PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PUC-SP
CLARA MARIA PUGNALONI
Comunicação para o Desenvolvimento.
Apoio a projetos de ajuda humanitária em sociedades pós-conflito e em
conflito latente: o caso em Angola.
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PUC-SP
CLARA MARIA PUGNALONI
Comunicação para o Desenvolvimento
Apoio a projetos de ajuda humanitária em sociedades pós-conflito e em
conflito latente: o caso em Angola.
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à Banca
Examinadora
da
Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para a obtenção do título de
Doutor em Ciências Sociais,
sob co-orientação do Prof. Dr.
José Manuel Pureza e sob a
orientação do Prof. Doutor.
Edgard de Assis Carvalho.
São Paulo
2011
Autorizo a reprodução e divulgação parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde
que citada a fonte.
Catalogação da Publicação
Serviço de Documentação
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais
Pugnaloni, Clara Maria.
A contribuição da comunicação para os resultados de projetos de ajuda
humanitária voltados á segurança alimentar e direitos humanos em sociedades
pró-conflito/ Clara Maria Pugnaloni; orientador Edgard de Assis Carvalho. – São
Paulo, 2011.
267 f. : il.
Tese (Doutorado) - - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011.
1. Comunicação para o Desenvolvimento. – 2. Projetos de Ajuda
Humanitária – Sociedades Pós-Conflito – Desenvolvimento – Segurança
Alimentar. 3. Ciências Sociais. I. De Assis Carvalho, Edgard. II. Título. III. Título:
Comunicação para o Desenvolvimento. Apoio a projetos de ajuda humanitária
em sociedades pós-conflito e em conflito latente: o caso em Angola.
BANCA EXAMINADORA
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DEDICATÓRIA
Ás forças do universo,
Á minha força interior,
Aos meus amigos incondicionais.
AGRADECIMENTOS
O final de um processo. Momento de fazer um retrospecto,
pesar o que ganhamos e pensar em quem nos conduziu pelo trajeto.
Lembrar como éramos há cinco anos e quais as transformações que o
conhecimento trouxe. Afinal, O saber ocupa lugar parafraseando o
CES1. Algumas coisas deixarão saudades. Posso dizer que as
observações feitas e as horas encantadoras com que meu orientador,
Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho, nos brindou em suas aulas
durante o curso será uma delas. Ele foi um encorajador dos projetos
propostos, das idéias apresentadas, da quebra dos padrões e,
sobretudo, da busca pela excelência.
Como o processo de crescimento é múltiplo os professores da
PUCSP, cada um a sua maneira, muito contribuíram. Mas,
especialmente, a Prof. Drª Lúcia Bógus me mostrou que há outros
caminhos a trilhar, e a Prof. Drª Norma Telles foi o incentivo que
faltava para que eu me jogasse nas mudanças que a vida pode
trazer.
Em minha estada na Universidade de Coimbra, vinculada ao
Núcleo de Estudos da Paz do CES, ampliei a minha visão de mundo
instigada pelo meu co-orientador Prof. Dr. José Manuel Pureza.
Agradeço a ele por isso. E, é claro, devo destacar a Maria José e o
Acácio, da Biblioteca Norte-Sul, pela acolhida, amizade e apoio.
Fazem daquele espaço de fato o Centro de Acolhimento para os
estudantes estrangeiros.
Colher as informações das ONGs em Portugal foi possível graças
ao Dr. Francisco Sarmento, diretor da Action AID, que me introduziu
junto aos demais dirigentes. Aos meus entrevistados em Angola,
Itália e Portugal gostaria de dizer o quanto foi importante terem
compartilhado seu tempo e seu conhecimento comigo. As belas
imagens que dão uma idéia do que eu vi em campo, capturadas pelo
sociólogo Ruben Villanueva, são suas percepções de quatro anos de
trabalho humanitário em Angola, antes de ir desvendar Moçambique.
Essa também uma sociedade pós-conflito. Agradeço a ele por nos
revelar o seu olhar.
Devo dizer que o Dr. Paolo Groppo foi um estímulo importante
neste universo fascinante da comunicação voltada para o
desenvolvimento do ser humano. Participativa, formativa, associativa,
criativa na perseguição do objetivo de que cada um possa contribuir
para seu crescimento e para o desenvolvimento comum. Tributo a ele
ter trilhado este caminho.
Por fim, agradeço a CAPES pela concessão da bolsa para o
período de pesquisa na Universidade de Coimbra, o que possibilitou
as entrevistas na Europa, sem a qual não teria sido possível realizar
esta tese.
1
Centro de Estudos Sociais (CES) pertencente à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
"Quem não sabe o que procura
não entende o que encontra"
Hans Seyler
Fotografia 1 – Mãe e filho Himbas com seu meio de deslocação
RESUMO
Pugnaloni, C M. Comunicação para o Desenvolvimento como apoio a
projetos de Ajuda Humanitária em sociedades pós-conflito ou
conflito latente: o caso em Angola. 2011. Tese (Doutorado)
Departamento de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.
O estudo ora apresentado adota os padrões da pesquisa social qualitativa
para conhecer a adoção da Comunicação para o Desenvolvimento em
dois momentos distintos na realização de projetos de Ajuda Humanitária.
Na fase inicial, a da Emergência, quando as primeiras ações para
reorganização do país são empreendidas pelas Organizações
Internacionais. E, na fase de Desenvolvimento, quando instaurar a ordem
política e socioeconômica e os direitos fundamentais passa a ser o
prioritário. O objetivo foi dar a conhecer as ações de comunicação
adotadas pela Organização Internacional (OI) e pelas Organizações não
Governamentais (ONGs) selecionadas, nos projetos de Ajuda Humanitária
que desenvolvem. O foco da tese foi o de elencar as principais ações de
comunicação que possam facilitar a implantação dos projetos e a
obtenção dos resultados pretendidos. E, dessa forma, colaborar para que
os beneficiários se transformem em atores sociais, como prega à práxis
da pedagogia de Paulo Freire. Como contribuição final, elaborei um
referencial teórico-operacional em Comunicação para o Desenvolvimento
possível de adoção em futuros projetos.
Palavras-chave: comunicação para o desenvolvimento, cultura, cidadania,
ajuda humanitária, direitos humanos, pós-conflito, construção da Paz.
ABSTRACT
Pugnaloni, C M. Comunicação para o Desenvolvimento como apoio a
projetos de Ajuda Humanitária em sociedades pós-conflito ou
conflito latente: o caso em Angola. 2011. Tese (Doutorado)
Departamento de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.
The study here presented follows the qualitative social research patterns
in order to know the adoption of Communication for Development in two
distinct moments for the realization of Humanitarian Help projects. In their
initial phase, the Emergency one, when the first actions for the
reorganization of the country are held by the International Organizations.
And, in the Development phase, when the political and socioeconomic
order and the fundamental rights become a priority. The objective was to
get to know the actions for communication adopted by the International
Organization (IO) and by selected the Non-Governmental Organizations
(NGOs), in the Humanitarian Help projects which they develop. The aim of
the thesis was to point the main actions for communications that might
facilitate the implementation of the projects and the obtaining of the
desired results. And, in this way, to collaborate with the rights holders, so
that they are transformed in social actors, the way it is taught by the praxis
of Paulo Freire pedagogy. As a final contribution, I developed a
theoretical-operational reference in Communication for Development,
possible to be adopted in future projects.
Key-words: communication for development, culture, citizenship,
humanitarian help, human rights, after-conflict, construction of Peace.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 - Mãe e filho Himbas .................................
7
Fotografia 2 - Banho matinal .........................................
14
Fotografia 3 - Separando grão de milho.........................
16
Fotografia 4 - Mãe e filho indo comprar garrafa de
cerveja.............................................................................
17
Fotografia 5 - Chapéu-de-sol.................... .....................
18
Fotografia 6 - Com as compras feitas........... .................
31
Fotografia 7 - Aconchego e o rei do galinheiro ..............
32
Fotografia 8 - A vendedora de panos ...........................
33
Fotografia 9 - Mulher em casa precária..........................
34
Fotografia 10 - Uma tarde em família..... ........................
35
Fotografia 11 - Irmãos na porta de casa............. ............
36
Fotografia 12 - À espera de clientes..... ..........................
37
Fotografia 13 - O vendedor de galinhas...........................
38
Fotografia 14 - O vendedora de árvores de Natal...........
39
Fotografia 15 - Restos do passado .................................
40
Fotografia 16 - Brinquedo ..............................................
43
Fotografia 17 - Brinquedos de guerra ............................
54
Fotografia 18 - Futuro incerto .......................................
56
Fotografia 19 - Vendedora de galinhas ..........................
57
Fotografia 20 - Vendedora de peixe seco ......................
57
Fotografia 21 - Por-do-sol na zona rural..........................
75
Fotografia 22 - As cores da África .................................
103
Fotografia 23 - Família no quintal....................................
106
Fotografia 24 - Jovem Mumuíla.......................................
107
Fotografia 25 - Mumuíla idosa.........................................
109
Fotografia 26 - Produtores de carvão..............................
113
Fotografia 27 - Miúdo estudando...... .............................
114
Fotografia 28 - A farmácia........... ..................................
116
Fotografia 29 - Cristo Rei em Lubando....... ....................
118
Fotografia 30 - Mulher cozinhando .................................
119
Fotografia 31 - Armazém ................................................
120
Fotografia 32 - Menina semeando ..................................
120
Fotografia 33 – Mucubais tomando cerveja .....................
122
Fotografia 34 – A evolução dos meios de transporte.......
126
Fotografia 35 – O torcedor ...............................................
127
Fotografia 36 – O futuro sob as costas ............................
133
Fotografia 37 – Jogos perigosos .....................................
136
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...………………………………………………………...
13
1
CONTEXTOS DE PARTIDA...….....…………............................
30
1.1 Um admirável mundo novo.....................................................
30
1.2
Sociedades em reconstrução pós-conflito. Guerras em
paz....................................................................................................
54
1.3 O pressuposto dos direitos humanos.………………….........
58
2
PROJETOS DE AJUDA HUMANITÁRIA.…………………….....
59
2.1 Origens e evolução.…………………………………..................
59
2.2 Contextualização de emergência e de desenvolvimento....
64
2.3 Das ações de emergência às de desenvolvimento…………
73
3
COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO...……….......………
77
3.1 Da Representação de Mundo..…………………………………
77
3.2 Da Guerra.................................................................................
84
3.3 Da Cidadania e da Cultura da Paz.……………………………
87
3.4 De Desenvolvimento.……………………………......................
88
4 O ESTUDO DE CASO EM ANGOLA..….………………………
102
4.1 Angola: dos reinos milenares subjugados à reconstrução
102
4.2 Comunicação para o Desenvolvimento e o Projeto Terra.
131
4.3 Do uso da Comunicação para o Desenvolvimento: ONGs
e OI...................................................................................................
136
CONCLUSÕES................................................................................
142
REFERÊNCIAS.…………………………………………………………
148
APÊNDICES....................................…………………………………
158
ANEXOS..............................................………………………………
251
13
INTRODUÇÃO
Meu
propósito
em
pesquisar
a
adoção
da
Comunicação
para
o
Desenvolvimento em sociedades pós-conflito ou em conflito latente e a sua
contribuição em projetos de ajuda humanitária está relacionado à ação que realizei
como consultora de comunicação em projeto da Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação (FAO). Isto me aproximou de sociedades pósconflito, nomeadamente Angola, me possibilitando uma imersão em uma sociedade
com toda a sorte de precariedades de infraestrutura – incluindo a de comunicação –
na luta para a reconstrução, construção do país. E, sobretudo, me instigou a
conhecer mais uma realidade tão diversa e adversa: a da dificuldade das
organizações da sociedade civil, organizações não governamentais, organizações
internacionais, governos - nacional e provinciais – em apoiar suas ações na
comunicação, por falta de estrutura ou por cerceamento.
Outro forte motivo foi aprofundar o estudo em uma área muito importante e
menos explorada - uma vez que não voltada aos princípios do mercado - e poder
contribuir no estabelecimento das necessidades e das ações norteadoras em
Comunicação para o Desenvolvimento, para quem opera no campo em ajuda
humanitária.
A partir do Primeiro Congresso Mundial de Comunicação para o Desenvolvimento (WCCD), ocorrido em Roma em 2006, que reuniu 900 profissionais,
governantes,
acadêmicos,
organizações
da
sociedade
civil,
organismos
internacionais, Organizações não Governamentais, os trabalhos que se realizam há
anos, nos quatro cantos do mundo, foram apresentados, discutidos, sistematizados.
O documento resultante desse primeiro encontro de ideias, práticas e experiências
denominado The Rome Consensus, que norteou também essa tese, tem como
conclusão a seguinte afirmação de Nelson Mandela. São as pessoas que fazem a
diferença. Comunicação para o Desenvolvimento é essencial para fazer a diferença
acontecer.
E, como prefaciou Amadou-Mathar M´Bow, pensar que os povos desejem
estabelecer
vínculos
de
uma
solidariedade
cada
vez
maior
e
instaurar
progressivamente relações de respeito e cooperação mútua, já não é uma utopia.
Mas para isso, ressaltava o dirigente da UNESCO, seria necessário que os meios de
14
comunicação não fossem colocados simplesmente a serviço de interesses do poder,
aprofundando as dificuldades já existentes entre as nações, naqueles anos da
Guerra Fria. Afirmava M`Bow que o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial
da Comunicação faria com que os povos pudessem compartilhar o conhecimento e
a visão dos assuntos mundiais. “Quando isso for atingido, a humanidade terá dado
um passo decisivo em direção à liberdade, à democracia e à solidariedade”.
Transcrevo a mensagem do Diretor da UNESCO no lançamento do relatório
Um Mundo e Muitas Vozes, por achar que o momento histórico que passamos a
viver a partir de março de 2011, parece comprovar que a Nova Ordem finalmente
está a chegar.
Este estudo visa conhecer o uso da comunicação por parte da FAO e de
ONGs de Segurança Alimentar e Direitos Humanos localizadas em Angola e em
Portugal, com atuação nesses dois países. Toma como ponto de partida o Projeto
ANG035/EU/FAO, realizado de 2007 a 2009 nas províncias angolanas de Huambo,
Huíla e Benguela, para a capacitação dos atores locais em delimitação de terra e
certificação de posse.
Fotografia 2 - Banho matinal.
A posse da terra garante acesso à água.
15
A comunicação no apoio aos projetos de Ajuda Humanitária é relacionada aos
Direitos Humanos e ao desenvolvimento da própria comunidade para a qual é
direcionada
e
denomina-se
Comunicação
para
o
Desenvolvimento.
Essa
especificidade difere da comunicação comercial, das relações públicas ou da
comunicação institucional. Pressupõe a participação e, traz em si, o debate
ideológico sobre o direito à comunicação que teve como marco representativo o
Relatório MacBride1, cujas recomendações ainda hoje não estão em vigência em
muitos países do sul.
Quero instaurar no âmbito desta tese um novo entendimento quanto a
condição das pessoas que são atendidas por projetos de ação humanitária. Em
diferentes áreas da ajuda – cultura, educação, saúde meio-ambiente, segurança
alimentar, direitos fundamentais – são designadas como beneficiários-alvo. De
acordo com o Cambridge o verbete beneficiary teria o significado de “pessoas ou
grupos que recebem dinheiro, vantagem ou ajuda”. E target designaria “pessoa ou
grupo particular de pessoas a quem algo é direcionado ou pretendido”. A transição
mais adequada vem a ser rights holders. Vejamos “as seguintes significações: (i)
right considerado certo ou moralmente aceitável pela maioria das pessoas”; holders
“quem é oficialmente é propriamente o detentor de alguma coisa”. O direito moral de
ser detentor de algo. Direito e não benefício.
O interesse em estudar este campo teve origem em uma pesquisa
exploratória realizada em Angola, no ano de 2007, nas províncias de Luanda e
Huambo, por ocasião do lançamento do Projeto Terra. Constatei, a partir da
observação participante e de entrevistas não estruturadas, a problemática da
ineficácia das redes de telecomunicações na integração do país na época. Da
mesma forma, me deparei com a falta de familiaridade ou dificuldade de acesso às
tecnologias tradicionais e novas tecnologias de informação no exercício do
jornalismo e no trabalho humanitário das ONGs locais. A maioria dos meios de
comunicação pertencia ao Estado e que era difícil para as ONGs conseguirem
concessões para veículos comunitários. Percebi a dificuldade de utilização da
comunicação por OIs e ONGs atuantes no campo no momento em que havia a
necessidade de informar aos atores sobre a Lei de Terra.
1
O MacBride Report Many Voices, one World http://www.communicationofsocialchange.org/maziarticles.php? Sean MacBride foi jornalista, jurista e político. Prêmio Nobel e Prêmio Lênin da Paz. Presidente da
Agência Internacional da Paz; ex-ministro de Assuntos Exteriores; membro fundador da Anistia Internacional;
comissionado das Nações Unidas para a Namíbia.
16
Fotografia 3 – Mulher separando o
grão de milho
Em vias de ser regulamentada em Angola, na época, a Lei iria assegurar o
direito e a certificação de posse da terra às comunidades tradicionais ou a outros
demandantes, com desdobramento natural na garantia da segurança alimentar e
acesso aos recursos naturais como a água. Em um momento em que muitos dos
refugiados e deslocados internos retornaram para suas casas, motivados pelo fim da
guerra, esse cenário estimulou a realização desta tese.
Procedimentos e limitações
Realizei o levantamento de dados para a tese durante um programa de
estudos no exterior (PDEE/CAPES). A pesquisa bibliográfica foi também realizada
17
na Universidade de Coimbra. Mantive entrevistas com importantes dirigentes de
ONGs de Segurança Alimentar e Direitos Humanos em Angola e em Portugal.
Fotografia 4 – Mãe e filho indo comprar garrafa
de cerveja.
O trabalho em campo evidenciou que o estudo deveria ser aprofundado com
a realização de entrevistas na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação (FAO), sediada em Roma, onde também foi realizada pesquisa
bibliográfica. A escolha da FAO não significa que as demais agências do complexo
das Nações Unidas não tenham a mesma relevância, mas por essa ter sido a
instituição criadora do conceito de Comunicação para o Desenvolvimento (CpD) e
precursora em sua implantação.
Nessa etapa foram entrevistados coordenadores de Departamentos da OI e
dirigentes de organizações não governamentais em Portugal que realizam projetos
também em Angola. Foram entrevistados no país africano dirigentes de ONGs de
Segurança Alimentar e Direitos Humanos, para efeito comparativo. A pesquisa
18
qualitativa foi realizada na FAO/ONU, na Itália. Foram consultadas as organizações
Action AID, Amnistia Internacional, Organização Portuguesa de desenvolvimento bastante representativa que opera nas ex-colônias e que solicitou sigilo, designada
como Instituição M (IM), Intercooperação e Desenvolvimento (INDE) e a OIKÓS
Cooperação e Desenvolvimento, em Portugal. Em Angola, foram entrevistados
dirigentes da Municipalistas por La Solidariedad y el Fortalecimento Institucional
(MUSOL) e Organização Cristã de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário
(OCADEC). Em sua estada no Brasil, foi entrevistada a Coordenadora Internacional
em Angola do Projeto Terra.
Fotografia 5 – Mulher com chapéu–de-sol
Essas entrevistas resultaram em um rico material sobre a importância e a
aplicação da comunicação nos projetos realizados no campo. E permitiram visualizar
as diversas concepções sobre comunicação e sobre os resultados que ela pode
gerar em projetos de ajuda humanitária.
O objetivo foi detectar importância atribuída, bem como deficiências e
necessidades, referente a ações de comunicação como suporte aos projetos de
Ajuda Humanitária e de Desenvolvimento realizados pelas instituições pesquisadas.
19
Portanto, o que se buscou foi a análise de um fenômeno contemporâneo dentro de
um contexto real (Yin,2005).
O estudo do material coletado em campo e a revisão da literatura permitiram
a construção de um referencial teórico-operacional em Comunicação para o
Desenvolvimento, um dos objetivos deste estudo. Pretende-se que esse referencial
possa contribuir para a efetividade de futuros projetos de Ajuda Humanitária e de
Desenvolvimento.
Como limitação deste estudo ressalta-se um entrave burocrático que impediu
a concessão do visto de entrada em Angola o que inviabilizou o retorno da
pesquisadora ao país. Para dar continuidade à investigação solicitei à Coordenadora
do Projeto Terra em Angola aplicar o questionário remetido e registrar as entrevistas.
Ressalta-se que não houve ingerência sobre as respostas. As gravações das
entrevistas realizadas em Angola foram posteriormente a mim enviadas para a
sistematização e decupagem dos dados lá coletados.
Abordagem metodológica
O Estudo de Caso foi adotado por permitir o enfoque em uma situação
específica, que se supõe única em muitos aspectos, procurando-se descobrir quais
os aspectos essenciais e quais as características que permitem a compreensão
global do objeto de estudo. Também por possibilitar a análise em profundidade e a
leitura de diferentes prismas relacionados ao problema em foco (Yin, 2005).
Apresenta a vantagem de permitir uma abordagem holística - com o estudo de
vários aspectos do mesmo objeto - e a investigação em profundidade de suas
relações. É pertinente ao lidarmos com muitas das variáveis que interessam aos
cientistas sociais como democracia, poder, cultura política, poder do Estado, e que
são notoriamente difíceis de mensurar, até porque podem variar de acordo com o
contexto cultural (Yin, 2004). É adequada a abordagem quando se quer descobrir as
intersecções entre fatores significativos característicos da situação e a dinâmica de
um problema ou processo, na busca de seu aprimoramento ou para ajudar
organizações ou decisores a definir novas políticas.
20
Durante a realização desta tese utilizou-se além da entrevista, a análise do
discurso e a observação para a coleta de dados. O método da observação permite a
interação, o envolvimento e o aprofundamento com os fenômenos em estudo, sendo
amplamente utilizado na prática da sociologia e da antropologia. Burawoy (2000)
considera a observação participante como a técnica que permite vivenciar a
realidade dos sujeitos a partir da inserção do investigador no mundo a ser
pesquisado, o que lhe permitirá perceber os jogos de poder que perpassam os
processos observados. Da mesma forma permite ao pesquisador ficar próximo
quanto um membro do grupo a ser estudado, uma vez que participa das atividades
rotineiras deste. (Marconi e Lacatos, 2001).
A observação ocorreu na etapa de diagnóstico, primeiramente no período de
divulgação do lançamento do projeto ANG035/EU/FAO, quando foram visitadas as
diretorias dos meios de comunicação da capital Luanda e lideranças de ONGs de
Segurança Alimentar e Direitos Humanos.
Ampliando a visão de mundo
No desdobramento do processo a observação ocorreu durante o seminário de
lançamento do Projeto Terra, no Huambo. A província era emblemática por ter sido a
principal produtora agrícola na época colonial e por sediar a Faculdade de Ciências
Agrárias, que estava se reorganizando para retomar seu papel na formação de
angolanos. Por isso tornou-se sede da coordenação do projeto no país.
O evento reuniu as principais lideranças tradicionais – um dos participantes
ao iniciar as suas ponderações no seminário de lançamento identificou-se como o
“Rei de Huambo”, portanto líder tradicional e ancestral da região –, representantes
da sociedade civil, a imprensa local e nacional. Também participaram dirigentes de
ONGs ligadas à Segurança Alimentar e Direitos Humanos das três províncias
selecionadas para a realização do projeto em Angola: Benguela, Huambo e
Lubango. O futuro trabalho foi apresentado aos rights holders do projeto pela FAO,
quando foi feita a divulgação dos conceitos que seriam trabalhados e os objetivos
que seriam perseguidos em sua -realização. Na ocasião foi explicada a Lei de Terra,
prestes a ser regulamentada.
21
O seminário permitiu o esclarecimento de dúvidas levantadas pelos
participantes e o acolhimento das reivindicações trazidas pela sociedade civil aos
representantes da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
e da Comunidade Europeia. Tive a oportunidade de me inteirar das reivindicações
feitas, a maioria delas buscando esclarecimentos sobre a Lei e sobre a certificação
de posse definitiva aos que possuíam documentos provisórios anteriormente
concedidos.
Em uma ação pré-evento expliquei à direção dos meios de comunicação da
capital os benefícios do projeto tripartite que seria realizado pela FAO, por
solicitação do governo de Angola e financiamento da União Européia. Na ocasião foi
enfatizada a importância do apoio da imprensa para que todos fossem informados
sobre o processo de requerer a delimitação de suas terras e a certificação de posse.
Em visita ao diretor de Comunicação e Marketing da Televisão Pública de Angola
(TPA), Pedro Ramalhoso, testemunhei o insight que teve sobre o que representaria
o projeto para a população. Ramalhoso (2007) revelou que seu avô vivia em uma
área que há centenas de anos abrigava a sua família, sem ter nenhuma garantia de
posse. A informalidade poderia vir a significar nos tempos atuais a possibilidade de
perda do direito de ocupação, caso um ator com maior força política ou econômica,
a demandasse (informação verbal).2
Contribuí em Angola para a visibilidade do projeto ao acionar a imprensa em
Luanda na divulgação de seu lançamento e, posteriormente, no apoio aos jornalistas
durante o evento na província do Huambo. A observação foi relevante para buscar
desvendar a ocorrência e a importância da Comunicação em projetos de Ajuda
Humanitária.
Procedimentos
A técnica da entrevista por mim utilizada foi realizada com dirigentes de OIs e
ONGs de Ajuda Humanitária, que trabalham em projetos realizados em todo o
mundo. A entrevista apresenta a vantagem adicional do contato de curta duração
com o entrevistado. “[...] Assim, por saber que o entrevistador provavelmente não
2
Informação fornecida por Ramalhoso, em Luanda, em 2007.
22
pertencerá ao seu círculo de relações pessoais ou profissionais, poderá revelar
aspectos inesperados.” (Mendes, 1999, p.155).
Foi necessário introduzir no instrumento aplicado em Angola, Itália e Portugal
questões comuns para posterior análise comparativa. Os conteúdos de cada divisão
de assuntos do questionário serão explicados a seguir:
i. Questões referentes à ajuda prestada.
Essas questões foram desenvolvidas buscando esclarecer a atividade
prestada pela organização em seus projetos. O interesse foi também saber se havia
dificuldades percebidas durante a realização dos projetos que fossem recorrentes.
Por fim, procurou-se saber qual a receptividade dos beneficiários.
ii. Questões referentes à importância da comunicação nos projetos.
As questões foram formuladas neste item com os objetivos de perceber qual a
importância atribuída pelos doadores à comunicação e a percepção dos
respondentes sobre a influência de ações de comunicação no resultado dos
projetos.
iii. Questões relativas à adoção da comunicação em projetos recentes
Buscou-se verificar a existência de budget e o percentual para comunicação
nos projetos realizados nos dois últimos anos (2007 e 2008). O levantamento de
dados procurou perceber também a existência de planejamento de comunicação
estratégica, as prioridades na divulgação ao iniciar um projeto e se os resultados são
divulgados aos “beneficiários” ao seu término.
iv. Questões referentes à necessidade da CpD e garantia de direitos
Especializando mais a busca de informação se procurou levantar qual tem sido a
necessidade de adoção da Comunicação para o Desenvolvimento nos projetos e
23
sua contribuição para o reconhecimento do direito à cidadania e à segurança
alimentar pelos beneficiários.
Durante as entrevistas houve flexibilidade em relação ao roteiro e a
abordagem
de
assuntos
pelos
entrevistados
não
previstos
inicialmente,
enriquecendo assim o processo. Surgiram especificidades como no caso da
Amnistia Internacional que não trabalha com organizações doadoras o que suscitou
uma adequação imediata das questões de minha parte.
Por ser a entrevista uma co-construção social o papel do entrevistador deve
ser reconhecido nesta ocasião única. Desta forma, devem ser colocadas nas
transcrições as perguntas, hesitações e expressões do entrevistador. De acordo
com Mendes (1999) a citação de um extrato sem a pergunta do entrevistador é um
ato descontextualizado redutor. Na análise das entrevistas para evitar a
descontextualização das respostas é preciso transcrevê-las em sua totalidade,
evitando a transcrição só de fragmentos ou trechos mais importantes. É preciso
indicar o contexto e a dinâmica de cada entrevista, estabelecendo onde e como
transcorreu, se houve interferências ou tensões. A íntegra das entrevistas realizadas
está no apêndice da tese. As conclusões auferidas estão no relatório elaborado a
partir dos dados coletados localizado no corpo da tese.
Para a aplicação das entrevistas foram selecionados membros do staff da
organização internacional, responsáveis pelas divisões de emergência, de
segurança alimentar e divisão de Comunicação. Nas ONGs pesquisadas foram
entrevistados os seus dirigentes, portanto atores com visão estratégica e poder de
decisão dentro das organizações. E, também, poder no processo de negociação e
na posterior realização de projetos. O interesse foi identificar a adoção da
comunicação em projetos e verificar qual sua contribuição nos resultados.
As entrevistas foram aplicadas por mim em Portugal e na Itália. Em Angola,
por problemas burocráticos para a entrada no país, já citados, as entrevistas foram
aplicadas pela coordenadora nacional do projeto ANG035/UE/FAO. A dirigente
gravou as respostas às perguntas do questionário enviado e, posteriormente,
entregou-me as gravações que transcrevi. A coordenadora do Projeto Terra para
Angola foi entrevistada em sua estada no Brasil.
Os depoimentos foram colhidos na Itália: em 24 de setembro com o chefe do
Departamento de Educação e Comunicação da FAO, Jornalista; em 25 de setembro
24
com os coordenadores de Emergência, sociólogo e economista e com o
coordenador de Segurança Alimentar, engenheiro agrônomo. Portanto, na Itália
foram entrevistados oficiais dos setores de emergência, segurança alimentar e
comunicação da FAO.
As gravações em Portugal ocorreram em Aveiro em 21 de outubro de 2009
com o diretor internacional da Action Aid, engenheiro agrônomo. Em Lisboa foram
realizadas em 14 de novembro, quando foi entrevistado o dirigente do Instituto M
(IM), graduado em Relações Internacionais. Em 17 de novembro foi entrevistado o
diretor do Instituto para o Desenvolvimento (INDE), jornalista; em 18 de novembro o
diretor da Amnistia Internacional, advogado e, em 19 de novembro, o diretor da
OIKÒS com a formação em filosofia e sociologia.
Em Angola as entrevistas realizaram-se em 9 de dezembro de 2009 com o
diretor para o país da MUSOL, que tem o nível de licenciatura; e em 11 de dezembro
com diretor da OCADEC que é técnico agrônomo. Em Porto Alegre, em 23 de março
de 2010 foi entrevistada a coordenadora do Projeto ANG035/EU/FAO para Angola,
advogada.
De modo geral, as entrevistas transcorreram com boa recepção por parte dos
entrevistados. Apenas um se mostrou receoso com a posterior divulgação e solicitou
anonimato e confidencialidade para excluir a possibilidade de motivar futuro entrave
ao trabalho da ONG. Pela formação acadêmica dos entrevistados, alguns com PhD,
e a grande experiência que tinham no terreno, ao início da entrevista ressaltei a
importância de que esse estudo poderia ter para as ONGs. O fato de ter sido
indicada aos demais entrevistados pelo Diretor Internacional da Action Aid e de estar
vinculada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra facilitou os
contatos e consegui a concordância em 100% das entrevistas solicitadas.
Os dados das entrevistas foram estruturados segundo os seguintes aspectos
para posterior análise:
(i)
Aspectos políticos: conhecimento da CpD; aceitação da CpD;
valorização da CpD pelos doadores; percentual de budget nos projetos;
percepção de benefícios; aceitação dos projetos pelas comunidades;
(ii)
Aspectos sociais: informação pré/pós-projeto; percepção da
importância; participação dos beneficiários, conscientização política;
25
(iii)
Aspectos técnicos: características
dos
projetos;
benefícios
auferidos; importância da CpD para a Organização.
As hipóteses de partida serviram de instrumentos que orientaram a coleta dos
dados não impedindo a verificação de outras possibilidades, decorrentes de fatos
novos surgidos durante as entrevistas. Os dados foram agrupados para a
identificação dos consensos de informação de cada categoria bem como da
estabilidade de informação.
No desdobramento do trabalho foi feita a análise das práticas adotadas na
realização de projetos e as práticas de comunicação seguidas pela OI. Também
analisei as ações adotadas pelas ONGs angolanas e portuguesas entrevistadas,
para efeito comparativo. As informações sistematizadas possibilitaram conclusões e
a realização de um referencial teórico-operacional em Comunicação para o
Desenvolvimento, contribuição dessa tese.
Objetivos e estrutura da tese
O objetivo geral desta tese é identificar qual tem sido e qual deve ser o papel da
Comunicação para o Desenvolvimento em Projetos de Ajuda Humanitária, no
restabelecimento dos Direitos Humanos em sociedades pós-conflito, como no caso
de Angola.
Os objetivos específicos são:
(i) especificar a relevância e a aplicação da Comunicação para o Desenvolvimento,
pela Organização Internacional de Segurança Alimentar e Direitos Humanos
selecionada, nos projetos humanitários realizados em situações de pós-conflito ou
conflito latente3, caso de pós-guerra ou sociedades que vivem em guerra não
declarada.
3
O estado do Rio de Janeiro, no Brasil, configura-se como um caso de guerra não declarada; com a banalização de ações
armadas do exército ou da polícia civil, em confrontos com traficantes em determinadas regiões da cidade.
26
(ii) identificar as ações de comunicação realizadas como apoio aos projetos de
Ajuda Humanitária de emergência ou projetos de Desenvolvimento4 - esses
específicos da fase de reconstrução - pelas ONGs de Segurança Alimentar e
Direitos Humanos selecionadas em Portugal, comparativamente a de organizações
similares em Angola.
(iii) identificar a contribuição da Comunicação para o Desenvolvimento no resgate
dos Direitos Humanos em sociedades pós-conflito e em conflito latente.
Por hipótese tem-se que há uma forte relação entre a implantação de ações de
Comunicação para o Desenvolvimento no apoio a Projetos de Ajuda Humanitária e
Projetos de Desenvolvimento e o resgate dos Direitos Fundamentais.
Roteiro dos capítulos
A estrutura da tese divide-se em quatro capítulos. O primeiro “Contextos de
Partida” apresenta as características e o processo de reconstrução em sociedades
pós-conflito. Aborda as sociedades que estão em conflito latente, mesmo que não
declarado, designadas como Estados Frágeis, Falhados e em Colapso (EFFC) e que
vivem as Guerras em Paz. Nesse capítulo serão delineadas as características e os
principais problemas desses estágios e as possíveis soluções.
No segundo capítulo “Projetos de Ajuda Humanitária“ serão analisados os
projetos de Ajuda Humanitária que contribuem para a solução de situações
emergenciais e para a reorganização política, socioeconômica e técnica em
operações que objetivam o desenvolvimento. Essas, são implementadas em
intervenções realizadas por OIs e ONGs visando também à reconstrução da Paz,
como no caso de Angola.
O terceiro capítulo “Comunicação como Instrumento” apresenta a análise da
comunicação em seus diferentes contextos: da cultura da Paz, de desenvolvimento
4
Projetos de Ajuda Humanitária são implementados em situações de emergência - subsequentes a situações de catástrofes
naturais ou de cessar fogo. Projetos de Desenvolvimento são implementados após o final do estado de Emergência, quando as
ações adotadas serão voltadas para a reorganização político-socioeconômica. (POWER,S.2008).
27
e da Comunicação como um direito humano, fazendo um contraponto às históricas
recomendações do Relatório MacBride do direito a uma comunicação igualitária e
horizontal no mundo.
No quarto capítulo “O Estudo de Caso em Angola” há a inserção de um elemento
empírico trazido ao debate que é a descrição de um caso especifico situado em
Angola. É nesse ponto da tese que são apresentados os resultados auferidos na
investigação realizada com a OI e com as ONGs em Angola, Itália e Portugal. O seu
conteúdo apresenta ainda a conceituação, delimitação do tema e diretrizes
estabelecidas
no
Primeiro
Congresso
Mundial
de
Comunicação
para
o
Desenvolvimento, cujo documento final The Rome Consensus foi colocado nos
anexos.
Como fechamento, apresento as conclusões e os resultados que esta tese
permitiu delimitar. Está incluído nas conclusões um referencial teórico-operacional
em Comunicação para o Desenvolvimento tendo como contexto de partida o Projeto
Terra. As entrevistas permitiram delimitar a estabilidade da informação e as
diretrizes em comunicação utilizadas nos projetos e pela OI e ONGs selecionadas.
Essas, acrescidas do resultado da pesquisa bibliográfica, permitiram estabelecer os
pontos
considerados
importantes
nos
projetos
em
Comunicação
para
o
Desenvolvimento e que espero possam contribuir com futuros projetos.
A primeira conclusão é a de que a Comunicação para o Desenvolvimento
passará a assumir uma posição-chave no desenvolvimento dos países e nos
projetos de ajuda humanitária, o que deverá ser reconhecido também pelos
doadores a partir de agora. Já existe o consenso de que a prática é fundamental
para fomentar a conscientização, a participação, a educação, o empoderamento de
gênero e o reconhecimento dos direitos e deveres que a prática da cidadania
encerra.
A segunda conclusão é a de que o ensino de Comunicação para o
Desenvolvimento, alternativa de conquista de uma sociedade mais equânime e,
portanto, mais justa, é fundamental. Isto posto, que precisarão ser revistos os planos
pedagógicos para que possam incluir essa área tão importante que é a comunicação
inclusiva, educativa e participativa. Para que se alarguem os horizontes e as mentes
28
dos educandos, para que possam – como pregava Paulo Freire – se tornar
multiplicadores.
A terceira conclusão é a de que o momento se apresenta como o ideal para a
realização de uma profunda mudança, pois as ordens sociais do mundo
contemporâneo podem se desmanchar no ar na transformação numa velocidade
surpreendente e que precisamos poder enxergar neste caleidoscópio, em todas as
suas cores e facetas, reordenações, desenhos e inusitados resultados. O nosso
olhar deverá estar apto a acompanhar esse admirável mundo novo. Onde a palavra,
transmitida à distância, se soma a milhares, milhões de outras palavras, na
velocidade da luz, em frações de segundos, fazendo com que o processo individual
se transforme em local, nacional, global. E perceber que possui a força para
derrubar a velha ordem estabelecida. As novas tecnologias, essenciais para que se
possa trilhar por uma Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação, que,
viva, permitiu que a comunhão de ideais e de forças libertárias transformassem em
realidade desejos individuais, comunitários, nacionais há muito adormecidos ou
amortecidos dos povos do norte da África e do Oriente Médio. O que antes de março
de 2011 seria impensável. Aparentemente isolados, os indivíduos, comunidades, os
povos, as nações, estão conectadas ao mundo e ligadas a uma sociedade em rede.
Redes de comunicação que se formam e se transformam, estabelecendo uma nova
ordem.
A quarta conclusão me leva a refletir sobre as afirmações de que a
reconstrução do ideal democrático está acontecendo fundamentado na participação
nos circuitos de comunicação. A queda de regimes ditatoriais sob genuínos
movimentos revolucionários orquestrados pela comunicação interpessoal e nas
redes sociais – sem a participação dos meios de comunicação de massa confirmam a força da nova comunicação. Revelam que se estabeleceu outro
ordenamento social por meio de um processo que se multiplicou espontaneamente.
E que foi derrubando, de forma sucessiva, diversos regimes ditatoriais. Essa nova
ordem da comunicação alterou em pouquíssimo tempo a configuração geopolítica de
significativa parte do globo. E instaurando a possibilidade de que em antigas
sociedades tradicionais e autocráticas possam florescer valores libertários, caros à
democracia, como sublinhou Sarkosy.
29
Creio que estamos a ver a concretização da utopia da Nova Ordem
Mundial da Informação e da Comunicação. E que ela foi gerada de forma vertical, da
base para o topo, da periferia para o centro. Do sul para o norte. Em uma ação
revolucionária, imprevisível, a partir dos países periféricos, que atingiu, em cheio, um
mundo civilizado atônito. Esse é um caminho a trilhar que confirma os preceitos da
Comunicação para o Desenvolvimento. O novo está posto e nem a tentativa do
governo egípcio em evitar a queda, retirando a rede mundial do ar, surtiu efeito. A
força da comunicação concretizou a mudança ainda em curso na região. Realizando
o que pregara o Relatório da UNESCO, mesmo sem a paridade da comunicação nos
países do mundo. O que está a ocorrer no norte da África e que se propaga pelo
Oriente Médio, acredito, vem a confirmar essa teoria.
Parafraseando o sociólogo Fernando Henrique repito: cada vez mais, em
silêncio, as pessoas se comunicam, murmuram e, de repente, se mobilizam para
“mudar as coisas”. Neste processo, as novas tecnologias de comunicação
desempenham papel essencial. [...] Um mundo que parecia ser basicamente
individualista e regulado pela força dos poderosos ou do mercado, de repente
mostra que há valores de coesão e solidariedade social que ultrapassam as
fronteiras do permitido.
30
1 CONTEXTOS DE PARTIDA
1.1 Um admirável mundo novo
Quem sobrevoa a África pela primeira vez, talvez espere enxergar aquela
densa selva colossal, verde escuro, quase negra, úmida e intocada. Com uma
vegetação desordenadamente profusa, tal qual imaginou Joseph Conrad, e com as
grandes árvores a reinar sobre tudo. Sobre um grande vazio e o grande silêncio de
uma selva imperscrutável. O Coração das Trevas se desdobrando como nos
primórdios do mundo enfeitiçando-nos em um lugar distante, tal qual acontecera
com o personagem Kurtz. “Mas toda essa quietude em nada lembrava a paz. Era a
quietude de uma força implacável pairando sobre inescrutáveis desígnios, olhando
para você com um ar vingativo” (Conrad, 1998, p.64).
No entanto, quando se deixa a África do Sul em direção a Angola
sobrevoando a Botswana e a Namíbia - países que se interpõem geograficamente
ao destino - o que se pode ver são extensas áreas, quase sem vegetação,
semelhantes ao cerrado ou a caatinga. A densa floresta imaginária não é perceptível
quando o avião voa baixo nessa rota, o que acontece durante longos períodos.
Ao nos aproximarmos de Luanda, capital do país, uma cena se apresentou
beirando o inusitado. A pista de pouso era margeada a menos de 15 metros, em
quase toda a sua extensão, por pequenas casas compostas por quatro paredes de
tijolo nu cobertas por telhas de zinco, fixadas com tijolos soltos colocados sobre os
quatro cantos.
Essa configuração de moradia se multiplicava aos milhões fazendo com que
o olhar até o horizonte pairasse sobre aquela musseque.5 Kassequel (grifo meu)
abriga mais de quatro milhões de moradores que - ao deixarem suas províncias no
interior do país - se transformaram em deslocados internos ao fugir das guerras
colonial e civil. Aglomeram-se especialmente nas imediações de Luanda integrando
5
Musseque é o termo designativo de favela em Angola. Próximo ao aeroporto localiza-se a musseque
denominada Kassequel.
31
a crescente população urbana de uma cidade projetada pelos portugueses para
abrigar 600 mil habitantes. E onde vivem atualmente mais de quatro milhões de
pessoas.
O aeroporto Internacional, 4 de Fevereiro, reunia muita gente de forma
desordenada e barulhenta para embarques e desembarques de voos que não
tinham total comprometimento com o horário previsto.
Fotografia 6 – Com as compras feitas
As pessoas se acotovelavam para poder passar pelos fiscais de imigração.
Longas filas se formavam. Grupos de pessoas esperavam e muitas vezes
carregavam seus pertences em enormes trouxas amarradas. Galinhas vivas,
acondicionadas em cestas ou em caixas, também viajavam com seus donos.
Mulheres envoltas em panos com a grafia e as cores da África traziam
crianças amarradas a elas por outras cores.
32
Fotografia 7 – Aconchego e o rei do galinheiro
Um visitante vindo de um país com uma mínima organização no transporte
aéreo se sentiria como um protagonista de filmes já vistos, com cenas da chegada
em pequenos aeroportos no continente africano. Depois de ter visto na
aterrissagem, quase a invadir a pista, milhões de pequenas casas até a vista se
perder no horizonte, uma distinção me chamou a atenção por não ser usual em
aeroportos na Europa ou na América. Havia uma passagem à esquerda do pequeno
saguão para onde se dirigiam os viajantes em geral. No lado oposto uma placa
indicava o acesso restrito a diplomatas e a estrangeiros. Por ali a entrada era
imediata e livre de aglomerações.
A exigência de informações sobre o motivo da entrada no país, apesar do
visto de trabalho já concedido, é maior em Angola do que na chegada aos Estados
Unidos. Jornalistas são vistos com desconfiança. O agente angolano fez uma série
de questionamentos sobre o que eu faria lá, mesmo sendo consultora internacional
contratada pelas Nações Unidas para um projeto solicitado pelo governo nacional.
Fotografias de prédios públicos como o do aeroporto não eram permitidas,
informou o agente da imigração angolano. Prováveis resquícios de autoritarismo do
tempo da guerra ainda a perdurarem, cinco anos após o seu final. A viagem pode
33
incluir a espera de três horas pelas malas. Por isso, quando se vai para Angola o
melhor é viajar apenas com bagagem de mão. Na saída do aeroporto as angolanas
ofereciam por 2 kwanzas seus coloridos panos aos estrangeiros.
Fotografia 8 - A vendedora de panos
Os infindáveis pequenos casebres, vistos do alto, abrigam homens, mulheres
e crianças vivendo sem luz elétrica, sem água encanada, sem água tratada, sem
saneamento básico. Há mais de trinta anos. Os deslocados internos, vindos de
diferentes regiões, passaram a compartilhar o mesmo espaço geográfico. Diversas
etnias de refugiados, que se hostilizavam na época de paz, ao co-habitar na região
urbana. Como resultado do convívio forçado ficou usual casamentos em Kassequel
entre os que antes se matavam, afirmou Fernandez (2007) (informação verbal)6. A
escassez de infraestrutura básica para enfrentar a vida com dignidade provocava um
sentimento de comiseração.
6
Informação fornecida por Odílio Fernandes, em Luanda, em 2007.
34
Fotografia 9 – Mulher africana em casa precária
Com os pobres de Angola representando os pobres de todo o mundo. Pobres
que
reconhecemos como
despossuídos.
Despossuídos
até
do
acesso
à
comunicação. Sem ter televisão homens, mulheres e crianças se reuniam em
pequenos bares lá existentes, onde mais de cinquenta pessoas se juntavam ao
redor de um aparelho movido a diesel. Essa situação traz em si consequências
negativas para as perspectivas de desenvolvimento de milhões de pessoas e
espelha a realidade de muitos países do sul nos dias atuais. Como afirmava
MacBride (1983, p.23-24)
[...] Frequentemente, esquecemos ou menosprezamos o simples fato de
que as funções da comunicação são essencialmente relativas e estão
ligadas às diversas necessidades de comunidades e países diferentes,
embora isso seja um pré-requisito para qualquer concepção realista dos
problemas de comunicação, num mundo divergente e dividido, mas, ao
mesmo tempo, interdependente. Daí se depreende que os efeitos da
comunicação variam segundo as características de cada sociedade. Na
verdade, não existe uma sociedade contemporânea, e sim várias.
35
Fotografia 10 – Uma tarde em família
A média da natalidade em Angola é de seis filhos por mulher. As brincadeiras
muitas vezes incluem os cuidados de crianças com os irmãos menores. Em Luanda
muitos da destituída população de refugiados vivem também em favelas verticais.
Essas são os blocos de apartamentos no centro da cidade que pertenceram aos
portugueses e, que, agora, não têm mais elevadores em funcionamento, estrutura
adequada de água e de recursos sanitários. Os que não encontraram abrigo nos
prédios estão morando nas musseques com familiares ou conhecidos, o que dificulta
ao governo cobrar taxas e estimar corretamente a sua população urbana.
Um relatório publicado pela da Anistia Internacional em 2010 relatou que
ocorreram despejos forçados nos bairros Bagdad e Iraque. A organização, que teve
MacBride como um de seus membros fundadores, informou que em 2009 foi
realizada uma das maiores remoções dos últimos anos, quando foram expulsas três
mil famílias envolvendo quinze mil pessoas7. O setor da construção civil e a
7
Ver mais informações em:
http://www.radioecclesia.org/index.php?option=com_content&view=article&id=2829:amnistia-internacional-
36
reorganização urbana necessitam de áreas para erguerem os novos prédios e os
deslocados não são mais aceitos nessa nova lógica de mercado. O uso excessivo
da força e maus-tratos por parte das autoridades estão incluídos na denúncia, além
de prisões arbitrárias e execuções extrajudiciais.
Fotografia 11 – Irmãos na porta de casa
Na época estava sendo construída, por uma das inúmeras empreiteiras
estrangeiras no país, uma nova rua que daria acesso ao aeroporto. As obras
estavam suspensas e lonas de plástico preto cobriam a terra para fazer a contenção
das áreas que haviam sido revolvidas pelos tratores. Quando as máquinas – depois
paradas em meio à obra abandonada - abriram o solo, brotaram diamantes. O
governo estava fazendo a licitação internacional para exploração da área, que
critica-em-relatorio-policia-angolana-por-execucoes-sumarias-e-prisoes-de-activistascivicos&catid=132:internacionais&Itemid=484
37
estava situada no meio da região urbana, pelas companhias estrangeiras de
comércio de diamantes.
No caminho entre o aeroporto e o centro da capital angolana havia trechos
nas ruas onde o calçamento simplesmente desapareceu pela ação do tempo e que
não foram mais reparados depois da saída dos colonizadores. Mostravam a terra
vermelha que teimava em se espalhar com o vento. Mulheres novas com filhos
amarrados por panos às costas, acompanhadas de mulheres mais velhas, varriam a
poeira vermelha das ruas, com vassouras feitas de galhos e folhas de árvores. Em
uma luta infindável e perdida com o vento. Angolanos espreitavam próximo às
calçadas. Os seus carrinhos-de-mão transportavam mercadorias ou, quando na
espera de possíveis clientes, serviam de local de descanso para os seus donos.
Fotografia 12 – À espera de clientes
Sem transporte coletivo urbano e sem táxi, na Luanda de 2007, as pessoas
circulavam em motos e carros – veículos por vezes sem a mínima conservação
necessária – que pecavam pela falta de segurança. Apinhavam-se ainda nas
kandongas (grifo meu) que eram pequenas vans azuis de transporte informal e por
vezes sem portas, com capacidade para nove pessoas e transportando mais de
38
vinte. Centenas de Kandongas cruzavam as ruas em um interminável ir e vir no
trajeto entre a feira de Roque Santeiro e o centro da cidade. E formavam um
emaranhado de azul e branco em meio ao tráfego entupido de carros. A outra forma
de mobilidade era andar a pé.
As vias eram difíceis para veículos sem tração 4x4. Da janela do hotel
Presidente, se podia ver centenas de portentosas camionetes Mercedes, BMW,
Pathfinder, Nissan e WV Tuareg que desembarcavam rodando diariamente de
dentro dos navios. Após deixarem o pátio do porto e ganharem as ruas eram
paralisadas por milhares de carros, vans, motos e pedestres. Vendedores
ambulantes com toda a sorte de mercadorias imiscuíam-se entre os automóveis. Na
comercialização de seus produtos, que podiam ser vivos, paravam os carros para
oferecer e para entregar compras. Contribuíam para fazer de toda a cidade um
enorme engarrafamento.
Fotografia 13 – Vendedor de galinhas
39
Fotografia 14 – O vendedor de árvores de Natal
No trânsito totalmente caótico, sem regras a seguir e sem vontade de seguilas, as poucas polícias sinaleiras (grifo meu) apenas olhavam sem tomar atitude,
numa visível intenção de não se oporem a balbúrdia instituída. Parece que existe
uma via paralela em oposição à via oficial e que as coisas estão organizadas para
funcionar de outra forma em Luanda, em um processo que parece irreversível.
Irreversível porque as pessoas não retornarão mais para o campo. Criaram novas
raízes.
Em contraponto aos buracos, à poeira das ruas e às buzinas feéricas de
motoristas que não primavam pela calma ou pela direção segura, arremetendo em
meio aos pedestres, para meu total espanto irrompeu um reluzente Jaguar
[automóvel], em uma cena absolutamente surrealista.
Como que ausentes da agitação Kinguistas (grifo meu) tinham dezenas de
notas de dinheiro dobradas ao meio no sentido longitudinal, colocadas entre os
dedos de ambas as mãos. Eram homens que faziam o câmbio em plena rua, com o
dinheiro na mão à espera de alguém precisando trocar dólares ou kwanzas.
40
A beleza natural
A aproximação do centro de Luanda revelou uma cidade margeando uma
linda baía, com prédios baixos, no padrão europeu, voltados para uma ilha que se
estendia como um estreito em frente da cidade. É a Ilha do Cabo ou Ilha de Luanda
que concentra bares e restaurantes, o clube náutico e as praias. E que se tinge de
dourado quando o sol se põe defronte de Luanda. De perto os prédios, que eram
sólidas construções, pareciam ter virado cortiços. Por toda a cidade se via que as
antigas sacadas dos prédios coloniais, semelhantes às construções dos anos
sessenta de Lisboa, foram fechadas com tijolos sem reboco ou com outro tipo de
“puxados” para aumentar a área dos apartamentos. Essa prática multiplicada por
toda Luanda – acrescida de roupas penduradas pelas fachadas, ao estilo português
- conferia um estranho aspecto à cidade. Parecia degradada para quem a via pela
primeira vez.
Fotografia 15 – Restos do passado
Certo dia o motorista local da FAO percebeu a forma como eu observava a
cidade à minha volta, em uma das inúmeras vezes em que me apanhou no Hotel
41
Presidente para me levar ao escritório da organização em Luanda. Silva (2007)
falou: - nós sofremos muito aqui com a guerra. A cada ano que passava sabíamos
que se aproximava a nossa vez de ter que ir lutar. E nos lembrávamos de nossos
amigos que tinham ido e morrido. A cada ano uma leva de conhecidos que ia para a
guerra não voltava (informação verbal).8 O coordenador local do projeto Fernandes
(2007) contou que, em meio à guerra e sem alimentos, a população recebeu do
governo três porcos por família. Em Luanda eles eram criados também dentro dos
apartamentos, como fez o seu irmão que não vivia em uma casa. Naquela altura até
a Palanca Negra Gigante, um dos mais belos antílopes do mundo, animal símbolo
do país e existente unicamente em Angola, já havia sido praticamente exterminado
pelo povo faminto (informação verbal) 9 no interior, onde se desenrolava a guerra.
Em meio aos prédios desfigurados da antiga cidade colonial cresciam como
do nada, estruturas de enormes construções de cerca de 20 andares. Algumas
obras ainda no início, com o esqueleto já quase concluído, ladeadas pelos enormes
guindastes amarelos, altos como o prédio que surgia. Outras, já em fase de
acabamento, eram moderníssimos prédios espelhados, que pareciam terem sido
transplantados da Avenida Paulista. Empreiteiras internacionais – brasileiras e
chinesas – para cumprirem seus cronogramas iniciais levavam para Angola os
operários da construção civil, além dos engenheiros, arquitetos e paisagistas. Os
administradores
estrangeiros
afirmavam
que
os
angolanos
não
tinham
comprometimento com o trabalho, faltando demais. E, que, para respeitar a data de
entrega da obra era preciso importar também os pedreiros, serralheiros, pintores,
eletricistas, encanadores, azulejistas, marceneiros, vidraceiros, escavadores... Assim
o que poderia ser oportunidade de trabalho para os angolanos ficava para os
estrangeiros pela falta de formação do povo.
Elevador panorâmico e indignação local
O fornecimento de luz em Luanda pressupunha energia 24 horas por dia.
Uma vantagem dos habitantes da capital do país. Na província de Huíla localiza-se o
8
9
Informação fornecida por Vitorino, em Luanda, em 2007.
Informação fornecida por Fernandes, em Luanda, em 2007.
42
município do Lubango que era uma das regiões de desenvolvimento do projeto
Terra. Lá só havia fornecimento de luz por seis horas ao dia, em rodízio. Isto há
trinta anos.
A União Europeia era a patrocinadora do projeto e foi necessário fazer a
apresentação de meu relatório de missão em Angola ao coordenador de segurança
alimentar da organização no país. Destoando da falta de reparos de todos os
prédios vistos até então, a sede da União Europeia que era um pequeno edifício de
cinco andares, que havia sido bem reformado e possuía uma estrutura
contemporânea.
Além de mim, participaram da reunião o diretor do projeto da FAO Roma, o
Representante da FAO em Angola, o coordenador internacional do projeto no país e
o consultor angolano que o coordenava localmente. Na saída desci pelo elevador,
enquanto os demais pela escada. Faltou luz e fiquei trancada com o consultor local
no pequeno elevador, felizmente panorâmico, de onde se avistava a baía de Luanda
e a Ilha do Cabo. Fomos baixados à força por dois angolanos que levaram quase
uma hora puxando cabos.
Ao chegarmos na Land Rover branca com o símbolo azul da ONU na porta,
onde os demais nos esperavam acomodados, o Representante me disse que
sempre faltava luz. E, portanto, não era recomendável entrar em elevadores. Nesse
momento o coordenador internacional disse: - isso é Angola. A que eu respondi: –
não, isso é o elevador. O motorista local que nos apanhava no hotel todos os dias e
nos transportava calado, a menos que fosse consultado, nesse momento e para
meu espanto disse inflamado: - é, isso é o elevador. Não Angola. Percebi naquele
momento que muitas vezes comentávamos sobre o projeto e sobre a vida no país. E
que, possivelmente, as impressões do olhar estrangeiro não lhe soavam bem.
Uma das críticas frequentes das lideranças locais aos consultores
internacionais de ajuda humanitária é a de que chegavam com uma estratégia
exógena para ser implantada no país, inflacionavam os preços devido aos seus altos
salários para os padrões locais, movimentavam-se em suas Land Rover brancas e,
ao final de três anos iam embora nem sempre deixando soluções duradouras. Essa
crítica foi repetida por Xanana Gusmão a Sérgio Vieira de Melo. O líder timorense
reclamou que a ONU vinha distribuindo ajuda humanitária sem suficiente consulta
local. Acrescentou saber das boas intenções da organização, mas lembrou que a
ONU em sua missão no Camboja gastou milhões e, depois, ao ir embora, deixou um
43
vácuo atrás dela que foi preenchido pelo caos. (Power, 2009, p.33). Gusmão pediu
que Vieira de Melo prometesse não repetir o Camboja. E não repetir significaria criar
estruturas governamentais funcionais que fizessem uma diferença concreta e
duradoura para os cidadãos.10
Essa mesma preocupação existia em Angola, pois era primordial que ao final
do projeto os resultados fossem importantes também para a população. E isso
significaria que os certificados de posse em mãos das pessoas em áreas rurais
significassem o empoderamento, a possibilidade de acesso ao crédito para custeio
do plantio e surgimento do sustento familiar.
Fotografia 16 - Brinquedo
10
Ibidem
44
Conceitos revisitados
Alguns conceitos abordados passam a ser agora preliminarmente descritos e
ressalto que serão aprofundados no corpo da tese. Os projetos realizados por
Organizações Internacionais (OIs) e Organizações não Governamentais (ONGs)
com o objetivo de viabilizarem negociações aportando força política, know-how
técnico
e
recursos
para
reverter
quadros
de
fome,
violência,
exclusão,
discriminação, bem como para minimizar efeitos de crises humanitárias são
denominados Ajuda Humanitária. Ocorrem após catástrofes naturais ou
provocadas pelo homem como nos conflitos bélicos e vêm apresentando efeitos
cada vez mais devastadores por inúmeros fatores: mudança da natureza dos
conflitos, alterações climáticas, disputa por recursos energéticos e naturais, pobreza
extrema e má governação.
Essas são situações afetam diretamente as populações civis, especialmente
as pessoas mais pobres e vulneráveis de países não desenvolvidos e resultam, de
acordo com o Instituto Português do Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), no
surgimento de imensas populações de refugiados ou de deslocados internamente
para outras regiões em seus próprios países.
A ajuda humanitária se desenvolve em dois momentos distintos: (i) a fase da
emergência imediatamente após o fim do conflito ou da catástrofe; (ii) a fase de
desenvolvimento, quando terminam as ações de emergência e uma nova proposta é
adotada para que sejam atingidas metas de promoção da retomada do
desenvolvimento socioeconômico.
Os projetos de emergência ocorrem na fase subsequente à ocorrência de
catástrofes naturais ou provocadas pelo homem, em articulação direta dos
organismos nacionais e internacionais da área específica da ajuda para viabilizar
estratégias de logística, de alimentação, de reconstrução, etc. As atividades de
emergência num contexto de guerra podem ser, por exemplo: (i) montagem de
campo de refugiados, (ii) envio de médicos, (iii) envio e distribuição de comida e
água, (iv) envio de remédios, (v) colocação de quadros de pessoal para distribuição.
Especificamente a emergência ocorre ao final de guerras, situação que é o foco
desta tese, ou após eventos naturais. Nessa categoria o caso mais emblemático
45
para as Organizações Internacionais, em um passado recente, foi o Tsunami11 na
Tailândia. Isso pela violência e alcance da devastação que resultou em enorme
envolvimento da comunidade internacional.
Quando conceitos se tornam realidade
As guerras surgem sistematicamente nos quatro cantos do mundo e só no
continente africano a devastação provocada pelo homem atingiu Angola,
Moçambique, Serra Leoa, Libéria, Sudão para citar alguns países envolvidos em
conflitos recentes. O Egito, a Tunísia, são casos de conflitos que eclodiram em 2011
e que rapidamente foram superados, com a renúncia de seus ditadores
pressionados pelo povo e pela comunidade internacional. O reinado do Bahrein,
neste momento, tenta romper o ciclo de revolta que chegou dos países vizinhos e se
fortalece com a presença do exército da Arábia Saudita. O Iêmen também enfrenta
revoltas, como a Síria. A Líbia decidiu fazer jogo duro bombardeando os revoltosos.
Como resultado seguiu-se a aprovação das Nações Unidas e o bombardeamento
iniciado pela França em 19 de março. Desta vez, ao contrário do que ocorreu no
Iraque, as grandes potências não tomaram atitude alguma antes do referendum do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Depois que os Estados Unidos - com o
apoio da Grã-Bretanha - abriram a Caixa de Pandora na guerra não autorizada pela
comunidade internacional contra o Iraque, os poderosos ficaram mais cautelosos.
Aquela guerra começou para ser “rápida” e após uma sucessão de equívocos,
denunciados no seu transcorrer, até hoje os americanos não sabem como pôr um
final. Nesta foi formada um coalizão de países que será liderada pela OTAN, com o
desinteresse americano de liderar o conflito mais uma vez. Adotando uma atitude
11
E mais uma vez um tsunami. Desta vez , varreu o Japão no início de março de 2011. Frente
a um mundo atônito que logo se mobilizou para a ajuda humanitária de emergência após a desgraça.
Esse certamente terá efeitos muito mais devastadores que seu predecessor. O tsunami foi seguido
do maior terremoto registrado no Japão em todos os tempos, acompanhado de contínuos sismos de
menor intensidade. O tremor da terra acentuou a devastação da água que varreu o norte do país.
Desta vez, ao sinistro da natureza se agregam incêndios e vazamento nos reatores da usina de
Fukushima, com perigo real de contaminação do meio ambiente por radiação nuclear. Além de
evacuar cidades inteiras em um raio de 30 km da usina, o acidente está motivando uma reavaliação
de programas nucleares por governos em todo o mundo.
46
diferenciada em relação à era Bush, Obama anunciou do Brasil que aderia a uma
“ação militar limitada” na Líbia como apoio à decisão da coalizão..
“O governo Líbio ignorou os avisos de cessar fogo da ONU e manteve
os bombardeios. Manteve o ataque à sua própria gente. Atacar não foi a
primeira solução e Kadafi teve a chance de parar de atacar o seu povo.
As vezes é preciso tomar medidas penosas para proteger civis”
discursou Barak Obama, neste 20 de março.
Numa situação de conflito é necessário garantir socorro e proteção aos civis.
Pregava a abordagem clássica que nesse momento deve haver imparcialidade para
que haja igualdade na assistência. Ao final dos conflitos torna-se necessária a ajuda
para a reconstrução ou, muitas vezes, criação, das estruturas. Por definição a ajuda
de Emergência caracteriza-se por intervenções de curta duração. Os projetos que
têm financiamento da União Europeia (UE) para a reconstrução, por exemplo,
recebem subsídios por apenas seis meses. A Organização tem por objetivo
assegurar que a população beneficiada faça frente à situação quando cessar a ajuda
humanitária, podendo ter alternativas de ajuda ao desenvolvimento no longo prazo.
