluções para dar resposta. Não só às necessidades identificadas pelos próprios, mas às soluções identificadas pelos próprios. Fundamental para isso é haver mecanismos de comunicação muito eficazes. 167 CLARA: A Anistia tem nos seus quadros, para esse propósito, sociólogos e antropólogos para fazer esse levantamento? PEDRO: Sim, não só, mas também, até porque isto está, vai ser feito em diferentes escalas e junto de diferentes populações em escala global, portanto feito pelo próprio movimento. Vai ser aproveitada a estrutura de investigação que já existe, existe no próprio Secretariado, a parir do Secretariado Internacional, cerca de 250 investigadores, entre os quais estão sociólogos, antropólogos, enfim, relações internacionais, com diferentes formações e que conhecem muito bem ou temáticas específicas ou regiões específicas. Então, de alguma forma, eles e as equipes à que pertencem, referem-se à região. E esse é que vai já a cabo fazer a investigação e monitorizar a situação dos direitos humanos nessas temáticas e nesses países. E agora também vai caber a eles procurar dar voz justamente a essas pessoas, dar voz e de alguma forma, ampliar essa voz. E vai ficar registrado ou em filme, em escrito, em áudio, esse depoimento, essa situação do levantamento das necessidades e da solução para essas necessidades e isso vai para um pool comum da Anistia e que depois vai ser justamente utilizado como matéria-prima base para a procura de projetos e de recomendações aos estados e às organizações internacionais e tudo o mais. CLARA: E quais são as limitações às ações de comunicação para o desenvolvimento nessas campanhas que a Anistia vem desenvolvendo? PEDRO: Ainda é cedo, até porque a campanha começou em maio deste ano e, portanto, ainda é um pouco cedo para identificar com rigor quais são as limitações. Eu diria, a partir de que, enfim, não sei se poderia chamar de limitação. Mas é um risco, e isso é um risco seguro é de darmos mais voz a uns e menos a outros, ou seja, de fazer aqui uma discriminação inadvertida, obviamente. Mas fazer uma discriminação daqueles que achamos que (...) tem mais visibilidade ou mais potencialidades de comunicar quais é que são os seus problemas e soluções para os mesmos em detrimento de outros, cujas necessidades reais sejam mais acentuadas, enfim, isso é um risco. Mas é um risco que estamos cientes, temos noção e, portanto, seria um bom ponto de partida para evitar. CLARA: Agora, dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão de direitos humanos e garantia da segurança alimentar, que na verdade, vocês estão então, juntando essas duas coisas, agora nessa campanha. Como pode contribuir a comunicação para o desenvolvimento, para a percepção do direito à cidadania em sociedades pós-conflito? Quando a gente vai ter uma situação de que não existe mais percepção da pessoa, que ela tenha direito a alguma coisa? PEDRO: A comunicação é verdadeiramente fundamental aqui, não só para, de alguma forma, eu ia dizer educar, e não gosto muito, porque isso é um termo, neste contexto, um bocadinho paternalista. Mas eu diria, para de alguma forma, alertar as consciências das pessoas. Eu lembro alguns anos atrás, e gosto de contar essa historia, que é muito ilustrativa daquilo que estou a dizer, quando trabalhava na plataforma portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento, quando foi o tsunami, que afetou o sudeste asiático em final de 2004, eu trabalhava na plataforma e coube a mim, de alguma forma, gerir a reação das ONGs portuguesas e de relacioná-las com a reação do estado português e tudo 168 o mais. Então, aqueles dias foram uma loucura, não se dormia, trabalhava-se noite e dia, e parte desse trabalho era atender telefonemas e atender pessoas, que de alguma forma queriam participar generosissimamente e na expressão mais genuína da sua cidadania, queriam ajudar. Eu lembro-me que estive quase duas horas ao telefone com uma senhora que queria enviar um contentor com dois mil pares de luvas de lã para o Sri-Lanka. É muito difícil aqui, e a comunicação é fundamental, de desmontar uma questão dessas, porque a generosidade genuína, a cidadania expressa ali, desta senhora, é de se respeitar e é de se louvar. Agora, o que ela estava a querer fazer é totalmente desadequado e totalmente dispendioso, atendendo as necessidades efetivas da população. Quer dizer, o Sri-Lanka é um país subtropical, nem no auge do conforto alguma vez vão querer luvas de lã e a senhora achava que o que era fundamental para aquela gente ali, era, dizia: não, mas olha, o que eles precisam mesmo é de alimentação, de água potável, de medicamentos, de cuidados médicos. “Não, mas eu ouvi na televisão, dizer que eles precisavam de tudo”. Tudo inclui luvas de lã. Bom, foi muito difícil depois explicar à senhora que enviar um contentor por aqui, o espaço que o seu contentor ocupará, será o espaço de outro contentor onde poderiam ir bens mais úteis, enfim, foi muito difícil. Mas lá está isto para dizer que a comunicação para o apelo à cidadania, para o apelo ao envolvimento das pessoas nestas questões, nomeadamente instituições de ajuda humanitária de emergência, é verdadeiramente fundamental e cada vez mais para educar, não consigo fugir do termo, mas para educar as pessoas para um exercício correto de cidadania. Até porque o mau exercício da minha cidadania em prol de outrem vai prejudicar também os direitos de cidadania da outra pessoa. Portanto, eu que estou disponível para ajudar, eu que generosamente quero dar-lhe o meu tempo e meus recursos e tudo o mais, tenho que perceber e tenho que ter os elementos suficientes para isso, e não posso fazer de forma emotiva, tenho que procurar raciocinar se aquilo que estou a fazer é de fato benéfico, e isso tem muito a ver nomeadamente com a segurança alimentar e ainda pegando neste exemplo que eu acabei de dizer, a senhora, foi que é muito mais importante hoje em dia, e no caso concreto do Sri-Lanka e da Banda Achém que foi também na Indonésia afetada. Banda Achém é uma das mil e duzentas ilhas da Indonésia que não foram afetadas, e a Indonésia é um dos principais produtores de arroz do mundo e, portanto, era absolutamente absurdo, enviar um contentor, como muitos se disponibilizaram a fazer um contentor de arroz aqui, porque não, já que as pessoas querem ajudar, não dão dinheiro, dinheiro esse que será usado por organizações de confiança para comprar localmente o mais necessário. E assim, não só ajuda ao destinatário, a pessoa, quem precisa de comer, mas favorece a economia local também e reforçando assim as questões associadas à segurança e à soberania alimentar. CLARA: Como poderá então, a comunicação para o desenvolvimento contribuir para a consolidação da segurança alimentar em sociedades pós-conflito? PEDRO: Eu vou responder de uma forma muito Anistia. Porque a Anistia faz muito aquilo que os anglo-saxônicos chamam o Name it and shame it, ou seja, usamos muita comunicação para apontar o foco, luz da ribalta, para aqueles que estão a violar os direitos humanos, para de alguma forma os envergonhar perante o resto do mundo. E envergonhar, não porque estejam em violação do que deve ser, estão em violação dos compromissos que eles próprios assumiram. Nós não confrontamos as pessoas dizendo: olha, você deveria fazer isso, era bom que fizesse isso. Não. Você 169 assumiu este compromisso, está aqui a documentação que o comprova, e está a violá-lo. Como é que é? E, portanto, a comunicação, nomeadamente para essas questões da segurança alimentar, que tem muito a ver, nós sabemos, com a má distribuição dos recursos e com o comportamento desenfreado de algumas empresas, cujo sistema de accountability é muito difícil, porque, enquanto no estado há interlocutores muito específicos, as empresas, agora distribuídas por aí, vem esquemas complicados de holdings e de ligações aqui e acolá, não são tão facilmente identificáveis, às pessoas a quem devemos nos dirigir, e a Anistia tem trabalhado muito nisso, particularmente agora nesta campanha da dignidade e procurar chamar à responsabilidade as empresas que trabalhando nestes países, aqui nas sedes, nos países do norte, ostentam grandes certificados de responsabilidade social, mas depois nestes países esgotam todos os seus recursos naturais e exploram os recursos e as populações de forma totalmente irresponsável e gravemente atentadora contra os direitos humanos. A comunicação, e isso, como digo respondo muito, enquanto Anistia, é verdadeiramente fundamental, para justamente ir apontando a luz para aqueles que não querem parecer violadores dos direitos humanos, mas que estão o sendo, e para isso é fundamental ter realmente mecanismos eficazes de comunicação, para poder trazer a público os elementos suficientes para envergonhar ou apanhar em falso aqueles que vão contribuindo para essas violações. CLARA: Mais alguma observação que você gostaria de acrescentar a esse roteiro? PEDRO: Não, assim de momento, não me ocorre nada. CLARA: Então, muito obrigada. 170 APÊNDICE C - Entrevista com G – 18/11/2009 Relações Internacionais. Gerente do Instituto M (IM) para Angola, Brasil e Cabo Verde. I. Dados referentes à ajuda prestada. 1. CLARA: Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária/desenvolvimento, realizadas por sua organização? G.: O IM trabalha, sobretudo, ao nível de duas áreas, Cooperação para o Desenvolvimento e Educação para o Desenvolvimento. Ao nível de cooperação para o desenvolvimento trabalha em todos os países do espaço lusófono. Angola, Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e príncipe, Timor Leste, Brasil e Cabo verde. Em termos de áreas temáticas trabalhamos as áreas de desenvolvimento rural e segurança alimentar, cooperação centralizada e boa governação, água e saneamento básico, saúde e educação. 2. CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados? G: Existem dificuldades em vários níveis, penso que os problemas muitas vezes podem depender de questões meramente operacionais relacionadas com a execução do projeto no terreno. Penso que uma das principais dificuldades prendese com a capacidade dos técnicos locais, mas, sobretudo, na área, de haver na Cooperação para o Desenvolvimento, quadros técnicos superiores, devidamente formados, com o conhecimento e experiência nesta área, assim como quadros muitas vezes expatriados das organizações também com o devido conhecimento e experiência nas diversas áreas que mencionei anteriormente. CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados nos últimos dois anos? G: O IM tem atualmente aproximadamente 31 projetos em 7 países. Obviamente que a receptividade depende muito de quem também é o beneficiário. Os beneficiários podem ser autoridades não estatais – e quando estamos a falar de autoridade não estatais, estamos a falar de associações de base comunitárias, ONGs, Sindicatos, e outros… ah, é, e outros… temos beneficiários também autoridades, que são muitas vezes autoridades locais, portanto o caso de administrações municipais, direções provinciais. Ah… naturalmente que sendo autoridades não estatais ou autoridades locais estatais, muitas vezes há uma diferença relativamente ao tipo de receptividade e também ao tipo de projeto que se pretende desenvolver. Ah… isto para dizer que no caso das autoridades locais, muitas vezes pode haver alguma resistência a relativamente determinado tipo de ações, especialmente em alguns países, estamos a falar na área da boa governação. 171 II. Dados referentes à importância atribuída à Comunicação CLARA: Existe relevância na divulgação do doador? G: Sim. Em termos da estratégia dos financiadores, e o IM trabalha, sobretudo com dois principais financiadores: a Comissão Européia e a Cooperação Portuguesa através do IPAD. Ah… para os financiadores a comunicação tem assumido um peso crescente e todos os processos. Ah, até talvez quatro ou cinco anos atrás a visibilidade era quase canalizada e limitante a existência da placa de identificação das infraestruturas ou das áreas de investimento. Ah… auto-reclame ou um pouco mais. Hoje em dia existem manuais de procedimento muito claros, que trabalham, evidentemente, a visibilidade. E, inclusivamente, os projetos recentemente na Comissão Européia, nos últimos doze meses, têm um manual de procedimentos sobre a estratégia de comunicação do próprio projeto. Ou seja, alguns grandes financiadores – no caso a Comissão Européia – sentiram que em algumas situações ah… ahí face a outros financiadores, face a USAID, USA, ou a outras cooperações bilaterais que acabaram por ter muito pouca visibilidade e houve, claramente, um reajustamento no últimos anos no sentido de que cada projeto tem que ter uma estratégia de comunicação. E ter uma estratégia de comunicação não apenas voltada ao país receptor ou ao país beneficiário, mas também virado claramente para a opinião pública do, ou para os contribuintes, neste caso, do país doador. CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação? GONÇALO: O (….) pronto, referindo-se a questão anterior, obviamente que a comunicação assume um papel obrigatório. Mesmo todos os formulários da União Européia, em agora o ponto visibilidade ou comunicação. Ah… mas, efetivamente, assume um peso maior e este retrocesso ou esta maior aposta tem a ver com o palco que recentemente (…) o palco que tem a ver com o Tsunami no sudeste asiático, onde claramente a EU foi o principal financiador desta estratégia, onde a fase de emergência e reabilitação e onde a USAID e os norte americanos, com a CNN, com um investimento muito inferior, foram reconhecidos como sendo o principal financiador da fase de emergência humanitária. E após, na reabilitação tanto houve claramente uma… uma… uma maior conscientização do financiador para que exista uma autoridade clara. Isto pode ser feito através de vários instrumentos. Pode ser feito, por exemplo, através da criação de blogs e sites na internet, relacionados com o projeto. Pode ser através da criação de eventos específicos junto à mídia, quer utilizando rádios comunitárias quer utilizando mesmo comunicados na imprensa escrita. Pode ser através de parceiros locais, utilizando as TVs comunitárias, quer utilizando televisões¸ quer utilizando mesmo comunicados à imprensa escrita e o tipo de iniciativa, onde claramente a visibilidade ao mais alto nível, é requerida. CLARA: Existe possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso da comunicação? G: Eu penso que normalmente há por parte do financiador aqui uma idéia, ou existia esta idéia de que há, pode haver um projeto muito bom, implementado do ponto de vista técnico, mas se tiver má comunicação ou má visibilidade é um péssimo projeto. Por sua vez pode haver um mau projeto, com fracos resultados, mas que se tiver 172 uma excelente estratégia comunicação, muitas vezes pode ser considerado com um excelente projeto. Isto para dizer que eu penso que a comunicação não é um fim em si mesma, e existem a nível dos projetos, mecanismos de consulta, de consertação, de diálogo e de avaliação, por parte dos próprios beneficiários do projeto. Por sua vez pode haver um mau projeto, com fracos resultados. Mas se tiver uma excelente estratégia de comunicação, muitas vezes pode ser considerado como um excelente projeto. Isto para dizer que eu penso eu que a comunicação não é um fim em si mesma. É obviamente essencial, especialmente a parte que a financia, mas não vejo que diretamente tenha um resultado. Ah… sobre os resultados do projeto. A não ser que se crie um blog ou um site informativo num próprio projeto e que isto permita a interação com diversos atores – não apenas a nível nacional, como a nível internacional, que possam dar feedback, que possam dar comentários, propostas, sugestões, recomendações, para o próprio projeto, e que haja ali um espaço, interativo, de debate e discussão, e de reflexão sobre isto. Mas, a comunicação propriamente ah… ou pensando que a comunicação é sinônimo de visibilidade, não vejo que tenha um impacto maior sobre o projeto. III. Dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. 7. CLARA: Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? G: Existe, evidentemente, uma regra ou uma rubrica específica que é visibilidade, não se chama comunicação. E, ah … é possivelmente nesta rubrica de visibilidade nos orçamentos na qual são apresentadas as diversas iniciativas.Ah … o peso tem sido crescente em resultado, como eu disse anteriormente. Ah… antigamente, se calhar, num projeto de quinhentos mil euros 2 ou 3 mil euros seria um valor considerado razoável para a comunicação. Hoje em dia devido ao fim de recursos de iniciativa mais que são necessárias, esta verba poderá ascender aos três, quatro ou conco por cento. Um exemplo concreto: vamos fazer um documentário em Angola e Guiné Bissau ou qualquer outro país, sobre um projeto e os resultados. Queremos entrevistar não apenas os beneficiários. Queremos entrevistar também as autoridades locais e o financiador. Queremos compreender o projeto e o impacto que este projeto teve. Isto requer, evidentemente, a utilização de mais audiovisuais, bastante mais exigentes e de custos também eles superiores. 8. CLARA: Houve planeamento de comunicação estratégica para os projetos realizados? G: De parte do Instituto o Departamento de Comunicação ou o setor de comunicação, tem menos de três anos.Mas, efetivamente, responder a necessidade de não, não dar maior visibilidade ao projeto, mas dar a conhecer às pessoas o trabalho que nós desenvolvemos. E o IM não tem, necessáriamente, na política de “ famraizing” ao nível do setor privado,e esta estratégia notadamente é utilizada muito por organizações que assentam uma parte do seu finaciamento no famrazing em iniciativas. Ao nível nacional, para captar financiamento adicional claramente, hoje em dia, e em cada projeto mais obrigatóriamente tem que ter uma comunicação estratégica, como referi anteriormente. 173 9. CLARA: Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual é a mais frequente? G: Sim. Nós por regra temos a apresentação de uma brochura informativa sobre o projeto.Esta brochura tem por objetivo informar em primeiro lugar o local do projeto,a duração, os objetivos, as atividades, os resultados, quem financia,o contexto do própri projeto e o enquadramento. E nós utilizamos por regra um suporte simples de brochura de apresentação do projeto. 10. CLARA: Houve divulgação aos benefíciários dos resultados dos projetos realizados? G: Sim. A idéia é claramente que nalguns projetos interligados formam uma estratégia de ação,numa determinada área geográfica.Portanto o projeto por si é mais uma ferramenta para o desenvolvimento. Estratégia a médio e longo prazo, na ótica do IM e existem a nível dos projetos mecanismos de consulta de consertação, de diálogo e de avaliação por parte dos próprios beneficiários do projeto. E podem ser comitês de avaliação, podem ser assembléias gerais de balanço, uma estratégia sobre o projeto, ou sobre determinado onde o Instituto apresente as atividades, os resultados, mas onde os próprios beneficiários também atingiram, de forma como encaravam o projeto. Isto afeta a nível não apenas dos atores não estatais, mas ao nível das autoridades locais. 11. CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes? G: Nós tentamos ser criativos e o tipo de suporte que utilizamos, tentamos que sejam progressivamente inovadores. Ah, efetivamente nos temos sentido ao nível do IM, nos últimos anos, que talvez tenhamos começado com o suporte de comunicação bastante simples,como me referi, a brochura, mas hoje em dia tentamos avançar com o suporte, passando por blogs, site na internet, que permite maior interatividade ao nível local e ao nível de todos os atores que sejam partidários da área de intervenção do projeto. Ah, como ao nível dos documentários, como ao nível de fotografias, ah… o audiovisual, como imprensa escrita. Tentamos ver, tentamos, se assim quer, sofisticar um pouco o suporte da publicação, para serem também mais atrativos, serem doadores, mais criativos também (…) Neste aspecto conseguem claramente captar mais atenção do que nós queremos… em lugar que a informação em relação a que pretendemos passar uma mensagem com a comunicação. Perguntas relativas À Comunicação para o Desenvolvimento CLARA: Existe necessidade por parte do IM de introduzir a Comunicação para o Desenvovimento nos projetos? G: Cada projeto, como me referi, tende a ter cada vez mais a sua estratégia de comunicação.Podemos considerar que esta necessidade, inicialmente, terá sido algo instrumentalizado ou proposto pelos financiadores. Ah, no entanto, efetivamente, traz mais valia que é uma forma de o projeto financiador compreender melhor o trabalho que se está a desenvolver. Ah, penso que hoje em dia,a comunicação nos projetos apresenta uma lógica de propaganda. Uma lógica de informação e, claramente, muitas vezes confunde-se com divulgação… com comunicação e divulgação. Mas existe, efetivamente, a necessidade e todo e qualquer projeto deve ter uma estratégia de comunicação. CLARA: Que resultados são esperados nas ações de Comunicação para o Desenvolvimento que pressupõe a participação 174 G: O que nós procuramos fazer, nos vários suportes é, em primeiro lugar, com relação às comunidades ou os beneficiários e na apuração destes instrumentos de comunicação. Se estamos afalar do blog, o blog é muito rápido, passado para a organização, o beneficiário assiste o desenvolvimento do blog, assiste a uma ação mais tecnológica, mas a introdução conteúdo, a atualização do blog, ah… e parte claramente da organização beneficiária do próprio beneficiário. Obviamente a organização não é evidentemente uma parceria onde mesmo a própria estrutura da ferramenta de conunicação éobtida. Isto é uma das formas. A outra é a restrição e passa por apresentar parte de um produto específico e as o vital, finalmente é obter o filme. como ele pode ser melhorado, como ele pode ser alterado. E, bem, sempre, infelizmente, a visão é do beneficiário, neste caso, ou seja e se elesrelamente …Ah, reflete aquilo que a mensagem de comunicação que estamos a passar. CLARA: Quais são as limitações de Comunicação para o Desenvolvimentonos projetos implementados? G: Ah, muitas vezes pode passar efetivamente pela questão das verbas necessárias em termos de comunicação. A comunicação é uma área que exige alguns recursos financeiros reservados. E isto leva a pensar em alguns países onde a existencia de máquinas gráficas ou câmeras de filmar ah…. Requerem um processo administrativo ou b urocrático, portanto, exigente. E que exista algum ponto ou sobre também aquilo que nós podemos ou não podemos filmar, o que podemos obter em termos de imagem, de som. Portanto, em alguns países, efetivamente, não é fácil entrar no âmbito e passar a alfândega tendo equipamento de som e imagem. Isto passar-se como mesmo que se solicite previamente a autorização às devidas organizações que tutelam efetivamente, os meios de comunicação. Como sabemos, em alguns países, nem sempre os meios de comunicação são totalmente livres. Vimos que podem ser considerados uma ameaça. Dados sobre a contribuição da Comunicação para a difusão dos Direitos Humanos e a garantia da segurança alimentar. CLARA:Como pode contribuir G: Depende muito do tipo de comunicação que seja feita e escolhendo e nós temos exemplos muito práticos de projetos na área de segurança alimentar onde a comunicação, ainda com meio semi-amadores, conseguimos desenhar uma estratégia de comunicação para alertar sobre, não apenas ao nível de apresentação sobre o que é o projeto, os resultados e as atividades, mas, sobretudo, é internamente ao nível das próprias comunidades. Ou seja, na Guiné, por exemplo, existem as rádios comunitárias e, mais recentemente, o Instituto de Desenvolvimento, com os parceiros locais e a televisão comunitária. E a televisão comunitária é uma forma em valor de grande atração por parte das populações de poderem receber mensagens, por exemplo, relativamente a gestão de pragas. Ah, por exemplo, a praga, a mosca… ora, nós podemos criar suporte de comunicação através de rádio, através dos meios de comunicação, mas, por exemplo, através da televisão, a começar a televisão, através de pequenas emissoras que nós fazemos a emissão. A emissão com um raio de 50 quilômetros atinge várias televisões espalhadas, ou seja, pelas aldeias onde a própria televisão comunitária produz programas informativos para, por exemplo, divulgar qual é a melhor altura para fazer a adubação orgânica, qual é a melhor altura para combater a mosca da fruta, ou 175 qual é a melhor altura para efetivamente iniciar a colheita, porque existe, a efetivamente ao nível do mercado, da procura, ver o período exato. A comunicação também serve muito e talvez tentando uma especial é de ser a nível dos próprios projetos como forma de passar a mensagem aos beneficiários. CLARA: Poderá a Comunicação para o Desenvolvimento contribuir para ….. GONÇALO: A Comunicação para o Desenvolvimento, sim, e em duas vertentes. Em primeiro lugar porque a comunicação entendida como visibilidade ou informação é uma forma de fazer meio lobby sobre o financiador e sobre a importância de financiar o projeto e receber doações. E, portanto, é claramente uma ferramenta de pressão. Ah, o financiador que decide em um múltiplo espaço de tempo e com dados, pode visualizar e compreender melhor a atual situação do terreno ou de determinada área geográfica. Portanto, tem este papel, a comunicação tem o papel de lobby muito forte. Evidentemente neste aspecto, por outro lado, me referia, penso que há todo um conjunto de informações práticas onde envolve segurança alimentar. Ah….que podem passar pelos tais meios de comunicação ou meios locais, comunitários. 176 APÊNDICE D - Entrevista com Joâo José - 18/11/2009 Filósofo e Sociologo – Diretor da OIKÓS - Portugal CLARA: Entrevista Oikós, 18 de novembro. Dados referentes à ajuda prestada. Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária e desenvolvimento utilizadas pela sua organização? JOÃO JOSÉ: Oikos trabalha como tradicionalmente como as organizações nãogovernamentais no desenvolvimento, no âmbito de uma articulação entre intervenções da ação humanitária, de emergência e intervenções de desenvolvimento complementadas sempre por um trabalho ligado à sensibilização ou educação para o desenvolvimento, que hoje chamamos mais por educação para cidadania global e ações de influência pública. Portanto a Oikos orgulha-se de habitualmente ter um leque integrador no âmbito da suas intervenções. Agora, obviamente que cada intervenção tem uma especificidade. Portanto quando trabalhamos numa situação de emergência embora procuremos dar-lhe uma continuidade a médio e longo prazo, essas intervenções têm uma especificidade própria, porque podem ser situações que, por exemplo, implicam em uma maior neutralidade do que obviamente uma ação de influência pública, onde advoga-se que é exatamente o contrário. Portanto nós estamos conscientes de que há momentos da nossa intervenção, totalmente distintos e que obviamente devem ser mantidos assim pela especificidade de cada uma das intervenções. Do ponto de vista da ação humanitária, a Oikos intervém fundamentalmente em resposta às situações de emergência, sobretudo catástrofe natural. Ou no passado, principalmente em países lusófonos que tiveram conflitos civis como foi o caso de Angola, o Timor-Leste e de Moçambique. Aí sim intervimos também do ponto de vista de uma suposta situação de guerra. Neste momento concentramos todas as nossas intervenções de ação humanitária fundamentalmente em países de grande vulnerabilidade social e ambiental. Ou seja, Moçambique e América Central e também Cuba, mas, sobretudo, Moçambique e América Central e uma intervenção do ponto de vista humanitário que cada vez tem mais, ou é mais valorizada na Oikos e o que nós chamamos em inglês: Disasters Preparedness. É a preparação das catástrofes na medida em que a nossa experiência diz-nos que se nós tivermos uma intervenção, quer no âmbito dos projetos de desenvolvimento, quer no âmbito dos projetos humanitários, de preparação das comunidades locais para eventuais catástrofes, sobretudo em zonas de grande vulnerabilidade, nós conseguimos com efeito, reduzir muito o impacto das situações de emergência. E por isso, essa também é uma nova ação da Oikos. CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados? JOÃO JOSÉ: Sim, existem sempre dificuldades. Dificuldades são de várias ordens. Em primeiro lugar porque em muitos países onde o Oikos atua existem dificuldades até do ponto de vista logístico, como é evidente, até as dificuldades do ponto de 177 vista da governação das instituições e das instituições democráticas. Portanto, essas situações configuram uma dificuldade precisa. Uma outra dificuldade com que nos deparamos em alguns outros países é a debilidade da sociedade civil e, portanto, obviamente que nem sempre nós conseguimos encontrar parceiros ou locais com os quais possamos estabelecer uma relação duradoura, sem a necessidade de termos um perfil demasiado operativo. Portanto, obviamente que nossa intervenção e a qualidade da nossa intervenção também depende muito da qualidade dos parceiros com quem trabalhamos. E obviamente que difere de país para país e também dentro do país de região por região e tem a ver com um pouco a tradição das próprias organizações e instituições do país. Depois temos outros tipos de dificuldades estruturais, que tem a ver com a pouca tradição de Portugal em termos de cooperação internacional e da ajuda humanitária. Portugal foi o último país, um dos últimos países europeus a descolonizar-se, tem uma história recente de cooperação, tem uma sociedade civil relativamente débil e, portanto não há muitos recursos humanos portugueses que tenham experiência em termos de ajuda humanitária e de cooperação para o desenvolvimento. O que, obviamente, coloca aqui, logo a partida, uma dificuldade acrescida. É frequente que nós não consigamos preencher vagas de recursos humanos, temos que fazer procura internacional e deparamos, obviamente, com um diferencial de capacidade de contratualização entre entes internacionais ou entes europeus e os entes em Portugal, porque nós não temos recursos que permitam facilmente contratar recursos humanos a nível internacional. Antecede uma dificuldade que também existe. Existe uma terceira dificuldade, que eu diria que tem a ver com a interface, de uma ligação entre a sociedade civil, as organizações da sociedade civil e o mundo acadêmico. Existe uma fraca ligação e quando as universidades, por exemplo, trabalham em projetos de investigação ligados às questões do desenvolvimento, raramente o fazem indo de encontro às necessidades das organizações não-governamentais. E também, quando as organizações não-governamentais procuram as universidades, nem sempre o sabem fazer. Portanto, há aqui também uma grande dificuldade do ponto de vista institucional, o que muitas vezes dificulta a criação de massa crítica e de conhecimento. E até existe uma divisão do conhecimento e de aprendizagem que pensamos que é muito importante na vida das organizações. Então, essas seriam as grandes dificuldades que nós enfrentamos. CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados nos últimos dois anos? JOÃO JOSÉ: Eu creio que de uma forma geral, a receptividade é boa, desde logo porque a Oikos não se impõe. A Oikos normalmente, mesmo quando é em resposta a uma ação de urgência e, portanto, em que não há muito tempo útil de preparação do projeto, o projeto tem de ser preparado de uma forma muito rápida, fazemos habitualmente em articulação com parceiros locais que trabalham com estas comunidades ou então respondemos em zonas onde a Oikos já tem uma presença e um conhecimento das comunidades bastante razoável. E de uma forma mais geral, prezamos muito o envolvimento dos beneficiários na própria formulação das propostas e dos projetos e, portanto, isso é também um fator a reter. E de um modo geral, procuramos ao longo do projeto ir avaliando até que ponto é que a resposta que foi desenhada corresponde às expectativas dos beneficiários, porque muitas vezes há, e, sobretudo, aqui no caso dos projetos de desenvolvimento podem ser formulados hoje e se calhar, aprovados daqui a um ano e iniciam daqui a um ano e 178 meio, obviamente que muitas vezes o tempo que passou é demasiado, a própria comunidade se vai alterando e exige que existam instrumentos, que a própria organização não tenha, como fazer um outro levantamento nas bases, um envolvimento novamente dos stakeholders e da comunidade. Tanto é, que se procura fazer este tipo de envolvimento no sentido de ir aferindo ao longo da vida do ciclo do projeto, qual é a reação dos beneficiários, de forma a ir de encontro à satisfação das suas expectativas. Agora, não podemos esquecer que o Oikos trabalha também com financiamentos internacionais, sobretudo, financiamentos da União Européia e de outras instituições, que tem uma agenda muito clara também, em relação aos seus financiamentos. E notamos que nem sempre é fácil compatibilizar os interesses estratégicos destas instituições de doadores internacionais com aquilo que são as expectativas das comunidades beneficiárias. E que é sempre necessário fazer, digamos, uma estratégia de adaptação e de negociação que possa ir de encontro aos interesses dos vários stakeholders sabendo a partir daí de que muitas vezes eles não são idênticos. E, portanto, há aqui que ter uma capacidade de negociação, porque não só não são idênticos, como muitas vezes, quase são contraditórios. Portanto, cabe às organizações como Oikos ter essa apreciação e tentar negociar a contento das partes, para que efetivamente, aquilo que é o interesse dos beneficiários prevaleça, face a quem tem o poder de financiar os projetos, mas também, digamos, utilizando uma transparência total, por forma a não colocar em risco a relação com os doadores (...) da estratégia. CLARA: Agora dados referentes à importância atribuída à comunicação. Existe relevância na divulgação do doador? JOÃO JOSÉ: Obviamente que quando nós estabelecemos um contrato com um doador ou com um financiador institucional, temos por obrigação uma transparência que em face à origem do recurso e essa transparência deve levar-nos a comunicar, que era origem do fundo, quais são os objetivos por parte do financiador ao apoiar um determinado projeto. Agora, tem havido ao longo da história, alguma confusão em relação àquilo que é comunicação e aquilo que é eu diria, visibilidade ou quase publicidade. E Oikos, habitualmente é bastante reticente a algum tipo de publicidade que é feita aos financiadores, porque muitas vezes inclusive, fere a suscetibilidade local, a cultura local e pode, inclusive, ser contraproducente, principalmente quando se trata de situações humanitárias de emergência ou de conflito na comunidade. Então, aquilo que nós procuramos fazer é avaliar em cada momento, qual é o melhor suporte para a comunicação. Se o melhor suporte de comunicação é realmente ter um logotipo, digamos, do doador ou, se pelo contrário, é no trabalho comunitário, em informar os beneficiários da origem dos fundos, de quem é a responsabilidade da gestão, de quem foi a decisão, do porquê da decisão. E aqui, a um primeiro nível de comunicação. E depois em tudo, em relatórios e publicações que a Oikos faça, obviamente, na prestação de contas, sermos claros em relação à origem dos financiamentos da própria organização. Agora, reconhecemos que temos muito a melhorar em termos de comunicação, sobretudo comunicação dirigida não tanto na comunicação que é dirigida aos beneficiários ou aos financiadores, mas uma comunicação que é dirigida à comunidade em geral. E aí, efetivamente, há sempre um dilema, que é o dilema dos recursos. A comunicação, normalmente, para chegar no âmbito do pico midiático duma emergência, por exemplo, é fácil, porque os meios de comunicação social disponibilizam de forma gratuita. Passados seis meses ou passados dez anos, quando a Oikos está a prestar contas, temos que 179 pagar para prestar contas. E, portanto, obviamente que sempre as decisões têm que ser tomadas em relação aos próprios meios que a organização disponibiliza. E coloca ao dispor em termos de investimento em matéria de comunicação. Mas é efetivamente, uma preocupação que nós temos que ter, por uma boa gestão da relação com o próprio financiador, mas não pondo em risco nossa relação com o beneficiário. Esta vem sempre em primeiro lugar, e já várias vezes, tivemos que expressar exatamente aos doadores, algumas dificuldades em termos de tipo de suporte de comunicação que eles pretendem, exatamente porque, por vezes, pode ser ofensivo ou mal interpretado por parte da comunidade beneficiária. CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores, à comunicação? JOÃO JOSÉ: Muita e cada vez mais. E, sobretudo, que essa comunicação tenha, digamos, uma amplitude bastante grande e, portanto, que seja desde a comunicação aos beneficiários até a comunicação à sociedade civil e aos opinionmakers da sociedade de origem do próprio doador. Portanto, isso exige cada vez mais uma estratégia de comunicação profissionalizada, com uma grande relação com os meios de comunicação social, porque, efetivamente, os próprios doadores também têm uma consciência que a comunicação é uma ferramenta da sua própria transparência para com a sociedade. Já, se é um Estado, quem paga impostos, se é uma instituição regional, como a própria União Européia, também para com os estados membros, que contribuem para o orçamento da Comissão Européia, portanto, há sempre uma atenção muito especial dos doadores à comunicação. CLARA: Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso da comunicação? JOÃO JOSÉ: Sem dúvida, a comunicação deve ser uma estratégia e os instrumentos de comunicação devem ser ferramentas, estar presentes em todo ciclo do projeto. Não é possível fazer desenvolvimento comunitário, não é possível fazer mobilização comunitária numa ação de emergência, sem uma adequada comunicação. Portanto, nós achamos que a comunicação com a comunidade, com os beneficiários é fundamental, porque muito do nosso trabalho não é propriamente o de mera transferência de recursos ou transferência de tecnologia, tem a ver com a formação, a capacitação, o empowerment e isso é tudo conseguido através de ferramentas de comunicação. E se não existir essa comunicação, provavelmente não vamos conseguir os resultados pretendidos. Por outro lado, a comunicação é também fundamental na gestão da relação com os vários stakeholders, ou seja, com as partes interessadas, ou seja, não necessariamente só com os beneficiários, não necessariamente só com os financiadores. Mas normalmente há uma série de atores que, ou vivem na comunidade ou tem uma relação com a comunidade, ou por vezes, até podem ser nossos parceiros, mas não naquele projeto em concreto. Ou podem ser simplesmente nossos competidores, digamos assim, na medida em que também competem por fundos. Essa comunicação é fundamental para criar alianças e por outro lado para gerir possíveis conflitos, e até antecipar essa conflitualidade. Por isso a comunicação não é só informação, é também negociação se quisermos, de interesses quer com a comunidade quer com as partes interessadas. E, portanto, a Oikos está muito consciente desse papel que a comunicação pode desempenhar. 