Isto por ser grande o risco de não haver recursos que substituam a ajuda quando
esta acaba.
A reconstrução ao final da guerra muitas vezes deverá ser nos aspectos
físico, econômico, político e social como foi o caso do Timor Leste. O país foi
totalmente devastado durante a saída das forças da Indonésia que ocupavam o seu
território e que implantaram a política de “terra arrasada”, comum ao final de
conflitos. O resultado foi três quartos de todas as propriedades do país queimadas
ou destruídas. A ação teve início uma hora após 78,5% dos timorenses terem
decidido por sua independência em 4 de setembro de 1999, data declarada pelo
líder da independência timorense Xanana Gusmão, como o “dia da libertação
nacional. (POWER, 2008, p.314).
Os projetos de ajuda humanitária em situações como a do Timor Leste
buscam também restaurar a cidadania que é um construto moral, político e jurídico
ambivalente, presente nas sociedades complexas e abertas. Nessas, o dilema entre
indivíduo e sociedade é solucionado por meio de esferas públicas, que respeitam o
mundo comum, reduzindo as influências do privado e referendando a igualdade
como conquista política e jurídica.
47
A ideia da cidadania como um direito universal tem sido reforçada pela
crença de ser um valor democrático, universal e baseado no princípio dos direitos
humanos. O sucesso como projeto histórico decorre da convergência das lutas pelo
reconhecimento, pela dignidade, pela participação e representação livres e
igualitárias e pelo usufruto comum de direitos cívicos, políticos, sociais, econômicos,
culturais e ambientais das sociedades. A construção da cidadania exige o
reconhecimento e o respeito à identidade, à cultura, à liberdade de credo e aos
direitos políticos. (HESPANHA et al, 2009).
Cidadania é ainda um construto moral, político e jurídico ambivalente que
aparece em sociedades históricas complexas e abertas, nas quais o dilema entre
indivíduo e sociedade é equacionado mediante o surgimento de esferas públicas
que valorizam o “mundo comum”. Na modernidade tais esferas reduzem as
influências do privado e realçam a importância da igualdade como conquista política
e jurídica sendo a propriedade individual relativizada pela propriedade social. No
plano moral, o valor primordial para a cidadania é a igualdade social, significando
privilegiar o todo social, a vontade coletiva, a obrigação moral supra-individual e o
predomínio da sociedade. (MARTINS, 2009; HESPANHA et al, 2009).
Portanto, podemos entender cidadania como o respeito à diversidade humana
que representa o tesouro da unidade humana que, por sua vez, constitui-se o
tesouro da diversidade humana (MORIN, 1997). É necessário reencontrar e realizar
a unidade humana na manifestação de sua diversidade para respeitar o direito à
cidadania. É preciso reencontrar e cumprir a unidade humana na manifestação das
diversidades, salvar singularidades e diversidades ao mesmo tempo em que seja
instituído um tecido comum. Assim como é necessário que seja estabelecida uma
comunicação viva e permanente entre passado, presente e futuro, essa deverá
permear as singularidades culturais, étnicas, nacionais e o universo concreto de uma
Terra-pátria para todos, reforça Morin. Entende o sociólogo que um dos grandes
desafios deste século será:
“regenerar as cidadanias locais e gerar uma cidadania planetária, ligar
as nossas diversas pátrias no seio da Terra-pátria. Ainda não é possível
regenerar uma vida democrática local, regional, à escala das cidades,
nem gerar uma democracia para além do quadro nacional. (...) Civilizar
a terra, solidarizar, confederar a humanidade no respeito pelas culturas
e pelas pátrias, transformar a espécie humana em humanidade torna-se
48
assim o objetivo fundamental e global de toda a política que aspire ao
progresso e à sobrevivência da humanidade” (MORIN,1997, p.34).
A cidadania pressupõe deveres para com o interesse comum, que se
traduzem em cooperação e responsabilidades. A igualdade de obrigações e de
benesses em sociedade e os direitos e deveres perante a lei. Muitas vezes essas
aspirações não são respeitadas gerando disputas que precisam ser mediadas para
que impasses e interesses antagônicos possam ser superados. A Comunidade
Internacional - grupo de países pertencentes às Nações Unidas e que de forma
conjunta toma decisões a respeito de ações que afetam outros países – deve manter
a ordem internacional interferindo em conflitos para mediá-los e para fornecer ajuda
para minimizar as suas conseqüências com o trabalho realizado por suas agências.
Existe uma distinção entre a comunidade internacional “oficial”, identificada
como a Organização das Nações Unidas, e a comunidade “real” que é a composta
pelas grandes potências mundiais e pelas empresas multinacionais. A comunidade
internacional “real”, movida por seus imensos interesses econômicos, tem feito valer
seu poder de influência nas decisões da ONU. Esse poder paralelo se fez presente
em relação à Angola, em virtude de seus enormes recursos naturais. MESSIANT12
(2004 apud PUREZA et al, 2007, p. 13). A indústria do petróleo e a extração de
diamantes posicionam Angola entre os maiores produtores mundiais. A receita
derivada do petróleo significa 85% das reservas e dos diamantes 5% (CIA, 2010).
Essa riqueza motiva a que interesses econômicos se sobreponham aos interesses
humanitários e interesses sociais pelos players internacionais, que junto aos países
hegemônicos formam a comunidade internacional “real”. Em uma sociedade
destroçada por décadas seguidas de guerra e em paz apenas a partir de 2002,
projetos de ajuda humanitária de desenvolvimento surgem no final da fase da ajuda
de emergência.
O direito à cidadania é uma construção que pode ser ampliada com a adoção
da Comunicação para o Desenvolvimento que é um processo social, baseado
no diálogo, que utiliza uma ampla gama de ferramentas e métodos com o objetivo de
12
Messiant, Christine. 2004. “As causas do fracasso de Biecesse e Lusaka:uma análise crítica. Da paz militar à
justiça social? O processo de paz angolana.” ACCORD,n.15, Londres, 16-23.
49
partilhar conhecimento e competências. Visa construir políticas e promover debates
que resultem em mudança significativa e sustentada em direção ao desenvolvimento
e ao bem comum (ONU, 2006, p.9).
Uma estratégia de desenvolvimento que aplica o enfoque da comunicação
pode revelar as atitudes silenciosas das pessoas e sua sabedoria tradicional, ao
mesmo tempo em que as ajuda a adaptarem suas perspectivas, adquirir novos
conhecimentos e habilidades e propagar, de forma massiva, novas mensagens com
conteúdo social para públicos mais amplos. (FRASER; VILLET 1994). O intercâmbio
de ideias mais intenso entre todos os setores da sociedade, possibilitado pela
comunicação, resultará em uma maior participação da população em uma causa
comum. Participação essa que é requisito fundamental para o desenvolvimento
sustentável como assinalaram os especialistas em comunicação FAO, organização
que foi a criadora do conceito e introdutora da sua prática já no início dos anos 80.
Os projetos que pretendem conduzir uma sociedade à solução de problemas
políticos e socioeconômicos decorrentes de conflitos poderão ter diferentes
enfoques,
mas
visarão
ao
desenvolvimento.
Inicialmente
o
termo
desenvolvimento foi usado em meados do século XIX para designar uma sociedade
em evolução, tendo nessa noção o conceito implícito de um desenvolvimento que
fosse progressivo. A denominação desenvolvimento relativa aos processos de uma
economia industrial e comercial passa a ser usual no século XX. O conceito traz em
si, entretanto, a ideia de seu contrário: o não desenvolvido.
A mudança mais significativa ocorre, após 1945, com a conotação de
subdesenvolvido, termo ao qual se associava a ideia de terras em que os recursos
naturais se desenvolveram ou foram explorados de modo insuficiente; e de
economias e sociedades destinadas a atravessar “etapas de desenvolvimento”, de
acordo com um modelo conhecido. Ao mesmo tempo incluía a concepção de
sociedades pobres, coloniais ou ex-coloniais e lugares nos quais as idéias já
estabelecidas de desenvolvimento deveriam ser aplicadas. Mais ainda, a de
economias e sociedades fadadas a atravessar etapas de desenvolvimento
previsíveis, de acordo com um modelo consagrado. O termo adquiriu uma
designação mais branda: em desenvolvimento ou em processo de desenvolvimento
(WILIAMS, 2007).
50
O desenvolvimento pode alternativamente ser entendido como o processo de
ampliação das liberdades individuais, ou seja, das liberdades humanas, pressuposto
esse
que
contrasta
desenvolvimento
com
com
as
índices
perspectivas
de
restritivas
crescimento,
de
que
identificam
industrialização
ou
o
de
modernização. O papel instrumental da liberdade diz respeito ao modo como os
diferentes tipos de direitos, oportunidades e habilitações, contribuem para o
alargamento da liberdade humana em geral, promovendo assim o desenvolvimento
(Sen, 2003). Esse constituirá o foco de Desenvolvimento prioritário nesta tese.
Entendo que desenvolvimento deva ser holístico visando, em primeiro lugar, o
crescimento do ser humano. E que esse crescimento possa concretizar uma
sociedade sustentável, pautada pelos princípios básicos da sustentabilidade
ecológica, econômica, social e política.
Uma Sociedade Sustentável deverá definir seus padrões de acordo com as
tradições culturais, parâmetros próprios, composição étnica e em estrito respeito às
conquistas universais consolidadas na Declaração dos Direitos Humanos.
Sociedade Sustentável passa a ser um conceito mais apropriado do que o de
Desenvolvimento Sustentável à medida que possibilita a cada sociedade definir seus
padrões de produção e consumo (DIEGUES, 1992). E também decidir o que é bemestar a partir de sua própria cultura, de seu desenvolvimento histórico e de seu
ambiente natural. Portanto, a crença na primazia do padrão das sociedades
industrializadas é substituída pela possibilidade de existência de uma diversidade de
sociedades
sustentáveis.
Essas,
pautadas
pelos
princípios
básicos
da
sustentabilidade , já descritos.
A sociedade sustentável apresenta-se como uma das utopias para o século
XXI. Tem o objetivo de conquistar opções econômicas e tecnológicas que visem
principalmente ao “desenvolvimento harmonioso das pessoas” e de suas relações
com o conjunto do mundo natural (DIEGUES, 1992). Na sociedade sustentável ou
sociedade de transformação as pessoas serão “sujeito” e não “objeto” do
desenvolvimento. E o desenvolvimento de uma consciência crítica permitirá ao
homem transformar a realidade, responder aos desafios do mundo e fazer história
pela sua própria atividade criadora (FREIRE, 2006). O desenvolvimento equitativo e
harmonioso com a natureza deve ser tratado como primazia na pauta internacional.
E, é claro, pressupõe a ampliação em todos os níveis do conceito de democracia
51
participativa, e que uma superação do abismo entre o Norte e o Sul se transmute em
cooperação significativa (SACHS, 1993).
Para que o mundo seja o lugar de acolhimento de todos os povos, alguns
conceitos devem ser revisitados. A recuperação da natureza somente se dará à
medida que a solidariedade for exercida entre todas as espécies vivas. Conceitos
recorrentes como sustentabilidade, responsabilidade e esperança deverão ser idéias
que guiarão a regeneração planetária. E apontarão para um caminho norteador que
possibilitará que o equilíbrio da terra chegue às futuras gerações. Para um mundo
sustentável precisará ser alterado seu o eixo, hoje prioritário, do crescimento
econômico e dominação da natureza para o bem-estar comum da sociedade
planetária. Necessitamos de um modelo cultural que garanta a continuidade e a
preservação das espécies vivas. “Em outras palavras, razão, determinação,
repetição e objetividade não sobrevivem sem sensibilidade, incerteza, criatividade e
subjetividade.
No
cotidiano,
exercitamos
simultaneamente
multiplicidades,
objetivação e subjetivação. Ambas têm a ver com a preservação da Terra-pátria”.
(De ASSIS CARVALHO, 2010, p.108).
O princípio de que necessitamos conservar a vida da Terra e, portanto, a vida
das
espécies
incluindo
a
humana,
deverá
ser
adotado
por
organismos
internacionais, instituições públicas e privadas empenhadas e emprenhadas pelo
espírito da harmonia planetária, e pelas nações e seus cidadãos. A responsabilidade
e o empenho com o respeito simultâneo para com a diversidade e a unidade dos
processos civilizatórios devem como cunhou Hans Jonas, se constituir em
patrimônios histórico-culturais a serem preservados a qualquer custo. E que se
traduzem na salvaguarda do equilíbrio dos sistemas naturais e a fraternidade entre
todos os povos e culturas (De ASSIS CARVALHO, 2010). Equilíbrio dos sistemas
naturais, a fraternidade de todos os povos e culturas resultará na consolidação das
Sociedades Sustentáveis.
Outro conceito apropriado a esse estudo é o de Desenvolvimento
Humano, definido pela ONU como “processo que amplia as liberdades das
pessoas e das comunidades e lhes oferece diversas alternativas para que com base
nelas selecionem e alcancem, segundo suas capacidades e valores, vidas plenas e
criativas”. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
especifica ser o desenvolvimento o processo por meio do qual as oportunidades dos
52
indivíduos são ampliadas, sendo as mais importantes uma vida prolongada e
saudável, o acesso à educação e a fruição de um nível de vida decente.
Outras oportunidades incluem a liberdade política, a garantia dos direitos
humanos e o respeito próprio. Nessa visão o ser humano é a meta do
desenvolvimento e não o seu “meio”. Para o PNUD, o propósito do crescimento
econômico deve ser a melhoria da vida humana que será alcançado com os
avanços
no
crescimento
econômico,
isso
para
que
os
progressos
no
desenvolvimento humano sejam realizáveis e sustentáveis.
Existem Estados em que a liberdade política, a garantia dos direitos humanos
e o próprio desenvolvimento humano com tudo o que ele representa – direito à paz,
não violência, educação, a habitação, a saúde, a segurança alimentar, a livre
expressão - não são respeitados. São denominados Estados Frágeis, Falhados
e em Colapso (EFFC) conceito que surge com o final da guerra fria quando os
“novos conflitos” ou intraestatais – pré-existentes, mas dissimulados pela Guerra Fria
– passam a ser conhecidos e alvo de intervenção de atores internacionais como
jornalistas, consultores, investigadores, etc.
De acordo com Pureza (2005) a necessidade de reforma dos EFFC é
disseminada como resposta aos conflitos armados intraestatais e aos efeitos sobre a
população civil e países vizinhos. Os conflitos internos e erosão das estruturas
estatais têm dominado o panorama internacional contemporâneo resultando em 90%
de vítimas civis e 40 milhões de pessoas deslocadas em guerras que elegeram a
população civil como objetivo militar dos combatentes, o que resultou em um
aumento de refugiados e deslocados internos extraordinário.
As características dos EFFC de acordo com (HEDLEY BULL, 1995) são: (i)
não assegurarem o mínimo de condições de civilidade internamente, (ii)
apresentarem colapso da autoridade central, (iii) haver altas taxas de corrupção, (iv)
ocorrer perda do controle territorial, (v) possuírem baixa capacidade administrativa e
burocrática, instabilidade política, (vi) existir conflito armado, políticas repressivas e
regimes autoritários.
Nesse cenário não existem mais os direitos inerentes à sociedade civil. Em
alguns EFFC o conflito armado é uma situação de conflito declarado, que está
estabelecido. Entretanto, há que revelar a existência dos EFFC em que o conflito
53
latente e cotidiano com confrontos armados resulta em número de mortos superior
ao de guerras convencionais. Nesses, a autoridade do Estado não é respeitada e
são estabelecidas forças paralelas permanentemente em confronto com a ordem
estabelecida, colocado em risco a vida da população civil num embate denominado
como as Novas Guerras (PUREZA, 2005). Nesse cenário também não são mais
respeitados os direitos inerentes à sociedade civil.
O conceito sociedade civil tem sido objeto das mais diversas elaborações
teóricas, incorporando diferentes sentidos, bem como de múltiplas interpretações no
continente africano. Do ponto de vista operacional a questão fica complexa quando
se estabelece os elementos representativos desta construção chamada sociedade
civil. Três setores são particularmente sensíveis ao que concerne à definição de
sociedade civil: o setor privado, as confissões religiosas e as formas de organização
derivadas do parentesco e da proximidade com o social. Há o entendimento de que
o setor privado não estaria de acordo com o princípio de caráter associativo porque
seria mais conveniente falar de “alianças estratégicas”. Por outro lado, o setor
privado se situa no meio do caminho entre “a casa e o Estado” e é considerado, não
mais como um instrumento útil, mas como um membro legítimo, sem o qual não
pode haver desenvolvimento (GYIMAH-BOADI, 2001).
A sociedade civil é uma construção que não se define por si própria, mas que
se reconhece na diversidade de um conjunto que é mais que a simples soma de
seus componentes: auto-organização, associação voluntária, ausência de fins
lucrativos, defesa dos direitos dos cidadãos em face ao estado e ao mercado,
reivindicação por uma visão comum da sociedade. E a busca é por negociação,
diálogo, espaço de interação entre o Estado, o mercado e o povo que resulte na paz
e no desenvolvimento humano e social (NEGRÃO, 2004).
Para Gramschi, sociedade civil é o espaço público não estatal onde convivem
os sujeitos com seus valores, sua cultura, relações políticas e suas dinâmicas
associativas, assumindo diferentes identidades comunitárias (BOBBIO, 1982). A
sociedade civil e as organizações que dela fazem parte, como as organizações
comunitárias, as organizações religiosas, os sindicatos, as organizações de
comunicação social, as associações do setor privado, as universidades, são os
meios pelos quais as pessoas participam da vida política e social. As organizações
54
da sociedade civil podem reivindicar pelos seus representados, podem monitorar o
poder público e podem avaliar as suas ações em relação à redução da pobreza.
1.2 Sociedades em reconstrução no pós-conflito. Guerras em Paz
O final da guerra fria permitiu a instauração de tensões e instabilidades antes
latentes que se traduziram no surgimento de um número crescente de conflitos
armados por todo o mundo, antes abafados pelas antagônicas forças bipolares.
Imediatamente após o êxito de negociações e o estabelecimento do cessar fogo
pondo término ao conflito armado, tem início a ação da comunidade internacional
para a reconstrução. Ao final dos conflitos, caos e destruição é o que resta para as
populações civis, agora o alvo prioritário das chamadas novas guerras. Rafael
(2001) salienta o fato de que à destruição das instituições políticas, econômicas,
sociais e culturais é adicionada a destruição moral e psicológica das sociedades
pós- guerra.
Fotografia 17 - Brinquedos de guerra
55
Os desafios do pós-guerra são maiores que os da época do conflito, pois será
preciso refazer estruturas do país em um momento em que as diferenças ainda não
foram superadas. Isto porque o final do conflito armado não significa o fim da
mentalidade de guerra na população. Só após a resolução dos problemas que
levaram ao conflito será possível reconstruir. Ou seja: construir junto. Esse processo
deverá contemplar um plano de reabilitação com: (i) uma avaliação rápida dos danos
causados pelo conflito, necessidades imediatas, recursos necessários e disponíveis
para a reconstrução; (ii) uma análise das reformas que devem ser introduzidas para
promover o desenvolvimento; (iii) formulação setorial de projetos; (iv) a elaboração
de um documento discutido e aprovado por doadores e governo; (v) organização de
uma conferência internacional para apresentação à comunidade doadora para obter
o financiamento. (RAFAEL, 2001).
A reconstrução no pós-conflito é um processo que exige a restauração de
forma simultânea das estruturas políticas, econômicas e sociais. Os elementos
fundamentais a serem implementados são a consolidação da paz por acordo entre
as partes, e um consenso real entre os ex-beligerantes para viabilizar o processo de
reabilitação. Na seqüência, será preciso desmobilizar e integrar os antigos
combatentes à vida econômica e social do país, sendo a desmilitarização da
sociedade uma tarefa bastante complexa.
Há vários aspectos fundamentais para que seja retomada a vida na sociedade
em reconstrução. Um ponto importante é a reforma do setor de segurança com a
criação de uma nova força policial sob controle civil e capacitada para o respeito aos
direitos humanos. Deverá ser composta parcialmente por soldados de ambas as
facções do conflito. (PARIS, 2005). A reabilitação política e institucional é tida como
o elemento mais desafiador na reconstrução, pois uma autoridade política
reconhecida por todos é que poderá promover a reabilitação econômica e social.
Uma ação fundamental na reconstrução da paz são as eleições, que consolidarão a
legitimidade nacional e internacional de governos e instituições responsáveis pela
reconstrução.
56
Foto 18 - Futuro incerto
13
O principal objetivo no processo será construir um novo sistema político de
ampla representatividade que garanta um governo responsável, tendo como base o
pluralismo e o respeito aos direitos humanos.
A reforma judicial, por sua vez, garantirá a resolução dos maiores problemas
herdados dos conflitos: questões de propriedade da terra e de bens se constituem a
maior dificuldade a ser resolvida pelos refugiados e deslocados internos ao
regressarem para suas casas. Do mesmo modo, a reconstrução da economia e das
infraestruturas danificadas são um enorme desafio e uma das maiores tarefas a
serem vencidas para garantir o restabelecimento dos processos produtivos.
Assim, a reabilitação das infraestruturas materiais e de comunicação é uma
das tarefas imediatas após o conflito para que o país possa voltar à normalidade. É
de fundamental relevância o restabelecimento dos circuitos comerciais para que a
produção agrícola e a industrial sejam escoadas e se reflitam em possibilidade de
segurança alimentar. Outro ponto fundamental é a revitalização dos serviços básicos
como os sistemas sanitário, educativo e de saúde.
A reabilitação social inclui um duplo desafio: resolver os problemas sociais
imediatos derivados do conflito e fazer com que a vida retome a normalidade na
sociedade, com a possibilidade de geração de renda para a população. Em Angola,
13
O outdoor mostra um closed do presidente José Eduardo dos Santos - um Mbundu educado na União
Soviética que foi primeiro ministro e ministro do planejamento na época da reorganização do país após 1978 - e
que está no poder desde 1979. Eleições 2009.
57
por exemplo, 80% da economia é informal. As mulheres desenvolveram uma rede
paralela de comércio pela necessidade de garantir o seu sustento e o de suas
crianças, enquanto os homens estavam na guerra. Essas vendedoras existem às
centenas nas ruas de Luanda e são chamadas de zungueiras. Elas comercializam
todo o tipo de produtos que são carregados sobre a cabeça, num raro equilíbrio.
Fotografia 19 - Vendedora de galinhas
Fotografia 20 – Vendedora de peixe seco
Pude ver nas ruas de Luanda as zungueiras vendendo frutas, peixes,
galinhas, roupas, produtos em cestos ou caixas que eram levados sobre a cabeça.
Uma, em especial, me chamou a atenção. Alta e magra, como as etíopes, transitava
com uma pilha de cerca de 20 livros, caminhando pelas calçadas esburacadas com
a mesma elegância de uma modelo nas passarelas internacionais.
58
1.3 O pressuposto dos direitos Humanos
O século XX evidenciou a condição de dependência do cidadão de seu Estado
nacional e a identificação redutora da pessoa como cidadão/súdito do estado. Na
verdade, como sublinha Pureza (1998, p.69) “a concepção de Estado-Povo-Território
se desfez com as multidões de apátridas e de refugiados do primeiro pós-guerra,
pessoas desprovidas de status civil e do direito a ter direitos que ficaram
marginalizadas do sistema, exclusivamente interestatal, e fundado no princípio das
nacionalidades”. Nos anos e nos conflitos que se seguiram, o fenômeno foi
acentuado pela desintegração de alguns Estados, o recrudescimento dos conflitos
inter-étnicos, conflitos armados internos e violações sistemáticas dos direitos
humanos. A desigual e injusta repartição da riqueza e o desequilibrado crescimento
demográfico estão provocando em todo o mundo – não apenas no mundo
desenvolvido – um fluxo maciço de vítimas desses fenômenos como evidencia a
Declaração
de
Sevilha
sobre
Refugiados
e
Solidariedade
Internacional
(FERNANDEZ SANCHEZ, 1994).
Essa materialização da idéia de comunidade internacional no domínio dos
direitos humanos exprime a emergência de um novo princípio constitucional do
Direito Internacional, “o princípio da proteção internacional à dignidade humana que
poderá se contrapor ao princípio constitucional da soberania dos Estados para com
a comunidade internacional em seu conjunto”. (CARRILLO SALCEDO, 1995, p.29).
59
2 PROJETOS DE AJUDA HUMANITÁRIA
2.1 Origens e evolução
Após o fim da Guerra-fria houve um acréscimo significativo das missões
humanitárias no mundo, resultante do aumento do número de desastres naturais e,
sobretudo, dos conflitos armados que estão diretamente relacionados com violações
graves de direitos humanos, deslocamentos em massa e fome generalizada. Essa
nova realidade aliada ao uso indiscriminado do termo “humanitário” induziu a uma
confusão sobre o caráter e o objetivo real da Ação Humanitária. O próprio conceito
“humanitário” seguiu a evolução do mundo e sofreu mudanças e interpretações
significativas. Além disso, tem havido abuso no uso do termo que se tornou
complexo e fragmentado sendo utilizado para inúmeras situações e servindo muitas
vezes para objetivos e propósitos diversos (PUREZA, 2005).
As ações humanitárias não são mais exclusivamente realizadas pelas tradicionais
agências humanitárias como a Cruz Vermelha ou o ACNUR14, por princípio
associadas ao trabalho humanitário. Muitas outras organizações, agências e ONGs
passaram também a incluir objetivos humanitários em seus mandatos mesmo que
não sejam exclusivamente dedicadas ao campo. Como agora um número maior de
atores está envolvido os termos humanitário/humanitarismo passaram a ser usados
indistintamente para fins “mágicos ou ilusórios” de acordo com as circunstâncias. Se
resultarem em sucesso serão mágicos e festejados pela imprensa internacional e
meios diplomáticos. Caso contrário, quando contrariam interesses políticos e
estratégicos particulares serão considerados ilusórios. (PUREZA, 2005).
O humanitarismo abrange uma série de atividades e princípios legais que visam
restringir e limitar a violência e é caracterizado por uma base legal que compreende
normas de direito internacional humanitário, direito internacional dos direitos
humanos e direito dos refugiados para aplicação no contexto de conflitos armados
internos e internacionais.
14
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, agência em que Sergio Vieira de Melo iniciou sua
carreira nas Nações Unidas, em 1969, chegando a diretor de Relações Externas. Em 1999 deixa o ACNUR e se
transfere para Nova York para assumir o cargo de subsecretário geral para assuntos humanitários e coordenador
de ajuda humanitária e emergência. (Power, 2008:16).
60
A área de atuação da assistência humanitária é especificamente a de cenários
de guerra, mas também em situações em que a vida e a dignidade humana estejam
em risco, como salienta Jorge Castilla. E proteção especificamente aos atores não
toma parte diretamente nos conflitos - civis, refugiados, etc - para garantir a sua
preservação em qualquer situação em que esteja em risco, sem interesses e
considerações políticas, religiosas, étnicas ou de qualquer outro tipo.
Na concepção clássica o humanitarismo não se referia apenas ao que é feito,
mas também como é feito. A assistência humanitária não consiste apenas em aliviar
o sofrimento, mas sobretudo fazê-lo de forma imparcial, independente e não
discriminatória. Aliviar e prevenir o sofrimento humano sem qualquer tipo de
distinções (PUREZA, 2005).
O sistema humanitário tradicionalmente baseou-se em três pressupostos
principais: (i) separação entre ajuda de emergência e desenvolvimento, (ii)
reconhecimento e aceitação das limitações às operações impostas por soberanias
nacionais, (iii) concepção da ajuda humanitária como neutra, imparcial e
independente de objetivos políticos e militares.
Apesar de provocar acordos e discórdias, desde a sua origem, a ação
humanitária tem sido justificada e legitimada por alguns aspectos característicos
como a defesa de uma série de valores e princípios éticos e por ter a visão do ser
humano dissociado de ideologias políticas. Todavia, respostas ao tipo de conflitos
surgidos nos anos 90, frequentemente confusas e mal concebidas, refletiram uma
comunidade internacional preocupada em aliviar o sofrimento humano, porém, mal
preparada, pouco habituada a enfrentar tais situações e partilhando interesses e
prioridades diferentes. Pureza (2005) ressalta que isso resultou em situações de
paralisia e respostas inadequadas da comunidade internacional em face de crises
catastróficas. Consequentemente, a assistência humanitária passa a ser alvo de
críticas e acusações sobre missões humanitárias que falharam como na Somália,
Bósnia, Serra Leoa e Ruanda. O fracasso da missão de paz e a experiência dos
boinas-azuis da ONU que acabaram como expectadores do genocídio em Ruanda
em 1994, representou um golpe devastador para a reputação das Nações Unidas.
Com o fim da guerra fria e o surgimento de uma nova ordem mundial no início
dos anos 90 caracterizada por mudanças geopolíticas importantes, aumento do
número de conflitos e crises humanitárias de diferente natureza e por uma derrocada
das tradicionais diferenças entre combatentes e não combatentes, civis e militares,
61
ocorrem mudanças importantes quanto à visão tradicional do humanitarismo e da
assistência humanitária (PUREZA, 2005).
Apesar do Conselho de Segurança dos anos 1990 ter sido liberado para
impor a paz e a segurança internacionais, as calamidades sucessivas deixaram
claro que se os civis não fossem peões de uma macro disputa ideológica, como foi o
caso da guerra-fria, a sua segurança não atrairia muita atenção. Ao invés de usar o
Conselho de Segurança para criar e impor uma ordem global nova, as grandes
potências se limitaram a enviar tropas de paz levemente armadas a situações de
risco extremas que acabaram simplesmente como expectadoras de carnificinas.
Esse contexto gerou resultados duplamente devastadores: (i) civis assassinados em
massa. (ii) “a culpa recaiu sobre essas tropas de paz, e não sobre os políticos que
as incumbiram daquilo que Vieira de Melo gostava de denominar uma missão
impossível” (POWER, 2008,p.216).
O novo humanitarismo
Há uma ruptura com a assistência humanitária clássica e surge uma
concepção nova e com uma dimensão política mais acentuada de humanitarismo,
que ganha uma importância crescente e passa a ser adotada por governos
doadores, agências multilaterais e muitas ONGs. O “novo humanitarismo” desafiaria
o paradigma clássico considerando que devido às novas circunstâncias de conflito e
pós-conflito, os objetivos tradicionais de salvar vidas e aliviar o sofrimento humano
eram insuficientes e meramente paliativos. A assistência humanitária deveria ter
objetivos de longo prazo como a construção da paz, a reconstrução pós-bélica,
proteção
dos
direitos
humanos
e,
numa
última
fase,
a
promoção
do
desenvolvimento, enfatiza Pureza (2005).
Esse humanitarismo com conotação política foi percebido por Sérgio Vieira de
Melo que passou por todas as modificações e crises que o humanitarismo sofreu ao
longo de seus 34 anos de carreira nas Nações Unidas. Teve a oportunidade de
servir como trabalhador humanitário na maioria dos conflitos ocorridos no mundo de
1969 a 2003, ano de sua morte no Iraque. Vieira de Melo dizia que os dirigentes da
ONU deveriam aceitar o fato de que “as crises humanitárias são quase sempre
62
crises políticas, que a ação humanitária tem sempre consequências políticas, tanto
perceptíveis como reais”. Já que todos os outros estão fazendo política com a ajuda
humanitária, escreveu Vieira de Melo, “não podemos nos dar ao luxo de ser
apolíticos” (POWER, 2008, p.247).
O “novo humanitarismo” passa a ser orientado para a resolução de conflitos e
reconstrução
pós-bélica,
desenvolvendo
instrumentos
para
realizar
as
transformações necessárias perseguindo a diminuição da violência em contraponto
às suas ações originais de assistência humanitária. Enquanto o humanitarismo
clássico tendia a ignorar os contextos políticos e seus possíveis efeitos, a nova
concepção se caracteriza, além de maior intencionalidade política, também por
ações militares. E substituiu a orientação tradicional do envio de tropas da paz da
ONU, representadas por contingentes de boinas-azuis sem poder para abrir fogo a
menos que previamente alvejados (sic). “[...] Pela primeira vez em nossa história, é
mais perigoso ser um trabalhador de ajuda humanitária desarmado do que um
soldado armado em missão pacificadora” declarou premonitoriamente Sérgio Vieira
de Melo (POWER, 2008, p. 262).
Em uma ruptura radical com a tradição de respeito à soberania dos Estados
no ano de 1991 o Conselho de Segurança da ONU exigiu que fosse concedido às
organizações humanitárias internacionais acesso imediato a um país, o Iraque. A
operação denominada Fornecer conforto, realizada por aviões norte-americanos,
franceses e britânicos lançou dos ares alimentos aos curdos. Em seguida, houve o
envio de tropas terrestres para criar e proteger campos de refugiados do Acnur15 ao
norte do país
Tal qual ocorreu em outros conflitos históricos como o que transformou em
“áreas de segurança” Sarajevo, Gorazde e Srebrenica. Naquela ocasião a decisão
que resultou da Resolução 836 do Conselho de Segurança da ONU, determinando
as três áreas de segurança, passou e ser encarada por Sérgio Vieira de Melo como
“uma peça de museu de comportamento político e militar irresponsável”16 pois
entendia que ao forçarem os civis a permanecerem em sua miséria nas “áreas de
segurança” os países ocidentais e as instituições internacionais expuseram “os
1515
Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha , a França e a Turquia foram os grandes protagonistas. Ao todo treze
nações participaram da operação diretamente em uma Força-Tarefa Combinada, com apoio material viabilizado
por trinta países. O Conselho de Segurança também declarou uma zona de interdição de voo para impedir
Saddam Hussein de bombardear os civis reclusos nas montanhas (Power, 2008,p.592).
1616
Entrevista concedida por Sérgio Vieira de Melo, em novembro de 2002, ao jornalista Philip Gourevitch
(Power, 2008).
63
limites de nossa consciência moral” (POWER, 2008,p.212). Ou, a falta dela. Um
relatório da ONU que foi divulgado em 2000 documentava que quando uma das
partes beligerantes de um conflito atacava, repetidamente, a população civil, dar um
tratamento igual sistemático a todos os lados como pregava o humanitarismo
clássico, significava “na melhor das hipóteses, resultar em ineficácia e, na pior delas,
representar uma cumplicidade com o mal” (POWER, 2008, p. 216).
Sob fogo cruzado
A assistência humanitária deixa de ser orientada prioritariamente para
responder ao sofrimento e necessidades das vítimas e passa antes a estimular
processos mais políticos e sociais. A ajuda humanitária, dentro desse novo conceito
de humanitarismo, é percebida como cada vez mais ligada a interesses políticos e
de ter os objetivos da assistência inerentes ao grau de cooperação e obediência do
governo que recebe a ajuda.
Os tradicionais princípios de neutralidade, imparcialidade, independência e
universalidade da assistência humanitária são alvos de críticas erodindo a noção de
espaço humanitário autônomo, uma vez que passa a ser crescente a politização e
militarização da ação humanitária (PÉREZ, 2002). O novo humanitarismo assume
objetivos
de
longo
prazo,
desenvolvimentistas,
associando
assistência
de
emergência ao desenvolvimento, resolução de conflitos e reconstrução social.
Essa ótica foi posta em prática quando o Conselho de Segurança das
Nações Unidas criou pela Resolução 127, a United Nations Transitional
Administration in East Timor (UNTAET) para ser uma administração transitória no
Timor Leste conferindo “toda a autoridade legislativa e executiva” a um
administrador estrangeiro.
Contrariamente aos princípios democráticos - e aos valores desenvolvidos em
sua formação em Filosofia na Sorbonne, aprofundados em décadas de dedicação às
Nações Unidas - nos quais os poderes deveriam ser separados e não centralizados
em um homem só, Sergio Vieira de Melo foi nomeado o representante especial do
secretário geral da ONU no país recém-liberto. O mandato lhe conferia poder para
administração plena do território incluindo o exercício dos poderes legislativo,
64
executivo e judicial. Suas atribuições contemplavam a promoção da segurança, do
Direito, da ordem, estabelecimento de uma administração efetiva, desenvolvimento
dos serviços e estruturas civis e sociais, garantia da assistência humanitária, da
reabilitação e da ajuda ao desenvolvimento. A ação tinha a finalidade de criar
condições para o autogoverno e um desenvolvimento sustentado no médio e no
longo prazo na feição do “Novo Humanitarismo” (PUREZA, 2007).
O mandato incluiu ainda responsabilidades como supervisionar a redação da
constituição, planejar eleições, facilitar o retorno dos refugiados, recriar as
instituições, sistema bancário, funcionamento de escolas e definição da moeda a
circular. O país que teve que ser reerguido em uma ação imediata com políticas que
normalmente evoluíam no decorrer de centenas de anos decididas em meses.
(POWER, 2008).
2.2 Contextualização da Emergência e do Desenvolvimento
As
intervenções
de
emergência
e
de
desenvolvimento
têm
sido
tradicionalmente diferentes em termos de objetivos, quadros, princípios éticos,
planificação e gestão, procedimento de trabalho, relação doador/receptor, linhas de
financiamento, relevância dos meios de comunicação, dentre outras. Essas
diferenças dificultam a articulação entre ambas as formas de atuação.
Na concepção tradicional existem três etapas diferenciadas na ajuda
internacional: (i) ajuda humanitária de emergência é destinada a salvar vidas e
aliviar o sofrimento a curto prazo em situações de desastre; que pode ser natural
como o que está vivendo o Japão após tsunami, após terremoto e no desastre
nuclear neste início de 2011 ainda em curso; ou causado por ataques de exércitos
ou de insurgentes. E que neste tempo também está a ocorrer na Líbia aos nossos
olhos e em tempo real. É um processo imediato que exige atuação rápida para o
restabelecimento de serviços básicos, auxílio às vítimas e garantias das condições
de sobrevivência. Por isso, não considera as necessidades de médio prazo, nem
objetivos e critérios que normalmente são associados à cooperação para o
desenvolvimento; (ii) realibilitação ou fase posterior ao desastre quando as
intervenções são de curto e médio prazos e visam à reconstrução da estrutura
65
necessária; (iii) cooperação para o desenvolvimento, baseada em intervenções de
longo prazo para melhorar de forma duradoura a vida das pessoas para cuja
planificação e gestão são elaborados diferentes critérios e métodos, tais como a
análise
da
realidade,
participação
comunitária,
capacitação
institucional,
empowerment, etc.
Os projetos de cooperação para o desenvolvimento devem promovê-lo
baseados na consciência de que sua importância reside em apoiar líderes e
processos para desenvolver a capacidade local. Sérgio Vieira de Melo, morto no
Iraque em 2003, funcionário de carreira das Nações Unidas e um emblemático
trabalhador de ajuda humanitária dizia que o mais importante era ser franco e
honesto com os que se pretendesse ajudar. Assim seria possível ter chance
verdadeira de êxito e de reconhecimento das realizações por parte dos rights
holders.
O
reconhecimento
por parte
dos
rights
holders.
constituir-se-ia
no
verdadeiramente importante. Mais importante que o reconhecimento da comunidade
internacional, argumentava Vieira de Melo. Para alcançar os objetivos de apoio às
capacidades locais e alavancar o desenvolvimento o mais relevante, acrescentava,
era entender a história, o orgulho e os traumas de uma nação do que se informar
sobre suas taxas de alfabetização ou perspectivas comerciais. (Power, 2008).
O conceito de desenvolvimento como hoje é conhecido surgiu nos anos 50,
quando as ações de emancipação social e econômica do chamado terceiro mundo
conquistaram a sua legitimidade pela formulação das teorias da modernização.
Entre o final dos anos 60 e o princípio dos 70, as teorias da dependência e do
sistema-mundo surgem como alternativas às teorias de modernização. Nos anos 80
ocorreu
a
convergência
de
todas
as
teorias
de
desenvolvimento/subdesenvolvimento.
As teorias de modernização que foram dominantes na escola de pensamento
sobre o desenvolvimento até os anos 60 e atribuíam unicamente ao mercado a
possibilidade de desenvolvimento, excluindo os componentes sociais. O mercado
seria um mecanismo natural em obediência as leis bellum omnium contra omnes de
Hobbes; da seleção dos melhores na esteira do darwinismo social e a do autoequilíbrio por meio da “mão invisível” imaginada por Adam Smith. (MORIN, 1997). As
sociedades humanas passariam como nos organismos biológicos por fases de
66
nascimento, crescimento e decadência ao longo da vida. As sociedades ocidentais
estariam no auge da civilização e as demais, consideradas atrasadas, deveriam
atingir o mesmo topo (MILANDO, 2005).
Após o declínio das teorias da modernização surgiram as teorias da
dependência que estudaram o subdesenvolvimento e buscavam compreender o
impacto dos fatores externos nas economias do terceiro mundo. Os teóricos da
dependência enfatizavam a dicotomia centro-periferia afirmando que a causa do
subdesenvolvimento dos países periféricos originava-se da articulação com os
países desenvolvidos (centrais) baseada na exploração de seus recursos naturais e
em termos de trocas desiguais.
A solução apontada na época seria a diversificação das exportações e a
aceleração da industrialização dos periféricos. A teoria da dependência incluía duas
variantes: (i) a teoria do sistema-mundo que introduzia o termo “semiperiferia” para
designar países que poderiam se situar entre a periferia e o centro e para enfatizar o
fato de que os interesses das classes econômicas teriam um papel, em parte
determinante, no desenvolvimento dos países no quadro do sistema-mundo; (ii) o
estruturalismo que ressaltava a interconexão dos fatores estruturais internos e
externos na explicação do subdesenvolvimento. Distinguia os fatores estruturais ou
os que estabelecem a ligação entre determinado fenômeno e o meio social em que
se insere dos conjunturais, ou aqueles fatos sociais considerados passageiros ou
contingentes.
O conceito de desenvolvimento não permite uma definição precisa e livre de
arbitrariedades, pois interpretações serão decorrentes de estatuto, posição social,
organização de filiação e sistema de valores de cada entidade singular ou coletiva.
(Milando, 2005). O desenvolvimento representa coisas diferentes para pessoas
diferentes e tem inúmeras referências ideológicas que podem se manifestar sob
forma da fé, da ciência ou de ambas. Os conceitos alternativos ao desenvolvimento
“outro desenvolvimento”, “antidesenvolvimento” e “progresso” são definições
baseadas em uma visão eurocentrista e em valores ocidentais que carregam o
significado, em última análise, que o homem pode manipular racionalmente os
recursos materiais e não materiais para que a sociedade evolua economicamente.
Com uma conotação ocidental de progresso alcançado pelo planejamento
racional do devir social, com a sua utopia, valores humanitários e crença nas
promessas da ciência, o conceito de desenvolvimento é complexo e controverso
67
(Hall,1998). Alguns autores o equiparam ao crescimento econômico, ao aumento da
produtividade, ao progresso tecnológico e à industrialização, criticando a inclusão de
fatores não econômicos. A crítica a essa perspectiva centra-se no fato de
considerar a base econômica como o centro da atividade humana e o principal
suporte ao desenvolvimento, levou a uma visão tecnicista atualmente dominante. O
desenvolvimento baseado no capital econômico, no entanto, tem contribuído para a
melhoria das condições materiais de poucas pessoas e não da maioria das pessoas
como seria o esperado. Essa visão reduz o desenvolvimento à mera produção de
riquezas materiais.
A ênfase nos padrões de vida com a redução da pobreza, distribuição
equitativa de rendimentos, baixa mortalidade infantil, aumento da esperança de vida,
acesso à educação, ao emprego e à habitação compõem também o foco de
desenvolvimento. Desta forma, ele é um estado de bem-estar social ao alcance de
todos e no qual a maioria desfruta das condições essenciais de vida estando
relativamente livre de doenças, do analfabetismo, insegurança, exploração e
opressão (MIDGLEY,1998).
Existe ainda uma concepção de desenvolvimento que considera os fatores
materiais enfatizando, porém, o potencial e as capacidades do indivíduo e sua
interação com os grupos sociais. Nesse ponto de vista, o desenvolvimento passa a
ser o processo de multiplicação das capacidades humanas e de promoção de um
funcionamento harmonioso das instituições e organizações sociais. O fundamental
nessa concepção é a ideia de que os seres humanos nascem com capacidades
potenciais, sendo objetivo de desenvolvimento criar um ambiente no qual seja
possível a afirmação e a ampliação de oportunidades. Nessa conceituação o
desenvolvimento será resultado de escolhas disponíveis aos indivíduos e às
sociedades. (MILANDO, 2005).
Desenvolvimento holístico
Com a incorporação de dimensões sociais e humanas ao conceito de
desenvolvimento foi definida, em 1990, pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) outra conceituação. Surge o Desenvolvimento Humano
entendido como
68
“o processo através do qual as oportunidades dos indivíduos são
ampliadas sendo as mais importantes uma vida prolongada e saudável,
o acesso à educação, a fruição e um nível de vida decente. Outras
oportunidades incluem a liberdade política, a garantia dos direitos
humanos e o respeito por si mesmos. Estas oportunidades podem ser
infinitas e alterar-se com o tempo” PNDU (1990).
A partir deste novo entendimento fica clara a noção antes subjacente de que
o ser humano deveria ser o “fim” do desenvolvimento, ao invés do “meio” que
normalmente representa. E dessa vez não mais como um objeto e sim como sujeito
de sua história (FREIRE, 1979)17. A construção de uma consciência crítica sobre o
mundo permitirá o crescimento e o renascimento em uma posição de inserção e de
presença na história, protagonizando o seu próprio desenvolvimento. As ideias de
Paulo Freire fundamentaram-se no respeito à vida e na promoção da crítica e da luta
contra as forças da opressão. A alfabetização foi abordada pelo educador não
apenas como uma questão mecânica, mas como construção de uma consciência
crítica conducente ao desenvolvimento (PUNTEL, 1994). Estudos realizados após os
clássicos pressupostos de Putnan (1994) e Coleman (1990) em diferentes
realidades e países no mundo revelaram fatores cruciais ao desenvolvimento e
antes não contemplados no pensamento econômico ortodoxo, como os que
integram o conceito de capital social. São eles (i) o clima de confiança entre as
pessoas de uma sociedade e o respeito às suas instituições e líderes; (ii) o grau de
associatividade ou a capacidade de criar esforços associativos de todo o tipo; (iii) o
nível de consciência cívica; (iv) atitude participativa frente aos problemas
comunitários, incluindo a preservação e limpeza do espaço público e o pagamento
dos impostos. Há muito se sabe que o capital social conduz ao desenvolvimento e
que a teoria do derrame foi comprovadamente ineficiente na América Latina, pois a
realidade mostrou uma concentração da riqueza ao invés da distribuição. De acordo
com Kliksberg (2001) estudos do Banco Mundial atribuem ao capital social e ao
capital humano dois terços do crescimento econômico dos países e pesquisas
17
Para o educador Paulo Freire é preciso poder superar o opressor interno, pois o dominador consegue
interiorizar sua visão no dominado. Somente o desenvolvimento de uma consciência crítica levará os atores à
libertação de uma ideia deturpada de si próprios. Os séculos coloniais, com suas leis e demérito dos angolanos,
tiveram esse efeito perverso.
69
apontam significativos impactos do capital social sobre o
18
desempenho macro e
microeconômico, a governabilidade democrática, a saúde pública e outras
dimensões.
A dimensão que considere o capital social pressupõe participação e fortalece
a sociedade civil por meio de políticas que melhorem a confiança, destruída pela
desigualdade, e a liberdade de operar em prol de seu próprio crescimento. “O papel
instrumental da liberdade diz respeito ao modo como os diferentes tipos de direitos,
oportunidades e habilitações, contribuem para o alargamento da liberdade humana
em geral, promovendo assim o desenvolvimento”
(SEN, 2003, p.53). O
desenvolvimento é entendido alternativamente como o processo de ampliação das
liberdades individuais, das liberdades humanas, pressuposto esse que contrasta
com as perspectivas restritivas que identificam o desenvolvimento com índices de
crescimento, da industrialização ou modernização. Como afirma Sen (1998) a
liberdade aos homens promove o desenvolvimento, contribui para amadurecer a
consciência cívica e ressalta o papel decisivo que tem a política pública no campo
social. Para assegurar uma ampla cobertura de assistência social nas áreas da
saúde e da educação, básicas ao desenvolvimento.
Esse foco de Desenvolvimento é o prioritário nesta tese - como já referido na
delimitação dos conceitos adotados - pois entendo que desenvolvimento deva ser
holístico buscando, em primeiro lugar, o crescimento do ser humano. Esse, atuando
como o germe da sociedade sustentável regida pela sustentabilidade ecológica,
econômica, social e política. Sociedade que defina seus padrões de acordo com
suas tradições culturais, as características de seu povo e que adote as diretrizes
consolidadas na Declaração dos Direitos Humanos.
Dentro desta visão holística de Desenvolvimento - que passa a ter uma
conscientização crescente - foi preciso incluir a dimensão ambiental cujo
entendimento é o de que é impossível que modelos insustentáveis de consumo e de
degradação dos recursos naturais prevaleçam na velocidade e intensidade com que
ocorrem neste
desenvolvimento
século
XXI.
sustentável
Em
como
1987, o
“o
Relatório
Brundtland
desenvolvimento
que
definiu o
garante
as
necessidades do presente sem comprometer as necessidades das futuras
18
Bernardo Kliksberg apresentou resultados de suas pesquisas sobre os impactos do capital social no
desenvolvimento em: El capital social e La cultura. Claves olvidadas de dasarollo. Buenos Aires, Instituto de
Intrgración Latinoamericana/Intal/BID, 2000.
70
gerações”. Gro Brundtland, primeira ministra da Noruega e presidente da Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento afirmava na época que o
desenvolvimento sustentável se constituiria em um desafio importante. E que a
participação popular seria decisiva para vencê-lo. Acrescentava que somente com a
contribuição da comunicação seria realmente possível um trabalho em favor dessa
causa de interesse comum. Isto, por estar a comunicação relacionada basicamente
com a democracia, com a participação, com a difusão dos conhecimentos e com a
capacidade de nos fazermos cargo de nosso futuro.
No documento gerado pela comissão (Nosso Futuro Comum, 1987) dois
conceitos-chave foram definidos: prioridade na satisfação das necessidades das
camadas mais pobres da população, e limitação ao estado que a tecnologia e a
organização social vinham impondo ao meio ambiente. Além de ter sido introduzido
um elemento novo (DIEGUES, 1992) inviabilidade de continuidade dos modelos de
desenvolvimento dos países do Norte e do Sul, por não serem sustentáveis no longo
prazo. E atenção à democratização do acesso aos recursos naturais na distribuição
dos custos e benefícios do desenvolvimento. Mas o fundamental foi a proposição de
uma concepção de economia contemplando as variáveis ambientais e a importância
da participação política que resultasse no equilíbrio entre o uso dos recursos e o
crescimento demográfico (DIEGUES, 1992).
Mas o desenvolvimento em si não é definido. Assim, o desenvolvimento
sustentável acaba por servir aos interesses de uma nova era de crescimento que,
muitas vezes, não considera adequadamente uma perspectiva ecocentrada. E nem
é capaz de fomentar instituições e práticas efetivas ao nível internacional. Esse fato
pode ser exemplificado com acusação formal ou informal feita aos países “não
desenvolvidos” durante a ECO92, realizada no Rio de Janeiro, de alimentarem as
causas da degradação ecológica. E a indicação de que a adoção da tecnologia do
Norte seria a solução do problema (PUREZA, 2005).
Naquela Cimeira a Comissão do Sul, presidida por Julius Nyerere,
preocupada com uma definição de desenvolvimento etnocêntrica e hegemônica,
elaborou a sua concepção de desenvolvimento como sendo o processo que permite
aos seres humanos desenvolver a sua personalidade e a sua autoconfiança, assim
como
ter
uma
existência
digna
e
frutuosa.
Acrescentou
Nyerere
que
desenvolvimento seria um processo de libertar as populações do medo e da
exploração e de fazer recuar a opressão política, econômica e social. Esse processo
71
se apresentaria como de crescimento e encontraria a sua base (fundamento) na
própria sociedade em evolução em direção ao desenvolvimento. Esse entendimento
aproximava-se da conceituação formulada pela da teologia da libertação.
O entendimento do termo libertação pressupõe três níveis de significação que
se interpenetram, em um processo único, a saber: (i) as aspirações de libertação
das pessoas oprimidas sendo enfatizado o conflito subjacente ao processo
econômico, social e político que se opõe às classes opressoras e às nações
opulentas. Basicamente a libertação envolve a soltura de todas as amarras, como as
da ignorância, da alienação, da pobreza e da opressão; (ii) compreensão da história,
pois as pessoas humanas são vistas como seres que se tornam conscientes e
assumem responsabilidades por seu próprio destino por meio da história, aspirando
à transformação social.
O
conceito
implicava
o
processo
de
conscientização,
mencionado
anteriormente, que dominou a cena da vertente politizada da igreja na América
Latina. Essa pregava uma nova maneira de pensar sobre a fé interpretando o
Evangelho à luz do contexto social. Isto significava trabalhar junto às pessoas e
colaborar para a sua libertação de toda a espécie de opressão ou de dependência,
como também propagava Paulo Freire. Fosse a opressão econômica, cultural ou
religiosa; (iii) a experiência própria do povo é valorizada sendo a Bíblia ponto de
partida para refletir a realidade. A realidade do povo é assim reinterpretada por meio
dos símbolos.
A teologia da libertação teve grande influência na comunicação alternativa
que, sem dúvida, é um conceito que se aproxima da teoria da Comunicação para o
Desenvolvimento. A palavra participação era fundamental nas atividades inspiradas
pela teologia da libertação na comunicação alternativa, pois pretendia - a exemplo
da Comunicação para o Desenvolvimento – ajudar as pessoas a tornarem-se, a
partir do processo participativo, agentes de sua própria transformação. “Nesse
sentido, a comunicação assume um papel “libertador” na criação de um espaço
democrático para desenvolver o potencial e a mobilização dos setores populares no
trabalho de transformação social” (PUNTEL, 1995).
Quando o homem se incorpora ao seu processo de desenvolvimento, aí
incluído o processo de produção, ele alcança uma posição social histórica e cultural
que não ocupava. Conceber a cultura como agente das transformações indica a
72
superação do paternalismo e do fatalismo que o limitava a um objeto quase nulo do
processo.
A partir das transformações sociais que ele vê se realizarem na sua
comunidade ele descobre que agora o fatalismo já não explica coisa
nenhuma. Então ele descobre que, tendo sido capaz de transformar a
terra, é também capaz de transformar a história, de transformar a cultura.
Da posição fatalista ele renasce numa posição de inserção, de presença
na história, não mais como um objeto, mas também como sujeito da
história (FREIRE, 2001).
Passadas duas décadas da ECO92 e da acusação formal ou informal
dos países “desenvolvidos” aos países “periféricos” de alimentarem as causas da
degradação do meio ambiente, o processo de transformar o homem em sujeito de
seu desenvolvimento ainda estão em construção. E, importante registrar, a prática
dos países detentores da tecnologia “de solução” para um desenvolvimento que
contemple a preservação ambiental - que atribuíram aos países periféricos a
responsabilidade pela degradação ambiental - a exportação de lixo tóxico para os
países do sul. Prática que é recorrente para com os países africanos e que acabou
descoberta também com o Brasil. Inúmeros contêineres de lixo tóxico foram
despachados da Inglaterra para diversos portos brasileiros, ainda sem punições e
responsabilizações nos âmbitos internacional e nacional.
O projeto de diminuir as assimetrias entre os benefícios usufruídos pelos
cidadãos do Norte e do Sul está a acontecer por pressão dos países periféricos a
seus governos em uma cruzada, designada por Sarkozy19, como um momento
histórico. O presidente francês iluminou o ineditismo de “povos derrubarem regimes
em nome de valores caros para nós como o da liberdade, da democracia, da justiça
e dos direitos humanos, sem a ajuda de ninguém”. É a luta pelo desenvolvimento
que pode ser apreendido como uma condição existencial humana para a
autorrealização e que se traduza em um equilíbrio entre três eixos: (i) “ser mais” que
exprime os fatores culturais do desenvolvimento a partir do sistema de valores da
sociedade humana; (ii) “ter mais” que seria a satisfação material progressiva que
não contribuísse com o consumismo nem com o desequilíbrio do ambiente
ecológico; (iii) “fazer mais” que seria a dinâmica produtiva e institucional que criasse
ocupações dignas e postos de trabalho ao invés do desemprego (Rivière,1990). Por
19
Entrevista concedida à Revista Veja, edição de 11.03.2011.
73
fim, respeitadas as especificidades das culturas percebem-se associados à noção
de desenvolvimento valores como habitação, cuidados sanitários e educação,
segurança ecológica, liberdades cívicas, segurança alimentar e o respeito aos
direitos humanos, próprios de sociedades sustentáveis. Que é pelo que lutam países
no norte da África e no Oriente Médio neste ano de 2011.
2.3 Das ações de emergência às de desenvolvimento
Dentro do quadro do novo humanitarismo, a ligação mais estreita entre
emergência e ajuda ao desenvolvimento ganha espaço e importância crescentes
com o argumento de que a emergência frequentemente limita-se a fazer o
necessário em situações após o caos - provocado por conflitos armados ou
desastres naturais - sem objetivos para desenvolvimento em longo prazo e sem
qualquer contribuição positiva para o futuro, incumbências essas dos projetos de
desenvolvimento.
Apresentava-se a necessidade e a possibilidade de conceber e implantar
intervenções de assistência humanitária que contribuíssem no longo prazo para o
desenvolvimento e para a paz. Crescia a percepção de que seria mais proveitoso
utilizar a ajuda humanitária e de emergência como investimento que propiciasse a
criação de bases para um desenvolvimento sustentável e para minimizar a
vulnerabilidade das populações e prevenir novas crises. (Pureza, 2005).
A necessidade da ligação entre assistência humanitária de emergência e
ajuda ao desenvolvimento baseou-se em duas estratégias fundamentais:
Continuum: conjunto de fases cronológicas encadeadas e numa linha de
progressão contínua com início no estado de emergência, passando pela
reabilitação até concretizar o desenvolvimento. O objetivo da abordagem seria
possibilitar uma transição suave, harmoniosa e coordenada entre as diferentes fases
de ajuda externa, sob a responsabilidade cada uma delas de organizações
especializadas;
74
Contiguum: as críticas à estratégia de continuum suscitaram o surgimento
desse novo enfoque vinculando as ajudas de emergência e de desenvolvimento em
meados dos anos 90. Nessa concepção a vinculação não consiste em uma
adequada transição entre as sucessivas fases tidas como compartimentadas. Ao
invés dessa visão a vinculação pretendida deverá permanentemente combinar
diferentes formas de intervenção – tanto de emergência a curto prazo, de
reabilitação a médio prazo, como de desenvolvimento a longo prazo - em uma
estratégia integrada e coerente, orientada para a redução da vulnerabilidade da
população a ser beneficiada. Como afirma Pérez (2002), as diferentes fases
sobrepostas no tempo devem se reforçar mutuamente de acordo com a prioridade
que a gravidade da situação confira a cada uma.
Em ambas as estratégias de ligação entre emergência e
desenvolvimento verificam-se implicações semelhantes como: análise
clara dos contextos em que forem aplicadas, prever e evitar possíveis
impactos negativos, tentativa de combinação das necessidades
imediatas com desenvolvimento futuro, busca do reforço aos serviços e
estruturas locais, promoção e proteção dos direitos humanos – incluindo
questões de gênero – e a contribuição para a construção da paz
(PÉREZ,2002,p.13).
Nesse contexto, a participação, o incremento do poder e capacitação da
população são de suma importância para o resgate da autoestima das comunidades,
e para que possam novamente acreditar ter recursos para garantir o seu sustento e
o seu futuro individual e comunitário. E a capacitação para a segurança alimentar é
um dos principais pilares por se tratar de comunidades tradicionais rurais, desviadas
de sua cultura de produção pela guerra que deixou uma triste herança em Angola.
Hoje grandes extensões de terras - cerca de 40% das áreas que seriam agricultáveis
- são improdutivas por serem campos minados (GROPPO, 2993).
75
Fotografia 21 – Pôr-do-sol na zona rural
Todas essas estratégias foram executadas na prática nos muitos anos de
atuação na resolução de situações de conflito por todo o mundo por Sérgio Vieira de
Melo. E permitiram que sua a sólida formação teórica, aliada a uma profunda
experiência, lhe dessem a clara dimensão do que se constituiria essencial para o
êxito de projetos de emergência-desenvolvimento […] um futuro melhor poderia se
concretizar em um mundo cada vez mais interligado e envolto na raiva e na
irracionalidade crescentes se cidadãos e governos observassem algumas liçõeschave como:
(i)
a legitimidade de uma intervenção ser fundamentada na autoridade e
no
consentimento
legal
amparados
por
um
desempenho
competente;
(ii)
ter a dignidade como o pilar da ordem e a humildade e a paciência
como imprescindíveis na atuação em terras estrangeiras, pregava.
A experiência em projetos de ajuda humanitária delimitava para Vieira de
Melo os fatores importantes para a percepção de legitimidade das intervenções dos
organismos internacionais, ou mesmo das organizações não governamentais, pelos
rights holders.
76
[...] Uma operação determinada trazia mais benefícios do que
malefícios? Os estrangeiros seguiam as regras internacionais?
Respeitavam as normas culturais? Estava ali para se dar bem ou para
promover o bem? Prestavam contas de seu desempenho? A população
local aceitava o que estava sendo feito? Chegava a ser consultada?
(POWER, 2008: 561).
A Comunicação constitui-se no instrumento que viabiliza a consulta à
população para que suas aspirações estejam incluídas em projetos a serem
desenvolvidos em seus países. Essa é a garantia de que não serão exógenos e
verticais como muitas vezes as intervenções são percebidas pelos rights holders. E
a Comunicação para o Desenvolvimento é o instrumento que privilegia o
protagonismo das comunidades em seu próprio desenvolvimento, como será
demonstrado no desenvolvimento da tese.
77
3 COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO
3.1 Da representação do mundo
O que chamaríamos de práticas de comunicação existe desde sempre, uma vez
que o homem sempre se comunicou. São práticas da Humanidade como a
linguagem e o utensílio, legados recebidos do homem pré-histórico. As formas
simples e primitivas de comunicação do homem, que se desenvolveram e se
especializaram, são ainda utilizadas, apesar do surgimento constante das novas
tecnologias e das complexas relações sociais em todas as sociedades. As imagens
precederam as palavras e se perpetuaram nas inscrições rupestres que chegaram
aos nossos dias demonstrando aquela forma de comunicação.
A linguagem foi um progresso significativo na comunicação humana por permitir
a transmissão do conhecimento, das tradições. As linguagens corporais e não
verbais são há milênios indispensáveis nas sociedades tradicionais. Nessas, a
comunicação interpessoal têm importância fundamental principalmente para as
populações rurais dos países em desenvolvimento que constituem significativa
parcela da população mundial. Em coletividades cujo isolamento, pequena dimensão
ou o analfabetismo permitiram a sobrevivência da tradição, a linguagem, a ação e o
exemplo são, por vezes, a única forma de transmitir a informação. A comunicação
interpessoal continua a ser fundamental para a existência de sociedades
democráticas e “reveste-se [...] de um novo significado diante da tecnologia moderna
e dos efeitos de alienação que traz consigo” MacBride (1983, p.77). Entretanto, tais
formas de comunicação interpessoal são, por vezes, desconsideradas e o interesse
de pesquisadores e profissionais é focado nos meios de comunicação social como
fonte de informação e de idéias.
“Por ser o meio pelo qual uma pessoa exerce influência sobre a outra e também
pode ser influenciada, a comunicação é o verdadeiro portador do processo social.
Ela possibilita a interação e por meio dela os homens se tornaram e permanecem
78
seres sociais.20 Como a acumulação de conhecimento leva a novas descobertas e a
avanços significativos na ciência e na sociedade que deverão ser transmitidos,
apenas processos muito elementares poderiam ocorrer sem a comunicação. A
própria sociedade pode ser definida como uma vasta rede de acordos mútuos.
Contratos
oficializados
ou
convenções
verbais
sobre
comportamentos
convencionados como aceitáveis. [...] A eficácia desses acordos depende da
capacidade que tenham os homens de se comunicarem uns com os outros como
afirmaram Hartley e Hartley (1970).