180 CLARA: Agora, dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados pela Oikos nos últimos dois anos. Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual motivo? Se sim, qual percentual de recursos foi investido em comunicação? JOÃO JOSÉ: Obviamente que o que a Oikos procura fazer é no momento de orçamentação de um determinado projeto, incluir uma verba para a comunicação e visibilidade. E normalmente essa verba, no âmbito daquilo que o típico financiador com o qual nós nos relacionamos, está previamente, mais ou menos estipulado em termos percentuais... CLARA: Qual seria esse percentual? JOÃO JOSÉ: Eu não sei dizer qual é o percentual, mas é uma coisa bastante reduzida, do ponto de vista do percentual. Portanto, enfim, não sei dizer neste momento, mas até depois, posso dar esse dado, enfim, olhando para os números em concreto. Agora, eu diria que também a comunicação está muito presente em outras rubricas do orçamento, que não são as verbas de visibilidade de comunicação. Normalmente, quando nós olhamos para um orçamento, tentamos verificar os recursos de comunicação somente naquilo que são as verbas mais para visibilidade ou para contato com jornalistas ou meios de comunicação social ou para produção de materiais gráficos, etc. Mas há outras rubricas do processo que são tidas em conta, em termos, como eu diria, comunicação com os stakeholders e com os beneficiários e normalmente, aparecem verbas provavelmente que estão sob uma categoria de formação, mas que tem muito do trabalho da comunicação. Também o Oikos em termos gerais, independentemente do projeto, procura obviamente manter comunicação com os seus stakeholders. Temos uma pessoa contratada tempo inteiro para a comunicação e outras que vão assistindo nesse trabalho. E que, digamos, tem a ver com custo para a organização e que não é coberto por projetos. É um custo assumido, na medida em que hoje qualquer organização deve ver a comunicação como forma de transparência. E, portanto, é fundamental que assim seja. Agora, aquilo que a Oikos gostaria que acontecesse é que, por parte dos financiadores, houvesse uma capacidade de compreender a comunicação de uma forma mais ampla e não tão restrita como eu falava em relação à visibilidade do próprio financiador. Porque não é por ter um logotipo do financiador na parede de um centro comunitário, que a comunidade e a sociedade de origem do financiador, vão perceber a importância daquele centro comunitário. Provavelmente fazer um estudo de caso, colocar num artigo de uma revista, de um jornal de grande tiragem, um comentário por parte do responsável da comunidade local tem muitíssimo mais impacto do que todos os logotipos do financiador. E isso nem sempre é compreendido, penso começar a haver uma evolução positiva nesse sentido, temos que caminhar para aí. A comunicação tem que ser vista, não como uma mera ferramenta de publicidade, mas muito mais no âmbito do marketing social, como tentar efetivamente sensibilizar a sociedade. Seja, aquela que é do setor de ajuda, seja aquela de forma paga essa ajuda para a relevância da comunicação para o desenvolvimento e da ajuda humanitária, nos casos em que seja ajuda humanitária. E, portanto, temos que pensar outro tipo de ferramenta de comunicação, mas nem sempre existem recursos e temos que estar constantemente a negociar com os financiadores a autorização dessas verbas. 181 CLARA: Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual é a mais frequente? JOÃO JOSÉ: Bom, a prioridade por parte dos financiadores é fundamentalmente que fique claro... CLARA: Isso, nós nos referimos aos projetos realizados pela Oikos nos últimos dois anos. JOÃO JOSÉ: OK, bom, em relação à nossa prioridade de comunicação, tem dois objetivos: um é a transparência e, portanto, para nós é importante comunicar quais os recursos utilizados pelo projeto, quais os objetivos e quais os resultados a alcançar e no final, quais os resultados alcançados, ou seja, a Oikos tem uma noção de accountability, de prestação de contas, que não tem a ver meramente com uma noção restrita de contas financeiras. Para nós é importante chegar ao fim de um projeto e comunicar se obtivemos resultados ou não. E não estou a falar da comunicação do relatório técnico que vai para a União Européia e só o burocrata que o lê. Estou a falar de fichas para o projeto, muito simples, que vão para jornalistas, que vão para o nosso site, que vão para a nossa mailing list, que são dados aos beneficiários, etc. Exatamente com a descrição dos objetivos, dos resultados atingidos, com métrica, com aquilo que foi conseguido, com aquilo que não foi conseguido. Esse é um tipo de objetivo que nós temos sempre, logo desde o início, para a comunicação da Oikos. O segundo tem a ver com o explicar, do ponto de vista sobretudo da sociedade civil, qual é a relevância daquele projeto, não tanto na dimensão projeto em si mesma, mas na dimensão da causa para a qual o projeto está a trabalhar. Imaginamos que é um projeto de segurança alimentar, aquilo que nós pretendemos comunicar não é somente que vai haver 500 famílias que vão ter uma fonte de rendimento melhorada, uma fonte nutricional melhorada, uma maior segurança alimentar. Pretendemos também com essa comunicação, alargar o âmbito da comunicação, no sentido de demonstrar a relevância das estratégias de segurança alimentar e a importância da agenda da segurança alimentar, e de investimentos em termos de agricultura da segurança alimentar no desenvolvimento rural. Se é um projeto de água e saneamento, a mesma coisa, tratar as questões da água e saneamento no mundo e não apenas no nosso projeto. Portanto, nós procuramos vincular a comunicação que fazemos nos projetos também a toda uma estratégia de educação para a cidadania global, como eu falava. E daí, procuramos integrar na nossa comunicação essa dupla vertente. Ou seja, uma vertente muito ligada ao concreto do projeto, mas uma vertente também ligada à mudança de mentalidades, à educação para a cidadania global. E por vezes a influência de políticas públicas, na medida em que a influência das políticas públicas também não deve ser feita somente com base em argumentos técnicos, tem que ser feita também com base na realidade das pessoas e a realidade das pessoas existe na dimensão local, ao nível do projeto concreto. CLARA: Eu tenho uma outra pergunta, que eu acredito já tenha sido respondida. Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados, nos últimos dois anos? JOÃO JOSÉ: Sim, essa é uma preocupação que a Oikos tem, ainda diria que hoje é uma exigência que todos devemos ter, até porque, se a Oikos preza uma relação de 182 longo prazo com os próprios beneficiários. Seria falhar nessa relação se não comunicássemos ao fim de um projeto, resultados em concreto. E também porque a estratégia de envolvimento assim o exige, ou seja, a Oikos coloca-se numa posição em que, independentemente da vontade do coordenador do projeto, seja mais próativa ou menos pró-ativa tenha maior capacidade de comunicação ou menor capacidade de comunicação, como ao longo do ciclo do projeto, a Oikos vai dando um certo empowerment, um certo poder à comunidade local. A própria comunidade local, ela reivindica que isso aconteça. CLARA: Existem limitações referentes à comunicação, que tenham sido recorrentes nos projetos dos últimos dois anos? JOÃO JOSÉ: Certamente existem muitas limitações. Primeiro, limitações de recursos para a comunicação são habitualmente escassos, exatamente porque os financiadores normalmente valorizam muito apenas os aspectos de visibilidade e menos aquilo que é o investimento numa estratégia de comunicação. Segundo, porque, daquilo que é ampliação de comunicação, sobretudo na sociedade de origem, é muito mais fácil de fazer essa comunicação, no orçamento de uma ação, do que na prestação de contas dessa ação. Como eu dizia, enquanto eu consigo colocar uma campanha, título gratuito nos jornais, não consigo colocar uma prestação de contas gratuita nos jornais. É um contrassenso, vamos dizer assim, jornalistas ou os meios de comunicação social, normalmente são muito prontos a apoiar, solidarizarem-se, mas depois a prestação de contas é uma coisa cinzenta e, portanto, nem sempre é tão fácil. Talvez também, porque, existe estruturalmente uma dificuldade dentro da (...) e também da Oikos, em trabalhar essa comunicação de forma a torná-la mais atrativa e, portanto, nós temos que ter suportes de comunicação que vão desde a comunidade. São suportes muito, muito simples, muito diretos e muito de mobilização social. Temos de tratar da comunicação em suportes muito tecnocráticos. Ou seja, um relatório técnico para um financiador, depois ainda temos que trabalhar essa informação para um público em geral, que está provavelmente há 10.000 quilômetros do local onde nós estamos a trabalhar e que não conhece o país, não conhece a cultura do país, não conhece a história do país e, portanto aí, obviamente é muito difícil. Porque exige que com os poucos recursos humanos que a Oikos tem, consiga ter um discurso adequado a cada público e também aí, muitas vezes a falta de ligação aos meios quer acadêmicos, quer o setor privado, que já burilaram muito as estratégias de comunicação e de marketing, por vezes falta. É uma coisa que tentamos melhorar, nos últimos anos, porque sabemos que muitas vezes, se não somos tão efetivos a nos comunicar, não é por falta de vontade ou até de estratégia, é simplesmente porque não fizemos os meios da forma adequada e, portanto, aí temos que reconhecer que há um longo percurso. CLARA: Agora, dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. Existe a necessidade de introduzir ações de comunicação para o desenvolvimento nos projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por quê? JOÃO JOSÉ: A Oikos enfim, engloba aquilo que é comunicação para o desenvolvimento, como eu diria, em dois momentos distintos. Um, que são as estratégias de comunicação vistas como uma metodologia de trabalho comunitário. E aí ela dever ser vista, sobretudo, em termos daquilo que é o empowerment da 183 própria comunidade. Portanto, utilizando toda uma linha de metodologias que permitam esse empowerment. Uma linha de comunicação também, ainda, ao nível do projeto de intervenção no terreno, mas que já vem a um nível um pouco mais amplo, que tem a ver com a comunicação para os stakeholders e para as partes interessadas, com essa dupla dinâmica de informação e envolvimento, ou tripla: informação, envolvimento e situações de conflito, ou prevenção de conflitos, digamos. Que podem surgir, porque um projeto trás uma dinâmica, trás recursos e como tal, tem também interesses, uma agenda e, portanto, obviamente que esses interesses e essa agenda tem que ser consensualizados por vários stakeholders, caso contrário pode haver algum nível de conflitualidade. Portanto a comunicação deve desempenhar um trabalho importante. E um terceiro nível, que é a integração da comunicação naquilo que nós chamamos a educação para o desenvolvimento ou educação para a cidadania global. Portanto, aí também é uma preocupação que a Oikos tem há muito tempo, sendo que aí a comunicação é uma ferramenta muito mais pedagógica e que utiliza se quisermos, alguns instrumentos muito ligados às ciências da educação e ao marketing social. E, portanto, é uma comunicação um pouco diferenciada em face aquilo que são os dois primeiros níveis, o nível comunitário e o nível das instâncias tecnológicas. CLARA: Que resultados são esperados nessas ações de comunicação? JOÃO JOSÉ: Bom, em primeiro lugar, a um nível comunitário é o envolvimento e a participação dos beneficiários. O envolvimento e encontrar alianças estratégicas que permitam ampliar a escala do projeto e os benefícios dos projetos, com outros parceiros e com outros aliados. Portanto, isso é fundamental. A prevenção de conflitos é um outro resultado que nós reputamos e a gestão de risco, se assim quisermos, com os vários stakeholders, com resultado da comunicação que nós procuramos obter. E finalmente ao nível daquilo que é a comunicação integrada nos programas de educação para o desenvolvimento e educação para a cidadania global. E é claramente a mudança de mentalidades, a transmissão de um conhecimento às pessoas que permita compreender quais são os mecanismos que permitem o desenvolvimento ou que provocam o subdesenvolvimento, a justiça social, as questões da desigualdade, as questões de equidade. E é todo um trabalho mais pedagógico, portanto, tentamos fundir aí com ferramentas enfim, mais ligadas, como eu dizia, às ciências da educação e da comunicação. CLARA: Quais são as limitações das ações desenvolvimento nos projetos implementados? de comunicação para o JOÃO JOSÉ: Eu diria que no âmbito dos projetos, as limitações têm a ver com vários fatores. O primeiro é que habitualmente, quando se constituem equipes de trabalho, privilegiam-se muitas vezes, aquelas que são as componentes técnicas dos recursos humanos. E efetivamente, muitas vezes não se tem tanta atenção ao perfil de comunicador a alguém dentro da equipe. Portanto, existe alguém no primeiro nível, dentro da delimitação que é a própria capacidade dos recursos humanos, em saber comunicar. E aí, penso que é um trabalho de ser feito. O segundo é, muitas vezes, em alguns países, em algumas comunidades, seja em situações de emergência e de potencial conflito, onde é necessário ter muita atenção àquilo que se comunica, para não por em risco os beneficiários. Para não entrar em contendas no local. Portanto, aí há uma limitação muito objetiva. Ou, seja 184 em projetos de desenvolvimento que são muito enfocados nos direitos econômicos ou sociais e onde realmente há um empoderamento da comunidade local, o que normalmente significa uma maior capacidade de exigência em face ao poder público, ao setor privado, a outros stakeholders. Portanto aí, a comunicação acaba por ser uma ferramenta de poder, e como tal, também existem limitações que são impostas. Porque obviamente é necessário gerir todas essas relações. Eu diria que a terceira tem a ver com o âmbito muito estreito de apreciação por parte dos financiadores daquilo que é comunicação. E portanto, eventualmente, um menor investimento orçamental, face aquilo que deveria ser feito e que poderia ser feito. CLARA: Agora, dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos direitos humanos e a contribuição da comunicação para a garantia de segurança alimentar? Como pode contribuir a comunicação para o desenvolvimento para a percepção do direito à cidadania em sociedades pós-conflito? JOÃO JOSÉ: Eu acho que a comunicação é fundamental porque se uma determinada comunidade, pessoa ou organização, não conhecer os seus direitos, dificilmente pode exercer esses direitos. Efetivamente é importante, eu diria que o primeiro nível do empoderamento é a pessoa tomar consciência que tem esses direitos. E, portanto, a comunicação é fundamental para que isso possa acontecer. Segundo, a comunicação tem também, uma função de criar, eu diria, quase uma vaga de fundo, numa determinada sociedade. As realidades das quais não se falam, não são temas, não existem. E isso é válido, não só nas sociedades ocidentais muito midiatizadas pelos fenômenos CNN, digamos assim, mas também começa a ser verdade em quase todos os países do mundo. E, portanto, se um determinado tema como, segurança alimentar, a equidade de gênero, não for falado, não for comunicado, ele passa a ser invisível. Eu dou um exemplo muito concreto. Portugal acabou de ratificar a Convenção para os Direitos das Nações Unidas, pelos direitos das pessoas com deficiência e que tem dois artigos que estão diretamente relacionados à cooperação. Um, a cooperação internacional e outro, a ajuda de emergência. E nós reconhecemos que habitualmente essas pessoas são simplesmente invisíveis. Ou seja, desenham-se os projetos para pessoas que não tem nenhuma deficiência, porque se tiverem uma deficiência, provavelmente não vão ter acesso ao projeto. E isto tem a ver com a absoluta invisibilidade dessas pessoas. Elas só têm visibilidade quando são projetos especificamente orientados para esse grupo alvo. Por exemplo, mutilados de guerra, vítimas de minas, etc. Agora, se for um invisual, por exemplo, provavelmente ninguém pensou quando desenha um programa de educação, para um projeto de educação básica para todos, provavelmente ninguém pensa que haverá crianças invisuais. E, portanto, obviamente, se não houver comunicação a esse nível, quem é responsável pelo desenho e pelo financiamento dos projetos, não trará esse elemento em consideração. O tema da segurança alimentar por exemplo: a segurança alimentar, embora as pessoas, todas elas percebam que a alimentação é um direito humano e que a alimentação é fundamental para a sobrevivência da pessoa humana. Efetivamente, no seu dia-a-dia, sobretudo nas sociedades ocidentais, as pessoas estão cada vez mais longe da produção da alimentação e da noção de segurança alimentar. No sentido de que as pessoas, já quase nem põe em questão que isso seja uma realidade. Uma realidade que lhes é muito distante. Portanto, acaba por ser mais difícil comunicar ou colocar na agenda as questões de segurança alimentar, do que uma questão, por exemplo, das alterações climáticas. Porque isso, 185 as pessoas sentem, afeta todo mundo e, portanto sabem, empiricamente, sabem do que estamos a falar. Quando se fala em segurança alimentar, eu diria que quem nunca passou fome, quem nunca teve dificuldade de acessar a alimentação, dificilmente sabe daquilo que estamos a falar. Portanto se não falarmos, a pessoa não está dispersa. E a pobreza acaba por ser uma noção muito vaga, muito pouco específica e, portanto, a própria pessoa acaba por não ter uma apreciação da necessidade. Tanto que a comunicação é fundamental para sensibilizar a opinião pública para uma determinada agenda, e inclusive para potencializar as políticas públicas que determinam essa agenda. Portanto, a comunicação tem também essa função. CLARA: O senhor acrescentaria alguma questão a mais nesse questionário? JOÃO JOSÉ: Eu diria que há uma questão que poderia ser efetuada, que era quais são as formas de cooperação, ao nível da comunicação, sobretudo com os meios de comunicação social, julgo que hoje é muito importante fazer um trabalho de aliança com os meios de comunicação social para trabalharmos algumas questões de fundo. Eu dou um exemplo, que penso que é um exemplo muito bem sucedido. Os direitos da infância, no Brasil da década de 90 e de 80 e de 70, eram invisíveis. E na verdade hoje, os direitos da infância estão na agenda, porque obviamente houve um trabalho social feito, porque houve uma convenção, porque o Brasil ratificou a convenção dos direitos da criança, porque há políticas públicas orientadas para a defesa dos direitos da criança. Mas creio que houve um fator que também contribuiu muito. Foi ter surgido no Brasil uma organização chamada ANDI, Agência de Noticias para o Direito da Infância, que tem trabalhado com muitos jornalistas e com muitas fontes, o tema dos direitos da infância. E, portanto, nós achamos que quando conseguimos ser inteligentes na forma como abordamos os meios de comunicação social, não meramente como destinatário da comunicação. Mas como nosso aliado na comunicação, podemos trazer para dentro das organizações, bons profissionais e uma capacidade de comunicar, muito, muito melhor. E, portanto, eu penso que essa poderia ser também uma área a explorar. CLARA: Muito obrigada. 186 APÊNDICE E – Entrevista com Arnaud - 17/11/2009 Jornalista e Diretor do Instituto de Desenvolvimento (INDE) CLARA: 17/11, INDE. Dados referentes à ajuda prestada. Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária e desenvolvimento, realizadas por sua organização? ARNAUD: Bom, INDE trabalha, não exclusivamente, mas essencialmente com a situação da zona cinzenta, que está entre a emergência e o desenvolvimento. Ou seja, tipicamente o pós-conflito, o pós-catástrofe, o pós qualquer coisa que não funcionou muito bem. Ou seja, se houver uma guerra num sítio qualquer, a INDE não intervém durante o conflito, não sabemos fazer isso, há organizações especializadas. Mas sabemos intervir logo depois. Quando há uma situação de conflito, uma situação de catástrofe, é uma situação onde nós temos interlocutores locais, isso, nós sabemos fazer esse trabalho de substituição, que é tipicamente o trabalho das (...) médicas, por exemplo, que pode dizer: o hospital não funciona, porque os (...) foram fechados e, portanto, temos legitimidade para chegar com os médicos europeus. O nosso trabalho não faz sentido nestas condições, mas faz sentido quando ainda não há uma estrutura capaz de assumir sozinha um conjunto de tarefas. E aqui seria um papel de uma organização de solidariedade e que faz o trabalho de ligação entre o norte e o sul, etc. O nosso trabalho é tipicamente logo depois, nesta fase de reconstrução. Dois exemplos típicos são Guiné Bissau e Timor, onde tem uma intervenção antiga. Pode ser igualmente o caso da nossa intervenção com países muito mais estáveis, é o caso, por exemplo, de Cabo Verde, onde nunca houve conflito, nunca houve catástrofe, mas aqui o nosso trabalho é muito ligado às comunidades de imigrantes e trabalhamos com estas comunidades no norte, que estão a sair, de alguma maneira de uma fase de confusão no norte, estão agora a ser organizada, agora ser estruturada e temos aqui uma legitimidade para trabalhar com eles nos projetos de cooperação com o sul. Fazer com que os imigrantes sejam eles próprios atores da cooperação, é tipicamente o nosso trabalho. CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados? ARNAUD: O dinheiro é uma dificuldade recorrente e sistemática, não pela natureza dos projetos, mas pelo fato de ser baseado em Portugal, que é um país com um orçamento de cooperação muito pequeno, com uma tradição de mecenato nula, pelo menos o mecenato para a cooperação. Há o mecenato cultural, há o mecenato esportivo, o mecenato para a cooperação não existe. Os donativos por parte dos privados praticamente são reservados para ação social em Portugal, há muito pouco para... Ou seja, a grande dificuldade é esta, que é financiar a atividade. As pessoas estão dispostas, as pessoas as instituições, etcetera estão dispostas a financiar a emergência, um tsunami é um bom argumento de comunicação, mas tem muita 187 dificuldade com aceitar que se venha pedir dinheiro para ajudar um grupo de camponeses felizes a construir uma rádio comunitária. CLARA: A que você atribui essa dificuldade? ARNAUD: Muitos fatores. Um, Portugal não é um país muito rico e obviamente que a disponibilidade financeira duma comunidade está diretamente ligada ao que sobra depois de pagar as contas essenciais. Muitos portugueses têm um nível de vida que é claramente inferior a média européia. E considera, com alguma razão, que primeiro resolver aqui questões essenciais, antes de dar dinheiro para fora. O que não significa falta de generosidade, significa falta de disponibilidade. Dois, há uma cultura dum estado centralizado, muito centralizado, que considera que não só a parte do bolo para cooperação é muito pequena, comparado com outros estados europeus, em 0,23% do PIB, uma coisa assim, enquanto há compromisso para 1%, vamos dizer 7 e 1% dos países mais do norte da Europa, então isso é um primeiro ponto. E dois, consideram neste dinheiro, que já é muito pouco, não há razão nenhuma para dar isso aos bandidos. Quanto à cooperação holandesa passa por mais de 1/3 através das ONGs, dinheiro público. E o maior contexto através das ONGs, com várias (...), na Espanha é mais de 10%, e a Espanha tem uma cultura que poderia ser muito semelhante, aqui é menos de 3%. Há uma concepção de que as ONGs não têm que pedir dinheiro ao estado. O estado gere sozinho as suas relações com outros estados, de Ministério a Ministério, de Ministério da Agricultura para o Ministério da Agricultura, do Ministério das Finanças para o Ministério das Finanças, e que deixa obviamente de lado todas as estruturas locais interessantes, porque foram criados pelas próprias pessoas e não pelo Estado. E deixa de lado uma riqueza enorme de cooperação e de (...). Portanto, essas são razões estruturais de organização do país. Eu penso igualmente que a frescura do passado colonial português cria um vício considerável. Ou seja, enquanto os outros países, que também foram potências coloniais, a França, a Grã-Bretanha, etc. Já não há ninguém nas administrações de negócio estrangeiro da cooperação, ou até nas próprias ONGs com atividade, que tenha sido um colonial. Seja do lado do administrador colonial, seja do ativista anticolonialista. Mas eles já não estão nestas coisas. Então temos aqui o essencial das pessoas, toda uma geração que participou diretamente ou na colonização na luta anticolonial. E, portanto estão convencidos, estou a falar da esfera pública, estão convencidos que têm um aviso autorizado e tem um aviso muito mais autorizado de que as ONGs, porque eu fui militar na Guiné, eu fui fazer a guerra lá, portanto eu sei como é. Eu fui um militante anticolonial, eu fui preso na ditadura de Salazar e como preso político, eu tenho legitimidade absoluta e permanente, para dizer o que é bom para a cooperação. E, portanto, não funciona aqui a lógica que é, pelo contrário, distanciação e de dizer: a cooperação é antes de tudo, um diálogo com o nosso interlocutor. Não é obrigatório dizer que o país do sul tenha razão. Temos perfeitamente o direito enquanto ator do norte, a manifestar a nossa opinião, independentemente de acordo. Mas é um diálogo de igual para igual. Não pode ser um diálogo de professor/aluno, que é o que acontece agora. E neste diálogo de professor/aluno, perverte-se completamente as decisões financeiras. E perverte-se o orçamento das ONGs, porque, no caso da INDE agora, que tem dificuldades concretas, muito fortes, tem momentos mais altos, espero que volte a ter momentos mais altos. Mas todas as ONGs, a maior parte das ONGs, quando não estão apoiados numa fundação, tem dificuldades terríveis para financiar projetos. E muito ao contrario, em Portugal uma ONG é capaz de manter um projeto 188 de alguma dimensão, durante vários anos, ao contrário do que acontece em outros países europeus, onde muitas organizações têm capacidade. Não vou dizer que são ricas, mas tem capacidade para fazer um trabalho num prazo, fazer um trabalho ambicioso. Construir um modo de trabalho, uma metodologia específica, uma história da organização ao longo dos anos. CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados nos últimos dois anos? ARNAUD: Duma forma geral, quando se intervém num contexto pós-conflito, há uma grande ambiguidade nesta receptividade. Por um lado as pessoas estão num estado de carência muito forte, que deixa pouco espaço para crítica e para recusa. As pessoas têm fome, tem uma tendência forte a aceitar o jantar, evidentemente vão criticar o jantar discretamente, pois mesmo que não tenha muita maneira de dizer abertamente: eu não quero deste, porque não é assim que eu estava a imaginar as coisas. Uma outra coisa é, as pessoas e as comunidades e os estados, recebem essa ajuda, mais uma vez, estou falando da ajuda numa situação pós-conflito, póscatástrofe. Num contexto onde não existem instrumentos coletivos de debates, os instrumentos coletivos de negociação, os instrumentos coletivos de crítica para que não seja tudo positivo ou tudo negativo. Para que haja uma forma de dizer: Ok, vamos aceitar uma parte, outra não, esta vamos renegociar. O que acontece na ajuda em desenvolvimento, mas que é muito mais complicado nestes casos. Muitas vezes, e, sobretudo, no caso aqui de Portugal, onde é muito de Estado para Estado. O Estado português, agora está mais estabilizado, corporativamente forte, relativamente democrático, relativamente controlado por um conjunto de instrumentos de boa governação. Negocia com um tipo sozinho, que é um ministro, que decide rigorosamente sozinho o que ele vai fazer. Incluindo os 10% que vai guardar para ele, obviamente que a corrupção não é permanente, mas existe. E, sobretudo, não há nenhum diálogo real, e é por isso que as ONGs deveriam ter esse papel muito mais importante, e que temos muitas vezes que trabalhar fora do Estado, e não em cooperação com o Estado. Porque o ministro, sozinho, sem nenhuma estrutura administrativa, o Ministério na Guiné é um ministro, três ou quatro tipos sem doutoramentos e super qualificados, um vazio colossal e os motoristas. Não existe administração. Não existe o conjunto dos quadros capaz de implementar em terreno as decisões políticas que eventualmente teriam sido tomadas de uma forma democrática. Só que a democracia não pára no Parlamento, a democracia é toda a cadeia que permite que a implementação das medidas que foram discutidas no Parlamento. E na situação pós-conflito isso não existe. No caso de Timor toda a administração e da indonésia, ou seja, quando a Indonésia foi embora, ficaram rigorosamente três dúzias de tipos que eram antigos resistentes, que tinham uma legitimidade militar, mas talvez não tinham competência técnica, talvez não tinha uma cultura democrática muito forte. O fato de passar vinte anos no mato com uma espingarda, não é o contexto da cultura democrática, com todo respeito pela coragem, que é o que tiveram. Mas a educação política daqui para a frente o inimigo. Tu não concordas comigo, eu tenho que te matar. E isso tem que passar ao contexto, não concorda comigo? Temos que falar nas próximas eleições, só que haja rigorosamente, nenhuma administração, nenhum quadro intermédio (...) com a Indonésia. E isso coloca na altura da negociação financeira, um conjunto de obstáculos. Coloca uma tendência do doador a multiplicar os controles, a multiplicar as listas técnicas, a multiplicar as equipes patriadas, porque não há localmente 189 competência. Isso é verdade, que não há localmente competência. Mas eu ouvi em Timor, pessoas de grandes doadores a dizer: este, não podemos trabalhar com ele, porque ele não tem nenhuma competência, cultura, etc. para trabalhar com a ajuda. Com quem? Há aqui um australiano, um francês que é competente, um espanhol simpático, bom... CLARA: Não forma quadros, inclusive? ARNAUD: Não, basicamente com todos, menos com os timorenses. Infelizmente são eles que estão lá. Portanto, quando está a dizer: qual é reação das pessoas ao longo dos últimos anos? Ao longo de todos os anos, desde que se intervêm neste contexto, muito instável, do pós-conflito, que pode demorar, muito mais que dois anos, é muito longo para construir uma sociedade de diálogo na situação pósconflito. É uma situação perversa, de não ter capacidade para fazer uma resposta completamente honesta: gostei ou não gostei deste tipo de apoio. Porque muitas vezes, o apoio foi decidido no norte, e inclui (...) ONGs, que muitas vezes, não conseguiram ter localmente o diálogo para construir um conjunto. Ou foi construído com uma elite, a elite dos refugiados e exilados políticos, das grandes figuras da resistência, mas não foram construídos com as pessoas com quem depois se trabalha no terreno. No caso de Portugal está a ser construído muitas vezes, à exceção de Cabo Verde, um mito absoluto da língua portuguesa, somos todos convencidos que vamos chegar num mar de pessoas que falam português... CLARA: Só se for para o Brasil, então... ARNAUD: Se for para o Brasil... CLARA: Várias pessoas falando português... ARNAUD: (...) português, vai no Timor, vai no Guiné, você está completamente perdido, ninguém fala português, porque mais uma vez chegamos a falar com pequeno grupo, dos intelectuais, da elite, dos que foram fazer estudos aqui, que passaram os anos da ditadura em Moçambique e com intérprete, ou seja, não há nenhuma discrição com o beneficiário final... CLARA: (...) ARNAUD: (...) sistematicamente, através do tradutor, do intérprete, etc. incluindo para ir fazer propaganda de alfabetização portuguesa. E percebemos depois que as pessoas queriam programa de alfabetização, mas só que não em português. CLARA: Votamos à colonização pela língua. ARNAUD: O governo português acabou de desbloquear cinco milhões de euros para a Guiné, cinco milhões na Guiné é muito dinheiro, para a educação primária em português. A dizer claramente, a indicação bilíngue é um atraso mental, como se o crioulo não fosse uma língua, como se o crioulo fosse uma coisa de pretos (...). Não o crioulo é a língua materna das pessoas, o Tétum no Timor, quer ser o fator de união de uma nação que tem 13 ou 14 línguas, e essa, a identidade nacional e a língua nacional quando os portugueses recuperem sistematicamente a coisa de 190 dizer: “a minha língua a minha pátria”, o que eu concordo totalmente. O chinês diz: a minha língua é minha pátria e a minha pátria é o crioulo português, a minha pátria é o Tétum. Portanto, há uma língua escolar, um administrativa, etc. Muito bem o crioulo e o Tétum não têm um grau de estruturação suficiente para ser uma língua nacional, mas a língua da rua, do comércio, da família... CLARA: A língua é viva... ARNAUD: A língua viva, a língua das declarações de amor e a língua, discussões políticas feitas localmente. O parlamento Timorense, que é um parlamento legítimo, que é um parlamento não só legítimo, mas que valida as discussões sobre a cooperação e as leis e os orçamentos que regem a cooperação, é feita a 75%, 3/4 dos deputados timorenses não falam português e eles votam leis e textos escritos em português, portanto, eles não percebem, para decidir que a fatia grossa da cooperação será uma (...) da língua portuguesa. O que eu te posso responder “qual é a reação dos beneficiários?”