A comunicação realiza para o indivíduo três funções importantes, pois padroniza
o mundo ao seu redor; define a sua condição frente aos demais indivíduos e, por
fim, ajuda na sua adaptação com êxito ao meio. Dessa forma, a comunicação irá
exercer influência significativa sobre a formação da personalidade e do sentido do
eu, permitindo ao indivíduo perceber padrões e valores do grupo que orientarão o
seu próprio comportamento. A linguagem é o instrumento pelo qual se realiza com
maior frequência a comunicação, e contém as definições e as limitações que
individualizam o mundo externo. Pode ser considerada uma acumulação de
experiências humanas simbolizadas e o reflexo da vida do grupo. As experiências e
as diretrizes para a condução individual em um grupo se realizam por meio das
palavras. Pela comunicação com os seus semelhantes o indivíduo chega a pensar e
a sentir em função desses símbolos, quer em relação aos objetos e acontecimentos
externos como em relação a si próprio. (HARTLEY; HARTLEY, 1970).
A intersecção da linguagem com a técnica somente se inicia a partir de 1942,
quando a comunicação percebe-se como um universo autônomo. Quando nasceu a
moderna noção de comunicação entre os anos de 1942 e 1948, a maioria das
técnicas de comunicação que hoje conhecemos já estavam em prática ou sendo
colocadas em funcionamento. McLuhan popularizou nos anos 1960 a tese de que as
grandes etapas da história da Humanidade derivaram diretamente das inovações no
domínio das técnicas de comunicação. Para o pesquisador canadense as
sociedades humanas seriam estabelecidas nos planos cultural, intelectual e social
pelas grandes técnicas que foram a escrita, a imprensa e os próprios meios de
comunicação de massa.
20
Habitualmente o termo cultura refere-se a produtos, conhecimentos, tradições, habilidades e crenças
partilhados por um grupo de pessoas e que serão transmitidos por gerações. Portanto, sua própria existência
estará baseada na ocorrência da comunicação, sem a qual não haveria partilha entre contemporâneos ou
sucessores (Hartley;Hartley,1970).
79
A comunicação no sentido em que a entendemos hoje é uma noção de origem
bastante recente. A palavra já utilizada há muito tempo expande as áreas de
significação que o conceito internaliza a partir do século XX. A primeira etapa da
construção da noção moderna de comunicação atribuirá a essa designação algumas
práticas até então sem nomenclatura. A noção de comunicação nascerá no universo
científico pelas mentes de um grupo de cientistas de várias áreas do conhecimento,
colaboradores de Norbert Wiener, no seio do movimento da cibernética, que ligará
práticas até então dispersas. Além de desempenhar um papel unificador se
identificará com a modernidade. A comunicação passará a ser entendida como o
encontro entre a operacionalização técnica da linguagem e a inovação do domínio
das técnicas que possibilitaram impor a palavra sob a forma de uma mensagem,
como salienta Breton (1994). Para Weaver21 (1949 apud Steinberg, Charles, 1970, p.
36-37) a comunicação inclui todos os processos pelos quais um espírito pode influir
em outro, bem como uma interação social significativa.
Existe uma unidade profunda entre todos os setores relacionados com a
comunicação que, longe de se processar nas diferentes técnicas materiais da
comunicação, surgirá de forma mais contundente como uma unidade no plano da
ideologia que os liga no interior de um mesmo sistema de valores e de
representações do mundo. Essa ideologia faz da “ação de comunicar” um dos
imperativos essenciais de nossa sociedade e apresenta-se como um recurso das
ideologias políticas ou como uma alternativa às ideologias políticas. Sob certos
aspectos, essa ideologia é extremamente utópica por evocar uma “sociedade de
comunicação” transparente, racional, consensual e pretensamente harmoniosa
(BRETON; PROLUX, 2000).
Partindo de um breve retrospecto, o aparecimento histórico e a moderna noção
de comunicação, forjados nos anos 1940, e o discurso contemporâneo sobre a
comunicação e o seu papel social foi praticamente instituído imediatamente após o
fim da Segunda Guerra Mundial. Pode-se afirmar que o ideal moderno de
comunicação decorre de três importantes transformações radicais que explicam os
aspectos essenciais da modernidade, conforme assinalaram (BRETON; PROULX,
2000 ,p.272)
21
Ver Weaver , Warren (1946). The mathematics of communication. Scientific American, vol 181, p.11.
80
Em primeiro lugar a definição de homem novo. Por intermédio de uma
verdadeira mutação na representação do que é o homem, a cibernética,
a ciência da comunicação criada em 1942 por Norbert Wiener irá pôr à
frente, como nunca acontecera até então, o papel da comunicação na
definição de ser humano [...] . Em seguida, o aperfeiçoamento de uma
nova ideologia, a ideologia da comunicação que se constitui como
alternativa às ideologias da barbárie cujo confronto [...] arrasa o mundo
de 1915 a 1945. A nova ideologia que aponta como inimigos o ruído, a
entropia, a desorganização, deve sem dúvida uma parte do seu êxito ao
facto de se apresentar como uma ideologia sem vítima, num contexto
em que a guerra fria e a ameaça do holocausto22 nuclear se sucederam
à guerra mais mortífera23 que a humanidade alguma vez conheceu.
Finalmente, o projeto de uma nova sociedade, a sociedade de
comunicação. Essa nova utopia social, prevista pelo pai da cibernética,
terá suas características distintivas: por um lado, será uma organização
social inteiramente centrada na circulação da informação; por outro, as
máquinas, nomeadamente as máquinas de comunicar, desempenharão
nela um papel decisivo.
Antes de Wiener ter percebido a importância da comunicação nas sociedades
humanas este tema já havia sido abordado por antropólogos como G.H.Mead ou
Gregory Bateson. A importância com que Wiener é reconhecido na abordagem do
campo se dá pelo fato de seu pensamento ter deslocado a comunicação de um tema
importante para o centro de todas as coisas.
Ele propôs de fato uma visão do mundo global e unificada organizada em torno
da comunicação. Essa incorporará todas as disciplinas e fará da comunicação um
valor de amplo alcance social e político. Construindo a partir desse pressuposto uma
nova utopia Breton; Proulx, (2000). Nela o interior não existe, a interioridade é um
mito e resulta na melhor das hipóteses da metafísica e na pior da ilusão. Na
hierarquia proposta por Wiener o critério é o da complexidade do comportamento de
permuta da informação. Quanto mais um ser for complexo mais alto se elevará na
escala de valores do Universo. E neste ponto de seu raciocínio, como afirma Breton
(2000), aparecerá a retroação ou os famosos inputs (mensagens de entrada) e os
outputs (mensagens de saída). Ela servirá para garantir a capacidade do
recebimento e da emissão de informações necessárias à manutenção do equilíbrio.
22
Ironicamente passado o período da guerra fria e do medo de que o botão vermelho ou o botão errado fosse
apertado, dois acidentes nucleares como há três décadas o de Chernobyl e recentemente o de Fukushima quase
concretizam a antiga ameaça.
23
Até aquela época. As guerras contemporâneas e as Novas Guerras, cujos alvos passaram a se constituir a
população civil, fazem mais vítimas que as guerras tradicionais.
81
Uma das consequências da aceitação do pressuposto de que tudo é
comunicação é a abolição da barreira clássica que separa o natural do artificial e à
desbiologização da inteligência e do espírito (mind).
O processo utópico que se desenvolve em torno da comunicação é ambicioso
e resulta em três níveis: (i) uma sociedade ideal, (ii) uma outra definição
antropológica do homem (iii) e a promoção da comunicação como valor. Esses três
níveis concentram-se e torno do que Wiener chamará de Homo communicans. Ele
será um ser sem interioridade e sem corpo, que vive em uma sociedade sem
segredos, um ser dedicado inteiramente ao social, que afirma a sua existência por
meio da informação e da permuta em uma sociedade transparente. Transparente em
função das novas máquinas de comunicar. Essas qualidades do homem de
comunicação, que se alinham aos ideais do homem moderno, são para Wiener uma
alternativa à degradação do ser humano resultante de um século mortífero XX.24
As novas concepções desenvolvem-se em torno de dois eixos: (i) todo ser que
comunica em certo nível de complexidade é digno de ver reconhecida a sua
existência como um ser social; (ii) e não será o seu corpo biológico que
fundamentará a sua existência enquanto ser social, mas a sua natureza
informacional. Já não existe o ser humano, mas seres sociais, definidos pelas suas
capacidades para se comunicar socialmente. Uma nova humanidade abrange todos
os homens, mas inclui todos os seres no estatuto parceiro comunicante de pleno
direito. Este novo pensamento antropológico não é um pensamento humanista, pois
não considera o homem o centro de todas as coisas. A partir dessa concepção “a
vida deixa de estar na biologia, para passar a estar na comunicação” Breton; Proulx
(1992, p.47). A comunicação introduz assim o homem em relação direta com outros
seres e definido em termos de comportamento de troca de informação.
O homem de Wiener constituirá as bases do homem moderno ideal, a que a
nossa cultura contemporânea se refere. Não mais guiado a partir do interior e
buscando uma intuição interior ou uma harmonia interna, volta-se para o exterior. Os
modelos de comunicação e de comportamento serão os pontos de referência para a
orientação no mundo. O papel dos media será indiretamente o instrumento essencial
24
As origens da Segunda Guerra devem-se aos agressores Alemanha, Japão e a Itália , de forma mais hesitante.
E a pergunta sobre a causa da Segunda Guerra Mundial é respondida por um nome: Adolf Hitler.
A Segunda não produziu tantos monumentos ao soldado desconhecido e, depois dela, a comemoração do Dia do
Armistício, ocorrido em 11 de novembro de 1918, foi perdendo sua solenidade. Talvez 10 milhões de mortos
parecessem um número mais brutal para os que jamais tivessem esperado tal sacrifício, do que 54 milhões, até
1945, para quem já havia presenciado a guerra como um massacre antes (HOBSBAWN, 1995, p.56).
82
para que o homem possa reagir adequadamente ao mundo. Assim, a representação
do homem como ser comunicante está associada a metáfora que faz a ligação entre
o cérebro humano e o computador em um ser sem corpo, como concebeu Wiener.
As máquinas têm direito, após 1942, ao estatuto de seres comunicantes que
podem ser comparadas ao homem no domínio da comunicação. Para Wiener o
funcionamento do indivíduo vivo e de algumas máquinas de transmissão se
revelariam paralelos. A crença na possibilidade das máquinas se tornarem
inteligentes será um dos aspectos básicos do mito da modernidade. E da sociedade
da comunicação de que todos fazem parte e cujo vigor reside na capacidade de
libertar as suas forças comunicacionais intrínsecas. A nova sociedade articula-se em
torno da transparência social, que une homem e sociedade. O processo da
informação é uma troca com o mundo exterior, que pressupõe ajuste a adaptação a
ele, e viver adequadamente informado. Nesta concepção qualquer entrave ao
movimento e circulação de uma informação conduziria à decadência social. Wiener
afirmava que a comunicação é o cimento da sociedade e que “as pessoas cujo
trabalho consiste em manter livres as vias de comunicação são, precisamente,
aquelas de quem depende sobretudo a perenidade ou então a queda de nossa
civilização” (BRETON, 2000, p. 284).
A questão se amplia e nos anos 1960 Jean D`Arcy foi um dos primeiros
promotores do “direito à comunicação” quando afirmou que chegaria o dia em que a
Declaração Universal dos Direitos Humanos teria que incluir um direito mais amplo
que o direito do homem à informação.25 Esse seria o direito dos homens de se
comunicarem. (D´ARCY, 1969). O que motivava o novo enfoque era a observação
de que as disposições nos direitos humanos ratificaram a Declaração Universal de
Direitos Humanos e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos. O reconhecimento do
25
D´Arcy estabeleceu as etapas sucessivas para a adoção: na época da ágora e do foro, da comunicação
interpessoal direta, surge o conceito básico para todo o progresso humano e para toda a civilização – a liberdade
de opinião (...) o surgimento da imprensa, que foi o primeiro dos meios de expressão de massas, provocou, pela
sua própria expansão e contra as prerrogativas de controle reais ou religiosas, o conceito correlato de liberdade
de expressão (...) O século XIX, que presenciou o extraordinário desenvolvimento da grande imprensa,
caracterizou-se por lutas constantes em prol da liberdade (...) A chegada sucessiva de outros meios de
comunicação de massas – o cinema, rádio e televisão –da mesma forma que o abuso de todas as propagandas em
véspera de guerra, demonstraram rapidamente a necessidade e a possibilidade de procurar, receber e difundir as
informações e idéias sem consideração de fronteiras (...) por qualquer procedimento. Hoje em dia parece possível
um novo passo adiante:o direito do homem à comunicação,derivado de nossas últimas vitórias sobre o tempo e o
espaço, da mesma forma que da nossa mais clara percepção do fenômeno da comunicação (...) Atualmente,
vemos que engloba todas as liberdades, mas que além disso traz, tanto para os indivíduos quanto para as
sociedades, os conceitos de acesso, de participação , de corrente bilateral de informação, que são todas elas
necessárias como percebemos hoje para o desenvolvimento harmonioso do homem e da humanidade” ( Le droit
de l´homme à communiquer) Documento de número 39 apresentado por D`Arcy à Comissão MacBride.
83
direito de comunicar-se é essencial se desejamos que a governabilidade global das
“sociedades da comunicação” considere a preocupação com o respeito aos direitos
humanos (HARMELINK, 2003). Isto significa não aceitar os Estados, mercados ou
as tecnologias como as diretrizes. Mas que os interesses dos povos sejam definidos
como as diretrizes do modelo de mundo que queremos e que deveremos seguir.
A globalização encerra em si a metáfora de uma sociedade de comunicação
viabilizada pelas tecnologias da informação. A aldeia global imaginada por
MacLuhan é a metáfora que revela a percepção da globalização. Ela evoca a
experiência hoje cotidiana de uma comunidade de comunicação, sustentada em
tecnologias da informação que se desenvolvem a um ritmo prodigioso. De acordo
com Pureza (1998, p. 41) “a identidade predominantemente televisiva da aldeia
global está a suceder o acesso direto de cidadãos às fontes de informação privadas
[...] e os grupos de discussão eletrônicos através da disposição de meios
informáticos em rede”.
A metáfora da aldeia global é um mecanismo de ocultação, uma vez que
obscurece o passado de controle estatal sobre a informação, para consolidação das
identidades nacionais. E cede espaço para a mundialização cuja fundamentação é o
princípio da rentabilidade máxima da informação-mercadoria a que é submetida à
sociedade. A metáfora da aldeia global é ilusória posto que a informação, agora
mercadoria, reproduz um sistema hierárquico de dominação do sistema mundial. E,
longe de ser planetário e de sustentar uma verdadeira comunidade de comunicação,
dissimula a concentração e a maior assimetria entre países e regiões do globo
(PUREZA, 1998). Também no que tange a informação e a comunicação
O acesso à informação na ponta dos dedos, hoje banal, possui uma velocidade
antes difícil de ser imaginada. Mas preconizada desde a temida sociedade totalitária
criada por Orwell na obra 1984, onde o grande irmão exigia a cega obediência,
fabricava a verdade, a ascensão e a queda de ídolos. Ou na epopeia de Júlio Verne,
com a descoberta de que o interior é como o exterior, A Viagem ao centro da terra
revela “um novo jogo metafórico ao redor de uma rede de significações”. Nela a
imagem, a forma e a aparência vão ser cada vez mais valorizadas e, sobretudo, os
mesmos termos servirão para descrever o que se passa no homem e os seus
comportamentos externos afirmavam Breton e Proulx (1994, p.51).
Avançando ao modelo da comunicação a partir das mídias de massa –
cinema, televisão, rádio – ainda o principal referencial da comunicação atual e que é
84
mediada pela técnica, pela ausência de diálogo e direcionada para receptores
potenciais indefinidos. Estabeleceu esse uma sociabilização midiática própria,
reveladora do espírito desta época, superando barreiras geográficas e culturais,
transformando a circulação de bens simbólicos em um mercado de significância
econômica e social (PUNTEL, 2010). E que encerra a intencionalidade de seus
produtores e a lógica industrial de sua produção.
A comunicação dialógica não presencial é o elemento novo e instaura um
modelo diverso que reestruturará o ambiente comunicacional, afirma Puntel (2010).
Combinará a relação dialógica e a mediação técnica, permitindo a simulação do
modelo que integra o diálogo e que fundamenta o conhecimento humano.
Desconsidera barreiras de tempo e espaço em uma interação mediada pela
máquina. Pelo computador, no ambiente do cyber espaço, em chats, emails,
teleconferências e em listas de discussão. O modelo se soma aos precedentes
constituindo nova configuração. Ou inaugurando uma construção social, a partir da
tecnologia digital, que opera redimensionada em relação ao espaço-temporal
clássico. Nessa rede comunicativa é possível o contato com todos, em todos os
lugares do mundo, determinando um reordenamento da realidade.
3.2 Da Guerra
Como afirma Morin (1998) o século XX dotou-nos ao preço do sangue, do
terror e da morte. A experiência-chave do século é a de uma reação em cadeia,
deflagrada em Sarajevo em 1914 e que desencadeou a Primeira Guerra. Esta
suscitou o comunismo totalitário, o fascismo italiano, o nazismo. O partido de Hitler
surge de uma crise econômica sem precedentes. Origina a Segunda Guerra Mundial
que abre caminho para a guerra fria e que terminará com a implosão da União
Soviética. O fim do império do proletariado agravou a crise do futuro, pois motivou a
eclosão tumultuosa de nacionalismos.
As regressões do século XX fizeram surgir guerras, crises, nacionalismos,
socialismos que, diagnostica o filósofo francês, deram vida ao novo monstro
histórico do totalitarismo. O século que passou fez-nos viver a experiência de uma
religião da salvação terrestre, que se desintegrou na sua realização e mostrou que a
85
revolução ressuscitava uma pior forma de exploração do que a que deveria ser
aniquilada.
Nos regimes totalitários e em situação de conflito a comunicação é feita de
forma unilateral – dos governantes para os governados sendo uma das
características fundamentais dos regimes antidemocráticos. É preciso fazer a
distinção entre a comunicação - um processo que deverá ser participativo e de
diálogo - e a informação como canal de difusão vertical.
O estilo verbal e a retórica cortante de Mussolini ou a linguagem mítica é de
uma
irracionalidade
confinante
ao
histerismo
de
Hitler,
e
exemplificam
historicamente que os governantes totalitários não se propunham - como não se
propõem - minimamente a informar, mas sim impor o seu ponto de vista mediante
uma hábil mescla de persuasão emotiva e de ameaça, permeada de um tom de
exasperada exaltação nacionalista, ou racista.
Mais que a informação propriamente dita havia ainda uma comunicação
unilateral, seguida de decisões tomadas sob bases irracionais. Segundo essa
concessão a política seria decisão pela decisão, puramente e simplesmente
comunicada de modo tal que deveria ser aceita mais ou menos carregada de
exaltante tensão emotiva ou, sobretudo, de terror como afirmava Aranguren, ele
próprio exilado da Espanha franquista.
Nessa situação o monopólio dos canais de comunicação permite manipular
facilmente a [pseudo] opinião pública, uma vez que todos os meios de comunicação
pertencem ou estão exclusivamente a serviço do governo, como é o caso em
Angola. As ONGs presentes no país tinham dificuldade para conseguir concessão
do Estado para operar rádios comunitárias. Pleiteavam sem sucesso em um
momento em que apenas 24% dos habitantes das áreas rurais possuíam rádio na
época, veículo de maior participação na população do país, apesar de nem sempre
disporem das pilhas.
Em situações de guerra, pós-conflito e em regimes totalitários a comunicação
é cerceada de inúmeras formas: mensagens interceptadas, ameaças, fechamento
de veículos de comunicação e mesmo a proibição de acesso do país à rede mundial.
Poucos os que podem exprimir uma opinião ou apenas um, os demais serão
meramente o seu eco. A imensa maioria dos súditos (não cidadãos) não pode fazer
outra coisa que receber passivamente a opinião oficial uma vez que a
86
comunicação/informação é organizada de modo a ser impossível qualquer resposta.
Pureza (2005).
A abertura dos canais de comunicação, em contraponto, não significa que
traga em si a verdadeira democracia. Araguren assinalou que os meios de
informação, aparentemente livres e não controlados pelo Estado, podem de fato ser
monopolizados pelo grande capital. Esse não tem interesse no totalitarismo e na
ditadura, mas sem dúvida também não tem interesse em uma completa e autêntica
democracia. “A imprensa livre” dizia não é livre, sobretudo, porque repousa sobre o
dinheiro. Os meios de informação são livres em relação ao Estado, mas não em
relação ao dinheiro. Que em essência é conservador.
Vivemos em uma época em que a crueldade, a guerra e a violência fazem
parte da realidade. E que os alvos dos conflitos se deslocaram intencionalmente de
militares para civis. Independente dos acordos, acertos, desacertos, conluios e
coesões militares entre governantes, o povo dos países tem o desejo de viver em
liberdade, com seus direitos fundamentais assegurados e, principalmente, em paz. E
seria de grande importância que os meios de comunicação reforçassem este ideal
de forma sistemática. Onde predomina um sistema lucrativo de produção
armamentista haverá interesse na manutenção dos gastos militares. E, portanto, a
influência sobre a opinião pública, e sobre os decisores políticos, por parte de quem
controla este jogo para manter os gastos que Eisenhower denominou complexo
militar-industrial (MacBRIDE, 1983).
A guerra não deve manchar com infâmia o estado de paz, nem as
negociações de paz. Essas deveriam garantir a responsabilização e de alguma
forma não mostrar desprezo pelo sentimento de autoestima das nações. Os
cidadãos não poderiam “se dar ao luxo de lavar as mãos da construção de uma
paz verdadeira” e deixar as decisões importantes para os estadistas” [...] Não
deveriam abdicar de sua responsabilidade. “ Devemos agir como se a paz perpétua
fosse algo real, embora talvez não seja” dizia Vieira de Melo na década de 1990.
(Power, 2008, p. 95).
87
3.3 Da cidadania e da cultura da Paz
A progressiva implantação das novas tecnologias da comunicação e a
redução de custo dos próprios processos comunicativos assegura que, mesmo uma
pequena organização, possa dispor de meios para divulgar a sua opinião.
Entretanto, os meios não asseguram sua presença no debate social. A possibilidade
de acesso nem sempre dependerá das organizações, mas sim do jogo político e
ideológico que assegura o direito à visibilidade dentro do Estado, principalmente
onde
os
direitos
fundamentais
e
a
democracia
sejam
valores
relativos
(HERNANDEZ, 2008).
A comunicação deve ser um processo social, baseado no diálogo, que utiliza
uma ampla gama de ferramentas e métodos com o objetivo de partilhar
conhecimento e competências. Essa forma de comunicação visa construir políticas e
promover debates que resultem em mudança significativa e sustentada em direção
ao desenvolvimento e ao bem comum. Para Fraser e Villet (1994) uma estratégia de
desenvolvimento que aplica o enfoque da comunicação pode revelar as atitudes
silenciosas das pessoas e sua sabedoria tradicional. Ao mesmo tempo as ajuda a
adaptar suas perspectivas, adquirir novos conhecimentos e habilidades e propagar,
de forma massiva, novas mensagens com novo conteúdo social para públicos mais
amplos. A questão que se levanta é o motivo desse debate ser continuado e
permanecer em aberto. E as disparidades se evidenciando aos nossos olhos, aos
olhos do mundo. A cidadania não pode encerrar injustiças e desigualdades
A ponderação de que os meios de comunicação internacionais descrevem de
modo impressionante as situações de fome, as inundações, epidemias e outras
calamidades que atingem os países em desenvolvimento, [e até os desenvolvidos]
poderia descrever aquilo a que o mundo hoje assiste. As tragédias sensibilizam e
contribuem para provocar a ajuda e a intervenção dos governos e das organizações
privadas. Mas as ações deveriam superar a fase dos primeiros auxílios e da
reconstrução, para contribuir para o desenvolvimento e para a mudança.
Apesar de atual o discurso pertence ao relatório MacBride (1983, p.297) e
acrescentava que “a capacidade de resolver esses problemas imensos ou de
provocar o desenvolvimento ultrapassa as possibilidades da comunicação. O que
esta pode fazer é [...] concentrar a atenção, destacar as oportunidades, mobilizar a
88
opinião pública, criticar a indiferença e as obstruções”.
O resultado seria a
mobilização da opinião pública nos países em desenvolvimento e o fomento de uma
maior compreensão nos desenvolvidos.
O intercâmbio de idéias mais intenso entre todos os setores da sociedade,
possibilitado por essa comunicação, resultará em uma maior participação da
população em uma causa comum. E esta participação é um requisito fundamental
para o desenvolvimento sustentável e para a manutenção da paz.
3.4 Do desenvolvimento
Existe a necessidade de uma comunicação como um direito humano, que
permita às comunidades terem voz própria e participarem progressivamente das
decisões sobre seu desenvolvimento e sobre sua vida. Esta comunicação é
chamada de Comunicação para o Desenvolvimento (CpD). Como evidenciou Nelson
Mandela, são as pessoas que fazem a diferença. Comunicação é sobre pessoas.
Comunicação para o Desenvolvimento é essencial para fazer a diferença acontecer.
Comunicação para o Desenvolvimento: um processo que permite às
comunidades falar, expressar suas aspirações e preocupações, e participar nas
decisões que dizem respeito ao seu desenvolvimento (Assembleia Geral da ONU,
resolução 51/172, artigo 6). Essa definição contrasta profundamente com a
tendência de associar a palavra comunicação com conceitos como disseminação,
informação, mensagem, mídia e persuasão.
O termo Comunicação para o Desenvolvimento engloba esses conceitos, mas
incorpora uma visão muito mais ampla para facilitar o diálogo, investigar riscos e
oportunidades, comparar percepções e definir prioridades para mensagens e
informações. E, o mais fundamental de um processo social, envolver as pessoas no
seu próprio desenvolvimento. A diferença real entre a comunicação e Comunicação
para o Desenvolvimento reside nessa visão mais ampla que considera as opiniões
das pessoas afetadas pelas alterações decorrentes do desenvolvimento como
89
participantes ativos em um processo social, e não apenas receptores de
mensagens.
Se o desenvolvimento é algo feito por e para as pessoas a Comunicação para
o Desenvolvimento deve ser central em qualquer iniciativa de desenvolvimento
desde o seu começo, por envolver os beneficiários em seu processo de inclusão e
de crescimento. A própria sustentabilidade dos programas e projetos de
desenvolvimento está em relação direta com a participação dos interessados. E os
interessados não são somente os chamados “beneficiários”, mas também as
próprias organizações de desenvolvimento que pretendam que seus programas
tenham um impacto no longo prazo e sejam (DRAGON-GUMUCIO, 2007). Assim, a
Comunicação para o Desenvolvimento é um processo social, baseado no diálogo,
que utiliza uma ampla gama de ferramentas e métodos com o objetivo de partilhar
conhecimento e competências. Visa construir políticas e promover debates que
resultem em mudança significativa e sustentada em direção ao desenvolvimento e
ao bem comum (ONU, 2006:9).
Existem aspectos diferenciadores fundamentais nesta comunicação, a saber:
(i) buscar mais que a visibilidade institucional específica das relações públicas; (ii)
ser um processo inclusivo e horizontal; (iii) constituir-se alternativa aos interesses
políticos e comerciais hegemônicos; (iv) restituir o valor à terminologia social e
rechaçar
o
mercantilismo
dos
meios
massivos.
Comunicação
para
o
Desenvolvimento significa uma comunicação participativa que identifica as
necessidades de informação dos interlocutores, encerra a produção das mensagens
bem como sua apropriação pela comunidade igualmente de forma participativa.
A reflexão sobre a Comunicação na contemporaneidade mostra e existência
de uma unicidade profunda entre todos os setores relacionados com a comunicação.
Interligada pela comunicação a sociedade planetária atingiu a profecia de Wainer
(1948) e materializou o conceito da “sociedade da comunicação”: o conhecimento
está ao alcance dos dedos em um mundo interconectado pelas máquinas por meios
diversos e instantâneos. A informação é irrestrita, porém, o acesso é impossível a
muitos grupos sociais ou mesmo a muitas sociedades. A situação deriva de
delimitações econômicas, políticas e/ou religiosas – como atualmente na China,
Iraque, Irã e Venezuela – para citar alguns exemplos recentes.
O domínio da tecnologia é um importante fator que poderá determinar a
exclusão do acesso à comunicação e estabelecer uma lacuna entre a comunicação
90
usual em países do Norte e a realidade no setor em muitos países do Sul. A
consequência do cerceamento do direito à Comunicação – tecnológico ou ideológico
- resulta na falta de informação que terá desdobramentos tanto para os países como
para a vida cotidiana de seus povos. Essa realidade apresenta-se de forma
freqüente nos países do terceiro mundo, organizados ou em processo de
reorganização, em situação de conflito latente ou de pós-conflito, onde organizações
estão
presentes
trabalhando
para
que
a
transição
para
a
estabilidade
socioeconômica e cultural possa ser o menos traumática possível.
Comunicação como direito: utopia ou conquista?
A vitalidade social, unidade cultural e a independência de um povo,
dependem de sua espontaneidade social. Por isso, sempre foi uma constante saber
como reforçar essa importante característica desvinculando-a do poder político, por
vezes uma força repressora e aniquiladora da vitalidade social. A sociedade de uma
comunidade de povo não possui apenas indivíduos. É composta de várias
sociedades, grupos, círculos, agremiações associações que se diferenciam em tipo,
caráter, extensão e dinamismo. Para Buber (2007) quanto maior for a relativa
autonomia concedida às comunidades locais e regionais, maior se tornará o espaço
de desenvolvimento dos poderes sociais. A opinião pública é um importante fator
agregador dos indivíduos em sua mentalidade, como influenciador nas relações
mútuas entre as sociedades. Nesse contexto, a comunicação assume uma posição
de relevância por ser a via de acesso ao individual e ao social. Como tal deve passar
a se constituir em um direito do ser humano de forma ampla. As Metas do Milênio
das Nações Unidas (ONU, 2000) preconizaram em seus Valores e Princípios, no
capítulo referente ao Desenvolvimento e a Erradicação da Pobreza, o direito à
Comunicação. Afirma ser preciso lutar para que todos possam aproveitar os
benefícios das novas tecnologias, em particular das tecnologias da informação e das
comunicações, conforme as recomendações formuladas na Declaração Ministerial
do Conselho Econômico e Social de 2000.
91
Como já está claro desde a segunda metade do século XX, é preciso que se
afirme o direito dos povos à comunicação, resgatando as recomendações do
Relatório MacBride26 que, apesar de ser considerado ambíguo por alguns em seus
resultados, devido à própria configuração da comissão que o gerou27, permanece
ainda hoje como o mais completo trabalho já produzido sobre a problemática da
comunicação no mundo contemporâneo (Zylberberg & Demérs,1992).
Sean MacBride afirmou que ao receber o relatório da comissão - verificando a
falta de uniformidade e o fato de ser muito prolixo em algumas partes - desejou
reescrevê-lo. Mas não havia tempo para a correção do estilo, “prejudicado pela
grande diversidade das correntes lingüísticas, culturais e filosóficas entrelaçadas
nesse amplo mosaico sobre a comunicação” (MacBRIDE, 1983:13). Revelou que o
consenso existente em relação aos problemas importantes, dúvidas em aberto e a
exigência de uma análise permanente para a construção de uma Nova Ordem da
Informação,
Havia a concordância da totalidade dos membros da histórica comissão de
que seria fundamental a realização de reformas estruturais no setor de
comunicação, pois a ordem existente mostrava-se inaceitável. A grande colaboração
da comissão que, salientou MacBride na época, era amplamente representativa em
termos de diversidade ideológica, política, econômica e geográfica do mundo, foi ter
conseguido delimitar, analisar e esboçar soluções aos problemas de comunicação
existentes no mundo àquela altura. Um esforço embrionário, na percepção de
MacBride, para o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial da Informação e da
Comunicação. Essa seria um processo em mudança contínua na busca dos
seguintes objetivos: maior justiça, maior equidade, maior reciprocidade no
intercâmbio da informação, menos difusão de mensagens em sentido descendente,
26
, Elaborado pela comissão presidida por Sean MacBride – jornalista, político e jurista irlandês, ganhador dos
prêmios Nobel e Lênin da Paz – que iniciou seus trabalhos em dezembro de 1977, apresentados em maio de
1980. Na divulgação do Relatório One World, Many Voices, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, seguidos pelo
Japão, abandonaram a UNESCO por discordarem dos matizes ideológicos de suas recomendações.
http://www.communicationofsocialchange.org/mazi-articles.php?
27
A Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, composta por notáveis
especialistas internacionais em cultura e comunicação, foi integrada por Elie Abel (EUA), Hubert Beuve-Méry
(França), Eleke Ma Ekonzo (Zaire), Gabriel García Marquez (Colômbia), Sergei Losev (União Soviética),
Mochtar Lubis (Indonésia), Mustapha Masmoudi (Tunísia),
Michio Nagai (Japão), Fred Isaac Akporuano Omu (Nigéria), Bogdan Osolnik (Iugoslávia), Gamal ElOteifi (Egito), Johannes Pieter Pronk (Holanda), Juan Somavía (Chile), Boobli George Verghese (Índia),
e Betty Zimmerman (Canadá).
92
maior “autossuficiência” e identidade cultural e maior número de vantagens para
toda a humanidade.
Os princípios que regeriam a Nova Ordem foram determinados no exame dos
problemas gerais em reuniões com especialistas e na troca de idéias entre os
membros da Comissão. A partir da organização de um grande encontro
internacional, foram estabelecidos problemas como os de conteúdo da informação, a
exatidão e o equilíbrio na apresentação dos fatos e das imagens, as infra-estruturas
dos serviços de informação, os direitos e deveres dos jornalistas e das organizações
em relação à coleta e difusão de notícias e os aspectos técnicos e econômicos de
suas operações (MacBRIDE, 1983). Além das reuniões ocorridas na própria
UNESCO, a Comissão se reuniu quatro vezes em diversos países - Suécia,
Iuguslávia, Índia e México – determinante para que os problemas culturais e sociais
de natureza tão diversa fossem melhor compreendidos.
O fato de estar in loco permitiu o contato direto com profissionais e
pesquisadores com diferentes opiniões sobre os aspectos fundamentais da
comunicação nas várias sociedades. Assuntos como a interação da sociedade e os
meios de comunicação social, a cooperação entre os países em desenvolvimento e
a relação entre comunicação e desenvolvimento foram debatidos em mesas
redondas, integradas também por representantes dos governos, nos quatro cantos
do mundo. Na América do Sul o eixo do debate girou em torno da temática da
correlação entre a cultura e a comunicação. Na análise sobre o trabalho realizado
pela Comissão em seus três anos de existência, presente no prólogo do livro
resultante One World, Many Voices, foi dito que a consulta direta sobre os assuntos
essenciais foi imprescindível para:
“esclarecer as interconexões entre os problemas fundamentais da
comunicação e confirmar a nossa idéia da Comissão de que existem
vínculos estruturais entre esses problemas e as estruturas sócioeconômicas e culturais de que se revestem definitiva e inevitavelmente
os problemas de comunicação, daí a sua importância primordial nos
planos nacional e internacional” (MacBRIDE, 1983:14)
As palestras básicas foram enriquecidas pelo exame de centenas de
documentos escritos por especialistas do mundo inteiro e versaram sobre aspectos
93
concretos da comunicação e as suas percepções sobre o campo. Essa riqueza de
material permitiu à Comissão realizar uma análise comparada de pontos de vista
díspares. E, principalmente, possibilitar que problemas próprios da comunicação
pudessem ser vistos sob novos prismas. Sean MacBride ressaltou o enriquecimento
dos contatos profissionais pela possibilidade da participação em mais de vinte
conferências, seminários, reuniões e debates de iniciativa das organizações
internacionais, associações profissionais internacionais, de países não alinhados e
instituições regionais e nacionais direcionadas à informação e à comunicação. Além
de toda essa riqueza no mapeamento dos problemas da comunicação no final dos
anos 70, outros atores como organismos internacionais, regionais e nacionais,
centros
de
pesquisa,
associações
profissionais,
escolas
de
jornalismo
e
universidades contribuíram, disponibilizando documentação e comentários.
Na realização da XX Conferência Geral da UNESCO, ocorrida em 1978, o
relatório provisório foi apresentado permitindo o seu enriquecimento com centenas
de observações de pessoas físicas, organismos e governos. O trabalho da
Comissão MacBride foi apresentado como uma sondagem mundial das “opiniões de
indivíduos e instituições, a partir de uma massa sem precedentes de documentos,
procedentes de uma enormidade de fontes, que representam a série mais ampla
possível de matizes ideológicos, sócio-econômicos e culturais”. MacBride (1983:16).
A origem dessa emblemática Comissão Internacional de Estudo dos
Problemas da Comunicação, que gestou o polêmico Relatório MacBride, está
associada à XIX Conferência Geral da UNESCO realizada em Nairóbi, em 1976.
Nela houve uma prevalência no debate dos aspectos fundamentais da comunicação
entre os povos e entre as nações. Ao mesmo tempo, o projeto de Declaração sobre
os princípios fundamentais que norteariam a contribuição dos meios de
comunicação para o fortalecimento da paz e da compreensão internacional para
promoção dos direitos humanos, para a luta contra o racismo, o apartheid, a
incitação à guerra - como a que a África do Sul, segregacionista, promoveu naqueles
anos contra Angola - gerou um debate difícil. Para que o exame dos temas fosse
facilitado e as controvérsias atenuadas foi proposta a realização de uma análise
aprofundada “da totalidade dos problemas da informação e da comunicação na
sociedade moderna”. MacBride (1983:481).
Após um longo debate, os conferencistas aceitaram priorizar medidas
destinadas a reduzir as desigualdades no acesso à informação, existentes entre os
94
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Convencionaram que seria importante
estabelecer a circulação internacional da informação de forma mais livre e
equilibrada. A partir dessas diretrizes, determinada a necessidade de mapear os
problemas da comunicação na sociedade, a comissão internacional composta de 16
membros seria designada em dezembro de 1977. O seu dever seria elencar os
problemas de comunicação do mundo na época a partir de diretrizes determinadas.
O ponto de partida foi a UNESCO como a principal tribuna de debate sobre a
comunicação e as diferenças no acesso dos países à informação.
O percurso do início dos anos 60 até a constituição da Comissão evoluiu a
partir do fomento da UNESCO a acordos pioneiros para estabelecer intercâmbios
internacionais de informação. Foram viabilizados projetos para criação de agências
de notícias nacionais interligadas. O objetivo proposto pela UNESCO era o de
aumentar os meios de expressão dos países em desenvolvimento e promover o
intercâmbio de notícias e produtos da indústria cultural. Desta forma, filmes e outras
produções poderiam circular em benefício de todos os países integrantes da
cooperação. Isto garantiria, principalmente, a possibilidade de que a cooperação
resultasse na informação a serviço da educação e do desenvolvimento. MacBride
(1983).
Nos anos 70, delegações de países em desenvolvimento participantes da XVI
Conferência Geral da UNESCO solicitaram a organização de sistemas mais bem
adaptados e equilibrados de intercâmbio de informação e o direito à identidade
cultural, explicitando a problemática da distribuição desigual dos meios de
informação. Esse foi o deflagrador do processo que, após dois anos, fez com que
delegados da maioria dos Estados-membros destacassem, veementemente, os
perigos que adviriam da circulação desequilibrada da informação. A colocação do
problema permitiu que a direção-geral da UNESCO autorizasse pesquisas sobre a
formulação das políticas de comunicação e a elaboração de estratégias e planos
nacionais de comunicação, que levassem ao desenvolvimento.
Na ocasião da XVIII reunião, em 1974, a Conferência Geral recomendou à
UNESCO da América Latina realizar uma conferência intergovernamental sobre as
políticas de comunicação no ano seguinte. E a preparação de uma conferência nos
mesmos moldes da que ocorreria em 1977 na Ásia. O objetivo das conferências foi o
de “facilitar a comunicação entre as nações, entre os povos e adquirir um
conhecimento mais exato do papel que desempenham os meios e os processos de
95
comunicação na aplicação das políticas e dos planos de desenvolvimento nacional”
(MacBride, 1983:64).
A primeira conferência sobre políticas da comunicação ocorreu no ano de
1976 em San Juan da Costa Rica e acolheu a demanda de formulação de novas
políticas nacionais e internacionais de comunicação. E, não só isso, como também
os participantes entenderam ser fundamental o estabelecimento de conselhos
nacionais de comunicação, desenvolvimento de pesquisas científicas na área e a
criação de agências nacionais e internacionais de notícias. Considerada a
comunicação como uma força poderosa entre as nações, os Estados integrantes da
conferência de San José da Costa Rica declararam que as políticas nacionais de
comunicação deveriam se concebidas considerando os seguintes aspectos: (i) a
realidade nacional; (ii) a liberdade de expressão; (iii) os direitos individuais e sociais.
Quando à conferência prevista para a Ásia ocorreu em Kuala Lampur, em
fevereiro de 1977, foram estudados os aspectos de uma política de comunicação
relacionados à Ásia e à Oceania. Foi destacado o papel decisivo da comunicação
como modo de afirmação da identidade coletiva de uma nação, como instrumento de
integração social e na democratização das relações sociais. Uma das conclusões
geradas foi a de “que o esforço para a definição de algumas políticas globais e
coerentes de comunicação nos planos nacional e regional deve-se se estender, nos
próximos anos, às outras regiões do mundo” (MacBride,1983:65). Naturalmente
foram temas que geraram debates acalorados e, conforme descreveu Sean
MacBride, até mesmo conflitos violentos.
Na época de divulgação do Relatório Mac Bride as discussões acadêmicas e
políticas sobre a comunicação versaram sobre sua relação com o processo de
desenvolvimento dos países do Sul. O direito à liberdade de Comunicação era
permeado pela bipolaridade da configuração geopolítica internacional no período da
Guerra Fria. Países detentores de ideologias de direita ou de esquerda buscavam
impor sua visão de mundo para toda a sociedade planetária. Nesse período,
batalhas reais ou simbólicas – divisão da Europa após a Segunda Guerra, da Coreia
e do Vietnã, invasões da Hungria e Checoslováquia, militarismo na América Latina –
eram confrontos também pelo domínio da Comunicação pelos Estados.
É nesse cenário que surge o conceito de Políticas Nacionais de Comunicação
a partir dos anos 50, originado no debate desenvolvimentista que dominou a
UNESCO por três décadas. Na época, a agência das Nações Unidas para a
96
Educação, Ciência e Cultura recebera a filiação de países recém-saídos de
processos de descolonização, que passaram a ser a maioria na organização.
Naturalmente, os novos membros eram países de representações anti-imperialistas
e com governos de tendências socialistas ou de organização ou formas capitalistas
não alinhadas aos países centrais da América do Norte e da Europa. Até então
hegemônicos na UNESCO os membros históricos vinham impondo, desde os anos
50, uma linha política liberal do livre-fluxo da informação, de acordo com os
princípios de mercado. Zylberberg & Demérs (1992).
Por ocasião da polêmica divulgação das conclusões do relatório da UNESCO
o Brasil viveu o período em que o debate das políticas nacionais de comunicação
desapareceu dos contextos acadêmicos e políticos dos anos 80, amordaçado pela
onda neoliberal e pelo autoritarismo. Após a lacuna que se segue na teorização
sobre o direito à comunicação coincidente à configuração das grandes e poderosas
redes de comunicação comerciais internacionais e nacionais, percebe-se que o
projeto da nova sociedade de Wiener não se concretizou. A “sociedade da
comunicação” encarada não como um tema importante, mas como o centro de todas
as coisas e a possibilidade da construção de uma nova utopia: a ideologia da
comunicação como alternativa às ideologias da barbárie.
Mais de trinta anos após a divulgação das recomendações de que a
comunicação fosse um instrumento para a instauração da paz, da democracia e do
desenvolvimento para todos os povos, não devendo ser utilizada de forma vertical, a
comunidade internacional ainda mantém esse debate em aberto. O intuito de ampliar
de forma irrestrita e imediata a concepção do direito à informação para direito à
comunicação, - ambos integrantes dos direitos humanos -, e assim dar voz às
pessoas em todo o mundo, por meio da Comunicação para o Desenvolvimento
ainda está por se fazer.
A Nova Ordem se faz agora
A busca do acesso às tecnologias da informação e do acesso à comunicação
irrestrita para alavancar o desenvolvimento humano e a construção permanente de
cidadania, traz em si a complexidade do inacabado. Por isso, é sempre é necessária
97
a afirmação e a reafirmação e o apoio internacional a esse direito frente às
sociedades autoritárias. As rebeliões no mundo iniciadas no norte da África e que
alcançaram o Oriente Médio, nessa segunda década do século XXI, desnudaram
aos olhos do mundo, em tempo real, o conflito latente por anos de subjugo, pela falta
de liberdade, pelo desrespeito aos direitos humanos, pela inexistência de garantias
individuais e sociais, pelo cerceamento do direito à informação, à comunicação e à
liberdade de imprensa. Tais como se apresentam nas sociedades pós-conflito. E
contra tudo aquilo destacado no Relatório MacBride.
Mas, apesar de tudo, como um rastilho de pólvora o levante se espalhou pela
região, levando o povo às ruas em diversos países, sucessivamente, mostrando
imagens que valeram mais do que mil palavras. O mundo viu representantes
ditatoriais, há décadas no poder, ruírem um a um em efeito dominó ameaçados e
vencidos pelo povo, pela Comunicação para o Desenvolvimento e pelas redes
sociais. Apesar do cerceamento do trabalho da imprensa internacional, ditadores
quase vitalícios despencaram sob a ameaça da comunicação. Mostrando que,
talvez, a preconizada Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação tenha
se instalado naquela parte do mundo. E iniciado um processo para que, finalmente,
a Comunicação assuma a complexidade e o poder de iniciar mudanças sóciopolíticas e de vencer conflitos. Ou assuma o significado descrito por MacBride de
que o princípio da liberdade de expressão, aplicável a todos os povos do mundo,
não admite exceção por ser inerente a dignidade humana28. Por ser um direito
humano fundamental.
28
Textos relacionados de garantia do direito à informação e comunicação:
Art. 19 da Declaração dos direitos humanos (1948) em que fica explicitado que o direito de liberdade
de opinião e de expressão garante “não ser incomodado por causa de suas opiniões, pesquisar e receber
informações e opiniões e o de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão”.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) afirma que o “direito à liberdade de
expressão compreende a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza,
sem considerar fronteiras, seja oralmente, por escrito ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro
procedimento da sua escolha”.
A Declaração dos princípios da cooperação cultural internacional, aprovada na Conferência Geral da
Unesco (1966) declara que: “a ampla difusão das ideias e dos conhecimentos, baseada no intercâmbio e na
confrontação mais livres, é essencial para a atividade criadora, a procura da verdade e o cabal desenvolvimento
da pessoa humana”.
Art II da Declaração sobre os princípios fundamentais em relação à contribuição dos meios de comunicação de
massas para o fortalecimento da paz e da compreensão internacional, para a promoção dos direitos humanos e
para a luta contra o racismo e o apartheid e a incitação à guerra. Unesco (1978) declara: “ o exercício da
liberdade de opinião, da liberdade de expressão e da liberdade de informação, reconhecido como parte integrante
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, constitui um fator essencial do fortalecimento da paz e da
compreensão internacional”.
Declaração dos governos dos Estados fundadores na constituição da Unesco: (1946) para garantir “a
possibilidade de pesquisar livremente a verdade objetiva e o livre intercâmbio de idéias e de conhecimentos”
98
O processo de instalação de uma Nova Ordem Mundial da Informação e
Comunicação possivelmente esteja a emergir neste início de década para instaurar
a justiça, a liberdade e a paz. O despertar e a mobilização das forças sociais em
uma ação de reivindicatória de base, de resistência e de oposição ao tiranismo, na
luta para que as sociedades, antes oprimidas, tornem-se mais equitativas, mais
justas e mais democráticas. Desnudando as relações fundamentais que existem
entre a Comunicação para o Desenvolvimento e a liberdade. Entre a comunicação e
o poder. E como que realizando a previsão de trinta anos atrás:
(...) “Essa liberdade, frequentemente adquirida com esforço e contra a
autoridade – qualquer seja essa, política ou econômica – à custa de
grandes sacrifícios, inclusive da própria vida de alguns de seus
defensores, constitui uma das conquistas mais valiosas da democracia,
ao mesmo tempo em que a sua garantia essencial. A existência da
liberdade de expressão – ou a inexistência – é um dos índices mais
seguros de liberdade, nas suas diversas formas, num determinado país.
(MacBRIDE, 1983, p. 29)
A exposição à comunidade internacional das mazelas a que países ainda
submetem seus habitantes, em pleno século XXI, fará com que o ditador que
mandou bombardear o seu povo para manter um poder decrépito, que ele pretendia
hereditário como as nossas capitanias coloniais, entre para a história como o
exemplo vivo da intolerância e da incompetência social e política. Kadafi, em seus
41 anos de poder absoluto na Líbia não construiu uma nação. Manteve o país como
diversas tribos com lealdade apenas aos níveis locais de comando, para realizar a
máxima de Maquiavel: dividir para governar.
Mas ventos de mudança varreram o norte da África e o Oriente Médio com a
força de um furacão. Sob pressão da Human Rights Watch, da Anistia Internacional
e da Comunidade Internacional a Assembléia Geral da ONU (01/03/2011)
suspendeu a Líbia de seu Conselho de Direitos Humanos por cometer “sistemáticas
violações dos direitos humanos”. A embaixadora americana na ONU manifestou
profunda preocupação com a situação dos direitos humanos no país: “pessoas que
apontam armas para seu próprio povo, não têm espaço no Conselho de Direitos
resolveram “desenvolver e intensificar as relações entre os seus povos, a fim de que esses se compreendam
melhor entre si e adquiram conhecimento mais preciso e verdadeiro das suas respectivas vidas”.
99
humanos” afirmou Suzan Rice, incitando Kadafi a deixar o país imediatamente por
ter perdido a legitimidade para governar.
O fato de que os países da Liga Árabe e os da União Europeia não mais
reconheceram Kadafi como líder da Líbia, abriu espaço para bombardeios dos
países da coalizão e nos dão indício do que poderá se desenrolar na região daqui
para frente. Mas, como dizia Hemingway, quem estudou a história sabe que uma
revolução não será viável sem que ocorra antes um completo colapso da estrutura
militar. Acrescentava, para compreender isso é preciso que saibamos o que
acontece numa derrocada militar.
É tão profunda e completa a decepção provocada pelo sistema que
levou o país a tal situação, é tão radical a destruição e expurgo de todos
os padrões, crenças e fidelidades vigentes, quando a guerra está sendo
travada por um exército não profissional de conscritos, que uma catarse
impõe-se antes de desencadear a revolução. (HEMINGWAY, 1969,
p.216)
O congelamento de ativos financeiros de Muammar Kadafi, familiares e
auxiliares, o embargo de armas e a denúncia do ditador ao Tribunal Penal
Internacional são vistos pelo embaixador da França nas Nações Unidas como um
passo e um precedente importantes. Gérard Arnaud29 declarou: a preocupação não
é o petróleo, e sim que a Líbia está do outro lado da rua. A Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) enviou duas equipes
humanitárias à região para ajudar e fornecer alimentos e medicamentos aos líbios
que fogem para a Tunísia e para o Egito.
A chanceler americana, Hilary Clinton30, ressaltou que “os EUA não
desconsiderarão nenhuma opção enquanto o governo líbio continuar a apontar
armas contra a sua população”. Enquanto os embaixadores árabes e africanos
afirmavam extra-reuniões que serviam a ditadores e regimes autoritários, mas que
também são seres humanos e comovidos com os acontecimentos - informou o
29
Mais informações em http:// oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/03/01/embaixador-que-liderou-negociações-
por-sanções-acha-que-libia-abre-precedente-interanacional-923909967.asp
30
Mais informações em http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/03/01/eua-enviam-mais-dois-navios-militarespara-aumentar-pressao-sobre-regime-de-kadafi-na-libia-923906721.asp
100
embaixador Arnaud da França - navios americanos reforçavam a posição militar na
região e a coalizão se estruturou para a guerra.
Os conflitos revolucionários da África islâmica surgem para instaurar uma
nova realidade. Como na Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação
podem ser definidos como um processo - e que instala uma dúvida - para onde nos
levará? O presidente francês Nicolás Sarkozy que convive com um conflito que se
desenrola do outro lado da sua rua, e a quem coube iniciar os bombardeios à Líbia,
fez uma profética declaração:
“O que está ocorrendo no mundo árabe é histórico. Sem a ajuda de
ninguém, com uma coragem incrível, esses povos derrubaram regimes
em nome de valores caros a nós, como a liberdade, democracia, justiça
e direitos humanos. Pela primeira vez na história, esses princípios
podem triunfar em ambos os lados do mediterrâneo. Não acho que
essas revoluções devam ser temidas. Na Tunísia e no Egito, nenhum
manifestante gritou «abaixo o ocidente» e não se ouviram palavras de
ordem extremistas ou fundamentalistas. O que se pediu nas ruas foi o
respeito aos direitos básicos dos cidadãos”. Sarkosy (2011).
Para Sarkosy será preciso aumentar em 70% a produção agrícola mundial se
quisermos alimentar os 9 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em 2050. E
que o mundo tem, neste ano de 2011, um bilhão de pessoas desnutridas. Para
piorar a situação os preços dos produtos agrícolas dispararam em função dos
conflitos. “Podemos dizer que nada nos garante que não veremos novas revoltas
causadas pela fome ainda este ano”.31 concluiu o presidente francês.
E como tudo isto se iniciou? Ocorreu uma nova ordem de reivindicação de
direitos? E quais direitos? E quais aspirações? A Nova Ordem Mundial da
Informação e da Comunicação foi concebida como processo que poderia se
modificar permanentemente. E não como um conjunto de condições práticas. Mas
com objetivos que continuam e continuarão a ser os mesmos que previu a
Comissão: maior justiça, maior equidade, maior reciprocidade no intercâmbio de
informação, menos dependência em relação às correntes de comunicação, menos
difusão em sentido descendente, maior “autossuficiência” respeito à identidade
cultural dos povos e maiores vantagens para toda a humanidade (MacBRIDE, 1983).
Ouso dizer que o processo assumiu a feição do século XXI e que a Nova
Ordem se coloca com toda a sua força. Agora não mais depende dos meios de
31
Entrevista à Revista Veja, seção páginas amarelas, edição de 11/07/2011.
101
comunicação,
não
mais
depende
da
autorização
dos
conglomerados
de
comunicação, de diretores, governantes. Ela criou vida própria e materializou-se por
meio das redes sociais, pelos celulares, pela comunicação interpessoal. E se
multiplicou internacionalmente, num caminho que não mais terá retorno. A
complexidade do inacabado e do aprimorar constante está se pondo aos nossos
olhos globalmente.
O século XX descobriu a perda do futuro, como nos coloca Morin (2002).
Descobriu sua imprevisibilidade e o fato de que a nossa história nos leva ao rumo do
desconhecido. A um futuro aberto e imprevisível. As próprias determinantes
econômicas e sociológicas encontram-se em relação instável e incerta com
acidentes e imprevistos. A recessão econômica iniciada em 2007 e que se abateu
sobre o planeta é um exemplo disso. A crise política que resultou na queda dos
regimes totalitários no norte da África revela esta complexidade.
Um pensamento complexo reconhece ao mesmo tempo a incompatibilidade e
a necessidade de unificação. Como afirma Morin (2008) “Deve, pois, tipicamente,
visar à totalização, à unificação, à síntese, pois como consciência absoluta é
irremediável do caráter inacabado de todo o conhecimento, de todo o pensamento,
de toda a obra”. (MORIN, 2008, p. 37). O sociólogo descreve a ambiguidade deste
pensamento, que só assim, poderá fazer jus a este mundo de incertezas
concretíssimas. Por ser aquele que reflete a incerteza enquanto concebe a
organização ele está apto a unir, contextualizar, globalizar e ao mesmo tempo
reconhecer o singular, o individual e o concreto.
O fato de que o pensamento complexo não se reduz nem à ciência nem à
filosofia permite que aconteça uma comunicação entre os conhecimentos servindolhe de ligação. E o mais importante que poderemos apreender é que o modo
complexo de pensar também permitirá desvendar problemas políticos e sociais,
ressalta Morin (2000). Isto porque um pensamento que enfrenta a incerteza pode
esclarecer as estratégias do nosso mundo incerto. Um pensamento que une pode
iluminar uma ética da religação ou da solidariedade. “O pensamento da
complexidade tem igualmente seus prolongamentos existenciais, ao postular a
compreensão entre os homens” (MORIN, 2000).
102
4 O ESTUDO DE CASO EM ANGOLA
4. 1 Angola: história de reinos milenares subjugados
Angola conta com uma área total de 1.246.700 quilômetros quadrados
(incluindo a província de Cabinda) o que lhe confere a posição de sétimo maior país
da África Subsaariana, mas é também um dos menos povoados. O país limita-se ao
Norte com o Zaire, ao Oeste com a Zâmbia e ao Sul com a Namíbia. Os 7.270
quilômetros quadrados do enclave de Cabinda, separados do restante da área de
Angola por parte do território do Zaire, limita-se com o Norte do Congo.
Mapa 1 – Províncias angolanas
Mapa 2 – Angola na África
Como toda a África tropical, Angola tem distintas e alternadas estações de
chuva e seca. No Norte a estação das chuvas dura sete meses, normalmente de
setembro a abril. No Sul a estação das chuvas começa em novembro indo até
103
fevereiro. A estação das secas (cacimbo). A temperatura cai com a distância do
equador, com a altitude e com a proximidade do Oceano Atlântico. A média anual da
temperatura é próxima aos 26ºC. Mas é menor, cerca de 16ºC, em Huambo, no
temperado platô central. Os meses mais quentes são julho e agosto, no meio da
estação da seca.
Após cinco séculos como colônia portuguesa, Angola tornou-se independente
em novembro de 1975. Apesar da riqueza em petróleo, gás, diamantes, minérios e
terras férteis, em 1988 ainda não havia conquistado a paz e a prosperidade. A
guerra devastava a zona rural e a economia do país. As potências estrangeiras
continuavam a determinar os destinos de um povo que foi subjugado ao ultraje da
escravidão, sofreu a indignidade dos trabalhos forçados e da opressão, mas que
sabia agüentar desde o tempo dos reinos indígenas (CORELLO, 1989).
Foto 22 – As cores da África
104
A população divide-se em categorias etno-linguísticas elaboradas pelos
portugueses e por africanos tendo os limites físicos delimitados com base nessa
sistematização. Apesar das divisões terem adquirido significado com o tempo
(Vallodoro, 1990) para as pessoas nelas incluídas no período colonial e durante a
luta nacionalista, as categorias não eram fixas e internamente homogêneas. Por
isso, foram se alternando em função de mudanças históricas. As três maiores
categorias são a dos Ovibundo, os Mbundu e os Bakongo – que constituem três
quartos da população. Os mestiços que são em torno de 2% tiveram importante
papel no partido no poder desde a independência. Educados na Europa, se
destacavam em uma sociedade em que as pessoas foram pouco educadas. Mas
eram alvo de ressentimento por se identificarem como portugueses e por se
considerarem por vezes superiores aos africanos. Ao assumir a presidência em
1979, José Eduardo dos Santos, visando minimizar os ressentimentos, diminuiu a
participação de mestiços no poder substituindo-os como funcionários de alta patente
do governo, por indivíduos de outras etnias.
Pouco se conhece sobre o verdadeiro funcionamento dos sistemas sociais
indígenas, alterado no período colonial. Ao contrário dos demais colonizadores – há
minuciosos relatos dos ingleses sobre os hábitos hindus - os portugueses não
fizeram um relato sistemático das sociedades encontradas no continente africano
quando aportaram naquelas terras. Os grupos constituídos como clãs ou tribos,
foram baseados na descendência de um ancestral comum, na maioria dos casos,
um ancestral comum do sexo feminino (VALLODORO, 1990). Apesar disso, com
raras exceções, a autoridade sempre esteve com os homens. Apesar de terem
durado muito tempo esses agrupamentos perderam muito de seu significado no fim
do colonialismo. Um dos motivos foi a devastação causada pela insurgência da
UNITA que provocou o deslocamento em massa de grande parte da população da
área rural, palco principal dos combates.
A estrutura nacional imposta pelos portugueses foi quase totalmente
destruída pelas instituições marxista-leninistas criadas após a independência, em
1975. Isso pude constatar in loco ao visitar a Faculdade de Ciências Agrárias do
Huambo. Local onde Jonas Sambinvi fez seu esconderijo e onde foi morto após ser
traído por um correligionário. Parecia um prédio abandonado às pressas, o que de
fato ocorreu. Salas de mapas, a gráfica onde eram impressos livros, salas
administrativas, amplos espaços vazios. Mostravam o que acontecera anos antes.
105
Todos fugiram e ficaram as mesas vazias, as mesas com os mapas como se
tivessem sido consultados há pouco. Vários prédios do complexo da Universidade
vazio de funcionários, professores e alunos. Na altura a Faculdade de Ciências
Agrárias se reorganizava e foi escolhido como um importante player do Projeto Terra
para difundir o conhecimento em delimitação de território.
O MPLA investiu contra tudo o que chamou de pequenas tendências
burguesas, mas aceitou a iniciativa privada e foi tolerante com o ganho pessoal
como alternativa aos enormes problemas econômicos e administrativos.
Apesar de ser contra a religião o governo marxista-leninista não proibiu as
instituições religiosas. Os missionários foram importantes na educação dos
angolanos quando, na época colonial, a escolaridade foi negada aos africanos pelas
autoridades coloniais. Muitos eram católicos e protestantes, mas o governo
acreditava que grandes grupos organizados poderiam ameaçar a sua estabilidade.
Além disso, era antagônico a igreja católica romana que não se posicionara contra o
colonialismo português. Os protestantes, por terem evitado laços próximos com as
autoridades coloniais eram mais bem aceitos. As religiões indígenas influenciavam e
influenciam a vida de grande parte da população que também se diz cristã.
O governo não tinha angolanos educados para prover a ocupação de cargos
especialmente nas áreas técnicas, nos setores econômico e governamental. A oferta
de educação nos níveis primários e secundários progrediu apesar da falta de
professores Vallodoro, (1990), principalmente nas áreas rurais onde a ação da
UNITA foi maior.
106
Fotografia 23 – Família no quintal
Muito antes dos navegantes portugueses
Os ancestrais dos atuais angolanos estavam na terra milhares de anos antes
da chegada do primeiro português, no final do século XV. Entre os reinos indígenas,
um dos primeiros e provavelmente dos mais importantes reinos pré-coloniais tenha
sido o do Kongo que existiu entre os séculos XIII e XIV, na área que hoje ficaria
entre Angola e o Zaire. Ao chegarem os colonos portugueses, que tinham como
objetivo estabelecer o comércio negreiro destruíram muito da organização social
existente.
Apesar das intenções iniciais, os exploradores perceberam as vantagens
econômicas e estratégicas de estabelecer relações amistosas com os líderes dos
reinos do interior de Angola. Previsivelmente no meio do século XVI o tráfico de
escravos suscitou uma inimizade entre portugueses e africanos que durou até a
independência (CORELLO; 1989).
107
Foto 24 - Jovem Mumuíla
Como o que ocorreu na colonização do Brasil no século XVI, os portugueses
que foram para Angola eram exilados e criminosos – os degredados – que se
envolveram ativamente no tráfego de escravos e espalharam corrupção e desordem
endêmicas, que se expandiu por toda a colônia. A falta de escrúpulos dos
degredados fez com que os angolanos desprezassem os colonizadores portugueses
da época Corello (1989).
Posteriormente, no início do século XX, afluíram para Angola camponeses
portugueses, fugidos da pobreza da metrópole, que passaram a cultivar a agricultura
e a buscar outros meios de subsistência. De um modo geral, os colonos tardios não
tinham capital, educação ou mesmo comprometimento com a nova pátria.
108
Nesse contexto, é preciso ressaltar a diversidade existente em Angola
decorrente não só da multiplicidade de grupos étnicos - a maioria do substrato Bantu
- como pela sua própria história. Os portugueses estiveram 500 anos em algumas
regiões, menos de um século em outras e não se aventuram em muitas das áreas
recônditas do interior do país. A diversidade é determinada, também, pelas fronteiras
com quatro países e sua localização entre as Áfricas francófona (central) e a
anglófona (austral) (ADRA, 2003).