. Os beneficiários às vezes não reagem porque ele não sabe o que foi recebido e queixa-se de que há muito pouco dinheiro. Nem é verdade, há bastante dinheiro que chegou, só que chegou numa área completamente estranha, não só os beneficiários, mas às vezes aos próprios deputados. CLARA: Agora dados referentes à importância atribuída à comunicação. ARNAUD: No caso da INDE, é também um bocado perverso, porque os nossos projetos são obviamente projetos de comunicação, portanto qual é a importância: é central. Ah, se vai ver os médicos do mundo, vai dizer: é a saúde. Se vai ver outras organizações, vão dizer é a segurança alimentar. Nós consideramos que a comunicação no seu no sentido lato, não há uma definição única para a comunicação para o desenvolvimento, a capacidade das pessoas a participar nos projetos de decisão é o centro do nosso trabalho, portanto, qual é a parte? 100%. CLARA: Existe relevância na divulgação do doador? ARNAUD: Muitas vezes, é imposto pelo próprio doador, faz parte do contrato. Tem que perceber que o nosso dinheiro privado representa 22, 23% do nosso orçamento, portanto, todo o resto são doadores públicos. E faz parte do contrato, tem que mencioná-lo. Vai de simplesmente pôr o logotipo nos documentos até às vezes mais forte. Os doadores raramente percebem o sentido do que estamos a fazer; os doadores percebem muito bem a segurança alimentar, os doadores percebem muito bem a emergência médica, percebe muito bem as ações futuras. Logo que estamos a chegar no domínio da associação, no domínio da comunicação, no domínio da governação, da democracia, de coisas destas, há ou um medo terrível: não vamos entrar nisso, não. Há uma confusão quanto a isso, que é o que eu acabei de dizer, que é a publicidade. Ou seja, os doadores confundem muito a questão da comunicação com a questão da publicidade, da visibilidade deles. CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação? ARNAUD: Mesma resposta. Eles não percebem muito bem. Houve, você, visto que trabalhou para a FAO, a FAO trabalhou muito na rádio rural, foi pioneira nisso. 191 Perdeu-se um bocado quando... O surgimento das rádios comunitárias, quando o Estado perdeu o controle das rádios, quando apareceu o FM, quando tudo isso, a FAO já não é completamente a par do que acontece nas pequenas rádios das aldeias. Enquanto a FAO tem praticamente inventado o conceito da rádio rural, ou participou muito na elaboração dele, fica abandonada. Os franceses fazem bastante coisa sobre o apoio à imprensa, o apoio à comunicação social, à imprensa independente e livre, etc. E ficam cheios de, no fundo, terror absoluto, quando percebem que nem 10% da comunicação passa pelo jornalismo formal, a imensa maioria dos jornalistas não são jornalistas o tempo inteiro, porque não conseguem viver disso, e portanto, tem uma noção de ideologia e de ética, o jornalista que aceitaria receber dinheiro dum tipo de uma empresa que faz um anúncio no jornal teria que escolher evidentemente (...) é o que acontece todos os dias. Portanto, tem que gerir a ideologia de uma forma diferente. Aqui os doadores só percebem uma parte muito pequena disso, e contamos muito mais sobre uma pessoa dentro da administração, um doador, que sobre a política em geral de doador que pode fazer discurso sobre a comunicação, mas que habitualmente não está completamente dentro. CLARA: Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com uso da comunicação? ARNAUD: Está a me pedir se a sociedade e as pessoas funcionam melhor quando falam? Eu respondo que sim. E que hoje, o essencial da comunicação está feito no início do projeto, na concepção, e no fim, na avaliação. E no meio, é uma coisa assim técnica, eu penso que iria melhorar muito se houvesse comunicação no meio também. Isso é claro. O problema aqui é que muitas vezes há um medo da perda do controle, há um medo de que os tipos com quem estamos a trabalhar acabem por perceber o que é o projeto, acabem por afinal dizer: muito obrigado ONG, muito obrigado governo de Portugal, ou governo do Brasil, muito obrigada assistente técnico, muito obrigada (...), graças ao vosso trabalho, percebemos, e já não precisamos de vocês. CLARA: Mas isso não deveria ser um objetivo do projeto quando ele inicia, não é? ARNAUD: Não deveria ser o objetivo, o objetivo não é sair, a cooperação, estamos autorizados a continuar a colaborar, mesmo quando não existe uma necessidade física. Agora... CLARA: A autonomia... ARNAUD: (...) deve mudar de natureza, todos os dias. A medida em que há uma interação entre os dois, e os projetos não são feitos para mudar, os projetos são feitos para ter um calendário do trabalho para os próximos quatro anos, a dizer, na semana de 74 vamos fazer uma formação de seis horas sobre o uso de sementes melhoradas para o milho. E estamos a fazer mutirões diários para ter o dinheiro a construir os calendários, que todo mundo sabe que são invenções absolutas, porque vai haver comunicação, obviamente que vai haver comunicação. Obviamente que vamos tentar que depois de alguns meses as pessoas tenham adquirido competência suficiente para participar de numa forma muito mais ativa na concepção dos meses seguintes. E, portanto, pôr em questão obviamente o que foi 192 feito. Não significa renunciar ao rigor, não significa aceitar mudar a direção do projeto, significa simplesmente dizer isso não é um curso para criança, não temos o programa da quarta classe, quando no fim os alunos têm saber fazer divisão de dois números, não sei quê. Temos um trabalho de cooperação, onde tentamos que os instrumentos coletivos de decisão e de crítica das decisões que não existia no início do projeto – por isso que o projeto nasceu – venha a existir e venha, portanto, permitir que o projeto seja criticado e seja com a nossa própria resistência a isso porque também às vezes nosso salário depende disso e se os tipos dizem que não é preciso, nós o que vamos fazer? E, portanto, essa é contradição permanente de todos os consultores de comunicação, como vão dizer: o meu trabalho é bem concebido e eu fui despedido? CLARA: Dados relativos às práticas de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual motivo? Se sim, qual o percentual dos recursos foi investido em comunicação? ARNAUD: É o que eu volto a dizer, os projetos da INDE são basicamente projetos de comunicação, alguns a verba é 100 %, porque um projeto totalmente de comunicação. Alguns, vou dizer, são projetos totalmente de comunicação, onde temos guardado uma pequena parte para a agricultura, porque a comunicação foi pensada à volta de um projeto agrícola, ou foi pensada à volta de um projeto de SIDA, mas é sempre visto como um projeto de comunicação. CLARA: Houve.... Bom não vou fazer essa pergunta, então. Percebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual a mais frequente? ARNAUD: Quando estamos a intervir num contexto de grande instabilidade financeira, institucional, de segurança das pessoas, há sempre uma necessidade muito forte de explicar mais o que estamos a fazer. Porque as pessoas podem ter uma tendência a aceitar toda e qualquer proposta só para ter o dia de amanhã garantido, sem pensar nas consequências de aceitar ou não esta proposta e depois criticar de uma forma muito mais dura, porque tem o sentimento de ter caído numa armadilha, quando percebe que afinal, a proposta é aplicável a um conjunto de compromissos, etc. Portanto, temos que explicar mais. Temos também que ter a cabeça relativamente clara sobre quais são os nossos valores, e onde que estamos dispostos a negociar estes valores e onde estamos a dizer e porque estes valores não são negociáveis, que estamos a fazer esse trabalho. A questão da rádio comunitária, do trabalho com os jornalistas da rádio comunitária, que não são jornalistas o tempo inteiro e a questão sobre a (...), a ética do jornalista num contexto muito conflitual ainda. Tivemos muito trabalho no Timor sobre a rádio, apoiamos a montagem de muitas rádios, etc. Há dois anos, houve uma diferença no Timor, houve novamente, depois da estabilização, um regresso, muita diferença, dois anos, três anos, ficamos muito satisfeitos de ver que a maior parte das rádios decidiram suspender as atividades para não correr o risco de a rádio ser utilizada como instrumento do ódio, porque tem sido sistematicamente construído como espaço de diálogo. Não negociação, espaço de diálogo só para chegar a... Bom, e, é óbvio que há uma tentação forte para quem não tem nunca acesso à palavra, porque o regime onde vive não é um regime democrático. E a quem se dá um instrumento potente de 193 comunicação, é claro que essa pessoa pode ter uma forte tentação de usar este instrumento. Quais são os nossos valores? É provavelmente mais fácil, num projeto de segurança alimentar, um engenheiro agrônomo renunciar à idéia do milho e dizer: vamos fazer batatas. São aspectos técnicos, econômicos, de organização de coisas, etc. Não há um grande espaço moral para (...) entre a batata e o milho. Pode haver mais dificuldade em aceitar ou não, e a dizer: opa lá, esse é o dinheiro que nós trouxemos, esse dinheiro que vem de fora, e que vem de fora com algumas condições. A comunicação tem que ser feita nisso e a negociação pode ser feita nisso e às vezes há aqui a necessidade de explicar mais claramente o que estamos a fazer. Por definição, a situação conflitual obriga a discutir mais. CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes? ARNAUD: Tento definir mais o que seja comunicação, ou seja, há, por exemplo, uma limitação recorrente, principalmente no espaço rural ao acesso à informação e o direito a acender a informação faz parte do trabalho de comunicação que uma ONG se pôs a fazer. CLARA: Não, eu me refiro aos projetos que foram realizados nos últimos dois anos houve alguma dificuldade que tenha sido recorrente nesses projetos? ARNAUD: Uma dificuldade recorrente é no espaço rural aceder à informação central. No espaço rural aceder à totalidade do debate político que acontece na capital. No espaço rural aceder a informação comercial sobre o preço, que há nos mercados agrícolas para saber, para tomar decisões. Qual é o tipo de produto que eu posso comprar. Isso é um obstáculo que pode parecer inicialmente técnico, mas que é um verdadeiro desafio da democracia porque é injusto que uma parte da população esteja privada do acesso a uma parte da informação, não por decisão do governo que queria dizer: vocês não têm o direito de saber isso, mas porque concretamente não há rede de telefone, não há acesso à internet, não há luz e isso faz parte de uma limitação. A outra limitação é também muito ligado a questão da descentralização é qual é a presença do Estado fora das capitais e os grandes centros urbanos e se o Estado é muitas vezes a garantia de uma democracia informal. Quando o Estado não é presente estamos confrontados a um conjunto de instrumento da democracia tradicional que podemos respeitar, mas que são muito diferentes de um espaço para outro. E para a qual teremos que adaptar um projeto em função do modo de decisão das pessoas aqui e lá. Tivemos assim vários exemplos de alguma maneira romancear os aspectos mais envolventes do projeto para guardar o núcleo comum que seria standard para todos e aceitável para todos porque as diferenças entre uma cidade e uma aldeia, uma região e uma outra, uma comunidade e uma outra seriam tais que não permite um projeto standarizado. CLARA: Agora dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. Existe necessidade de introduzir ações de comunicação para o desenvolvimento nos projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por quê? ARNAUD: Volto a fazer a pergunta, o que significa comunicação para o desenvolvimento? Vou, talvez por trás. Há sempre necessidade de garantir o acesso a informação. A transparência, a publicidade, o acesso livre é uma garantia que todos partilhem os mesmos instrumentos e todos, portanto podem debatem com a 194 mesma base. Isso é comunicação para o desenvolvimento. Garantir o acesso. Às vezes a resposta é tecnológica. Às vezes a resposta é de alfabetização. Às vezes a resposta é, nós temos percebido várias vezes que os projetos de INDE passam por ações de comunicação porque uma mulher que sabe ler do que é distribuído numa reunião, que tem mais tempo livre, portanto a questão do acesso à água, do acesso à lenha para o fogo e etcetera e que tem cash disponível e que não depende do marido para ir nesta reunião, é uma mulher que participa das tomadas de decisões. Mas isso não passa por uma ação política a dizer mulheres, mulheres, mulheres. Passa por uma ação que diz: água na aldeia, para não perder tempo de ir buscar a água, atividades econômicas controladas pelas mulheres, para as mulheres terem dinheiro próprio de gestão direta e alfabetização especificamente para as mulheres, para que as mulheres tenham acesso a isso. (...) conflito com os maridos. (...) completamente natural, permite uma participação ativa, enquanto na aldeia ao lado há um projeto do Banco Mundial que diz: 50% dos participantes têm que ser mulheres, obrigatório. Os maridos dizem, tudo bem, então a minha mulher vai como participante ao invés de mim e ela vai tomar as decisões lá em função do eu vou dizer. 50% de mulheres, garantido. E 50 % da decisão na mão dos homens. Pronto, há aqui um exemplo concreto do que significa comunicação para o desenvolvimento muito além das aparências, falamos da questão do acesso à informação sobre os preços do mercado. A rádio rural tinha também, o modelo antigo da rádio rural tinha uma fortíssima componente de rádio educativa, das organizações agrícolas de (...) que são elementos fundamentais para que as pessoas tenham acesso a formas autenticas de democracia, de democracia local. Também, a democracia formal também é um instrumento fabuloso para o desenvolvimento, ou seja, o fato de ter uma comunicação social eficaz, capaz de controlar, capaz de obrigar a transparência, capaz de ser o tal quarto poder é um elemento forte para o desenvolvimento. A democracia é um elemento forte para o desenvolvimento e nenhum jornalista renuncia a dizer que a democracia está fortemente baseada com quatro pilares, um deles é a comunicação CLARA: Quais são as limitações às ações de comunicação para o desenvolvimento nos projetos implementados além da limitação financeira? ARNAUD: Além da limitação financeira há a limitação do dinheiro, ou seja, quando os interlocutores não percebem do que estamos a falar, não estou a falar de interlocutores que não querem, que tem medo disso, mas estou falando das pessoas que não percebem. Há uma tendência forte a dizer, vai ser mais interessante com o mesmo dinheiro pagar um trator do que pagar um estúdio de rádio. Um estúdio de rádio aparentemente não serve, não melhora o rendimento agrícola. CLARA: Mas na verdade melhora o rendimento agrícola, não teria como comprovar que melhora o rendimento agrícola através da educação que pode ser... ARNAUD: Esse é o mundo perfeito, esse é o mundo perfeito e obviamente que a minha resposta é um bocado caricata porque é curta, mas, no entanto, muitas vezes há um sentimento de que é mais importante construir uma ponte, uma estrada do que investir em pequenas coisas muito menos visíveis, com uma taxa de fracasso relativamente importante, uma mortalidade importante. As rádios comunitárias vivem, morrem, nascem ao lado, enquanto uma estrada está lá, há um desvio, é 195 mais caro de que o previsto, mas depois fica aqui por cinquenta anos. Nenhuma rádio dura cinquenta anos. Portanto isso são as partes às vezes difíceis. CLARA: Agora dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos direitos humanos e segurança alimentar. Como pode contribuir a comunicação para o desenvolvimento para a percepção ao direito à cidadania em sociedades pósconflitos? ARNAUD: Criando espaço que não são negociação, mas sim do diálogo. Um espaço de negociação é um espaço onde as pessoas vão apontar o que eu vou ter que, eu vou ter que renunciar a alguma coisa para obter outra coisa. Eu tenho que ter um mandato dos meus constituintes para ir lá negociar, um espaço de diálogo. Não precisa nada disso, não vou negociar nada. Eu não vou obter vantagem, eu não vou perder coisas, eu não preciso ser legítimo, de ter um mandato, de ser eleito, de ser designado como delegado, não sei o quê. A rádio comunitária mais uma vez é um dos exemplos disso. (...) ajudar a construir a pequena casa comunitária da aldeia, onde tem todas as reuniões e etcetera. Falamos as línguas, financiar as traduções das línguas locais dos textos que são debatidos na capital. Tivemos muita dificuldade no Timor a explicar que tudo o que era afeto ao português e ao inglês tinha que ser traduzido não só ao Tétum, que muita gente falava, mas também ao indonésio a língua do ocupante, porque na realidade a imensa maioria das pessoas tinha sido escolarizada na Indonésia e a língua que sabia era essa. E, portanto, para participar ativamente no debate era preciso traduzir atrás. As pessoas tinham o sentimento que era voltar atrás, não era voltar a trás, era dar as pessoas uma forma de dizer, veja (...) o documento em inglês, ninguém, ou português, ninguém era capaz de ler o português, para que serve? Portanto pagamos muito de tradução (...), pagamos muito de transporte, de almoços. As pessoas, se tem que fazer dez quilômetros para ir numa reunião a pé, não vão. Portanto, pagar um transporte, pagar localmente um almoço, pagar a tradução para o indonésio e pagar o transporte de regresso ao fim do dia ou o outro dia à noite, isso é um trabalho de comunicação para o desenvolvimento. A rádio comunitária, encontramos facilmente com médico, com uma comunidade, com quem quiser, quem pague o estúdio onde tem tudo isso. Quem paga as baterias do gravador, quem pague o gasoil do gerador, porque não há eletricidade, quem paga as bicicletas das pessoas que vão fazer Vox populi nas ruas? Ninguém, portanto as pessoas ficam a fazer só em estúdio e vejamos o rádio que tem sido financiado com generosidade realmente, com excelente equipamento a fazer 80% da programação com música. E onde o (...), mas já não é uma rádio comunitária. CLARA: Não cumpre a sua função. ARNAUD: É, não cumpre a sua função e acaba por ser um instrumento quase de passatempo da juventude lá que encontra um espaço para difusão do rock eletrônico e as pessoas perdem um bocado o interesse nisso, não encontramos ninguém para fazer um programa de voluntarização assim de manhã, porque é a hora onde as pessoas, os companheiros acordam e tem o (...). Coisas tão simples, a comunicação para o desenvolvimento. (...) O que significa por 20, 30, 50 mil dólares numa rádio se as pessoas não conseguem ouvir a rádio. Portanto, tudo isso são coisas que são importantíssimas para a cidadania. Cidadania é participar na vida da comunidade e ter os instrumentos para fazer. Não estamos obrigados, mas se eu quero participar 196 eu tenho os instrumentos para isso. Significa, obviamente significa as eleições pelos instrumentos formais, mas significa também se iniciar os que não capazes de ler o panfleto do candidato, o que significa. Significa que os donos de televisão são os candidatos que vem e fazem distribuição de cheques. Não me parece a cidadania desejada. CLARA: Poderá a comunicação para o desenvolvimento contribuir consolidação da segurança alimentar em sociedade pós-conflito? Se sim... para ARNAUD: O trabalho com a FAO tem... CLARA: Se sim, de que forma? ARNAUD: A FAO já respondeu, Francisco Sarmiento provavelmente já respondeu e eu não vou aqui acrescentar muita coisa, é óbvio. CLARA: Deveria ser acrescentada alguma coisa nesse roteiro? ARNAUD: Não, eu não sei. É um assunto, é um assunto que merece sempre por ao conjunto os médicos, os agrônomos, os jornalistas, etcetera. Não há nenhuma sociedade humana que consegue viver sem comer. Não há nenhuma sociedade humana viver sem alimentação. Não há nenhuma sociedade humana que consiga viver sem saúde. E não nenhuma sociedade humana que consegue viver sem se comunicar, portanto todos os projetos são projetos agrícolas, todos os projetos são projetos de comunicação. Mas todos os projetos são igualmente projetos de comunicação. Na medida onde temos todos uma formação inicial, uma cultura, etcetera, o que a gente faz, o agrônomo está mais a vontade em projeto de segurança alimentar. Está no mundo dele, no elemento dele. Não vamos ter as ONGs, os projetos totalmente disciplinados, sonhados, perfeitos, isso é muito chato. Projetos perfeitos seriam muito cheios de tédio. Agora conseguir por ao conjunto estas organizações a dizer, não há uma que seja mais importante que a outra e temos que confiar na ONG vizinha para isso. Sim, aqui, provavelmente há ainda trabalho para fazer. CLARA: Muito Obrigada. 197 APÊNDICE F – Entrevista com Francisco Sarmento Economista e Engenheiro Agrônomo Setembro, 2009 Diretor Internacional da Action Aid CLARA PUGNALONI: Qual o escopo de ações de ajuda desenvolvidas em sua organização? FRANCISCO SARMENTO: Na área de segurança alimentar imagino, ? CLARA: Quais os beneficiários alvos das intervenções de sua organização? FRANCISCO: Sobretudo pequenos agricultores, sem-terra, grupo de mulheres, comunidades do meio rural em particular África, Ásia e Américas. CLARA: Quais foram os resultados esperados nos projetos desenvolvidos nos últimos dois anos? FRANCISCO: A pergunta deveria ser reformulada, porque a Action Aid tem no mundo inteiro em 42 países, talvez 450, 600 projetos diferentes CLARA: No Brasil? FRANCISCO: No Brasil. Eu diria que em regra geral desde que a Action Aid passou a ter como estratégia a questão dos direitos os resultados esperados, em geral, tem muito a ver com a questão do empoderamento das comunidades e da sua capacidade de organização. CLARA: Qual o percentual de resultados esperados que foram atingidos nos projetos desenvolvidos nos últimos dois anos? FRANCISCO: Não tem. Não tenho essa informação, não teria como te dar. CLARA: Existem dificuldades nos projetos que sejam recorrentes? FRANCISCO: Existe mobilização das comunidades, articulação entre o trabalho local, quando eu digo trabalho local é que as pessoas estão muito habituadas a ter uma ONG apoiando com coisas concretas. Tipo assim, a escola, a fábrica, o caminho, os animais, o apoio financeiro que se traduz em benefícios concretos. Mas como a estratégia de organização mudou para direitos, como é que você liga esse trabalho com a questão da estratégia de direitos que tem muito mais a ver com a reivindicação política destes mesmos direitos. Como é que você compatibiliza essa transição entre um caráter mais assistencialista e um caráter mais focado na questão da afirmação de direitos. Porque os direitos, eles esgotam os recursos da comunidade. Você mobilizar as pessoas custa dinheiro, mas os resultados dessa ação são resultados de longo prazo, entretanto a comunidade necessita de recursos para continuar desenvolvendo as suas atividades. Então, como é que você compatibiliza uma coisa com a outra? Esse, eu acho que é o grande desafio. 198 CLARA: Como você descreveria a receptividade dos atores aos projetos implantados nos últimos dois anos? FRANCISCO: Isso liga com a pergunta anterior. Boa, porque a Action Aid já trabalhava com eles anteriormente, então quando você introduz a questão dos direitos e de que na realidade o que você necessita deve ser reivindicado no seu governo com base no seu direito, a receptividade é boa porque tem uma relação de confiança antiga com a Action Aid. Mas isso liga com a questão anterior, até que você consiga obter do, de quem tem obrigação de prestar esse tipo de apoio, essas mesmas coisas, você tem que continuar mantendo um determinado padrão de vida mínimo dessa comunidade. CLARA: Com relação a dados referentes à importância atribuída à comunicação, existe relevância da divulgação do doador? FRANCISCO: Relevância na divulgação do doador... Depende do projeto. Tem doadores que exigem isso e outros que não. Depende do doador. CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação? FRANCISCO: Em geral é alta, é elevada. CLARA: Qual a importância da divulgação dos objetivos e das metas pretendidos na ação? FRANCISCO: A importância é grande e todo o projeto começa precisamente com uma análise dos objetivos e das metas com a própria comunidade envolvida, de forma bem participativa. Na realidade, em teoria, os objetivos e as metas são definidos pelas comunidades. CLARA: É importante haver uma divulgação prévia das futuras ações a serem implementadas pelo projeto aos atores-alvo? FRANCISCO: Está ligado com a pergunta anterior. Sim, os atores-alvos participam da definição das metas e dos objetivos do projeto. CLARA: Existe possibilidade de incremento do resultado pretendido pela adoção da comunicação? FRANCISCO: Claro. Claro que existe. A comunicação é parte intrínseca de todo o processo. CLARA: Agora com relação a dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? FRANCISCO: Em alguns sim, em outros não. Depende do doador, depende das outras prioridades do projeto e depende da participação do departamento de comunicação na montagem de alguns projetos ou não. Ou seja, é um processo 199 negocial interno, que por vezes depende também dos prazos de apresentação das candidaturas. Tem uma série de variáveis que podem influenciar isso, mas que é importante, é. CLARA: E qual é o percentual de recursos financeiros investidos em comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos? FRANCISCO: É difícil dar essa resposta, mas eu diria que provavelmente não mais do que 10%. CLARA: Foram feitos planejamentos de comunicação para os projetos realizados. FRANCISCO: Foram. CLARA: Qual a necessidade de divulgação percebida quando se iniciou um projeto? FRANCISCO: Vamos passar essa pergunta. Porque eu tenho que pensar sobre ela, porque eu não entendi. CLARA: Você considera importante divulgar resultado dos projetos aos atores beneficiados? FRANCISCO: Com certeza. Mas não é tanto divulgar, eles são parte do processo. CLARA: Houve divulgação dos resultados dos projetos realizados nos últimos dois anos? FRANCISCO: Em alguns projetos, sim. Em outros, não. Mais uma vez, depende muito de quem está na frente do projeto, quem coordena o projeto e da relação dessa pessoa com o doador e com o departamento de comunicação da Action Aid. CLARA: Dados relativos agora a comunicação estratégica. Existe necessidade de introduzir ações de comunicação nos projetos implementados. FRANCISCO: Existe, existe, existe. CLARA: Se sim, com que metodologia? FRANCISCO: Caso a caso, depende do projeto, é o departamento de comunicação que em função dos objetivos do projeto e dos objetivos do doador e dos objetivos mais amplos da organização privilegia uns projetos em detrimentos de outros. CLARA: Quais foram os beneficiários-alvos das ações comunicacionais? FRANCISCO: Mais uma vez depende do projeto, mas em termos gerais obviamente que em termos de comunicação são sempre as comunidades envolvidas por um lado, por outro lado os atores com algum poder de decisão, ou de influência no projeto. Sobretudo poder local, poder nacional quando a gente está falando de governo de países do sul, ou então dos próprios doadores, como seja o caso de União Européia ou eventualmente de organizações filantrópicas, do tipo fundações. 200 CLARA: Quais são as limitações às ações de comunicação dos projetos implementados, caso tenham ocorrido? FRANCISCO: Coordenação? Coordenação do departamento de comunicação com outras entidades e participação do departamento de comunicação na formulação dos projetos. Eu acho que isso é uma questão essencial. CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes? FRANCISCO: Essa que eu falei anteriormente, o departamento de comunicação é visto como alguma coisa que não está intrinsecamente ligada aos projetos. Ele beneficia da informação dos projetos quando ele tem uma necessidade específica, estratégica, em que ele precisa dessa informação, mas ele não faz parte do processo de formulação, acompanhamento e implementação dos projetos. CLARA: E não deveria fazer? FRANCISCO: Claro que deveria fazer, o problema é você ter recursos humanos ao nível do departamento de comunicação para que ele consiga ter esse tipo de função. O departamento de comunicação é muito visualizado como alguém que pega, de alguma forma o somatório das duas práticas da organização e transforma isso em instrumentos de visibilidade junto dos doadores. É uma visão diferente. CLARA: Seria então, no caso, uma visão mais de divulgação do benefício institucional do que na verdade do benefício do projeto em si? FRANCISCO: Sim, sim, sim. CLARA: E porque existe essa divergência, na verdade quando se fala em comunicação para o desenvolvimento esse ponto de vista é totalmente antagônico? FRANCISCO: Porque, se por um lado a dependência dos doadores é cada vez maior, então o foco da comunicação se centra na comunicação dos bons resultados ou das boas práticas para captação de mais recursos ou de doadores, individuais ou institucionais, isso é uma coisa. Por outro lado, há um nível dos projetos em si, embora você tenha em muitos casos o envolvimento do departamento de comunicação a nível nacional, o staff disponível para acompanhar os diversos projetos não é normalmente o staff que seria desejado. Se você reparar na maior parte dos projetos dos doadores o elemento comunicação não é um elemento que seja preponderante ou que seja, os custos com essa atividade sejam novamente olhados com muita satisfação pelos doadores. Então é tratado já de uma forma como algo externo ao projeto, quando deveria ser algo, na verdade, interno ao projeto. CLARA: Então foge completamente à lógica de mercado quando a comunicação, na economia de mercado é um fator preponderante que leva à visibilidade, que leva ao consumo. 