O início da insurgência: abandonada à própria sorte
Quando no começo dos anos trinta o Estado Novo foi instituído em Portugal,
Antonio Salazar deixou Angola à sua própria sorte. Não investiu em infraestrutura
social e econômica adequada ao desenvolvimento no longo prazo. A ideia do ditador
era que o aumento de densidade do povoamento rural branco no país, “civilizaria” os
africanos.
Mesmo ainda na segunda metade do século XX os princípios da ocupação
portuguesa ainda se baseavam na “diferenciação administrativa”, os angolanos eram
considerados inferiores e não lhes eram dadas oportunidades para desenvolver sua
própria cultura, ou condições de participação no mercado. Os colonizadores
discriminavam política, econômica e socialmente os angolanos, que eram divididos
em “assimilados” – os que adquiriram certo grau de educação e o modo de vida ao
estilo europeu, tendo direito à cidadania portuguesa, mas sem todos os direitos
previstos em Lei aos demais cidadãos portugueses -, e “indígenas” denominação
conferida às populações autóctones.
A legislação portuguesa remeteu essas populações para uma situação de
exclusão sem direitos reconhecidos - excluídas em termos econômicos, sociais,
culturais, políticos e simbólicos – e, regidas pelo Estatuto dos Indígenas. Essa
discriminação perdurou até 1961, no início da luta armada, quando foi abolido. Mas
o mal duraria até a independência.
Os poucos oficiais e cidadãos portugueses que denunciaram os maus tratos
aos africanos foram ignorados ou silenciados pelos governos coloniais.
109
Até 1940 os portugueses constituíram menos de 1% da população em Angola
e somente em 1950 a proporção atingiu o índice de 2% portugueses no país. O
crescimento dos europeus e a continuação da prática do trabalho forçado – que não
foi abolido até 1962 – além de outros abusos levaram a uma intensificação do
conflito racial. Vallodoro (2000).
Foto 25 – Mumuíla idosa
Nos anos 50, associações lideradas por africanos e mestiços - com explícitos
objetivos políticos - iniciaram a surgir em Angola. O salazarismo, no entanto, cala os
movimentos e os líderes se exilam. Dez anos mais tarde, esses grupos políticos
estavam suficientemente organizados, apesar de dividirem-se de acordo com
lealdades étnicas e animosidades pessoais, e iniciaram a movimentação para a
independência. Ao mesmo tempo, grande parte da população afetada pela perda de
terras, trabalho forçado e pressão de uma economia em declínio, estava pronta para
se rebelar. Eclodem violentos eventos nas zonas urbana e rural – tendo por muitas
110
vezes angolanos armados de forma rudimentar e ineficaz – marcando o início de
uma longa luta pela independência.
Portugal para manter o poder econômico e político sobre a colônia estava
preparado para usar a força militar. Em 1974, entretanto, o exército português,
cansado da guerra em Angola e nas demais colônias portuguesas, derrubou o
regime de Lisboa (CORELLO, 1989). O novo regime deixou Angola à sua própria
sorte, abandonando-a aos três principais movimentos anticoloniais.
Confronto bipolar
A diferença ideológica e a rivalidade entre as lideranças dividiram os
movimentos. Imediatamente após a independência, em 1975, a guerra civil eclodiu
entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de
Libertação de Angola (FNLA) e União para a Independência Total de Angola
(UNITA). O conflito caracterizou-se adicionalmente como um confronto bipolar, uma
vez que havia interferência e o apoio internacional aos dois principais litigantes. Os
Estados Unidos da América (EUA) e a África do Sul alinharam-se à UNITA,
enquanto o MPLA era beneficiado com o apoio soviético e cubano (Paris, 2005:64).
O país viveu então um longo período em guerra, período iniciado na guerra da
independência deflagrada pelos três movimentos de libertação com suas ideologias
e consequentes apoios externos. Os movimentos, que não possuíam características
democráticas, evoluíram para partidos autoritários após a independência.
Entre 1961 e 1974 a guerra pela independência de Portugal devastou Angola.
Os três movimentos entraram em guerra por um breve período em 1975 em uma
disputa pelo poder que resultou na declaração da independência pelo MPLA que
controlava a capital Luanda, em novembro daquele ano. Na sequência eclodiu a
guerra civil, que durou de 1975 a 1991, entre UNITA e FNLA contra o MPLA. O
desfecho foi o acordo de Paz que permitiu a transição política para um governo
multipartidário. Entretanto, as pressões do exército sul-africano do regime do
apartheid, em apoio à UNITA e contra movimentos guerrilheiros da Namíbia e África
do Sul que estavam em solo angolano, motivaram mais uma guerra.
111
A África do Sul que temendo uma guerra do MPLA - de ideologia soviética –
invadiu Angola o que motivou a rápida reação da União Soviética e de Cuba que
forneceram apoio logístico e armamentos possibilitando ao MPLA, dirigido por
Agostinho Neto, assumir o controle do governo. O MPLA que se declarava um
partido marxista-leninista de vanguarda enfrentou a tarefa de restaurar os setores
agrícola e de produção, praticamente destruídos na saída dos portugueses e em
decorrência do longo período das guerras. Agostinho Neto percebeu que as políticas
marxistas - leninistas tradicionais, que pregavam a expropriação em larga escala e a
propriedade estatal, poderiam prejudicar os esforços de reabilitação. Para contornar
o problema permitiu a participação privada no setor comercial e na indústria em
pequena escala. Além disso, desenvolveu importantes relações econômicas com os
países ocidentais, especialmente em conexão com a indústria de petróleo angolana.
Após a morte de Agostinho Neto, em 1979, seu sucessor José Eduardo dos
Santos, herdou grandes dificuldades econômicas. Aliado a isso, havia os enormes
os custos militares para combater a UNITA e as forças sul africanas, que chegaram
a representar 50% da receita do país (CIA; 2009). Totalmente dependente dos
armamentos soviéticos e do apoio das tropas cubanas, as duas prioridades do
regime de Luanda no final dos anos 80 formam: (i) buscar o desenvolvimento
econômico; (ii) acabar com a insurgência da UNITA.
Diamantes de sangue
A recusa do partido oponente em aceitar o resultado das primeiras eleições
multipartidárias do país em 1992, reconhecidas pelas Nações Unidas, motivou a
mais devastadora das guerras. A UNITA retirou-se para a zona rural e manteve uma
guerra de guerrilha, ao passo que a FNLA se tornou paulatinamente ineficaz no
norte do país. A guerra civil só terminou com a morte do líder rebelde, Jonas
Savimbi, e a rendição e o desmantelamento do seu exército. O movimento rebelde
não resistiu ao abandono dos aliados, as consequências de sanções impostas pela
ONU e o confronto com um exército superior estrategicamente e em capacidade
bélica graças aos recursos petrolíferos.
112
Os Estados Unidos retiraram o seu apoio à UNITA que financiou a guerra com
recursos da exploração de diamantes retirados da área sob seu domínio, ao
noroeste do país. O regime de trabalho nos garimpos era praticamente escravo e
filmes revelaram ao mundo em que condições de trabalho os chamados diamantes
de sangue eram garimpados. No período compreendido entre os anos de 1995 e
1997 a UNITA atingiu o recorde de vendas de diamantes de mais de 600 milhões de
dólares/ano no mercado ilegal (HODGES, 2003).32
Após o assassinato de Jonas Savimbi, em fevereiro de 2002, na operação
denominada Kissonde, com a vitória militar do MPLA foi possível ao partido retomar
a prioridade anteriormente estabelecida: fim do confronto interno e início da
reconstrução econômica do país. O longo conflito angolano foi alimentado por atores
internos desejosos do poder conferido pelo controle dos recursos naturais, por
atores externos inseridos no contexto da guerra fria e atores com interesses
econômicos sobre as impressionantes riquezas naturais. No final dos 27 anos de
confronto armado entre o MPLA e a UNITA, um milhão de pessoas foram mortas,
500 mil se tornaram refugiadas, e existiam em Angola 4,3 milhões de deslocados
internos. O país de aproximadamente 13 milhões de habitantes33 teve a infraestrutura física, do sistema econômico e as principais vias de comunicação
praticamente destruídas. E milhões de minas enterradas.
A reconstrução
A longa guerra civil serviu para justificar a falta de desenvolvimento social e
econômico, a ausência de serviços públicos e a pobreza extrema da maior parte do
povo. A negligência dos governantes por muitos anos com as suas obrigações,
surpreendentemente, não despertou alguma forma de consciência de classe na
população angolana. Ao contrário, acentuou os elementos de divisão baseados em
laços de solidariedade, de família, religião, etnias, o que impossibilitou a mobilização
política e a organização dos angolanos em grupos que se identificassem
horizontalmente como classes. O que é compreensível numa sociedade dominada
32
33
Atualmente as reservas de diamantes de Angola rendem 7% das receitas estatais no comércio lícito.
Estimativas do governo, agências internacionais e sociedade civil, pois o último censo foi realizado em 1970.
113
pela informalização e personalização das relações sociais. E onde existe influência
pessoal ao invés de resoluções institucionais para a resolução de questões
econômicas e sociais. Além do sentimento de desamparo coletivo, existe a inibição
de uma lógica de cidadania. O resultado é uma população dividida, marginalizada e
vulnerável em um tecido social cada vez mais fragmentado (Pureza, 2005).
A população de Angola se configura em 13.068.161 milhões de pessoas e
apresenta uma média anual de crescimento de 2,063% (CIA, 2010). Do total dos
habitantes 59% compõem a população urbana, e 43,5% têm menos de 15 anos. Na
faixa dos 15 aos 64 anos situa-se 53,7% da população. Um dos países de maior
crescimento econômico da África, com um aumento do PIB de 15% (CIA; 2010), tem
65% da população abaixo do nível de pobreza e 80% atuando na economia informal.
Fotografia 26 - Produtores de carvão
114
Angola exibe a maior desigualdade social do mundo conforme afirma a ONU.
Os milhares de pequenos comerciantes – a maioria informais e ilegais - de Luanda e
das principais cidades das demais províncias, que o Fundo Monetário internacional
(FMI) e o Banco Mundial (BM) pretendiam enquadrar como uma classe empresarial,
são pessoas lutando para a sobrevivência familiar diária e vivendo na mais absoluta
miséria (PUREZA, 2005).
O sistema escolar, que ficou a cargo de professores cubanos durante a
guerra, ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir educação para o
povo. Durante o período colonial a educação era proibida aos angolanos o que traz
consequências desastrosas até os dias atuais. E como resultado, o índice de
alfabetização da população hoje é de 67,4%.
Fotografia 27 – Miúdo estudando
O português, que é a língua oficial, divide com o Bantu e com outras línguas
africanas a adoção pelos povos localizados em Angola. Dos habitantes alfabetizados
com mais de 15 anos de idade, 82,9% do total corresponde à população masculina e
o índice de 54,2% reflete mulheres que sabem ler e escrever. A quantidade de filhos
115
por mulher é 6,05 e apenas 2,7% das pessoas que nascem e vivem em Angola
chegarão aos 65 anos de idade (CIA, 2010).
Uma área totalmente decisiva para a economia e para a sociedade é a da
saúde. Toda a sociedade democrática [e mesmo as totalitárias] tem a obrigação de
garantir a seus membros o direito à assistência médica que, afirma Kliksberg (2001),
é o direito mais básico. Além disso, melhorar os níveis de saúde da população
exerce toda a ordem de impactos favoráveis e queda nos custos ligados a doenças.
De acordo com as estatísticas das Nações Unidas Angola é um dos piores países do
mundo para a infância com índices alarmantes de mortalidade infantil. Possui baixo
percentual da população com acesso a recursos sanitários (56%) e serviços de
saúde (25%). A água potável chega a 62% da população e 50% dos angolanos não
têm acesso à eletricidade.34 Em 2007, uma séria epidemia de cólera assolou Angola,
com milhares de casos e centenas de mortes verificadas também na capital onde
existe melhor estrutura de atendimento. A malária é endêmica e doenças infectocontagiosas, que decorrem da falta de saneamento e da desnutrição, são
responsáveis pela expectativa de vida de apenas 38,48 anos no país. A mortalidade
infantil é de 178,13 crianças em cada 1.000 nascimentos e a CIA coloca Angola na
posição de líder no ranking mundial em mortalidade infantil.
34
Fonte: IDH, PNDU 2004.
116
Fotografia 28 – A farmácia
Na ocasião em que realizei a pesquisa participante, em Angola, conheci uma
economista anglo-brasileira que vivia em Maputo e atuava em ajuda humanitária na
área da saúde para uma ONG inglesa. Ela esteve por quatro meses em Angola e o
objetivo de seu projeto era mapear o percurso feito pelas verbas da rubrica dentro
do sistema angolano de saúde. A humanitarista (2007) afirmou que estava
encerrando o seu trabalho sem ter atingido os seus objetivos, pois a verba
simplesmente sumia sem deixar rastros (informação verbal).35
35
Informação fornecida por humanitarista da saúde, em Luanda, em 2007.
117
Autoridades fazem tratamentos de saúde no exterior para garantir qualidade
nos serviços médico e hospitalar. Quando o ex-presidente Agostinho Neto morreu,
em 1979, em decorrência de complicações de uma cirurgia, estava sendo operado
na ex-União Soviética. Por outro lado, o jet set tem o hábito de voar em busca de
serviços médicos. Muitas das angolanas viajam até São Paulo para fazer exames
laboratoriais de rotina e, segundo a médica M.C (2008), essa prática é muito usual
(informação verbal)36. Mas para o total da população o acesso a um sistema de
saúde público que garanta um bom atendimento ainda é uma realidade distante. As
doenças infectocontagiosas constituem, ainda nos dias de hoje, a principal causa de
óbitos na população. Por lá são comuns males como a malária, cólera,
schistosomose, febre tifóide, protozoal diarreic, tryparosomiasis africano, para citar
as mais frequentes (CIA, 2009).
A complexidade da religiosidade na África deve-se à adoção das crenças dos
colonizadores convivendo com crenças tradicionais. Em Angola não é diferente e
47% do povo segue as religiões tradicionais, 38% são católicos e 15% protestantes.
E muitos dos que se declaram católicos também praticam os rituais das religiões de
seus ancestrais. Além da religiosidade a feitiçaria é uma realidade africana e as
pessoas que vivem lá aprendem que os africanos têm o conhecimento de como usar
de alguma forma o poder das energias, para o bem ou para o mal. Em minha estada
em Angola pude ler nos jornais diários notícias sobre sacrifício de crianças por
feiticeiros, e que chegaram ao conhecimento público. Ouvi relatos de consultores
que chegaram a Angola e começaram a passar mal, deprimirem-se e definharem.
Sem explicação médica alguma. E, após a ajuda de um feiticeiro recobrar o
equilíbrio e a saúde.37 Ouvi de mais de um profissional de ajuda humanitária
internacional durante minha estada que, na África, se aprende a respeitar feitiço e
envenenamento por ervas.
36
Informação fornecida pela Dra.M.C., da área de análises clínicas, São Paulo, em 2008.
Relato feito por uma consultora sobre o que ocorreu com uma trabalhadora de ajuda humanitária do Peru,
que após se recuperar com a ajuda de uma angolana que trabalha com energias para o bem, deixou o país.
3737
118
Fotografia 29 – Cristo Rei em Lubango
A força de trabalho é de 7.977 milhões de pessoas, Dessas 85% atuam na
agricultura e 15% nos setores da indústria e de serviços (CIA, 2010). O PNUD
estimou que em 1996 a força de trabalho na agricultura representou 75% do total da
população (CIA, 2008). Portanto, um aumento de 10% em 14 anos, incrementado
pelos programas de desenvolvimento voltados à segurança alimentar realizado
pelas organizações internacionais atuantes no país.
Convém ressaltar que 40,5% dos angolanos vivem abaixo da linha da
pobreza (CIA, 2006). Em 2001 o PNUD estimou que 3,9 milhões de pessoas fossem
refugiados internos, por causa do conflito. Em 2006, foi avaliado que 4,5 milhões de
pessoas tivessem sido reassentadas em suas áreas de origem ou área de
preferência. Os dados da CIA apontam ainda para uma população de refugiados de
12.615 milhões de pessoas, provenientes do Congo (CIA, 2008). Pessoas que
retornam depois de anos longe de suas casas, de suas terras e que deverão retomar
a vida. Deverão poder produzir para o seu sustento a partir do zero.
119
Muitas das ONGs que atuam em projetos de segurança alimentar nas áreas
rurais realizam intervenções para o empoderamento de comunidades onde se
reinserem os ex-refugiados.
Foto 30 – Mulher cozinhando
A Organização Cristã de apoio ao Desenvolvimento (OCADEC) na ocasião da
entrevista realizava um programa que estava sendo implantado em uma
comunidade distribuída pelas províncias da Huíla, Cunene, Cuando Cubango e em
uma parte do Moxico. A ação se constituía na distribuição de alimentos básicos e
utensílios agrícolas para o plantio e outros “apetrechos”, como afirmou o seu diretor
Benedito Quessongo38. Segundo ele, era preciso apoio para que as pessoas
pudessem reiniciar suas vidas, já que esses grupos perderam todos os seus haveres
38
Entrevista concedida por Benedito Quessongo, em Angola, em 2009.
120
durante a longa guerra que assolou o país. Esses projetos realizam ações para
instituir a segurança alimentar não apenas como um conceito. Segurança alimentar
como um derivativo do direito humano a uma alimentação adequada e que garanta
saúde e melhoras nos índices de desenvolvimento humano no país.
Organizações que trabalham com as comunidades tradicionais sabem e hoje
já está comprovada a efetividade e os melhores resultados de projetos devido à
participação comunitária. Quando comparados às formas organizativas tradicionais
que operam unicamente com gestões organizativas burocráticas os projetos
participativos se sobressaem. No campo social isto é muito visível e programas
sociais fazem melhor uso dos recursos39, “conseguem ser bem sucedidos no
alcance de suas metas e criam autossustentabilidade se as comunidades pobres [...]
participam desde o início, ao longo de todo o seu desenvolvimento e compartilham
do planejamento, da gestão, do controle e da avaliação” afirma Kliksberg (2001,
p.39).
Fotografia 31 – O Armazém de fardos
39
Fotografia 32 – Menina semeando
Nicholas Stern, Empowerement leads to enrichment, Finacial Times, 9.10.2000.
121
O Banco Mundial reconhece os resultados dessa forma de gestão como
demonstra a afirmação de Nicholas Stern, na época seu economista-chefe.
Ao longo do mundo, a participação funciona: as escolas operam melhor
se os pais participam, os programas de irrigação são melhores se os
camponeses participam, o crédito trabalha melhor se os solicitantes
participam. As reformas dos países são muito mais efetivas se forem
geradas no país e dirigidas pelo país. A participação é prática e
poderosa. (STERN, 2000 apud KLIKSBERG, 2001, p. 39)
A volta para a área de origem nem sempre é fácil, pois uma multiplicidade de
atores estará disputando a posse da terra. No cenário aparecem os refugiados, exrefugiados e os deslocados internos que, ao termino do conflito, retornaram para
suas áreas de origem muitas vezes já ocupadas por outros atores. As comunidades
tradicionais são os atores mais vulneráveis no processo. Uma dimensão dramática
que dificulta a reintegração dos refugiados é o fato de serem encarados como
estrangeiros, que vêm competir pelos já escassos recursos. Situações de
discriminações e de violência são agravadas na procura por trabalho pela dificuldade
da língua. As pessoas passaram a vida em campos de refugiados em outros países
e não falam o português.
Por vezes, em seu retorno se depararam com indivíduos estabelecidos em
grandes extensões de terra - possuindo apenas o levantamento topográfico
preliminar do terreno – e que alegavam a legitimidade da posse de uma área que
incluía as dos retornados. Estabelecendo-se assim um ambiente permeado por
diferentes atores com interesses antagônicos. Fundamental entender as dinâmicas
territoriais, as visões e as construções dos espaços por parte das comunidades
locais, reconhecendo a grande diversidade de situações existentes no país. E,
portanto, a necessidade do diálogo para dirimir os conflitos.
Os povos tradicionais com suas especificidades de hábitos, cultura, língua,
conhecimento, crenças e localização convivem com as mudanças dos novos tempos
- e os rearranjos que esse traz - e acabam por vezes sofrendo aculturação. A
tradição encontra a contemporaneidade e as mudanças que essa encerra,
estabelecendo outras dinâmicas.
122
Fotografia 33 – Mucubais tomando cerveja
Escassez em meio à riqueza
Angola possui recursos internos e receitas de exportação suficientes para
recusar as condições impostas sobre a África pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI) e pelo Banco Mundial (BM). O país rivaliza com a Nigéria como maior produtor
africano de petróleo. De acordo com dados do FMI (2010) sua economia,
impulsionada pelas receitas do petróleo, cresceu a uma média de 12% a cada ano
desde 2002, e em 2005 o crescimento atingiu o patamar de 20,6%. Em decorrência
da crise mundial e seu período de incertezas em 2010 o país apresentou um
crescimento mais lento, apenas 5,9%. Apesar de suas reservas naturais Angola teve
que recorrer ao FMI e firmou um acordo de stand-by de 1.320 milhões de dólares.
A recessão global, além de frear temporariamente o crescimento econômico,
determinou a queda dos preços do petróleo e dos diamantes. Por isso, muitos
projetos de construção foram paralisados em Luanda. Apesar de a inflação ter
123
baixado dos 325% em 2000 para 14% em 2010, o governo angolano não consegue
reduzir o índice a um dígito para cumprir a exigência do FMI.
O fim da corrupção exigido FMI - atualmente em nível extraordinário,
especialmente no setor extrativo - constitui-se em outro grande desafio. Apesar da
situação financeira do país ter se deteriorado nos últimos anos devido ao rápido
aumento da dívida externa, o regime ainda tem tido condições de implementar a
reforma econômica e política a seu ritmo e não adotar políticas previamente
acordadas. Dentre essas, a de maior transparência para a divulgação das receitas
do petróleo e que tem implicações políticas claras, como ressalta Pureza (2005). O
poder econômico derivado de suas reservas petrolíferas fez até agora com que
abusos políticos recorrentes fossem ignorados pelos parceiros comerciais ou por
países que pretendem futuramente firmar negócios.
De acordo com o vice-diretor executivo do FMI, Naouki Shinohara, “o
programa financeiro de Angola alcançou um progresso significativo”. As reservas
internacionais estão sendo reconstruídas e a situação fiscal sendo aprimorada com
o ajuste nos gastos. Mas o discurso do Fundo Monetário Internacional não exime o
governo da exigência de melhoria na transparência do setor público, objetivo
considerado vital pela instituição. E para que seja realidade deverá haver a
publicação
das
declarações
financeiras
das
entidades
públicas
auditadas
externamente. O FMI revisou o acordo com Angola em 2010 liberando 178 milhões e
200 mil dólares, perfazendo mil milhões de dólares já entregues ao abrigo do acordo
de stand-by de um bilhão e 320 milhões de dólares negociados (FMI; 2011).
Angola possui reservas de diamantes que representam 7% das receitas
estatais com o comércio de pedras realizado de forma legal. As suas reservas
petrolíferas lhe conferem a posição de quarto produtor mundial e de segundo
produtor na África Subsaariana, são de boa qualidade e de extração relativamente
fácil e barata. A localização offshore confina o petróleo e o deixa protegido e em
segurança, como foi constatado durante as décadas de conflito. Existem cerca de
trinta empresas petrolíferas em operação em Angola e enormes somas foram pagas
para a obtenção das concessões, embora estes dados nunca tenham sido
publicados. (PUREZA, 2005).
Além dessas riquezas, outros minérios integram as reservas do país, como o
ouro o urânio, além do gás natural e o magnésio. O país ainda apresenta clima e
solo favoráveis à produção agrícola e à criação de gado. As suas bacias
124
hidrográficas são ricas em peixes e possuem um enorme potencial hidrelétrico.
Apesar do cenário descrito, o país importa muito dos alimentos que consome, pois a
guerra acabou com a agricultura, com a transformação dos produtos agrícolas e com
a comercialização previamente existente com os mercados interno e externo. Antes
da guerra Angola exportava açúcar, arroz, tabaco e peixe e situava-se como o
terceiro produtor mundial de café. Na atualidade, além de receber anualmente ajuda
alimentar do exterior tem comprometida a infraestrutura de escoamento da produção
pela destruição de estradas, ferrovias e pontes durante os anos de guerra. E muito
do que não foi destruído, encontra-se minado. Problema que afeta 40% da área
agricultável do país (GROPPO, 2003).
A situação começa a mudar e, desde 2005, o governo usou bilhões de
dólares em linhas de crédito da China, Brasil, Portugal, Alemanha, Espanha e
Estados Unidos para reconstruir infraestruturas públicas (CIA, 2010). As receitas
estatais compõem-se de receitas provenientes do comércio legal de diamantes
perfazendo o percentual de 7% e um percentual de 1% advindo de todos os outros
produtos combinados. As exportações petrolíferas representam cerca de 80% das
receitas governamentais, o que coloca o país em uma situação de vulnerabilidade,
principalmente pela sujeição às flutuações do preço no mercado internacional, o que
foi comprovado na crise iniciada em 2007. Há falta de investimento e abandono de
investimentos em outros setores que possibilitariam a criação de empregos para os
angolanos. Além de não gerar empregos para a mão de obra local que não possui a
especialização exigida, a indústria petrolífera tem todo o seu rendimento acumulado
pelo governo.
Esse quadro poderá ser revertido por meio da consolidação da agricultura,
para que a garantia da segurança alimentar seja alcançada pela maioria da
população. Convém que se destaque a importância do apoio aos pequenos
agricultores, da viabilização do acesso a terra e aos programas de microcrédito, bem
como a continuação dos programas de desminagem uma vez que a maior parte da
área agricultável do país está comprometida (GROPPO, 2003; PUREZA, 2005). A
reconstrução e a pacificação definitivas estão associadas à exigência de que a
exploração de seus recursos naturais reverta para o desenvolvimento econômico e
social do país.
125
O público e o privado
O final da guerra levou Angola a ingressar em um processo de transição com
enormes obstáculos a serem transpostos para a consolidação da paz. De acordo
com Pureza (2005) o caso de Angola é difícil de ser analisado, e limitado quanto à
possibilidade de resultar em ilações a serem aplicadas por vários fatores, dentre eles
destaca-se a trajetória de libertação anticolonial e construção estatal e o poder
excepcional do país em termos de recursos naturais. A associação de fatores como
prática de corrupção e patrimonialismo - apesar de recorrentes em muitos países
africanos – assumem uma dimensão tal em Angola a ponto de colocar o país em
delicada posição em sua relação com a comunidade internacional de doadores
(Pureza, 2005).
De acordo com o relatório do Economist Intelligence Unit de 2003, 39 cidadãos
angolanos possuem fortuna calculada em no mínimo 50 milhões de dólares e outros
vinte detêm pelo menos 100 milhões. Os seis mais ricos estavam a já algum tempo
no governo e o sétimo há apenas dois anos. Em conjunto, a sua fortuna somava
3.950 milhões de dólares, em face de um PIB total de 10.200 milhões para 13
milhões de habitantes no ano de 2002. Pureza (2005).
A organização Transparency International situou Angola em 98º em seu Indice de
Percepção de Corrupção, de um total de 102 países, o que levou a afirmação de que
mais do que o dividendo de paz, Angola necessite de um dividendo de
transparência.
Várias organizações internacionais têm denunciado a corrupção do regime de
Luanda. A Human Rights Watch calculou, tomando por base as últimas negociações
do governo de Angola com o FMI e em estudos de auditorias internacionais, que
entre 1997 e 2002 foram desviados mais de 4.200 milhões de dólares oriundos das
receitas do petróleo, o equivalente a um desvio de 9,25% do Produto Interno Bruto
(Human Rights Watch, 2004, p.16).
Ë indiscutível a importância estratégica que possui Angola, regional ou
internacionalmente, tanto pela profusão de seus recursos naturais, como pela
posição de potência regional que esses lhe conferem. Apesar disso, a liderança
política angolana, que reflete níveis de corrupção e clientelismo dos mais elevados
126
do mundo, gerou uma elite cada vez mais rica e corrupta e uma população em
condições de vida cada vez mais indigna e miserável.
Fotografia 34 – A evolução nos transportes
O ambiente da Comunicação em Angola
Os desafios de Angola para a reconstrução nacional são inúmeros e
significativos. Destacam-se entre tantos a reinserção dos milhares de excombatentes - que não possuem outra qualificação - e que na sociedade angolana
atual trabalham como seguranças privados e, segundo Silva (2007), misturam-se
com a população pelas ruas do país. (Informação verbal)40. Um segundo fator
importante é o desarmamento da sociedade, bem como o apoio aos setores mais
vulneráveis da população, a luta contra a corrupção e a má governança, a
reconciliação nacional e o respeito pelos Direitos Humanos. E, principalmente, a
40
Informação fornecida por Silva, em Luanda, em 2007.
127
construção de uma sociedade onde não exista mais a cultura da violência, comum
nas gerações que cresceram em tempos de guerra e, sim, a cultura da Paz ressalta
Pureza (2005). O povo, sem dúvida, forma uma imensa torcida para que a paz
duradoura permita a melhoria das condições de vida no país. É usual em emails
recebidos de angolanos a assinatura saúde e paz encerrando a comunicação.
Fotografia 35 - O torcedor
Para que essa transformação possa ocorrer e se torne permanente, os meios
de comunicação social são fundamentais. No entanto, o fato de a maioria deles ser
propriedade do estado acaba por conferir uma tendência de jornalismo “chapa
branca” ou “governamental”.
Após o final da guerra da independência o governo nacionalizou toda a
imprensa e as emissoras de rádio e de televisão. A agência oficial de notícias de
Angola, ANGOP, distribuía aproximadamente 8.000 exemplares do jornal do
governo Diário da República, e 40.000 cópias do diário Jornal de Angola em Luanda
e em outras áreas urbanas. A imprensa internacional operando na capital angolana
128
incluía a France Press, Cuba Prensa Latina, Xinhua News Agency e outras agências
soviéticas e do Leste Europeu.
Sob a censura do MPLA a mídia era limitada e divulgava apenas a política
oficial sem comentários críticos ou pontos de vista da oposição. A Associação dos
Jornalistas de Angola reclamava o seu direito de liberdade de expressão garantido
na Constituição do país (VALLORO, 2000).
Em 2007, o governo ainda exercia esse controle inclusive sobre as novas mídias,
restritas a algumas províncias e à capital Luanda. A precariedade de recursos
tecnológicos, humanos e financeiros foi visível no trabalho da imprensa em Angola
na época da pesquisa participante. Visível nas instalações dos veículos de
comunicação como no caso da rádio Luanda Antena Comercial (LAC) - instalada em
diversos contêineres que abrigavam a sala da diretoria, os escritórios e também os
estúdios. Na falta de acesso às tecnologias de informação usuais, como constatei
que o editor da Rádio Nacional de Angola (RNA), não possuía email nem sabia
como usá-lo em janeiro de 2007. A falta de informatização de jornalistas, falta de
estrutura nos veículos de comunicação, em algumas regiões do país, e a formação
insatisfatória de quadros técnicos era também uma das heranças do longo período
das guerras.
Atualmente existem jornais privados que procuram abrir espaço para debates da
sociedade civil e realizar um trabalho independente. A distribuição é regional em
Luanda e prioriza as notícias da capital em detrimento das demais províncias do
país. Como não há fluxo contínuo de informação, a possibilidade de pressão pela
opinião pública é mínima. No entanto, as pressões exercidas pelo governo aos
veículos de comunicação independentes são significativas.
A liberdade de imprensa ainda está condicionada às práticas do período
totalitário e existe de forma modulável. A percepção de Ismael Mateus, antigo
Secretário-Geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), é a de que existem
níveis diferentes de liberdade de imprensa e de expressão no país traduzidos em
três velocidades: a da capital Luanda onde existe de forma relativa; a das províncias
do litoral e as de maior desenvolvimento econômico onde o processo está se
desenvolvendo de forma mais livre e crítica; e a velocidade inexistente do restante
do país. “A interferência e o controle do poder político assume tal dimensão que
meios de comunicação e cidadãos não podem exprimir livremente suas ideias e
opiniões sem temer represálias" (PUREZA, 2005, p.188).
129
Mateus prega que os órgãos de comunicação social terão um enorme desafio em
Angola. O da transmutação em uma força de trabalho de democracia e de
reconciliação, após terem atuado durante décadas como instrumentos de luta
político-ideológica. Durante o conflito desempenharam o papel de controle político
idêntico ao que detinham na época colonial, quando as autoridades portuguesas e
anticolonialistas do MPLA discutiam suas diferenças pelo rádio.
Após a independência, o governo passa a empregar a lógica do “jornalismo de
estado” de inspiração marxista-leninista. Em nome da guerra, os órgãos de
comunicação foram “enxertados” de elementos sem as mínimas condições técnicas
e éticas para exercer a profissão. Naquele período contava apenas o critério político
(Mateus, 2004). Uma das facetas mais visíveis do vínculo político dos órgãos de
comunicação lembra o dirigente, era a linguagem. A Agência de Notícias (ANGOP),
o Jornal de Angola, a Rádio Nacional de Angola e a Televisão Pública de Angola,
tornaram-se porta-vozes de retórica política e de agressividade militar contra o
inimigo. O jornalismo em Angola refletiu longos anos de silêncio impostos ou aceitos
a prática de uma atividade a serviço da pátria, ao invés de atender ao interesse
público.
Os
anos
que
se
seguiram
à
independência
foram
dominados
pela
instrumentalização político-militar. Na época havia entrevistas propagandísticas de
feitos militares. De acordo com Mateus (2004), reportagens repetidas à exaustão
para denunciar agressões militares ou textos de apologia à defesa nacional e
combate aos que eram considerados como “inimigos”. E que, esclarece o jornalista,
eram os angolanos de outra vertente ideológica. Os meios de comunicação nos
tempos mais duros refletiam o estado de guerra de acordo com o entendimento do
governo. Para comemorar vitórias ou para esconder derrotas. Cita Mateus que em
episódios de combates ou ataques “com hospitais cheios de feridos e com amplo
conhecimento da população, a comunicação social divulgava notícias de menor
importância ou vitórias esportivas”.
Reconstruindo a credibilidade
A crise do jornalismo em Angola origina-se em importantes ausências:
faculdades de jornalismo que garantam sólida estrutura de ensino e órgãos de
130
regulação profissional. A comunicação social no desenvolvimento democrático do
país
deve
incluir,
segundo
Mateus41,
“uma
comunicação
direcionada
ao
desenvolvimento, voltada às prioridades da programação jornalística, conteúdos
informativos e formativos na perspectiva de construção de nação e desenvolvimento
locais das regiões. Mateus (2004) sublinha que através da comunicação social é
possível promover a educação cívica dos cidadãos, com informações sobre seus
direitos, deveres e garantias. Nas rádios comunitárias, jornais regionais ou
programas dirigidos de televisão “ é possível levar o desenvolvimento aos mais
recônditos pontos do país e criar pontes entre as várias entidades culturais que
compõem a nação angolana”, reforça.
Em janeiro de 2011, o Conselho Nacional de Comunicação Social (CNCSAngola) deliberou que “em democracia o tratamento jornalístico do discurso de
qualquer político deve obedecer aos princípios fundamentais que regem a
elaboração dos chamados gêneros informativos” relatou o presidente da entidade.
Antônio Correia de Azevedo referiu-se à notícia, à reportagem e à entrevista,
gêneros que mais se aproximam da realidade dos fatos e dão credibilidade aos
jornalistas frente à sociedade. Ao divulgar as decisões do órgão representativo do
jornalismo angolano Azevedo afirmou que a isenção, o rigor e a objetividade são os
norteadores da prática profissional imprescindíveis. E que a ética é o fundamento do
jornalismo. Valores caros para uma sociedade em reconstrução e que devem ser
assegurados.
As tentações de manipulação dos discursos políticos foi abordada com o apelo
de que os jornalistas angolanos refletissem sobre a importância de seu papel. Papel
esse que deve ser sério, honesto e independente. Que possa assegurar a não
subordinação política ou econômica, o pluralismo e o confronto de ideias nos
veículos de comunicação. O Conselho se referiu à necessidade da liberdade de
imprensa. Lá se vão seis anos do final da guerra e essa reivindicação ainda está na
ordem do dia. A luta dos jornalistas em Angola no ano de 2011 pontua a
organização representativa, refere-se à necessidade da liberdade de imprensa, ao
direito fundamental à comunicação e a não aceitação de sanções aos jornalistas.
41
Ex-presidente do Sindicato de Jornalistas de Angola. Entrevista concedida em 2004.
131
4.2 Comunicação para o Desenvolvimento e o Projeto Terra
O projeto ANG/035/FAO/EC motivou esta tese e ocorreu entre 2007 e 2009
em três províncias angolanas. Teve como Objetivo de Desenvolvimento, Ver
reforçada a descentralização da posse de terra e as instituições de gestão de
recursos naturais, bem como a implementação participativa de intervenções
sensíveis ao gênero em áreas selecionadas das províncias de Benguela, Huíla e
Lubango.
Foram estabelecidos objetivos, resultados imediatos e atividades cujas linhas
principais serão descritas como elemento empírico trazido ao estudo e que
precederão os conceitos resultantes da pesquisa que realizei em campo.
Em decorrência do Objetivo de Desenvolvimento, o Objetivo de Comunicação
Estratégica foi o de criar condições para que as atividades do projeto fossem
amplamente divulgadas contribuindo, através da visibilidade, para facilitar o trabalho
no terreno, com um forte componente de empoderamento das mulheres
(PUGNALONI, 2007).
As mulheres são consideradas nos projetos humanitários como atores42
principais, pois está demonstrado que elas investem os recursos que lhes são
atribuídos inteiramente no provento da família. A igualdade dos direitos e a plena
participação das mulheres em todas as esferas da vida social constituem uma
necessidade para o desenvolvimento total de um país, para o bem-estar do mundo e
para a causa da paz.43 É importante incluir as mulheres especificamente entre os
rights holders, caso contrário é possível que elas permaneçam totalmente fora dos
programas, mesmo os bem projetados (YUNNUS, 2008). O Nobel da Paz de
2006 estabeleceu as mulheres como público prioritário para a concessão de crédito
no Greemen Bank.44 por saberem administrar muito bem a escassez. Mas nem
42
O termo ator refere-se a um agente concreto, localizado em determinado contexto. Designa qualquer indivíduo
ou grupo social/institucional, interessado no desenvolvimento de um território. Os atores podem ser definidos
como as partes que serão direta ou indiretamente afetadas de forma positiva ou negativa, pelas decisões
adotadas. Configuram-se na “porta de entrada” que permitirá a identificação e compreensão das problemáticas
territoriais em uma determinada área, por meio de uma análise histórica. Os atores podem ser agrupados em
tipologias ou classes de acordo com critérios de identificação tais como: gênero, relações de poder e estratégias,
objetivos e interesses ante questões examinadas. (FAO, Comunicação, diálogo, conciliação. Roma, FAO)
43
Declaração da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra as mulheres.
44
O Greemen Bank e o conceito de microcrédito foram criados no final da década de 1970 por Yunnus, com um
capital inicial de 27 dólares e 5 estagiários como staff. É hoje uma empresa social, outro conceito que ele
propaga, pois reinveste todo o lucro em seu próprio crescimento. Em 2008, havia realizado empréstimos da
132
sempre foi assim, pois elas não se viam como merecedoras e capazes de fazer bom
uso do dinheiro, lembra Yunnus. Isto devido aos milênios de tradição em sociedades
machistas que delimitavam esse domínio como masculino. Apesar de ser bastante
comum nas comunidades pobres que a renda do marido, ao invés de ser aplicada
ao custeio da família, seja gasta em mesas de bares.
“Quando visitamos pela primeira vez as mulheres pobres das aldeias
de Bangladesh para lhes oferecer crédito, elas ficaram com medo de
aceitar o dinheiro e disseram que não tinham ideia de como usá-lo de
maneira prática. Essas mulheres tinham muitas habilidades. Contudo,
tinham acumulado tanto medo e insegurança durante anos e anos de
exposição a atitudes sociais repressivas, que nem sequer conheciam os
próprios talentos. [...] Em pouco tempo, as mulheres perceberam que
possuíam habilidades suficientes para usar o capital oferecido a fim de
ganhar dinheiro” (YUNNUS, 2008, p. 125).
A mesma idéia de empoderamento das mulheres é compartilhada pelas
Nações Unidas, especialmente pela FAO. O projeto Terra teve como rights holders
na certificação de posse de terras prioritariamente as mulheres45. A FAO constatou
que historicamente as mulheres não vendem as propriedades e garantem a
continuidade da posse para assegurarem o bem-estar da família. É a mulher a
protagonista para que a vida prevaleça, vingue, triunfe, mesmo em condições
inóspitas como na guerra. Ou no que a paz reservará a ela e aos seus se o país
vencer ou capitular. É a mulher que protege a prole, luta por ela, deixa de comer
para alimentá-la. Que busca força em seu interior onde já não existe força alguma. A
não ser a que ela deve passar às vidas por ela geradas. E, assim, um ser frágil,
porque sensível, mesmo na fraqueza deve parecer uma fortaleza. A mulher,
essência da vida, deve cuidar para que a vida gerada desabroche e se desenvolva e
proteger essa vida iniciante. Como enobrece Puntel (2010, p.221-222)
[...] não se faz acontecer a vida sem a luta, sem a fadiga, sem o suor,
sem a tristeza, sem as lágrimas... a mulher faz, também, acontecer a
vida, construindo-a, conquistando-a, tecendo-a no silêncio ou na
felicidade de se doar... até que um novo ser exista, renasça, cresça,
ordem de 7 bilhões de dólares às mulheres pobres de Bangladesh sem nenhuma garantia legal, numa média de
empréstimos individuais de no máximo de 32 dólares. A sua taxa histórica de inadimplência é de 2,8% das
operações realizadas nos anos de existência do Greemen Bank. (Yunnus, 2008).
45
Ver no Anexo B fotografias e declarações colhidas na Primeira Conferência das Comunidades San de Angola,
ocorrida em 2007. Nele aparece uma descendente San exibindo o seu certificado de posse de terra.
133
ame, se doe, se integre, seja feliz! Assim, a mulher, geradora de vida,
luta para que a vida triunfe; luta para que a dignidade da vida seja
respeitada; luta para que os direitos da pessoa humana sejam
igualitários e a discriminação não prevaleça.
Fotografia 36 – O futuro sobre as costas
Quanto às suas estratégias e ações a principal foi a de que o Projeto Terra se
constituísse em seu próprio agente de comunicação. Ao invés aguardar que os
meios de comunicação cedessem espaço para notícias relativas ao andamento do
projeto, importantes para o esclarecimento da opinião pública, foi proposto serem
firmados acordos com os veículos estatais e privados (monopólio estatal) para a
criação de programas de serviço – portanto de utilidade pública46 – passando a
46
Entende-se por programa de utilidade pública, no contexto, o que proporcionasse a resolução de problemas de
domínio público e de cidadania. Informações sobre procedimentos legais e técnicos, direitos e deveres. Além
disto, que incluísse a possibilidade de desenvolver o senso crítico, o direito de reivindicar e a mobilização das
comunidades.
134
equipe a ter domínio, através do acordo prévio, sobre o conteúdo e a periodicidade
da informação e construindo um espaço de comunicação popular. Essa como afirma
Peruzzo (2004), contribui para a democratização da sociedade e a conquista da
cidadania, pois ensina a participar politicamente, a apresentar a sua canção e o seu
desejo de mudança, a denunciar condições indignas, a aprender a exigir seus
direitos. E conseguirá a comunicação realizar esses propósitos quando inserida na
dinâmica dos movimentos que trabalham com as comunidades, no caso a FAO e as
ONGs locais de segurança alimentar. Nessa ação foi pensada a comunicação como
parte de um movimento para a emancipação a ser estimulada nos habitantes das
comunidades tradicionais rurais. O objetivo seria o de fomentar a comunicação entre
eles, e deles para si próprios, com o apoio dos especialistas em comunicação e em
segurança alimentar. Além da participação na comunicação seria importante o
empoderamento
e
a
criação/fortalecimento
do
sentido
de
pertencimento,
enfraquecido ou mesmo perdido durante a guerra.
Foi previsto que os programas de rádio contassem com a participação de
representantes das comunidades a serem envolvidas na produção e gravação, para
possibilitar maior acesso popular aos órgãos de comunicação e a participação da
coletividade nas decisões sobre a programação47. O que era normalmente restrito
aos meios de comunicação locais estatais em sua maioria. E que, ao final do projeto,
esses programas passassem a ser produzidos e apresentados exclusivamente pelos
co-participes já então capacitados em um processo de autogestão que pressupõe
um papel ativo nas decisões sobre a programação e sobre assuntos comunitários.
A recomendação para o primeiro dos sete resultados imediatos foi a criação
de um canal próprio de comunicação para garantir à equipe autonomia, domínio
sobre o conteúdo, domínio sobre a veiculação e para contribuir na conquista da
credibilidade e o apoio comunitário nas fases de implantação e de desenvolvimento
do projeto
Na sequência o planejamento previu aperfeiçoar o uso dos canais de
comunicação existentes para conquistar a confiança dos jornalistas, comunidades
tradicionais e ONGs, que seriam os parceiros na iniciativa. Foi recomendado garantir
47
Berthold Brecht afirmou há cerca de oitenta anos que “o rádio seria o meio de comunicação mais maravilhoso
que se pode imaginar na vida pública, uma imensa rede, e o seria se fosse capaz não só de emitir, mas também de
receber, de permitir ao ouvinte ouvir a também falar e, assim em lugar de se isolar, facilitar-lhe-ia o contato”
(Bertohold Brecht, Teoria do rádio, Gesammelte Werke, 1932 apud MacBride).
135
um fluxo contínuo de informação, nacional e internacionalmente, divulgando
periodicamente as atividades realizadas em artigos ou matérias jornalísticas por
serem de interesse público e de interesse da comunidade internacional.
Uma meta importante recomendada foi conquistar a atenção da imprensa
com um sistema contínuo de distribuição de conteúdo e programas co-produzidos
[equipe/atores locais], para garantir a informação às comunidades tradicionais.
Importante também seria estabelecer um fluxo adicional de comunicação - cerca de
24% da população rural possui rádio - compatível com a cultura das comunidades
tradicionais utilizando os recursos de comunicação alternativos e próprios da
Comunicação para o Desenvolvimento como o teatro, a música, filme e a rede de
comunicação dos líderes religiosos.
Outra necessidade foi a de garantir a visibilidade ao financiador em todos os
materiais e veiculações sobre o projeto48 e estabelecer uma comunicação regular
com a imprensa, encaminhando informações sobre os avanços obtidos.
Como o Projeto Terra possuía um caráter metodológico inovador e foi um
projeto piloto exitoso, futuramente deverá ser referência, recomendou-se maximizar
o apoio da imprensa e, com isto, a difusão das informações sobre a legalização de
terra, sobre a intervenção da FAO e a própria metodologia do projeto, além da
visibilidade do doador. Foi prevista a parceria com as redes de comunicação do
país, com ONGs, OSCs e com as lideranças religiosas para assim fazer com que a
informação chegasse às comunidades tradicionais e a parte significativa dos atores
envolvidos num momento importante como o foi o da delimitação, certificação de
posse e legalização da ocupação das terras em Angola.
Os públicos delimitados internacionalmente foram: a opinião pública
internacional e os países doadores da União Européia. Como rights holders
angolanos
estavam
estabelecidos
no
Projeto
Terra
colaboradores
das
administrações locais de nível provincial, municipal e comunal envolvidos com
questões relativas ao direito à terra, investimentos agro-econômicos, administração
de terras e gestão de recursos envolvidos no processo de limitação de terra e
certificação de posse.
48
A partir de 2007 o material de divulgação dos projetos financiados pela Comunidade
Européia deveriam ter claramente expresso o valor investido pelos doadores.
136
Como rights holders a ser sensibilizados pela comunicação estavam as
comunidades e lideranças tradicionais, comunidade de retornados e migrantes,
grandes proprietários e pequenos proprietários. Os atores institucionais deveriam ser
sensibilizados para participar da formação e do processo de legalização de terras.
Os atores da comunidade deveriam ser sensibilizados a participar do processo para
garantir seus direitos. As ONGs e OSCs atuantes em direito a terra, segurança
alimentar e desenvolvimento rural foram selecionadas, pois eram parceiras naturais,
atuantes no terreno junto às comunidades tradicionais, com laços de confiança já
estabelecidos.
Fotografia 37 – Jogos perigosos
4.3 Do uso da Comunicação para o Desenvolvimento nas OI e ONGs
selecionadas
O Primeiro Congresso Mundial de Comunicação para o Desenvolvimento
aconteceu nas dependências da FAO, em Roma, Itália, em outubro de 2006. Foi
organizado pelo Banco Mundial, pela FAO e pela Iniciativa de Comunicação,
reunindo mais de 900 participantes vindos de todas as partes do mundo para expor
ideias, apresentações e projetos e fazer recomendações para futuras práticas.
137
O evento global congregou, pela primeira vez, os três principais grupos com
participação em Comunicação para o Desenvolvimento – os profissionais, os
acadêmicos, os criadores de políticas e tomadores de decisão. Estiveram reunidos
mais de 200 jornalistas e representantes da mídia local, nacional e internacional que
divulgaram o evento ao redor do mundo. O congresso reuniu trabalhos de pioneiros,
profissionais
atuantes
e
acadêmicos,
além
de
políticos
interessados
na
Comunicação para o Desenvolvimento.
Apesar de Comunicação para o Desenvolvimento ser estabelecida como uma
disciplina e ser reconhecido que, em muitos níveis, a comunicação é essencial para
o desenvolvimento, o público em geral e decisores de políticas ainda desconhecem
o que ela envolve. Uma das propostas do congresso mundial de Comunicação para
o Desenvolvimento para minimizar essa falha foi demonstrar como e por que a
Comunicação para o Desenvolvimento deve ser introduzida em políticas e processos
de desenvolvimento. Para isto, os organizadores do World Congress on
Communication for Development (WCCD) e os membros dos diversos comitês
concordaram em elaborar sete princípios que descrevem o que é a disciplina de
Comunicação para o Desenvolvimento49, que relatarei a seguir.
1. É, em primeiro lugar, e como mais importante, sobre pessoas e o processo
necessário de facilitar o seu compartilhamento de conhecimento e
percepções para possibilitar uma mudança e desenvolvimento positivo. Mídia
e tecnologia são ferramentas para isso, mas não um fim em si mesmas.
2. É baseada no diálogo e na necessidade de promover a participação de todos
os stakeholders. Cada participação é necessária para entender as
percepções dos demais stakeholders, perspectivas, valores e atitudes, e
praticas que podem ser incorporadas no esboço e na implementação das
iniciativas de desenvolvimento.
o49 A versão final do estudo foi revisada e editada pelos três mebros da secretaria: Mario Acunzo, Chris Morry, e
Paolo Mefalopulos.
138
3. È significativo haver duas vias, um modelo horizontal e não o tradicional
modelo
vertical
de
uma
via,
Emissor-Mensagem-Canal-Receptor,
e
incrementar o uso de formas emergentes e interativas de comunicação,
possibilitadas pelas novas tecnologias. Sempre que utilizado o modelo
unidirecional (por exemplo, em campanhas) a comunicação deverá ser
facilitada e seu entendimento deverá levar em conta as percepções,
prioridades e conhecimento das pessoas.
4. É dar voz para aqueles mais afetados pelas questões do desenvolvimento
para seu crescimento, ajudando-os a participarem diretamente na definição e
implementação de soluções, e na identificação de diretrizes para o
desenvolvimento.
5. É reconhecer que a realidade é socialmente construída de forma abrangente.
As implicações são: que pode haver diferentes realidades (ou diferentes
percepções da mesma realidade) para a mesma situação, de acordo com
percepções e necessidades de grupos específicos. Assim, a base do
desenvolvimento - e por extensão da comunicação – não é “impor” a correta
realidade, mas fomentar o diálogo para facilitar o entendimento mútuo sobre
diferentes perspectivas. Comunicação para o Desenvolvimento, por isso,
respeita e trabalha com diferentes fundamentos sociais, religiosos e culturais
das pessoas, das comunidades, e de nações engajadas no processo do
desenvolvimento.
6. Comunicação é contextual. Isto é, não há uma fórmula universal capaz de
adaptar-se a todas as situações; por isso necessita ser aplicada de acordo
com os contextos cultural, social e econômico.
7. Utiliza inúmeras ferramentas, técnicas, mídias a métodos para facilitar o
entendimento mútuo e definir e construir diferentes percepções. Proporciona
ações direcionadas à mudança, de acordo com as necessidades particulares
das iniciativas de desenvolvimento. Essas ferramentas e técnicas poderão ser
utilizadas em um trajeto integrado e são mais efetivas quando usadas no
início das iniciativas de desenvolvimento.
139
Na declaração final do congresso, as mesas redondas endossaram a ideia de
que fossem identificadas pelo WCCD as seguintes assertivas como questõeschave:
 Como expandir comunicação nos níveis local e nacional nos
processos e políticas de desenvolvimento
 Como demonstrar a adição de valor e o impacto da
Comunicação para o Desenvolvimento e como incorporá-la nas
políticas governamentais, internacionais e dos doadores
 Como adaptar para as novas e rápidas mudanças do meio
ambiente resultantes da globalização, privatização, pressão
ecológica, descentralização dos serviços, explosão da mídia, e
emergência de novos atores sociais
 Como equilibrar a rápida expansão das tecnologias da
informação e da comunicação (ICTs) [referente à designação na
língua inglesa, information and communication Technologies]
com a distância contínua entre conhecimento e informação – e a
participação relativamente limitada dos mais pobres no processo
de desenvolvimento
Cinco principais questões emergiram como áreas prioritárias para
colaboração entre as agências das Nações Unidas, Organizações não
Governamentais e acadêmicas: (i) advocacy, (ii) conhecimento e capacitação,
(iii) construção de alianças, (iv) pesquisa, monitoramento e avaliação e (v)
compartilhamento de informação (FAO, World Bank, 2007).
140
4.3.1 A FAO e a Comunicação para o Desenvolvimento em Projetos de
Ajuda Humanitária
A agenda da FAO é muito clara sobre levantar questões relacionadas aos
direitos e deveres dos cidadãos de um país, em torno dos recursos naturais que
pertencem ao espaço público. Reconhecimento das terras de comunidades que
estão nelas há séculos, o que é a base para a construção de qualquer hipótese de
recuperação em conflitos e desastres naturais. Assistir a populações afetadas por
essas circunstâncias são as atividades básicas da FAO. A organização trabalha com
comunidades inteiras e atende grupos desfavorecidos, mulheres, indígenas e
cidadãos marginalizados, o que reduz o custo individual.
As dificuldades recorrentes nos projetos relacionam-se com envolver os
parceiros governamentais nas atividades, dificuldades logísticas e conseguir que a
comunicação seja incorporada desde o início do projeto como fator estratégico.
Presente desde a fase do diagnóstico, passando pelo planejamento, implementação
e a avaliação. Outro problema é a falta de clareza sobre a diferença entre
comunicação como informação e gestão do conhecimento; e a Comunicação para o
Desenvolvimento como um processo de empoderamento, de gestão local do
conhecimento, de informações e dos processos informacionais. São âmbitos
diferentes, outros aspectos da comunicação, complementares. E, é claro, a
sustentabilidade econômica, pois os próprios ministérios dos países atendidos não
incorporam nas próprias políticas recursos, fundos, para financiar as atividades de
Comunicação para o Desenvolvimento.
Outra questão relevante é o fato de que as intervenções precisam de tempo,
o que dificilmente é adequado em termos de visibilidade ao doador. É preciso tempo
para construir relações de confiança e para sensibilizar os governos a abrirem a
Caixa Preta do assunto Terra.
Apesar do direito à alimentação ser um direito
humano – protegido pelo pacto de 66 - não existe uma verdadeira visão de direitos
humanos dentro da FAO. A unidade Right to Food foi criada há apenas seis anos, o
que é considerado sintomático.
Não existe uma linguagem de direitos humanos dentro da FAO. E hoje não
deve ser dito mais target beneficiary, falar de beneficiários. Hoje devemos nos referir
às pessoas como rights holders. E na FOA essa é uma linguagem totalmente
141
estranha. Existe na organização um documento que fala de values e não aparecem
os direitos humanos.
Uma organização das Nações Unidas que não insere em seus valores os
valores humanos exibe um problema de cultura organizacional. A FAO em sua
essência é uma organização técnica. E, por isto, em sua cultura a técnica é o fator
predominante. As demais questões como comunicação, gestão de projetos ou
comunicação, são vistas como secundárias, apesar da longa tradição e o
pioneirismo da FAO no assunto.
Será preciso desenvolver uma atitude positiva em relação à comunicação
dentro da própria FAO. E uma parceria no sentido de trabalhar a própria visibilidade
com as demais agências das Nações Unidas, será bem vista. A FAO não é muito
orientada para a comunicação como podem ser a UNICEF ou o Programa Mundial
de Alimentação (PMA), por exemplo. Mas está sendo iniciada uma reflexão em nível
global na FAO sobre a comunicação. Não só para o Desenvolvimento, mas também
para a Emergência. No caso de distribuição de alimentos, por exemplo, é
fundamental a comunicação já nessa fase da emergência.
142
5 CONCLUSÃO
“Para haver participação tem que haver comunicação.” Jacques Diouf apontava a
importância decisiva da comunicação para promover o desenvolvimento humano. O
Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
afirmava, em 1994, que os programas de desenvolvimento poderiam ter resultados
promissores
se
os
conhecimentos
e
tecnologias
fossem
efetivamente
compartilhados com uma população empenhada e motivada em alcançar o êxito
comum.
A população deveria ser a força motriz de seu próprio desenvolvimento na
conquista de uma melhora permanente em seu nível de vida. A comunicação seria
decisiva ao serem formulados os programas de desenvolvimento e permitir nesse
processo a consulta à população. E, também, perceber suas necessidades e
atitudes para a valorização dos seus conhecimentos tradicionais. A existência de
denominadores comuns às questões relacionadas com o desenvolvimento,
defendida por Fraser e Villet (1994) apontava como prioritário o fator humano. A
participação da população definiria o resultado positivo, mais que o aporte científico
ou material que um projeto poderia viabilizar. Esse discurso foi datado quase quinze
anos após a divulgação do Relatório MacBride, mas a concretização das
recomendações da Comissão ainda esperava por se fazer.
A pergunta que me impus agora, quando se passaram já trinta anos da
divulgação do Relatório, é se essa discussão ainda seria atual. E a resposta que
encontrei foi a de que enquanto uma questão do nosso tempo não foi resolvida,
continuará sendo atual. Ouso afirmar que o tema da Comunicação para o
Desenvolvimento, a comunicação que pressupõe a participação religa-se ao da
Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação. E que, essa, após todos esses
anos em compasso de espera, está se concretizando. Chega num processo
revolucionário e espontâneo. Simplesmente aconteceu. Contra tudo e contra todos.
Os membros visionários da Comissão acreditavam que ela só aconteceria se
fundamentada nos direitos individuais à livre expressão e informação. E que estes
teriam como pressuposto básico o direito à associação, à participação, à
organização para a busca de uma nova sociedade (MacBride, 1983).
143
O mundo assistiu a um processo que mobilizou milhões de pessoas e que
vingou apesar de não ter tido possibilidade ou direito à associação, à liberdade e a
livre expressão.
Com a força de um tsunami a comunicação eclodiu a princípio frágil sem outro
poder que o da vontade popular, em sociedades em conflito latente. E com palavras
de ordem pela liberdade, pela justiça e pelos direitos humanos derrubou regimes e
instaurou a comunicação planetária a serviço da democracia. Concretizada pelas
redes sociais e pelas ondas de celulares. Apesar das proibições e das restrições
técnicas. A Nova Ordem surge nos países do sul, portanto, de forma verticalizada,
mas agora partindo da base. Foi uma conquista e não uma permissão. Os países
que representavam as antigas colônias libertas que eram os mitigantes do acesso
paritário à comunicação junto à UNESCO nos anos 1960, viraram o jogo. Foram
esses a instituírem esta nova forma de usar a comunicação como instrumento de
luta no ano 2011. O que se constitui, a meu ver, em uma nova ordem. Essa nasceu
do conflito, da luta, fez mártires. E não da paz, como imaginaram seus postulantes
há trinta anos. Uma nova ordem que eu já havia pressentido ao realizar a entrevista
com o diretor da Amnistia Internacional em Lisboa.
Há uma tendência sentida em todo o movimento, disse-me Pedro Krupenski,
de que o ativismo no sentido tradicional está mudando de configuração. Nas
campanhas globais da Amnistia - simultâneas nas entidades congêneres existentes
em outros 56 países - a participação hoje se dá pelo que nós chamamos de
“ativismo eletrônico” com o re-encaminhamento de cartas e abaixo assinados que
percorrem em poucos minutos o mundo inteiro. “As comunidades virtuais
conseguem chegar à gente numa velocidade espantosa, que age e age em função
daquilo que estamos a pedir, sem se deslocar ao outro lado do mundo” afirmou o
dirigente. Apesar de não contar mais com a pressão de um grupo protestando na
porta de uma embaixada, reclamando o cumprimento dos direitos humanos, o
impacto do ativismo eletrônico é muito maior.
E na própria relação com a imprensa também se repetiu o fenômeno. As
“Conferências
de
Imprensa”
que
eram
organizadas
pela
anistia,
com
o
comparecimento massivo e efetivo dos jornalistas, não são mais realizadas desde
2007. Krupenski relatou que em 2004 foi feita a última conferência de imprensa, pois
ficou nítido que havia mudado o sistema. “Apareceram apenas três jornalistas e uma
agência noticiosa que recolheu a informação e espalhou por todos os meios de
144
comunicação. Teve um imenso impacto, mas, mais uma vez, sem a presença física
das pessoas. É outro modo de fazer as coisas, sem o face-to-face”.
Assim, mais uma vez, a participação física e a livre associação não
acontecem, mas a comunicação se dá de forma portentosa em outra forma de
participação, que em meu entendimento materializa uma Nova Ordem Mundial de
Comunicação e Informação. Essa tem o poder de driblar os meios de comunicação
de massa tradicionais, que têm o poder de cercear, bloquear ou censurar a
informação. E assim impedir a comunicação.
E para que o objetivo da Nova Ordem possa ser conquistado e sacramentado
será necessária a adoção nesse processo de outro modelo comunicação,
humanizado, não elitista, democrático e não mercantil, como pregava Luis Ramiro
Beltrán, já se referindo à ligação entre o desenvolvimento rural e Comunicação para
o Desenvolvimento. Uma forma que se constitui em germe de uma comunicação
participativa e associativa como caminho para a construção de sociedades mais
humanas e solidárias. A Comunicação para o Desenvolvimento inclui a mídia livre,
plural e o direito à informação e à comunicação a serviço da resolução de questões
globais de interesse público. Como o preconizado pela comissão MacBride que
colocou aos olhos do mundo a comunicação como um dos direitos humanos, não
sem provocar polêmicas internacionais por isso. [...] “O direito à comunicação
constitui um prolongamento lógico do progresso constante em direção à liberdade e
à democracia” (MacBRIDE, 1983, p. 287). O relatório traz associada ao conceito
Comunicação uma nota relativa ao comentário feito, na época, por Sergei Losev, o
representante da ex-União Soviética: “o direito à comunicação não é um direito
reconhecido, nem no plano nacional, nem no plano internacional. Por conseguinte,
não deveria ser examinado tão amplamente nem abordado desse modo no nosso
relatório.” Os Estados Unidos foram mais proativos. Por discordarem do conteúdo
que constituía o Relatório MacBride retiraram-se da UNESCO em 1980, seguidos da
Grã-Bretanha. Obviamente o dinheiro que aqueles países aportavam para a
organização e que significavam cerca de noventa por cento da verba total, foi
retirado também.