201 FRANCISCO: Ela foge ao nível local e nacional, ela não foge ao nível internacional. Eu diria que a tendência é que ao nível internacional, estratégia de comunicação hoje reconhece essa importância, contudo em função das dinâmicas nacionais e locais e dependendo da situação dos países do sul, que é muito diversa, a importância do elemento comunicação pode ser muito variável, dependendo da realidade nacional ou local. O mercado é cada vez mais forte e os seus fatores de concentração e de criação de estratégias - de alguma forma uniformizadas - é muito mais forte do ponto de vista internacional do que do ponto de vista local. Se eu tenho um projeto em Bruxelas, eu tenho que fazer uma estratégia de comunicação em Bruxelas junto ao meu financiador. Não significa que em Canindé do São Francisco ou eventualmente em alguma província remota do Camboja esse mesmo elemento tenha a mesma preponderância e a mesma importância. Não tem certamente. CLARA: Quais pontos são estratégicos para identificar projetos de comunicação como tecnicamente corretos? FRANCISCO: Você tem que repetir. CLARA: Quais pontos são estratégicos para identificar projetos de comunicação como tecnicamente corretos? FRANCISCO: Quais pontos são estratégicos para identificar projetos de comunicação como tecnicamente corretos? Na medida em que eles amplifiquem ou não os resultados esperados do projeto. Isto é, se o projeto tem uma determinada (...), a estratégia de comunicação obviamente tem que estar coerente com isso. Então nesse sentido os pontos estratégicos para projetos de comunicação têm que ser pontos estratégicos que sejam também pontos estratégicos para atingirem os objetivos dos projetos e os resultados previstos do projeto. É um processo em paralelo, na realidade, um deriva do outro. CLARA: Dados sobre contribuição de comunicação para a difusão de direitos Humanos e garantia de segurança alimentar. Como pode contribuir a comunicação para desenvolvimento, para a percepção do direito à cidadania em sociedades pósconflito? FRANCISCO: Bastante, né? A resposta é óbvia. Agora, como? Eu tenho a sensação que a sensação que a questão da segurança alimentar é hoje mais do que uma questão, é hoje essencialmente uma questão que se confunde um pouco com a questão da soberania alimentar. Na medida em que a maior parte da insegurança alimentar deriva da ausência de liberdade por parte dos governos nacionais de desenvolverem políticas, ou terem o direito de desenvolver políticas de desenvolvimento autônomas, agrícolas, comerciais e outras que redundem numa redução da insegurança alimentar. É a dependência em absoluto do livre mercado. Então, nesse sentido, a comunicação para o desenvolvimento pode obviamente também ter um papel muito forte, não só influenciando decisores nos diferentes níveis, sobretudo nacional e internacional, mas particularmente ao nível internacional trazendo exemplos do nível nacional e local, ou testemunhos no nível local e nacional para as arenas decisórias ao nível internacional. Sobretudo na questão da segurança alimentar, espaços relativos às Nações Unidas como a FAO, ou eventualmente a Organização Mundial do Comércio. 202 CLARA: Poderá a comunicação para o desenvolvimento contribuir para a consolidação da segurança alimentar em sociedades pós-conflito? FRANCISCO: Pode. Se sim de que forma, eu já respondi na anterior. Os espaços decisórios hoje com mais poder são a Organização Mundial do Comércio e o Sistema das Nações Unidas. Aí sim, é necessário fazer chegar testemunhos a nível local e nacional que possam influenciar os tomadores de decisão na adoção de um conjunto de políticas ou de outro conjunto de políticas. CLARA: O que você achou deste questionário? FRANCISCO: Bom, mas tem algumas questões que foi difícil para eu entender, em termos do objetivo geral do questionário. Eu reformularia algumas delas. CLARA: E o que você acha que deveria ser acrescentado? FRANCISCO: Eu vou responder essa pergunta por email. Depois que eu analisar o questionário. CLARA: Obrigado. 203 Entrevistas realizadas em Angola APÊNDICE G – Entrevista com Aram Cunego Municipalistas por La Solidariedad y El Fortalecimento Institucional (MUSOL) Licenciatura – Diretor para Angola- Origem Espanha CLARA PUGNALONI: Qual o escopo das intervenções de desenvolvimento realizadas por sua organização? ARAM CUNEGO: A MUSOL, que é a sigla de municipalistas para a solidariedade e o fortalecimento institucional trabalha basicamente no setor do fortalecimento institucional, quer dizer, apoiando os processos de descentralização e desconcentração administrativa em vários países da África e da América Latina. Nós normalmente costumamos fazer as nossas intervenções em zonas onde não existe um tipo de contexto de emergência humanitária, mas sim trabalhamos no acompanhamento dos processos de reconstrução pós-conflito, como é o caso de Angola e no fortalecimento das instituições descentralizadas para a aproximação das políticas de desenvolvimento às comunidades locais. CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes no projeto? ARAM: Sim, quer dizer, naturalmente é preciso especificar que cada contexto tem a sua especificidade e a suas características, então em termos gerais é difícil encontrar padrões de dificuldades ou fraquezas, mas no nosso trabalho, sendo que é um trabalho bastante setorial, definido setorialmente, podemos dizer que no geral encontramos instituições que nem sempre percebem a importância da apropriação dos processos locais e das leis para levar os processos de desenvolvimento a nível local. Então, podíamos definir que há certa resistência por parte das entidades locais em se apropriar dos processos de desenvolvimento em termos de descentralização e desconcentração. CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados? ARAM: Mais ou menos está ligado àquilo que eu vinha dizendo na anterior resposta. A receptividade dos beneficiários, quando nós trabalhamos com a sociedade civil, em termos gerais, encontramos muita receptividade porque costuma ser uma camada da população que fica, que tradicionalmente está muito mais excluída dos processos de desenvolvimento. Então eles estão muito mais receptivos e estão muito interessados em entender realmente quais são os espaços de cooperação, os espaços de participação que eles têm para priorizar ou para expressar as suas prioridades dentro da agenda de desenvolvimento local. Agora, em termos das entidades governamentais com as quais trabalhamos nem sempre encontramos uma boa receptividade. Normalmente as municipalidades ou as entidades, os entes locais com quem trabalhamos que já tem tido alguma aproximação com a sociedade civil ou, por exemplo, cujos os administradores locais são pessoas que vem de experiências, como por exemplo, de trabalho com a (...) ou organismos internacionais costumam ser muito mais abertos a esse tipo de projetos e ser mais 204 receptivos. No entanto, outros atores governamentais com quem trabalhamos às vezes não são receptivos e até, por causa da desinformação, porque eles às vezes pensam, acham que o processo de descentralização vai tirar o poder que eles estão exercendo. No quanto realmente é o contrário, porque vai dar mais legitimidade aos processos que eles vão liderando. CLARA: Ponto dois. Dados referentes à importância atribuída à comunicação. Então a pergunta é: existe relevância na divulgação do doador? ARAM: A divulgação do doador sem dúvida é uma, primeiro que tudo, é um aspecto obrigatório para a maioria das agências de cooperação com as quais eu trabalhei e a minha organização trabalhou. Tanto a organização descentralizada da Espanha, como da, aí sim, da agência espanhola de cooperação, a cooperação governamental. Então é um aspecto obrigatório e obviamente a cooperação é sempre também uma forma em que os governos publicizam, ou fazem, entre aspas, “propaganda” no bom sentido da palavra, sobre as ações que eles fazem ou estão financiando para o desenvolvimento de um país. Então, obviamente, é absolutamente relevante em termos de comunicação em todas as ações que a gente está levando a cabo, existe uma parte de divulgação do doador. CLARA: Qual é a importância atribuída pelos doadores à comunicação? ARAM: Mais ou menos acho que já respondi a pergunta. Eu acho que não é só uma forma de propaganda, porque por um lado, claro é uma forma de propagandear, de fazer publicidade sobre aquilo que um governo está a fazer dentro do território do outro estado para apoiar os processos de desenvolvimento. Também às vezes é uma maneira de ajudar o Estado a fortalecer a parceria. Por exemplo, a cooperação espanhola tem todo o interesse em demonstrar que a sua parceria com o governo de Angola é forte em todos os níveis, também no nível da cooperação e isso faz com que se fortaleça também a cooperação em todos os níveis, não só a cooperação para o desenvolvimento, mas também a cooperação comercial, a cooperação entre as embaixadas. É importante sublinhar também este outro aspecto que a divulgação, digamos, a importância atribuída pelos doadores à comunicação também reflete-se dentro dos territórios dos mesmos doadores. Não só aqui nos territórios beneficiários onde a gente está a trabalhar agora, por exemplo, lá na Espanha também é importante saber, fica muito importante, digamos, usar um instrumento de comunicação que o governo de Espanha diz: opa, nós estamos a fazer muita coisa lá em Angola e para demonstrar que está a ser feito, também a comunicação tem um duplo sentido. Desde Angola, neste caso específico, até a Espanha para comunicar aquilo que a cooperação espanhola está a apoiar em Angola. E sensibilizar desta maneira, fazer divulgação dentro da sociedade civil espanhola. Então há um duplo nível. CLARA: Qual é a tua opinião com relação à pergunta seis. Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso da comunicação? ARAM: Sim, em termos gerais, eu dividia o uso da comunicação em três níveis para definir melhor a sua importância. Acho que primeiro que tudo a comunicação é uma ferramenta estrutural dentro de muitos projetos, a maioria dos projetos prevêem atividades de comunicação e divulgação que são mais dirigidas à formação do 205 pessoal local, à apropriação da parte das instituições locais nos processos fomentados pelo projeto e a processos educativos, pedagógicos. Mas para focar melhor essa pergunta, acho que realmente a importância da Comunicação para o Desenvolvimento para melhorar os resultados do projeto está no fato de que a divulgação permite aos outros fatores da cooperação, seja governamental ou, seja não-governamental no caso das ONGs de aprenderem, como lições aprendidas dos outros projetos. Então se um projeto, por exemplo, o nosso projeto tiver uma boa prática e dentro dessa boa prática aproveita um espaço de comunicação para divulgação dessa boa prática, outros projetos da nossa mesma organização ou de outras organizações que estão a trabalhar dentro do mesmo setor, do mesmo âmbito, podem aprender e então replicar aquilo que foi bem-feito e evitar os erros. Realmente é uma forma, acho que é uma forma muito importante, tanto aqui no terreno como lá na Espanha, porque também lá na Espanha tem muitas instituições que se dedicam à cooperação. São agências doadoras às vezes e também para eles é muito importante a comunicação para aprenderem e ajudar a estabelecer as prioridades dentro das agendas. E finalmente, o nível da visibilidade, é mais aquilo que estávamos a falar, também ajuda às vezes. Por exemplo, se um projeto tiver uma boa visibilidade e ao mesmo tempo tivesse um bom êxito, um bom sucesso, então isso ajuda com que mais fundos ou mais financiamentos possam chegar a financiar mais uma fase desse projeto ou a ampliar algumas ações do projeto com o objetivo de ampliar os benefícios. Então também é uma forma de lobby dentro dos mesmos financiadores. CLARA: Agora com relação ao ponto três. Dados relativos à pratica de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. Ponto sete. Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual motivo? Se sim, qual o percentual dos recursos investidos em comunicação? ARAM: Em termos gerais, todos os projetos, como dizia anteriormente, prevêem verbas destinadas exclusivamente à comunicação e à divulgação. Pelos motivos que já foram amplamente, acho, mais ou menos explicados. Em termos de porcentagem é realmente muito difícil de estabelecer isto. Alguns doadores têm normas definidas obrigatórias de cumprir, para a visibilidade tem que ser investido pelo menos X% do dinheiro diretamente investido nos beneficiários. No caso da minha organização não é possível estabelecer esta porcentagem porque cada projeto tem uma estratégia de comunicação muito diferente. Às vezes nós utilizamos projetos paralelos só para a difusão e comunicação. Então, por exemplo, agora, para fazer um exemplo prático, estamos a executar um projeto aqui diretamente com as administrações de dois governos locais, dois municípios aqui Bailundo e Caála. E paralelamente estamos a executar outro projeto que é de comunicação que se insere diretamente neste outro projeto, extrai as boas práticas e utiliza essas boas práticas como o vídeo, como o documento de comunicação, como cartazes e com ações que vão ser produzidas diretamente para a sociedade espanhola. Então com esse outro projeto, digamos que é 100% dedicado à divulgação e a Comunicação para o Desenvolvimento. Quer dizer, na nossa estratégia geral da instituição temos duas linhas que é uma linha de cooperação ao desenvolvimento diretamente dirigida aos beneficiários e outra linha que é a sensibilização comunicação, então são duas linhas que obviamente estão muito ligadas e interagem continuamente, mas se complementam dessa maneira. 206 CLARA: Ponto oito. Houve planejamento de comunicação estratégica para o projeto? ARAM: Planejamento de comunicação estratégica. Sem dúvida, mais ou menos aquilo que, também parece que está sempre adiantando às perguntas, mas, sim. Dentro da nossa organização, como dizia, existem essas duas linhas estratégicas estão bem definidas e cada linha estratégica tem os seus projetos. A linha dos projetos de cooperação dirigida aos beneficiários, para o fortalecimento institucional e a linha de comunicação e sensibilização que, digamos, extrai dos projetos os benefícios, as lições aprendidas, as experiências interessantes e os dados relevantes para criar programas de comunicação, que são paralelos e que servem tanto para, como forma de digamos, de advocacia e lobby para a busca de mais financiamentos e ao mesmo tempo também servem como forma de accountability, como se diz, quer dizer, prestação de contas. O que a nossa ONG, a nossa instituição está a fazer junto dos beneficiários? É preciso comunicar aos nossos financiadores, mas também à sociedade civil da qual nós também somos representantes. O que é que estamos a fazer? Como é que estamos a utilizar os fundos que estamos a receber? Então é uma forma também de justiça social, prestação de contas. (...) Estão a sugerir aqui os colegas que, claro, por isso existe lá na nossa sede central na Espanha um departamento que dedica-se exclusivamente à comunicação e à sensibilização. Este departamento tem os seus próprios projetos e muitas vezes esses projetos, digamos, eu que estou mais na parte de implementação dos projetos participo também na definição estratégica dos projetos de comunicação para estabelecermos à comunicação direta e para ver quais são os pontos que os projetos de comunicação que estão a ser formulados lá na Espanha, tem de ter em conta e quais são as informações que tem de extrair dos nossos projetos que estão sendo implementados no terreno para retro alimentar os projetos de comunicação. CLARA: Agora com relação ao ponto nove. Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual é a mais frequente? ARAM: Prioridade de divulgação. Quando iniciado um projeto? Isso depende, depende de muita coisa. Quer dizer, quando for iniciado um projeto novo primeiro que tudo, é muito importante obviamente, estabelecer um plano de comunicação e normalmente é uma questão que nós consideramos obrigatório em todos os projetos. Mesmo que o projeto seja uma segunda fase de um projeto já em execução, contatamos todas as entidades beneficiárias, as entidades executoras e os stakeholders em geral, quer dizer, os atores interessados e envolvidos ou engajados nos projetos e estabelecemos junto deles o nosso plano de comunicação. A partir da explicação de quais são os doadores para chegarmos também a pontos mais específicos, quais vão ser os eixos de comunicação que vamos utilizar ao longo dos nossos projetos. Mais ou menos é isso. CLARA: Ponto dez. Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados? ARAM: Sim, sem dúvida. Nós sempre costumamos fazer divulgação aos beneficiários, primeiro por uma questão de justiça. É justo e é legitimo por parte dos beneficiários conhecerem realmente quais são os benefícios que o projeto vai 207 aportar. Então, por essa razão incluímos normalmente na linha de base dos projetos algumas informações ou mais bem, fazemos um levantamento de quais são as expectativas que o projeto vai gerar. E ao final do projeto ao estabelecermos a linha de saída, fazemos o estudo de linha de saída, normalmente se faz junto de todos os beneficiários. E isso ajuda a ver quais foram as expectativas que foram alcançadas, quais não, e eventualmente por quê. É uma forma de aprendizagem também. De tais maneiras, sempre é obrigatório, como qualquer estudo antropológico, na devolução dos resultados de um estudo ou de uma pesquisa que se está a ser feita dentro de um grupo é obrigatório, até por honestidade intelectual, a devolução desses resultados. CLARA: Ponto onze. Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes? ARAM: Sim, sem dúvida nenhuma. Primeiro, eu diria a pertinência cultural da nossa forma de comunicar. Estou a pensar no vosso grande compatriota Paulo Freire, que ele traz a Pedagogia dos Oprimidos, mas também a Pedagogia Participativa. Então o nosso problema às vezes é que temos padrões de comunicação que nem sempre chegam até a população local ou até todos os atores envolvidos. Costumamos trabalhar com camadas da população muito diferente, com atores, grupos-alvo muitos diferentes, por classe social, estudos, por nível educacional, por acesso à educação que tiveram. Então essa é uma das questões que temos de ter em consideração sempre na nossa estratégia de comunicação. Um exemplo clássico é o uso da língua local. Nós estrangeiros que estamos aqui a facilitar às vezes os processos, obviamente nós temos a capacidade de nos integrar dentro da realidade local, do contexto até o ponto de poder comunicar com o pessoal local no seu idioma, na sua língua materna. Então essa é uma das questões chaves que devíamos ter em consideração, quer dizer, estabelecer uma estratégia específica para cada grupo-alvo de comunicação CLARA: Ponto quatro. Dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. A pergunta doze. Existe necessidade de introduzir ações de comunicação para o desenvolvimento nos projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por que não? ARAM: Depois de ter defendido desesperadamente a comunicação para o desenvolvimento não vou responder que não. Então, claro, sim. Sem dúvida nenhuma é preciso colocar. Eu sugeriria pensarmos sempre nos três eixos que eu antes mencionava. Estabelecer uma metodologia, em termos gerais é muito difícil porque depende do projeto, do contexto, dos doadores até. Então aqui é difícil fazer um resumo, mas sim é importante definir as ações, que pretendem ser feitas, estruturais dentro do projeto para a capacitação ou a formação do pessoal beneficiado dos projetos. As ações em primeiro lugar, em segundo lugar, as ações que estão dirigidas à formação ou a sensibilização ou a tomada de consciência das sociedades dos países doadores, quer dizer, por exemplo, nesse caso a sociedade espanhola, quais as ações com que nós fazemos a devolução dos resultados à sociedade espanhola que finalmente com seus impostos estão a pagar a cooperação também. E finalmente, como terceiro eixo metodológico de comunicação, definir qual é a estratégia requerida pelo doador para a publicidade do trabalho que está a ser financiado. Muitas vezes, no caso do terceiro eixo que é da visibilidade, as regras estão estabelecidas pelos doadores. Então ali existem 208 manuais, existem regulamentos que é preciso respeitar. Os outros casos existem metodologias que podem ser mais variadas, mas objetivas também. CLARA: Agora o ponto treze. Que resultados são esperados nessas ações? ARAM: Mais ou menos já respondi algumas dessas questões, mas calharia bom sublinhar nesse aspecto que as ações de Comunicação para o Desenvolvimento são sempre dirigidas à aprendizagem. Quer dizer, aprender, tanto para os beneficiários como para os doadores, como para as outras agências de cooperação que facilitamos estudos, facilitamos assistência técnica. Então para nós termos a possibilidade de entrarmos em contato com outros projetos, com documentos produzidos por outros projetos, realmente é uma forma de aprendizagem enorme, porque nos permite evitar erros, nos permite replicar boas práticas, utilizar as lições aprendidas e estabelecermos consequentemente linhas estratégicas consequentes e logicamente racionais e razoáveis para melhorar o impacto de nossos projetos. CLARA: O ponto quatorze. Quais são as limitações às ações de comunicação para o desenvolvimento nos projetos implementados. ARAM: Aqui acho que devíamos analisar cada projeto. Porque as limitações às ações de comunicação nos projetos implementados, no caso dos nossos projetos realmente uma questão é que muitas vezes os projetos, por causa da pressa, por causa da falta de uma metodologia estruturada, por falta de verbas até às vezes destinadas exatamente para isso nós nem sempre cumprimos com essas coisas bonitas que já disse. Que é fomentar a aprendizagem através dos projetos. Realmente, se falarmos do ciclo do projeto, um projeto primeiro se identifica, se formula, se executa e finalmente se faz a avaliação do projeto. Essa avaliação do projeto realmente, normalmente ou às vezes, infelizmente nos projetos, fecha o ciclo do projeto. Agora, ciclo do projeto, se chama ciclo porque é um ciclo mesmo, então seria preciso não fecharmos nunca a esse círculo, esse ciclo do projeto e utilizar a avaliação de um projeto para a formulação ou para a identificação de mais projetos e de mais estratégias novas e melhores de cooperação. Então é ali onde nós às vezes falhamos, nós consideramos que terminar um projeto, hoje casualmente é o encerramento do projeto Terra. Então quais são os documentos, quais são as lições aprendidas que nós deveríamos de canalizar para a nova fase do projeto Terra? Se a nova fase começar. Então aqui muitas vezes existe, acho eu, um certo receio de parte das instituições que vão saindo do país, porque pronto, estão a fechar então, também é uma falta de vontade, falta de, metodológica também e se calhar também, uma falta de profissionalidade muitas vezes. E é aí onde eu acho que existe alguma debilidade, alguma fraqueza que devíamos calhar concentrar mais esforços. CLARA: Ponto quinze. Como pode contribuir a Comunicação para o Desenvolvimento para a percepção do direito à cidadania em sociedades pósconflitos. ARAM: Nossa. Isso dá para escrever um ensaio. Acho que de duas maneiras, principalmente. Primeiro, através das ações que eu chamava de comunicação de desenvolvimento no eixo estrutural dos projetos. No caso do nosso projeto, dos nossos projetos, nós prevemos ações de publicação das leis, palestras, workshops sobre o tema da cidadania. O que é a cidadania, quais são as principais leis, direitos 209 e deveres dos cidadãos? Então essa é uma forma direta em que a comunicação se utiliza instrumentalmente para criar educação cívica, como podíamos definir lá. Em segundo lugar também acho que é importante sublinhar que também a comunicação ajuda na construção da sensibilidade cidadã, da cidadania. Na medida em que facilita a troca de experiências entre países diferentes. Por exemplo, no caso específico da MUSOL que é a organização que estou aqui a representar, às vezes as pessoas aqui da sociedade civil do Huambo me pedem que eu expresse ou explique qual é a situação na Espanha, exatamente como funciona a sociedade espanhola, em termos de descentralização, de direitos e deveres dos cidadãos, como se organizam os governos locais, as administrações locais, então pronto essa curiosidade é fomentada exatamente pela comunicação. É criada a partir da comunicação, da divulgação porque desperta a curiosidade das pessoas. Então, a partir dessas preocupações e inquietações que nós vamos fomentando nas pessoas nos líderes da sociedade civil daqui, fomentamos depois processos de trocas de experiências em que pessoas, atores-chaves, digamos, do governo, das instituições locais de Angola vão para a Espanha e aprender, fazem troca de experiência dentro dos municípios lá na Espanha, dentro das comunidades autônomas, dentro dos governos locais para ver como é que aquilo funciona. E da mesma maneira pessoas de lá da Espanha vêm para a Angola para fomentar esse mesmo tipo de troca de experiências. Então esse também é um fruto, um resultado direto da cooperação, da Comunicação para o Desenvolvimento. Porque em termos de visibilidade eles começam a perceber que lá na Espanha está a acontecer alguma coisa interessante que pode ajudar para reestruturar o tecido social destruído pelo conflito. Os colegas da direção estão a sugerir que, obviamente, no caso da comunicação mais estrutural dos projetos quando nos estamos a falar de educação à cidadania, educação cívica isso ajuda a criar uma sociedade muito mais sólida, mais consciente, mais ciente dos seus direitos e deveres e dessa maneira obviamente vão se eliminando ou diminuindo as possibilidades de abuso, as injustiças. Porque é uma sociedade que já não se deixa levar pelas casualidades das coisas, pela conjuntura, mas reivindica direitos, exige e também ao mesmo tempo é mais propensa a respeitar os deveres. Aqueles deveres que estão previstos na lei ou então ajuda a construir uma cidadania mais forte, a reconstruir o tecido social. A comunicação é obviamente imprescindível, uma parte imprescindível do processo de educação à cidadania que é básico, em todos os contextos de pós-conflito. CLARA: Ponto dezesseis. Poderá a comunicação para o desenvolvimento contribuir para consolidação da segurança alimentar em sociedade pós-conflito? Se sim, de que forma? ARAM: Seguramente. Primeiro, a Segurança Alimentar realmente não é só um conceito. Assim, é um conceito que vem do direito humano a uma alimentação adequada. Se chama assim. Então, se for permitido, eu queria trocar essa pergunta, mudar mesmo. Como pode a comunicação para o desenvolvimento contribuir para a consolidação do direito à alimentação em sociedade pós-conflito? Não só em sociedade pós-conflito, acrescentaria eu. Porque em qualquer cidade o direito a alimentação é mais uma vez um direito que faz parte de uma educação cívica e faz parte daquilo que é o patrimônio da cidadania. Se entrarmos depois em questões especificamente ligadas à segurança alimentar mais uma vez nas ações estruturais de comunicação que estão previstas dentro do projeto a comunicação é obviamente o principal método para garantir a sustentabilidade de qualquer projeto ou programa 210 de segurança alimentar. Não podemos pensar em chegar a um país ou a um contexto problemático com problemas de segurança alimentar, trazer alimentos e ir embora sem ter um programa de comunicação, porque no momento, na hora que o pessoal das organizações internacionais forem embora, a população fica no mesmo problema. Então não garante. A não-comunicação assegura a não-sustentabilidade dos processos. Um exemplo claro que eu posso contar aqui é o caso da Guatemala, onde eu estive também a trabalhar em programa de segurança alimentar. Ficava muito claro que as pessoas comeram bem durante o processo que estava a fomentar o projeto, mas depois tivemos que reorientar algumas ações para educar a população, por exemplo, ao uso de boas práticas higiênicas. Porque o problema não era só o pessoal utilizarem comida infectada ou em mau estado, mas era o problema que eles não se lavavam as mãos. Então isso também entra, faz parte da comunicação, de uma estratégia pedagógica de capacitação, de formação, de sensibilização que é imprescindível. E a partir dali também eles começaram a entender. E isso já, num âmbito muito mais amplo, que não era só a questão de se lavar as mãos era também uma questão de ter acesso aos centros de saúde, por exemplo, onde fossem tratados os casos de insegurança alimentar sobretudo nas crianças. Aquilo já começa a despertar a consciência de que o centro de saúde é um direito, o acesso à saúde é um direito que também tem que ser reivindicado e isso contribui também à construção mais uma vez da cidadania. Acho que é tudo. CLARA: Ok. Muito Obrigada. 211 APÊNDICE H – Entrevista com Benedito Quessongo CLARA PUGNALONI: Complementando o ponto dezesseis. BENEDITO QUESSONGO: A comunicação para o desenvolvimento ainda vai contribuir para, de fato, aumentar se aquilo que são as alternativas de proteção alimentar, no caso também pode introduzir elementos novos na comunidade como a tração animal. Que não vai só puxar o arado, mas também vai produzir estrume natural. Vai também contribuir para, enfim, que essas comunidades assegurem as terras que estão a sua disposição. Produzindo nelas através de novos sistemas, de novas tecnologias locais, como no caso a introdução da charrua, a introdução do gado. Enfim, tudo isto vai concorrer para que de fato a comunidade tenha alimento suficiente, que só com alimento é poderá avançar para outras ações como a educação e ter uma boa saúde e, enfim, mais alegria na comunidade, para que de fato a comunidade possa ser comunidade como tal. CLARA: Está bem. Obrigada. BENEDITO QUESSONGO 11/2009 Organização Cristã de apoio aos Desenvolvimento Comunitário (OCADEC) Técnico Agrônomo – Diretor Origem organização: Angola CLARA PUGNALONI: Benedito, para a gente começar. Dados referentes à restada. Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária e desenvolvimento realizadas por sua organização? BENEDITO QUESSONGO: A nossa organização está a intervir em uma comunidade, é uma comunidade (...). Esta comunidade está distribuída nas províncias da Huíla, Cunene e Cuando Cubango e uma parte do Moxico. Foi feito uma intervenção, a intervenção ter como base a distribuição de alimentos básicos e utensílios agrícolas assim como outros apetrechos para a vida das pessoas, para reiniciarem, já que durante muito tempo esses grupos perderam todos os seus haveres durante a guerra, tanto que o país conheceu, durante muitos anos. Então esses apetrechos é que foram distribuídos para que eles pudessem recomeçar a vida. CLARA: Dois. Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados. BENEDITO: Há dificuldades, sim. Porque as comunidades estão em áreas de difícil acesso. As deslocações para as áreas que elas vivem constituem dificuldades. E para além de que as comunidades estão bastante dispersas, vivem em grupos pequenos e é difícil juntá-los para poderem receber as ajudas. Tanto por vezes era necessário esperar um dia, dois dias para que as comunidades fossem comunicadas e pudessem vir ao local onde iriam receber os benefícios. Tanto isto constitui de fato dificuldade, a localização e o acesso às áreas onde eles vivem, isto constitui grande dificuldade para o desenvolvimento da atividade humanitária que levamos a cabo. 212 CLARA: Ok. Ponto três. Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados nos últimos dois anos? BENEDITO: A receptividade foi ótima, foi ótima porque as comunidades estavam numa posição de carência, numa posição de necessidade real. Portanto, estavam carentes de tudo e precisavam de ajuda, precisavam de apetrechos, precisavam de alimentos, de vestuário, enfim, de todos os apetrechos que o projeto colocou à disposição. Aliás, antes de se fazer a distribuição, primeiro foi feito um pequeno diagnóstico para saber realmente o que as comunidades precisavam e foi aí onde se determinou aquilo que foi distribuído. Portanto, quando nós trouxemos os produtos que a comunidade pediu, a comunidade ficou bastante satisfeita e recebeu-nos com muito calor, com muito carinho, porque estavam a ver que nós estávamos de fato a responder a sua necessidade e ao compromisso que havíamos assumido na altura do diagnóstico. CLARA: Agora o ponto dois. Dados referentes à importância atribuída à comunicação. Ponto quatro. Existe relevância na divulgação do doador? BENEDITO: Existe, existe, porque nós somos uma organização não produtora de recursos. Nós vamos buscar os recursos a doadores e normalmente quando nós fazemos a distribuição nós informamos aos beneficiários de onde vêm as doações. Portanto eles também ficam a conhecer realmente quem são os doadores que estão a patrocinar, que estão a doar os produtos em questão. Tanto que eles ficam também curiosos de saber e isto é importante para os beneficiários. CLARA: Ponto cinco. Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação. BENEDITO: É importante. É importante para os doadores tanto, os doadores colocam uma importância, uma importância relevante quando a comunicação, porque a comunicação também revela transparência, a comunicação revela uma interação muito forte entre a organização, com os beneficiários e as autoridades locais e o governo. Enfim, há toda essa interação de saber o que está a se fazer, porque está a se fazer, quando é que está a se fazer. Portanto há esta interação de comunicação entre os vários atores. E isto é bom, é bom. E os doadores atribuem de fato uma grande importância a esse tipo de comunicação. CLARA: Ponto seis. Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso da comunicação? BENEDITO: Existe, sim. Existe porque a comunicação é bastante cara. Tanto organização como as nossas, temos às vezes algumas dificuldades de encontrar recursos, recursos para poder fazer uma comunicação efetiva, uma comunicação bastante ativa. Com essa falta de recursos para poder, por exemplo, desenhar constantemente as bandas desenhadas, para podermos passar os panfletos. Panfletos são bastante caros, tato que há esta, deveria haver, há esta possibilidade, mas há limitações também para nós podermos passar esta comunicação junto às comunidades. Mas que de fato há a possibilidade, há. Mas há estas barreiras, barreiras financeiras, problemas de transportação, de fazer chegar essa comunicação junto dos beneficiários. 213 CLARA: Com relação ao ponto 3. Dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. Ponto sete. Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual motivo? Se sim, qual o percentual dos recursos que foi investido em comunicação? BENEDITO: Existe de fato uma verba. Uma verba destinada à comunicação nos nossos projetos, mas é uma verba pequena, muito pequena. Mais ou menos, podemos avaliar em 3, 4% dos projetos, não mais que isso. E não é suficiente para podermos fazer uma comunicação mais efetiva, uma comunicação mais atuante. Existe, mas em porcentagem pequena. CLARA: Ponto oito. Houve planejamento de comunicação estratégica para os projetos realizados? BENEDITO: Houve sim. Houve uma planificação estratégica nesse sentido, porque sempre achamos que a comunicação era importante também para criar visibilidade naquilo que nós fomos produzindo, naquilo que nós fomos trabalhando ao longo de um determinado período. Portanto houve sempre uma planificação, uma planificação destinada à comunicação. Tanto e nesta base houve várias informações que foram passadas as informações. Os próprios relatórios também constituem um elemento de comunicação, as fotografias, as bandas desenhadas, a exposição fotográfica das atividades desenvolvidas. Tudo isto foi envolvido e é planificado mesmo antes de realizar o projeto. Depois do projeto então fazemos a apresentação de resultados com base nessas ferramentas. CLARA: O ponto nove. Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual é a mais frequente? BENEDITO: A princípio não tem sido, o uso não tem sido muito comum, no princípio, fazer esta divulgação. Mas deveria ser relevante logo no início fazer esta divulgação de algum material de divulgação, no caso, por exemplo, banda desenhada sobre o acesso à terra, sobre a divulgação da lei de terra. Isto deveria ser colocado antes, mesmo antes ou ao longo do projeto. Quando é colocado depois do projeto cria também alguma barreira ou algum desinteresse por parte de quem vai consumir esse material. Mas se for no princípio ou ao longo do percurso cria sempre curiosidade de consulta, cria sempre motivação para ir buscar mais uma informação, algo que não se percebeu bem, pode ajudar a perceber melhor uma determinada matéria. Há motivos para fazer perguntas a especialistas que aparecem em vários momentos de comunicação, como seminários, como palestras. Enfim, esses momentos que são importantes para a divulgação, mas que se as pessoas têm material em mãos fica mais fácil fazer a consulta e fica mais fácil fazer as perguntas e tirar as dúvidas a especialistas que aparecem nessas formações. CLARA: Ponto dez. Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados? BENEDITO: Houve sim. Houve sim, porque nós temos estado a fazer uma divulgação ao nível, estamos a passar, estamos a replicar esta divulgação inclusive nas províncias do Cunene e do Cuando Cubango. Portanto todo o trabalho que foi feito aqui na Huíla estamos a divulgar no Cuando Cubango, estamos a divulgar no 214 Cunene através de exposição fotográfica, através de vídeos, tanto apresentamos vídeos nas comunidades. Fizemos todo um pacote de informação de todos os trabalhos que foram desenvolvidos ao longo do tempo e as comunidades de fato ficam animadas, ficam motivadas e ficam com coragem de continuarem a fazerem parte do projeto, a participarem. Porque eles vêm nos filmes, vêm nas fotografias melhorias. Pessoas que estiveram numa posição social, numa posição política, numa posição em que tinham dificuldade em exercerem o exercício de cidadania, porque não tinham uma identidade, mas hoje tem. Então isto é motivo de divulgação, temos que ter a divulgação. CLARA: O ponto onze. Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes? BENEDITO: Existe. Existe, sim. Existem várias limitações. Uma das limitações é a língua. Portanto o nosso grupo alvo, especificamente, é um grupo que fala, sobretudo Kung, e nenhum membro da equipe fala Kung. Temos estado a trabalhar com ativistas da Namíbia que passam de Kung para o Africaans e depois do Africaans para o inglês. Então esse processo faz que naturalmente perca-se alguma originalidade da comunicação original do beneficiário. Portanto este é um aspecto e há outros aspectos ligados a problemas relacionados com a própria vivência, a própria vivência que a comunidade teve. Problema de discriminação, problema de exclusão faz com eles não digam tanto, não divulguem com muita naturalidade, não divulguem com muita profundidade os seus problemas reais. Portanto, temendo por vezes de represálias, de intimidações, enfim. Por isso é que nós temos tentado trabalhar com pessoas que são da comunidade, que falam a língua para irem buscar informações mais profundas possíveis. E isso só se consegue a esse nível, porque em outro nível, se for só pessoas estranhas, pessoas vindas de organizações, pessoas vindas de governos a irem fazer as perguntas, a ir fazer diagnósticos dificilmente eles dizem de fato aquilo que eles sentem, aquilo que eles vivem. Temos que ir buscar sempre pessoas da própria comunidade para conversar com seus, na sua própria língua, aí sim conseguimos ir encontrar a verdadeira informação. Mas há também dificuldade de logística para ir buscar ativistas na Namíbia, são custos, são problemas migratórios, enfim, são várias dificuldades. E isto cria de fato também algum constrangimento, algumas limitações no trabalho. CLARA: Agora o ponto quatro. Dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. Número doze. Existe necessidade de introduzir ações de comunicação para o desenvolvimento nos projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por quê? BENEDITO: Pensamos que sim. Penso que sim. Existe necessidade de produzir mais elementos ligados à comunicação. A metodologia na nossa experiência foi a divulgação de fotografias, o vídeo, o documentário. Tanto estes têm, na nossa experiência, foram os que nós mais usamos e que temos resultados. Tanto usamos a fotografia, usamos o vídeo, usamos o documentário e acho que ajudou de alguma maneira para nós ouvirmos aquilo que é o sentimento, aquilo que são os valores das pessoas e podermos trabalhar com base nesses valores e podermos trabalhar com base naquilo que de fato é o que a comunidade persegue. Em termos de valores, em termos de dignidade, em termos de dignificação da cultura, então são esses elementos que nós usamos na nossa experiência. 215 CLARA: E o ponto treze. Que resultados são esperados nessas ações? BENEDITO: Os resultados são aqueles em que a comunidade ganha alguma autoestima. Existe a autoestima, a comunidade hoje sente que alguém realmente se preocupa com eles, que o governo sabe da existência deles. Há também o exercício da cidadania, porque há membros da comunidade que hoje tem bilhete de identidade, tanto isto é motivo de orgulho por parte deles porque podem exercer o exercício de cidadania. Há também a inclusão de alguns membros da comunidade na estrutura, na estrutura tradicional de liderança do governo. Tanto para pessoas que servem de elo de ligação entre o governo e outros atores com a própria comunidade. Tanto estes tenham pequenos subsídios, hoje o tenham, tenham esses pequenos subsídios, participam em reuniões de decisão a nível comunitário, tem a possibilidade de entrar em contato com as autoridades na administração local. Então estes são os ganhos, são os resultados visíveis, são os resultados que estão já a ser vividos mesmo na própria comunidade. Então há uma série de ganhos, para além das infraestruturas sociais que a comunidade está ganhando fruto da própria advocacia. Então o governo está respondendo com ações concretas. Em duas comunidades, por exemplo, as comunidades ganharam duas escolas, ganharam dois postos de saúde, ganharam pontos de abastecimento de água potável. São ganhos resultantes de um processo de intervenção que já dura mais de sete anos. Tanto que estes são os resultados palpáveis que nós temos hoje. CLARA: Agora sobre o item cinco. Dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos direitos humanos. Dados sobre a contribuição da comunicação para a garantia da segurança alimentar. Ponto quinze. Como pode contribuir a comunicação para o desenvolvimento, para a percepção do direito à cidadania em sociedades pós-conflito? BENEDITO: Acho que a contribuição que a comunicação pode dar para o desenvolvimento, sobretudo nos nossos países, são países que durante muito tempo envolveram-se em guerras civis. Neste processo de guerra, nestas guerras perdeu-se muitos valores, perdeu-se a cidadania. Portanto é preciso que haja de fato essa comunicação. É preciso que se divulgue a própria lei, a própria constituição do país. É preciso que se divulgue os direitos dos cidadãos. É preciso que se divulguem os direitos, todos os direitos, direitos civis, direitos políticos, direito à associação, enfim todos esses direitos devem ser comunicados, devem ser informados às pessoas para as pessoas saberem que de fato isso pode fazer. Porque durante o período de conflito esses direitos estavam privados, tanto não havia o direito à associação, não havia o direito à cidadania, havia brutalidade por todo o lado. Mas hoje no pós-conflito já há motivo de continuar a informar às pessoas que elas podem associar-se, pequenas associações para defender os seus direitos, os seus direitos de terra, os seus direitos de uso de recursos naturais, enfim, a própria caça e no caso são comunidades de caçadores e coletores, vivem na orla dos parques nacionais. Porque não receberem parte daquilo que os parques cobram de imposto, por parte de turistas, enfim as pessoas que vão para ali. Porque não estarem também integrados nos trabalhos ligados à própria proteção do meio ambiente, a proteção dos parques. Porque não fazerem parte de fiscais de parque e terem direito a salários para poderem também se beneficiarem daquilo que são recursos naturais que eles também têm o direito de usufruir. Portanto tudo isso 216 passa por uma comunicação efetiva. Passa por uma comunicação objetiva para que as pessoas saibam dos seus direitos e a partir daí poderem reclamar junto ao governo e junto às autoridades locais. Mas também possam conhecer os seus deveres em sociedade, o que eles devem fazer para com as outras comunidades, o que eles não devem fazer em relação à proteção do meio ambiente. Portanto todos esses elementos devem ser associados para que possamos de fato ter uma sociedade harmoniosa, uma sociedade em que há equilíbrio dos recursos, há a divisão correta dos recursos à disposição de todos. CLARA: Último ponto, dezesseis. Poderá a comunicação para o desenvolvimento contribuir para a consolidação da segurança alimentar em sociedades pós-conflito? Se sim, de que forma? BENEDITO: Acredito que sim, acredito que a consolidação, tanto a comunicação podem de alguma maneira contribuir para a consolidação da segurança alimentar. Porque ao falar da segurança alimentar no grupo alvo que nós estamos a falar, estamos a falar da segurança de terra, estamos a falar da segurança de que as pessoas devem usufruir dos recursos naturais disponíveis. Recursos como as florestas, a caça existente, os rios existentes, enfim, todos esses recursos, portanto devem beneficiar a comunidade. Se a comunidade tiver toda essa informação, tiver todos esses elementos a sua disposição naturalmente vai garantir a sua segurança alimentar, vai garantir a terra, vai garantir a produção alimentar, vai garantir a produção daquilo que são as suas atividades seculares como, no caso, o artesanato – que sempre deu-lhes alguma renda - vai garantir-lhe a apicultura, por exemplo, que também é uma atividade importante para esta comunidade e isto vai garantir de alguma segurança alimentar. No sentido de, produz, pode produzir o seu próprio alimento, mas também pode fazer recursos, também pode fazer riquezas. E com estas riquezas ele pode ir buscar outros elementos essenciais a sua sobrevivência. Pode, agora que estas comunidades estão aproximadas às escolas, as crianças estão indo à escola, é necessário que as crianças tenham alimento suficiente para poder ter força, capacidade de ir na escola. É preciso que os pais tenham renda, tenham riquezas para que comprem os apetrechos necessários para que as crianças vão à escola, como as batas, os materiais didáticos, livros, cadernos, lapiseira, enfim tudo isso é necessário que a família tenha dinheiro, para que a família possa comprar esses elementos e dar aos seus próprios filhos. Portanto é aí que o exercício da cidadania tem a ver com a segurança alimentar. Se as pessoas não são cidadãos dificilmente vão poder reclamar aquilo que é direito. Logo, a própria identidade da pessoa, o trabalho de um homem, a criação de lideranças, a criação de grupos de mulheres que vão trabalhar em vários aspectos. Enfim, tudo isso vai contribuir para que a comunidade tenha o alimento suficiente para consumir e parte para vender e poder produzir renda e poder sobreviver e poder mandar as crianças à escola. Só assim que se poderá ter comunidades (...), comunidades com vida, comunidades com futuro. CLARA: Está ótimo Benedito, muito obrigada. 217 Entrevista realizada no Brasil APÊNDICE I - Entrevista com Marianna Bicchieri - 14/3/2010 FAO – Advogada - Coordenadora Projeto Terra Angola Origem : Itália CLARA: Dados referentes à ajuda prestada. Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária/desenvolvimento realizadas por sua organização? MARIANNA: A FAO/Projeto Terra buscou o desenvolvimento rural. CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados? MARIANNA: Sim, existe uma série de dificuldades recorrentes nos projetos. CLARA: Como por exemplo? MARIANNA: A dificuldade de envolver os parceiros governamentais nas atividades que estão sendo realizadas. Também a dificuldade de comunicação, dificuldades logísticas. Estas são as principais. CLARA: Quais seriam as dificuldades de comunicação? MARIANNA: Existiu ao longo do processo uma dificuldade muito grande de se usar meios de comunicação para potencializar as atividades do projeto. CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados nos últimos dois anos? MARIANNA: Os beneficiários indiretos do projeto, que eram as comunidades que acabavam sendo beneficiadas pelas atividades – essas tinham uma alta receptividade. Depois, do lado de nossos parceiros institucionais, das instituições do governo, esses a receptividade nem sempre era tão boa, por questão de interesses. Dados referentes à importância atribuída à comunicação CLARA: Existe relevância na divulgação do doador? MARIANNA: Sim. É muito grande a relevância na divulgação do doador. CLARA: Porque motivo? MARIANNA: Bem, os doadores sempre pedem, pediam, aos projetos que sempre usassem os logotipos de modo a demonstrar que aquele projeto tinha sido viabilizado graças à doação. CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação? MARIANNA: É uma importância muito grande. 218 CLARA: Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso da comunicação? MARIANNA: Com certeza. Com certeza a comunicação é uma ferramenta preciosa para envolver os atores nas atividades do projeto, para criar consciência, para divulgar o que o projeto está fazendo. Isto é muito importante. Não é tão somente a questão que mais vêem os doadores, que é a do Marketing.Também tem a questão muito importante, da utilização da comunicação para buscar melhor resultado. E isto se consegue através de ações de comunicação, não é? Através de teatro se envolve os beneficiários. Panfletos, revistas, revista em quadrinhos. Isto tudo são coisas que se produz. São instrumentos de comunicação que se produz e que potencializam muito o resultado do projeto. Dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. CLARA: Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? MARIANNA: Sim, olha eu não saberia apontar exatamente o percentual dentro do budget do projeto, isto eu não saberia apontar exatamente. Mas havia, sim. CLARA: Houve planeamento de comunicação estratégica para os projetos realizados? MARIANNA: Sim, houve. CLARA: Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual é mais freqüente? MARIANNA: Sim, quando é iniciado o projeto o mais importante é divulgar mesmo o projeto. Os objetivos do projeto para aquelas pessoas que serão beneficiadas por ele, e, também, àqueles que terão que participar, que terão que trabalhar como parceiros da organização na implementação. Então, é muito importante apresentações para que as pessoas saibam que existe aquele projeto, o que ele fará e, também, divulgar a participação esperada dos parceiros. CLARA: Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados MARIANNA: Sim. Sim e não. Aos beneficiários…Para a contraparte na implementação do projeto houve divulgação. Aos beneficiários, nem sempre. Infelizmente, nem sempre os beneficiários tiveram a informação quanto aos resultados quando estes foram alcançados mais em longo prazo. CLARA:Poderia explicar a contraparte? MARIANNA: A contraparte, no caso das Organizações da Nações Unidas, vem a ser as instituições do governo com as quais o projeto está trabalhando. 219 CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes? MARIANNA: Sim, existem. Existem limitações recorrentes: a dificuldade de implementar os planos de trabalho em comunicação e, também, às vezes, a pouca importância que é dada à comunicação. Porque as pessoas, às vezes, imaginam, pensam, enganadamente, que a comunicação é apenas fazer propaganda do que o projeto está fazendo. E não é isto. A comunicação não pode ser apenas um press release depois de um evento. Tem que ser contínua e não apenas aquele press release, mas também se apropriar de outros instrumentos. E a dificuldade recorrente tem sido fazer com que as pessoas entendam esta diferença entre propaganda e a comunicação. Essa mesmo como um instrumento de desenvolvimento. VI Dados relativos à Comunicação para o Desenvolvimento 12CLARA: Existe necessidade de introduzir ações de CpD nos projetos? MARIANNA: Sim. É importante introduzir ações de Comunicação para o Desenvolvimento nos projetos. E, bom, metodologias haverá muitas. O que eu acredito que seja importante é, desde o início, se fazer um plano de comunicação estratégica, preparar-se um marco lógico que seja um guia de atividades, das atividades de comunicação a serem realizadas para que se siga ao longo do projeto. 13 CLARA: Que resultados são esperados nestas ações? MARIANNA: O resultado esperado nestas ações é o maior envolvimento de todos aqueles que são afetados pelo projeto. CLARA: De que forma a CpD pode aumentar este engajamento? MARIANNA: A partir do momento em que as pessoas conhecem o projeto de uma forma mais interativa, na apenas como aquele documento de muitas páginas que muitas vezes é difícil de entender. A partir do momento em que eles entendem o que aquele projeto tem que fazer, quer fazer, qual o objetivo daquele projeto e qual a parte delas nisso; de uma forma interativa e dinâmica, elas estará muito mais interessadas em participar. E, neste momento, quanto maior o número de atores envolvidos e interessados em contribuir para que as coisas funcionem, muito maior a chance de êxito do projeto. CLARA: Quais as limitações às ações de CPD nos projetos implementados? MARIANNA: È mais ou menos a mesma resposta com relação à pergunta 11, não é? Seria mais ou menos na mesma linha. A dificuldade é, muitas vezes, que as pessoas entendam que a comunicação não é só aquela propaganda, mas é mais do que isto. E eu vejo como também o mesmo problema na comunicação em si. É as pessoas entenderem o que é comunicação, que não é só mesmo a propaganda. V Dados sobre a Comunicação para a difusão dos Direitos Humanos e Segurança Alimentar 220 16 CLARA: Como pode contribuir a CpD para a percepção do direito à cidadania em sociedades-pós conflito? MARIANNA: É uma peça fundamental para divulgar o que é a cidadania e o direito à cidadania. Porque as sociedades pós-conflito emergem de um período em que a cidadania, direitos, todos são conceitos esquecidos. E a melhor forma de se divulgar mesmo é utilizar a comunicação. Divulgar quais serão os direitos. CLARA: Poderá a Comunicação para o Desenvolvimento contribuir para a consolidação da Segurança Alimentar em sociedades pós-conflito? De que forma? MARIANNA: Sim, com certeza. Através de instrumentos que sirvam para passar a mensagem de segurança alimentar. Enfim, por meio de ações que potencializem os projetos que visam reforçar a segurança alimentar, a comunicação pode, mais uma vez, ser um bom instrumento. CLARA: Existe dificuldade em implementar ações de Comunicação para o Desenvolvimento em sociedades pós-conflito? MARIANNA: Acredito que isto é um problema que pode acontecer, hipoteticamente, pode acontecer, porque muitas vezes os governos vêem a comunicação como uma ameaça. CLARA: Especificamente e não hipotéticamente, no caso do Projeto Terra existiu essa dificuldade? MARIANNA: Não, não houve nenhum problema no caso específico do Projeto Terra Se fez muita divulgação da Lei de Terra, mas isto não foi um problema para as instituições do governo. Então não houve dificuldade. 221 Entrevistas realizadas na Itália APÊNDICE J - Entrevista com Paolo Groppo: 25/09/2009 Engenheiro Agrônomo – Chefe do SSDA Origem organização: Itália CLARA, FAO, Paolo Groppo. Descrição da atividade de ajuda realizada pelo seu departamento? PAOLO GROPPO: Mais ou menos são como 10 anos que a nossa unidade de terra e água tem começado a se relacionar com o tema das emergências a partir de casos de pós-conflito. Particularmente, o caso de Angola, no começo, depois Sudão, Etiópia e também no Tadjiquistão e faz pouco tempo também, no caso do tsunami lá na Indonésia. Essencialmente no que diz respeito o problema de acesso, o uso e gestão dos recursos naturais, terra em particular, em situação de pós-conflito. CLARA: E quanto tempo de atuação nessa atividade? PAOLO: De fato, são, no nosso caso, são as atividades que historicamente pertencem mais à FAO dita normativa, que são atividades que não entram normalmente no bloco de emergência, porque não são. Não é possível ter uma resposta rápida em torno desses problemas. Assim que, cada vez que temos começado a trabalhar com o pessoal de emergência, se fosse depender de nossa vontade, são intervenções de muitos anos e até décadas, de fato. CLARA: Quanto à ajuda prestada, qual o escopo das ações desenvolvidas pelo departamento? PAOLO: Bom, para o nosso lado, eu diria que a agenda é muito clara no que diz respeito a levantar a questão dos direitos e deveres também, que tem todo o cidadão de um país em torno dos recursos naturais que pertencem ao espaço público. Em particular, o ponto chave sempre foi de, eu diria, a linha mestra de fazer conhecer aos governos que as comunidades locais, mesmo lá onde não existem cadastros ou títulos efetivos registrados de terra, pelo feito mesmo de ela estar sediada lá desde séculos, eles têm direitos. Direitos de vários tipos, não necessariamente direito completo, pleno, de propriedade e que o reconhecimento desses direitos é a base para a construção de qualquer hipótese de recuperação de um conflito ou de um desastre natural. CLARA: Quais são normalmente os beneficiários-alvos? PAOLO: Bom, de mais geral, trabalhamos com comunidades inteiras, não porque tenhamos algum problema em trabalhar com indivíduos, mas a idéia é de ter uma massa crítica que possa assegurar uma visibilidade maior a um custo mais reduzido, sendo as operações custosas, em termos de tempo, de recursos humanos e de meio financeiro. Trabalhar com grupos grandes, a comunidade inteira, reduz o custo individual. Depois de anos, à medida que conseguimos levantar ou criar o interesse, ou maior sensibilidade em torno do tema, começamos a trabalhar dentro das comunidades com problemas individuais e em particular, com o grupo desfavorecido, como pode ser o caso de grupos indígenas ou com mulheres. Sendo 222 que nas comunidades, de fato são, como qualquer outra comunidade humana, vamos dizer, contendo em seu interior, pessoas e grupos com direitos distintos. Tem toda uma simetria de poder que é a mesma que temos na sociedade fora das comunidades, se repete dentro, o que significa a necessidade de ir a trabalhar também esse espaço dos grupos desfavorecidos. CLARA: Com relação aos projetos que foram implementados nos últimos dois anos, qual o percentual de resultados esperados que foram atingidos? PAOLO: Eu diria que pela magnitude dos problemas, pelos escassos recursos também financeiros e humanos que temos. Não são muitos em termos de números, assim que eu poderia dizer que temos um caso particularmente representativo nessa ação, muito positiva e por outro lado, um caso, vamos dizer três hipóteses. Vamos dizer, uma situação muito positiva e uma situação negativa nos últimos dois anos e uma situação interessante, intermédia, que ficou aí no meio. Caso negativo, é um caso particularmente delicado, que é a situação do Sudão, onde temos começado toda a operação no norte e no sul juntos, dentro do quadro da operação de emergência. E depois de ter conseguido uma primeira abertura por parte dos dois governos em torno da questão da governança das terras, de fato foram fechadas as portas e hoje em dia a nossa sensação é que a situação vai piorando com o aumento da situação de conflitos no país. A situação intermédio, no caso de nosso trabalho, que fizemos na Etiópia, um país difícil com um governo que é considerado sempre meio complicado para trabalhar, mas de fato é uma região perdida no sudoeste do país, na região que é originária do café. Foi possível fazer uma intervenção com todos, vamos dizer, os elementos básicos de um trabalho de emergência desse tipo. Criação de capacidades locais, registro de títulos, reforço do direito das mulheres. E apesar do bom trabalho feito, não conseguimos doador para dar continuidade. O último, o caso mais interessante, é o caso de Angola, que os resultados são hoje em dia, espetacular, no sentido de, comparado com o ponto de partida, que não é dois anos atrás, são dez anos. Mas nos últimos dois anos foi uma aceleração muito forte, particularmente no último ano, o que me faz pensar que uma medição hoje dos resultados que estão escritos no projeto, com a sua quantificação real, estamos provavelmente quase acima dos 100%. CLARA: E o que diferencia um de outro, dos três projetos citados, para que resultados tão diferentes sejam atingidos? PAOLO: De certa forma, mexer com terra e recursos naturais significa mexer com poder e não é evidente você conseguir encontrar governos e doadores que entendam a sensibilidade, a importância estratégica de mexer com esse tema. Assim, que de certa forma poderemos dizer que é um pouco sorte. No caso de Angola, tivemos sorte de encontrar no momento mais complicado, doadores que acompanharam e permitiram a continuação desse trabalho, que é um trabalho essencialmente de criação de confiança com as entidades locais, tanto do governo como com as ONG‟s, sociedade civil e, sobretudo, com as comunidades locais, que voltam depois da guerra e que foi possível essa construção pelos dois lados. No caso de Etiópia foi possível essa construção dentro do governo e com as comunidades locais, não foi possível com os doadores, que hoje em dia, naquele caso, não está muito interessado em acompanhar esse tipo de intervenções e preferem fazer outra coisa, que assegura mais visibilidade. No caso do Sudão, que é 223 o caso mais complicado, de fato, tem uma resistência interna, nos dois governos, do norte, quer dizer, no governo nacional e no governo do Sul do Sudão. De certa forma, temos que ter a paciência, porque sabemos que foi uma semente, foi colocada lá com, eu diria, com a certeza que um dia vamos conseguir voltar. Mas tem um componente de sorte, não é suficiente ter uma boa capacidade técnica, uma boa equipe. Precisa encontrar por outro lado, perante de você, alguém que tenha a capacidade de ouvir a mensagem. CLARA: Existe alguma dificuldade nos projetos que seja recorrente? PAOLO: Sim, sim, sim, esse problema pelos três lados, de dentro da FAO, dentro dos governos, com os doadores, de entender, número um: quanto estratégico é o assunto da segurança de direitos em torno dos recursos naturais, terra, água, etc. Segundo, que são intervenções que precisam tempo e que dificilmente batem com o problema de visibilidade dos doadores, que precisam para seu público, resultados em um, dois anos. Quando aqui estamos falando de criação de uma confiança, que precisam anos, sendo relações humanas. E terceiro, com o governo, o problema eterno de tirar o medo de abrir a caixa preta do assunto terra. CLARA: Com relação à receptividade dos atores beneficiados nos projetos implantados nos últimos dois anos, foi positivo ou teve algum entrave? PAOLO: Se estamos pensando realmente em particular, nas comunidades que foram direta ou indiretamente beneficiadas pelo projeto, quero dizer, aquelas que graças às nossas intervenções conseguiram ter seus direitos reconhecidos. E aquelas outras comunidades perto das comunidades principais, que tem conseguido conhecer que existem essas possibilidades, eu diria que nosso problema hoje em dia, é que temos uma aceitação que vai muito além da nossa capacidade de atuação. É que nossa forma de intervenção é realmente baseada, mesmo que seja dentro de um ambiente dito de emergência, de fato tivemos a sorte de poder trabalhar com a paciência e o tempo necessário para criar relações humanas de confiança. O que faz que no fim as pessoas, não somente, gostem, fiquem super contentes com o trabalho, mas são os primeiros que depois passam a ser, vamos dizer, multiplicadores dessa proposta. Assim que, no caso de Etiópia temos pedidos, que vêm de todas as províncias para o governo. E das comunidades, com o apoio dos governos locais, a sorte é que nós conseguimos ter o dinheiro. Em Angola também, estamos com o governador da província mais antiga onde estamos trabalhando, em Huíla, fui a falar diretamente com o diretor-geral para cumprimentar pelas ações feitas. Temos as ONG‟s que trabalham com os indígenas, lá com o Koisana, no sul de Angola, que também continua felicitando o trabalho que a FAO fez, pois permitiu abrir uma discussão com resultados concretos em matéria dos direitos dos povos indígenas também. Assim que, eu diria que há uma inversão na questão das relações humanas, de criar a confiança, é fundamental demonstrasse que é uma inversão para sempre. CLARA: Com relação à importância atribuída à comunicação. Qual é a relevância da comunicação para a divulgação do doador? PAOLO: É central, o nosso problema é que no caso do Sudão, por exemplo, começamos a alertar nosso parceiro nesse tema, eu diria tarde, quero dizer, era 224 preciso ter uma estratégia de comunicação a partir do primeiro dia de nossa intervenção. De certa forma, tivemos o mesmo problema na Etiópia, mas já foi um pouco mais estruturada, no sentido de ter pelo menos a possibilidade de produzir material, vídeo, que foi circulado muito dentro da FAO para sensibilizar nossos colegas das emergências, dessa sinergia possível entre nós. E no caso de Angola, eu diria que é o primeiro projeto, em vinte anos que eu trabalho aqui na FAO, o primeiro projeto de uma unidade técnica que tem aberto uma fase crescente para a importância ao tema da comunicação. Eu diria que, hoje em dia, se tivesse que dizer pensando em qualquer novo projeto, diria que 50% do êxito final depende da comunicação. CLARA: Quanto à importância da divulgação dos objetivos e metas pretendidos na ação para a comunidade beneficiada? PAOLO: Bom, no caso nosso, eu diria que a mensagem de comunicação não era nem sequer a esse nível. Era realmente um problema e continua sendo um problema ainda de mais (...) disso, que é o problema de tirar o medo de falar desses temas. Assim que, veja, nossas metas e objetivos são coisas muito concretas. Quantidades de comunidades que vão receber seus títulos, quantos funcionários estarão capacitados em topografia, cartografia, ou seja, mas o ponto, se você chega a uma discussão sobre esses temas, significa que já conseguiu tirar o medo. A realidade é que qualquer intervenção nossa em matéria de recursos naturais, terra em particular, precisa um grande trabalho de sensibilização inicial. CLARA: E qual a importância que pode ser atribuída à divulgação prévia das futuras ações? Não objetivos e metas, ações? PAOLO: Eu diria, se estamos pensando em uma estratégia, que não seja necessariamente apontada a um país só, é mais por ser uma região, por exemplo, América Central, na zona da África do Leste, é fundamental. Ou seja, a preparação do público, no caso nosso é chave. Não é possível de entrar a fazer um trabalho nesses temas, sem ter feito um trabalho prévio de meses, se não mesmo de anos. Um caso típico, estamos começando agora uma intervenção no Haiti, um país que tem um problema dramático ligado a terra. É um típico programa feito no marco emergencial e desde o primeiro dia começamos, desde o primeiro dia que nós fomos associados ao projeto, mesmo antes de começar a por os pés no Haiti, começamos a fazer essa sensibilização através de nosso escritório, de nossos colegas, em torno da necessidade de preparar o terreno para a futura intervenção, sem saber se vamos ter a possibilidade de fazer a intervenção. Ou seja, é um pouco assim, a olho fechado, é fundamental fazer isso antes. CLARA: E quanto à possibilidade de incremento do resultado, pretendido com essa divulgação prévia? PAOLO: Eu diria que essa etapa prévia de sensibilização dos atores, sobretudo os atores políticos, normalmente nem conseguimos começar, assim que a diferença é 100%. 