Os elementos integrantes do direito à comunicação foram formulados pela
comissão como sendo o direito de reunião, de discussão, de participação; o direito
de questionar, de ser informado. E ainda outros direitos como o de associação, o
145
direito de fazer perguntas e que não foram contemplados no norte da áfrica e no
Oriente Médio. Mas a comunicação derrubou regimes, mesmo assim. Nesse
processo revolucionário, a comunicação das novas tecnologias, feita em rede,
mediou a liberdade, o acesso, a participação, o diálogo e o equilíbrio de poder. Em
um mundo onde a comunicação seja mais democrática, seja um direito e seja
formativa e de voz aos despossuídos, os horizontes dos homens se ampliarão rumo
a equidade. Ideais de uma outra ordem de comunicação. A ordem da Comunicação
para o Desenvolvimento.
Considerações finais e limitações desta tese
Apesar de atuar há décadas como jornalista, foi muito difícil escrever
esta tese. Aliás, para mim passou a ser difícil escrever quando entrei em meu
primeiro mestrado, no final dos anos 1990. Descobri como era difícil ler. Logo para
mim que me alfabetizei lendo a coleção inteira de Monteiro Lobato, há muito
esquecida numa prateleira em meu esconderijo na casa da infância. Os donos dos
livros já eram adultos e eu, criança, encontrei a Emília, o Visconde de Sabugosa, o
Pedrinho e a Narizinho, muito antes de se tornarem personagens em programas
infantis. Mas a leitura técnica, em um volume enorme e com prazo curto, era
diferente também daquela da graduação. Não mais ler para saber ou para lazer. E
quando descobri o quanto eu ignorava de tanta coisa que havia para saber, parei de
escrever. Pois escrever se tornou um sofrimento. Escrever para alguém avaliar. Não
mais escrever para informar a opinião pública. Ou escrever para registrar meus
pensamentos. Passou a ser escrever para sistematizar o meu conhecimento sobre
um campo.
Penso que na escritura da tese voltei ao princípio da trajetória e à
insegurança de pensar se o que produzi poderá ser válido, ter utilidade, contribuir,
de alguma forma. Posso dizer que eu sempre quis ficar em uma zona de conforto.
No entanto, sempre fui levada a ter que enfrentar o desconhecido, o novo. Descobri
com o passar do tempo, que a única coisa que é segura e definitiva é o processo da
mudança. Do mundo, dos outros, de nós mesmos. E que a vida é um exercício
contínuo da busca pelo equilíbrio na adversidade, no crescimento, na impassividade.
146
Sim, porque este incessante transformar permite que o novo se apresente e se
transforme. Ou, nos transforme. E que seriam aborrecidos os dias, os meses, os
anos, se tudo fosse estanque, passivo, igual.
É engraçado como o processo de construção desta tese parece que
confirmou este meu sentimento de insatisfação com o usual, com o comum. Ela se
tornou um elemento com vida própria e foi me guiando no registro de mudanças que
foram ocorrendo à nossa volta. Ela exigiu que eu fosse ampliando minha visão e o
meu repertório de vida. E, por fim, ela me levou a um resultado que eu não esperava
quando começamos a conviver, quando passei a escrever as minhas ideias na luz.
Até o final ela me exigiu, pela própria transformação do mundo nestes cinco anos e,
principalmente, neste mês de março de 2011. Exigiu que eu transformasse o meu
olhar e ampliasse a análise. E quando me deparei com a dúvida de ser pertinente ou
não a abordar um assunto datado de 30 anos - as recomendações do Relatório
MacBride - a tese me reservou duas surpresas. A primeira, foi entender que por mais
tempo que tenha se passado, se um assunto não foi resolvido, continua atual. A
segunda, foi ter vislumbrado que a questão há décadas no compasso de espera, em
meu entender agora se resolve e de forma inusitada.
O direito a uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação
defendido - ao final de forma consensual - pela Comissão MacBride como um direito
a ser concedido pelos países hegemônicos, ou a ser conquistado pelos países do
Sul, na verdade tomou um caminho não previsto. Em uma ação revolucionária,
imprevisível, países africanos subjugados criaram uma Nova Ordem Mundial de
Informação e Comunicação de forma vertical a partir da base da sociedade. E da
periferia para o centro. Dos países periféricos para o mundo civilizado. Aproveitando
a instauração, ou a consolidação tardia da tecnologia de comunicação - que burla
censuras, proibições e ameaças, se propagando pelas redes sociais em microondas – as sociedades em rede iniciaram um processo histórico de mudanças sociopolíticas, apoiadas pela comunicação interpessoal, que ainda não sabemos como irá
reordenar o mundo.
Mas o fato está posto. Nem a atitude autoritária do governo egípcio, de
retirar a rede mundial do ar, evitou a sua queda. Pelas ondas simples do celular a
comunicação se concretizou e a força da mudança emergiu. E se estende ainda.
Ouso dizer que o que era pregado por Sean MacBride tornou-se real. E, convém
ressaltar, sem a paridade da comunicação nos países do mundo. O que está a
147
ocorrer no norte da África e que se propaga pelo oriente médio, acredito, vem a
confirmar essa teoria. Essa tese se limita quanto ao desenrolar dos acontecimentos
na esfera política internacional, pois foi concluída em 29 e março de 2011.
148
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http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/03/01/eua-enviam-mais-dois-navios-militares-paraaumentar-pressao-sobre-regime-de-kadafi-na-libia-923906721.asp
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/03/01/onu-suspende-libia-do-conselho-de-direitos-humanos-923906305.asp
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http://www.c-r.org/our-work/accord/angola/portuguese/construcao-democracia.php
http://www.radioecclesia.org/index.php?option=com_content&view=article&id=2829:amnisti
a-internacional-critica-em-relatorio-policia-angolana-por-execucoes-sumarias-e-prisoes-deactivistas-civicos&catid=132:internacionais&Itemid=484
http://www.opais.net/pt/opais/?id=1647&det=3103&mid=
158
Estudo orientado pela PUC-SP
em cooperação com o CES da Universidade de
Coimbra.
Seu objetivo é avaliar o uso da
Comunicação para o Desenvolvimento
como apoio
a projetos de Ajuda Humanitária e de
Desenvolvimento
em sociedades pós-conflito.
APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas
Organização:
Endereço:
Coordenador:
Data:
Fone:
Email:
Cel:
1. Dados Organizacionais
Nome da Organização:
Origem da Organização:
Descrição da atividade de ajuda:
Tempo de atuação no país:
2. Dados pessoais
Data:
Nome:
Formação:
Tipo de contrato:
Tempo de atuação no país:
Idade:
Cargo:
Tempo na atividade:
I. Dados referentes à ajuda prestada
1.Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária/desenvolvimento
realizadas por sua organização?
2.Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados?
3.Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos implementados
nos últimos dois anos?
II . Dados referentes à importância atribuída à Comunicação
4. Existe relevância na divulgação do doador?
5. Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação?
159
6. Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso
da comunicação?
III. Dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados
nos últimos dois anos.
7. Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos?
i. Se não, por qual motivo?
ii. Se sim, qual o percentual dos recursos foi investido em comunicação?
8. Houve planeamento de comunicação estratégica para os projetos realizados?
9. Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um
projeto? Se sim, qual é mais freqüente?
10. Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados?
11. Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes?
IV. Dados relativos à Comunicação para o Desenvolvimento (CpD)
12. Existe necessidade de introduzir ações de CpD nos projetos?
Se sim, com que metodologia?
Se não, por quê?
13. Que resultados são esperados nestas ações?
14. Quais são as limitações às ações de CpD nos projetos implementados?
V. Dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos Direitos
Humanos
Dados sobre a contribuição da comunicação para a garantia da Segurança
Alimentar
15. Como pode contribuir a Comunicação para o Desenvolvimento para a percepção
do Direito à cidadania em sociedades pós-conflito?
16. Poderá a Comunicação para o Desenvolvimento contribuir para a consolidação
de a Segurança Alimentar em sociedades pós-conflito?
Se sim, de que forma?
160
Entrevistas realizadas em Portugal
APÊNDICE B – Entrevista com Pedro Krupenski – 20/11/2009
Advogado e Diretor da Amnistia Internacional - Portugal
CLARA: Bom dia. Eu gostaria de saber alguns dados referentes à ajuda prestada
pela Amnistia Internacional. Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária
e desenvolvimento realizadas por sua organização?
PEDRO: Bom, antes de mais, gostaria só de fazer aqui uma contextualização do tipo
de trabalho que a Amnistia desenvolve. Eu estava lendo aqui o questionário e vi que
fala muito em projetos, que fala muito em doadores. E em relação a essas duas
vertentes pelo menos, a Amnistia é bastante atípica. É uma organização que serve –
e para isso nasceu – para promover os direitos humanos e denunciar a sua violação,
e como tal, para garantir alguma independência, imparcialidade relativamente às
denúncias que vai fazendo, optou desde o primeiro dia por não obter fundos de
doadores coletivos, vive, e centra basicamente nas doações e nas cotas pagas
pelos membros associados pelo mundo afora. E, portanto, não temos uma relação
direta com a maior parte das organizações (...) particularmente as que trabalham em
ajuda humanitária.
Em comparação, há uma relação de doadores, e de beneficiários, através da
elaboração de projetos, de acordo com as headlines feitas por estes doadores, para
recorrermos a qual financiamento para nossa ação. E, portanto, nessa medida,
somos bastante atípicos, isto para dizer que não funcionamos com base em projetos
e não funcionamos com base em co-financiamento público. E como é óbvio, temos
programação do nosso trabalho e que é feito, não só em escala nacional, mas cada
vez mais de forma concertada com todo o movimento, com as outras facções que
existem em 56 outros países e também com o Secretariado Internacional, que leva a
cabo aquilo que são as campanhas globais.
Falamos muito em campanhas e não tanto em projetos, embora no âmbito das
campanhas (...) vários projetos e esses são implementados por países que
entendem implementá-los, pois há projetos, que chamamos de Projetos WOOC, que
é Work on Own Country, portanto trabalhando no próprio país e que tem muito a ver
com a realidade dos direitos humanos em cada país. Em suma, todas essas
campanhas têm a ver com áreas dos direitos humanos que foram,
consensualmente, entre as várias facções e o Secretariado Internacional,
consideradas como prioritárias.
Portanto, temos uma grande campanha sobre a violência contra as mulheres, temos
uma grande campanha de controle das armas, temos uma grande campanha
relacionada agora com a pobreza enquanto violação dos direitos humanos. E essas
campanhas, são campanhas normalmente plurianuais, normalmente de 5 a 6 anos.
E, no âmbito dessas campanhas, vão se levando a cabo várias atividades:
atividades de sensibilização da opinião pública, de lobby direto com as instituições
políticas envolvidas nisso, de campanhas de comunicação, de ativismo puro e
simples. E naturalmente, todas essas atividades são como dizia, feitas no
161
cumprimento de uma planificação previamente feita e financiada pelas cotas pagas
pelos membros associados.
CLARA: Existem algumas dificuldades que sejam recorrentes nessas campanhas?
PEDRO: Há, de fato, algumas dificuldades, e em um movimento como da Amnistia,
que é um movimento de ativismo, em que o valor acrescentado dessa organização
seria o envolvimento individual de cada pessoa, enfim, de alguma forma, com a sua
consciência social inquieta, vir para a rua e, como cidadão, exigir o cumprimento dos
direitos humanos por quem o esteja violando. O que muitas vezes sentimos, e isso é
uma tendência sentida em todo movimento, é que o ativismo, no sentido tradicional,
está mudando de configuração. Hoje em dia, as pessoas envolvem-se, querem
envolver-se, mas envolvem-se de uma maneira muito mais distanciada, não
aparecem fisicamente, não querem fazer manifestações de rua e estão muito mais
disponíveis para aquilo que já chamamos de “ativismo eletrônico”, ou seja,
procurarem re-encaminhar cartas para as instituições políticas, como por exemplo,
para um governador qualquer dos Estados Unidos, cujo poder de decisão pode
evitar que alguém que esteja na iminência de ser executado no âmbito da pena de
morte, não o seja. Estão muito mais disponíveis para pegar uma minuta de uma
carta que tínhamos nós feito, nós a Anistia, assinar a carta e re-encaminhá-la para
outros destinatários. Estão mais disponíveis para isso do que propriamente se
envolverem ativa, física e presencialmente naquilo que é o ativismo.
CLARA: Mas isso não seria um novo ativismo, uma vez que a gente vê que o
presidente dos Estados Unidos foi eleito, basicamente, baseando a sua campanha
em comunicação na internet?
PEDRO: Não há dúvida, não há dúvida. É uma dificuldade, mas ao mesmo tempo,
uma oportunidade. Uma dificuldade, no sentido de que, em quase 50 anos da
historia, o ativismo na Anistia foi feito muito com a presença voluntária e ativa dos,
enfim, dos membros da anistia e dos simpatizantes da anistia, e agora já não tanto.
E, portanto, isso exige de nós – e nessa medida, uma oportunidade – exige de nós
um reajuste do nosso modo de fazer as coisas. E a verdade é que o impacto e os
resultados que são obtidos por essa forma de ativismo eletrônico, a verdade é que,
muitas vezes, não substitui o impacto que tem um conjunto de pessoas na porta de
uma Embaixada reclamando do cumprimento dos direitos humanos.
CLARA: O impacto, por que de alguma maneira fica maior a visibilidade perante a
opinião pública ou por causa da cobertura dos meios de comunicação social?
PEDRO: Sem dúvida, embora também os próprios meios de comunicação social
também estão cada vez mais digitalizados também. Nosso entendimento, por
exemplo, há uma publicação anual do Relatório da Anistia, que refere-se à situação
dos direitos humanos em todo o mundo, em quase todo o mundo, e esse é um
momento que tem que continuar a ter imensa visibilidade junto da mídia. Nós,
antigamente, organizávamos – há dois anos que não o fazemos – organizávamos
sempre uma Conferência de Imprensa, e uma Conferência de Imprensa presencial,
com a presença efetiva dos jornalistas e tinha uma adesão massiva dos jornalistas.
Há três anos fizemos, quando começou a mudar o modo de agir, relativamente a
essas questões, fizemos uma Conferência de Imprensa e apareceram três
162
jornalistas, um dos quais era de uma agência noticiosa que recolheu a informação e
depois espalhou por todos os meios de comunicação, portanto teve um imenso
impacto, mas mais uma vez, sem a presença física das pessoas. É outro modo de
fazer as coisas, também eficaz, mas não há aquela relação humana, não há o face
to face, aliás, o face to face é o nome do nosso projeto de angariação de membros
na rua, de chamarmos mesmo face to face e está experimentado quase por todo
mundo que há a Anistia, como tendo justamente um valor a acrescentar, o fato de
ser uma conversa cara a cara, nas ruas, as pessoas, devidamente informadas por
esse (...) da Anistia, abordam diretamente as pessoas na rua, apresentam a Anistia
e mostram às pessoas a vantagem que há para elas próprias e para o mundo em
geral, elas se tornarem ativistas da Anistia, tanto que para nós é muito crível, muito
desejável esta presença física e ativa das pessoas. No entanto, em termos de
impacto nos direitos humanos, tem tanto a mais, porque envolve mais gente, a
verdade é essa hoje em dia, com as comunidades sociais virtuais, consegue-se
chegar à gente numa velocidade espantosa, que age e age em função daquilo que
estamos a pedir, sem se deslocar ao outro lado do mundo.
CLARA: Quando a gente fala em comunicação e fala em doadores, apesar de
serem doadores individuais, também são doadores da Anistia. Qual a importância,
vocês tem um levantamento ou uma percepção de qual a importância atribuída pelos
doadores à comunicação? Digamos assim, especificamente em cima das
divulgações das campanhas que são feitas? Campanhas, as ações feitas, na
divulgação dessas ações, que os doadores saibam o que estão construindo?
PEDRO: Claro, é verdadeiramente fundamental e passou a ser ainda mais, a partir
do momento em que nós começamos a associar a angariação de membros da
Anistia a campanhas específicas. Até a relativamente pouco tempo, desafiávamos
as pessoas a juntar-se a essa luta pelos direitos humanos em abstrato. E chegamos
à conclusão que haveria pessoas que estariam muito mais interessadas em fazer
parte da Anistia para lutar por uma causa específica no âmbito de uma campanha,
do que simplesmente fazerem parte da Anistia pelos direitos humanos em geral...
CLARA: Segmentação de marketing...
PEDRO: Exatamente, é isso mesmo. E então ainda se torna mais necessário do que
já era, a comunicação dos resultados. Ou seja, as pessoas não só se tornam
membros, mas dão do seu tempo, dão inclusivamente do seu dinheiro, cota e,
portanto, temos a estrita obrigação de dar conta às pessoas, de como é que
estamos a administrar o seu dinheiro e como é que estamos a envolver. E temos o
cuidado de fazer, há uma comunicação muito próxima com os 12.000 membros que
temos e que não é fácil, justamente porque são 12.000, mas temos seis diferentes
newsletters eletrônicas, uma das quais especificamente para questões de
accountability, e essa é bimensal; portanto, em cada dois meses mostramos a
evolução da situação financeira: quantos membros angariamos o que isso
representa em termos de income, de receitas, o que vamos fazer o que já fizemos.
Uma newsletter muito simplificada, não é um relatório financeiro massador, chato,
mas com os gráficos a explicar muito bem o que é feito com o dinheiro.
CLARA: Em que suporte?
163
PEDRO: Normalmente digital, mas normalmente, no processo do tal face to face de
angariação de membros, os membros que consentem em aderir a Anistia
preenchem uma ficha e nessa ficha, que é a ficha de membro, escolhem a forma
como querem receber toda a informação que lhes enviamos. A grande maioria tem
escolhido receber por e-mail, mas se alguém porventura, diz que prefere receber por
correio postal, nós temos essa indicação na base de dados e, portanto, toda essa
informação que sai vai por correio postal.
CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários às campanhas que
foram implementadas nos últimos dois anos pela Anistia?
PEDRO: Eu diria que um dos pontos fracos da Anistia é conseguir olhar o impacto
junto dos beneficiários. A Anistia começou muito por trabalhar apenas em casos
individuais: eram prisioneiros de consciência, prisioneiros políticos, pessoas
concretas, senhor A, B, C. A Anistia continua a fazer isso, e, nesse caso, é muito
fácil acompanhar a evolução da situação e naturalmente avaliar a satisfação e a
receptividade realmente dos beneficiários. Em outras áreas, que também é um
trabalho que ocupa muito dos recursos e dos esforços da Anistia, é um trabalho
muito de lobby para construção de legislação internacional, de tratados e
convenções internacionais, e isso não só o ritmo – e a evolução disso – é muito mais
lento, como também os resultados são mais intangíveis, é mais difícil de avaliar.
Portanto, estamos em construção de alguns mecanismos de avaliação de impacto
para conseguirmos ter uma corretíssima avaliação do impacto junto aos
beneficiários. Muitas vezes temos um feedback muitíssimo satisfatório, conhecemos
casos concretos, e temos isso comentado em cartas enviadas por um prisioneiro
qualquer que esteve injustamente preso em El Salvador e que esteve isolado
durante não sei quanto tempo e disse que nos anos em que esteve na prisão, a
única coisa que lhe chegava às mãos eram as cartas dos membros da Anistia
dizendo: não se preocupe, nós estamos a tratar do seu caso e não vamos esquecer.
E ele depois, viu resolvido o seu caso e fez de dar conta disso à Anistia, dizendo que
aquilo foi lhe dando esperança, aquilo foi lhe dando ânimo na situação em que
estava, foram as cartas que os membros da anistia lhe faziam chegar, tanto que
temos realmente apreciação do que os beneficiários da nossa ação vão sentindo
relativamente ao nosso trabalho, mas há áreas em que isso é mais difícil de avaliar e
quantificar.
CLARA: Essas campanhas promovidas pela Anistia, elas tem uma verba para ser
investida em comunicação? Existe um percentual destinado?
PEDRO: Para a comunicação, é concreto, sim, definitivamente, sim. Eu diria que o
trabalho da Anistia se assenta em dois eixos fundamentais: um dos eixos parte da
investigação. Há muito esforço dedicado à investigação, investigação essa que no
fundo passa um bocado pela monitorização da implementação dos direitos
humanos. Por um lado olhamos para o que os estados se comprometeram via
tratados internacionais, via legislação internacional, o que se comprometeram a
fazer em termos de direitos humanos; depois confrontamos isso com a prática, e se
não houver coerência entre uma coisa e outra, nós estamos perante um abuso, a
uma violação dos direitos humanos e, portanto, agimos em inconformidade. Mas
sempre baseados em casos concretos, não em coisas etéreas e abstratas, é sempre
em casos muito assim, concretos. E depois dessa investigação, partimos para a
164
ação. E a ação que segundo, eu acho importante, passa muito pelo setor da
comunicação, não só pela comunicação direta com o nosso target nesse momento,
mas justamente com a comunicação para envolver o maior número de pessoas
nesta luta, na pressão que estamos a fazer, para a resolução da situação em caso, e
isso é verdadeiramente fundamental. Temos um contato, muito assim, regular e
muito ágil com os meios de comunicação social e com pessoas em concreto, quer
dizer, não temos apenas os e-mails ou os faxes das relações, há pessoas em
concreto com quem mantemos uma relação muito próxima, com a mídia em geral,
incluindo todos os meios. E depois também, uma comunicação muito ágil com os
nossos membros, em particular com aqueles que manifestaram e tem manifestado
interesse em participar ativamente nestas várias ações. Porque há pessoas que de
fato são consideradas membros da Anistia, mas que escolhem ter um papel mais
pacífico, quer dizer, querem ser informadas, pagam a sua cota, mas não tem
disponibilidade, ou às vezes interesse, em intervir mais diretamente. Mas sim, isto
para dizer que a comunicação é uma das componentes fortíssimas e, portanto, há
de fato, muito investimento nesta parte. Felizmente, temos, no âmbito das
campanhas, temos tido o apoio de muitas empresas ligadas ao setor, e é uma
parceria win-win, como se costuma dizer. Estas empresas de publicidade também,
pois, podem concorrer aos festivais que (...), e, portanto, com os portfólios deles com
este segmento de publicidade para os direitos humanos ou publicidade, e é um
pouco isso é aquilo que lhes damos em troca, para, obviamente, podermos passar
os tais recibos ao abrigo da lei de mecenato, que lhe dá benefícios fiscais. Mas a
grande catch, além do interesse que eles têm em pessoalmente produzir campanhas
para questões humanitárias e por questões de direitos humanos e não para vender
margarina, que também é a função deles, dá-lhes mais gozo criativamente, pensar
numa campanha para vender uma causa do que vender um produto. Portanto, eles
se sentem mais estimulados nisso e temos tido um excelente apoio nesse nível para
divulgar as campanhas. Portanto, essa é uma outra vertente da comunicação, é uma
comunicação em massa, a par da comunicação mais direcionada para os meios de
comunicação por um lado e para os membros por outro.
CLARA: Percebe-se alguma prioridade de divulgação quando é iniciada uma nova
campanha? Se existe, qual é a mais frequente?
PEDRO: A mais frequente, normalmente, justamente através dos meios de
comunicação social, porque é o que chega, de fato, ao maior número de pessoas e
de alguma forma, depois remete-se novamente para nós, se as pessoas têm
interesse em envolver-se, mesmo que não sejam membros da Anistia. Até porque as
mensagens e os apelos que a Anistia faz são normalmente apelos a ação de
cidadania. O problema dos direitos humanos é um problema de todos nós e,
portanto, aquilo que nós fazemos normalmente é chamar a consciência das pessoas
justamente para essa (...) das coisas, a dignidade de alguém concreto está a ser
atentada, isso significa que a minha própria dignidade enquanto ser humano
também está a ser atentada, nessa medida eu próprio também devo agir para
superar essa situação. E, portanto, sendo os meios de comunicação social aqueles
que mais eficazmente chegam ao maior número de pessoas, muitas vezes, na maior
parte das vezes, nos utilizamos dessa forma. Agora, depende justamente da
finalidade, depende do tema, depende às vezes, da sensibilidade da questão; muitas
vezes não podemos divulgar, sob o risco de agravar ainda mais a situação da
pessoa em concreto, cujos direitos estão sendo violados, e, portanto, depende muito
165
de caso para caso, mas genericamente, diria que o principal recurso são os meios
de comunicação social.
CLARA: Houve divulgação aos beneficiários dos resultados das últimas campanhas
que foram realizadas? De comunicação, nos últimos dois anos?
PEDRO: Sempre, há de fato, sempre essa preocupação e até, mais uma vez, enfim,
de marketing aplicado a essas questões, chegamos um pouco à conclusão de que o
registro comum das nossas comunicações era, por um lado sempre apelativo,
estávamos sempre a pedir que as pessoas se envolvessem que as pessoas
participassem que as pessoas doassem, e por aí afora e normalmente, com uma
carga um bocado negativa, porque era sempre aqui uma situação de violação dos
direitos humanos, aqui uma situação de abuso. Portanto, sentíamos que a nossa
comunicação estava um pouco pesada e que quebrava ao meio, porque as tantas
depois, não dávamos o feedback relativamente a isso, e justamente, tendo tomando
consciência disso, sequenciamos o processo de comunicação. Continuamos,
naturalmente, a fazer o apelo. O apelo normalmente inclui, não só a adquirição da
situação em causa, mas já inclui proposta de solução, portanto já há ali, um aspecto
mais positivo. E depois, num segundo momento, quando houver resultados, damos
tempo para o feedback, damos sempre a conhecer o que aconteceu ou o que não
aconteceu depois do envolvimento das pessoas nesse trabalho.
CLARA: Existem limitações referentes à comunicação nessas campanhas que
sejam recorrentes?
PEDRO: Sim, eu diria que sim. E as limitações são, normalmente, ou a agenda
midiática está ocupada com assuntos, enfim, se há um campeonato de futebol, por
exemplo, não há espaço para mensagens da Anistia.
CLARA: Pensei que fosse só no Brasil, isso...
PEDRO: Não, não, é universal, mundial, essa é de fato uma limitação. E outra é
nossa própria dificuldade em perceber o que poderá acolher entre esse público, e
somos surpreendidos às vezes, por coisas que nós achamos que não vai acolher
com aquele interesse público de jornalistas, já alguns temas que são talvez mais
ligados à legislação internacional, a grandes tratados e tal e achamos que são
matérias técnicas e, portanto não terão grande apetência do público, mas às vezes
tem. Ou por outro lado, questões que nós achamos que no contexto português não
terão muito interesse e acaba por ter, muitas vezes somos surpreendidos por isso.
Lembro, por exemplo, o ano passado, quando houve o ataque, aquele problema que
houve na Ossétia do Sul, uma pequena guerra entre Rússia e a Geórgia a propósito
justamente dos territórios da Ossétia do Sul, eu pensei que era uma questão que,
enfim, que teria espaço em algumas páginas de jornais, mas que não acolhesse o
interesse que acolheu e foi durante praticamente duas semanas diariamente de
entrevistas e a televisão, rádios, jornais, sobre a questão nossa aqui do sul, eu
pensei que a Ossétia do Sul não era assim um tema muito sexy em Portugal, mas
aparentemente, foi definitivamente foi. Às vezes há essa dificuldade, percebermos o
que pode interessar ou não ao público e, às vezes com a convicção de que interessa
bastante, sermos confrontados com a agenda midiática ocupada com outras coisas.
166
CLARA: Quando vocês são surpreendidos positivamente pelo interesse, existe um
trabalho conjunto em divulgação da própria Anistia e angariação de membros
nessas ocasiões?
PEDRO: Não propositadamente, mas, ou seja, não capitalizamos esse interesse...
CLARA: Não deveriam?
PEDRO: Naturalmente, sim, mas não o fazemos de uma forma tão imediata porque
não queremos naturalmente também passar a imagem, porque não corresponde à
realidade, de que tiramos proveito de algumas questões mais preocupantes do
ponto de vista dos direitos humanos para capitalizar isso a favor da organização. O
que, pois, procuramos fazer é se determinada situação teve fatos (...), demonstrar
que assim como podemos agir e agimos nessa situação, com impacto, de modo a
resolver os problemas, também podemos fazer isso em muitas outras situações que
esses cidadãos sejam importantes e para isso precisamos de sua ajuda e, portanto,
por que não tornar-se membro? Mas quer dizer, não há ali uma associação imediata:
olha, nós tivemos bons resultados nisto, por isso...
CLARA: Não, claro, claro. Agora, dados relativos à comunicação para o
desenvolvimento. A Anistia entende necessário ou não a introdução de ações de
comunicação para o desenvolvimento em projetos de ajuda humanitária de
desenvolvimento?
PEDRO: Eu acho que sim, que é verdadeiramente fundamental, e nós, este ano, em
maio deste ano lançamos uma nova campanha global, que é aquela que lhe referia
há pouco, tem exatamente a ver com encarar a pobreza como violação dos direitos
humanos, portanto, ao contrário do que temos feito nos últimos anos, vamos
trabalhar muito nessa área e justamente um dos três eixos estratégicos dessa
campanha, que é uma campanha global, porque não só vai decorrer durante seis
anos, pelo menos seis anos, mas vai decorrer globalmente no universo da Anistia,
um dos três eixos estratégicos dessa campanha é justamente permitir e facilitar a
comunicação. E a comunicação entra os potenciais destinatários da ajuda e os
membros doadores. Por quê? Porque se tem chegado de fato à conclusão, e não é
apenas uma conclusão da Anistia, de que há uma enorme falta de diálogo entre
aqueles que querem ser ajudados e aqueles que querem ajudar. Há uma certa
tendência das ONGs, das organizações internacionais e daqueles que estão,
digamos, do lado dos doadores, de impingirem soluções para os destinatários da
ajuda. Soluções essas que muitas vezes não são adequadas àquilo que são as
necessidades dos destinatários da ajuda. E, portanto, aquilo que a Anistia vai
procurar promover é o active participation, participação ativa dos destinatários da
ajuda, não só na identificação dos seus próprios problemas, mas na identificação
das soluções dos seus próprios problemas. Ouvi-los, dar-lhes voz, procurar perceber
no contexto cultural em que vivem, quais é que são efetivamente os problemas e
quais é que efetivamente são as soluções para os seus problemas. E em função
disso, esse é que vai ser o capital base, é que se vai procurar juntar recursos e
materializar as soluções para dar resposta. Não só às necessidades identificadas
pelos próprios, mas às soluções identificadas pelos próprios. Fundamental para isso
é haver mecanismos de comunicação muito eficazes.
167
CLARA: A Anistia tem nos seus quadros, para esse propósito, sociólogos e
antropólogos para fazer esse levantamento?
PEDRO: Sim, não só, mas também, até porque isto está, vai ser feito em diferentes
escalas e junto de diferentes populações em escala global, portanto feito pelo
próprio movimento. Vai ser aproveitada a estrutura de investigação que já existe,
existe no próprio Secretariado, a parir do Secretariado Internacional, cerca de 250
investigadores, entre os quais estão sociólogos, antropólogos, enfim, relações
internacionais, com diferentes formações e que conhecem muito bem ou temáticas
específicas ou regiões específicas. Então, de alguma forma, eles e as equipes à que
pertencem, referem-se à região. E esse é que vai já a cabo fazer a investigação e
monitorizar a situação dos direitos humanos nessas temáticas e nesses países. E
agora também vai caber a eles procurar dar voz justamente a essas pessoas, dar
voz e de alguma forma, ampliar essa voz. E vai ficar registrado ou em filme, em
escrito, em áudio, esse depoimento, essa situação do levantamento das
necessidades e da solução para essas necessidades e isso vai para um pool comum
da Anistia e que depois vai ser justamente utilizado como matéria-prima base para a
procura de projetos e de recomendações aos estados e às organizações
internacionais e tudo o mais.
CLARA: E quais são as limitações às ações de comunicação para o
desenvolvimento nessas campanhas que a Anistia vem desenvolvendo?
PEDRO: Ainda é cedo, até porque a campanha começou em maio deste ano e,
portanto, ainda é um pouco cedo para identificar com rigor quais são as limitações.
Eu diria, a partir de que, enfim, não sei se poderia chamar de limitação. Mas é um
risco, e isso é um risco seguro é de darmos mais voz a uns e menos a outros, ou
seja, de fazer aqui uma discriminação inadvertida, obviamente. Mas fazer uma
discriminação daqueles que achamos que (...) tem mais visibilidade ou mais
potencialidades de comunicar quais é que são os seus problemas e soluções para
os mesmos em detrimento de outros, cujas necessidades reais sejam mais
acentuadas, enfim, isso é um risco. Mas é um risco que estamos cientes, temos
noção e, portanto, seria um bom ponto de partida para evitar.
CLARA: Agora, dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão de
direitos humanos e garantia da segurança alimentar, que na verdade, vocês estão
então, juntando essas duas coisas, agora nessa campanha. Como pode contribuir a
comunicação para o desenvolvimento, para a percepção do direito à cidadania em
sociedades pós-conflito? Quando a gente vai ter uma situação de que não existe
mais percepção da pessoa, que ela tenha direito a alguma coisa?
PEDRO: A comunicação é verdadeiramente fundamental aqui, não só para, de
alguma forma, eu ia dizer educar, e não gosto muito, porque isso é um termo, neste
contexto, um bocadinho paternalista. Mas eu diria, para de alguma forma, alertar as
consciências das pessoas. Eu lembro alguns anos atrás, e gosto de contar essa
historia, que é muito ilustrativa daquilo que estou a dizer, quando trabalhava na
plataforma portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o
Desenvolvimento, quando foi o tsunami, que afetou o sudeste asiático em final de
2004, eu trabalhava na plataforma e coube a mim, de alguma forma, gerir a reação
das ONGs portuguesas e de relacioná-las com a reação do estado português e tudo
168
o mais. Então, aqueles dias foram uma loucura, não se dormia, trabalhava-se noite e
dia, e parte desse trabalho era atender telefonemas e atender pessoas, que de
alguma forma queriam participar generosissimamente e na expressão mais genuína
da sua cidadania, queriam ajudar. Eu lembro-me que estive quase duas horas ao
telefone com uma senhora que queria enviar um contentor com dois mil pares de
luvas de lã para o Sri-Lanka. É muito difícil aqui, e a comunicação é fundamental, de
desmontar uma questão dessas, porque a generosidade genuína, a cidadania
expressa ali, desta senhora, é de se respeitar e é de se louvar. Agora, o que ela
estava a querer fazer é totalmente desadequado e totalmente dispendioso,
atendendo as necessidades efetivas da população. Quer dizer, o Sri-Lanka é um
país subtropical, nem no auge do conforto alguma vez vão querer luvas de lã e a
senhora achava que o que era fundamental para aquela gente ali, era, dizia: não,
mas olha, o que eles precisam mesmo é de alimentação, de água potável, de
medicamentos, de cuidados médicos. “Não, mas eu ouvi na televisão, dizer que eles
precisavam de tudo”. Tudo inclui luvas de lã. Bom, foi muito difícil depois explicar à
senhora que enviar um contentor por aqui, o espaço que o seu contentor ocupará,
será o espaço de outro contentor onde poderiam ir bens mais úteis, enfim, foi muito
difícil. Mas lá está isto para dizer que a comunicação para o apelo à cidadania, para
o apelo ao envolvimento das pessoas nestas questões, nomeadamente instituições
de ajuda humanitária de emergência, é verdadeiramente fundamental e cada vez
mais para educar, não consigo fugir do termo, mas para educar as pessoas para um
exercício correto de cidadania. Até porque o mau exercício da minha cidadania em
prol de outrem vai prejudicar também os direitos de cidadania da outra pessoa.
Portanto, eu que estou disponível para ajudar, eu que generosamente quero dar-lhe
o meu tempo e meus recursos e tudo o mais, tenho que perceber e tenho que ter os
elementos suficientes para isso, e não posso fazer de forma emotiva, tenho que
procurar raciocinar se aquilo que estou a fazer é de fato benéfico, e isso tem muito a
ver nomeadamente com a segurança alimentar e ainda pegando neste exemplo que
eu acabei de dizer, a senhora, foi que é muito mais importante hoje em dia, e no
caso concreto do Sri-Lanka e da Banda Achém que foi também na Indonésia
afetada. Banda Achém é uma das mil e duzentas ilhas da Indonésia que não foram
afetadas, e a Indonésia é um dos principais produtores de arroz do mundo e,
portanto, era absolutamente absurdo, enviar um contentor, como muitos se
disponibilizaram a fazer um contentor de arroz aqui, porque não, já que as pessoas
querem ajudar, não dão dinheiro, dinheiro esse que será usado por organizações de
confiança para comprar localmente o mais necessário. E assim, não só ajuda ao
destinatário, a pessoa, quem precisa de comer, mas favorece a economia local
também e reforçando assim as questões associadas à segurança e à soberania
alimentar.
CLARA: Como poderá então, a comunicação para o desenvolvimento contribuir
para a consolidação da segurança alimentar em sociedades pós-conflito?
PEDRO: Eu vou responder de uma forma muito Anistia. Porque a Anistia faz muito
aquilo que os anglo-saxônicos chamam o Name it and shame it, ou seja, usamos
muita comunicação para apontar o foco, luz da ribalta, para aqueles que estão a
violar os direitos humanos, para de alguma forma os envergonhar perante o resto do
mundo. E envergonhar, não porque estejam em violação do que deve ser, estão em
violação dos compromissos que eles próprios assumiram. Nós não confrontamos as
pessoas dizendo: olha, você deveria fazer isso, era bom que fizesse isso. Não. Você
169
assumiu este compromisso, está aqui a documentação que o comprova, e está a
violá-lo. Como é que é? E, portanto, a comunicação, nomeadamente para essas
questões da segurança alimentar, que tem muito a ver, nós sabemos, com a má
distribuição dos recursos e com o comportamento desenfreado de algumas
empresas, cujo sistema de accountability é muito difícil, porque, enquanto no estado
há interlocutores muito específicos, as empresas, agora distribuídas por aí, vem
esquemas complicados de holdings e de ligações aqui e acolá, não são tão
facilmente identificáveis, às pessoas a quem devemos nos dirigir, e a Anistia tem
trabalhado muito nisso, particularmente agora nesta campanha da dignidade e
procurar chamar à responsabilidade as empresas que trabalhando nestes países,
aqui nas sedes, nos países do norte, ostentam grandes certificados de
responsabilidade social, mas depois nestes países esgotam todos os seus recursos
naturais e exploram os recursos e as populações de forma totalmente irresponsável
e gravemente atentadora contra os direitos humanos. A comunicação, e isso, como
digo respondo muito, enquanto Anistia, é verdadeiramente fundamental, para
justamente ir apontando a luz para aqueles que não querem parecer violadores dos
direitos humanos, mas que estão o sendo, e para isso é fundamental ter realmente
mecanismos eficazes de comunicação, para poder trazer a público os elementos
suficientes para envergonhar ou apanhar em falso aqueles que vão contribuindo
para essas violações.
CLARA: Mais alguma observação que você gostaria de acrescentar a esse roteiro?
PEDRO: Não, assim de momento, não me ocorre nada.
CLARA: Então, muito obrigada.
170
APÊNDICE C - Entrevista com G – 18/11/2009
Relações Internacionais. Gerente do Instituto M (IM) para Angola,
Brasil e Cabo Verde.
I. Dados referentes à ajuda prestada.
1. CLARA: Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária/desenvolvimento,
realizadas por sua organização?
G.: O IM trabalha, sobretudo, ao nível de duas áreas, Cooperação para o
Desenvolvimento e Educação para o Desenvolvimento. Ao nível de cooperação para
o desenvolvimento trabalha em todos os países do espaço lusófono. Angola,
Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e príncipe, Timor Leste, Brasil e Cabo verde.
Em termos de áreas temáticas trabalhamos as áreas de desenvolvimento rural e
segurança alimentar, cooperação centralizada e boa governação, água e
saneamento básico, saúde e educação.
2. CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados?
G: Existem dificuldades em vários níveis, penso que os problemas muitas vezes
podem depender de questões meramente operacionais relacionadas com a
execução do projeto no terreno. Penso que uma das principais dificuldades prendese com a capacidade dos técnicos locais, mas, sobretudo, na área, de haver na
Cooperação para o Desenvolvimento, quadros técnicos superiores, devidamente
formados, com o conhecimento e experiência nesta área, assim como quadros
muitas vezes expatriados das organizações também com o devido conhecimento e
experiência nas diversas áreas que mencionei anteriormente.
CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos
implementados nos últimos dois anos?
G: O IM tem atualmente aproximadamente 31 projetos em 7 países. Obviamente
que a receptividade depende muito de quem também é o beneficiário. Os
beneficiários podem ser autoridades não estatais – e quando estamos a falar de
autoridade não estatais, estamos a falar de associações de base comunitárias,
ONGs, Sindicatos, e outros… ah, é, e outros… temos beneficiários também
autoridades, que são muitas vezes autoridades locais, portanto o caso de
administrações municipais, direções provinciais.
Ah… naturalmente que sendo autoridades não estatais ou autoridades locais
estatais, muitas vezes há uma diferença relativamente ao tipo de receptividade e
também ao tipo de projeto que se pretende desenvolver. Ah… isto para dizer que no
caso das autoridades locais, muitas vezes pode haver alguma resistência a
relativamente determinado tipo de ações, especialmente em alguns países, estamos
a falar na área da boa governação.
171
II. Dados referentes à importância atribuída à Comunicação
CLARA: Existe relevância na divulgação do doador?
G: Sim. Em termos da estratégia dos financiadores, e o IM trabalha, sobretudo com
dois principais financiadores: a Comissão Européia e a Cooperação Portuguesa
através do IPAD. Ah… para os financiadores a comunicação tem assumido um peso
crescente e todos os processos. Ah, até talvez quatro ou cinco anos atrás a
visibilidade era quase canalizada e limitante a existência da placa de identificação
das infraestruturas ou das áreas de investimento. Ah… auto-reclame ou um pouco
mais. Hoje em dia existem manuais de procedimento muito claros, que trabalham,
evidentemente, a visibilidade. E, inclusivamente, os projetos recentemente na
Comissão Européia, nos últimos doze meses, têm um manual de procedimentos
sobre a estratégia de comunicação do próprio projeto. Ou seja, alguns grandes
financiadores – no caso a Comissão Européia – sentiram que em algumas situações
ah… ahí face a outros financiadores, face a USAID, USA, ou a outras cooperações
bilaterais que acabaram por ter muito pouca visibilidade e houve, claramente, um
reajustamento no últimos anos no sentido de que cada projeto tem que ter uma
estratégia de comunicação. E ter uma estratégia de comunicação não apenas
voltada ao país receptor ou ao país beneficiário, mas também virado claramente
para a opinião pública do, ou para os contribuintes, neste caso, do país doador.
CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação?
GONÇALO: O (….) pronto, referindo-se a questão anterior, obviamente que a
comunicação assume um papel obrigatório. Mesmo todos os formulários da União
Européia, em agora o ponto visibilidade ou comunicação. Ah… mas, efetivamente,
assume um peso maior e este retrocesso ou esta maior aposta tem a ver com o
palco que recentemente (…) o palco que tem a ver com o Tsunami no sudeste
asiático, onde claramente a EU foi o principal financiador desta estratégia, onde a
fase de emergência e reabilitação e onde a USAID e os norte americanos, com a
CNN, com um investimento muito inferior, foram reconhecidos como sendo o
principal financiador da fase de emergência humanitária. E após, na reabilitação
tanto houve claramente uma… uma… uma maior conscientização do financiador
para que exista uma autoridade clara. Isto pode ser feito através de vários
instrumentos. Pode ser feito, por exemplo, através da criação de blogs e sites na
internet, relacionados com o projeto. Pode ser através da criação de eventos
específicos junto à mídia, quer utilizando rádios comunitárias quer utilizando mesmo
comunicados na imprensa escrita. Pode ser através de parceiros locais, utilizando as
TVs comunitárias, quer utilizando televisões¸ quer utilizando mesmo comunicados à
imprensa escrita e o tipo de iniciativa, onde claramente a visibilidade ao mais alto
nível, é requerida.
CLARA: Existe possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o
uso da comunicação?
G: Eu penso que normalmente há por parte do financiador aqui uma idéia, ou existia
esta idéia de que há, pode haver um projeto muito bom, implementado do ponto de
vista técnico, mas se tiver má comunicação ou má visibilidade é um péssimo projeto.
Por sua vez pode haver um mau projeto, com fracos resultados, mas que se tiver
172
uma excelente estratégia comunicação, muitas vezes pode ser considerado com um
excelente projeto. Isto para dizer que eu penso que a comunicação não é um fim em
si mesma, e existem a nível dos projetos, mecanismos de consulta, de consertação,
de diálogo e de avaliação, por parte dos próprios beneficiários do projeto. Por sua
vez pode haver um mau projeto, com fracos resultados. Mas se tiver uma excelente
estratégia de comunicação, muitas vezes pode ser considerado como um excelente
projeto. Isto para dizer que eu penso eu que a comunicação não é um fim em si
mesma. É obviamente essencial, especialmente a parte que a financia, mas não
vejo que diretamente tenha um resultado. Ah… sobre os resultados do projeto. A
não ser que se crie um blog ou um site informativo num próprio projeto e que isto
permita a interação com diversos atores – não apenas a nível nacional, como a nível
internacional, que possam dar feedback, que possam dar comentários, propostas,
sugestões, recomendações, para o próprio projeto, e que haja ali um espaço,
interativo, de debate e discussão, e de reflexão sobre isto. Mas, a comunicação
propriamente ah… ou pensando que a comunicação é sinônimo de visibilidade, não
vejo que tenha um impacto maior sobre o projeto.
III. Dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados nos
últimos dois anos.
7. CLARA: Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos
projetos?
G: Existe, evidentemente, uma regra ou uma rubrica específica que é visibilidade,
não se chama comunicação. E, ah … é possivelmente nesta rubrica de visibilidade
nos orçamentos na qual são apresentadas as diversas iniciativas.Ah … o peso tem
sido crescente em resultado, como eu disse anteriormente. Ah… antigamente, se
calhar, num projeto de quinhentos mil euros 2 ou 3 mil euros seria um valor
considerado razoável para a comunicação. Hoje em dia devido ao fim de recursos
de iniciativa mais que são necessárias, esta verba poderá ascender aos três, quatro
ou conco por cento. Um exemplo concreto: vamos fazer um documentário em
Angola e Guiné Bissau ou qualquer outro país, sobre um projeto e os resultados.
Queremos entrevistar não apenas os beneficiários. Queremos entrevistar também as
autoridades locais e o financiador. Queremos compreender o projeto e o impacto
que este projeto teve. Isto requer, evidentemente, a utilização de mais audiovisuais,
bastante mais exigentes e de custos também eles superiores.
8. CLARA: Houve planeamento de comunicação estratégica para os projetos
realizados?
G: De parte do Instituto o Departamento de Comunicação ou o setor de
comunicação, tem menos de três anos.Mas, efetivamente, responder a necessidade
de não, não dar maior visibilidade ao projeto, mas dar a conhecer às pessoas o
trabalho que nós desenvolvemos. E o IM não tem, necessáriamente, na política de “
famraizing” ao nível do setor privado,e esta estratégia notadamente é utilizada muito
por organizações que assentam uma parte do seu finaciamento no famrazing em
iniciativas.
Ao nível nacional, para captar financiamento adicional claramente, hoje em dia, e em
cada projeto mais obrigatóriamente tem que ter uma comunicação estratégica, como
referi anteriormente.
173
9. CLARA: Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um
projeto? Se sim, qual é a mais frequente?
G: Sim. Nós por regra temos a apresentação de uma brochura informativa sobre o
projeto.Esta brochura tem por objetivo informar em primeiro lugar o local do
projeto,a duração, os objetivos, as atividades, os resultados, quem financia,o
contexto do própri projeto e o enquadramento. E nós utilizamos por regra um suporte
simples de brochura de apresentação do projeto.
10. CLARA: Houve divulgação aos benefíciários dos resultados dos projetos
realizados?
G: Sim. A idéia é claramente que nalguns projetos interligados formam uma
estratégia de ação,numa determinada área geográfica.Portanto o projeto por si é
mais uma ferramenta para o desenvolvimento. Estratégia a médio e longo prazo, na
ótica do IM e existem a nível dos projetos mecanismos de consulta de consertação,
de diálogo e de avaliação por parte dos próprios beneficiários do projeto. E podem
ser comitês de avaliação, podem ser assembléias gerais de balanço, uma estratégia
sobre o projeto, ou sobre determinado onde o Instituto apresente as atividades, os
resultados, mas onde os próprios beneficiários também atingiram, de forma como
encaravam o projeto. Isto afeta a nível não apenas dos atores não estatais, mas ao
nível das autoridades locais.
11. CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes?
G: Nós tentamos ser criativos e o tipo de suporte que utilizamos, tentamos que
sejam progressivamente inovadores. Ah, efetivamente nos temos sentido ao nível do
IM, nos últimos anos, que talvez tenhamos começado com o suporte de
comunicação bastante simples,como me referi, a brochura, mas hoje em dia
tentamos avançar com o suporte, passando por blogs, site na internet, que permite
maior interatividade ao nível local e ao nível de todos os atores que sejam
partidários da área de intervenção do projeto. Ah, como ao nível dos documentários,
como ao nível de fotografias, ah… o audiovisual, como imprensa escrita. Tentamos
ver, tentamos, se assim quer, sofisticar um pouco o suporte da publicação, para
serem também mais atrativos, serem doadores, mais criativos também
(…) Neste aspecto conseguem claramente captar mais atenção do que nós
queremos… em lugar que a informação em relação a que pretendemos passar uma
mensagem com a comunicação.
Perguntas relativas À Comunicação para o Desenvolvimento
CLARA: Existe necessidade por parte do IM de introduzir a Comunicação para o
Desenvovimento nos projetos?
G: Cada projeto, como me referi, tende a ter cada vez mais a sua estratégia de
comunicação.Podemos considerar que esta necessidade, inicialmente, terá sido algo
instrumentalizado ou proposto pelos financiadores. Ah, no entanto, efetivamente,
traz mais valia que é uma forma de o projeto financiador compreender melhor o
trabalho que se está a desenvolver.
Ah, penso que hoje em dia,a comunicação nos projetos apresenta uma lógica de
propaganda. Uma lógica de informação e, claramente, muitas vezes confunde-se
com divulgação… com comunicação e divulgação. Mas existe, efetivamente, a
necessidade e todo e qualquer projeto deve ter uma estratégia de comunicação.
CLARA: Que resultados são esperados nas ações de Comunicação para o
Desenvolvimento que pressupõe a participação
174
G: O que nós procuramos fazer, nos vários suportes é, em primeiro lugar, com
relação às comunidades ou os beneficiários e na apuração destes instrumentos de
comunicação. Se estamos afalar do blog, o blog é muito rápido, passado para a
organização, o beneficiário assiste o desenvolvimento do blog, assiste a uma ação
mais tecnológica, mas a introdução conteúdo, a atualização do blog, ah… e parte
claramente da organização beneficiária do próprio beneficiário. Obviamente a
organização não é evidentemente uma parceria onde mesmo a própria estrutura da
ferramenta de conunicação éobtida. Isto é uma das formas. A outra é a restrição e
passa por apresentar parte de um produto específico e as o vital, finalmente é obter
o filme. como ele pode ser melhorado, como ele pode ser alterado. E, bem, sempre,
infelizmente, a visão é do beneficiário, neste caso, ou seja e se elesrelamente …Ah,
reflete aquilo que a mensagem de comunicação que estamos a passar.
CLARA: Quais são as limitações de Comunicação para o Desenvolvimentonos
projetos implementados?
G: Ah, muitas vezes pode passar efetivamente pela questão das verbas necessárias
em termos de comunicação. A comunicação é uma área que exige alguns recursos
financeiros reservados. E isto leva a pensar em alguns países onde a existencia de
máquinas gráficas ou câmeras de filmar ah…. Requerem um processo administrativo
ou b urocrático, portanto, exigente. E que exista algum ponto ou sobre também
aquilo que nós podemos ou não podemos filmar, o que podemos obter em termos de
imagem, de som. Portanto, em alguns países, efetivamente, não é fácil entrar no
âmbito e passar a alfândega tendo equipamento de som e imagem. Isto passar-se
como mesmo que se solicite previamente a autorização às devidas organizações
que tutelam efetivamente, os meios de comunicação. Como sabemos, em alguns
países, nem sempre os meios de comunicação são totalmente livres. Vimos que
podem ser considerados uma ameaça.
Dados sobre a contribuição da Comunicação para a difusão dos Direitos Humanos e
a garantia da segurança alimentar.
CLARA:Como pode contribuir
G: Depende muito do tipo de comunicação que seja feita e escolhendo e nós temos
exemplos muito práticos de projetos na área de segurança alimentar onde a
comunicação, ainda com meio semi-amadores, conseguimos desenhar uma
estratégia de comunicação para alertar sobre, não apenas ao nível de apresentação
sobre o que é o projeto, os resultados e as atividades, mas, sobretudo, é
internamente ao nível das próprias comunidades. Ou seja, na Guiné, por exemplo,
existem as rádios comunitárias e, mais recentemente, o Instituto de
Desenvolvimento, com os parceiros locais e a televisão comunitária. E a televisão
comunitária é uma forma em valor de grande atração por parte das populações de
poderem receber mensagens, por exemplo, relativamente a gestão de pragas. Ah,
por exemplo, a praga, a mosca… ora, nós podemos criar suporte de comunicação
através de rádio, através dos meios de comunicação, mas, por exemplo, através da
televisão, a começar a televisão, através de pequenas emissoras que nós fazemos a
emissão. A emissão com um raio de 50 quilômetros atinge várias televisões
espalhadas, ou seja, pelas aldeias onde a própria televisão comunitária produz
programas informativos para, por exemplo, divulgar qual é a melhor altura para fazer
a adubação orgânica, qual é a melhor altura para combater a mosca da fruta, ou
175
qual é a melhor altura para efetivamente iniciar a colheita, porque existe, a
efetivamente ao nível do mercado, da procura, ver o período exato.
A comunicação também serve muito e talvez tentando uma especial é de ser a nível
dos próprios projetos como forma de passar a mensagem aos beneficiários.
CLARA: Poderá a Comunicação para o Desenvolvimento contribuir para …..
GONÇALO: A Comunicação para o Desenvolvimento, sim, e em duas vertentes. Em
primeiro lugar porque a comunicação entendida como visibilidade ou informação é
uma forma de fazer meio lobby sobre o financiador e sobre a importância de
financiar o projeto e receber doações. E, portanto, é claramente uma ferramenta de
pressão. Ah, o financiador que decide em um múltiplo espaço de tempo e com
dados, pode visualizar e compreender melhor a atual situação do terreno ou de
determinada área geográfica. Portanto, tem este papel, a comunicação tem o papel
de lobby muito forte. Evidentemente neste aspecto, por outro lado, me referia, penso
que há todo um conjunto de informações práticas onde envolve segurança alimentar.
Ah….que podem passar pelos tais meios de comunicação ou meios locais,
comunitários.
176
APÊNDICE D - Entrevista com Joâo José - 18/11/2009
Filósofo e Sociologo – Diretor da OIKÓS - Portugal
CLARA: Entrevista Oikós, 18 de novembro. Dados referentes à ajuda prestada.
Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária e desenvolvimento utilizadas
pela sua organização?
JOÃO JOSÉ: Oikos trabalha como tradicionalmente como as organizações nãogovernamentais no desenvolvimento, no âmbito de uma articulação entre
intervenções da ação humanitária, de emergência e intervenções de
desenvolvimento complementadas sempre por um trabalho ligado à sensibilização
ou educação para o desenvolvimento, que hoje chamamos mais por educação para
cidadania global e ações de influência pública. Portanto a Oikos orgulha-se de
habitualmente ter um leque integrador no âmbito da suas intervenções. Agora,
obviamente que cada intervenção tem uma especificidade. Portanto quando
trabalhamos numa situação de emergência embora procuremos dar-lhe uma
continuidade a médio e longo prazo, essas intervenções têm uma especificidade
própria, porque podem ser situações que, por exemplo, implicam em uma maior
neutralidade do que obviamente uma ação de influência pública, onde advoga-se
que é exatamente o contrário. Portanto nós estamos conscientes de que há
momentos da nossa intervenção, totalmente distintos e que obviamente devem ser
mantidos assim pela especificidade de cada uma das intervenções. Do ponto de
vista da ação humanitária, a Oikos intervém fundamentalmente em resposta às
situações de emergência, sobretudo catástrofe natural. Ou no passado,
principalmente em países lusófonos que tiveram conflitos civis como foi o caso de
Angola, o Timor-Leste e de Moçambique. Aí sim intervimos também do ponto de
vista de uma suposta situação de guerra. Neste momento concentramos todas as
nossas intervenções de ação humanitária fundamentalmente em países de grande
vulnerabilidade social e ambiental. Ou seja, Moçambique e América Central e
também Cuba, mas, sobretudo, Moçambique e América Central e uma intervenção
do ponto de vista humanitário que cada vez tem mais, ou é mais valorizada na Oikos
e o que nós chamamos em inglês: Disasters Preparedness. É a preparação das
catástrofes na medida em que a nossa experiência diz-nos que se nós tivermos uma
intervenção, quer no âmbito dos projetos de desenvolvimento, quer no âmbito dos
projetos humanitários, de preparação das comunidades locais para eventuais
catástrofes, sobretudo em zonas de grande vulnerabilidade, nós conseguimos com
efeito, reduzir muito o impacto das situações de emergência. E por isso, essa
também é uma nova ação da Oikos.
CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados?
JOÃO JOSÉ: Sim, existem sempre dificuldades. Dificuldades são de várias ordens.
Em primeiro lugar porque em muitos países onde o Oikos atua existem dificuldades
até do ponto de vista logístico, como é evidente, até as dificuldades do ponto de
177
vista da governação das instituições e das instituições democráticas. Portanto, essas
situações configuram uma dificuldade precisa. Uma outra dificuldade com que nos
deparamos em alguns outros países é a debilidade da sociedade civil e, portanto,
obviamente que nem sempre nós conseguimos encontrar parceiros ou locais com os
quais possamos estabelecer uma relação duradoura, sem a necessidade de termos
um perfil demasiado operativo. Portanto, obviamente que nossa intervenção e a
qualidade da nossa intervenção também depende muito da qualidade dos parceiros
com quem trabalhamos. E obviamente que difere de país para país e também dentro
do país de região por região e tem a ver com um pouco a tradição das próprias
organizações e instituições do país. Depois temos outros tipos de dificuldades
estruturais, que tem a ver com a pouca tradição de Portugal em termos de
cooperação internacional e da ajuda humanitária. Portugal foi o último país, um dos
últimos países europeus a descolonizar-se, tem uma história recente de cooperação,
tem uma sociedade civil relativamente débil e, portanto não há muitos recursos
humanos portugueses que tenham experiência em termos de ajuda humanitária e de
cooperação para o desenvolvimento. O que, obviamente, coloca aqui, logo a partida,
uma dificuldade acrescida. É frequente que nós não consigamos preencher vagas
de recursos humanos, temos que fazer procura internacional e deparamos,
obviamente, com um diferencial de capacidade de contratualização entre entes
internacionais ou entes europeus e os entes em Portugal, porque nós não temos
recursos que permitam facilmente contratar recursos humanos a nível internacional.
Antecede uma dificuldade que também existe. Existe uma terceira dificuldade, que
eu diria que tem a ver com a interface, de uma ligação entre a sociedade civil, as
organizações da sociedade civil e o mundo acadêmico. Existe uma fraca ligação e
quando as universidades, por exemplo, trabalham em projetos de investigação
ligados às questões do desenvolvimento, raramente o fazem indo de encontro às
necessidades das organizações não-governamentais. E também, quando as
organizações não-governamentais procuram as universidades, nem sempre o
sabem fazer. Portanto, há aqui também uma grande dificuldade do ponto de vista
institucional, o que muitas vezes dificulta a criação de massa crítica e de
conhecimento. E até existe uma divisão do conhecimento e de aprendizagem que
pensamos que é muito importante na vida das organizações. Então, essas seriam as
grandes dificuldades que nós enfrentamos.
CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos
implementados nos últimos dois anos?
JOÃO JOSÉ: Eu creio que de uma forma geral, a receptividade é boa, desde logo
porque a Oikos não se impõe. A Oikos normalmente, mesmo quando é em resposta
a uma ação de urgência e, portanto, em que não há muito tempo útil de preparação
do projeto, o projeto tem de ser preparado de uma forma muito rápida, fazemos
habitualmente em articulação com parceiros locais que trabalham com estas
comunidades ou então respondemos em zonas onde a Oikos já tem uma presença e
um conhecimento das comunidades bastante razoável. E de uma forma mais geral,
prezamos muito o envolvimento dos beneficiários na própria formulação das
propostas e dos projetos e, portanto, isso é também um fator a reter. E de um modo
geral, procuramos ao longo do projeto ir avaliando até que ponto é que a resposta
que foi desenhada corresponde às expectativas dos beneficiários, porque muitas
vezes há, e, sobretudo, aqui no caso dos projetos de desenvolvimento podem ser
formulados hoje e se calhar, aprovados daqui a um ano e iniciam daqui a um ano e
178
meio, obviamente que muitas vezes o tempo que passou é demasiado, a própria
comunidade se vai alterando e exige que existam instrumentos, que a própria
organização não tenha, como fazer um outro levantamento nas bases, um
envolvimento novamente dos stakeholders e da comunidade. Tanto é, que se
procura fazer este tipo de envolvimento no sentido de ir aferindo ao longo da vida do
ciclo do projeto, qual é a reação dos beneficiários, de forma a ir de encontro à
satisfação das suas expectativas. Agora, não podemos esquecer que o Oikos
trabalha também com financiamentos internacionais, sobretudo, financiamentos da
União Européia e de outras instituições, que tem uma agenda muito clara também,
em relação aos seus financiamentos. E notamos que nem sempre é fácil
compatibilizar os interesses estratégicos destas instituições de doadores
internacionais com aquilo que são as expectativas das comunidades beneficiárias. E
que é sempre necessário fazer, digamos, uma estratégia de adaptação e de
negociação que possa ir de encontro aos interesses dos vários stakeholders
sabendo a partir daí de que muitas vezes eles não são idênticos. E, portanto, há
aqui que ter uma capacidade de negociação, porque não só não são idênticos, como
muitas vezes, quase são contraditórios. Portanto, cabe às organizações como Oikos
ter essa apreciação e tentar negociar a contento das partes, para que efetivamente,
aquilo que é o interesse dos beneficiários prevaleça, face a quem tem o poder de
financiar os projetos, mas também, digamos, utilizando uma transparência total, por
forma a não colocar em risco a relação com os doadores (...) da estratégia.
CLARA: Agora dados referentes à importância atribuída à comunicação. Existe
relevância na divulgação do doador?
JOÃO JOSÉ: Obviamente que quando nós estabelecemos um contrato com um
doador ou com um financiador institucional, temos por obrigação uma transparência
que em face à origem do recurso e essa transparência deve levar-nos a comunicar,
que era origem do fundo, quais são os objetivos por parte do financiador ao apoiar
um determinado projeto. Agora, tem havido ao longo da história, alguma confusão
em relação àquilo que é comunicação e aquilo que é eu diria, visibilidade ou quase
publicidade. E Oikos, habitualmente é bastante reticente a algum tipo de publicidade
que é feita aos financiadores, porque muitas vezes inclusive, fere a suscetibilidade
local, a cultura local e pode, inclusive, ser contraproducente, principalmente quando
se trata de situações humanitárias de emergência ou de conflito na comunidade.
Então, aquilo que nós procuramos fazer é avaliar em cada momento, qual é o
melhor suporte para a comunicação. Se o melhor suporte de comunicação é
realmente ter um logotipo, digamos, do doador ou, se pelo contrário, é no trabalho
comunitário, em informar os beneficiários da origem dos fundos, de quem é a
responsabilidade da gestão, de quem foi a decisão, do porquê da decisão. E aqui, a
um primeiro nível de comunicação. E depois em tudo, em relatórios e publicações
que a Oikos faça, obviamente, na prestação de contas, sermos claros em relação à
origem dos financiamentos da própria organização. Agora, reconhecemos que temos
muito a melhorar em termos de comunicação, sobretudo comunicação dirigida não
tanto na comunicação que é dirigida aos beneficiários ou aos financiadores, mas
uma comunicação que é dirigida à comunidade em geral. E aí, efetivamente, há
sempre um dilema, que é o dilema dos recursos. A comunicação, normalmente, para
chegar no âmbito do pico midiático duma emergência, por exemplo, é fácil, porque
os meios de comunicação social disponibilizam de forma gratuita. Passados seis
meses ou passados dez anos, quando a Oikos está a prestar contas, temos que
179
pagar para prestar contas. E, portanto, obviamente que sempre as decisões têm que
ser tomadas em relação aos próprios meios que a organização disponibiliza. E
coloca ao dispor em termos de investimento em matéria de comunicação. Mas é
efetivamente, uma preocupação que nós temos que ter, por uma boa gestão da
relação com o próprio financiador, mas não pondo em risco nossa relação com o
beneficiário. Esta vem sempre em primeiro lugar, e já várias vezes, tivemos que
expressar exatamente aos doadores, algumas dificuldades em termos de tipo de
suporte de comunicação que eles pretendem, exatamente porque, por vezes, pode
ser ofensivo ou mal interpretado por parte da comunidade beneficiária.
CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores, à comunicação?
JOÃO JOSÉ: Muita e cada vez mais. E, sobretudo, que essa comunicação tenha,
digamos, uma amplitude bastante grande e, portanto, que seja desde a
comunicação aos beneficiários até a comunicação à sociedade civil e aos opinionmakers da sociedade de origem do próprio doador. Portanto, isso exige cada vez
mais uma estratégia de comunicação profissionalizada, com uma grande relação
com os meios de comunicação social, porque, efetivamente, os próprios doadores
também têm uma consciência que a comunicação é uma ferramenta da sua própria
transparência para com a sociedade. Já, se é um Estado, quem paga impostos, se é
uma instituição regional, como a própria União Européia, também para com os
estados membros, que contribuem para o orçamento da Comissão Européia,
portanto, há sempre uma atenção muito especial dos doadores à comunicação.
CLARA: Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o
uso da comunicação?
JOÃO JOSÉ: Sem dúvida, a comunicação deve ser uma estratégia e os
instrumentos de comunicação devem ser ferramentas, estar presentes em todo ciclo
do projeto. Não é possível fazer desenvolvimento comunitário, não é possível fazer
mobilização comunitária numa ação de emergência, sem uma adequada
comunicação. Portanto, nós achamos que a comunicação com a comunidade, com
os beneficiários é fundamental, porque muito do nosso trabalho não é propriamente
o de mera transferência de recursos ou transferência de tecnologia, tem a ver com a
formação, a capacitação, o empowerment e isso é tudo conseguido através de
ferramentas de comunicação. E se não existir essa comunicação, provavelmente
não vamos conseguir os resultados pretendidos. Por outro lado, a comunicação é
também fundamental na gestão da relação com os vários stakeholders, ou seja, com
as partes interessadas, ou seja, não necessariamente só com os beneficiários, não
necessariamente só com os financiadores. Mas normalmente há uma série de atores
que, ou vivem na comunidade ou tem uma relação com a comunidade, ou por vezes,
até podem ser nossos parceiros, mas não naquele projeto em concreto. Ou podem
ser simplesmente nossos competidores, digamos assim, na medida em que também
competem por fundos. Essa comunicação é fundamental para criar alianças e por
outro lado para gerir possíveis conflitos, e até antecipar essa conflitualidade. Por
isso a comunicação não é só informação, é também negociação se quisermos, de
interesses quer com a comunidade quer com as partes interessadas. E, portanto, a
Oikos está muito consciente desse papel que a comunicação pode desempenhar.
180
CLARA: Agora, dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos
realizados pela Oikos nos últimos dois anos. Existe verba destinada às ações de
comunicação nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual motivo? Se sim, qual
percentual de recursos foi investido em comunicação?
JOÃO JOSÉ: Obviamente que o que a Oikos procura fazer é no momento de
orçamentação de um determinado projeto, incluir uma verba para a comunicação e
visibilidade. E normalmente essa verba, no âmbito daquilo que o típico financiador
com o qual nós nos relacionamos, está previamente, mais ou menos estipulado em
termos percentuais...
CLARA: Qual seria esse percentual?
JOÃO JOSÉ: Eu não sei dizer qual é o percentual, mas é uma coisa bastante
reduzida, do ponto de vista do percentual. Portanto, enfim, não sei dizer neste
momento, mas até depois, posso dar esse dado, enfim, olhando para os números
em concreto. Agora, eu diria que também a comunicação está muito presente em
outras rubricas do orçamento, que não são as verbas de visibilidade de
comunicação. Normalmente, quando nós olhamos para um orçamento, tentamos
verificar os recursos de comunicação somente naquilo que são as verbas mais para
visibilidade ou para contato com jornalistas ou meios de comunicação social ou para
produção de materiais gráficos, etc. Mas há outras rubricas do processo que são
tidas em conta, em termos, como eu diria, comunicação com os stakeholders e com
os beneficiários e normalmente, aparecem verbas provavelmente que estão sob
uma categoria de formação, mas que tem muito do trabalho da comunicação.
Também o Oikos em termos gerais, independentemente do projeto, procura
obviamente manter comunicação com os seus stakeholders. Temos uma pessoa
contratada tempo inteiro para a comunicação e outras que vão assistindo nesse
trabalho. E que, digamos, tem a ver com custo para a organização e que não é
coberto por projetos. É um custo assumido, na medida em que hoje qualquer
organização deve ver a comunicação como forma de transparência. E, portanto, é
fundamental que assim seja. Agora, aquilo que a Oikos gostaria que acontecesse é
que, por parte dos financiadores, houvesse uma capacidade de compreender a
comunicação de uma forma mais ampla e não tão restrita como eu falava em
relação à visibilidade do próprio financiador. Porque não é por ter um logotipo do
financiador na parede de um centro comunitário, que a comunidade e a sociedade
de origem do financiador, vão perceber a importância daquele centro comunitário.
Provavelmente fazer um estudo de caso, colocar num artigo de uma revista, de um
jornal de grande tiragem, um comentário por parte do responsável da comunidade
local tem muitíssimo mais impacto do que todos os logotipos do financiador. E isso
nem sempre é compreendido, penso começar a haver uma evolução positiva nesse
sentido, temos que caminhar para aí. A comunicação tem que ser vista, não como
uma mera ferramenta de publicidade, mas muito mais no âmbito do marketing social,
como tentar efetivamente sensibilizar a sociedade. Seja, aquela que é do setor de
ajuda, seja aquela de forma paga essa ajuda para a relevância da comunicação para
o desenvolvimento e da ajuda humanitária, nos casos em que seja ajuda
humanitária. E, portanto, temos que pensar outro tipo de ferramenta de
comunicação, mas nem sempre existem recursos e temos que estar constantemente
a negociar com os financiadores a autorização dessas verbas.
181
CLARA: Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um
projeto? Se sim, qual é a mais frequente?
JOÃO JOSÉ: Bom, a prioridade por parte dos financiadores é fundamentalmente
que fique claro...
CLARA: Isso, nós nos referimos aos projetos realizados pela Oikos nos últimos dois
anos.
JOÃO JOSÉ: OK, bom, em relação à nossa prioridade de comunicação, tem dois
objetivos: um é a transparência e, portanto, para nós é importante comunicar quais
os recursos utilizados pelo projeto, quais os objetivos e quais os resultados a
alcançar e no final, quais os resultados alcançados, ou seja, a Oikos tem uma noção
de accountability, de prestação de contas, que não tem a ver meramente com uma
noção restrita de contas financeiras. Para nós é importante chegar ao fim de um
projeto e comunicar se obtivemos resultados ou não. E não estou a falar da
comunicação do relatório técnico que vai para a União Européia e só o burocrata
que o lê. Estou a falar de fichas para o projeto, muito simples, que vão para
jornalistas, que vão para o nosso site, que vão para a nossa mailing list, que são
dados aos beneficiários, etc. Exatamente com a descrição dos objetivos, dos
resultados atingidos, com métrica, com aquilo que foi conseguido, com aquilo que
não foi conseguido. Esse é um tipo de objetivo que nós temos sempre, logo desde o
início, para a comunicação da Oikos. O segundo tem a ver com o explicar, do ponto
de vista sobretudo da sociedade civil, qual é a relevância daquele projeto, não tanto
na dimensão projeto em si mesma, mas na dimensão da causa para a qual o projeto
está a trabalhar. Imaginamos que é um projeto de segurança alimentar, aquilo que
nós pretendemos comunicar não é somente que vai haver 500 famílias que vão ter
uma fonte de rendimento melhorada, uma fonte nutricional melhorada, uma maior
segurança alimentar. Pretendemos também com essa comunicação, alargar o
âmbito da comunicação, no sentido de demonstrar a relevância das estratégias de
segurança alimentar e a importância da agenda da segurança alimentar, e de
investimentos em termos de agricultura da segurança alimentar no desenvolvimento
rural. Se é um projeto de água e saneamento, a mesma coisa, tratar as questões da
água e saneamento no mundo e não apenas no nosso projeto. Portanto, nós
procuramos vincular a comunicação que fazemos nos projetos também a toda uma
estratégia de educação para a cidadania global, como eu falava. E daí, procuramos
integrar na nossa comunicação essa dupla vertente. Ou seja, uma vertente muito
ligada ao concreto do projeto, mas uma vertente também ligada à mudança de
mentalidades, à educação para a cidadania global. E por vezes a influência de
políticas públicas, na medida em que a influência das políticas públicas também não
deve ser feita somente com base em argumentos técnicos, tem que ser feita
também com base na realidade das pessoas e a realidade das pessoas existe na
dimensão local, ao nível do projeto concreto.
CLARA: Eu tenho uma outra pergunta, que eu acredito já tenha sido respondida.
Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados, nos
últimos dois anos?
JOÃO JOSÉ: Sim, essa é uma preocupação que a Oikos tem, ainda diria que hoje é
uma exigência que todos devemos ter, até porque, se a Oikos preza uma relação de
182
longo prazo com os próprios beneficiários. Seria falhar nessa relação se não
comunicássemos ao fim de um projeto, resultados em concreto. E também porque a
estratégia de envolvimento assim o exige, ou seja, a Oikos coloca-se numa posição
em que, independentemente da vontade do coordenador do projeto, seja mais próativa ou menos pró-ativa tenha maior capacidade de comunicação ou menor
capacidade de comunicação, como ao longo do ciclo do projeto, a Oikos vai dando
um certo empowerment, um certo poder à comunidade local. A própria comunidade
local, ela reivindica que isso aconteça.
CLARA: Existem limitações referentes à comunicação, que tenham sido recorrentes
nos projetos dos últimos dois anos?
JOÃO JOSÉ: Certamente existem muitas limitações. Primeiro, limitações de
recursos para a comunicação são habitualmente escassos, exatamente porque os
financiadores normalmente valorizam muito apenas os aspectos de visibilidade e
menos aquilo que é o investimento numa estratégia de comunicação. Segundo,
porque, daquilo que é ampliação de comunicação, sobretudo na sociedade de
origem, é muito mais fácil de fazer essa comunicação, no orçamento de uma ação,
do que na prestação de contas dessa ação. Como eu dizia, enquanto eu consigo
colocar uma campanha, título gratuito nos jornais, não consigo colocar uma
prestação de contas gratuita nos jornais. É um contrassenso, vamos dizer assim,
jornalistas ou os meios de comunicação social, normalmente são muito prontos a
apoiar, solidarizarem-se, mas depois a prestação de contas é uma coisa cinzenta e,
portanto, nem sempre é tão fácil. Talvez também, porque, existe estruturalmente
uma dificuldade dentro da (...) e também da Oikos, em trabalhar essa comunicação
de forma a torná-la mais atrativa e, portanto, nós temos que ter suportes de
comunicação que vão desde a comunidade. São suportes muito, muito simples,
muito diretos e muito de mobilização social. Temos de tratar da comunicação em
suportes muito tecnocráticos. Ou seja, um relatório técnico para um financiador,
depois ainda temos que trabalhar essa informação para um público em geral, que
está provavelmente há 10.000 quilômetros do local onde nós estamos a trabalhar e
que não conhece o país, não conhece a cultura do país, não conhece a história do
país e, portanto aí, obviamente é muito difícil. Porque exige que com os poucos
recursos humanos que a Oikos tem, consiga ter um discurso adequado a cada
público e também aí, muitas vezes a falta de ligação aos meios quer acadêmicos,
quer o setor privado, que já burilaram muito as estratégias de comunicação e de
marketing, por vezes falta. É uma coisa que tentamos melhorar, nos últimos anos,
porque sabemos que muitas vezes, se não somos tão efetivos a nos comunicar, não
é por falta de vontade ou até de estratégia, é simplesmente porque não fizemos os
meios da forma adequada e, portanto, aí temos que reconhecer que há um longo
percurso.
CLARA: Agora, dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. Existe a
necessidade de introduzir ações de comunicação para o desenvolvimento nos
projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por quê?
JOÃO JOSÉ: A Oikos enfim, engloba aquilo que é comunicação para o
desenvolvimento, como eu diria, em dois momentos distintos. Um, que são as
estratégias de comunicação vistas como uma metodologia de trabalho comunitário.
E aí ela dever ser vista, sobretudo, em termos daquilo que é o empowerment da
183
própria comunidade. Portanto, utilizando toda uma linha de metodologias que
permitam esse empowerment. Uma linha de comunicação também, ainda, ao nível
do projeto de intervenção no terreno, mas que já vem a um nível um pouco mais
amplo, que tem a ver com a comunicação para os stakeholders e para as partes
interessadas, com essa dupla dinâmica de informação e envolvimento, ou tripla:
informação, envolvimento e situações de conflito, ou prevenção de conflitos,
digamos. Que podem surgir, porque um projeto trás uma dinâmica, trás recursos e
como tal, tem também interesses, uma agenda e, portanto, obviamente que esses
interesses e essa agenda tem que ser consensualizados por vários stakeholders,
caso contrário pode haver algum nível de conflitualidade. Portanto a comunicação
deve desempenhar um trabalho importante. E um terceiro nível, que é a integração
da comunicação naquilo que nós chamamos a educação para o desenvolvimento ou
educação para a cidadania global. Portanto, aí também é uma preocupação que a
Oikos tem há muito tempo, sendo que aí a comunicação é uma ferramenta muito
mais pedagógica e que utiliza se quisermos, alguns instrumentos muito ligados às
ciências da educação e ao marketing social. E, portanto, é uma comunicação um
pouco diferenciada em face aquilo que são os dois primeiros níveis, o nível
comunitário e o nível das instâncias tecnológicas.
CLARA: Que resultados são esperados nessas ações de comunicação?
JOÃO JOSÉ: Bom, em primeiro lugar, a um nível comunitário é o envolvimento e a
participação dos beneficiários. O envolvimento e encontrar alianças estratégicas que
permitam ampliar a escala do projeto e os benefícios dos projetos, com outros
parceiros e com outros aliados. Portanto, isso é fundamental. A prevenção de
conflitos é um outro resultado que nós reputamos e a gestão de risco, se assim
quisermos, com os vários stakeholders, com resultado da comunicação que nós
procuramos obter. E finalmente ao nível daquilo que é a comunicação integrada nos
programas de educação para o desenvolvimento e educação para a cidadania
global. E é claramente a mudança de mentalidades, a transmissão de um
conhecimento às pessoas que permita compreender quais são os mecanismos que
permitem o desenvolvimento ou que provocam o subdesenvolvimento, a justiça
social, as questões da desigualdade, as questões de equidade. E é todo um trabalho
mais pedagógico, portanto, tentamos fundir aí com ferramentas enfim, mais ligadas,
como eu dizia, às ciências da educação e da comunicação.
CLARA: Quais são as limitações das ações
desenvolvimento nos projetos implementados?
de
comunicação
para
o
JOÃO JOSÉ: Eu diria que no âmbito dos projetos, as limitações têm a ver com
vários fatores. O primeiro é que habitualmente, quando se constituem equipes de
trabalho, privilegiam-se muitas vezes, aquelas que são as componentes técnicas
dos recursos humanos. E efetivamente, muitas vezes não se tem tanta atenção ao
perfil de comunicador a alguém dentro da equipe. Portanto, existe alguém no
primeiro nível, dentro da delimitação que é a própria capacidade dos recursos
humanos, em saber comunicar. E aí, penso que é um trabalho de ser feito. O
segundo é, muitas vezes, em alguns países, em algumas comunidades, seja em
situações de emergência e de potencial conflito, onde é necessário ter muita
atenção àquilo que se comunica, para não por em risco os beneficiários. Para não
entrar em contendas no local. Portanto, aí há uma limitação muito objetiva. Ou, seja
184
em projetos de desenvolvimento que são muito enfocados nos direitos econômicos
ou sociais e onde realmente há um empoderamento da comunidade local, o que
normalmente significa uma maior capacidade de exigência em face ao poder
público, ao setor privado, a outros stakeholders. Portanto aí, a comunicação acaba
por ser uma ferramenta de poder, e como tal, também existem limitações que são
impostas. Porque obviamente é necessário gerir todas essas relações. Eu diria que
a terceira tem a ver com o âmbito muito estreito de apreciação por parte dos
financiadores daquilo que é comunicação. E portanto, eventualmente, um menor
investimento orçamental, face aquilo que deveria ser feito e que poderia ser feito.
CLARA: Agora, dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos
direitos humanos e a contribuição da comunicação para a garantia de segurança
alimentar? Como pode contribuir a comunicação para o desenvolvimento para a
percepção do direito à cidadania em sociedades pós-conflito?
JOÃO JOSÉ: Eu acho que a comunicação é fundamental porque se uma
determinada comunidade, pessoa ou organização, não conhecer os seus direitos,
dificilmente pode exercer esses direitos. Efetivamente é importante, eu diria que o
primeiro nível do empoderamento é a pessoa tomar consciência que tem esses
direitos. E, portanto, a comunicação é fundamental para que isso possa acontecer.
Segundo, a comunicação tem também, uma função de criar, eu diria, quase uma
vaga de fundo, numa determinada sociedade. As realidades das quais não se falam,
não são temas, não existem. E isso é válido, não só nas sociedades ocidentais
muito midiatizadas pelos fenômenos CNN, digamos assim, mas também começa a
ser verdade em quase todos os países do mundo. E, portanto, se um determinado
tema como, segurança alimentar, a equidade de gênero, não for falado, não for
comunicado, ele passa a ser invisível. Eu dou um exemplo muito concreto. Portugal
acabou de ratificar a Convenção para os Direitos das Nações Unidas, pelos direitos
das pessoas com deficiência e que tem dois artigos que estão diretamente
relacionados à cooperação. Um, a cooperação internacional e outro, a ajuda de
emergência. E nós reconhecemos que habitualmente essas pessoas são
simplesmente invisíveis. Ou seja, desenham-se os projetos para pessoas que não
tem nenhuma deficiência, porque se tiverem uma deficiência, provavelmente não
vão ter acesso ao projeto. E isto tem a ver com a absoluta invisibilidade dessas
pessoas. Elas só têm visibilidade quando são projetos especificamente orientados
para esse grupo alvo. Por exemplo, mutilados de guerra, vítimas de minas, etc.
Agora, se for um invisual, por exemplo, provavelmente ninguém pensou quando
desenha um programa de educação, para um projeto de educação básica para
todos, provavelmente ninguém pensa que haverá crianças invisuais. E, portanto,
obviamente, se não houver comunicação a esse nível, quem é responsável pelo
desenho e pelo financiamento dos projetos, não trará esse elemento em
consideração. O tema da segurança alimentar por exemplo: a segurança alimentar,
embora as pessoas, todas elas percebam que a alimentação é um direito humano e
que a alimentação é fundamental para a sobrevivência da pessoa humana.
Efetivamente, no seu dia-a-dia, sobretudo nas sociedades ocidentais, as pessoas
estão cada vez mais longe da produção da alimentação e da noção de segurança
alimentar. No sentido de que as pessoas, já quase nem põe em questão que isso
seja uma realidade. Uma realidade que lhes é muito distante. Portanto, acaba por
ser mais difícil comunicar ou colocar na agenda as questões de segurança
alimentar, do que uma questão, por exemplo, das alterações climáticas. Porque isso,
185
as pessoas sentem, afeta todo mundo e, portanto sabem, empiricamente, sabem do
que estamos a falar. Quando se fala em segurança alimentar, eu diria que quem
nunca passou fome, quem nunca teve dificuldade de acessar a alimentação,
dificilmente sabe daquilo que estamos a falar. Portanto se não falarmos, a pessoa
não está dispersa. E a pobreza acaba por ser uma noção muito vaga, muito pouco
específica e, portanto, a própria pessoa acaba por não ter uma apreciação da
necessidade. Tanto que a comunicação é fundamental para sensibilizar a opinião
pública para uma determinada agenda, e inclusive para potencializar as políticas
públicas que determinam essa agenda. Portanto, a comunicação tem também essa
função.
CLARA: O senhor acrescentaria alguma questão a mais nesse questionário?
JOÃO JOSÉ: Eu diria que há uma questão que poderia ser efetuada, que era quais
são as formas de cooperação, ao nível da comunicação, sobretudo com os meios de
comunicação social, julgo que hoje é muito importante fazer um trabalho de aliança
com os meios de comunicação social para trabalharmos algumas questões de
fundo. Eu dou um exemplo, que penso que é um exemplo muito bem sucedido. Os
direitos da infância, no Brasil da década de 90 e de 80 e de 70, eram invisíveis. E na
verdade hoje, os direitos da infância estão na agenda, porque obviamente houve um
trabalho social feito, porque houve uma convenção, porque o Brasil ratificou a
convenção dos direitos da criança, porque há políticas públicas orientadas para a
defesa dos direitos da criança. Mas creio que houve um fator que também contribuiu
muito. Foi ter surgido no Brasil uma organização chamada ANDI, Agência de
Noticias para o Direito da Infância, que tem trabalhado com muitos jornalistas e com
muitas fontes, o tema dos direitos da infância. E, portanto, nós achamos que quando
conseguimos ser inteligentes na forma como abordamos os meios de comunicação
social, não meramente como destinatário da comunicação. Mas como nosso aliado
na comunicação, podemos trazer para dentro das organizações, bons profissionais e
uma capacidade de comunicar, muito, muito melhor. E, portanto, eu penso que essa
poderia ser também uma área a explorar.
CLARA: Muito obrigada.
186
APÊNDICE E – Entrevista com Arnaud - 17/11/2009
Jornalista e Diretor do Instituto de Desenvolvimento (INDE)
CLARA: 17/11, INDE. Dados referentes à ajuda prestada. Qual o escopo das
intervenções de ajuda humanitária e desenvolvimento, realizadas por sua
organização?
ARNAUD: Bom, INDE trabalha, não exclusivamente, mas essencialmente com a
situação da zona cinzenta, que está entre a emergência e o desenvolvimento. Ou
seja, tipicamente o pós-conflito, o pós-catástrofe, o pós qualquer coisa que não
funcionou muito bem. Ou seja, se houver uma guerra num sítio qualquer, a INDE
não intervém durante o conflito, não sabemos fazer isso, há organizações
especializadas. Mas sabemos intervir logo depois. Quando há uma situação de
conflito, uma situação de catástrofe, é uma situação onde nós temos interlocutores
locais, isso, nós sabemos fazer esse trabalho de substituição, que é tipicamente o
trabalho das (...) médicas, por exemplo, que pode dizer: o hospital não funciona,
porque os (...) foram fechados e, portanto, temos legitimidade para chegar com os
médicos europeus. O nosso trabalho não faz sentido nestas condições, mas faz
sentido quando ainda não há uma estrutura capaz de assumir sozinha um conjunto
de tarefas. E aqui seria um papel de uma organização de solidariedade e que faz o
trabalho de ligação entre o norte e o sul, etc. O nosso trabalho é tipicamente logo
depois, nesta fase de reconstrução. Dois exemplos típicos são Guiné Bissau e
Timor, onde tem uma intervenção antiga. Pode ser igualmente o caso da nossa
intervenção com países muito mais estáveis, é o caso, por exemplo, de Cabo Verde,
onde nunca houve conflito, nunca houve catástrofe, mas aqui o nosso trabalho é
muito ligado às comunidades de imigrantes e trabalhamos com estas comunidades
no norte, que estão a sair, de alguma maneira de uma fase de confusão no norte,
estão agora a ser organizada, agora ser estruturada e temos aqui uma legitimidade
para trabalhar com eles nos projetos de cooperação com o sul. Fazer com que os
imigrantes sejam eles próprios atores da cooperação, é tipicamente o nosso
trabalho.
CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados?
ARNAUD: O dinheiro é uma dificuldade recorrente e sistemática, não pela natureza
dos projetos, mas pelo fato de ser baseado em Portugal, que é um país com um
orçamento de cooperação muito pequeno, com uma tradição de mecenato nula, pelo
menos o mecenato para a cooperação. Há o mecenato cultural, há o mecenato
esportivo, o mecenato para a cooperação não existe. Os donativos por parte dos
privados praticamente são reservados para ação social em Portugal, há muito pouco
para... Ou seja, a grande dificuldade é esta, que é financiar a atividade. As pessoas
estão dispostas, as pessoas as instituições, etcetera estão dispostas a financiar a
emergência, um tsunami é um bom argumento de comunicação, mas tem muita
187
dificuldade com aceitar que se venha pedir dinheiro para ajudar um grupo de
camponeses felizes a construir uma rádio comunitária.
CLARA: A que você atribui essa dificuldade?
ARNAUD: Muitos fatores. Um, Portugal não é um país muito rico e obviamente que
a disponibilidade financeira duma comunidade está diretamente ligada ao que sobra
depois de pagar as contas essenciais. Muitos portugueses têm um nível de vida que
é claramente inferior a média européia. E considera, com alguma razão, que
primeiro resolver aqui questões essenciais, antes de dar dinheiro para fora. O que
não significa falta de generosidade, significa falta de disponibilidade. Dois, há uma
cultura dum estado centralizado, muito centralizado, que considera que não só a
parte do bolo para cooperação é muito pequena, comparado com outros estados
europeus, em 0,23% do PIB, uma coisa assim, enquanto há compromisso para 1%,
vamos dizer 7 e 1% dos países mais do norte da Europa, então isso é um primeiro
ponto. E dois, consideram neste dinheiro, que já é muito pouco, não há razão
nenhuma para dar isso aos bandidos. Quanto à cooperação holandesa passa por
mais de 1/3 através das ONGs, dinheiro público. E o maior contexto através das
ONGs, com várias (...), na Espanha é mais de 10%, e a Espanha tem uma cultura
que poderia ser muito semelhante, aqui é menos de 3%. Há uma concepção de que
as ONGs não têm que pedir dinheiro ao estado. O estado gere sozinho as suas
relações com outros estados, de Ministério a Ministério, de Ministério da Agricultura
para o Ministério da Agricultura, do Ministério das Finanças para o Ministério das
Finanças, e que deixa obviamente de lado todas as estruturas locais interessantes,
porque foram criados pelas próprias pessoas e não pelo Estado. E deixa de lado
uma riqueza enorme de cooperação e de (...). Portanto, essas são razões estruturais
de organização do país. Eu penso igualmente que a frescura do passado colonial
português cria um vício considerável. Ou seja, enquanto os outros países, que
também foram potências coloniais, a França, a Grã-Bretanha, etc. Já não há
ninguém nas administrações de negócio estrangeiro da cooperação, ou até nas
próprias ONGs com atividade, que tenha sido um colonial. Seja do lado do
administrador colonial, seja do ativista anticolonialista. Mas eles já não estão nestas
coisas. Então temos aqui o essencial das pessoas, toda uma geração que participou
diretamente ou na colonização na luta anticolonial. E, portanto estão convencidos,
estou a falar da esfera pública, estão convencidos que têm um aviso autorizado e
tem um aviso muito mais autorizado de que as ONGs, porque eu fui militar na Guiné,
eu fui fazer a guerra lá, portanto eu sei como é. Eu fui um militante anticolonial, eu
fui preso na ditadura de Salazar e como preso político, eu tenho legitimidade
absoluta e permanente, para dizer o que é bom para a cooperação. E, portanto, não
funciona aqui a lógica que é, pelo contrário, distanciação e de dizer: a cooperação é
antes de tudo, um diálogo com o nosso interlocutor. Não é obrigatório dizer que o
país do sul tenha razão. Temos perfeitamente o direito enquanto ator do norte, a
manifestar a nossa opinião, independentemente de acordo. Mas é um diálogo de
igual para igual. Não pode ser um diálogo de professor/aluno, que é o que acontece
agora. E neste diálogo de professor/aluno, perverte-se completamente as decisões
financeiras. E perverte-se o orçamento das ONGs, porque, no caso da INDE agora,
que tem dificuldades concretas, muito fortes, tem momentos mais altos, espero que
volte a ter momentos mais altos. Mas todas as ONGs, a maior parte das ONGs,
quando não estão apoiados numa fundação, tem dificuldades terríveis para financiar
projetos. E muito ao contrario, em Portugal uma ONG é capaz de manter um projeto
188
de alguma dimensão, durante vários anos, ao contrário do que acontece em outros
países europeus, onde muitas organizações têm capacidade. Não vou dizer que são
ricas, mas tem capacidade para fazer um trabalho num prazo, fazer um trabalho
ambicioso. Construir um modo de trabalho, uma metodologia específica, uma
história da organização ao longo dos anos.
CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos
implementados nos últimos dois anos?
ARNAUD: Duma forma geral, quando se intervém num contexto pós-conflito, há
uma grande ambiguidade nesta receptividade. Por um lado as pessoas estão num
estado de carência muito forte, que deixa pouco espaço para crítica e para recusa.
As pessoas têm fome, tem uma tendência forte a aceitar o jantar, evidentemente vão
criticar o jantar discretamente, pois mesmo que não tenha muita maneira de dizer
abertamente: eu não quero deste, porque não é assim que eu estava a imaginar as
coisas. Uma outra coisa é, as pessoas e as comunidades e os estados, recebem
essa ajuda, mais uma vez, estou falando da ajuda numa situação pós-conflito, póscatástrofe. Num contexto onde não existem instrumentos coletivos de debates, os
instrumentos coletivos de negociação, os instrumentos coletivos de crítica para que
não seja tudo positivo ou tudo negativo. Para que haja uma forma de dizer: Ok,
vamos aceitar uma parte, outra não, esta vamos renegociar. O que acontece na
ajuda em desenvolvimento, mas que é muito mais complicado nestes casos. Muitas
vezes, e, sobretudo, no caso aqui de Portugal, onde é muito de Estado para Estado.
O Estado português, agora está mais estabilizado, corporativamente forte,
relativamente democrático, relativamente controlado por um conjunto de
instrumentos de boa governação. Negocia com um tipo sozinho, que é um ministro,
que decide rigorosamente sozinho o que ele vai fazer. Incluindo os 10% que vai
guardar para ele, obviamente que a corrupção não é permanente, mas existe. E,
sobretudo, não há nenhum diálogo real, e é por isso que as ONGs deveriam ter esse
papel muito mais importante, e que temos muitas vezes que trabalhar fora do
Estado, e não em cooperação com o Estado. Porque o ministro, sozinho, sem
nenhuma estrutura administrativa, o Ministério na Guiné é um ministro, três ou
quatro tipos sem doutoramentos e super qualificados, um vazio colossal e os
motoristas. Não existe administração. Não existe o conjunto dos quadros capaz de
implementar em terreno as decisões políticas que eventualmente teriam sido
tomadas de uma forma democrática. Só que a democracia não pára no Parlamento,
a democracia é toda a cadeia que permite que a implementação das medidas que
foram discutidas no Parlamento. E na situação pós-conflito isso não existe. No caso
de Timor toda a administração e da indonésia, ou seja, quando a Indonésia foi
embora, ficaram rigorosamente três dúzias de tipos que eram antigos resistentes,
que tinham uma legitimidade militar, mas talvez não tinham competência técnica,
talvez não tinha uma cultura democrática muito forte. O fato de passar vinte anos no
mato com uma espingarda, não é o contexto da cultura democrática, com todo
respeito pela coragem, que é o que tiveram. Mas a educação política daqui para a
frente o inimigo. Tu não concordas comigo, eu tenho que te matar. E isso tem que
passar ao contexto, não concorda comigo? Temos que falar nas próximas eleições,
só que haja rigorosamente, nenhuma administração, nenhum quadro intermédio (...)
com a Indonésia. E isso coloca na altura da negociação financeira, um conjunto de
obstáculos. Coloca uma tendência do doador a multiplicar os controles, a multiplicar
as listas técnicas, a multiplicar as equipes patriadas, porque não há localmente
189
competência. Isso é verdade, que não há localmente competência. Mas eu ouvi em
Timor, pessoas de grandes doadores a dizer: este, não podemos trabalhar com ele,
porque ele não tem nenhuma competência, cultura, etc. para trabalhar com a ajuda.
Com quem? Há aqui um australiano, um francês que é competente, um espanhol
simpático, bom...
CLARA: Não forma quadros, inclusive?
ARNAUD: Não, basicamente com todos, menos com os timorenses. Infelizmente
são eles que estão lá. Portanto, quando está a dizer: qual é reação das pessoas ao
longo dos últimos anos? Ao longo de todos os anos, desde que se intervêm neste
contexto, muito instável, do pós-conflito, que pode demorar, muito mais que dois
anos, é muito longo para construir uma sociedade de diálogo na situação pósconflito. É uma situação perversa, de não ter capacidade para fazer uma resposta
completamente honesta: gostei ou não gostei deste tipo de apoio. Porque muitas
vezes, o apoio foi decidido no norte, e inclui (...) ONGs, que muitas vezes, não
conseguiram ter localmente o diálogo para construir um conjunto. Ou foi construído
com uma elite, a elite dos refugiados e exilados políticos, das grandes figuras da
resistência, mas não foram construídos com as pessoas com quem depois se
trabalha no terreno. No caso de Portugal está a ser construído muitas vezes, à
exceção de Cabo Verde, um mito absoluto da língua portuguesa, somos todos
convencidos que vamos chegar num mar de pessoas que falam português...
CLARA: Só se for para o Brasil, então...
ARNAUD: Se for para o Brasil...
CLARA: Várias pessoas falando português...
ARNAUD: (...) português, vai no Timor, vai no Guiné, você está completamente
perdido, ninguém fala português, porque mais uma vez chegamos a falar com
pequeno grupo, dos intelectuais, da elite, dos que foram fazer estudos aqui, que
passaram os anos da ditadura em Moçambique e com intérprete, ou seja, não há
nenhuma discrição com o beneficiário final...
CLARA: (...)
ARNAUD: (...) sistematicamente, através do tradutor, do intérprete, etc. incluindo
para ir fazer propaganda de alfabetização portuguesa. E percebemos depois que as
pessoas queriam programa de alfabetização, mas só que não em português.
CLARA: Votamos à colonização pela língua.
ARNAUD: O governo português acabou de desbloquear cinco milhões de euros
para a Guiné, cinco milhões na Guiné é muito dinheiro, para a educação primária em
português. A dizer claramente, a indicação bilíngue é um atraso mental, como se o
crioulo não fosse uma língua, como se o crioulo fosse uma coisa de pretos (...). Não
o crioulo é a língua materna das pessoas, o Tétum no Timor, quer ser o fator de
união de uma nação que tem 13 ou 14 línguas, e essa, a identidade nacional e a
língua nacional quando os portugueses recuperem sistematicamente a coisa de
190
dizer: “a minha língua a minha pátria”, o que eu concordo totalmente. O chinês diz: a
minha língua é minha pátria e a minha pátria é o crioulo português, a minha pátria é
o Tétum. Portanto, há uma língua escolar, um administrativa, etc. Muito bem o
crioulo e o Tétum não têm um grau de estruturação suficiente para ser uma língua
nacional, mas a língua da rua, do comércio, da família...
CLARA: A língua é viva...
ARNAUD: A língua viva, a língua das declarações de amor e a língua, discussões
políticas feitas localmente. O parlamento Timorense, que é um parlamento legítimo,
que é um parlamento não só legítimo, mas que valida as discussões sobre a
cooperação e as leis e os orçamentos que regem a cooperação, é feita a 75%, 3/4
dos deputados timorenses não falam português e eles votam leis e textos escritos
em português, portanto, eles não percebem, para decidir que a fatia grossa da
cooperação será uma (...) da língua portuguesa. O que eu te posso responder “qual
é a reação dos beneficiários?”. Os beneficiários às vezes não reagem porque ele
não sabe o que foi recebido e queixa-se de que há muito pouco dinheiro. Nem é
verdade, há bastante dinheiro que chegou, só que chegou numa área
completamente estranha, não só os beneficiários, mas às vezes aos próprios
deputados.
CLARA: Agora dados referentes à importância atribuída à comunicação.
ARNAUD: No caso da INDE, é também um bocado perverso, porque os nossos
projetos são obviamente projetos de comunicação, portanto qual é a importância: é
central. Ah, se vai ver os médicos do mundo, vai dizer: é a saúde. Se vai ver outras
organizações, vão dizer é a segurança alimentar. Nós consideramos que a
comunicação no seu no sentido lato, não há uma definição única para a
comunicação para o desenvolvimento, a capacidade das pessoas a participar nos
projetos de decisão é o centro do nosso trabalho, portanto, qual é a parte? 100%.
CLARA: Existe relevância na divulgação do doador?
ARNAUD: Muitas vezes, é imposto pelo próprio doador, faz parte do contrato. Tem
que perceber que o nosso dinheiro privado representa 22, 23% do nosso orçamento,
portanto, todo o resto são doadores públicos. E faz parte do contrato, tem que
mencioná-lo. Vai de simplesmente pôr o logotipo nos documentos até às vezes mais
forte. Os doadores raramente percebem o sentido do que estamos a fazer; os
doadores percebem muito bem a segurança alimentar, os doadores percebem muito
bem a emergência médica, percebe muito bem as ações futuras. Logo que estamos
a chegar no domínio da associação, no domínio da comunicação, no domínio da
governação, da democracia, de coisas destas, há ou um medo terrível: não vamos
entrar nisso, não. Há uma confusão quanto a isso, que é o que eu acabei de dizer,
que é a publicidade. Ou seja, os doadores confundem muito a questão da
comunicação com a questão da publicidade, da visibilidade deles.
CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação?
ARNAUD: Mesma resposta. Eles não percebem muito bem. Houve, você, visto que
trabalhou para a FAO, a FAO trabalhou muito na rádio rural, foi pioneira nisso.
191
Perdeu-se um bocado quando... O surgimento das rádios comunitárias, quando o
Estado perdeu o controle das rádios, quando apareceu o FM, quando tudo isso, a
FAO já não é completamente a par do que acontece nas pequenas rádios das
aldeias. Enquanto a FAO tem praticamente inventado o conceito da rádio rural, ou
participou muito na elaboração dele, fica abandonada. Os franceses fazem bastante
coisa sobre o apoio à imprensa, o apoio à comunicação social, à imprensa
independente e livre, etc. E ficam cheios de, no fundo, terror absoluto, quando
percebem que nem 10% da comunicação passa pelo jornalismo formal, a imensa
maioria dos jornalistas não são jornalistas o tempo inteiro, porque não conseguem
viver disso, e portanto, tem uma noção de ideologia e de ética, o jornalista que
aceitaria receber dinheiro dum tipo de uma empresa que faz um anúncio no jornal
teria que escolher evidentemente (...) é o que acontece todos os dias. Portanto, tem
que gerir a ideologia de uma forma diferente. Aqui os doadores só percebem uma
parte muito pequena disso, e contamos muito mais sobre uma pessoa dentro da
administração, um doador, que sobre a política em geral de doador que pode fazer
discurso sobre a comunicação, mas que habitualmente não está completamente
dentro.
CLARA: Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com
uso da comunicação?
ARNAUD: Está a me pedir se a sociedade e as pessoas funcionam melhor quando
falam? Eu respondo que sim. E que hoje, o essencial da comunicação está feito no
início do projeto, na concepção, e no fim, na avaliação. E no meio, é uma coisa
assim técnica, eu penso que iria melhorar muito se houvesse comunicação no meio
também. Isso é claro. O problema aqui é que muitas vezes há um medo da perda do
controle, há um medo de que os tipos com quem estamos a trabalhar acabem por
perceber o que é o projeto, acabem por afinal dizer: muito obrigado ONG, muito
obrigado governo de Portugal, ou governo do Brasil, muito obrigada assistente
técnico, muito obrigada (...), graças ao vosso trabalho, percebemos, e já não
precisamos de vocês.
CLARA: Mas isso não deveria ser um objetivo do projeto quando ele inicia, não é?
ARNAUD: Não deveria ser o objetivo, o objetivo não é sair, a cooperação, estamos
autorizados a continuar a colaborar, mesmo quando não existe uma necessidade
física. Agora...
CLARA: A autonomia...
ARNAUD: (...) deve mudar de natureza, todos os dias. A medida em que há uma
interação entre os dois, e os projetos não são feitos para mudar, os projetos são
feitos para ter um calendário do trabalho para os próximos quatro anos, a dizer, na
semana de 74 vamos fazer uma formação de seis horas sobre o uso de sementes
melhoradas para o milho. E estamos a fazer mutirões diários para ter o dinheiro a
construir os calendários, que todo mundo sabe que são invenções absolutas, porque
vai haver comunicação, obviamente que vai haver comunicação. Obviamente que
vamos tentar que depois de alguns meses as pessoas tenham adquirido
competência suficiente para participar de numa forma muito mais ativa na
concepção dos meses seguintes. E, portanto, pôr em questão obviamente o que foi
192
feito. Não significa renunciar ao rigor, não significa aceitar mudar a direção do
projeto, significa simplesmente dizer isso não é um curso para criança, não temos o
programa da quarta classe, quando no fim os alunos têm saber fazer divisão de dois
números, não sei quê. Temos um trabalho de cooperação, onde tentamos que os
instrumentos coletivos de decisão e de crítica das decisões que não existia no início
do projeto – por isso que o projeto nasceu – venha a existir e venha, portanto,
permitir que o projeto seja criticado e seja com a nossa própria resistência a isso
porque também às vezes nosso salário depende disso e se os tipos dizem que não é
preciso, nós o que vamos fazer? E, portanto, essa é contradição permanente de
todos os consultores de comunicação, como vão dizer: o meu trabalho é bem
concebido e eu fui despedido?
CLARA: Dados relativos às práticas de ações de comunicação nos projetos
realizados nos últimos dois anos. Existe verba destinada às ações de comunicação
nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual motivo? Se sim, qual o percentual
dos recursos foi investido em comunicação?
ARNAUD: É o que eu volto a dizer, os projetos da INDE são basicamente projetos
de comunicação, alguns a verba é 100 %, porque um projeto totalmente de
comunicação. Alguns, vou dizer, são projetos totalmente de comunicação, onde
temos guardado uma pequena parte para a agricultura, porque a comunicação foi
pensada à volta de um projeto agrícola, ou foi pensada à volta de um projeto de
SIDA, mas é sempre visto como um projeto de comunicação.
CLARA: Houve.... Bom não vou fazer essa pergunta, então. Percebe-se de alguma
prioridade de divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual a mais
frequente?
ARNAUD: Quando estamos a intervir num contexto de grande instabilidade
financeira, institucional, de segurança das pessoas, há sempre uma necessidade
muito forte de explicar mais o que estamos a fazer. Porque as pessoas podem ter
uma tendência a aceitar toda e qualquer proposta só para ter o dia de amanhã
garantido, sem pensar nas consequências de aceitar ou não esta proposta e depois
criticar de uma forma muito mais dura, porque tem o sentimento de ter caído numa
armadilha, quando percebe que afinal, a proposta é aplicável a um conjunto de
compromissos, etc. Portanto, temos que explicar mais. Temos também que ter a
cabeça relativamente clara sobre quais são os nossos valores, e onde que estamos
dispostos a negociar estes valores e onde estamos a dizer e porque estes valores
não são negociáveis, que estamos a fazer esse trabalho. A questão da rádio
comunitária, do trabalho com os jornalistas da rádio comunitária, que não são
jornalistas o tempo inteiro e a questão sobre a (...), a ética do jornalista num contexto
muito conflitual ainda. Tivemos muito trabalho no Timor sobre a rádio, apoiamos a
montagem de muitas rádios, etc. Há dois anos, houve uma diferença no Timor,
houve novamente, depois da estabilização, um regresso, muita diferença, dois anos,
três anos, ficamos muito satisfeitos de ver que a maior parte das rádios decidiram
suspender as atividades para não correr o risco de a rádio ser utilizada como
instrumento do ódio, porque tem sido sistematicamente construído como espaço de
diálogo. Não negociação, espaço de diálogo só para chegar a... Bom, e, é óbvio que
há uma tentação forte para quem não tem nunca acesso à palavra, porque o regime
onde vive não é um regime democrático. E a quem se dá um instrumento potente de
193
comunicação, é claro que essa pessoa pode ter uma forte tentação de usar este
instrumento. Quais são os nossos valores? É provavelmente mais fácil, num projeto
de segurança alimentar, um engenheiro agrônomo renunciar à idéia do milho e dizer:
vamos fazer batatas. São aspectos técnicos, econômicos, de organização de coisas,
etc. Não há um grande espaço moral para (...) entre a batata e o milho. Pode haver
mais dificuldade em aceitar ou não, e a dizer: opa lá, esse é o dinheiro que nós
trouxemos, esse dinheiro que vem de fora, e que vem de fora com algumas
condições. A comunicação tem que ser feita nisso e a negociação pode ser feita
nisso e às vezes há aqui a necessidade de explicar mais claramente o que estamos
a fazer. Por definição, a situação conflitual obriga a discutir mais.
CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes?
ARNAUD: Tento definir mais o que seja comunicação, ou seja, há, por exemplo,
uma limitação recorrente, principalmente no espaço rural ao acesso à informação e
o direito a acender a informação faz parte do trabalho de comunicação que uma
ONG se pôs a fazer.
CLARA: Não, eu me refiro aos projetos que foram realizados nos últimos dois anos
houve alguma dificuldade que tenha sido recorrente nesses projetos?
ARNAUD: Uma dificuldade recorrente é no espaço rural aceder à informação
central. No espaço rural aceder à totalidade do debate político que acontece na
capital. No espaço rural aceder a informação comercial sobre o preço, que há nos
mercados agrícolas para saber, para tomar decisões. Qual é o tipo de produto que
eu posso comprar. Isso é um obstáculo que pode parecer inicialmente técnico, mas
que é um verdadeiro desafio da democracia porque é injusto que uma parte da
população esteja privada do acesso a uma parte da informação, não por decisão do
governo que queria dizer: vocês não têm o direito de saber isso, mas porque
concretamente não há rede de telefone, não há acesso à internet, não há luz e isso
faz parte de uma limitação. A outra limitação é também muito ligado a questão da
descentralização é qual é a presença do Estado fora das capitais e os grandes
centros urbanos e se o Estado é muitas vezes a garantia de uma democracia
informal. Quando o Estado não é presente estamos confrontados a um conjunto de
instrumento da democracia tradicional que podemos respeitar, mas que são muito
diferentes de um espaço para outro. E para a qual teremos que adaptar um projeto
em função do modo de decisão das pessoas aqui e lá. Tivemos assim vários
exemplos de alguma maneira romancear os aspectos mais envolventes do projeto
para guardar o núcleo comum que seria standard para todos e aceitável para todos
porque as diferenças entre uma cidade e uma aldeia, uma região e uma outra, uma
comunidade e uma outra seriam tais que não permite um projeto standarizado.
CLARA: Agora dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. Existe
necessidade de introduzir ações de comunicação para o desenvolvimento nos
projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por quê?
ARNAUD: Volto a fazer a pergunta, o que significa comunicação para o
desenvolvimento? Vou, talvez por trás. Há sempre necessidade de garantir o acesso
a informação. A transparência, a publicidade, o acesso livre é uma garantia que
todos partilhem os mesmos instrumentos e todos, portanto podem debatem com a
194
mesma base. Isso é comunicação para o desenvolvimento. Garantir o acesso. Às
vezes a resposta é tecnológica. Às vezes a resposta é de alfabetização. Às vezes a
resposta é, nós temos percebido várias vezes que os projetos de INDE passam por
ações de comunicação porque uma mulher que sabe ler do que é distribuído numa
reunião, que tem mais tempo livre, portanto a questão do acesso à água, do acesso
à lenha para o fogo e etcetera e que tem cash disponível e que não depende do
marido para ir nesta reunião, é uma mulher que participa das tomadas de decisões.
Mas isso não passa por uma ação política a dizer mulheres, mulheres, mulheres.
Passa por uma ação que diz: água na aldeia, para não perder tempo de ir buscar a
água, atividades econômicas controladas pelas mulheres, para as mulheres terem
dinheiro próprio de gestão direta e alfabetização especificamente para as mulheres,
para que as mulheres tenham acesso a isso. (...) conflito com os maridos. (...)
completamente natural, permite uma participação ativa, enquanto na aldeia ao lado
há um projeto do Banco Mundial que diz: 50% dos participantes têm que ser
mulheres, obrigatório. Os maridos dizem, tudo bem, então a minha mulher vai como
participante ao invés de mim e ela vai tomar as decisões lá em função do eu vou
dizer. 50% de mulheres, garantido. E 50 % da decisão na mão dos homens. Pronto,
há aqui um exemplo concreto do que significa comunicação para o desenvolvimento
muito além das aparências, falamos da questão do acesso à informação sobre os
preços do mercado. A rádio rural tinha também, o modelo antigo da rádio rural tinha
uma fortíssima componente de rádio educativa, das organizações agrícolas de (...)
que são elementos fundamentais para que as pessoas tenham acesso a formas
autenticas de democracia, de democracia local. Também, a democracia formal
também é um instrumento fabuloso para o desenvolvimento, ou seja, o fato de ter
uma comunicação social eficaz, capaz de controlar, capaz de obrigar a
transparência, capaz de ser o tal quarto poder é um elemento forte para o
desenvolvimento. A democracia é um elemento forte para o desenvolvimento e
nenhum jornalista renuncia a dizer que a democracia está fortemente baseada com
quatro pilares, um deles é a comunicação
CLARA: Quais são as limitações às ações de comunicação para o desenvolvimento
nos projetos implementados além da limitação financeira?
ARNAUD: Além da limitação financeira há a limitação do dinheiro, ou seja, quando
os interlocutores não percebem do que estamos a falar, não estou a falar de
interlocutores que não querem, que tem medo disso, mas estou falando das pessoas
que não percebem. Há uma tendência forte a dizer, vai ser mais interessante com o
mesmo dinheiro pagar um trator do que pagar um estúdio de rádio. Um estúdio de
rádio aparentemente não serve, não melhora o rendimento agrícola.
CLARA: Mas na verdade melhora o rendimento agrícola, não teria como comprovar
que melhora o rendimento agrícola através da educação que pode ser...
ARNAUD: Esse é o mundo perfeito, esse é o mundo perfeito e obviamente que a
minha resposta é um bocado caricata porque é curta, mas, no entanto, muitas vezes
há um sentimento de que é mais importante construir uma ponte, uma estrada do
que investir em pequenas coisas muito menos visíveis, com uma taxa de fracasso
relativamente importante, uma mortalidade importante. As rádios comunitárias
vivem, morrem, nascem ao lado, enquanto uma estrada está lá, há um desvio, é
195
mais caro de que o previsto, mas depois fica aqui por cinquenta anos. Nenhuma
rádio dura cinquenta anos. Portanto isso são as partes às vezes difíceis.
CLARA: Agora dados sobre a contribuição da comunicação para a difusão dos
direitos humanos e segurança alimentar. Como pode contribuir a comunicação para
o desenvolvimento para a percepção ao direito à cidadania em sociedades pósconflitos?
ARNAUD: Criando espaço que não são negociação, mas sim do diálogo. Um
espaço de negociação é um espaço onde as pessoas vão apontar o que eu vou ter
que, eu vou ter que renunciar a alguma coisa para obter outra coisa. Eu tenho que
ter um mandato dos meus constituintes para ir lá negociar, um espaço de diálogo.
Não precisa nada disso, não vou negociar nada. Eu não vou obter vantagem, eu não
vou perder coisas, eu não preciso ser legítimo, de ter um mandato, de ser eleito, de
ser designado como delegado, não sei o quê. A rádio comunitária mais uma vez é
um dos exemplos disso. (...) ajudar a construir a pequena casa comunitária da
aldeia, onde tem todas as reuniões e etcetera. Falamos as línguas, financiar as
traduções das línguas locais dos textos que são debatidos na capital. Tivemos muita
dificuldade no Timor a explicar que tudo o que era afeto ao português e ao inglês
tinha que ser traduzido não só ao Tétum, que muita gente falava, mas também ao
indonésio a língua do ocupante, porque na realidade a imensa maioria das pessoas
tinha sido escolarizada na Indonésia e a língua que sabia era essa. E, portanto, para
participar ativamente no debate era preciso traduzir atrás. As pessoas tinham o
sentimento que era voltar atrás, não era voltar a trás, era dar as pessoas uma forma
de dizer, veja (...) o documento em inglês, ninguém, ou português, ninguém era
capaz de ler o português, para que serve? Portanto pagamos muito de tradução (...),
pagamos muito de transporte, de almoços. As pessoas, se tem que fazer dez
quilômetros para ir numa reunião a pé, não vão. Portanto, pagar um transporte,
pagar localmente um almoço, pagar a tradução para o indonésio e pagar o
transporte de regresso ao fim do dia ou o outro dia à noite, isso é um trabalho de
comunicação para o desenvolvimento. A rádio comunitária, encontramos facilmente
com médico, com uma comunidade, com quem quiser, quem pague o estúdio onde
tem tudo isso. Quem paga as baterias do gravador, quem pague o gasoil do gerador,
porque não há eletricidade, quem paga as bicicletas das pessoas que vão fazer Vox
populi nas ruas? Ninguém, portanto as pessoas ficam a fazer só em estúdio e
vejamos o rádio que tem sido financiado com generosidade realmente, com
excelente equipamento a fazer 80% da programação com música. E onde o (...),
mas já não é uma rádio comunitária.
CLARA: Não cumpre a sua função.
ARNAUD: É, não cumpre a sua função e acaba por ser um instrumento quase de
passatempo da juventude lá que encontra um espaço para difusão do rock eletrônico
e as pessoas perdem um bocado o interesse nisso, não encontramos ninguém para
fazer um programa de voluntarização assim de manhã, porque é a hora onde as
pessoas, os companheiros acordam e tem o (...). Coisas tão simples, a comunicação
para o desenvolvimento. (...) O que significa por 20, 30, 50 mil dólares numa rádio se
as pessoas não conseguem ouvir a rádio. Portanto, tudo isso são coisas que são
importantíssimas para a cidadania. Cidadania é participar na vida da comunidade e
ter os instrumentos para fazer. Não estamos obrigados, mas se eu quero participar
196
eu tenho os instrumentos para isso. Significa, obviamente significa as eleições pelos
instrumentos formais, mas significa também se iniciar os que não capazes de ler o
panfleto do candidato, o que significa. Significa que os donos de televisão são os
candidatos que vem e fazem distribuição de cheques. Não me parece a cidadania
desejada.
CLARA: Poderá a comunicação para o desenvolvimento contribuir
consolidação da segurança alimentar em sociedade pós-conflito? Se sim...
para
ARNAUD: O trabalho com a FAO tem...
CLARA: Se sim, de que forma?
ARNAUD: A FAO já respondeu, Francisco Sarmiento provavelmente já respondeu e
eu não vou aqui acrescentar muita coisa, é óbvio.
CLARA: Deveria ser acrescentada alguma coisa nesse roteiro?
ARNAUD: Não, eu não sei. É um assunto, é um assunto que merece sempre por ao
conjunto os médicos, os agrônomos, os jornalistas, etcetera. Não há nenhuma
sociedade humana que consegue viver sem comer. Não há nenhuma sociedade
humana viver sem alimentação. Não há nenhuma sociedade humana que consiga
viver sem saúde. E não nenhuma sociedade humana que consegue viver sem se
comunicar, portanto todos os projetos são projetos agrícolas, todos os projetos são
projetos de comunicação. Mas todos os projetos são igualmente projetos de
comunicação. Na medida onde temos todos uma formação inicial, uma cultura,
etcetera, o que a gente faz, o agrônomo está mais a vontade em projeto de
segurança alimentar. Está no mundo dele, no elemento dele. Não vamos ter as
ONGs, os projetos totalmente disciplinados, sonhados, perfeitos, isso é muito chato.
Projetos perfeitos seriam muito cheios de tédio. Agora conseguir por ao conjunto
estas organizações a dizer, não há uma que seja mais importante que a outra e
temos que confiar na ONG vizinha para isso. Sim, aqui, provavelmente há ainda
trabalho para fazer.
CLARA: Muito Obrigada.
197
APÊNDICE F – Entrevista com Francisco Sarmento
Economista e Engenheiro Agrônomo Setembro, 2009
Diretor Internacional da Action Aid
CLARA PUGNALONI: Qual o escopo de ações de ajuda desenvolvidas em sua
organização?
FRANCISCO SARMENTO: Na área de segurança alimentar imagino,
?
CLARA: Quais os beneficiários alvos das intervenções de sua organização?
FRANCISCO: Sobretudo pequenos agricultores, sem-terra, grupo de mulheres,
comunidades do meio rural em particular África, Ásia e Américas.
CLARA: Quais foram os resultados esperados nos projetos desenvolvidos nos
últimos dois anos?
FRANCISCO: A pergunta deveria ser reformulada, porque a Action Aid tem no
mundo inteiro em 42 países, talvez 450, 600 projetos diferentes
CLARA: No Brasil?
FRANCISCO: No Brasil. Eu diria que em regra geral desde que a Action Aid passou
a ter como estratégia a questão dos direitos os resultados esperados, em geral, tem
muito a ver com a questão do empoderamento das comunidades e da sua
capacidade de organização.
CLARA: Qual o percentual de resultados esperados que foram atingidos nos
projetos desenvolvidos nos últimos dois anos?
FRANCISCO: Não tem. Não tenho essa informação, não teria como te dar.
CLARA: Existem dificuldades nos projetos que sejam recorrentes?
FRANCISCO: Existe mobilização das comunidades, articulação entre o trabalho
local, quando eu digo trabalho local é que as pessoas estão muito habituadas a ter
uma ONG apoiando com coisas concretas. Tipo assim, a escola, a fábrica, o
caminho, os animais, o apoio financeiro que se traduz em benefícios concretos. Mas
como a estratégia de organização mudou para direitos, como é que você liga esse
trabalho com a questão da estratégia de direitos que tem muito mais a ver com a
reivindicação política destes mesmos direitos. Como é que você compatibiliza essa
transição entre um caráter mais assistencialista e um caráter mais focado na
questão da afirmação de direitos. Porque os direitos, eles esgotam os recursos da
comunidade. Você mobilizar as pessoas custa dinheiro, mas os resultados dessa
ação são resultados de longo prazo, entretanto a comunidade necessita de recursos
para continuar desenvolvendo as suas atividades. Então, como é que você
compatibiliza uma coisa com a outra? Esse, eu acho que é o grande desafio.
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CLARA: Como você descreveria a receptividade dos atores aos projetos
implantados nos últimos dois anos?
FRANCISCO: Isso liga com a pergunta anterior. Boa, porque a Action Aid já
trabalhava com eles anteriormente, então quando você introduz a questão dos
direitos e de que na realidade o que você necessita deve ser reivindicado no seu
governo com base no seu direito, a receptividade é boa porque tem uma relação de
confiança antiga com a Action Aid. Mas isso liga com a questão anterior, até que
você consiga obter do, de quem tem obrigação de prestar esse tipo de apoio, essas
mesmas coisas, você tem que continuar mantendo um determinado padrão de vida
mínimo dessa comunidade.
CLARA: Com relação a dados referentes à importância atribuída à comunicação,
existe relevância da divulgação do doador?
FRANCISCO: Relevância na divulgação do doador... Depende do projeto. Tem
doadores que exigem isso e outros que não. Depende do doador.
CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação?
FRANCISCO: Em geral é alta, é elevada.
CLARA: Qual a importância da divulgação dos objetivos e das metas pretendidos na
ação?
FRANCISCO: A importância é grande e todo o projeto começa precisamente com
uma análise dos objetivos e das metas com a própria comunidade envolvida, de
forma bem participativa. Na realidade, em teoria, os objetivos e as metas são
definidos pelas comunidades.
CLARA: É importante haver uma divulgação prévia das futuras ações a serem
implementadas pelo projeto aos atores-alvo?
FRANCISCO: Está ligado com a pergunta anterior. Sim, os atores-alvos participam
da definição das metas e dos objetivos do projeto.
CLARA: Existe possibilidade de incremento do resultado pretendido pela adoção da
comunicação?
FRANCISCO: Claro. Claro que existe. A comunicação é parte intrínseca de todo o
processo.
CLARA: Agora com relação a dados relativos à prática de ações de comunicação
nos projetos realizados nos últimos dois anos. Existe verba destinada às ações de
comunicação nos orçamentos dos projetos?
FRANCISCO: Em alguns sim, em outros não. Depende do doador, depende das
outras prioridades do projeto e depende da participação do departamento de
comunicação na montagem de alguns projetos ou não. Ou seja, é um processo
199
negocial interno, que por vezes depende também dos prazos de apresentação das
candidaturas. Tem uma série de variáveis que podem influenciar isso, mas que é
importante, é.
CLARA: E qual é o percentual de recursos financeiros investidos em comunicação
nos projetos realizados nos últimos dois anos?
FRANCISCO: É difícil dar essa resposta, mas eu diria que provavelmente não mais
do que 10%.
CLARA: Foram feitos planejamentos de comunicação para os projetos realizados.
FRANCISCO: Foram.
CLARA: Qual a necessidade de divulgação percebida quando se iniciou um projeto?
FRANCISCO: Vamos passar essa pergunta. Porque eu tenho que pensar sobre ela,
porque eu não entendi.
CLARA: Você considera importante divulgar resultado dos projetos aos atores
beneficiados?
FRANCISCO: Com certeza. Mas não é tanto divulgar, eles são parte do processo.
CLARA: Houve divulgação dos resultados dos projetos realizados nos últimos dois
anos?
FRANCISCO: Em alguns projetos, sim. Em outros, não. Mais uma vez, depende
muito de quem está na frente do projeto, quem coordena o projeto e da relação
dessa pessoa com o doador e com o departamento de comunicação da Action Aid.
CLARA: Dados relativos agora a comunicação estratégica. Existe necessidade de
introduzir ações de comunicação nos projetos implementados.
FRANCISCO: Existe, existe, existe.
CLARA: Se sim, com que metodologia?
FRANCISCO: Caso a caso, depende do projeto, é o departamento de comunicação
que em função dos objetivos do projeto e dos objetivos do doador e dos objetivos
mais amplos da organização privilegia uns projetos em detrimentos de outros.
CLARA: Quais foram os beneficiários-alvos das ações comunicacionais?
FRANCISCO: Mais uma vez depende do projeto, mas em termos gerais obviamente
que em termos de comunicação são sempre as comunidades envolvidas por um
lado, por outro lado os atores com algum poder de decisão, ou de influência no
projeto. Sobretudo poder local, poder nacional quando a gente está falando de
governo de países do sul, ou então dos próprios doadores, como seja o caso de
União Européia ou eventualmente de organizações filantrópicas, do tipo fundações.
200
CLARA: Quais são as limitações às ações de comunicação dos projetos
implementados, caso tenham ocorrido?
FRANCISCO: Coordenação? Coordenação do departamento de comunicação com
outras entidades e participação do departamento de comunicação na formulação
dos projetos. Eu acho que isso é uma questão essencial.
CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes?
FRANCISCO: Essa que eu falei anteriormente, o departamento de comunicação é
visto como alguma coisa que não está intrinsecamente ligada aos projetos. Ele
beneficia da informação dos projetos quando ele tem uma necessidade específica,
estratégica, em que ele precisa dessa informação, mas ele não faz parte do
processo de formulação, acompanhamento e implementação dos projetos.
CLARA: E não deveria fazer?
FRANCISCO: Claro que deveria fazer, o problema é você ter recursos humanos ao
nível do departamento de comunicação para que ele consiga ter esse tipo de função.
O departamento de comunicação é muito visualizado como alguém que pega, de
alguma forma o somatório das duas práticas da organização e transforma isso em
instrumentos de visibilidade junto dos doadores. É uma visão diferente.
CLARA: Seria então, no caso, uma visão mais de divulgação do benefício
institucional do que na verdade do benefício do projeto em si?
FRANCISCO: Sim, sim, sim.
CLARA: E porque existe essa divergência, na verdade quando se fala em
comunicação para o desenvolvimento esse ponto de vista é totalmente antagônico?