225 CLARA: Agora com relação aos dados relativos à existência de ação de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos? Existe verba destinada a ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? PAOLO: O que existe é por parte de um doador em particular, que está passando a ser um pouco o doador chave da FAO, que é a União Européia, um pedido para ter uma porcentagem, vamos dizer, uma quantia mínima. Não sei se é uma porcentagem fixa, mas pode ser que seja, fixa para ações que ele chamam de comunicação, mas no fundo é de visibilidade. Porque é outra coisa, essencialmente o problema é propaganda de quanto boa é a União Européia com esse tipo de projeto. Assim, que isso de fato é obrigatório, uma verba que tem que ser gasta por isto. A vantagem é que no momento que você começa a introduzir dentro do orçamento uma linha para visibilidade, fica mais fácil depois justificar, de acrescentar aquela linha com outras ações de comunicação. De fato, funciona um pouco como um cavalo de Tróia, mesmo que o objetivo por si seja pouco interessante, mas é oportunidade para. Fora desse caso, a experiência com os outros doadores, com quem estamos negociando projetos, penso Espanha, que está sendo cada dia mais um doador importante, ainda tem pouca sensibilidade. CLARA: Com relação aos projetos nos últimos dois anos, houve planejamento de comunicação estratégica? PAOLO: Não, estamos ainda, na melhor das hipóteses, eu diria, dentro de nossa unidade, na fase de carbonários, como podemos dizer, ou seja, nós temos indivíduos que estão tentando puxar esse tema de baixo para cima, como é o meu caso, mas tem também outra mulher, que trabalha com o tema água e fazendo o mesmo tipo de lobby. Mas à medida que você vai subindo na escala hierárquica, na melhor hipótese chega a ter essa mesma confusão, de comunicação/propaganda, ou na pior, não se entende absolutamente ainda quanto importante seja. Assim, que tem muitas coisas que são feitas, ou que foram feitas, ou que estamos começando a fazer. Por exemplo: todo um programa mundial para sensibilização em torno do que é um patrimônio agrícola mundial, onde de fato não temos estratégia de comunicação nenhuma. CLARA: Com relação agora a dados relativos à comunicação estratégica. Quanto à existência de necessidade de introduzir ações de comunicação nos projetos implementados? Qual a necessidade de introduzir estratégias de comunicação nos projetos implementados? PAOLO: Bom, é, desde o meu ponto de vista, ou essa organização entende que é fundamental por um conjunto de razões, ou fechamos, ponto. No sentido que tem, comunicação cinicamente dirigida a conseguir mais dinheiro, assim que é pensada para os doadores. Tem uma comunicação de outro tipo que é uma ferramenta para reforçar as capacidades dos atores mais débeis, para eles terem capacidade de negociar seus direitos. Tem um outro tipo de comunicação necessária para puxar um pouco de maior integração dentro mesmo da casa. São formas e objetivos distintos, o que não significa que seja a mesma pessoa que possa fazer tudo, mas são um mais fundamental que outro. Hoje em dia tem organizações que são capazes de se vender, porque tem boa capacidade de marketing e não tem conteúdo, no nosso tema mesmo. Assim, que nós estamos enfrentando cada dia 226 mais na competição por parte de uma agência, Nações Unidas, que não tem capacidade técnica no tema nosso, terra e dentro, em particular, do tema emergencial, mas que tem uma capacidade de organizar eventos, fazer coisas, muito mais rápida. E o dinheiro vai com ele depois. CLARA: No caso então, dessa necessidade de ações de comunicação, qual seria a metodologia a ser aplicada, mais eficiente? PAOLO: Não sendo um especialista do tema, eu sei que existe experiência pelo menos, desde 20 anos aqui dentro de FAO tenho entendido que o meu conhecimento vai mais para um trabalho de comunicação de base para apoiar o empoderamento dos atores, que é uma parte do trabalho. Mas acho eu, que hoje em dia não é suficiente, ou seja, teria que se pensar realmente em estratégia, em metodologia diferenciada, dependendo de um grupo meta. Hoje em dia o nosso problema é, quando eu falo de uma comunicação para empoderar o mais débil. Mais ou menos são as experiências que a FAO pode fazer. Mas isso não te assegura visibilidade do que você está fazendo no nível político dentro do país, ainda menos no que diz respeito aos doadores. Assim que, é preciso ter alguém, eu diria provavelmente, duas ou três figuras, metodologicamente bem claras a esse respeito. Um mais voltado para campo e um mais voltado, vamos dizer, para evento de marketing financeiro e político. CLARA: Com relação aos projetos de comunicação implementados nos últimos dois anos, qual seria o percentual de recursos financeiros que foi investido? PAOLO: Acho que estamos falando num dos poucos casos onde tivemos verba, provavelmente 5%, não mais que isso. CLARA: E o que determina a existência ou não de verba, a partir dessa colocação, “dos poucos casos que tivemos verba”? PAOLO: Por um lado, de cima para baixo, não tem nenhum esforço cooperate da organização para puxar esse tema. Assim que, devido que vivemos em um mundo de competição contínua, se ninguém está puxando um tema, ele fica necessariamente marginalizado. De abaixo, a unidade de comunicação da FAO reduziu-se muito nos últimos anos, o que faz com que tenha uma, duas pessoas que estão puxando isso, que significa que dentro do nosso horizonte, isso é muito pouco. E globalmente, apesar de que todos vivemos em um mundo onde o tema é comunicação, é chave, aparentemente, a pessoa passa a porta, entra aqui dentro, dá a impressão que esquece disso. Assim que, de fato, o que precisaria ser feito é tanto uma sensibilização num nível mais alto. Que estamos tentando fazer com nossos projetos. Cada vez que temos oportunidade de vender o trabalho de campo ao nosso chefe, diretor, chefe de departamento, até diretor-geral, tentamos fazer. Que não é somente para fazer reconhecer que nós somos capazes, mas também para dizer para ele: olha, você precisa uma estratégia de comunicação séria, pensadas antes e não uma estratégia por temas. Agora, o meu é um quadro um pouco preto. Mas tem coisa que está sendo feita, mais para o lado da tecnologia, assim que, tem o poadcast, por exemplo, tem acesso a um media team que vai preparando notícia na web Page, que tem a ver com atualizações diárias, se não, 227 mais de uma vez por dia. Mas ainda dá a impressão geral que fora do que é o efeito assim, show, que não tem uma verdadeira estratégia. CLARA: Quais foram os beneficiários-alvos das ações de comunicação que foram implementados nesses últimos dois anos, junto com os projetos? PAOLO: Bom, no caso nosso foi tanto doadores, quer dizer, os três blocos: governo, doadores e instituições locais, tanto do governo como ONG‟s, como comunidades locais. O governo para fazer entender o que estamos fazendo para tirar esse medo dele de mexer com o tema recursos naturais, terra, água. O doador, para ir procurar mais dinheiro e com as comunidades, para fazer entender mais nos detalhes, concretamente, o que significa esse trabalho de reconhecimento do direito. De maneira que ele possa ter vontade de falar com o seu primo, que mora em outra província, outro país para dizer: olha, tem alguém lá que poderia nos ajudar a fazer esse tipo de trabalho. Assim que estamos sempre pensando em mensagens distintas. Porque para um ministro você tem que ter, vamos dizer, um discurso aí de cinco minutos, para uma comunidade você pode ter um tempo aí, meia hora, uma hora para falar. Assim que, é um pouco, muito artesanal o que estamos fazendo ainda. Temos uma ajuda de um jornalista lá, no caso de Angola, temos outro que nos ajudou no caso do Cabo Verde. Mas assim, ainda é muito incipiente. CLARA: E nesses casos onde foram implementados esses projetos, planejamentos de comunicação, o resultado esperado foi atingido com a comunicação? PAOLO: Sim, sim. De fato, nós temos conseguido ter, seguramente, um relacionamento distinto com governo, que no fim, depois de bater em cima destes temas, de mostrar para ele através de vídeos, artigos, etc., chegou praticamente no último dia quase do projeto, dizer: agora entendemos o quanto importante são vocês para nós. Segundo, temos conseguido um doador que botou dinheiro, exatamente porque participou em um desses eventos lá em Luanda, participou da apresentação de um dos vídeos que foi feito lá e a partir daí foi enganchado o cara e começou a conhecer mais todos os detalhes. Assim que, definitivamente, sim, a resposta foi super positiva. CLARA: Existem limitações às ações de comunicação, nos projetos? PAOLO: Bom, eu diria, de maneira geral, se você formula um projeto na antiga maneira, na maneira participativa, como é um pouco o nosso caso hoje, tem que aceitar também as opiniões dos outros. E devido que ainda não é majoritária essa sensibilidade em torno do tema comunicação, é difícil que seja realmente reconhecida a sua importância no projeto. Quando tem uma possibilidade de formular um projeto menor, de outra natureza, que depende mais, somente da unidade técnica, é muito mais fácil colocar esses temas. Caso emblemático, um projeto que acabamos de finalizar para Moçambique e outro estamos finalizando para Nicarágua. No primeiro caso, a discussão com nosso consultor sênior, em Moçambique fez que pouco a pouco, ele também começou a sensibilizar-se: vamos botar um pouco de verba. Será sempre 1, 2, 3% do orçamento. Mas pela primeira vez vamos começar a abrir o tema comunicação em Moçambique. No caso da Nicarágua, sendo uma coisa que foi decidida aqui com um representante FAO muito 228 mais sensível ao tema, o projeto terá toda uma articulação com a unidade de comunicação da FAO no escritório de Manágua em Nicarágua. CLARA: Existem limitações no caso de comunicação estratégica que sejam recorrentes? PAOLO: A resposta mais óbvia poderia ser verba, mas antes de chegar para falar de verba, o ponto é, o dinheiro chega se você consegue sensibilizar as pessoas. O ponto chave cada vez é convencer que inverter dinheiro em alguém que saiba de comunicação, seja para produção de vídeo ou material escrito, ou mesmo para organizar eventos, que sempre tem um custo. Não é de graça. Vamos dizer, o benefício, mesmo no imediato, são positivos, e não é evidente, sempre há um ceticismo muito forte na cara das pessoas. CLARA: Com relação agora a dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos direitos humanos e civis, qual a contribuição de projetos de comunicação para o desenvolvimento na conscientização dos direitos humanos e civis em sociedades pós-conflito? PAOLO: Eu gostaria de pensar que, se consideramos os casos de intervenção mais ampla, em Moçambique tem 17 anos, em Angola 10 anos, a forma como nós temos encarado esse trabalho, mesmo sem ter uma estratégia planejada de comunicação, mas que foi um pouco parte de nossa sensibilidade humana, contribuiu bastante para abrir, vamos dizer, para abrir uma vertente de discussão em torno do conceito dos direitos ao plural. E que hoje em dia se está instalado nesses dois países, esses temas de direitos, a contribuição que a FAO deu a partir do tema terra foi útil. Até eu chegaria a dizer, foi importante. CLARA: Com relação agora à contribuição dos projetos para o resultado positivo, os projetos de comunicação para o resultado positivo dos projetos de ajuda humanitária? PAOLO: Aí acho que... CLARA: E segurança alimentar? PAOLO: Acho que é praticamente impossível dizer qualquer coisa, porque não conheço caso nenhum, de uma estratégia de comunicação no programa de segurança alimentar que tenha sido feito, vamos dizer, se nossa intervenção começa a ter algum, assim, alguma semente de comunicação, eu diria que os outros projetos são ainda pior que o nosso. CLARA: Com relação agora, à importância da comunicação para a construção do sentido de cidadania em sociedades pós-conflito? PAOLO: Bom, considerando como é o valor da comunicação, que eu entendo como um conceito de comunicação, a importância é fundamental. Mas o ponto é, a comunicação pode ser também uma forma para manipular. Assim que, vamos dizer, o caso concreto nosso de fazer reconhecer os direitos de terra para as comunidades locais. Isso é um direito que não é reconhecido por parte da maioria dos governos. 229 Assim que uma estratégia de comunicação pode realmente ajudar muito ao sentimento de cidadania. Mas por outro lado, no momento que os governos entendam, como podem eles usar esse trabalho feito, ele, quer dizer, que graças às ações dos governos que foi possível fazer tudo isso. De fato, a comunicação passa facilmente a ser pura manipulação e não sei se no final, se vai contribuir para qualquer tipo de melhoramento para a cidadania. Assim que, quer dizer, é fundamental que no momento de ir a mexer com o tema de comunicação, de poder trabalhar com especialistas do tema. Ou seja, não é que alguém possa inventar especialista porque fala bem, não é suficiente isso. O problema é de ter clara a visão e aí no sentido que as unidades técnicas, que trabalham nos temas técnicos, como o caso nosso, deveria de trabalhar mão na mão com um especialista de comunicação, desde o primeiro dia. Para ter claro qual é o objetivo de largo prazo onde queremos chegar e ver depois qual é a tática ou as táticas possíveis, que tem que ser ajustadas no dia-a-dia de fato, para não cair na manipulação. CLARA: O que você acha que poderia ser acrescentado a esses questionamentos? PAOLO: Porque a FAO não faz mais esforços nesse tema? Poderia ser uma pergunta e junto com isso, qual é a sua contribuição a cada uma das pessoas que você vai entrevistando em torno desse tema, ou seja, uma organização desse tipo, facilmente sendo velha, é fruto de outras dinâmicas institucionais quando esses temas ainda não eram parte de nossa agenda. Mas o mesmo ocorreu para o tema indígena, para o tema de gêneros, etcetera, etcetera. Assim que, a pergunta é fácil e a resposta também, de certa forma é fácil. Que instituições velhas têm dificuldades de aceitar esses temas novos, mas... CLARA: Esse tema seria novo? PAOLO: Novo no sentido que é um tema que pertence mais à última década, ou seja, nós estamos falando de uma organização que tem 60 anos e um tema que tem 10, 15 anos, um tema ainda é novo, vamos dizer. Assim que essa primeira pergunta de fato é propedêutica à segunda: qual é a sua contribuição pessoal? O ponto é: você aceita as limitações da sua instituição ou você tem uma visão mais progressiva e está disposto a lutar para isso? Por exemplo, eu não entendi hoje de manhã, se meus colegas, você entrevistou antes, se estão na dinâmica de simplesmente aceitar os limites, o que deu um pouco a impressão, ou se estão com vontade de lutar para mudar. Minha resposta seria, que de fato nós não podemos aceitar esse tipo de limite, porque, tanto para um assunto de sobrevivência de nossa instituição, segundo porque, se queremos realmente ir mexer com a simetria de poderes no tema do desenvolvimento, é fundamental no momento você procurar alianças com os setores mais desfavorecidos, para que ele possa ter capacidade de sentar a negociar seus direitos, é necessário de ter uma estratégia comunicativa, de fato diversificada, mas clara desde o primeiro dia. Assim que o que eu estou fazendo no meu trabalho é cada dia mais puxar para esse tema. Mesmo dentro da futura nova direção que será criada a partir de janeiro do ano que vem, que continuará a se chamar Divisão de Terra e Água, de fato estamos tentando de puxar, com dois, três colegas interessados, que nosso diretor aceite a criação de um grupo para pensar uma estratégia de comunicação nossa, de conjunto, e não de pequenos projetos individuais. Não adianta eu vender meus projetos, não estou aqui para procurar ser conhecido eu. Estou aqui para que tenhamos resultado lá embaixo, a terra faz parte 230 dos recursos naturais e faz junto com água, não podemos continuar a tratar esses temas separados. CLARA: Por favor, seu nome e seu cargo? PAOLO: Paolo Groppo, eu sou, gosto de dizer que meu, eu trabalho como solo, que em italiano significa sozinho, mas é um acrônimo que eu inventei que é SolutionOriented Land Officer, mas de fato sou funcionário de análise de sistema de posse de terra. CLARA: Obrigada. 231 Apêndice L – Entrevista com Mário Acunzo. 26/9/2009 Jornalista . Oficial de Comunicação – FAO Origem da Organização: Itália CLARA PUGNALONI: Qual o escopo das ações desenvolvidas pelo seu departamento na FAO? MARIO ACUNZO: Bueno, el departamento de recursos naturales trabaja en tres grandes áreas, digamos en el área de cambio climático y recursos naturales, en el área de agua y suelo y en el área de investigación y extensión agrícola. Eso son tres grandes divisiones y en todo el departamento, es un departamento que retoma, que se reconstruye a partir del departamento (…) sostenible, antiguamente. En ese caso es sobretodo interesarse por esos aspectos: recursos naturales, agua y suelo y la parte de investigación y extensión agrícola. Yo trabajo en la división de investigación y extensión agrícola, donde hay un grupo así chamado de comunicación para el desarrollo. Entonces comunicación para el desarrollo es parte de esta unidad, aunque no esté reflejado en el nombre de la división, el nombre de comunicación para el desarrollo. CLARA: E qual o perfil dos beneficiários-alvos dos projetos? MARIO: Bueno, digamos que la FAO traga a varios niveles, sea el nivel de terreno, sea el nivel normativo, así chamado. Entonces en particular, digamos nosotros damos, entre nuestras funciones damos asistencia a los países miembros, entonces a los gobiernos, ministerios de agricultura en particular, desarrollo rural, medio ambiente, es la creación de políticas, estrategias y sistemas de comunicación para el desarrollo. Entonces, podemos decir que los principales beneficiarios, los beneficiarios directos a nivel, sobre todo el trabajo de asistencia técnica, institucional y normativo son los gobiernos. Después tenemos el programa de campo, tras de los proyectos de terreno nosotros vamos a trabajar con una variedad de beneficiarios que son pequeños productores, normalmente en organizaciones o instituciones locales, por ejemplo, municipalidades, digamos, normalmente se trabaja de toda forma atrás de gobiernos, entonces también los proyectos parte de una solicitud de gobierno y vamos a apoyar los ministerios de agricultura para creación de sistemas de comunicación que beneficien. En los cuales se involucran los productores también. CLARA: Quais os resultados esperados nos projetos desenvolvidos nos últimos dois anos? MARIO: La mayoría de los proyectos tienen que ver con el desarrollo de capacidades. Entonces es como un poco en línea con lo que acabo de decir-le, es el fortalecimiento de capacidad de los ministerios mismo para planificar estrategias o diseñar sistemas de comunicación y institucionalizar-los. Creo que la parte más importante que estamos tratando de ir empujando es que se institucionalicen servicios de comunicación para el desarrollo rural en el marco de las políticas agrícolas, es desarrollo rural. Y que se implementen esos sistemas y se validen. Entonces estamos tratando salir de la acción micro, simplemente micro, sino estamos yendo más hacia el desarrollo de políticas o programas, pero que también tengan un valor de cara a los nuevos desafíos. Quiere decir que los grandes temas 232 que toma cuenta la FAO que son seguridad alimentaria, que son manejo de recursos naturales, los aspectos nutricionales, equidades en algunas medidas y en cada ámbito estamos viendo de cómo generar sistemas de comunicaciones que sirvan estos procesos. Para sintetizar le puedo decir: hay tres grandes líneas de trabajo que son de conexión para el desarrollo: una es comunicación aplicada a los sistemas de investigación, pesquisa y extensión agrícola. Entonces la generación de nuevos sistemas, la integración de comunicación como un elemento clave en la innovación agrícola. Muy importante, porque, digamos siempre había un conflicto entre extensión y comunicación. Paulo Freire mismo lo menciona en su libro. En este caso nosotros estamos tratando de aprovechar de la debilidad de los sistemas de extensión para darle más campo a la comunicación y que se reconozca que son procesos comunicacionales. Y hay toda una escuela interesante, la escuela de (…) por lo menos, que reconoce eso. La segunda línea de trabajo que estamos generando es una línea de trabajo que tiene que ver con la comunicación para el desarrollo y cambio climático. Entonces yo en particular soy responsable de un programa de comunicación de cambio climático donde nos concentramos en la generación de (…), sobretodo en apoyo a la adaptación de los pequeños productores al cambio climático. Quiere decir, no entramos en la parte de medios o de presión o negociaciones para la mitigación, sino enguanto viene el mandado de la FAO hemos priorizado la adaptación como un eje. Entonces ahí estamos implementando varios proyectos en varios países. Y por último la tercera línea de trabajo es fortalecimiento de capacidades. Fortalecimiento de capacidades como le decía, de los ministerios de agricultura, de los ministerios rurales y de las organizaciones de productores de planificar e implementar procesos, sistemas, programas de comunicación para el desarrollo. CLARA: Com relação aos resultados esperados nos projetos, qual o percentual que foi atingido nesses últimos dois anos? MARIO: Digamos que la parte de valuación es la más débil siempre. Entonces no le puedo decir una figura clara de eso. Porque también la ejecución de los proyectos no está 100% en manos de nosotros, de técnicos de la sede, funcionarios de la sede. Eso se depende en cada proyecto, normalmente los proyectos de comunicación para el desarrollo son componentes de otros proyectos. Entonces, siendo de esa forma se valúan en el marco de sus proyectos. En el marco yo puedo decirle que en el marco del trabajo normativo que se hace desde la sede que genera asistencia técnica a los países me parece que tenemos un buen nivel de resultados. Quiere decir que medir, digamos en cuanto fortalecimiento de esas capacidades o a la incorporación de comunicación para el desarrollo como un eje del desarrollo. Entonces pienso que estamos bien, no le puedo dar una cifra. CLARA: Há dificuldades recorrentes nestes projetos? MARIO: Por lo que se dijeron los proyectos de terrenos, si. Las principales dificultades que tenemos son: uno, la no incorporación de la comunicación desde el comienzo; segundo, el hecho que no se siga un proceso, no, por etapas. Sino que simplemente, digamos desde la parte, empezando por la parte de diagnostico en comunicación hasta la parte de planificación, implementación, evaluación, sino que se quieren obtener, lograr resultados rápidos, entonces simplemente se sacan partes de los proyectos. La otra cosa es que todavía no está claro cuál es la 233 diferencia entre comunicación para el desarrollo como un proceso de empoderamiento y de gestión local de conocimiento, informaciones y procesos comunicacionales y lo que es gestión del conocimiento o información. Que son otros ámbitos, otros aspectos complementarios. Y por último, creo, otro punto es el tema económico que decir de la sostenibilidad económica, quiere decir que no, que los mismos ministerios no incorporan en las propias políticas recursos, fondos para financiar más allá de los proyectos las actividades de comunicación para el desarrollo. CLARA: Com relação à importância atribuída à comunicação, qual a relevância da divulgação do doador? MARIO: Es bien importante, porque ellos son los que marcan la agenda muchas veces, pero no reconocen… La comunicación ha sido reconocida últimamente como un eje importante del desarrollo, pero hay una influencia de los donantes sobre qué tipo enfoque darle. En muchos casos se trata de proyectos que buscan la visibilidad más que una función de apoyo al desarrollo realmente. La otra cosa es que muchos están interesados en la parte de gestión del conocimiento sobre todo y uso de las nuevas tecnologías de la información para después salen con esos proyectos de acceso a la información del conocimiento cuando no se incluye, entonces tiene que ver sobretodo con el acceso a los medios. Más que una discusión de realmente una comunicación para el desarrollo, como fortalecimiento de esas capacidades de manejar los procesos de comunicación y el dialogo entre las partes, digamos. CLARA: Qual a importância da divulgação de objetivos e metas pretendidos na ação implementada. MARIO: Bueno, es bien importante. Objetivos y metas. Bien importante ahora, hay dos cosas: uno es, podemos ver eso aplicado a dos ámbitos de la comunicación. Uno es cuando la comunicación es de apoyo a la negociación de los proyectos mismos, entonces como un medio para informar y negociar y concertar, acordar digamos. E ahí es para compartir visiones al rededor de los objetivos y metas, tienes una función de suporte para la negociación de los proyectos con la gente. La otra cosa es, en el ámbito directamente de comunicación para el desenvolvimiento como se comparte el negocio de acuerdo de los objetivos y metas de los proyectos de comunicación. Entonces ahí es otro ámbito, es parte de la planificación participativa para lo cual nosotros empezamos siempre por etapas, empezando por procesos de diagnósticos participativos de planificación y diseño participativo de estrategias. Donde se establecen con la gente los objetivos mismos del proyecto de comunicación en función de, digamos su propia sostenibilidad en cuanto proceso social. Porque digamos, un poco la definición de comunicación para el desarrollo que nosotros tenemos es la comunicación parecida con un proceso social. Digamos, de cara al desarrollo auto determinados de la gente, determinado por la gente. CLARA: Quanto à possibilidade de incremento de resultado pretendido pelo projeto com a comunicação, como seria a sua avaliação? MARIO: No tenemos, como le digo, benchmarking, para decirle o indicadores tampoco para identificar cuanto. Ha habido evaluaciones, digamos, en uno de los proyectos de más larga duración de la FAO, que había sido en (…) México, se 234 estableció que gracias a la comunicación se tuvo una taja de retorno del 7% adicional en comparación a la que se había fijado, gracias al uso de la comunicación. Entre otros factores, quiere decir que no ha habido nunca, o hasta la fecha, un sistema de evaluación tan sistemático para decir cuál es el retorno adicional que se puede atribuir simplemente a la comunicación. Sin embargo, tenemos, estamos mejorando, estamos poniendo líneas de base, indicadores para que eso se vaya… no lo tenemos sistematizado hasta la fecha. CLARA: Dados relativos à existência de ações de comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. Quanto à existência de verba destinada a ações de comunicação dos orçamentos dos projetos, qual seria esse percentual nos projetos dos últimos dois anos? MARIO: Os que se destinam ou os que se teriam que destinar? CLARA: Não, o que foi destinado nos últimos dois anos. MARIO: Depende, depende porque comunicação tem sempre um promedio, posso dizer que para informação ou visibilidade é uma coisa. Acho que todo o projeto tem que, pelo menos, um 10% disso, prá isso. Projeto importante, grande. Não é para comunicação para o desenvolvimento. Normalmente a gente recomenda que os 5, 10% tem que ser destinados. Por lo menos, como mínimo para isso. Eu não tenho uma estatística, não tenho uma estatística. Eu posso te dizer também que essa questão da comunicação para o desenvolvimento há sido caindo no FAO, baixando muito. Então antes a gente tinha muito projeto de comunicação para o desenvolvimento. Agora tem capacidade de monitorar tudo isso, bem. Agora, simplesmente a gente responde pelo que pode fazer, as demandas que, bem... Por isso que não tenho dados. Temos uns quantos projetos tendo implementação e temos vários componentes de comunicação para o desenvolvimento. Mas não tem um desenvolvimento tão grande do setor que justifique um monitoramento. Agora, a FAO está indo para uma reestruturação a partir do ano que vem e se vai criar uma oficina de investigação, extensão e manejo de informação. Então nós vamos participar desse novo sistema e aí eu creio que sim, vamos a tener la capacidad humana, técnica para poder hacer de forma más sistemática. Ahora estamos respondiendo a solicitudes puntuales o en algunos casos tenemos algunos proyectos modelo, pero son unos cuantos. El sector no está desarrollado como estaba hace 10 años, por ejemplo. CLARA: Por quê? MARIO: Porque ha habido, como decía, un cambio, primero en la parte de gestión de la FAO, quiero decir, comunicación para el desarrollo ha sido incorporada en la extensión, entes era un programa afuera de extensión rural. Era un programa en el marco del departamento de comunicación e información. Después se fue absorbida en la pelea que hubo siempre, permanente entre extensión y comunicación. En la FAO la extensión logro que se inserte, que se incorpore la comunicación. Entonces de ahí en adelante ha sido disminuyendo la relevancia también como programa de la FAO y la importancia también de darle un monitoreo. Queda el interés queda la demanda pero se ha venido disminuyendo todo eso. 235 CLARA: Com relação a planejamento de comunicação estratégica realizado nos últimos dois anos, qual seria o percentual de projetos que foram contemplados por um planejamento que comunicação estratégica, comunicação para o desenvolvimento? MARIO: Eu acho que… Los sectores son los ámbitos donde hay mayor demanda de esto son los de transferencia tecnológica. Donde la mayoría de ellos tiene un (…) de comunicación, porque nosotros, justamente es la ventaja de estar en ese sector. Ahora todos los demás proyectos están incorporando comunicación, alguna forma de comunicación, todos tienen, la mayoría de ellos tienen y tienen para una información más como decíamos, una información pública o gestión del conocimiento. Hay, yo diría, hasta esta la fecha nosotros tenemos como unos, déjame pensar, como unos cinquenta proyectos en todo el mundo. O componente de proyectos, no más que esto, son como cinquenta. No sé cuanto tenga toda la FAO pero son unos cinquenta. CLARA: Nos últimos dois anos? MARIO: Si. CLARA: Agora dados relativos à comunicação estratégica. Sobre a existência da necessidade de produzir projetos de comunicação nos projetos implementados. Qual a necessidade de produzir projetos de comunicação nos projetos implementados? Já implementados. MARIO: ¿Que están terminados? CLARA: Que estão em andamento e que não tem planejamento de comunicação estratégica. MARIO: Es una necesidad, sobretodo de documentar los resultados de los proyectos, de difundir los que han sido esos resultados, los resultados para aprender, para sistematizar las experiencias de forma participativa con la gente o de valuación participativa también de los proyectos. Bueno, son dos ámbitos: información o evaluación. Información sobre los resultados recibirá o, como le digo… CLARA: Existe algum tipo de limitação a essas ações de comunicação ou ao desenvolvimento de projetos de comunicação para o desenvolvimento? MARIO: Si, es un poco la falta de sensibilidad por parte de los técnicos que desarrollan los proyectos. Falta orientación sobre que es comunicación para el desarrollo y que puede hacer, primeramente. Segundo, falta la disponibilidad, bueno falta el convencimiento en que sea un factor útil, entonces por eso falta también demonstrar lo que decíamos anteriormente, o sea cual es impacto adicional que puede generar eso. Yo creo que ha sido un poco una falla nuestra, en los últimos años, nuestra, de nuestro sector, no haber trabajado más la parte de valuación para demonstrar la parte de impactos. Aún que los impactos siempre queden demostrarse por vías económicas. Pero se ha trabajado poco en eso, hemos perdido un poco. Esos dos aspectos son los que afectan más, creo. 236 CLARA: E existe alguma limitação justamente na comunicação que seja uma limitação recorrente? MARIO: En la comunicación, si. Esa, primeramente la parte de valuación. CLARA: ¿Y? MARIO: Bueno, la parte de educación a la comunicación, porque para crear las condiciones para que se tenga comunicación hay que educar la gente, sensibilizar la gente, que es un proceso indispensable. Y no solo convencer del valor económico sino que es un factor de desarrollo. Entonces esa parte de preparar claras condiciones y no solo formar, si no sensibilizar y no solo los donantes, o no solo los decisores, pero también la gente misma que recibe comunicación. Yo creo que es un proceso educativo muy importante, porque la gente al conocer el papel que tiene en su proprio desarrollo, desenvolvimiento, la comunicación la va a usar o la va a querer usar como una herramienta de liberación, como herramienta de autodesarrollo. Entonces falta esa parte educativa de reflexión sobre el papel que tiene en la sociedad y en el desarrollo. Y eso a todos niveles, al nivel de políticos, de los decisores, de los técnicos y de la gente, de los mismos productores. CLARA: Como se podem alcançar esses objetivos em sociedades pós-conflito que todo um problema em sistemas de difusão da informação? MARIO: Bueno, yo creo que es a partir de la reflexión sobre el papel que cumplen esos contextos (…) la comunicación como factor de conciliación, como factor de negociación, de mediación y como factor de apoyo al desarrollo también. Entonces eso es una cosa que hay que analizarla y demostrarla de manera sencilla para que la gente lo entienda y para que vea cual es la necesidad que se tiene al redor de la comunicación. No creo que sea necesario tan grande historia, sino simplemente recoger por una parte las necesidades más básicas, por otra parte algunos casos, o algunos ejemplos de cómo se da la relevancia de los resultados que se tiene y luego una, creo una reflexión sobre la progresión en cada contexto en cada proceso. Quiere decir, más allá de saber que es útil o que es necesaria y que es útil, es ver que puede pasar en un contexto específico para que la misma gente lo vaya descubriendo. Quiere decir, guiar esta reflexión, guiar esta... y logo buscar, porque esta es la idea de comunicación para el desarrollo, la comunicación apropiada por la gente, en función de su desarrollo. CLARA: Com relação à contribuição da comunicação para a difusão de direitos humanos e direitos civis, qual seria a contribuição de projetos de comunicação para o desenvolvimento para a conscientização dos direitos humanos e civis em sociedades pós-conflito ou em conflito latente? MARIO: Eu não sou um especialista do tema. Lo que te puedo decir es que la comunicación es un derecho, es uno de los derechos básicos en una sociedad posconflicto, habría que empezar por ahí. Entonces, más que pensar en los proyectos, en el apoyo, en el suporte que la comunicación puede dar a la situación posconflicto, hay que primero establecer que uno de los derechos básicos es el derecho a la comunicación: a comunicar, a expresarse. Entonces y eso es, establece digamos, un ámbito de trabajo inmediatamente claro para la analice de los limitantes 237 en cuanto la falta de esa comunicación, de esa posibilidad de comunicar. ¿Entones después cual es el aporte? Depende de cada contexto, de cada situación. No puedo decirte, no conozco el tema. Lo que yo conozco son situaciones de conflicto, alguna forma de conflicto social más que de otro tipo. En casos de, por ejemplo, para apoyar los grupos vulnerables, por ejemplo los pueblos indígenas, que es un tema que yo trabajo mucho, entonces allá es justamente la apreciación de este y el empoderamiento que se da través de la reivindicación de la comunicación como espacio de desarrollo es un primer paso. Creo que a los demás (…) que ver, en resto de los casos y contexto que no conozco porque no traigo este tema, como dije, de conflictos. CLARA: Com relação a resultado de projetos de ajuda humanitária, qual a importância da comunicação para o desenvolvimento ser participe desde o início desses projetos? MARIO: Es fundamental. Es fundamental que la comunicación para el desarrollo se incorpore desde el comienzo para facilitar, digamos, la eficiencia de los procesos mismos, una mejor planificación de los proyectos inmediatamente la participación de los sectores que hay que involucrar y también la sostenibilidad de los resultados. Entonces también, para pasar de la emergencia a el desarrollo es indispensable sentar las bases para que una acción de emergencia, tras de una gestión del conocimiento, una mejor participación, una sensibilización, distintos aspectos de una comunicación, de una estrategia, se asienten las bases para salir de la emergencia al desarrollo. Porque de hecho, sin comunicación no hay desarrollo. CLARA: Pelo que se pode verificar na bibliografia a respeito, a emergência não contempla a comunicação. Até porque tem muitas coisas mais importantes no campo nesse momento para se dedicar. Como pode se fazer uma mudança nessa mentalidade? MARIO: Bueno, es bien importante. Nosotros estamos entrando en ámbito, la comunicación para las emergencias es realmente algo que se puede relacionar con las distintas etapas de las emergencias. Por ejemplo, para la reducción de riesgo, que es una, bueno en varios ámbitos, por ejemplo nosotros vemos el ámbito de los recursos naturales para después la parte de emergencia misma, entonces preparación para la respuesta y para la parte de desarrollo mismo. Entonces, hay que ver en cada caso, estos riesgos de comunicación que vayan de cara a las fases de la emergencia que se tiene. Creo que emergencia de conflictos, por conflictos internos (…) siempre ligado a los temas de los recursos naturales, que es el tema de nosotros, es siempre un tema de la gestión de riesgo y de la medición. Pienso que… Bueno, nosotros estamos tratando de sistematizar del tema de emergencias en recursos naturales. Hay funciones de comunicación para las emergencias que sobre todo tienen que ver, como siempre para la parte de visibilidad e para la parte de información hacia los beneficiarios, digamos. Pero no tanto la parte de preparación, no es tanto la parte de movilización, no otros aspectos, es más hacia los donantes, pues más es para rápidamente convocar a la gente. No es algo como te digo yo que, como un proceso de acompañamiento a las distintas etapas de la emergencia. CLARA: Mas seria fundamental, inclusive para poder passar para a população, nesse caso de situação de emergência uma série de informações a respeito de 238 saneamento, relacionadas à saúde, relacionadas a direitos. O que precisa para fazer essa aportagem desse conteúdo? MARIO: Bueno, dos cosas. Yo creo que siempre están a nivel de fortalecimiento de capacidades, porque por una parte podemos pensar en proyectos de apoyo grandes que puedan asentar las bases para sistemas de comunicación que luego trabajen en el marco de las emergencias y del desarrollo. Normalmente cuando, la emergencia tiene la ventaja que, digamos, hay recursos. Entonces se puedan tirar campañas que luego uno la puede ver a más largo plazo, como la base de un sistema de comunicación. (…) o a otro sistema de apoyo a la toma de decisiones, entonces ahí. Sin embargo pienso que, sobre todo eso esta, la salida está en el desarrollo de capacidades, porque, sin proyecto hay que pensarlo esto, hay que pensarlo a partir de la gente misma, y entonces fortaleciendo, como te digo, las capacidades sean institucionales pero mucho más las locales de manejar procesos de comunicación con o sin medios, o con cualquier tipo de medios. Y sobre todo con consentido, iba a decir, que tengan, que realmente siempre estén ligando, digamos, la actividad de comunicación, la estrategia a un proceso de desarrollo o a una visión de desarrollo. No desligando y en el caso de las emergencias ajustándola al caso, digamos, a la situación. Esto depende solo de la gente, solo la gente sabe cómo puede cambiar la situación en un momento preciso a su alcance. Entonces, por ejemplo, nosotros estamos empezando con un trabajo con realidad rurales. Que es un trabajo importante para las emergencias, parte de recursos naturales y cambio climático. Fortaleciendo las radios como entes promotores de desarrollo. Entonces muy vinculadas a las acciones de desarrollo, no solo como emisoras, transformando en un centro de comunicación para el desarrollo. Es un poco la visión que estamos tratando de (…) en alianza con ALER y AMARC, que son las dos redes. Para eso estamos trabajando un manual de la comunicación y del uso de la radio en las emergencias. CLARA: Com relação agora à importância da comunicação para a construção do sentido de cidadania. A contribuição da comunicação para o desenvolvimento na percepção do direito a cidadania em sociedades pós-conflito ou em conflito latente. Qual pode ser, uma vez que isso foi perdido por conta de tanto tempo em conflito e tanto tempo sem acesso a nenhum tipo de direito. MARIO: Bueno, pienso que la comunicación puede ayudar a crear un sentido de pertenencia. De la gente, del punto de vista social, geográfico y también histórico. La comunicación puede trabajar en las memorias, en las visiones y en la percepciones de la gente, entonces puede ayudar en destapar, digamos angustias, destapar conflictos que estaban latentes. Y puede destaparlos y puede, no solo la parte de negociación, sino de la mitigación mismo de los conflictos. Pueden ser importantes de ese punto de vista. Entonces muchas veces se pueden usar como de manera contrastiva, de un grupo contra el otro. Pero creo que también es un tema de negociación o de concertación, pero creo que la creación de un sentido de pertenencia común, que es un proceso histórico de recuperación de el sentido histórico de pertenencia, en un contexto necesariamente también a través de el reconocimiento de las diferencias y de las diferente identidades es algo que puede ser bien importante. Creo, no sé. Eso no es mi tema CLARA: Qual a sua opinião sobre o questionário? 239 MARIO: Muy orientado a la parte de situación de conflicto, pos-conflicto. No tiene mucho que ver con lo nuestro. Tiene que ver, pero no directamente. Entonces tal vez para que, del punto de vista de la FAO, esos temas no hayan sido tratado mucho, digamos. Pero, se ve importante porque por ejemplo trabajando en situación de emergencia, hay situación de conflictos en área de Afganistán, Paquistán, Sudan o otras en que se podían aprovechar. CLARA: O que poderia ser acrescentado a esse questionário? MARIO: Primero, ¿cuál es el tema específico de la pesquisa? CLARA: Comunicação para o desenvolvimento como ferramenta de projetos de ajuda humanitária. MARIO: Bueno, yo creo que eso tendría que ser más específico al tema. ¿Qué tipo de ayuda humanitaria? Primero, porque creo que es muy… CLARA: Segurança alimentar e direitos humanos. MARIO: Ah, seguridad alimentaria y derechos humanos, entonces ahí estamos viendo dos ámbitos, bueno yo priorizaría uno de los dos. Porque, por ejemplo, la seguridad alimentaria uno puede ver la como un derecho humano también. O yo lo marcaria, lo dividiría por sectores, por ámbitos, parte de seguridad alimentaria. Yo te recomendaría que vieras la gente de Right to Food, derecho a la alimentación. ¿Lo viste ya, también? CLARA: Não, vou ver. MARIO: Ellos tienen partes interesantes de, porque nosotros estamos más en la parte de apoyo a la producción agrícola o la parte de transferencia tecnológica, venimos de allá, y recursos naturales. Entonces lo que se puede añadir, se puede estructurar un poquito más puntualmente para esos temas, porque hoy está general para los temas, pero macro. Si las preguntas son generales, las respuestas son generales. Pero si pueden acortarlo más a esos dos ámbitos, mejor. CLARA: Obrigada. 240 APÊNDICE M – Entrevista com Justine (intervenções de Olivier) 25/09/2009 Socióloga. Oficial de Emergência – FAO Origem da Organização: Itália CLARA: Bom dia, hoje é 25/09, estamos aqui na FAO entrevistando o pessoal da emergência Justine e Olivier. Com relação a dados da ajuda prestada, qual o escopo das ações desenvolvidas? FAO: Não compreendi. CLARA: Com relação aos dados referentes à ajuda que é prestada pela emergência, qual o escopo das ações que são desenvolvidas? FAO: Na emergência, toda a divisão? Essas aí são múltiplas em termos de ajuda, é muito de ajuda de inputs que se chama (...) trabalho de campo, mas já que, mas também ajuda em termos de formação das populações em torno da coordenação da ajuda humanitária pela agricultura. E agora o volume de trabalho de atividades da emergência, é mais ou menos um bilhão, em português se diz, um bilhão de dólares americanos. E cada ano este volume de operações representa mais ou menos quinhentos milhões de novos projetos. No total são mais ou menos cem países. CLARA: Cem países atendidos atualmente? FAO: Cem. CLARA: Atualmente? Atualmente, cem países atendidos? FAO: Sim. Bom, isto muda. Agora temos um projeto grande que se chama EU food facility que aumentou muito o volume de operações da divisão das emergências. Ano passado eram os projetos de... CLARA: Pode falar em italiano? FAO: Não, italiano não... CLARA: Espanhol? FAO: Só francês, mas, como se chama? A crise dos preços alimentares? São muitos pequenos projetos em muitos países, por isso que agora temos cem países de intervenção. Normalmente é um pouco abaixo esse número. CLARA: E quem são os beneficiários-alvos? FAO: As populações afetadas de desastres naturais, conflitos, sim, principalmente... FAO 2: Por exemplo, há intervenções tanto em Colômbia, onde há uma forma de guerra civil, como em países em paz da África, mas que têm sido castigados por 241 secas ou inundações. Depende das populações, mas muitas vezes existem emergências complexas que aliam os diferentes tipos de emergências. Ou seja, conflitos, catástrofe natural. Em Colômbia um dos projetos que temos consiste em ajudas a populações exiladas pelo conflito. Houve uma operação de distribuição de sementes com capacitação às mulheres exiladas. Também na República Democrática do Congo que tem muitas populações exiladas, necessitam muita ajuda os exilados pelos conflitos, mas a esses se somam muitas vezes as secas. CLARA: Com relação aos resultados esperados nos projetos desenvolvidos nos últimos dois anos, qual foi o índice de satisfação ou de metas atingidas? FAO: Uma pergunta muito difícil. Agora não temos números de pessoas que ajudamos. É muito difícil... CLARA: Não é número de pessoas, é percentual de projetos satisfatórios. FAO: Todos. CLARA: Todos atingiram os objetivos? FAO: O problema é que não temos essa maneira de ver os projetos. Um projeto, enfim, não é, é uma mistura de sucesso, não é sempre um sucesso total ou um fracasso. É uma mistura, então é um pouco difícil dizer uma percentagem de sucesso. CLARA: Com relação, assim, a resultados atingidos nos últimos dois anos, não teria como fazer uma avaliação? FAO: Não, mas em 2010 vamos começar um sistema baseado sobre os resultados, quer dizer, a FAO vai mudar a maneira de avaliar os efeitos e talvez, em dois anos, vai ser possível dizer se um projeto atingiu os dados ou não. Isso, agora, é um pouco difícil. CLARA: Existem dificuldades nos projetos que sejam recorrentes? FAO 2: Eu, na minha pouca experiência, acho que dificuldades recorrentes, não. Podemos dizer que temos sempre as mesmas dificuldades? FAO: Particularmente, a chegada tarde de “inputs”, dos insumos. Bom, é uma coisa bastante crucial de fazer chegar os insumos em tempo para plantar. A FAO não é uma organização muito forte na logística e às vezes as coisas chegam tarde e quando é tarde, é um pouco difícil de utilizar essas coisas, especialmente as sementes. Outras dificuldades recorrentes é... FAO 2: É essencialmente isso. É verdade, às vezes chegam os insumos tarde, então já não é a boa estação para plantar e muitas vezes os lugares onde se conservam, por exemplo, as sementes, não são adequados, então... FAO: A qualidade das sementes pode ser um problema, também, não sempre. Ou a adaptabilidade das sementes para a cultura local não é sempre adaptada, sim. 242 CLARA: Quanto à receptividade por parte dos atores beneficiados em relação aos projetos implantados nos últimos dois anos. Em todos foi um caso de aceitação? FAO: De quê? CLARA: Quanto à receptividade dos atores beneficiados com relação ao tipo de projeto implantado, normalmente é o que seria a demanda? Uma vez que os projetos são feitos e são implementados? FAO: Não posso dizer hoje, é uma pergunta para o terreno... Mas aqui, bom, é um pouco difícil de dizer... CLARA: Eu vou reformular a pergunta. A emergência tem uma estratégia de ação para fazer a intervenção. Mas na verdade, as necessidades podem ser diferentes, em terrenos diferentes e os beneficiários diferentes. Como se administra essa situação complexa utilizando, normalmente, uma ação pré-determinada? FAO: Não. A ação não é pré-determinada. Normalmente, quando acontece um desastre, a ação, a decisão de que tipo de projeto vai se fazer, é uma decisão que normalmente se toma depois do assessment, de um inquérito. E normalmente isso é feito com as autoridades e as comunidades do país. Não é sempre possível, mas normalmente é o método que utilizamos. Bom, mas como já dito, que é possível que o tipo de sementes que cheguem não é exatamente o tipo adaptado. Normalmente, o projeto é designado com as comunidades, com as autoridades do país. E, principalmente, nesse tipo de situação, desastres naturais, é uma discussão de insumos, de animais, é uma coisa bastante standard. CLARA: E com relação ao pós-conflito? FAO: Pós-conflito? É sempre conflito, por exemplo, em Congo ou... Sudão tinha um conflito e temos atividades. As atividades de reconstrução depois de um conflito ou de uma catástrofe natural são mais de uma atividade de desenvolvimento. Mas durante o conflito, é a mesma coisa, não é sempre possível de fazer o inquérito, mas normalmente, deve ser a mesma coisa. Deve ser um projeto desenhado no país diretamente, com as equipes de terreno e as autoridades e as comunidades. E só quando não é possível de fazer chegar as coisas em tempo, ou as coisas de tipo adequado, é que há uma diferença. Mas normalmente dever ser adaptado às necessidades das populações locais. CLARA: OK. Agora, dados referentes à importância atribuída à comunicação. Qual é a relevância da divulgação, no caso de implementação de projetos, para o doador? FAO: A divulgação para os doadores? CLARA: Qual a relevância da divulgação, a comunicação num projeto, para o doador? 243 FAO: É muito relevante, porque os doadores devem ser informados das atividades, da maneira de gastar o dinheiro, de todas as coisas, é muito relevante, sim. Porque depois, se não fazemos isso, os doadores não continuam a ajuda. CLARA: Agora, qual a importância da divulgação dos objetivos e metas pretendidos na ação para a comunidade onde vai ser feita a intervenção? FAO: Nas emergências, é um pouco difícil, mas é uma coisa que devemos fazer e melhorar o que fazemos. Porque agora, posso dizer que não há muito deste tipo de atividade de comunicação. Especificamente, a comunicação dos objetivos, é um pouco, não é feito muito, não. Só em atividades de longo termo, que a presença das atividades de emergência é bastante velha, é bastante, há muitos anos esse tipo de coisa se..., mas quando são, quando é uma atividade rápida, normalmente, não há muitas atividades de comunicação. CLARA: E haveria algum benefício em fazê-las? FAO: Sim, claro. Mas a decisão de fazer, de investir nesse tipo de, porque custa bastante dinheiro também. Mas a decisão de se fazer com uma escala de prioridades e com as atividades, mas sim, claro, se é possível, se temos dinheiro. CLARA: Qual a importância atribuída à divulgação prévia das futuras ações aos atores-alvo? Divulgar antes aos atores-alvo, o que vai ser feito? FAO: Atores-alvo? CLARA: Quando vocês fazem a intervenção? FAO: Sim (...) não é mesma coisa... CLARA: A outra pergunta se referiu qual a importância de fazer divulgação de ações, agora, qual a importância de divulgar o que vai ser feito, para aquelas pessoas que serão atingidas? FAO: O que vai ser feito? CLARA: Sim. FAO: Primeiro, antes da ação... CLARA: Existe importância nisso ou não? FAO: Sim, bom, normalmente, como dito, normalmente, quando a ação em curso de desígnio, isso é feito com o inquirido e com a participação das comunidades. Normalmente, deve se fazer, nessa altura, não sei se é relevante de fazer, ações específicas de comunicação em cima disso. CLARA: Existe uma possibilidade, de utilizando a comunicação nessa etapa, existe uma possibilidade de incremento do resultado pretendido, ou não? 244 FAO: Não, desculpe... CLARA: Fazendo a intervenção de comunicação, existe a possibilidade que essa intervenção possibilite que sejam maximizados os resultados de um projeto ou não? FAO: Com a comunicação? Claro, sim. Um exemplo, um exemplo bastante simples, mas que é um exemplo do PMA, da distribuição alimentar. Comunicação antes da ação, de dizer: vamos distribuir comida aqui. Se a gente não sabe, não vem. Depois, que tipo de comida vai ser distribuída, que tipo de, como utilizar a comida, que tipo de coisas, de outras coisas. Por exemplo, não sei, uma panela. Bom, é importante para a gente saber. Quantas pessoas vão chegar para levar a comida, se é só uma pessoa, não vai conseguir levar um saco de cinquenta quilos. Sim, é muito importante, porque a ação pode ser um fracasso total, esse é um exemplo bastante simples, que não é da FAO, mas é a mesma coisa para a FAO. CLARA: Existe uma verba determinada nos projetos para comunicação? FAO: Não. Uma verba? CLARA: É. FAO 3: Uma verba é uma porcentagem do orçamento. FAO: Muito pouco. A única parte das atividades de emergência, que tem uma parte de comunicação bastante grande nos orçamentos é a parte da Avian Flu, da Influenza Aviária. Que pode ser até 50% da atividade, porque é uma ação muito, que utiliza muito a sensibilização, que divulga muita informação, então é muito importante. Os outros projetos quase nada. CLARA: E existe a necessidade de introduzir ações de comunicação nos outros projetos? FAO: Sim. Uma coisa que nós queremos fazer, queremos trabalhar dentro da organização para fazer isso, mas devo dizer que a FAO não é uma organização muito orientada para a comunicação. Como a UNICEF pode ser, ou PMA. CLARA: Que metodologia vocês pensam em utilizar nesses futuros projetos de comunicação? FAO: Bom, penso que na FAO a metodologia desenvolvida pela parte de comunicação para o desenvolvimento, é bastante, primeiro vamos tentar utilizar essa metodologia, depois, se não funciona, talvez uma outra. Também a metodologia depende dos países, não é a mesma coisa fazer comunicação na Ásia e na África, completamente diferente. Não é possível de utilizar... CLARA: Nas ações de comunicação implementadas nos últimos dois anos, qual o percentual de recursos relativo ao montante geral do projeto, que foi destinado para a comunicação? 245 FAO: Como já disse, nos projetos de Influenza Aviária, pode ser até 50%, mas normalmente 25, mas os outros quase 0 (zero), quase, podemos dizer 5, mas, é muito generoso. CLARA: E quais as limitações das ações de comunicação além da questão do financiamento? FAO: A cultura, a cultura da organização, que não é muito (...) sobre a comunicação... FAO 2: Isto está mudando um pouco. FAO: Está mudando, mas... FAO 2: Está mudando um pouco, porque com o exemplo que ele deu do PMA, quer dizer, eles estão melhor preparados, então estão mais ricos. A comunicação, se não se tem uma boa comunicação, além do interesse imediato para os beneficiários, já não se tem dinheiro para financiar os projetos... Então é claro que a divisão de emergência tem que trabalhar mais em comunicação, mas eu diria que se está começando uma reflexão a nível global na FAO sobre a comunicação. Não somente para desenvolvimento, também agora para a comunicação para a emergência. Como comunicar, deve se explicar às pessoas porque a agricultura pode ser fundamental em situações de emergência. CLARA: Existem limitações que sejam recorrentes, na área da comunicação, relativa aos projetos? FAO: Sim, o problema de não ter dinheiro específico para a comunicação, depois resulta em uma falta de pessoal. Não temos pessoal de comunicação de uma maneira sistemática nos países, nas várias operações, também pelo desenvolvimento, não é só uma coisa de emergência na FAO. Não temos oficiais de comunicação regionais, nos escritórios regionais, não temos. A UNICEF, dentro de um país tem uma equipe de comunicação, a FAO, uma pessoa, não tem. É uma limitação de base, outros, talvez de métodos, mas é uma questão de investimento e de ter o pessoal adequado. CLARA: Com relação agora, à contribuição da comunicação para difusão de direitos humanos e direitos civis, porque o direito à alimentação estaria dentro dos direitos humanos. Qual a contribuição dos projetos de comunicação para o desenvolvimento na conscientização dos direitos humanos e civis em sociedades pós-conflito, ou conflito latente ou pós-desastres? FAO: Essa é uma falta grande. A FAO não é uma organização que se volta muito aos direitos humanos. Tivemos um projeto da alimentação, que já acabou... FAO 2: Não há uma verdadeira visão na FAO de direitos humanos. A pesar de que o direito à alimentação seja um direito humano protegido pelo Pacto de 66, acho que aqui, e de comunicação também, se esquecem, então, por exemplo, é muito sintomático o fato de que havia, há uma unidade, um Right to Food que foi criado há quatro ou cinco anos... 246 FAO: Ainda? FAO 2: Ainda não, acho que ainda não. (...) E está financiada pela Alemanha, então é como sintomático que sobre o orçamento regular da FAO não se houvesse criado uma unidade de direito à alimentação. É um dos direitos fundamentais do Pacto, então... FAO: O próprio pessoal da FAO não percebe o que é o direito à alimentação. Pode fazer uma sondagem dentro da FAO para ver, mas não é uma orientação da, ao nível da organização, são poucas pessoas... FAO 3: E no grupo Emergências? FAO: Não. FAO 3: Mas teria espaço para falar disso? Ou estaria proibido? FAO: Proibido, não. FAO 2: Acho que sim. Haveria espaço, mas interesse, talvez não. FAO: Espaço sim, sempre, mas cada vez que eu tentei dizer que devemos adotar primeiro uma linguagem dos direitos humanos, a gente não percebe. É só sobre a linguagem, por exemplo, não dizer como dizemos target beneficiary, esse tipo, de falar de beneficiários e essas coisas, normalmente, não. Eu trabalhei na UNICEF primeiro, eu tive uma revolução na UNICEF, que agora não pode se falar de beneficiários, só pode se falar de rigths holders, na FAO é uma linguagem totalmente estranha... FAO 2: E é uma pena, porque o Comitê de Direito Econômicos Sociais e Culturais fez um general comment sobre o direito à alimentação. Então estão todas as ferramentas para falar. Houve um princípio de reflexão na Oficina Jurídica. Mas como que o princípio ficou no princípio, não se desenvolveu. Isso não deveria ser dito. FAO: Uma coisa sintomática, a FAO tem um documento que fala de values, nos valores da FAO não entra em direitos humanos. É uma coisa que não consegue perceber, uma organização das Nações Unidas, que tem um texto de valores, que diz: os nossos valores são tal, tal, tal, e os direitos humanos não. É um problema de cultura organizacional. CLARA: A contribuição da comunicação para o desenvolvimento no resultado positivo de projetos de ajuda humanitária e focados em segurança alimentar. FAO: O início da questão? CLARA: A contribuição da comunicação para o desenvolvimento no resultado positivo dos projetos de... 247 FAO: Não conheço, é uma pergunta para o serviço de Mario, não, não sou muito antigo na FAO. CLARA: Sobre a importância da comunicação para a construção do sentido de cidadania? A comunicação poderia contribuir para a percepção do direito à cidadania nas sociedades pós-conflito ou conflito latente? Que entra aí o direito à alimentação, o direto à informação, o direito à comunicação? FAO: Claro, mas o problema primeiro deve ser uma grande mudança na FAO, para fazer isso. É só se ao nível do país temos uma equipe, um chefe de equipe ou não sei quê, que há uma sensibilidade particular sobre isso, que é possível. Mas até agora não houve isso. CLARA: Como explicar esse, comportamento? Digamos, esses valores, quando a organização sediou o 1º Congresso Mundial de Comunicação para o Desenvolvimento? Saiu a carta do Consenso de Roma, quer dizer, como se administra esse contra-senso? FAO: É difícil para mim dizer, porque sou bastante, só estou trabalhando na FAO faz menos de dois anos, penso que a FAO, em nível da base, da essência da FAO, é uma organização técnica. E por isso, na cultura é a técnica que domina tudo. A técnica de agricultura, tudo que tem uma relação com agricultura. E depois, as outras questões de direitos humanos, de comunicação, mesmo de gestão dos projetos, são secundárias. Bom, isso penso que está, que agora tem uma mudança na organização. Porque uma realização que a técnica não vê bastante, que é um pouco difícil sobreviver só com isso. E um fato bastante importante que, um programa de emergência que não é baseado sobre um conhecimento técnico como as outras divisões da FAO, é o programa mais importante da FAO, e que é mais da metade de todas as atividades de campo da FAO. É por isso, penso que há uma mudança que deve acontecer na FAO e que vai acontecer. Penso que a razão principal é que haverá uma organização técnica. CLARA: Pode-se falar em resultado ou atitude técnica quando se trata de fome? A dimensão política e social não seria prioritária e a técnica secundária? FAO: É uma questão para Jack (...). Sim, talvez, mas é uma questão para a direção da organização e os países membros, a governação da FAO. Sim, bom, entra a técnica, claro, mas na solução do problema da fome, entra a técnica, claro, mas não só. CLARA: O que você acha que poderia ser acrescentado neste questionário? FAO: Nesse quê? CLARA: Nesse questionário? Nestes questionamentos? O que mais poderia ser acrescentado, em sua opinião, nestes questionamentos? FAO: Acho que é essencial desenvolver uma atitude positiva de comunicação dentro da FAO, essencial. Porque há um risco que é, a organização vai desaparecer. Claro, porque a grande força técnica da FAO, não é bastante. Deve ser comunicada, 248 devemos desenvolver com os parceiros, as outras agências das Nações Unidas, e isso leva à comunicação. Nós precisamos dizer ao mundo o que fazemos e como fazemos e ao mesmo tempo, devemos sempre melhorar a maneira de trabalho, mas a comunicação é essencial, essencial. E aqui temos também os projetos, devemos começar a sistematizar uma parte de comunicação dentro de todos os projetos, comunicação com as comunidades, com as autoridades, com os parceiros. Mas é uma cultura que, bom, não estamos perto. CLARA: Justine, o que poderia ser acrescentado a esse questionário? FAO 2: Estou de acordo com ele. E eu lembro de um exemplo de um coordenador de emergência de América Latina, havia vindo aqui e dizia, para ilustrar a comunicação carente da FAO, dizia: tu vais a uma reunião, estão todas as demais agências, o alto comissariado dos refugiados, a UNICEF, o PMA. E todo mundo sabe exatamente o que faz. E vocês porque estão aqui nesta reunião de emergência, os da FAO, vocês não salvam vidas, o que estão fazendo aqui? E porque é verdade, porque nós no momento - tomara que mude - não somos capazes de explicar por que a agricultura pode ser e é fundamental em um período de emergência. Então também dificultamos, com esta carência de comunicação, ao pessoal que trabalha no terreno. Que se sentem pouco levados a serio. Que a comunicação não é só vento, não é só palha. Tem uma parte de palha, mas não é só isso. CLARA: Obrigada. FAO 2: Isso faz parte do nosso trabalho. FAO: É uma realidade hoje. FAO 2: Estamos trabalhando com os demais. 249 Apêndice J – Entrevista com Olivier 25/09/2009 Economista. . Oficial de Emergência – FAO Origem da Organização: Itália FAO 3: A percepção que temos de fora é que Emergência está seguindo o mesmo caminho de Centro de Inversiones. Ou seja, um grupo isolado que vive dentro da FAO, com a diferença que vocês cresceram muitíssimo. Entretanto, seguem sendo um mundo bastante, não digo completamente, bastante auto-referencial e que se não fosse por “inchas pelotas” que vem de fora, essencialmente vocês poderiam funcionar com a mesma lógica do Centro de Inversiones, buscar os consultores em livestock, em agricultura e etcetera e viver sem a outra parte. FAO: É verdade. É uma realidade que muda com o novo quadro estratégico. O que fizemos na equipe SOI, Strategic Objective, que é o objetivo estratégico da Emergência, específico da emergência, das atividades de emergência. Buscamos um grupo de colaboradores de quase todas as divisões técnicas. E agora o plano - e é por isso que dissemos que é uma realidade - porque o plano é de trabalhar junto com as divisões técnicas muito, muito mais do que no passado. O diretor da divisão sempre está dizer: o objetivo estratégico da Emergência não é só da nossa divisão, é um objetivo da organização. Então todas as divisões devem contribuir. Nós vamos contribuir como, por exemplo, já começamos uma transferência de fundos da Emergência, do programa de emergência para as divisões... E penso que, nesta altura, vimos que a divisão da Emergência é a divisão da FAO que trabalha com todas as unidades da FAO. Todas as unidades da FAO, todas. É a única que faz isso. A verdade é que é um programa muito autônomo, com muito financiamento. Todo o financiamento vem dos doadores. Uma parte infinitésima do financiamento é da organização, do programa normal da organização. E todo o resto, 99% vem dos doadores. E por isso que é um pouco separado, um pouco autônomo, mas isto deve mudar e vai mudar, está mudando. FAO 3: Outra coisa que não se percebe da entrevista é, eu diria, provocando um pouco, um certo determinismo sobre a FAO. Essa sim… se não mudar a FAO é difícil que haja mais espaço para os direitos humanos, etcetera, etcetera. Em sua própria experiência dentro do mundo de Emergência, onde estão as barreiras. Até onde o trabalho de vocês é de certa forma um desafio para esta barreira vá sendo empurrada cada dia mais? FAO 2: Para muito não há demanda. Se você tem que fazer o que é, podes mudar, mas te pedem de uma certa forma de se comunicar, eu pelo menos não vejo demanda de comunicar sobre direitos humanos, sobre o fato de recordar que o direito à alimentação é um direito básico do ser humano, mas... dizem não, não, não. FAO: ...As barreiras. Numa organização tão grande há duas soluções: vem da base e leva muito tempo ou vem de cima, e por ser uma revolução, o diretor decide que toda a FAO agora vai trabalhar na base dos direitos humanos. É possível fazer isso, mas penso que esta mudança vem da base, mas que por cima é feita uma resistência talvez. E se fez com a comunicação. 250 CLARA: Mas vai ter que haver um trabalho muito grande de comunicação interna. Vai ter que mudar a cultura na verdade. FAO: Mas agora estamos espelhando uma mudança de cultura, porque tem uma forma que está, que foi iniciado pelos membros da FAO. Mas, bom, é uma organização muito grande que é difícil de fazer caminhar, de fazer mudar. E as mudanças vão ser um pouco lentas. É muito difícil fazer mudar em uma organização tão grande. 