FRANCISCO: Porque, se por um lado a dependência dos doadores é cada vez
maior, então o foco da comunicação se centra na comunicação dos bons resultados
ou das boas práticas para captação de mais recursos ou de doadores, individuais ou
institucionais, isso é uma coisa. Por outro lado, há um nível dos projetos em si,
embora você tenha em muitos casos o envolvimento do departamento de
comunicação a nível nacional, o staff disponível para acompanhar os diversos
projetos não é normalmente o staff que seria desejado. Se você reparar na maior
parte dos projetos dos doadores o elemento comunicação não é um elemento que
seja preponderante ou que seja, os custos com essa atividade sejam novamente
olhados com muita satisfação pelos doadores. Então é tratado já de uma forma
como algo externo ao projeto, quando deveria ser algo, na verdade, interno ao
projeto.
CLARA: Então foge completamente à lógica de mercado quando a comunicação, na
economia de mercado é um fator preponderante que leva à visibilidade, que leva ao
consumo.
201
FRANCISCO: Ela foge ao nível local e nacional, ela não foge ao nível internacional.
Eu diria que a tendência é que ao nível internacional, estratégia de comunicação
hoje reconhece essa importância, contudo em função das dinâmicas nacionais e
locais e dependendo da situação dos países do sul, que é muito diversa, a
importância do elemento comunicação pode ser muito variável, dependendo da
realidade nacional ou local. O mercado é cada vez mais forte e os seus fatores de
concentração e de criação de estratégias - de alguma forma uniformizadas - é muito
mais forte do ponto de vista internacional do que do ponto de vista local. Se eu tenho
um projeto em Bruxelas, eu tenho que fazer uma estratégia de comunicação em
Bruxelas junto ao meu financiador. Não significa que em Canindé do São Francisco
ou eventualmente em alguma província remota do Camboja esse mesmo elemento
tenha a mesma preponderância e a mesma importância. Não tem certamente.
CLARA: Quais pontos são estratégicos para identificar projetos de comunicação
como tecnicamente corretos?
FRANCISCO: Você tem que repetir.
CLARA: Quais pontos são estratégicos para identificar projetos de comunicação
como tecnicamente corretos?
FRANCISCO: Quais pontos são estratégicos para identificar projetos de
comunicação como tecnicamente corretos? Na medida em que eles amplifiquem ou
não os resultados esperados do projeto. Isto é, se o projeto tem uma determinada
(...), a estratégia de comunicação obviamente tem que estar coerente com isso.
Então nesse sentido os pontos estratégicos para projetos de comunicação têm que
ser pontos estratégicos que sejam também pontos estratégicos para atingirem os
objetivos dos projetos e os resultados previstos do projeto. É um processo em
paralelo, na realidade, um deriva do outro.
CLARA: Dados sobre contribuição de comunicação para a difusão de direitos
Humanos e garantia de segurança alimentar. Como pode contribuir a comunicação
para desenvolvimento, para a percepção do direito à cidadania em sociedades pósconflito?
FRANCISCO: Bastante, né? A resposta é óbvia. Agora, como? Eu tenho a sensação
que a sensação que a questão da segurança alimentar é hoje mais do que uma
questão, é hoje essencialmente uma questão que se confunde um pouco com a
questão da soberania alimentar. Na medida em que a maior parte da insegurança
alimentar deriva da ausência de liberdade por parte dos governos nacionais de
desenvolverem políticas, ou terem o direito de desenvolver políticas de
desenvolvimento autônomas, agrícolas, comerciais e outras que redundem numa
redução da insegurança alimentar. É a dependência em absoluto do livre mercado.
Então, nesse sentido, a comunicação para o desenvolvimento pode obviamente
também ter um papel muito forte, não só influenciando decisores nos diferentes
níveis, sobretudo nacional e internacional, mas particularmente ao nível internacional
trazendo exemplos do nível nacional e local, ou testemunhos no nível local e
nacional para as arenas decisórias ao nível internacional. Sobretudo na questão da
segurança alimentar, espaços relativos às Nações Unidas como a FAO, ou
eventualmente a Organização Mundial do Comércio.
202
CLARA: Poderá a comunicação para o desenvolvimento contribuir para a
consolidação da segurança alimentar em sociedades pós-conflito?
FRANCISCO: Pode. Se sim de que forma, eu já respondi na anterior. Os espaços
decisórios hoje com mais poder são a Organização Mundial do Comércio e o
Sistema das Nações Unidas. Aí sim, é necessário fazer chegar testemunhos a nível
local e nacional que possam influenciar os tomadores de decisão na adoção de um
conjunto de políticas ou de outro conjunto de políticas.
CLARA: O que você achou deste questionário?
FRANCISCO: Bom, mas tem algumas questões que foi difícil para eu entender, em
termos do objetivo geral do questionário. Eu reformularia algumas delas.
CLARA: E o que você acha que deveria ser acrescentado?
FRANCISCO: Eu vou responder essa pergunta por email. Depois que eu analisar o
questionário.
CLARA: Obrigado.
203
Entrevistas realizadas em Angola
APÊNDICE G – Entrevista com Aram Cunego
Municipalistas por La Solidariedad y El Fortalecimento Institucional (MUSOL)
Licenciatura – Diretor para Angola- Origem Espanha
CLARA PUGNALONI: Qual o escopo das intervenções de desenvolvimento
realizadas por sua organização?
ARAM CUNEGO: A MUSOL, que é a sigla de municipalistas para a solidariedade e
o fortalecimento institucional trabalha basicamente no setor do fortalecimento
institucional, quer dizer, apoiando os processos de descentralização e
desconcentração administrativa em vários países da África e da América Latina. Nós
normalmente costumamos fazer as nossas intervenções em zonas onde não existe
um tipo de contexto de emergência humanitária, mas sim trabalhamos no
acompanhamento dos processos de reconstrução pós-conflito, como é o caso de
Angola e no fortalecimento das instituições descentralizadas para a aproximação
das políticas de desenvolvimento às comunidades locais.
CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes no projeto?
ARAM: Sim, quer dizer, naturalmente é preciso especificar que cada contexto tem a
sua especificidade e a suas características, então em termos gerais é difícil
encontrar padrões de dificuldades ou fraquezas, mas no nosso trabalho, sendo que
é um trabalho bastante setorial, definido setorialmente, podemos dizer que no geral
encontramos instituições que nem sempre percebem a importância da apropriação
dos processos locais e das leis para levar os processos de desenvolvimento a nível
local. Então, podíamos definir que há certa resistência por parte das entidades locais
em se apropriar dos processos de desenvolvimento em termos de descentralização
e desconcentração.
CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos
implementados?
ARAM: Mais ou menos está ligado àquilo que eu vinha dizendo na anterior resposta.
A receptividade dos beneficiários, quando nós trabalhamos com a sociedade civil,
em termos gerais, encontramos muita receptividade porque costuma ser uma
camada da população que fica, que tradicionalmente está muito mais excluída dos
processos de desenvolvimento. Então eles estão muito mais receptivos e estão
muito interessados em entender realmente quais são os espaços de cooperação, os
espaços de participação que eles têm para priorizar ou para expressar as suas
prioridades dentro da agenda de desenvolvimento local. Agora, em termos das
entidades governamentais com as quais trabalhamos nem sempre encontramos
uma boa receptividade. Normalmente as municipalidades ou as entidades, os entes
locais com quem trabalhamos que já tem tido alguma aproximação com a sociedade
civil ou, por exemplo, cujos os administradores locais são pessoas que vem de
experiências, como por exemplo, de trabalho com a (...) ou organismos
internacionais costumam ser muito mais abertos a esse tipo de projetos e ser mais
204
receptivos. No entanto, outros atores governamentais com quem trabalhamos às
vezes não são receptivos e até, por causa da desinformação, porque eles às vezes
pensam, acham que o processo de descentralização vai tirar o poder que eles estão
exercendo. No quanto realmente é o contrário, porque vai dar mais legitimidade aos
processos que eles vão liderando.
CLARA: Ponto dois. Dados referentes à importância atribuída à comunicação. Então
a pergunta é: existe relevância na divulgação do doador?
ARAM: A divulgação do doador sem dúvida é uma, primeiro que tudo, é um aspecto
obrigatório para a maioria das agências de cooperação com as quais eu trabalhei e
a minha organização trabalhou. Tanto a organização descentralizada da Espanha,
como da, aí sim, da agência espanhola de cooperação, a cooperação
governamental. Então é um aspecto obrigatório e obviamente a cooperação é
sempre também uma forma em que os governos publicizam, ou fazem, entre aspas,
“propaganda” no bom sentido da palavra, sobre as ações que eles fazem ou estão
financiando para o desenvolvimento de um país. Então, obviamente, é
absolutamente relevante em termos de comunicação em todas as ações que a gente
está levando a cabo, existe uma parte de divulgação do doador.
CLARA: Qual é a importância atribuída pelos doadores à comunicação?
ARAM: Mais ou menos acho que já respondi a pergunta. Eu acho que não é só uma
forma de propaganda, porque por um lado, claro é uma forma de propagandear, de
fazer publicidade sobre aquilo que um governo está a fazer dentro do território do
outro estado para apoiar os processos de desenvolvimento. Também às vezes é
uma maneira de ajudar o Estado a fortalecer a parceria. Por exemplo, a cooperação
espanhola tem todo o interesse em demonstrar que a sua parceria com o governo
de Angola é forte em todos os níveis, também no nível da cooperação e isso faz com
que se fortaleça também a cooperação em todos os níveis, não só a cooperação
para o desenvolvimento, mas também a cooperação comercial, a cooperação entre
as embaixadas. É importante sublinhar também este outro aspecto que a
divulgação, digamos, a importância atribuída pelos doadores à comunicação
também reflete-se dentro dos territórios dos mesmos doadores. Não só aqui nos
territórios beneficiários onde a gente está a trabalhar agora, por exemplo, lá na
Espanha também é importante saber, fica muito importante, digamos, usar um
instrumento de comunicação que o governo de Espanha diz: opa, nós estamos a
fazer muita coisa lá em Angola e para demonstrar que está a ser feito, também a
comunicação tem um duplo sentido. Desde Angola, neste caso específico, até a
Espanha para comunicar aquilo que a cooperação espanhola está a apoiar em
Angola. E sensibilizar desta maneira, fazer divulgação dentro da sociedade civil
espanhola. Então há um duplo nível.
CLARA: Qual é a tua opinião com relação à pergunta seis. Existe a possibilidade de
melhoria do resultado pretendido no projeto com o uso da comunicação?
ARAM: Sim, em termos gerais, eu dividia o uso da comunicação em três níveis para
definir melhor a sua importância. Acho que primeiro que tudo a comunicação é uma
ferramenta estrutural dentro de muitos projetos, a maioria dos projetos prevêem
atividades de comunicação e divulgação que são mais dirigidas à formação do
205
pessoal local, à apropriação da parte das instituições locais nos processos
fomentados pelo projeto e a processos educativos, pedagógicos. Mas para focar
melhor essa pergunta, acho que realmente a importância da Comunicação para o
Desenvolvimento para melhorar os resultados do projeto está no fato de que a
divulgação permite aos outros fatores da cooperação, seja governamental ou, seja
não-governamental no caso das ONGs de aprenderem, como lições aprendidas dos
outros projetos. Então se um projeto, por exemplo, o nosso projeto tiver uma boa
prática e dentro dessa boa prática aproveita um espaço de comunicação para
divulgação dessa boa prática, outros projetos da nossa mesma organização ou de
outras organizações que estão a trabalhar dentro do mesmo setor, do mesmo
âmbito, podem aprender e então replicar aquilo que foi bem-feito e evitar os erros.
Realmente é uma forma, acho que é uma forma muito importante, tanto aqui no
terreno como lá na Espanha, porque também lá na Espanha tem muitas instituições
que se dedicam à cooperação. São agências doadoras às vezes e também para
eles é muito importante a comunicação para aprenderem e ajudar a estabelecer as
prioridades dentro das agendas. E finalmente, o nível da visibilidade, é mais aquilo
que estávamos a falar, também ajuda às vezes. Por exemplo, se um projeto tiver
uma boa visibilidade e ao mesmo tempo tivesse um bom êxito, um bom sucesso,
então isso ajuda com que mais fundos ou mais financiamentos possam chegar a
financiar mais uma fase desse projeto ou a ampliar algumas ações do projeto com o
objetivo de ampliar os benefícios. Então também é uma forma de lobby dentro dos
mesmos financiadores.
CLARA: Agora com relação ao ponto três. Dados relativos à pratica de ações de
comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. Ponto sete. Existe verba
destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual
motivo? Se sim, qual o percentual dos recursos investidos em comunicação?
ARAM: Em termos gerais, todos os projetos, como dizia anteriormente, prevêem
verbas destinadas exclusivamente à comunicação e à divulgação. Pelos motivos que
já foram amplamente, acho, mais ou menos explicados. Em termos de porcentagem
é realmente muito difícil de estabelecer isto. Alguns doadores têm normas definidas
obrigatórias de cumprir, para a visibilidade tem que ser investido pelo menos X% do
dinheiro diretamente investido nos beneficiários. No caso da minha organização não
é possível estabelecer esta porcentagem porque cada projeto tem uma estratégia de
comunicação muito diferente. Às vezes nós utilizamos projetos paralelos só para a
difusão e comunicação. Então, por exemplo, agora, para fazer um exemplo prático,
estamos a executar um projeto aqui diretamente com as administrações de dois
governos locais, dois municípios aqui Bailundo e Caála. E paralelamente estamos a
executar outro projeto que é de comunicação que se insere diretamente neste outro
projeto, extrai as boas práticas e utiliza essas boas práticas como o vídeo, como o
documento de comunicação, como cartazes e com ações que vão ser produzidas
diretamente para a sociedade espanhola. Então com esse outro projeto, digamos
que é 100% dedicado à divulgação e a Comunicação para o Desenvolvimento. Quer
dizer, na nossa estratégia geral da instituição temos duas linhas que é uma linha de
cooperação ao desenvolvimento diretamente dirigida aos beneficiários e outra linha
que é a sensibilização comunicação, então são duas linhas que obviamente estão
muito ligadas e interagem continuamente, mas se complementam dessa maneira.
206
CLARA: Ponto oito. Houve planejamento de comunicação estratégica para o
projeto?
ARAM: Planejamento de comunicação estratégica. Sem dúvida, mais ou menos
aquilo que, também parece que está sempre adiantando às perguntas, mas, sim.
Dentro da nossa organização, como dizia, existem essas duas linhas estratégicas
estão bem definidas e cada linha estratégica tem os seus projetos. A linha dos
projetos de cooperação dirigida aos beneficiários, para o fortalecimento institucional
e a linha de comunicação e sensibilização que, digamos, extrai dos projetos os
benefícios, as lições aprendidas, as experiências interessantes e os dados
relevantes para criar programas de comunicação, que são paralelos e que servem
tanto para, como forma de digamos, de advocacia e lobby para a busca de mais
financiamentos e ao mesmo tempo também servem como forma de accountability,
como se diz, quer dizer, prestação de contas. O que a nossa ONG, a nossa
instituição está a fazer junto dos beneficiários? É preciso comunicar aos nossos
financiadores, mas também à sociedade civil da qual nós também somos
representantes. O que é que estamos a fazer? Como é que estamos a utilizar os
fundos que estamos a receber? Então é uma forma também de justiça social,
prestação de contas. (...) Estão a sugerir aqui os colegas que, claro, por isso existe
lá na nossa sede central na Espanha um departamento que dedica-se
exclusivamente à comunicação e à sensibilização. Este departamento tem os seus
próprios projetos e muitas vezes esses projetos, digamos, eu que estou mais na
parte de implementação dos projetos participo também na definição estratégica dos
projetos de comunicação para estabelecermos à comunicação direta e para ver
quais são os pontos que os projetos de comunicação que estão a ser formulados lá
na Espanha, tem de ter em conta e quais são as informações que tem de extrair dos
nossos projetos que estão sendo implementados no terreno para retro alimentar os
projetos de comunicação.
CLARA: Agora com relação ao ponto nove. Apercebe-se de alguma prioridade de
divulgação quando é iniciado um projeto? Se sim, qual é a mais frequente?
ARAM: Prioridade de divulgação. Quando iniciado um projeto? Isso depende,
depende de muita coisa. Quer dizer, quando for iniciado um projeto novo primeiro
que tudo, é muito importante obviamente, estabelecer um plano de comunicação e
normalmente é uma questão que nós consideramos obrigatório em todos os
projetos. Mesmo que o projeto seja uma segunda fase de um projeto já em
execução, contatamos todas as entidades beneficiárias, as entidades executoras e
os stakeholders em geral, quer dizer, os atores interessados e envolvidos ou
engajados nos projetos e estabelecemos junto deles o nosso plano de comunicação.
A partir da explicação de quais são os doadores para chegarmos também a pontos
mais específicos, quais vão ser os eixos de comunicação que vamos utilizar ao
longo dos nossos projetos. Mais ou menos é isso.
CLARA: Ponto dez. Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos
realizados?
ARAM: Sim, sem dúvida. Nós sempre costumamos fazer divulgação aos
beneficiários, primeiro por uma questão de justiça. É justo e é legitimo por parte dos
beneficiários conhecerem realmente quais são os benefícios que o projeto vai
207
aportar. Então, por essa razão incluímos normalmente na linha de base dos projetos
algumas informações ou mais bem, fazemos um levantamento de quais são as
expectativas que o projeto vai gerar. E ao final do projeto ao estabelecermos a linha
de saída, fazemos o estudo de linha de saída, normalmente se faz junto de todos os
beneficiários. E isso ajuda a ver quais foram as expectativas que foram alcançadas,
quais não, e eventualmente por quê. É uma forma de aprendizagem também. De
tais maneiras, sempre é obrigatório, como qualquer estudo antropológico, na
devolução dos resultados de um estudo ou de uma pesquisa que se está a ser feita
dentro de um grupo é obrigatório, até por honestidade intelectual, a devolução
desses resultados.
CLARA: Ponto onze. Existem limitações referentes à comunicação que sejam
recorrentes?
ARAM: Sim, sem dúvida nenhuma. Primeiro, eu diria a pertinência cultural da nossa
forma de comunicar. Estou a pensar no vosso grande compatriota Paulo Freire, que
ele traz a Pedagogia dos Oprimidos, mas também a Pedagogia Participativa. Então
o nosso problema às vezes é que temos padrões de comunicação que nem sempre
chegam até a população local ou até todos os atores envolvidos. Costumamos
trabalhar com camadas da população muito diferente, com atores, grupos-alvo
muitos diferentes, por classe social, estudos, por nível educacional, por acesso à
educação que tiveram. Então essa é uma das questões que temos de ter em
consideração sempre na nossa estratégia de comunicação. Um exemplo clássico é
o uso da língua local. Nós estrangeiros que estamos aqui a facilitar às vezes os
processos, obviamente nós temos a capacidade de nos integrar dentro da realidade
local, do contexto até o ponto de poder comunicar com o pessoal local no seu
idioma, na sua língua materna. Então essa é uma das questões chaves que
devíamos ter em consideração, quer dizer, estabelecer uma estratégia específica
para cada grupo-alvo de comunicação
CLARA: Ponto quatro. Dados relativos à comunicação para o desenvolvimento. A
pergunta doze. Existe necessidade de introduzir ações de comunicação para o
desenvolvimento nos projetos? Se sim, com que metodologia? Se não, por que não?
ARAM: Depois de ter defendido desesperadamente a comunicação para o
desenvolvimento não vou responder que não. Então, claro, sim. Sem dúvida
nenhuma é preciso colocar. Eu sugeriria pensarmos sempre nos três eixos que eu
antes mencionava. Estabelecer uma metodologia, em termos gerais é muito difícil
porque depende do projeto, do contexto, dos doadores até. Então aqui é difícil fazer
um resumo, mas sim é importante definir as ações, que pretendem ser feitas,
estruturais dentro do projeto para a capacitação ou a formação do pessoal
beneficiado dos projetos. As ações em primeiro lugar, em segundo lugar, as ações
que estão dirigidas à formação ou a sensibilização ou a tomada de consciência das
sociedades dos países doadores, quer dizer, por exemplo, nesse caso a sociedade
espanhola, quais as ações com que nós fazemos a devolução dos resultados à
sociedade espanhola que finalmente com seus impostos estão a pagar a
cooperação também. E finalmente, como terceiro eixo metodológico de
comunicação, definir qual é a estratégia requerida pelo doador para a publicidade do
trabalho que está a ser financiado. Muitas vezes, no caso do terceiro eixo que é da
visibilidade, as regras estão estabelecidas pelos doadores. Então ali existem
208
manuais, existem regulamentos que é preciso respeitar. Os outros casos existem
metodologias que podem ser mais variadas, mas objetivas também.
CLARA: Agora o ponto treze. Que resultados são esperados nessas ações?
ARAM: Mais ou menos já respondi algumas dessas questões, mas calharia bom
sublinhar nesse aspecto que as ações de Comunicação para o Desenvolvimento são
sempre dirigidas à aprendizagem. Quer dizer, aprender, tanto para os beneficiários
como para os doadores, como para as outras agências de cooperação que
facilitamos estudos, facilitamos assistência técnica. Então para nós termos a
possibilidade de entrarmos em contato com outros projetos, com documentos
produzidos por outros projetos, realmente é uma forma de aprendizagem enorme,
porque nos permite evitar erros, nos permite replicar boas práticas, utilizar as lições
aprendidas e estabelecermos consequentemente linhas estratégicas consequentes
e logicamente racionais e razoáveis para melhorar o impacto de nossos projetos.
CLARA: O ponto quatorze. Quais são as limitações às ações de comunicação para
o desenvolvimento nos projetos implementados.
ARAM: Aqui acho que devíamos analisar cada projeto. Porque as limitações às
ações de comunicação nos projetos implementados, no caso dos nossos projetos
realmente uma questão é que muitas vezes os projetos, por causa da pressa, por
causa da falta de uma metodologia estruturada, por falta de verbas até às vezes
destinadas exatamente para isso nós nem sempre cumprimos com essas coisas
bonitas que já disse. Que é fomentar a aprendizagem através dos projetos.
Realmente, se falarmos do ciclo do projeto, um projeto primeiro se identifica, se
formula, se executa e finalmente se faz a avaliação do projeto. Essa avaliação do
projeto realmente, normalmente ou às vezes, infelizmente nos projetos, fecha o ciclo
do projeto. Agora, ciclo do projeto, se chama ciclo porque é um ciclo mesmo, então
seria preciso não fecharmos nunca a esse círculo, esse ciclo do projeto e utilizar a
avaliação de um projeto para a formulação ou para a identificação de mais projetos e
de mais estratégias novas e melhores de cooperação. Então é ali onde nós às vezes
falhamos, nós consideramos que terminar um projeto, hoje casualmente é o
encerramento do projeto Terra. Então quais são os documentos, quais são as lições
aprendidas que nós deveríamos de canalizar para a nova fase do projeto Terra? Se
a nova fase começar. Então aqui muitas vezes existe, acho eu, um certo receio de
parte das instituições que vão saindo do país, porque pronto, estão a fechar então,
também é uma falta de vontade, falta de, metodológica também e se calhar também,
uma falta de profissionalidade muitas vezes. E é aí onde eu acho que existe alguma
debilidade, alguma fraqueza que devíamos calhar concentrar mais esforços.
CLARA: Ponto quinze. Como pode contribuir a Comunicação para o
Desenvolvimento para a percepção do direito à cidadania em sociedades pósconflitos.
ARAM: Nossa. Isso dá para escrever um ensaio. Acho que de duas maneiras,
principalmente. Primeiro, através das ações que eu chamava de comunicação de
desenvolvimento no eixo estrutural dos projetos. No caso do nosso projeto, dos
nossos projetos, nós prevemos ações de publicação das leis, palestras, workshops
sobre o tema da cidadania. O que é a cidadania, quais são as principais leis, direitos
209
e deveres dos cidadãos? Então essa é uma forma direta em que a comunicação se
utiliza instrumentalmente para criar educação cívica, como podíamos definir lá. Em
segundo lugar também acho que é importante sublinhar que também a comunicação
ajuda na construção da sensibilidade cidadã, da cidadania. Na medida em que
facilita a troca de experiências entre países diferentes. Por exemplo, no caso
específico da MUSOL que é a organização que estou aqui a representar, às vezes
as pessoas aqui da sociedade civil do Huambo me pedem que eu expresse ou
explique qual é a situação na Espanha, exatamente como funciona a sociedade
espanhola, em termos de descentralização, de direitos e deveres dos cidadãos,
como se organizam os governos locais, as administrações locais, então pronto essa
curiosidade é fomentada exatamente pela comunicação. É criada a partir da
comunicação, da divulgação porque desperta a curiosidade das pessoas. Então, a
partir dessas preocupações e inquietações que nós vamos fomentando nas pessoas
nos líderes da sociedade civil daqui, fomentamos depois processos de trocas de
experiências em que pessoas, atores-chaves, digamos, do governo, das instituições
locais de Angola vão para a Espanha e aprender, fazem troca de experiência dentro
dos municípios lá na Espanha, dentro das comunidades autônomas, dentro dos
governos locais para ver como é que aquilo funciona. E da mesma maneira pessoas
de lá da Espanha vêm para a Angola para fomentar esse mesmo tipo de troca de
experiências. Então esse também é um fruto, um resultado direto da cooperação, da
Comunicação para o Desenvolvimento. Porque em termos de visibilidade eles
começam a perceber que lá na Espanha está a acontecer alguma coisa interessante
que pode ajudar para reestruturar o tecido social destruído pelo conflito. Os colegas
da direção estão a sugerir que, obviamente, no caso da comunicação mais estrutural
dos projetos quando nos estamos a falar de educação à cidadania, educação cívica
isso ajuda a criar uma sociedade muito mais sólida, mais consciente, mais ciente
dos seus direitos e deveres e dessa maneira obviamente vão se eliminando ou
diminuindo as possibilidades de abuso, as injustiças. Porque é uma sociedade que
já não se deixa levar pelas casualidades das coisas, pela conjuntura, mas reivindica
direitos, exige e também ao mesmo tempo é mais propensa a respeitar os deveres.
Aqueles deveres que estão previstos na lei ou então ajuda a construir uma cidadania
mais forte, a reconstruir o tecido social. A comunicação é obviamente imprescindível,
uma parte imprescindível do processo de educação à cidadania que é básico, em
todos os contextos de pós-conflito.
CLARA: Ponto dezesseis. Poderá a comunicação para o desenvolvimento contribuir
para consolidação da segurança alimentar em sociedade pós-conflito? Se sim, de
que forma?
ARAM: Seguramente. Primeiro, a Segurança Alimentar realmente não é só um
conceito. Assim, é um conceito que vem do direito humano a uma alimentação
adequada. Se chama assim. Então, se for permitido, eu queria trocar essa pergunta,
mudar mesmo. Como pode a comunicação para o desenvolvimento contribuir para a
consolidação do direito à alimentação em sociedade pós-conflito? Não só em
sociedade pós-conflito, acrescentaria eu. Porque em qualquer cidade o direito a
alimentação é mais uma vez um direito que faz parte de uma educação cívica e faz
parte daquilo que é o patrimônio da cidadania. Se entrarmos depois em questões
especificamente ligadas à segurança alimentar mais uma vez nas ações estruturais
de comunicação que estão previstas dentro do projeto a comunicação é obviamente
o principal método para garantir a sustentabilidade de qualquer projeto ou programa
210
de segurança alimentar. Não podemos pensar em chegar a um país ou a um
contexto problemático com problemas de segurança alimentar, trazer alimentos e ir
embora sem ter um programa de comunicação, porque no momento, na hora que o
pessoal das organizações internacionais forem embora, a população fica no mesmo
problema. Então não garante. A não-comunicação assegura a não-sustentabilidade
dos processos. Um exemplo claro que eu posso contar aqui é o caso da Guatemala,
onde eu estive também a trabalhar em programa de segurança alimentar. Ficava
muito claro que as pessoas comeram bem durante o processo que estava a
fomentar o projeto, mas depois tivemos que reorientar algumas ações para educar a
população, por exemplo, ao uso de boas práticas higiênicas. Porque o problema não
era só o pessoal utilizarem comida infectada ou em mau estado, mas era o problema
que eles não se lavavam as mãos. Então isso também entra, faz parte da
comunicação, de uma estratégia pedagógica de capacitação, de formação, de
sensibilização que é imprescindível. E a partir dali também eles começaram a
entender. E isso já, num âmbito muito mais amplo, que não era só a questão de se
lavar as mãos era também uma questão de ter acesso aos centros de saúde, por
exemplo, onde fossem tratados os casos de insegurança alimentar sobretudo nas
crianças. Aquilo já começa a despertar a consciência de que o centro de saúde é um
direito, o acesso à saúde é um direito que também tem que ser reivindicado e isso
contribui também à construção mais uma vez da cidadania. Acho que é tudo.
CLARA: Ok. Muito Obrigada.
211
APÊNDICE H – Entrevista com Benedito Quessongo
CLARA PUGNALONI: Complementando o ponto dezesseis.
BENEDITO QUESSONGO: A comunicação para o desenvolvimento ainda vai
contribuir para, de fato, aumentar se aquilo que são as alternativas de proteção
alimentar, no caso também pode introduzir elementos novos na comunidade como a
tração animal. Que não vai só puxar o arado, mas também vai produzir estrume
natural. Vai também contribuir para, enfim, que essas comunidades assegurem as
terras que estão a sua disposição. Produzindo nelas através de novos sistemas, de
novas tecnologias locais, como no caso a introdução da charrua, a introdução do
gado. Enfim, tudo isto vai concorrer para que de fato a comunidade tenha alimento
suficiente, que só com alimento é poderá avançar para outras ações como a
educação e ter uma boa saúde e, enfim, mais alegria na comunidade, para que de
fato a comunidade possa ser comunidade como tal.
CLARA: Está bem. Obrigada.
BENEDITO QUESSONGO 11/2009
Organização Cristã de apoio aos Desenvolvimento Comunitário (OCADEC)
Técnico Agrônomo – Diretor Origem organização: Angola
CLARA PUGNALONI: Benedito, para a gente começar. Dados referentes à restada.
Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária e desenvolvimento realizadas
por sua organização?
BENEDITO QUESSONGO: A nossa organização está a intervir em uma
comunidade, é uma comunidade (...). Esta comunidade está distribuída nas
províncias da Huíla, Cunene e Cuando Cubango e uma parte do Moxico. Foi feito
uma intervenção, a intervenção ter como base a distribuição de alimentos básicos e
utensílios agrícolas assim como outros apetrechos para a vida das pessoas, para
reiniciarem, já que durante muito tempo esses grupos perderam todos os seus
haveres durante a guerra, tanto que o país conheceu, durante muitos anos. Então
esses apetrechos é que foram distribuídos para que eles pudessem recomeçar a
vida.
CLARA: Dois. Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados.
BENEDITO: Há dificuldades, sim. Porque as comunidades estão em áreas de difícil
acesso. As deslocações para as áreas que elas vivem constituem dificuldades. E
para além de que as comunidades estão bastante dispersas, vivem em grupos
pequenos e é difícil juntá-los para poderem receber as ajudas. Tanto por vezes era
necessário esperar um dia, dois dias para que as comunidades fossem comunicadas
e pudessem vir ao local onde iriam receber os benefícios. Tanto isto constitui de fato
dificuldade, a localização e o acesso às áreas onde eles vivem, isto constitui grande
dificuldade para o desenvolvimento da atividade humanitária que levamos a cabo.
212
CLARA: Ok. Ponto três. Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos
projetos implementados nos últimos dois anos?
BENEDITO: A receptividade foi ótima, foi ótima porque as comunidades estavam
numa posição de carência, numa posição de necessidade real. Portanto, estavam
carentes de tudo e precisavam de ajuda, precisavam de apetrechos, precisavam de
alimentos, de vestuário, enfim, de todos os apetrechos que o projeto colocou à
disposição. Aliás, antes de se fazer a distribuição, primeiro foi feito um pequeno
diagnóstico para saber realmente o que as comunidades precisavam e foi aí onde se
determinou aquilo que foi distribuído. Portanto, quando nós trouxemos os produtos
que a comunidade pediu, a comunidade ficou bastante satisfeita e recebeu-nos com
muito calor, com muito carinho, porque estavam a ver que nós estávamos de fato a
responder a sua necessidade e ao compromisso que havíamos assumido na altura
do diagnóstico.
CLARA: Agora o ponto dois. Dados referentes à importância atribuída à
comunicação. Ponto quatro. Existe relevância na divulgação do doador?
BENEDITO: Existe, existe, porque nós somos uma organização não produtora de
recursos. Nós vamos buscar os recursos a doadores e normalmente quando nós
fazemos a distribuição nós informamos aos beneficiários de onde vêm as doações.
Portanto eles também ficam a conhecer realmente quem são os doadores que estão
a patrocinar, que estão a doar os produtos em questão. Tanto que eles ficam
também curiosos de saber e isto é importante para os beneficiários.
CLARA: Ponto cinco. Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação.
BENEDITO: É importante. É importante para os doadores tanto, os doadores
colocam uma importância, uma importância relevante quando a comunicação,
porque a comunicação também revela transparência, a comunicação revela uma
interação muito forte entre a organização, com os beneficiários e as autoridades
locais e o governo. Enfim, há toda essa interação de saber o que está a se fazer,
porque está a se fazer, quando é que está a se fazer. Portanto há esta interação de
comunicação entre os vários atores. E isto é bom, é bom. E os doadores atribuem
de fato uma grande importância a esse tipo de comunicação.
CLARA: Ponto seis. Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no
projeto com o uso da comunicação?
BENEDITO: Existe, sim. Existe porque a comunicação é bastante cara. Tanto
organização como as nossas, temos às vezes algumas dificuldades de encontrar
recursos, recursos para poder fazer uma comunicação efetiva, uma comunicação
bastante ativa. Com essa falta de recursos para poder, por exemplo, desenhar
constantemente as bandas desenhadas, para podermos passar os panfletos.
Panfletos são bastante caros, tato que há esta, deveria haver, há esta possibilidade,
mas há limitações também para nós podermos passar esta comunicação junto às
comunidades. Mas que de fato há a possibilidade, há. Mas há estas barreiras,
barreiras financeiras, problemas de transportação, de fazer chegar essa
comunicação junto dos beneficiários.
213
CLARA: Com relação ao ponto 3. Dados relativos à prática de ações de
comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos. Ponto sete. Existe verba
destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos projetos? Se não, por qual
motivo? Se sim, qual o percentual dos recursos que foi investido em comunicação?
BENEDITO: Existe de fato uma verba. Uma verba destinada à comunicação nos
nossos projetos, mas é uma verba pequena, muito pequena. Mais ou menos,
podemos avaliar em 3, 4% dos projetos, não mais que isso. E não é suficiente para
podermos fazer uma comunicação mais efetiva, uma comunicação mais atuante.
Existe, mas em porcentagem pequena.
CLARA: Ponto oito. Houve planejamento de comunicação estratégica para os
projetos realizados?
BENEDITO: Houve sim. Houve uma planificação estratégica nesse sentido, porque
sempre achamos que a comunicação era importante também para criar visibilidade
naquilo que nós fomos produzindo, naquilo que nós fomos trabalhando ao longo de
um determinado período. Portanto houve sempre uma planificação, uma planificação
destinada à comunicação. Tanto e nesta base houve várias informações que foram
passadas as informações. Os próprios relatórios também constituem um elemento
de comunicação, as fotografias, as bandas desenhadas, a exposição fotográfica das
atividades desenvolvidas. Tudo isto foi envolvido e é planificado mesmo antes de
realizar o projeto. Depois do projeto então fazemos a apresentação de resultados
com base nessas ferramentas.
CLARA: O ponto nove. Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é
iniciado um projeto? Se sim, qual é a mais frequente?
BENEDITO: A princípio não tem sido, o uso não tem sido muito comum, no princípio,
fazer esta divulgação. Mas deveria ser relevante logo no início fazer esta divulgação
de algum material de divulgação, no caso, por exemplo, banda desenhada sobre o
acesso à terra, sobre a divulgação da lei de terra. Isto deveria ser colocado antes,
mesmo antes ou ao longo do projeto. Quando é colocado depois do projeto cria
também alguma barreira ou algum desinteresse por parte de quem vai consumir
esse material. Mas se for no princípio ou ao longo do percurso cria sempre
curiosidade de consulta, cria sempre motivação para ir buscar mais uma informação,
algo que não se percebeu bem, pode ajudar a perceber melhor uma determinada
matéria. Há motivos para fazer perguntas a especialistas que aparecem em vários
momentos de comunicação, como seminários, como palestras. Enfim, esses
momentos que são importantes para a divulgação, mas que se as pessoas têm
material em mãos fica mais fácil fazer a consulta e fica mais fácil fazer as perguntas
e tirar as dúvidas a especialistas que aparecem nessas formações.
CLARA: Ponto dez. Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos
realizados?
BENEDITO: Houve sim. Houve sim, porque nós temos estado a fazer uma
divulgação ao nível, estamos a passar, estamos a replicar esta divulgação inclusive
nas províncias do Cunene e do Cuando Cubango. Portanto todo o trabalho que foi
feito aqui na Huíla estamos a divulgar no Cuando Cubango, estamos a divulgar no
214
Cunene através de exposição fotográfica, através de vídeos, tanto apresentamos
vídeos nas comunidades. Fizemos todo um pacote de informação de todos os
trabalhos que foram desenvolvidos ao longo do tempo e as comunidades de fato
ficam animadas, ficam motivadas e ficam com coragem de continuarem a fazerem
parte do projeto, a participarem. Porque eles vêm nos filmes, vêm nas fotografias
melhorias. Pessoas que estiveram numa posição social, numa posição política,
numa posição em que tinham dificuldade em exercerem o exercício de cidadania,
porque não tinham uma identidade, mas hoje tem. Então isto é motivo de
divulgação, temos que ter a divulgação.
CLARA: O ponto onze. Existem limitações referentes à comunicação que sejam
recorrentes?
BENEDITO: Existe. Existe, sim. Existem várias limitações. Uma das limitações é a
língua. Portanto o nosso grupo alvo, especificamente, é um grupo que fala,
sobretudo Kung, e nenhum membro da equipe fala Kung. Temos estado a trabalhar
com ativistas da Namíbia que passam de Kung para o Africaans e depois do
Africaans para o inglês. Então esse processo faz que naturalmente perca-se alguma
originalidade da comunicação original do beneficiário. Portanto este é um aspecto e
há outros aspectos ligados a problemas relacionados com a própria vivência, a
própria vivência que a comunidade teve. Problema de discriminação, problema de
exclusão faz com eles não digam tanto, não divulguem com muita naturalidade, não
divulguem com muita profundidade os seus problemas reais. Portanto, temendo por
vezes de represálias, de intimidações, enfim. Por isso é que nós temos tentado
trabalhar com pessoas que são da comunidade, que falam a língua para irem buscar
informações mais profundas possíveis. E isso só se consegue a esse nível, porque
em outro nível, se for só pessoas estranhas, pessoas vindas de organizações,
pessoas vindas de governos a irem fazer as perguntas, a ir fazer diagnósticos
dificilmente eles dizem de fato aquilo que eles sentem, aquilo que eles vivem. Temos
que ir buscar sempre pessoas da própria comunidade para conversar com seus, na
sua própria língua, aí sim conseguimos ir encontrar a verdadeira informação. Mas há
também dificuldade de logística para ir buscar ativistas na Namíbia, são custos, são
problemas migratórios, enfim, são várias dificuldades. E isto cria de fato também
algum constrangimento, algumas limitações no trabalho.
CLARA: Agora o ponto quatro. Dados relativos à comunicação para o
desenvolvimento. Número doze. Existe necessidade de introduzir ações de
comunicação para o desenvolvimento nos projetos? Se sim, com que metodologia?
Se não, por quê?
BENEDITO: Pensamos que sim. Penso que sim. Existe necessidade de produzir
mais elementos ligados à comunicação. A metodologia na nossa experiência foi a
divulgação de fotografias, o vídeo, o documentário. Tanto estes têm, na nossa
experiência, foram os que nós mais usamos e que temos resultados. Tanto usamos
a fotografia, usamos o vídeo, usamos o documentário e acho que ajudou de alguma
maneira para nós ouvirmos aquilo que é o sentimento, aquilo que são os valores das
pessoas e podermos trabalhar com base nesses valores e podermos trabalhar com
base naquilo que de fato é o que a comunidade persegue. Em termos de valores,
em termos de dignidade, em termos de dignificação da cultura, então são esses
elementos que nós usamos na nossa experiência.
215
CLARA: E o ponto treze. Que resultados são esperados nessas ações?
BENEDITO: Os resultados são aqueles em que a comunidade ganha alguma
autoestima. Existe a autoestima, a comunidade hoje sente que alguém realmente se
preocupa com eles, que o governo sabe da existência deles. Há também o exercício
da cidadania, porque há membros da comunidade que hoje tem bilhete de
identidade, tanto isto é motivo de orgulho por parte deles porque podem exercer o
exercício de cidadania. Há também a inclusão de alguns membros da comunidade
na estrutura, na estrutura tradicional de liderança do governo. Tanto para pessoas
que servem de elo de ligação entre o governo e outros atores com a própria
comunidade. Tanto estes tenham pequenos subsídios, hoje o tenham, tenham esses
pequenos subsídios, participam em reuniões de decisão a nível comunitário, tem a
possibilidade de entrar em contato com as autoridades na administração local. Então
estes são os ganhos, são os resultados visíveis, são os resultados que estão já a ser
vividos mesmo na própria comunidade. Então há uma série de ganhos, para além
das infraestruturas sociais que a comunidade está ganhando fruto da própria
advocacia. Então o governo está respondendo com ações concretas. Em duas
comunidades, por exemplo, as comunidades ganharam duas escolas, ganharam
dois postos de saúde, ganharam pontos de abastecimento de água potável. São
ganhos resultantes de um processo de intervenção que já dura mais de sete anos.
Tanto que estes são os resultados palpáveis que nós temos hoje.
CLARA: Agora sobre o item cinco. Dados sobre a contribuição da comunicação para
a difusão dos direitos humanos. Dados sobre a contribuição da comunicação para a
garantia da segurança alimentar. Ponto quinze. Como pode contribuir a
comunicação para o desenvolvimento, para a percepção do direito à cidadania em
sociedades pós-conflito?
BENEDITO: Acho que a contribuição que a comunicação pode dar para o
desenvolvimento, sobretudo nos nossos países, são países que durante muito
tempo envolveram-se em guerras civis. Neste processo de guerra, nestas guerras
perdeu-se muitos valores, perdeu-se a cidadania. Portanto é preciso que haja de
fato essa comunicação. É preciso que se divulgue a própria lei, a própria
constituição do país. É preciso que se divulgue os direitos dos cidadãos. É preciso
que se divulguem os direitos, todos os direitos, direitos civis, direitos políticos, direito
à associação, enfim todos esses direitos devem ser comunicados, devem ser
informados às pessoas para as pessoas saberem que de fato isso pode fazer.
Porque durante o período de conflito esses direitos estavam privados, tanto não
havia o direito à associação, não havia o direito à cidadania, havia brutalidade por
todo o lado. Mas hoje no pós-conflito já há motivo de continuar a informar às
pessoas que elas podem associar-se, pequenas associações para defender os seus
direitos, os seus direitos de terra, os seus direitos de uso de recursos naturais,
enfim, a própria caça e no caso são comunidades de caçadores e coletores, vivem
na orla dos parques nacionais. Porque não receberem parte daquilo que os parques
cobram de imposto, por parte de turistas, enfim as pessoas que vão para ali. Porque
não estarem também integrados nos trabalhos ligados à própria proteção do meio
ambiente, a proteção dos parques. Porque não fazerem parte de fiscais de parque e
terem direito a salários para poderem também se beneficiarem daquilo que são
recursos naturais que eles também têm o direito de usufruir. Portanto tudo isso
216
passa por uma comunicação efetiva. Passa por uma comunicação objetiva para que
as pessoas saibam dos seus direitos e a partir daí poderem reclamar junto ao
governo e junto às autoridades locais. Mas também possam conhecer os seus
deveres em sociedade, o que eles devem fazer para com as outras comunidades, o
que eles não devem fazer em relação à proteção do meio ambiente. Portanto todos
esses elementos devem ser associados para que possamos de fato ter uma
sociedade harmoniosa, uma sociedade em que há equilíbrio dos recursos, há a
divisão correta dos recursos à disposição de todos.
CLARA: Último ponto, dezesseis. Poderá a comunicação para o desenvolvimento
contribuir para a consolidação da segurança alimentar em sociedades pós-conflito?
Se sim, de que forma?
BENEDITO: Acredito que sim, acredito que a consolidação, tanto a comunicação
podem de alguma maneira contribuir para a consolidação da segurança alimentar.
Porque ao falar da segurança alimentar no grupo alvo que nós estamos a falar,
estamos a falar da segurança de terra, estamos a falar da segurança de que as
pessoas devem usufruir dos recursos naturais disponíveis. Recursos como as
florestas, a caça existente, os rios existentes, enfim, todos esses recursos, portanto
devem beneficiar a comunidade. Se a comunidade tiver toda essa informação, tiver
todos esses elementos a sua disposição naturalmente vai garantir a sua segurança
alimentar, vai garantir a terra, vai garantir a produção alimentar, vai garantir a
produção daquilo que são as suas atividades seculares como, no caso, o artesanato
– que sempre deu-lhes alguma renda - vai garantir-lhe a apicultura, por exemplo,
que também é uma atividade importante para esta comunidade e isto vai garantir de
alguma segurança alimentar. No sentido de, produz, pode produzir o seu próprio
alimento, mas também pode fazer recursos, também pode fazer riquezas. E com
estas riquezas ele pode ir buscar outros elementos essenciais a sua sobrevivência.
Pode, agora que estas comunidades estão aproximadas às escolas, as crianças
estão indo à escola, é necessário que as crianças tenham alimento suficiente para
poder ter força, capacidade de ir na escola. É preciso que os pais tenham renda,
tenham riquezas para que comprem os apetrechos necessários para que as
crianças vão à escola, como as batas, os materiais didáticos, livros, cadernos,
lapiseira, enfim tudo isso é necessário que a família tenha dinheiro, para que a
família possa comprar esses elementos e dar aos seus próprios filhos. Portanto é aí
que o exercício da cidadania tem a ver com a segurança alimentar. Se as pessoas
não são cidadãos dificilmente vão poder reclamar aquilo que é direito. Logo, a
própria identidade da pessoa, o trabalho de um homem, a criação de lideranças, a
criação de grupos de mulheres que vão trabalhar em vários aspectos. Enfim, tudo
isso vai contribuir para que a comunidade tenha o alimento suficiente para consumir
e parte para vender e poder produzir renda e poder sobreviver e poder mandar as
crianças à escola. Só assim que se poderá ter comunidades (...), comunidades com
vida, comunidades com futuro.
CLARA: Está ótimo Benedito, muito obrigada.
217
Entrevista realizada no Brasil
APÊNDICE I - Entrevista com Marianna Bicchieri - 14/3/2010
FAO – Advogada - Coordenadora Projeto Terra Angola Origem :
Itália
CLARA: Dados referentes à ajuda prestada.
Qual o escopo das intervenções de ajuda humanitária/desenvolvimento realizadas
por sua organização?
MARIANNA: A FAO/Projeto Terra buscou o desenvolvimento rural.
CLARA: Existem dificuldades que sejam recorrentes nos projetos realizados?
MARIANNA: Sim, existe uma série de dificuldades recorrentes nos projetos.
CLARA: Como por exemplo?
MARIANNA: A dificuldade de envolver os parceiros governamentais nas atividades
que estão sendo realizadas. Também a dificuldade de comunicação, dificuldades
logísticas. Estas são as principais.
CLARA: Quais seriam as dificuldades de comunicação?
MARIANNA: Existiu ao longo do processo uma dificuldade muito grande de se usar
meios de comunicação para potencializar as atividades do projeto.
CLARA: Como descreveria a receptividade dos beneficiários aos projetos
implementados nos últimos dois anos?
MARIANNA: Os beneficiários indiretos do projeto, que eram as comunidades que
acabavam sendo beneficiadas pelas atividades – essas tinham uma alta
receptividade. Depois, do lado de nossos parceiros institucionais, das instituições do
governo, esses a receptividade nem sempre era tão boa, por questão de interesses.
Dados referentes à importância atribuída à comunicação
CLARA: Existe relevância na divulgação do doador?
MARIANNA: Sim. É muito grande a relevância na divulgação do doador.
CLARA: Porque motivo?
MARIANNA: Bem, os doadores sempre pedem, pediam, aos projetos que sempre
usassem os logotipos de modo a demonstrar que aquele projeto tinha sido
viabilizado graças à doação.
CLARA: Qual a importância atribuída pelos doadores à comunicação?
MARIANNA: É uma importância muito grande.
218
CLARA: Existe a possibilidade de melhoria do resultado pretendido no projeto com o
uso da comunicação?
MARIANNA: Com certeza. Com certeza a comunicação é uma ferramenta preciosa
para envolver os atores nas atividades do projeto, para criar consciência, para
divulgar o que o projeto está fazendo. Isto é muito importante. Não é tão somente a
questão que mais vêem os doadores, que é a do Marketing.Também tem a questão
muito importante, da utilização da comunicação para buscar melhor resultado. E isto
se consegue através de ações de comunicação, não é? Através de teatro se envolve
os beneficiários. Panfletos, revistas, revista em quadrinhos. Isto tudo são coisas que
se produz. São instrumentos de comunicação que se produz e que potencializam
muito o resultado do projeto.
Dados relativos à prática de ações de comunicação nos projetos realizados
nos últimos dois anos.
CLARA: Existe verba destinada às ações de comunicação nos orçamentos dos
projetos?
MARIANNA: Sim, olha eu não saberia apontar exatamente o percentual dentro do
budget do projeto, isto eu não saberia apontar exatamente. Mas havia, sim.
CLARA: Houve planeamento de comunicação estratégica para os projetos
realizados?
MARIANNA: Sim, houve.
CLARA: Apercebe-se de alguma prioridade de divulgação quando é iniciado um
projeto? Se sim, qual é mais freqüente?
MARIANNA: Sim, quando é iniciado o projeto o mais importante é divulgar mesmo o
projeto. Os objetivos do projeto para aquelas pessoas que serão beneficiadas por
ele, e, também, àqueles que terão que participar, que terão que trabalhar como
parceiros da organização na implementação. Então, é muito importante
apresentações para que as pessoas saibam que existe aquele projeto, o que ele fará
e, também, divulgar a participação esperada dos parceiros.
CLARA: Houve divulgação aos beneficiários dos resultados dos projetos realizados
MARIANNA: Sim. Sim e não. Aos beneficiários…Para a contraparte na
implementação do projeto houve divulgação. Aos beneficiários, nem sempre.
Infelizmente, nem sempre os beneficiários tiveram a informação quanto aos
resultados quando estes foram alcançados mais em longo prazo.
CLARA:Poderia explicar a contraparte?
MARIANNA: A contraparte, no caso das Organizações da Nações Unidas, vem a
ser as instituições do governo com as quais o projeto está trabalhando.
219
CLARA: Existem limitações referentes à comunicação que sejam recorrentes?
MARIANNA: Sim, existem. Existem limitações recorrentes: a dificuldade de
implementar os planos de trabalho em comunicação e, também, às vezes, a pouca
importância que é dada à comunicação. Porque as pessoas, às vezes, imaginam,
pensam, enganadamente, que a comunicação é apenas fazer propaganda do que o
projeto está fazendo. E não é isto. A comunicação não pode ser apenas um press
release depois de um evento. Tem que ser contínua e não apenas aquele press
release, mas também se apropriar de outros instrumentos. E a dificuldade recorrente
tem sido fazer com que as pessoas entendam esta diferença entre propaganda e a
comunicação. Essa mesmo como um instrumento de desenvolvimento.
VI Dados relativos à Comunicação para o Desenvolvimento
12CLARA: Existe necessidade de introduzir ações de CpD nos projetos?
MARIANNA: Sim. É importante introduzir ações de Comunicação para o
Desenvolvimento nos projetos. E, bom, metodologias haverá muitas. O que eu
acredito que seja importante é, desde o início, se fazer um plano de comunicação
estratégica, preparar-se um marco lógico que seja um guia de atividades, das
atividades de comunicação a serem realizadas para que se siga ao longo do projeto.
13 CLARA: Que resultados são esperados nestas ações?
MARIANNA: O resultado esperado nestas ações é o maior envolvimento de todos
aqueles que são afetados pelo projeto.
CLARA: De que forma a CpD pode aumentar este engajamento?
MARIANNA: A partir do momento em que as pessoas conhecem o projeto de uma
forma mais interativa, na apenas como aquele documento de muitas páginas que
muitas vezes é difícil de entender. A partir do momento em que eles entendem o que
aquele projeto tem que fazer, quer fazer, qual o objetivo daquele projeto e qual a
parte delas nisso; de uma forma interativa e dinâmica, elas estará muito mais
interessadas em participar. E, neste momento, quanto maior o número de atores
envolvidos e interessados em contribuir para que as coisas funcionem, muito maior a
chance de êxito do projeto.
CLARA: Quais as limitações às ações de CPD nos projetos implementados?
MARIANNA: È mais ou menos a mesma resposta com relação à pergunta 11, não
é? Seria mais ou menos na mesma linha. A dificuldade é, muitas vezes, que as
pessoas entendam que a comunicação não é só aquela propaganda, mas é mais do
que isto. E eu vejo como também o mesmo problema na comunicação em si. É as
pessoas entenderem o que é comunicação, que não é só mesmo a propaganda.
V Dados sobre a Comunicação para a difusão dos Direitos Humanos e
Segurança Alimentar
220
16 CLARA: Como pode contribuir a CpD para a percepção do direito à cidadania em
sociedades-pós conflito?
MARIANNA: É uma peça fundamental para divulgar o que é a cidadania e o direito à
cidadania. Porque as sociedades pós-conflito emergem de um período em que a
cidadania, direitos, todos são conceitos esquecidos. E a melhor forma de se divulgar
mesmo é utilizar a comunicação. Divulgar quais serão os direitos.
CLARA: Poderá a Comunicação para o Desenvolvimento contribuir para a
consolidação da Segurança Alimentar em sociedades pós-conflito? De que forma?
MARIANNA: Sim, com certeza. Através de instrumentos que sirvam para passar a
mensagem de segurança alimentar. Enfim, por meio de ações que potencializem os
projetos que visam reforçar a segurança alimentar, a comunicação pode, mais uma
vez, ser um bom instrumento.
CLARA: Existe dificuldade em implementar ações de Comunicação para o
Desenvolvimento em sociedades pós-conflito?
MARIANNA: Acredito que isto é um problema que pode acontecer, hipoteticamente,
pode acontecer, porque muitas vezes os governos vêem a comunicação como uma
ameaça.
CLARA: Especificamente e não hipotéticamente, no caso do Projeto Terra existiu
essa dificuldade?
MARIANNA: Não, não houve nenhum problema no caso específico do Projeto Terra
Se fez muita divulgação da Lei de Terra, mas isto não foi um problema para as
instituições do governo. Então não houve dificuldade.
221
Entrevistas realizadas na Itália
APÊNDICE J - Entrevista com Paolo Groppo:
25/09/2009
Engenheiro Agrônomo – Chefe do SSDA
Origem organização: Itália
CLARA, FAO, Paolo Groppo. Descrição da atividade de ajuda realizada pelo seu
departamento?
PAOLO GROPPO: Mais ou menos são como 10 anos que a nossa unidade de terra
e água tem começado a se relacionar com o tema das emergências a partir de
casos de pós-conflito. Particularmente, o caso de Angola, no começo, depois Sudão,
Etiópia e também no Tadjiquistão e faz pouco tempo também, no caso do tsunami lá
na Indonésia. Essencialmente no que diz respeito o problema de acesso, o uso e
gestão dos recursos naturais, terra em particular, em situação de pós-conflito.
CLARA: E quanto tempo de atuação nessa atividade?
PAOLO: De fato, são, no nosso caso, são as atividades que historicamente
pertencem mais à FAO dita normativa, que são atividades que não entram
normalmente no bloco de emergência, porque não são. Não é possível ter uma
resposta rápida em torno desses problemas. Assim que, cada vez que temos
começado a trabalhar com o pessoal de emergência, se fosse depender de nossa
vontade, são intervenções de muitos anos e até décadas, de fato.
CLARA: Quanto à ajuda prestada, qual o escopo das ações desenvolvidas pelo
departamento?
PAOLO: Bom, para o nosso lado, eu diria que a agenda é muito clara no que diz
respeito a levantar a questão dos direitos e deveres também, que tem todo o
cidadão de um país em torno dos recursos naturais que pertencem ao espaço
público. Em particular, o ponto chave sempre foi de, eu diria, a linha mestra de fazer
conhecer aos governos que as comunidades locais, mesmo lá onde não existem
cadastros ou títulos efetivos registrados de terra, pelo feito mesmo de ela estar
sediada lá desde séculos, eles têm direitos. Direitos de vários tipos, não
necessariamente direito completo, pleno, de propriedade e que o reconhecimento
desses direitos é a base para a construção de qualquer hipótese de recuperação de
um conflito ou de um desastre natural.
CLARA: Quais são normalmente os beneficiários-alvos?
PAOLO: Bom, de mais geral, trabalhamos com comunidades inteiras, não porque
tenhamos algum problema em trabalhar com indivíduos, mas a idéia é de ter uma
massa crítica que possa assegurar uma visibilidade maior a um custo mais reduzido,
sendo as operações custosas, em termos de tempo, de recursos humanos e de
meio financeiro. Trabalhar com grupos grandes, a comunidade inteira, reduz o custo
individual. Depois de anos, à medida que conseguimos levantar ou criar o interesse,
ou maior sensibilidade em torno do tema, começamos a trabalhar dentro das
comunidades com problemas individuais e em particular, com o grupo
desfavorecido, como pode ser o caso de grupos indígenas ou com mulheres. Sendo
222
que nas comunidades, de fato são, como qualquer outra comunidade humana,
vamos dizer, contendo em seu interior, pessoas e grupos com direitos distintos. Tem
toda uma simetria de poder que é a mesma que temos na sociedade fora das
comunidades, se repete dentro, o que significa a necessidade de ir a trabalhar
também esse espaço dos grupos desfavorecidos.
CLARA: Com relação aos projetos que foram implementados nos últimos dois anos,
qual o percentual de resultados esperados que foram atingidos?
PAOLO: Eu diria que pela magnitude dos problemas, pelos escassos recursos
também financeiros e humanos que temos. Não são muitos em termos de números,
assim que eu poderia dizer que temos um caso particularmente representativo nessa
ação, muito positiva e por outro lado, um caso, vamos dizer três hipóteses. Vamos
dizer, uma situação muito positiva e uma situação negativa nos últimos dois anos e
uma situação interessante, intermédia, que ficou aí no meio. Caso negativo, é um
caso particularmente delicado, que é a situação do Sudão, onde temos começado
toda a operação no norte e no sul juntos, dentro do quadro da operação de
emergência. E depois de ter conseguido uma primeira abertura por parte dos dois
governos em torno da questão da governança das terras, de fato foram fechadas as
portas e hoje em dia a nossa sensação é que a situação vai piorando com o
aumento da situação de conflitos no país. A situação intermédio, no caso de nosso
trabalho, que fizemos na Etiópia, um país difícil com um governo que é considerado
sempre meio complicado para trabalhar, mas de fato é uma região perdida no
sudoeste do país, na região que é originária do café. Foi possível fazer uma
intervenção com todos, vamos dizer, os elementos básicos de um trabalho de
emergência desse tipo. Criação de capacidades locais, registro de títulos, reforço do
direito das mulheres. E apesar do bom trabalho feito, não conseguimos doador para
dar continuidade. O último, o caso mais interessante, é o caso de Angola, que os
resultados são hoje em dia, espetacular, no sentido de, comparado com o ponto de
partida, que não é dois anos atrás, são dez anos. Mas nos últimos dois anos foi uma
aceleração muito forte, particularmente no último ano, o que me faz pensar que uma
medição hoje dos resultados que estão escritos no projeto, com a sua quantificação
real, estamos provavelmente quase acima dos 100%.
CLARA: E o que diferencia um de outro, dos três projetos citados, para que
resultados tão diferentes sejam atingidos?
PAOLO: De certa forma, mexer com terra e recursos naturais significa mexer com
poder e não é evidente você conseguir encontrar governos e doadores que
entendam a sensibilidade, a importância estratégica de mexer com esse tema.
Assim, que de certa forma poderemos dizer que é um pouco sorte. No caso de
Angola, tivemos sorte de encontrar no momento mais complicado, doadores que
acompanharam e permitiram a continuação desse trabalho, que é um trabalho
essencialmente de criação de confiança com as entidades locais, tanto do governo
como com as ONG‟s, sociedade civil e, sobretudo, com as comunidades locais, que
voltam depois da guerra e que foi possível essa construção pelos dois lados. No
caso de Etiópia foi possível essa construção dentro do governo e com as
comunidades locais, não foi possível com os doadores, que hoje em dia, naquele
caso, não está muito interessado em acompanhar esse tipo de intervenções e
preferem fazer outra coisa, que assegura mais visibilidade. No caso do Sudão, que é
223
o caso mais complicado, de fato, tem uma resistência interna, nos dois governos, do
norte, quer dizer, no governo nacional e no governo do Sul do Sudão. De certa
forma, temos que ter a paciência, porque sabemos que foi uma semente, foi
colocada lá com, eu diria, com a certeza que um dia vamos conseguir voltar. Mas
tem um componente de sorte, não é suficiente ter uma boa capacidade técnica, uma
boa equipe. Precisa encontrar por outro lado, perante de você, alguém que tenha a
capacidade de ouvir a mensagem.
CLARA: Existe alguma dificuldade nos projetos que seja recorrente?
PAOLO: Sim, sim, sim, esse problema pelos três lados, de dentro da FAO, dentro
dos governos, com os doadores, de entender, número um: quanto estratégico é o
assunto da segurança de direitos em torno dos recursos naturais, terra, água, etc.
Segundo, que são intervenções que precisam tempo e que dificilmente batem com o
problema de visibilidade dos doadores, que precisam para seu público, resultados
em um, dois anos. Quando aqui estamos falando de criação de uma confiança, que
precisam anos, sendo relações humanas. E terceiro, com o governo, o problema
eterno de tirar o medo de abrir a caixa preta do assunto terra.
CLARA: Com relação à receptividade dos atores beneficiados nos projetos
implantados nos últimos dois anos, foi positivo ou teve algum entrave?
PAOLO: Se estamos pensando realmente em particular, nas comunidades que
foram direta ou indiretamente beneficiadas pelo projeto, quero dizer, aquelas que
graças às nossas intervenções conseguiram ter seus direitos reconhecidos. E
aquelas outras comunidades perto das comunidades principais, que tem conseguido
conhecer que existem essas possibilidades, eu diria que nosso problema hoje em
dia, é que temos uma aceitação que vai muito além da nossa capacidade de
atuação. É que nossa forma de intervenção é realmente baseada, mesmo que seja
dentro de um ambiente dito de emergência, de fato tivemos a sorte de poder
trabalhar com a paciência e o tempo necessário para criar relações humanas de
confiança. O que faz que no fim as pessoas, não somente, gostem, fiquem super
contentes com o trabalho, mas são os primeiros que depois passam a ser, vamos
dizer, multiplicadores dessa proposta. Assim que, no caso de Etiópia temos pedidos,
que vêm de todas as províncias para o governo. E das comunidades, com o apoio
dos governos locais, a sorte é que nós conseguimos ter o dinheiro. Em Angola
também, estamos com o governador da província mais antiga onde estamos
trabalhando, em Huíla, fui a falar diretamente com o diretor-geral para cumprimentar
pelas ações feitas. Temos as ONG‟s que trabalham com os indígenas, lá com o
Koisana, no sul de Angola, que também continua felicitando o trabalho que a FAO
fez, pois permitiu abrir uma discussão com resultados concretos em matéria dos
direitos dos povos indígenas também. Assim que, eu diria que há uma inversão na
questão das relações humanas, de criar a confiança, é fundamental demonstrasse
que é uma inversão para sempre.
CLARA: Com relação à importância atribuída à comunicação. Qual é a relevância da
comunicação para a divulgação do doador?
PAOLO: É central, o nosso problema é que no caso do Sudão, por exemplo,
começamos a alertar nosso parceiro nesse tema, eu diria tarde, quero dizer, era
224
preciso ter uma estratégia de comunicação a partir do primeiro dia de nossa
intervenção. De certa forma, tivemos o mesmo problema na Etiópia, mas já foi um
pouco mais estruturada, no sentido de ter pelo menos a possibilidade de produzir
material, vídeo, que foi circulado muito dentro da FAO para sensibilizar nossos
colegas das emergências, dessa sinergia possível entre nós. E no caso de Angola,
eu diria que é o primeiro projeto, em vinte anos que eu trabalho aqui na FAO, o
primeiro projeto de uma unidade técnica que tem aberto uma fase crescente para a
importância ao tema da comunicação. Eu diria que, hoje em dia, se tivesse que dizer
pensando em qualquer novo projeto, diria que 50% do êxito final depende da
comunicação.