251 ANEXOS ANEXO A -The Rome Consensus The World Congress on Communication for Development January 2007 Final Version The Rome Consensus Communication for Development A Major Pillar for Development and Change Communication is essential to human, social and economic development. At the heart of communication for development is participation and ownership by communities and individuals most affected by poverty and other development issues. There is a large and growing body of evidence demonstrating the value of communication for development. Below are a very few examples of that body of evidence presented at the WCCD: .. In 1959 a study of 145 rural radio forums in India found that forum members learned much more about the topics under discussion than non-forum members. In the words of the researcher „Radio farm forum as an agent for transmission of knowledge has proved to be a success beyond expectation. Increase in knowledge in the forum villages between pre- and post-broadcasts was spectacular, whereas in the non-forum villages it was negligible. What little gain there was occurred mostly in the non-forum villages with radio‟. (Data presented by Dr Bella Mody from, Neurath, P. (1959). Part two: Evaluation and Results. In J.C. Mathur & P. Neurath (Eds.). An Indian experiment in farm radio forums. (pp. 59121). Paris: UNESCO) .. The participatory communication approach adopted in Senegal led to significant reductions in the practice of female genital cutting. Since 1997, 1,748 communities in Senegal have abandoned FGC. These represent 33 per cent of the 5,000 communities that practiced FGC at that time. (Tostan data -http://www.tostan.org -presented at the WCCD) In Uganda a national and local communication process related to the corruption of centrally allocated public funds for education at the local level in schools resulted in a very significant decrease in the level of funds that did not reach that local level – from 80% “lost” to only 20% lost [Reinikka, R. and Sveenson, J: “The Power of Information.” Policy Research Working Paper # 3239, 2004) .. Communication programmes are linked to significant reductions in Acute Respiratory Infection - ARI - in Cambodia. Since the communication campaign started in 2004, awareness of ARI grew from 20% to 80 % and the reported 252 incidence of ARI halved. [BBC World Service Trust: Film on Health Communication presented at the First World Congress on Communication for Development,2006(http://www.bbc.co.uk/mediaselector/check/worldservice/meta/dps /2006/10/061027_health_wst?size=16x9&bgc=003399&lang=enws&nbram=1&nbwm=1 ) .. Use of mobile phones and other communication techniques for farmers to obtain information on market prices in Tanzania resulted in farmers increasing the price per ton they receive for rice from US$100 per ton to US$600. A $200,000 investment resulted in US$1.8 million of gross income. [ Presentation at WCCD on The First Mile Project http://www.ifad.org/rural/firstmile/FM_2.pdf ] Development Challenges In the year 2006, it is estimated that 1.3 billion people world-wide still live in absolute poverty. Even though many countries have experienced considerable economic development, far too many remain worse off in economic and social terms. Nelson Mandela reminds us that “Poverty is not natural - it is man-made and it can be overcome and eradicated by the actions of human beings”. People‟s rights to equality and to communicate are protected and advanced in the Universal Declaration on Human Rights. Related to poverty and rights there are other very considerable and related challenges. These are delineated in the Millennium Development Goals (MDGs) that are often the benchmark for decision-making in civil society, national governments and the international development community. Achieving improved progress on these issues requires addressing some very sensitive and difficult challenges: respect for cultural diversity, self determination of people, economic pressures, environment, gender relations and political dynamics amongst others. It also highlights the need to harmonize communication strategies and approaches, as indicated by the 9th UN Roundtable on Communication for Development and in other international fora. These factors often complicate and threaten the success of overall development efforts in local, national and international arenas. It is the people related issues that are the focus for communication for development. Communication for Development Communication for Development is a social process based on dialogue using a broad range of tools and methods. It is also about seeking change at different levels including listening, building trust, sharing knowledge and skills, building policies, debating and learning for sustained and meaningful change. It is not public relations or corporate communication. Strategic Requirements 253 That development organisations place a much higher priority on the essential elements of communication for development process as shown by research and practice: .. The right and possibility for people to participate in the decision making processes that affect their lives. Creating opportunities for the sharing of knowledge of skills. .. Ensuring that people have access to communication tools so that they can themselves communicate within their communities and with the people making the decisions that affect them – for example community radio and other community media .. The process of dialogue, debate and engagement that builds public policies that are relevant, helpful and which have committed constituencies willing to implement them – for example on responding to preserving the environment. .. Recognising and harnessing the communication trends that are taking place at local, national and international levels for improved development action – from new media regulations and ICT trends to popular and traditional music. .. Adopting an approach that is contextualised within cultures. .. Related to all of the above a priority on supporting the people most affected by the development issues in their communities and countries to have their say, to voice their perspectives and to contribute and act on their ideas for improving their situation – for example indigenous people and people living with HIV/AIDS In order to be more effective in gaining improved progress on poverty and the other MDGs the communication for development processes just outlined are required in greater scale and at more depth, making sure that the value-added of such initiatives is always properly monitored and evaluated. Long Term Foundation These processes are not just about increasing the effectiveness of overall development efforts. They are also about creating sustainable social and economic processes. In particular: Strengthening Citizenship and Good Governance Deepening the communication links and processes within communities and societies Those are essential pillars for any development issue. Recommendations Based on the arguments above, in order to make much more significant progress on the very difficultdevelopment challenges that we all face we recommend that policy makers and funders do the following: 1. Overall national development policies should include specific communication for development components. 2. Development organisations should include communication for development as a central element at the inception of programmes. 254 3. Strengthen the communication for development capacity within countries and organisations at all levels. This includes: people in their communities; communication for development specialists and other staff including through the further development of training courses and academic programmes. 4. Expand the level of financial investment to ensure adequate, coordinated, financing of the core elements of communication for development as outlined under Strategic Requirements above. This includes budget line[s] for development communication. 5. Adoption and implement of policies and legislation that provide an enabling environment for communication for development – including free and pluralistic media, the right to information and to communicate. 6. Development communication programmes should be required to identify and include appropriate monitoring and evaluation indicators and methodologies throughout the process. 7. Strengthen partnerships and networks at international, national and local levels to advance communication for development and improve development outcomes. 8. Move towards a rights based approach to communication for development Conclusion: As Nelson Mandela highlighted it is people that make the difference. Communication is about people. Communication for development is essential to make the difference happen. The Participants Word Congress on Communication for Development Rome. Italy October 27, 2006 255 ANEXO B – Primeira Conferência das Comunidades San de Angola em 2007. ................... Depoimentos de participantes e foto de mulher exibindo certificado .... de posse da terra. Material de divulgação da OCADEC GRUPOS BOSCIMANES SE REÚNEM EM LUBANGO As povoações indígenas da África Sub Sahariana promoveram um encontro internacional para reforçar as trocas das boas practicas, ultrapassando as fronteiras impostas pelo tratado de Berlim em 1885. Lubango foi o cenário onde se reuniram cerca de 100 San, representantes das diferentes comunidades quem existem hoje em Angola, para participar da primeira cimeira nacional. A conferência contou também com a presença dos delegados San provenientes da Botswana, da Namíbia e da África do Sul. O objectivo do encontro foi reforçar as capacidades institucionais e de representação de cerca 75.000 pessoas que vivem naquela área do globo. Particularmente em Angola, vive uma minoria indígena composta por aproximadamente 5.000 pessoas espalhadas nas províncias do Kunene, Huíla, Kuando Kubando e Moxico. Marginalizados pela sociedade os San são objecto de vários tipo de abusos e formas de discriminação por parte das populações Bantu com as quais se relacionam. A ONG nacional Organização Cristã de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário (OCADEC), organizadora do encontro, há muitos anos está a trabalhar em diferentes áreas na região sul da Angola, onde 256 desempenha actividades de formação e apoio aos povos índios Zeferino Piriquito, representante da comunidade de Mupembati, explica o que acha destes dias: “ Os nossos avos caçavam e viviam dos recursos naturais existentes, mas nos últimos anos os animais já não aparecem mais e, por outro lado, o Estado tem limitado o nosso deslocamento no território”. Hoje em dia os povos San sobrevivem da colaboração com os Bantu, trabalhando muitas das vezes em condições de submissão, e sendo objecto de várias formas de abusos dos direitos humanos. São percebidos como pessoas de segundo nível. A historia conta que os San foram os primeiros a povoar a área da África Austral até o século XII, quando também chegaram as povoações Bantu. Neste período os San deslocaram-se para as regiões dos actuais deserto da Namíbia e Kalahari e para algumas províncias na zona sul de Angola. Com características económico-social nómadas estas pessoas ainda hoje procuram sobreviver de caça. Entretanto, na realidade um grande número de comunidades San tornaram-se sedentárias e estão a aprender técnicas para praticar a agricultura e a pequena pastorícia. A conferência prorcionou o encontro entre representantes San de Angola e de outros países, facilitando assim as trocas de boas praticas. Sara, uma mulher San que vive na Namíbia e que há muitos anos trabalha com associações de base, conta:“ também nós há 15 anos atrás éramos objectos de abusos e discriminações por parte das outras etnias. Mas desde 2003, depois muitos anos de luta, esforço e organização, as nossas terras foram reconhecidas pelo Estado. Hoje em dia temos acessos a todos os serviços básicos, como qualquer cidadão namibiano.” Na Namíbia foram criadas áreas de reserva para as populações San, que são zonas abertas e sem direitos exclusivos. Mas, as decisões a cerca de acesso, uso e gestão 257 dos recursos naturais passam através de um acerto com as povoações indígenas locais. Para entender melhor falamos com Baba Festus do “!Khwa ttu San Culture & Education Center” de Cape Town que afirmou: “os problemas são bastante semelhantes entre Angola e África do Sul. Todavia o nosso país teve a coragem de reconhecer os nossos direitos. E nós conseguimos nos organizar conservando a diversidade cultural e a diferença de costumes.” Um dos objectivos principiais da conferência foi contribuir para promover uma abordagem de desenvolvimento baseada nos direitos, e criar uma consciência pública da situação das comunidades San de Angola. A construcção de um espaço comum entre as várias comunidades deste povo em Angola e nos países vizinhos, também foi ponto relevante. Nos últimos anos a Organizaçào das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), em parceria com os governos de Angola e da Província da Huíla, e com financiame ntos do Governo da Itália e da União Européia tem apoiado algumas comunidades San da região da Huíla. Particularmente em 2004, através do projecto OSRO/ANG/404/ITA, a FAO apoiou a delimitação participativa da comunidade de Mupembati, no município de Quipungo. Foi um trabalho em conjunto com as instituições do governo da província, e que garantiu a definição de uma área de 1.389 ha sobre os quais as famílias de Mupembati tem um direito positivo e uma clara segurança de posse. O titulo foi oficialmente entregue aos representantes da comunidade durante o último dia da Conferência. 258 Para a FAO eEste significativo resultado faz parte de um trabalho de assistência técnica desenvolvido pela FAO desde 1999, junto às administrações públicas angolanas ligadas à posse e gestão de terra. Neste momento o trabalho inicia uma nova fase com o lançamento do projecto GCP/ANG/035/EC financiado pela União Europeia. A partir de agora, nasce uma nova esperança para os boscimanes de Angola. A visibilidade para com o respeito aos seus direitos de minoria étnica, e o reconhecimento de desses direitos pelo Estado Central, podem deflagrar a constituiçào de formas de representaçáo institucional local visíveis, com capacidade para discutir com as diferentes instituições. A coexistência da diversidade é o grande desafio da África, dividia em Berlim há mais de cem anos. Só com esforço conjunto entre instituições locais, parceiros internacionais e novas formas de democracia é que um novo equilíbrio poderá ser alcançado. 259 ANEXO C – Declaração das Metas do Milênio das Nações Unidas SOLIDARIEDADE I - Valores e Princípios 1. Nós, Chefes de Estado e de Governo, reunimo-nos na Sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, entre os dias 6 e 8 de setembro de 2000, no início de um novo milênio, para reafirmar a nossa fé na Organização e em sua Carta como bases indispensáveis de um mundo mais pacífico, mais próspero e mais justo. 2. Reconhecemos que, para além das responsabilidades que todos temos perante nossas sociedades, temos a responsabilidade coletiva de respeitar e defender os princípios da dignidade humana, da igualdade e da eqüidade, no nível mundial. Como dirigentes, temos, um dever para com todos os habitantes de planeta, em especial para com os desfavorecidos e, em particular, com as crianças do mundo, a quem pertence o futuro. 3. Reafirmamos nossa adesão aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas, que demonstraram ser atemporais e universais. De fato, sua pertinência e capacidade como fonte de inspiração aumentaram, à medida que se multiplicaram os vínculos e foi se consolidando a interdependência entre as nações e os povos. 4. Estamos decididos a estabelecer uma paz justa e duradoura em todo o mundo, em conformidade com os propósitos e princípios da Carta. Reafirmamos a nossa determinação de apoiar todos os esforços que visam respeitar a igualdade e soberania de todos os Estados, o respeito pela sua integridade territorial e independência política; a resolução dos conflitos por meios pacíficos e em consonância com os princípios de justiça e do direito internacional; o direito à autodeterminação dos povos que permanecem sob domínio colonial e ocupação estrangeira; a não ingerência nos assuntos internos dos Estados; o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais; o respeito pela igualdade de direito de todos, sem distinções por motivo de raça, sexo, língua ou religião; e a cooperação internacional para resolver os problemas de caráter econômico, social, cultural ou humanitário. 5. Pensamos que o principal desafio com o qual nos deparamos hoje é conseguir que a globalização venha a ser uma força positiva para todos os povos do mundo, uma vez que, se é certo que a globalização oferece grandes possibilidades, atualmente seus benefícios, assim como seus custos, são distribuídos de forma muito desigual. Reconhecemos que os países em desenvolvimento e os países com 260 economias em transição enfrentam sérias dificuldades para fazer frente a este problema fundamental. Assim, consideramos que, só através de esforços amplos e sustentados para criar um futuro comum, baseado em nossa condição humana comum, em toda a sua diversidade, pode a globalização ser completamente eqüitativa e favorecer a inclusão. Estes esforços devem incluir a adoção de políticas e medidas, a nível mundial, que correspondam às necessidades dos países em desenvolvimento e das economias em transição e que sejam formuladas e aplicadas com a sua participação efetiva. 6. Consideramos que determinados valores fundamentais são essenciais para as relações internacionais no século XXI. Entre eles figuram: 1. A liberdade. Os homens e as mulheres têm o direito de viver sua vida e de criar os seus filhos com dignidade, livres da fome e livres do medo da violência, da opressão e da injustiça. A melhor forma de garantir estes direitos é através de governos de democracia participativa baseados na vontade popular. 2. A igualdade. Nenhum indivíduo ou nação deve ser privado da possibilidade de se beneficiar do desenvolvimento. A igualdade de direitos e de oportunidades entre homens e mulheres deve ser garantida. 3. A solidariedade. Os problemas mundiais devem ser enfrentados de modo a que os custos e as responsabilidades sejam distribuídos com justiça, de acordo com os princípios fundamentais da eqüidade e da justiça social. Os que sofrem, ou os que se beneficiam menos, merecem a ajuda dos que se beneficiam mais. 4. A tolerância. Os seres humanos devem respeitar-se mutuamente, em toda a sua diversidade de crenças, culturas e idiomas. Não se devem reprimir as diferenças dentro das sociedades, nem entre estas. As diferenças devem, sim, ser apreciadas como bens preciosos de toda a humanidade. Deve promover-se ativamente uma cultura de paz e diálogo entre todas as civilizações. 5. Respeito pela natureza. É necessário atuar com prudência na gestão de todas as espécies e recursos naturais, de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável. Só assim poderemos conservar e transmitir aos nossos descendentes as imensuráveis riquezas que a natureza nos oferece. É preciso alterar os atuais padrões insustentáveis de produção e consumo, no interesse do nosso bem-estar futuro e no das futuras gerações. 6. Responsabilidade comum. A responsabilidade pela gestão do desenvolvimento econômico e social no mundo e por enfrentar as ameaças à paz e segurança internacionais deve ser partilhada por todos os Estados do mundo e ser exercida multilateralmente. Sendo a organização de caráter mais universal e mais representativa de todo o mundo, as Nações Unidas devem desempenhar um papel central neste domínio. 7. Com vista a traduzir estes valores em ações, identificamos um conjunto de objetivos-chave aos quais atribuímos especial importância. 261 II - Paz, Segurança e Desarmamento 1. 2. Não pouparemos esforços para libertar nossos povos do flagelo da guerra seja dentro dos Estados ou entre eles - que, na última década, já custou mais de cinco milhões de vidas. Procuremos também eliminar os perigos que as armas de destruição em massa representam. Decidimos, portanto: 1. Consolidar o respeito às leis nos assuntos internacionais e nacionais e, em particular, assegurar que os Estados-Membros cumpram as decisões do Tribunal Internacional de Justiça, de acordo com a Carta das Nações Unidas, nos litígios em que sejam partes. 2. Aumentar a eficácia das Nações Unidas na manutenção da paz e segurança, dotando a Organização dos recursos e dos instrumentos de que esta necessita para suas tarefas de prevenção de conflitos, resolução pacífica de diferenças, manutenção da paz, consolidação da paz e reconstrução pós-conflitos. Neste contexto, tomamos devida nota do relatório do Grupo sobre as Operações de Paz das Nações Unidas e pedimos à Assembléia Geral que se debruce quanto antes sobre as suas recomendações. 3. Intensificar a cooperação entre as Nações Unidas e as organizações regionais, de acordo com as disposições do Capítulo VIII da carta. 4. Assegurar que os Estados participantes apliquem os tratados, sobre questões como o controle de armamentos e o desarmamento, o direito internacional humanitário e os direitos humanos, e pedir a todos os Estados que considerem a possibilidade de assinar e ratificar o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. 5. Adotar medidas contra o terrorismo internacional e aderir o quanto antes a todas as convenções internacionais pertinentes. 6. Redobrar nossos esforços para pôr em prática o compromisso de lutar contra o problema mundial das drogas. 7. Intensificar a luta contra o crime transnacional em todas as suas dimensões, nomeadamente contra o tráfico e contrabando de seres humanos, e a lavagem de capitais. 8. Reduzir tanto quanto possível as conseqüências negativas que as sanções econômicas impostas pelas Nações Unidas possam ter nas populações inocentes, submeter os regimes de sanções a análises periódicas e eliminar as conseqüências adversas das sanções para terceiros. 9. Lutar pela eliminação das armas de destruição em massa, em particular as nucleares, e não excluir qualquer via para atingir este objetivo, nomeadamente a possibilidade de convocar uma conferência internacional para definir os meios adequados para eliminar os perigos nucleares. 262 10. Adotar medidas concertadas para pôr fim ao tráfico ilícito de armas de pequeno calibre, designadamente tornando as transferências de armas mais transparentes e apoiando medidas de desarmamento regional, tendo em conta todas as recomendações da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio Ilícito de Armas Pessoais e de Pequeno Calibre. 11. Pedir a todos os Estados-Membros que considerem a possibilidade de aderir à Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Pessoais e sobre a sua Destruição, assim como às alterações ao protocolo sobre minas referente à Convenção sobre Armas Convencionais. 3. Instamos todos os Estados-Membros a observarem a Trégua Olímpica, individual e coletivamente, agora e no futuro, e a apoiarem o Comitê Olímpico Internacional no seu trabalho de promoção da paz e do entendimento humano através do esporte e do Ideal Olímpico. III - O desenvolvimento e a erradicação da pobreza 1. Não pouparemos esforços para libertar nossos semelhantes, homens, mulheres e crianças, das condições degradantes e desumanas da pobreza extrema, à qual estão submetidos atualmente um bilhão de seres humanos. Estamos empenhados em fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e em libertar toda a humanidade da carência. 2. Em conseqüência, decidimos criar condições propícias, a nível nacional e mundial, ao desenvolvimento e à eliminação da pobreza. 3. A realização destes objetivos depende, entre outras coisas, de uma boa governança em cada país. Depende também de uma boa governança no plano internacional e da transparência dos sistemas financeiros, monetários e comerciais. Defendemos um sistema comercial e financeiro multilateral aberto, eqüitativo, baseado em normas, previsível e não discriminatório. 4. Estamos preocupados com os obstáculos que os países em desenvolvimento enfrentam para mobilizar os recursos necessários para financiar seu desenvolvimento sustentável. Faremos, portanto, tudo o que estiver ao nosso alcance para que a Reunião Intergovernamental de Alto Nível sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que se realizará em 2001, tenha êxito. 5. Decidimos também levar em conta as necessidades especiais dos países menos desenvolvidos. Neste contexto, parabenizamo-nos com a convocação da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Países Menos Desenvolvidos, que irá realizar-se em maio de 2001, e faremos tudo para que obtenha resultados positivos. Pedimos aos países industrializados: 1. que adotem, de preferência antes da Conferência, uma política de acesso, livre de direitos aduaneiros e de cotas, no que se refere a todas as exportações dos países menos desenvolvidos; 263 2. que apliquem sem mais demora o programa de redução da dívida dos países mais pobres muito endividados e que concordem em cancelar todas as dívidas públicas bilaterais contraídas por esses países, em troca deles demonstrarem sua firme determinação de reduzir a pobreza; e 3. que concedam uma ajuda mais generosa ao desenvolvimento, especialmente aos países que estão realmente se esforçando para aplicar seus recursos na redução da pobreza. 6. Estamos também decididos a abordar de uma forma global e eficaz os problemas da dívida dos países em desenvolvimento com rendimentos baixos e médios, adotando diversas medidas de âmbito nacional e internacional, para que a sua dívida seja sustentável a longo prazo. 7. Reconhecemos as necessidades e os problemas especiais dos países em desenvolvimento sem litoral e por isso pedimos aos doadores bilaterais e multilaterais que aumentem sua ajuda financeira e técnica a este grupo de países, com o objetivo a satisfazer as suas necessidades especiais de desenvolvimento e ajudá-los a superar os obstáculos resultantes da sua situação geográfica, melhorando os seus sistemas de transporte em trânsito. 8. Decidimos ainda: 1. Reduzir pela metade, até o ano de 2015, a porcentagem de habitantes do planeta com rendimentos inferiores a um dólar por dia e a das pessoas que passam fome; do mesmo modo, reduzir pela metade a porcentagem de pessoas que não têm acesso à água potável ou carecem de meios para obtê-la. 2. Lutar para que, até esse mesmo ano, as crianças de todo o mundo meninos e meninas - possam concluir o ensino primário e para que haja igualdade de gêneros em todos os níveis de ensino. 3. Até então, ter detido e começado a inverter a tendência atual do HIV/Aids, do flagelo da malária e de outras doenças graves que afligem a humanidade. 4. 5. 9. Prestar assistência especial às crianças órfãs devido ao HIV/Aids. Até o ano 2020, ter melhorado consideravelmente a vida de pelo menos um bilhão de habitantes das zonas degradadas, como foi proposto na iniciativa "Cidades sem Bairros Degradados". Decidimos também: 1. Promover a igualdade de gêneros e a autonomia da mulher como meios eficazes de combater a pobreza, a fome e de promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. 2. Formular e aplicar estratégias que proporcionem aos jovens de todo o mundo a possibilidade real de encontrar um trabalho digno e produtivo. 264 3. Incentivar a indústria farmacêutica a aumentar a disponibilidade dos medicamentos essenciais e a colocá-los ao alcance de todas as pessoas dos países em desenvolvimento que deles necessitem. 4. Lutar para que todos possam aproveitar os benefícios das novas tecnologias, em particular das tecnologias da informação e das comunicações, de acordo com as recomendações formuladas na Declaração Ministerial do Conselho Econômico e Social de 2000. IV - Proteção de nosso meio ambiente comum 1. Não devemos poupar esforços para libertar toda a humanidade, acima de tudo nossos filhos e netos, da ameaça de viver num planeta irremediavelmente destruído pelas atividades do homem e cujos recursos já não serão suficientes para satisfazer suas necessidades. 2. Reafirmamos o nosso apoio aos princípios do desenvolvimento sustentável, enunciados na Agenda 21, que foram acordadas na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento. 3. Decidimos, portanto, adotar em todas nossas medidas ambientais uma nova ética de conservação e de salvaguarda e começar por adotar as seguintes medidas: 1. Fazer tudo o que for possível para que o Protocolo de Kyoto entre em vigor de preferência antes do 10º aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, em 2002, e iniciar a redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa. 2. Intensificar nossos esforços coletivos em prol da administração, conservação e desenvolvimento sustentável de todos os tipos de florestas. 3. Insistir na aplicação integral da Convenção sobre a Diversidade Biológica e da Convenção das Nações Unidas da Luta contra a Desertificação nos países afetados pela seca grave ou pela desertificação, em particular na África. 4. Pôr fim à exploração insustentável dos recursos hídricos, formulando estratégias de gestão nos planos regional, nacional e local, capazes de promover um acesso eqüitativo e um abastecimento adequado. 5. Intensificar a cooperação para reduzir o número e os efeitos das catástrofes provocadas por seres humanos. 6. Garantir o livre acesso à informação sobre a seqüência de genoma humano. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio V - Direitos Humanos, Democracia e Boa Governança 1. Não pouparemos esforços para promover a democracia e fortalecer o estado de direito, assim como o respeito por todos os direitos humanos e liberdades 265 fundamentais internacionalmente desenvolvimento. 2. reconhecidos, principalmente o direito ao Decidimos, portanto: 1. Respeitar e fazer aplicar integralmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2. Esforçarmo-nos para conseguir a plena proteção e a promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as pessoas, em todos os países. 3. Aumentar, em todos os países, a capacidade de aplicar os princípios e as práticas democráticas e o respeito pelos direitos humanos, incluindo o direito das minorias. 4. Lutar contra todas as formas de violência contra a mulher e aplicar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. 5. Adotar medidas para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos dos migrantes, dos trabalhadores migrantes e das suas famílias, para acabar com os atos de racismo e xenofobia, cada vez mais freqüentes em muitas sociedades, e para promover uma maior harmonia e tolerância em todas as sociedades. 6. Trabalhar coletivamente para conseguir que os processos políticos sejam mais abrangentes, de modo a permitirem a participação efetiva de todos os cidadãos, em todos os países. 7. Assegurar a liberdade dos meios de comunicação para cumprir a sua indispensável função e o direito público de ter acesso à informação. VI - Proteção dos grupos vulneráveis 1. Não pouparemos esforços para garantir que as crianças e todas as populações civis que sofrem com as conseqüências das catástrofes naturais, de atos de genocídio, dos conflitos armados e de outras situações de emergência humanitária recebam toda a assistência e a proteção de que necessitam para poderem retomar uma vida normal quanto antes. Decidimos, portanto: 1. Aumentar e reforçar a proteção dos civis em situação de emergência complexas, em conformidade com o direito internacional humanitário. 2. Intensificar a cooperação internacional, designadamente a partilha do fardo que recai sobre os países que recebem refugiados e a coordenação da assistência humanitária prestada a esses países; e ajudar todos os refugiados e pessoas deslocadas a regressar voluntariamente às suas terras em condições de segurança e de dignidade, e a reintegrarem-se sem dificuldade nas suas respectivas sociedades. 266 3. Incentivar a ratificação e a aplicação integral da Convenção sobre os Direitos da Criança e seus protocolos facultativos, sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados e sobre a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil. VII - Responder às necessidades especiais da África 1. 2. Apoiaremos a consolidação da democracia na África e ajudaremos os africanos na sua luta por uma paz duradoura, pela erradicação da pobreza e pelo desenvolvimento sustentável, para que, desta forma, a África possa integrar-se na economia mundial. Decidimos, portanto: 1. Apoiar plenamente as estruturas políticas e institucionais das novas democracias da África. 2. Fomentar e apoiar mecanismos regionais e sub-regionais de prevenção de conflitos e de promoção da estabilidade política, e garantir um financiamento seguro das operações de manutenção de paz nesse continente. 3. Adotar medidas especiais para enfrentar os desafios da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável na África, tais como o cancelamento da dívida, a melhoria do acesso aos mercados, o aumento da ajuda oficial ao desenvolvimento e o aumento dos fluxos de Investimentos Estrangeiros Diretos, assim como as transferências de tecnologia. 4. Ajudar a África a aumentar sua capacidade de fazer frente à propagação do flagelo do HIV/Aids e de outras doenças infecciosas. VIII - Reforçar as Nações Unidas 1. 2. Não pouparemos esforços para fazer das Nações Unidas um instrumento mais eficaz no desempenho das seguintes prioridades: a luta pelo desenvolvimento de todos os povos do mundo; a luta contra a pobreza, a ignorância e a doença; a luta contra a injustiça; a luta contra a violência, o terror e o crime; a luta contra a degradação e destruição do nosso planeta. Decidimos, portanto: 1. Reafirmar o papel central da Assembléia Geral como principal órgão deliberativo, de adoção de políticas e de representação das Nações Unidas, dandolhe os meios para que possa desempenhar esse papel com eficácia. 2. Redobrar os esforços para conseguir uma reforma ampla do Conselho de Segurança em todos os seus aspectos. 3. Reforçar ainda mais o Conselho Econômico e Social, com base em seus recentes êxitos, de modo a que possa desempenhar o papel que lhe foi atribuído pela Carta. 267 4. Reforçar a Corte Internacional de Justiça, de modo que a justiça e o primado do direito prevaleçam nos assuntos internacionais. 5. Fomentar a coordenação e as consultas periódicas entre os principais órgãos das Nações Unidas no exercício das suas funções. 6. Velar para que a Organização conte, de forma regular e previsível, com os recursos de que necessita para cumprir seus mandatos. 7. Instar o Secretariado para que, de acordo com as normas e procedimentos claros acordados pela Assembléia geral, faça o melhor uso possível desses recursos no interesse de todos os Estados-Membros, aplicando as melhores práticas de gestão e tecnologias disponíveis e prestando especial atenção às tarefas que refletem as prioridades acordadas pelos Estados-Membros. 8. Promover a adesão à Convenção sobre a Segurança do Pessoal das Nações Unidas e do Pessoal Associado. 9. Velar para que exista uma maior coerência e uma melhor cooperação em matéria normativa entre as Nações Unidas, os seus organismos, as Instituições de Bretton Woods e a Organização Mundial do Comércio, assim como outros órgãos multilaterais, tendo em vista conseguir uma abordagem coordenada dos problemas da paz e do desenvolvimento. 10. Prosseguir a intensificação da cooperação entre as Nações Unidas e os parlamentos nacionais através da sua organização mundial, a União Interparlamentar, em diversos âmbitos, principalmente: a paz e segurança, o desenvolvimento econômico e social, o direito internacional e os direitos humanos, a democracia e as questões de gênero. 11. Oferecer ao setor privado, às organizações não-governamentais e à sociedade civil em geral mais oportunidades de contribuírem para a realização dos objetivos e programas da Organização. 3. Pedimos à Assembléia Geral que examine periodicamente os progressos alcançados na aplicação das medidas propostas por esta Declaração e ao Secretário-Geral que publique relatórios periódicos, para que sejam apreciados pela Assembléia e sirvam de base para a adoção de medidas ulteriores. 4. Nesta ocasião histórica, reafirmamos solenemente que as Nações Unidas são a casa comum indispensável de toda a família humana, onde procuraremos realizar as nossas aspirações universais de paz, cooperação e desenvolvimento. Comprometemo-nos, portanto, a dar o nosso apoio ilimitado a estes objetivos comuns e declaramos a nossa determinação em concretizá-los.