CLARA: Quanto à importância da divulgação dos objetivos e metas pretendidos na
ação para a comunidade beneficiada?
PAOLO: Bom, no caso nosso, eu diria que a mensagem de comunicação não era
nem sequer a esse nível. Era realmente um problema e continua sendo um
problema ainda de mais (...) disso, que é o problema de tirar o medo de falar desses
temas. Assim que, veja, nossas metas e objetivos são coisas muito concretas.
Quantidades de comunidades que vão receber seus títulos, quantos funcionários
estarão capacitados em topografia, cartografia, ou seja, mas o ponto, se você chega
a uma discussão sobre esses temas, significa que já conseguiu tirar o medo. A
realidade é que qualquer intervenção nossa em matéria de recursos naturais, terra
em particular, precisa um grande trabalho de sensibilização inicial.
CLARA: E qual a importância que pode ser atribuída à divulgação prévia das futuras
ações? Não objetivos e metas, ações?
PAOLO: Eu diria, se estamos pensando em uma estratégia, que não seja
necessariamente apontada a um país só, é mais por ser uma região, por exemplo,
América Central, na zona da África do Leste, é fundamental. Ou seja, a preparação
do público, no caso nosso é chave. Não é possível de entrar a fazer um trabalho
nesses temas, sem ter feito um trabalho prévio de meses, se não mesmo de anos.
Um caso típico, estamos começando agora uma intervenção no Haiti, um país que
tem um problema dramático ligado a terra. É um típico programa feito no marco
emergencial e desde o primeiro dia começamos, desde o primeiro dia que nós fomos
associados ao projeto, mesmo antes de começar a por os pés no Haiti, começamos
a fazer essa sensibilização através de nosso escritório, de nossos colegas, em torno
da necessidade de preparar o terreno para a futura intervenção, sem saber se
vamos ter a possibilidade de fazer a intervenção. Ou seja, é um pouco assim, a olho
fechado, é fundamental fazer isso antes.
CLARA: E quanto à possibilidade de incremento do resultado, pretendido com essa
divulgação prévia?
PAOLO: Eu diria que essa etapa prévia de sensibilização dos atores, sobretudo os
atores políticos, normalmente nem conseguimos começar, assim que a diferença é
100%.
225
CLARA: Agora com relação aos dados relativos à existência de ação de
comunicação nos projetos realizados nos últimos dois anos? Existe verba destinada
a ações de comunicação nos orçamentos dos projetos?
PAOLO: O que existe é por parte de um doador em particular, que está passando a
ser um pouco o doador chave da FAO, que é a União Européia, um pedido para ter
uma porcentagem, vamos dizer, uma quantia mínima. Não sei se é uma
porcentagem fixa, mas pode ser que seja, fixa para ações que ele chamam de
comunicação, mas no fundo é de visibilidade. Porque é outra coisa, essencialmente
o problema é propaganda de quanto boa é a União Européia com esse tipo de
projeto. Assim, que isso de fato é obrigatório, uma verba que tem que ser gasta por
isto. A vantagem é que no momento que você começa a introduzir dentro do
orçamento uma linha para visibilidade, fica mais fácil depois justificar, de acrescentar
aquela linha com outras ações de comunicação. De fato, funciona um pouco como
um cavalo de Tróia, mesmo que o objetivo por si seja pouco interessante, mas é
oportunidade para. Fora desse caso, a experiência com os outros doadores, com
quem estamos negociando projetos, penso Espanha, que está sendo cada dia mais
um doador importante, ainda tem pouca sensibilidade.
CLARA: Com relação aos projetos nos últimos dois anos, houve planejamento de
comunicação estratégica?
PAOLO: Não, estamos ainda, na melhor das hipóteses, eu diria, dentro de nossa
unidade, na fase de carbonários, como podemos dizer, ou seja, nós temos
indivíduos que estão tentando puxar esse tema de baixo para cima, como é o meu
caso, mas tem também outra mulher, que trabalha com o tema água e fazendo o
mesmo tipo de lobby. Mas à medida que você vai subindo na escala hierárquica, na
melhor hipótese chega a ter essa mesma confusão, de comunicação/propaganda,
ou na pior, não se entende absolutamente ainda quanto importante seja. Assim, que
tem muitas coisas que são feitas, ou que foram feitas, ou que estamos começando a
fazer. Por exemplo: todo um programa mundial para sensibilização em torno do que
é um patrimônio agrícola mundial, onde de fato não temos estratégia de
comunicação nenhuma.
CLARA: Com relação agora a dados relativos à comunicação estratégica. Quanto à
existência de necessidade de introduzir ações de comunicação nos projetos
implementados? Qual a necessidade de introduzir estratégias de comunicação nos
projetos implementados?
PAOLO: Bom, é, desde o meu ponto de vista, ou essa organização entende que é
fundamental por um conjunto de razões, ou fechamos, ponto. No sentido que tem,
comunicação cinicamente dirigida a conseguir mais dinheiro, assim que é pensada
para os doadores. Tem uma comunicação de outro tipo que é uma ferramenta para
reforçar as capacidades dos atores mais débeis, para eles terem capacidade de
negociar seus direitos. Tem um outro tipo de comunicação necessária para puxar
um pouco de maior integração dentro mesmo da casa. São formas e objetivos
distintos, o que não significa que seja a mesma pessoa que possa fazer tudo, mas
são um mais fundamental que outro. Hoje em dia tem organizações que são
capazes de se vender, porque tem boa capacidade de marketing e não tem
conteúdo, no nosso tema mesmo. Assim, que nós estamos enfrentando cada dia
226
mais na competição por parte de uma agência, Nações Unidas, que não tem
capacidade técnica no tema nosso, terra e dentro, em particular, do tema
emergencial, mas que tem uma capacidade de organizar eventos, fazer coisas,
muito mais rápida. E o dinheiro vai com ele depois.
CLARA: No caso então, dessa necessidade de ações de comunicação, qual seria a
metodologia a ser aplicada, mais eficiente?
PAOLO: Não sendo um especialista do tema, eu sei que existe experiência pelo
menos, desde 20 anos aqui dentro de FAO tenho entendido que o meu
conhecimento vai mais para um trabalho de comunicação de base para apoiar o
empoderamento dos atores, que é uma parte do trabalho. Mas acho eu, que hoje em
dia não é suficiente, ou seja, teria que se pensar realmente em estratégia, em
metodologia diferenciada, dependendo de um grupo meta. Hoje em dia o nosso
problema é, quando eu falo de uma comunicação para empoderar o mais débil. Mais
ou menos são as experiências que a FAO pode fazer. Mas isso não te assegura
visibilidade do que você está fazendo no nível político dentro do país, ainda menos
no que diz respeito aos doadores. Assim que, é preciso ter alguém, eu diria
provavelmente, duas ou três figuras, metodologicamente bem claras a esse respeito.
Um mais voltado para campo e um mais voltado, vamos dizer, para evento de
marketing financeiro e político.
CLARA: Com relação aos projetos de comunicação implementados nos últimos dois
anos, qual seria o percentual de recursos financeiros que foi investido?
PAOLO: Acho que estamos falando num dos poucos casos onde tivemos verba,
provavelmente 5%, não mais que isso.
CLARA: E o que determina a existência ou não de verba, a partir dessa colocação,
“dos poucos casos que tivemos verba”?
PAOLO: Por um lado, de cima para baixo, não tem nenhum esforço cooperate da
organização para puxar esse tema. Assim que, devido que vivemos em um mundo
de competição contínua, se ninguém está puxando um tema, ele fica
necessariamente marginalizado. De abaixo, a unidade de comunicação da FAO
reduziu-se muito nos últimos anos, o que faz com que tenha uma, duas pessoas que
estão puxando isso, que significa que dentro do nosso horizonte, isso é muito pouco.
E globalmente, apesar de que todos vivemos em um mundo onde o tema é
comunicação, é chave, aparentemente, a pessoa passa a porta, entra aqui dentro,
dá a impressão que esquece disso. Assim que, de fato, o que precisaria ser feito é
tanto uma sensibilização num nível mais alto. Que estamos tentando fazer com
nossos projetos. Cada vez que temos oportunidade de vender o trabalho de campo
ao nosso chefe, diretor, chefe de departamento, até diretor-geral, tentamos fazer.
Que não é somente para fazer reconhecer que nós somos capazes, mas também
para dizer para ele: olha, você precisa uma estratégia de comunicação séria,
pensadas antes e não uma estratégia por temas. Agora, o meu é um quadro um
pouco preto. Mas tem coisa que está sendo feita, mais para o lado da tecnologia,
assim que, tem o poadcast, por exemplo, tem acesso a um media team que vai
preparando notícia na web Page, que tem a ver com atualizações diárias, se não,
227
mais de uma vez por dia. Mas ainda dá a impressão geral que fora do que é o efeito
assim, show, que não tem uma verdadeira estratégia.
CLARA: Quais foram os beneficiários-alvos das ações de comunicação que foram
implementados nesses últimos dois anos, junto com os projetos?
PAOLO: Bom, no caso nosso foi tanto doadores, quer dizer, os três blocos: governo,
doadores e instituições locais, tanto do governo como ONG‟s, como comunidades
locais. O governo para fazer entender o que estamos fazendo para tirar esse medo
dele de mexer com o tema recursos naturais, terra, água. O doador, para ir procurar
mais dinheiro e com as comunidades, para fazer entender mais nos detalhes,
concretamente, o que significa esse trabalho de reconhecimento do direito. De
maneira que ele possa ter vontade de falar com o seu primo, que mora em outra
província, outro país para dizer: olha, tem alguém lá que poderia nos ajudar a fazer
esse tipo de trabalho. Assim que estamos sempre pensando em mensagens
distintas. Porque para um ministro você tem que ter, vamos dizer, um discurso aí de
cinco minutos, para uma comunidade você pode ter um tempo aí, meia hora, uma
hora para falar. Assim que, é um pouco, muito artesanal o que estamos fazendo
ainda. Temos uma ajuda de um jornalista lá, no caso de Angola, temos outro que
nos ajudou no caso do Cabo Verde. Mas assim, ainda é muito incipiente.
CLARA: E nesses casos onde foram implementados esses projetos, planejamentos
de comunicação, o resultado esperado foi atingido com a comunicação?
PAOLO: Sim, sim. De fato, nós temos conseguido ter, seguramente, um
relacionamento distinto com governo, que no fim, depois de bater em cima destes
temas, de mostrar para ele através de vídeos, artigos, etc., chegou praticamente no
último dia quase do projeto, dizer: agora entendemos o quanto importante são vocês
para nós. Segundo, temos conseguido um doador que botou dinheiro, exatamente
porque participou em um desses eventos lá em Luanda, participou da apresentação
de um dos vídeos que foi feito lá e a partir daí foi enganchado o cara e começou a
conhecer mais todos os detalhes. Assim que, definitivamente, sim, a resposta foi
super positiva.
CLARA: Existem limitações às ações de comunicação, nos projetos?
PAOLO: Bom, eu diria, de maneira geral, se você formula um projeto na antiga
maneira, na maneira participativa, como é um pouco o nosso caso hoje, tem que
aceitar também as opiniões dos outros. E devido que ainda não é majoritária essa
sensibilidade em torno do tema comunicação, é difícil que seja realmente
reconhecida a sua importância no projeto. Quando tem uma possibilidade de
formular um projeto menor, de outra natureza, que depende mais, somente da
unidade técnica, é muito mais fácil colocar esses temas. Caso emblemático, um
projeto que acabamos de finalizar para Moçambique e outro estamos finalizando
para Nicarágua. No primeiro caso, a discussão com nosso consultor sênior, em
Moçambique fez que pouco a pouco, ele também começou a sensibilizar-se: vamos
botar um pouco de verba. Será sempre 1, 2, 3% do orçamento. Mas pela primeira
vez vamos começar a abrir o tema comunicação em Moçambique. No caso da
Nicarágua, sendo uma coisa que foi decidida aqui com um representante FAO muito
228
mais sensível ao tema, o projeto terá toda uma articulação com a unidade de
comunicação da FAO no escritório de Manágua em Nicarágua.
CLARA: Existem limitações no caso de comunicação estratégica que sejam
recorrentes?
PAOLO: A resposta mais óbvia poderia ser verba, mas antes de chegar para falar
de verba, o ponto é, o dinheiro chega se você consegue sensibilizar as pessoas. O
ponto chave cada vez é convencer que inverter dinheiro em alguém que saiba de
comunicação, seja para produção de vídeo ou material escrito, ou mesmo para
organizar eventos, que sempre tem um custo. Não é de graça. Vamos dizer, o
benefício, mesmo no imediato, são positivos, e não é evidente, sempre há um
ceticismo muito forte na cara das pessoas.
CLARA: Com relação agora a dados sobre a contribuição da comunicação para a
difusão dos direitos humanos e civis, qual a contribuição de projetos de
comunicação para o desenvolvimento na conscientização dos direitos humanos e
civis em sociedades pós-conflito?
PAOLO: Eu gostaria de pensar que, se consideramos os casos de intervenção mais
ampla, em Moçambique tem 17 anos, em Angola 10 anos, a forma como nós temos
encarado esse trabalho, mesmo sem ter uma estratégia planejada de comunicação,
mas que foi um pouco parte de nossa sensibilidade humana, contribuiu bastante
para abrir, vamos dizer, para abrir uma vertente de discussão em torno do conceito
dos direitos ao plural. E que hoje em dia se está instalado nesses dois países, esses
temas de direitos, a contribuição que a FAO deu a partir do tema terra foi útil. Até eu
chegaria a dizer, foi importante.
CLARA: Com relação agora à contribuição dos projetos para o resultado positivo, os
projetos de comunicação para o resultado positivo dos projetos de ajuda
humanitária?
PAOLO: Aí acho que...
CLARA: E segurança alimentar?
PAOLO: Acho que é praticamente impossível dizer qualquer coisa, porque não
conheço caso nenhum, de uma estratégia de comunicação no programa de
segurança alimentar que tenha sido feito, vamos dizer, se nossa intervenção
começa a ter algum, assim, alguma semente de comunicação, eu diria que os outros
projetos são ainda pior que o nosso.
CLARA: Com relação agora, à importância da comunicação para a construção do
sentido de cidadania em sociedades pós-conflito?
PAOLO: Bom, considerando como é o valor da comunicação, que eu entendo como
um conceito de comunicação, a importância é fundamental. Mas o ponto é, a
comunicação pode ser também uma forma para manipular. Assim que, vamos dizer,
o caso concreto nosso de fazer reconhecer os direitos de terra para as comunidades
locais. Isso é um direito que não é reconhecido por parte da maioria dos governos.
229
Assim que uma estratégia de comunicação pode realmente ajudar muito ao
sentimento de cidadania. Mas por outro lado, no momento que os governos
entendam, como podem eles usar esse trabalho feito, ele, quer dizer, que graças às
ações dos governos que foi possível fazer tudo isso. De fato, a comunicação passa
facilmente a ser pura manipulação e não sei se no final, se vai contribuir para
qualquer tipo de melhoramento para a cidadania. Assim que, quer dizer, é
fundamental que no momento de ir a mexer com o tema de comunicação, de poder
trabalhar com especialistas do tema. Ou seja, não é que alguém possa inventar
especialista porque fala bem, não é suficiente isso. O problema é de ter clara a visão
e aí no sentido que as unidades técnicas, que trabalham nos temas técnicos, como o
caso nosso, deveria de trabalhar mão na mão com um especialista de comunicação,
desde o primeiro dia. Para ter claro qual é o objetivo de largo prazo onde queremos
chegar e ver depois qual é a tática ou as táticas possíveis, que tem que ser
ajustadas no dia-a-dia de fato, para não cair na manipulação.
CLARA: O que você acha que poderia ser acrescentado a esses questionamentos?
PAOLO: Porque a FAO não faz mais esforços nesse tema? Poderia ser uma
pergunta e junto com isso, qual é a sua contribuição a cada uma das pessoas que
você vai entrevistando em torno desse tema, ou seja, uma organização desse tipo,
facilmente sendo velha, é fruto de outras dinâmicas institucionais quando esses
temas ainda não eram parte de nossa agenda. Mas o mesmo ocorreu para o tema
indígena, para o tema de gêneros, etcetera, etcetera. Assim que, a pergunta é fácil e
a resposta também, de certa forma é fácil. Que instituições velhas têm dificuldades
de aceitar esses temas novos, mas...
CLARA: Esse tema seria novo?
PAOLO: Novo no sentido que é um tema que pertence mais à última década, ou
seja, nós estamos falando de uma organização que tem 60 anos e um tema que tem
10, 15 anos, um tema ainda é novo, vamos dizer. Assim que essa primeira pergunta
de fato é propedêutica à segunda: qual é a sua contribuição pessoal? O ponto é:
você aceita as limitações da sua instituição ou você tem uma visão mais progressiva
e está disposto a lutar para isso? Por exemplo, eu não entendi hoje de manhã, se
meus colegas, você entrevistou antes, se estão na dinâmica de simplesmente
aceitar os limites, o que deu um pouco a impressão, ou se estão com vontade de
lutar para mudar. Minha resposta seria, que de fato nós não podemos aceitar esse
tipo de limite, porque, tanto para um assunto de sobrevivência de nossa instituição,
segundo porque, se queremos realmente ir mexer com a simetria de poderes no
tema do desenvolvimento, é fundamental no momento você procurar alianças com
os setores mais desfavorecidos, para que ele possa ter capacidade de sentar a
negociar seus direitos, é necessário de ter uma estratégia comunicativa, de fato
diversificada, mas clara desde o primeiro dia. Assim que o que eu estou fazendo no
meu trabalho é cada dia mais puxar para esse tema. Mesmo dentro da futura nova
direção que será criada a partir de janeiro do ano que vem, que continuará a se
chamar Divisão de Terra e Água, de fato estamos tentando de puxar, com dois, três
colegas interessados, que nosso diretor aceite a criação de um grupo para pensar
uma estratégia de comunicação nossa, de conjunto, e não de pequenos projetos
individuais. Não adianta eu vender meus projetos, não estou aqui para procurar ser
conhecido eu. Estou aqui para que tenhamos resultado lá embaixo, a terra faz parte
230
dos recursos naturais e faz junto com água, não podemos continuar a tratar esses
temas separados.
CLARA: Por favor, seu nome e seu cargo?
PAOLO: Paolo Groppo, eu sou, gosto de dizer que meu, eu trabalho como solo, que
em italiano significa sozinho, mas é um acrônimo que eu inventei que é SolutionOriented Land Officer, mas de fato sou funcionário de análise de sistema de posse
de terra.
CLARA: Obrigada.
231
Apêndice L – Entrevista com Mário Acunzo. 26/9/2009
Jornalista . Oficial de Comunicação – FAO
Origem da Organização: Itália
CLARA PUGNALONI: Qual o escopo das ações desenvolvidas pelo seu
departamento na FAO?
MARIO ACUNZO: Bueno, el departamento de recursos naturales trabaja en tres
grandes áreas, digamos en el área de cambio climático y recursos naturales, en el
área de agua y suelo y en el área de investigación y extensión agrícola. Eso son tres
grandes divisiones y en todo el departamento, es un departamento que retoma, que
se reconstruye a partir del departamento (…) sostenible, antiguamente. En ese caso
es sobretodo interesarse por esos aspectos: recursos naturales, agua y suelo y la
parte de investigación y extensión agrícola. Yo trabajo en la división de investigación
y extensión agrícola, donde hay un grupo así chamado de comunicación para el
desarrollo. Entonces comunicación para el desarrollo es parte de esta unidad,
aunque no esté reflejado en el nombre de la división, el nombre de comunicación
para el desarrollo.
CLARA: E qual o perfil dos beneficiários-alvos dos projetos?
MARIO: Bueno, digamos que la FAO traga a varios niveles, sea el nivel de terreno,
sea el nivel normativo, así chamado. Entonces en particular, digamos nosotros
damos, entre nuestras funciones damos asistencia a los países miembros, entonces
a los gobiernos, ministerios de agricultura en particular, desarrollo rural, medio
ambiente, es la creación de políticas, estrategias y sistemas de comunicación para el
desarrollo. Entonces, podemos decir que los principales beneficiarios, los
beneficiarios directos a nivel, sobre todo el trabajo de asistencia técnica, institucional
y normativo son los gobiernos. Después tenemos el programa de campo, tras de los
proyectos de terreno nosotros vamos a trabajar con una variedad de beneficiarios
que son pequeños productores, normalmente en organizaciones o instituciones
locales, por ejemplo, municipalidades, digamos, normalmente se trabaja de toda
forma atrás de gobiernos, entonces también los proyectos parte de una solicitud de
gobierno y vamos a apoyar los ministerios de agricultura para creación de sistemas
de comunicación que beneficien. En los cuales se involucran los productores
también.
CLARA: Quais os resultados esperados nos projetos desenvolvidos nos últimos dois
anos?
MARIO: La mayoría de los proyectos tienen que ver con el desarrollo de
capacidades. Entonces es como un poco en línea con lo que acabo de decir-le, es el
fortalecimiento de capacidad de los ministerios mismo para planificar estrategias o
diseñar sistemas de comunicación y institucionalizar-los. Creo que la parte más
importante que estamos tratando de ir empujando es que se institucionalicen
servicios de comunicación para el desarrollo rural en el marco de las políticas
agrícolas, es desarrollo rural. Y que se implementen esos sistemas y se validen.
Entonces estamos tratando salir de la acción micro, simplemente micro, sino
estamos yendo más hacia el desarrollo de políticas o programas, pero que también
tengan un valor de cara a los nuevos desafíos. Quiere decir que los grandes temas
232
que toma cuenta la FAO que son seguridad alimentaria, que son manejo de recursos
naturales, los aspectos nutricionales, equidades en algunas medidas y en cada
ámbito estamos viendo de cómo generar sistemas de comunicaciones que sirvan
estos procesos. Para sintetizar le puedo decir: hay tres grandes líneas de trabajo
que son de conexión para el desarrollo: una es comunicación aplicada a los
sistemas de investigación, pesquisa y extensión agrícola. Entonces la generación de
nuevos sistemas, la integración de comunicación como un elemento clave en la
innovación agrícola. Muy importante, porque, digamos siempre había un conflicto
entre extensión y comunicación. Paulo Freire mismo lo menciona en su libro. En este
caso nosotros estamos tratando de aprovechar de la debilidad de los sistemas de
extensión para darle más campo a la comunicación y que se reconozca que son
procesos comunicacionales. Y hay toda una escuela interesante, la escuela de (…)
por lo menos, que reconoce eso. La segunda línea de trabajo que estamos
generando es una línea de trabajo que tiene que ver con la comunicación para el
desarrollo y cambio climático. Entonces yo en particular soy responsable de un
programa de comunicación de cambio climático donde nos concentramos en la
generación de (…), sobretodo en apoyo a la adaptación de los pequeños
productores al cambio climático. Quiere decir, no entramos en la parte de medios o
de presión o negociaciones para la mitigación, sino enguanto viene el mandado de la
FAO hemos priorizado la adaptación como un eje. Entonces ahí estamos
implementando varios proyectos en varios países. Y por último la tercera línea de
trabajo es fortalecimiento de capacidades. Fortalecimiento de capacidades como le
decía, de los ministerios de agricultura, de los ministerios rurales y de las
organizaciones de productores de planificar e implementar procesos, sistemas,
programas de comunicación para el desarrollo.
CLARA: Com relação aos resultados esperados nos projetos, qual o percentual que
foi atingido nesses últimos dois anos?
MARIO: Digamos que la parte de valuación es la más débil siempre. Entonces no le
puedo decir una figura clara de eso. Porque también la ejecución de los proyectos
no está 100% en manos de nosotros, de técnicos de la sede, funcionarios de la
sede. Eso se depende en cada proyecto, normalmente los proyectos de
comunicación para el desarrollo son componentes de otros proyectos. Entonces,
siendo de esa forma se valúan en el marco de sus proyectos. En el marco yo puedo
decirle que en el marco del trabajo normativo que se hace desde la sede que genera
asistencia técnica a los países me parece que tenemos un buen nivel de resultados.
Quiere decir que medir, digamos en cuanto fortalecimiento de esas capacidades o a
la incorporación de comunicación para el desarrollo como un eje del desarrollo.
Entonces pienso que estamos bien, no le puedo dar una cifra.
CLARA: Há dificuldades recorrentes nestes projetos?
MARIO: Por lo que se dijeron los proyectos de terrenos, si. Las principales
dificultades que tenemos son: uno, la no incorporación de la comunicación desde el
comienzo; segundo, el hecho que no se siga un proceso, no, por etapas. Sino que
simplemente, digamos desde la parte, empezando por la parte de diagnostico en
comunicación hasta la parte de planificación, implementación, evaluación, sino que
se quieren obtener, lograr resultados rápidos, entonces simplemente se sacan
partes de los proyectos. La otra cosa es que todavía no está claro cuál es la
233
diferencia entre comunicación para el desarrollo como un proceso de
empoderamiento y de gestión local de conocimiento, informaciones y procesos
comunicacionales y lo que es gestión del conocimiento o información. Que son otros
ámbitos, otros aspectos complementarios. Y por último, creo, otro punto es el tema
económico que decir de la sostenibilidad económica, quiere decir que no, que los
mismos ministerios no incorporan en las propias políticas recursos, fondos para
financiar más allá de los proyectos las actividades de comunicación para el
desarrollo.
CLARA: Com relação à importância atribuída à comunicação, qual a relevância da
divulgação do doador?
MARIO: Es bien importante, porque ellos son los que marcan la agenda muchas
veces, pero no reconocen… La comunicación ha sido reconocida últimamente como
un eje importante del desarrollo, pero hay una influencia de los donantes sobre qué
tipo enfoque darle. En muchos casos se trata de proyectos que buscan la visibilidad
más que una función de apoyo al desarrollo realmente. La otra cosa es que muchos
están interesados en la parte de gestión del conocimiento sobre todo y uso de las
nuevas tecnologías de la información para después salen con esos proyectos de
acceso a la información del conocimiento cuando no se incluye, entonces tiene que
ver sobretodo con el acceso a los medios. Más que una discusión de realmente una
comunicación para el desarrollo, como fortalecimiento de esas capacidades de
manejar los procesos de comunicación y el dialogo entre las partes, digamos.
CLARA: Qual a importância da divulgação de objetivos e metas pretendidos na ação
implementada.
MARIO: Bueno, es bien importante. Objetivos y metas. Bien importante ahora, hay
dos cosas: uno es, podemos ver eso aplicado a dos ámbitos de la comunicación.
Uno es cuando la comunicación es de apoyo a la negociación de los proyectos
mismos, entonces como un medio para informar y negociar y concertar, acordar
digamos. E ahí es para compartir visiones al rededor de los objetivos y metas, tienes
una función de suporte para la negociación de los proyectos con la gente. La otra
cosa es, en el ámbito directamente de comunicación para el desenvolvimiento como
se comparte el negocio de acuerdo de los objetivos y metas de los proyectos de
comunicación. Entonces ahí es otro ámbito, es parte de la planificación participativa
para lo cual nosotros empezamos siempre por etapas, empezando por procesos de
diagnósticos participativos de planificación y diseño participativo de estrategias.
Donde se establecen con la gente los objetivos mismos del proyecto de
comunicación en función de, digamos su propia sostenibilidad en cuanto proceso
social. Porque digamos, un poco la definición de comunicación para el desarrollo
que nosotros tenemos es la comunicación parecida con un proceso social. Digamos,
de cara al desarrollo auto determinados de la gente, determinado por la gente.
CLARA: Quanto à possibilidade de incremento de resultado pretendido pelo projeto
com a comunicação, como seria a sua avaliação?
MARIO: No tenemos, como le digo, benchmarking, para decirle o indicadores
tampoco para identificar cuanto. Ha habido evaluaciones, digamos, en uno de los
proyectos de más larga duración de la FAO, que había sido en (…) México, se
234
estableció que gracias a la comunicación se tuvo una taja de retorno del 7%
adicional en comparación a la que se había fijado, gracias al uso de la
comunicación. Entre otros factores, quiere decir que no ha habido nunca, o hasta la
fecha, un sistema de evaluación tan sistemático para decir cuál es el retorno
adicional que se puede atribuir simplemente a la comunicación. Sin embargo,
tenemos, estamos mejorando, estamos poniendo líneas de base, indicadores para
que eso se vaya… no lo tenemos sistematizado hasta la fecha.
CLARA: Dados relativos à existência de ações de comunicação nos projetos
realizados nos últimos dois anos. Quanto à existência de verba destinada a ações
de comunicação dos orçamentos dos projetos, qual seria esse percentual nos
projetos dos últimos dois anos?
MARIO: Os que se destinam ou os que se teriam que destinar?
CLARA: Não, o que foi destinado nos últimos dois anos.
MARIO: Depende, depende porque comunicação tem sempre um promedio, posso
dizer que para informação ou visibilidade é uma coisa. Acho que todo o projeto tem
que, pelo menos, um 10% disso, prá isso. Projeto importante, grande. Não é para
comunicação para o desenvolvimento. Normalmente a gente recomenda que os 5,
10% tem que ser destinados. Por lo menos, como mínimo para isso. Eu não tenho
uma estatística, não tenho uma estatística. Eu posso te dizer também que essa
questão da comunicação para o desenvolvimento há sido caindo no FAO, baixando
muito. Então antes a gente tinha muito projeto de comunicação para o
desenvolvimento. Agora tem capacidade de monitorar tudo isso, bem. Agora,
simplesmente a gente responde pelo que pode fazer, as demandas que, bem... Por
isso que não tenho dados. Temos uns quantos projetos tendo implementação e
temos vários componentes de comunicação para o desenvolvimento. Mas não tem
um desenvolvimento tão grande do setor que justifique um monitoramento. Agora, a
FAO está indo para uma reestruturação a partir do ano que vem e se vai criar uma
oficina de investigação, extensão e manejo de informação. Então nós vamos
participar desse novo sistema e aí eu creio que sim, vamos a tener la capacidad
humana, técnica para poder hacer de forma más sistemática. Ahora estamos
respondiendo a solicitudes puntuales o en algunos casos tenemos algunos
proyectos modelo, pero son unos cuantos. El sector no está desarrollado como
estaba hace 10 años, por ejemplo.
CLARA: Por quê?
MARIO: Porque ha habido, como decía, un cambio, primero en la parte de gestión
de la FAO, quiero decir, comunicación para el desarrollo ha sido incorporada en la
extensión, entes era un programa afuera de extensión rural. Era un programa en el
marco del departamento de comunicación e información. Después se fue absorbida
en la pelea que hubo siempre, permanente entre extensión y comunicación. En la
FAO la extensión logro que se inserte, que se incorpore la comunicación. Entonces
de ahí en adelante ha sido disminuyendo la relevancia también como programa de la
FAO y la importancia también de darle un monitoreo. Queda el interés queda la
demanda pero se ha venido disminuyendo todo eso.
235
CLARA: Com relação a planejamento de comunicação estratégica realizado nos
últimos dois anos, qual seria o percentual de projetos que foram contemplados por
um planejamento que comunicação estratégica, comunicação para o
desenvolvimento?
MARIO: Eu acho que… Los sectores son los ámbitos donde hay mayor demanda de
esto son los de transferencia tecnológica. Donde la mayoría de ellos tiene un (…) de
comunicación, porque nosotros, justamente es la ventaja de estar en ese sector.
Ahora todos los demás proyectos están incorporando comunicación, alguna forma
de comunicación, todos tienen, la mayoría de ellos tienen y tienen para una
información más como decíamos, una información pública o gestión del
conocimiento. Hay, yo diría, hasta esta la fecha nosotros tenemos como unos,
déjame pensar, como unos cinquenta proyectos en todo el mundo. O componente
de proyectos, no más que esto, son como cinquenta. No sé cuanto tenga toda la
FAO pero son unos cinquenta.
CLARA: Nos últimos dois anos?
MARIO: Si.
CLARA: Agora dados relativos à comunicação estratégica. Sobre a existência da
necessidade de produzir projetos de comunicação nos projetos implementados. Qual
a necessidade de produzir projetos de comunicação nos projetos implementados?
Já implementados.
MARIO: ¿Que están terminados?
CLARA: Que estão em andamento e que não tem planejamento de comunicação
estratégica.
MARIO: Es una necesidad, sobretodo de documentar los resultados de los
proyectos, de difundir los que han sido esos resultados, los resultados para
aprender, para sistematizar las experiencias de forma participativa con la gente o de
valuación participativa también de los proyectos. Bueno, son dos ámbitos:
información o evaluación. Información sobre los resultados recibirá o, como le digo…
CLARA: Existe algum tipo de limitação a essas ações de comunicação ou ao
desenvolvimento de projetos de comunicação para o desenvolvimento?
MARIO: Si, es un poco la falta de sensibilidad por parte de los técnicos que
desarrollan los proyectos. Falta orientación sobre que es comunicación para el
desarrollo y que puede hacer, primeramente. Segundo, falta la disponibilidad, bueno
falta el convencimiento en que sea un factor útil, entonces por eso falta también
demonstrar lo que decíamos anteriormente, o sea cual es impacto adicional que
puede generar eso. Yo creo que ha sido un poco una falla nuestra, en los últimos
años, nuestra, de nuestro sector, no haber trabajado más la parte de valuación para
demonstrar la parte de impactos. Aún que los impactos siempre queden demostrarse
por vías económicas. Pero se ha trabajado poco en eso, hemos perdido un poco.
Esos dos aspectos son los que afectan más, creo.
236
CLARA: E existe alguma limitação justamente na comunicação que seja uma
limitação recorrente?
MARIO: En la comunicación, si. Esa, primeramente la parte de valuación.
CLARA: ¿Y?
MARIO: Bueno, la parte de educación a la comunicación, porque para crear las
condiciones para que se tenga comunicación hay que educar la gente, sensibilizar la
gente, que es un proceso indispensable. Y no solo convencer del valor económico
sino que es un factor de desarrollo. Entonces esa parte de preparar claras
condiciones y no solo formar, si no sensibilizar y no solo los donantes, o no solo los
decisores, pero también la gente misma que recibe comunicación. Yo creo que es un
proceso educativo muy importante, porque la gente al conocer el papel que tiene en
su proprio desarrollo, desenvolvimiento, la comunicación la va a usar o la va a
querer usar como una herramienta de liberación, como herramienta de autodesarrollo. Entonces falta esa parte educativa de reflexión sobre el papel que tiene
en la sociedad y en el desarrollo. Y eso a todos niveles, al nivel de políticos, de los
decisores, de los técnicos y de la gente, de los mismos productores.
CLARA: Como se podem alcançar esses objetivos em sociedades pós-conflito que
todo um problema em sistemas de difusão da informação?
MARIO: Bueno, yo creo que es a partir de la reflexión sobre el papel que cumplen
esos contextos (…) la comunicación como factor de conciliación, como factor de
negociación, de mediación y como factor de apoyo al desarrollo también. Entonces
eso es una cosa que hay que analizarla y demostrarla de manera sencilla para que
la gente lo entienda y para que vea cual es la necesidad que se tiene al redor de la
comunicación. No creo que sea necesario tan grande historia, sino simplemente
recoger por una parte las necesidades más básicas, por otra parte algunos casos, o
algunos ejemplos de cómo se da la relevancia de los resultados que se tiene y luego
una, creo una reflexión sobre la progresión en cada contexto en cada proceso.
Quiere decir, más allá de saber que es útil o que es necesaria y que es útil, es ver
que puede pasar en un contexto específico para que la misma gente lo vaya
descubriendo. Quiere decir, guiar esta reflexión, guiar esta... y logo buscar, porque
esta es la idea de comunicación para el desarrollo, la comunicación apropiada por la
gente, en función de su desarrollo.
CLARA: Com relação à contribuição da comunicação para a difusão de direitos
humanos e direitos civis, qual seria a contribuição de projetos de comunicação para
o desenvolvimento para a conscientização dos direitos humanos e civis em
sociedades pós-conflito ou em conflito latente?
MARIO: Eu não sou um especialista do tema. Lo que te puedo decir es que la
comunicación es un derecho, es uno de los derechos básicos en una sociedad posconflicto, habría que empezar por ahí. Entonces, más que pensar en los proyectos,
en el apoyo, en el suporte que la comunicación puede dar a la situación posconflicto, hay que primero establecer que uno de los derechos básicos es el derecho
a la comunicación: a comunicar, a expresarse. Entonces y eso es, establece
digamos, un ámbito de trabajo inmediatamente claro para la analice de los limitantes
237
en cuanto la falta de esa comunicación, de esa posibilidad de comunicar. ¿Entones
después cual es el aporte? Depende de cada contexto, de cada situación. No puedo
decirte, no conozco el tema. Lo que yo conozco son situaciones de conflicto, alguna
forma de conflicto social más que de otro tipo. En casos de, por ejemplo, para
apoyar los grupos vulnerables, por ejemplo los pueblos indígenas, que es un tema
que yo trabajo mucho, entonces allá es justamente la apreciación de este y el
empoderamiento que se da través de la reivindicación de la comunicación como
espacio de desarrollo es un primer paso. Creo que a los demás (…) que ver, en
resto de los casos y contexto que no conozco porque no traigo este tema, como dije,
de conflictos.
CLARA: Com relação a resultado de projetos de ajuda humanitária, qual a
importância da comunicação para o desenvolvimento ser participe desde o início
desses projetos?
MARIO: Es fundamental. Es fundamental que la comunicación para el desarrollo se
incorpore desde el comienzo para facilitar, digamos, la eficiencia de los procesos
mismos, una mejor planificación de los proyectos inmediatamente la participación de
los sectores que hay que involucrar y también la sostenibilidad de los resultados.
Entonces también, para pasar de la emergencia a el desarrollo es indispensable
sentar las bases para que una acción de emergencia, tras de una gestión del
conocimiento, una mejor participación, una sensibilización, distintos aspectos de una
comunicación, de una estrategia, se asienten las bases para salir de la emergencia
al desarrollo. Porque de hecho, sin comunicación no hay desarrollo.
CLARA: Pelo que se pode verificar na bibliografia a respeito, a emergência não
contempla a comunicação. Até porque tem muitas coisas mais importantes no
campo nesse momento para se dedicar. Como pode se fazer uma mudança nessa
mentalidade?
MARIO: Bueno, es bien importante. Nosotros estamos entrando en ámbito, la
comunicación para las emergencias es realmente algo que se puede relacionar con
las distintas etapas de las emergencias. Por ejemplo, para la reducción de riesgo,
que es una, bueno en varios ámbitos, por ejemplo nosotros vemos el ámbito de los
recursos naturales para después la parte de emergencia misma, entonces
preparación para la respuesta y para la parte de desarrollo mismo. Entonces, hay
que ver en cada caso, estos riesgos de comunicación que vayan de cara a las fases
de la emergencia que se tiene. Creo que emergencia de conflictos, por conflictos
internos (…) siempre ligado a los temas de los recursos naturales, que es el tema de
nosotros, es siempre un tema de la gestión de riesgo y de la medición. Pienso que…
Bueno, nosotros estamos tratando de sistematizar del tema de emergencias en
recursos naturales. Hay funciones de comunicación para las emergencias que sobre
todo tienen que ver, como siempre para la parte de visibilidad e para la parte de
información hacia los beneficiarios, digamos. Pero no tanto la parte de preparación,
no es tanto la parte de movilización, no otros aspectos, es más hacia los donantes,
pues más es para rápidamente convocar a la gente. No es algo como te digo yo que,
como un proceso de acompañamiento a las distintas etapas de la emergencia.
CLARA: Mas seria fundamental, inclusive para poder passar para a população,
nesse caso de situação de emergência uma série de informações a respeito de
238
saneamento, relacionadas à saúde, relacionadas a direitos. O que precisa para fazer
essa aportagem desse conteúdo?
MARIO: Bueno, dos cosas. Yo creo que siempre están a nivel de fortalecimiento de
capacidades, porque por una parte podemos pensar en proyectos de apoyo grandes
que puedan asentar las bases para sistemas de comunicación que luego trabajen en
el marco de las emergencias y del desarrollo. Normalmente cuando, la emergencia
tiene la ventaja que, digamos, hay recursos. Entonces se puedan tirar campañas
que luego uno la puede ver a más largo plazo, como la base de un sistema de
comunicación. (…) o a otro sistema de apoyo a la toma de decisiones, entonces ahí.
Sin embargo pienso que, sobre todo eso esta, la salida está en el desarrollo de
capacidades, porque, sin proyecto hay que pensarlo esto, hay que pensarlo a partir
de la gente misma, y entonces fortaleciendo, como te digo, las capacidades sean
institucionales pero mucho más las locales de manejar procesos de comunicación
con o sin medios, o con cualquier tipo de medios. Y sobre todo con consentido, iba a
decir, que tengan, que realmente siempre estén ligando, digamos, la actividad de
comunicación, la estrategia a un proceso de desarrollo o a una visión de desarrollo.
No desligando y en el caso de las emergencias ajustándola al caso, digamos, a la
situación. Esto depende solo de la gente, solo la gente sabe cómo puede cambiar la
situación en un momento preciso a su alcance. Entonces, por ejemplo, nosotros
estamos empezando con un trabajo con realidad rurales. Que es un trabajo
importante para las emergencias, parte de recursos naturales y cambio climático.
Fortaleciendo las radios como entes promotores de desarrollo. Entonces muy
vinculadas a las acciones de desarrollo, no solo como emisoras, transformando en
un centro de comunicación para el desarrollo. Es un poco la visión que estamos
tratando de (…) en alianza con ALER y AMARC, que son las dos redes. Para eso
estamos trabajando un manual de la comunicación y del uso de la radio en las
emergencias.
CLARA: Com relação agora à importância da comunicação para a construção do
sentido de cidadania. A contribuição da comunicação para o desenvolvimento na
percepção do direito a cidadania em sociedades pós-conflito ou em conflito latente.
Qual pode ser, uma vez que isso foi perdido por conta de tanto tempo em conflito e
tanto tempo sem acesso a nenhum tipo de direito.
MARIO: Bueno, pienso que la comunicación puede ayudar a crear un sentido de
pertenencia. De la gente, del punto de vista social, geográfico y también histórico. La
comunicación puede trabajar en las memorias, en las visiones y en la percepciones
de la gente, entonces puede ayudar en destapar, digamos angustias, destapar
conflictos que estaban latentes. Y puede destaparlos y puede, no solo la parte de
negociación, sino de la mitigación mismo de los conflictos. Pueden ser importantes
de ese punto de vista. Entonces muchas veces se pueden usar como de manera
contrastiva, de un grupo contra el otro. Pero creo que también es un tema de
negociación o de concertación, pero creo que la creación de un sentido de
pertenencia común, que es un proceso histórico de recuperación de el sentido
histórico de pertenencia, en un contexto necesariamente también a través de el
reconocimiento de las diferencias y de las diferente identidades es algo que puede
ser bien importante. Creo, no sé. Eso no es mi tema
CLARA: Qual a sua opinião sobre o questionário?
239
MARIO: Muy orientado a la parte de situación de conflicto, pos-conflicto. No tiene
mucho que ver con lo nuestro. Tiene que ver, pero no directamente. Entonces tal vez
para que, del punto de vista de la FAO, esos temas no hayan sido tratado mucho,
digamos. Pero, se ve importante porque por ejemplo trabajando en situación de
emergencia, hay situación de conflictos en área de Afganistán, Paquistán, Sudan o
otras en que se podían aprovechar.
CLARA: O que poderia ser acrescentado a esse questionário?
MARIO: Primero, ¿cuál es el tema específico de la pesquisa?
CLARA: Comunicação para o desenvolvimento como ferramenta de projetos de
ajuda humanitária.
MARIO: Bueno, yo creo que eso tendría que ser más específico al tema. ¿Qué tipo
de ayuda humanitaria? Primero, porque creo que es muy…
CLARA: Segurança alimentar e direitos humanos.
MARIO: Ah, seguridad alimentaria y derechos humanos, entonces ahí estamos
viendo dos ámbitos, bueno yo priorizaría uno de los dos. Porque, por ejemplo, la
seguridad alimentaria uno puede ver la como un derecho humano también. O yo lo
marcaria, lo dividiría por sectores, por ámbitos, parte de seguridad alimentaria. Yo te
recomendaría que vieras la gente de Right to Food, derecho a la alimentación. ¿Lo
viste ya, también?
CLARA: Não, vou ver.
MARIO: Ellos tienen partes interesantes de, porque nosotros estamos más en la
parte de apoyo a la producción agrícola o la parte de transferencia tecnológica,
venimos de allá, y recursos naturales. Entonces lo que se puede añadir, se puede
estructurar un poquito más puntualmente para esos temas, porque hoy está general
para los temas, pero macro. Si las preguntas son generales, las respuestas son
generales. Pero si pueden acortarlo más a esos dos ámbitos, mejor.
CLARA: Obrigada.
240
APÊNDICE M – Entrevista com Justine (intervenções de Olivier) 25/09/2009
Socióloga. Oficial de Emergência – FAO
Origem da Organização: Itália
CLARA: Bom dia, hoje é 25/09, estamos aqui na FAO entrevistando o pessoal da
emergência Justine e Olivier. Com relação a dados da ajuda prestada, qual o escopo
das ações desenvolvidas?
FAO: Não compreendi.
CLARA: Com relação aos dados referentes à ajuda que é prestada pela
emergência, qual o escopo das ações que são desenvolvidas?
FAO: Na emergência, toda a divisão? Essas aí são múltiplas em termos de ajuda, é
muito de ajuda de inputs que se chama (...) trabalho de campo, mas já que, mas
também ajuda em termos de formação das populações em torno da coordenação da
ajuda humanitária pela agricultura. E agora o volume de trabalho de atividades da
emergência, é mais ou menos um bilhão, em português se diz, um bilhão de dólares
americanos. E cada ano este volume de operações representa mais ou menos
quinhentos milhões de novos projetos. No total são mais ou menos cem países.
CLARA: Cem países atendidos atualmente?
FAO: Cem.
CLARA: Atualmente? Atualmente, cem países atendidos?
FAO: Sim. Bom, isto muda. Agora temos um projeto grande que se chama EU food
facility que aumentou muito o volume de operações da divisão das emergências.
Ano passado eram os projetos de...
CLARA: Pode falar em italiano?
FAO: Não, italiano não...
CLARA: Espanhol?
FAO: Só francês, mas, como se chama? A crise dos preços alimentares? São
muitos pequenos projetos em muitos países, por isso que agora temos cem países
de intervenção. Normalmente é um pouco abaixo esse número.
CLARA: E quem são os beneficiários-alvos?
FAO: As populações afetadas de desastres naturais, conflitos, sim, principalmente...
FAO 2: Por exemplo, há intervenções tanto em Colômbia, onde há uma forma de
guerra civil, como em países em paz da África, mas que têm sido castigados por
241
secas ou inundações. Depende das populações, mas muitas vezes existem
emergências complexas que aliam os diferentes tipos de emergências. Ou seja,
conflitos, catástrofe natural. Em Colômbia um dos projetos que temos consiste em
ajudas a populações exiladas pelo conflito. Houve uma operação de distribuição de
sementes com capacitação às mulheres exiladas. Também na República
Democrática do Congo que tem muitas populações exiladas, necessitam muita ajuda
os exilados pelos conflitos, mas a esses se somam muitas vezes as secas.
CLARA: Com relação aos resultados esperados nos projetos desenvolvidos nos
últimos dois anos, qual foi o índice de satisfação ou de metas atingidas?
FAO: Uma pergunta muito difícil. Agora não temos números de pessoas que
ajudamos. É muito difícil...
CLARA: Não é número de pessoas, é percentual de projetos satisfatórios.
FAO: Todos.
CLARA: Todos atingiram os objetivos?
FAO: O problema é que não temos essa maneira de ver os projetos. Um projeto,
enfim, não é, é uma mistura de sucesso, não é sempre um sucesso total ou um
fracasso. É uma mistura, então é um pouco difícil dizer uma percentagem de
sucesso.
CLARA: Com relação, assim, a resultados atingidos nos últimos dois anos, não teria
como fazer uma avaliação?
FAO: Não, mas em 2010 vamos começar um sistema baseado sobre os resultados,
quer dizer, a FAO vai mudar a maneira de avaliar os efeitos e talvez, em dois anos,
vai ser possível dizer se um projeto atingiu os dados ou não. Isso, agora, é um
pouco difícil.
CLARA: Existem dificuldades nos projetos que sejam recorrentes?
FAO 2: Eu, na minha pouca experiência, acho que dificuldades recorrentes, não.
Podemos dizer que temos sempre as mesmas dificuldades?
FAO: Particularmente, a chegada tarde de “inputs”, dos insumos. Bom, é uma coisa
bastante crucial de fazer chegar os insumos em tempo para plantar. A FAO não é
uma organização muito forte na logística e às vezes as coisas chegam tarde e
quando é tarde, é um pouco difícil de utilizar essas coisas, especialmente as
sementes. Outras dificuldades recorrentes é...
FAO 2: É essencialmente isso. É verdade, às vezes chegam os insumos tarde,
então já não é a boa estação para plantar e muitas vezes os lugares onde se
conservam, por exemplo, as sementes, não são adequados, então...
FAO: A qualidade das sementes pode ser um problema, também, não sempre. Ou a
adaptabilidade das sementes para a cultura local não é sempre adaptada, sim.
242
CLARA: Quanto à receptividade por parte dos atores beneficiados em relação aos
projetos implantados nos últimos dois anos. Em todos foi um caso de aceitação?
FAO: De quê?
CLARA: Quanto à receptividade dos atores beneficiados com relação ao tipo de
projeto implantado, normalmente é o que seria a demanda? Uma vez que os
projetos são feitos e são implementados?
FAO: Não posso dizer hoje, é uma pergunta para o terreno... Mas aqui, bom, é um
pouco difícil de dizer...
CLARA: Eu vou reformular a pergunta. A emergência tem uma estratégia de ação
para fazer a intervenção. Mas na verdade, as necessidades podem ser diferentes,
em terrenos diferentes e os beneficiários diferentes. Como se administra essa
situação complexa utilizando, normalmente, uma ação pré-determinada?
FAO: Não. A ação não é pré-determinada. Normalmente, quando acontece um
desastre, a ação, a decisão de que tipo de projeto vai se fazer, é uma decisão que
normalmente se toma depois do assessment, de um inquérito. E normalmente isso é
feito com as autoridades e as comunidades do país. Não é sempre possível, mas
normalmente é o método que utilizamos. Bom, mas como já dito, que é possível que
o tipo de sementes que cheguem não é exatamente o tipo adaptado. Normalmente,
o projeto é designado com as comunidades, com as autoridades do país. E,
principalmente, nesse tipo de situação, desastres naturais, é uma discussão de
insumos, de animais, é uma coisa bastante standard.
CLARA: E com relação ao pós-conflito?
FAO: Pós-conflito? É sempre conflito, por exemplo, em Congo ou... Sudão tinha um
conflito e temos atividades. As atividades de reconstrução depois de um conflito ou
de uma catástrofe natural são mais de uma atividade de desenvolvimento. Mas
durante o conflito, é a mesma coisa, não é sempre possível de fazer o inquérito, mas
normalmente, deve ser a mesma coisa. Deve ser um projeto desenhado no país
diretamente, com as equipes de terreno e as autoridades e as comunidades. E só
quando não é possível de fazer chegar as coisas em tempo, ou as coisas de tipo
adequado, é que há uma diferença. Mas normalmente dever ser adaptado às
necessidades das populações locais.
CLARA: OK. Agora, dados referentes à importância atribuída à comunicação. Qual
é a relevância da divulgação, no caso de implementação de projetos, para o doador?
FAO: A divulgação para os doadores?
CLARA: Qual a relevância da divulgação, a comunicação num projeto, para o
doador?
243
FAO: É muito relevante, porque os doadores devem ser informados das atividades,
da maneira de gastar o dinheiro, de todas as coisas, é muito relevante, sim. Porque
depois, se não fazemos isso, os doadores não continuam a ajuda.
CLARA: Agora, qual a importância da divulgação dos objetivos e metas pretendidos
na ação para a comunidade onde vai ser feita a intervenção?
FAO: Nas emergências, é um pouco difícil, mas é uma coisa que devemos fazer e
melhorar o que fazemos. Porque agora, posso dizer que não há muito deste tipo de
atividade de comunicação. Especificamente, a comunicação dos objetivos, é um
pouco, não é feito muito, não. Só em atividades de longo termo, que a presença das
atividades de emergência é bastante velha, é bastante, há muitos anos esse tipo de
coisa se..., mas quando são, quando é uma atividade rápida, normalmente, não há
muitas atividades de comunicação.
CLARA: E haveria algum benefício em fazê-las?
FAO: Sim, claro. Mas a decisão de fazer, de investir nesse tipo de, porque custa
bastante dinheiro também. Mas a decisão de se fazer com uma escala de
prioridades e com as atividades, mas sim, claro, se é possível, se temos dinheiro.
CLARA: Qual a importância atribuída à divulgação prévia das futuras ações aos
atores-alvo? Divulgar antes aos atores-alvo, o que vai ser feito?
FAO: Atores-alvo?
CLARA: Quando vocês fazem a intervenção?
FAO: Sim (...) não é mesma coisa...
CLARA: A outra pergunta se referiu qual a importância de fazer divulgação de
ações, agora, qual a importância de divulgar o que vai ser feito, para aquelas
pessoas que serão atingidas?
FAO: O que vai ser feito?
CLARA: Sim.
FAO: Primeiro, antes da ação...
CLARA: Existe importância nisso ou não?
FAO: Sim, bom, normalmente, como dito, normalmente, quando a ação em curso de
desígnio, isso é feito com o inquirido e com a participação das comunidades.
Normalmente, deve se fazer, nessa altura, não sei se é relevante de fazer, ações
específicas de comunicação em cima disso.
CLARA: Existe uma possibilidade, de utilizando a comunicação nessa etapa, existe
uma possibilidade de incremento do resultado pretendido, ou não?
244
FAO: Não, desculpe...
CLARA: Fazendo a intervenção de comunicação, existe a possibilidade que essa
intervenção possibilite que sejam maximizados os resultados de um projeto ou não?
FAO: Com a comunicação? Claro, sim. Um exemplo, um exemplo bastante simples,
mas que é um exemplo do PMA, da distribuição alimentar. Comunicação antes da
ação, de dizer: vamos distribuir comida aqui. Se a gente não sabe, não vem. Depois,
que tipo de comida vai ser distribuída, que tipo de, como utilizar a comida, que tipo
de coisas, de outras coisas. Por exemplo, não sei, uma panela. Bom, é importante
para a gente saber. Quantas pessoas vão chegar para levar a comida, se é só uma
pessoa, não vai conseguir levar um saco de cinquenta quilos. Sim, é muito
importante, porque a ação pode ser um fracasso total, esse é um exemplo bastante
simples, que não é da FAO, mas é a mesma coisa para a FAO.
CLARA: Existe uma verba determinada nos projetos para comunicação?
FAO: Não. Uma verba?
CLARA: É.
FAO 3: Uma verba é uma porcentagem do orçamento.
FAO: Muito pouco. A única parte das atividades de emergência, que tem uma parte
de comunicação bastante grande nos orçamentos é a parte da Avian Flu, da
Influenza Aviária. Que pode ser até 50% da atividade, porque é uma ação muito, que
utiliza muito a sensibilização, que divulga muita informação, então é muito
importante. Os outros projetos quase nada.
CLARA: E existe a necessidade de introduzir ações de comunicação nos outros
projetos?
FAO: Sim. Uma coisa que nós queremos fazer, queremos trabalhar dentro da
organização para fazer isso, mas devo dizer que a FAO não é uma organização
muito orientada para a comunicação. Como a UNICEF pode ser, ou PMA.
CLARA: Que metodologia vocês pensam em utilizar nesses futuros projetos de
comunicação?
FAO: Bom, penso que na FAO a metodologia desenvolvida pela parte de
comunicação para o desenvolvimento, é bastante, primeiro vamos tentar utilizar
essa metodologia, depois, se não funciona, talvez uma outra. Também a
metodologia depende dos países, não é a mesma coisa fazer comunicação na Ásia
e na África, completamente diferente. Não é possível de utilizar...
CLARA: Nas ações de comunicação implementadas nos últimos dois anos, qual o
percentual de recursos relativo ao montante geral do projeto, que foi destinado para
a comunicação?
245
FAO: Como já disse, nos projetos de Influenza Aviária, pode ser até 50%, mas
normalmente 25, mas os outros quase 0 (zero), quase, podemos dizer 5, mas, é
muito generoso.
CLARA: E quais as limitações das ações de comunicação além da questão do
financiamento?
FAO: A cultura, a cultura da organização, que não é muito (...) sobre a
comunicação...
FAO 2: Isto está mudando um pouco.
FAO: Está mudando, mas...
FAO 2: Está mudando um pouco, porque com o exemplo que ele deu do PMA, quer
dizer, eles estão melhor preparados, então estão mais ricos. A comunicação, se não
se tem uma boa comunicação, além do interesse imediato para os beneficiários, já
não se tem dinheiro para financiar os projetos... Então é claro que a divisão de
emergência tem que trabalhar mais em comunicação, mas eu diria que se está
começando uma reflexão a nível global na FAO sobre a comunicação. Não somente
para desenvolvimento, também agora para a comunicação para a emergência.
Como comunicar, deve se explicar às pessoas porque a agricultura pode ser
fundamental em situações de emergência.
CLARA: Existem limitações que sejam recorrentes, na área da comunicação,
relativa aos projetos?
FAO: Sim, o problema de não ter dinheiro específico para a comunicação, depois
resulta em uma falta de pessoal. Não temos pessoal de comunicação de uma
maneira sistemática nos países, nas várias operações, também pelo
desenvolvimento, não é só uma coisa de emergência na FAO. Não temos oficiais de
comunicação regionais, nos escritórios regionais, não temos. A UNICEF, dentro de
um país tem uma equipe de comunicação, a FAO, uma pessoa, não tem. É uma
limitação de base, outros, talvez de métodos, mas é uma questão de investimento e
de ter o pessoal adequado.
CLARA: Com relação agora, à contribuição da comunicação para difusão de direitos
humanos e direitos civis, porque o direito à alimentação estaria dentro dos direitos
humanos. Qual a contribuição dos projetos de comunicação para o desenvolvimento
na conscientização dos direitos humanos e civis em sociedades pós-conflito, ou
conflito latente ou pós-desastres?
FAO: Essa é uma falta grande. A FAO não é uma organização que se volta muito
aos direitos humanos. Tivemos um projeto da alimentação, que já acabou...
FAO 2: Não há uma verdadeira visão na FAO de direitos humanos. A pesar de que
o direito à alimentação seja um direito humano protegido pelo Pacto de 66, acho que
aqui, e de comunicação também, se esquecem, então, por exemplo, é muito
sintomático o fato de que havia, há uma unidade, um Right to Food que foi criado há
quatro ou cinco anos...
246
FAO: Ainda?
FAO 2: Ainda não, acho que ainda não. (...) E está financiada pela Alemanha, então
é como sintomático que sobre o orçamento regular da FAO não se houvesse criado
uma unidade de direito à alimentação. É um dos direitos fundamentais do Pacto,
então...
FAO: O próprio pessoal da FAO não percebe o que é o direito à alimentação. Pode
fazer uma sondagem dentro da FAO para ver, mas não é uma orientação da, ao
nível da organização, são poucas pessoas...
FAO 3: E no grupo Emergências?
FAO: Não.
FAO 3: Mas teria espaço para falar disso? Ou estaria proibido?
FAO: Proibido, não.
FAO 2: Acho que sim. Haveria espaço, mas interesse, talvez não.
FAO: Espaço sim, sempre, mas cada vez que eu tentei dizer que devemos adotar
primeiro uma linguagem dos direitos humanos, a gente não percebe. É só sobre a
linguagem, por exemplo, não dizer como dizemos target beneficiary, esse tipo, de
falar de beneficiários e essas coisas, normalmente, não. Eu trabalhei na UNICEF
primeiro, eu tive uma revolução na UNICEF, que agora não pode se falar de
beneficiários, só pode se falar de rigths holders, na FAO é uma linguagem
totalmente estranha...
FAO 2: E é uma pena, porque o Comitê de Direito Econômicos Sociais e Culturais
fez um general comment sobre o direito à alimentação. Então estão todas as
ferramentas para falar. Houve um princípio de reflexão na Oficina Jurídica. Mas
como que o princípio ficou no princípio, não se desenvolveu. Isso não deveria ser
dito.
FAO: Uma coisa sintomática, a FAO tem um documento que fala de values, nos
valores da FAO não entra em direitos humanos. É uma coisa que não consegue
perceber, uma organização das Nações Unidas, que tem um texto de valores, que
diz: os nossos valores são tal, tal, tal, e os direitos humanos não. É um problema de
cultura organizacional.
CLARA: A contribuição da comunicação para o desenvolvimento no resultado
positivo de projetos de ajuda humanitária e focados em segurança alimentar.
FAO: O início da questão?
CLARA: A contribuição da comunicação para o desenvolvimento no resultado
positivo dos projetos de...
247
FAO: Não conheço, é uma pergunta para o serviço de Mario, não, não sou muito
antigo na FAO.
CLARA: Sobre a importância da comunicação para a construção do sentido de
cidadania? A comunicação poderia contribuir para a percepção do direito à
cidadania nas sociedades pós-conflito ou conflito latente? Que entra aí o direito à
alimentação, o direto à informação, o direito à comunicação?
FAO: Claro, mas o problema primeiro deve ser uma grande mudança na FAO, para
fazer isso. É só se ao nível do país temos uma equipe, um chefe de equipe ou não
sei quê, que há uma sensibilidade particular sobre isso, que é possível. Mas até
agora não houve isso.
CLARA: Como explicar esse,
comportamento? Digamos, esses valores, quando
a organização sediou o 1º Congresso Mundial de Comunicação para o
Desenvolvimento? Saiu a carta do Consenso de Roma, quer dizer, como se
administra esse contra-senso?
FAO: É difícil para mim dizer, porque sou bastante, só estou trabalhando na FAO faz
menos de dois anos, penso que a FAO, em nível da base, da essência da FAO, é
uma organização técnica. E por isso, na cultura é a técnica que domina tudo. A
técnica de agricultura, tudo que tem uma relação com agricultura. E depois, as
outras questões de direitos humanos, de comunicação, mesmo de gestão dos
projetos, são secundárias. Bom, isso penso que está, que agora tem uma mudança
na organização. Porque uma realização que a técnica não vê bastante, que é um
pouco difícil sobreviver só com isso. E um fato bastante importante que, um
programa de emergência que não é baseado sobre um conhecimento técnico como
as outras divisões da FAO, é o programa mais importante da FAO, e que é mais da
metade de todas as atividades de campo da FAO. É por isso, penso que há uma
mudança que deve acontecer na FAO e que vai acontecer. Penso que a razão
principal é que haverá uma organização técnica.
CLARA: Pode-se falar em resultado ou atitude técnica quando se trata de fome? A
dimensão política e social não seria prioritária e a técnica secundária?
FAO: É uma questão para Jack (...). Sim, talvez, mas é uma questão para a direção
da organização e os países membros, a governação da FAO. Sim, bom, entra a
técnica, claro, mas na solução do problema da fome, entra a técnica, claro, mas não
só.
CLARA: O que você acha que poderia ser acrescentado neste questionário?
FAO: Nesse quê?
CLARA: Nesse questionário? Nestes questionamentos? O que mais poderia ser
acrescentado, em sua opinião, nestes questionamentos?
FAO: Acho que é essencial desenvolver uma atitude positiva de comunicação dentro
da FAO, essencial. Porque há um risco que é, a organização vai desaparecer. Claro,
porque a grande força técnica da FAO, não é bastante. Deve ser comunicada,
248
devemos desenvolver com os parceiros, as outras agências das Nações Unidas, e
isso leva à comunicação. Nós precisamos dizer ao mundo o que fazemos e como
fazemos e ao mesmo tempo, devemos sempre melhorar a maneira de trabalho, mas
a comunicação é essencial, essencial. E aqui temos também os projetos, devemos
começar a sistematizar uma parte de comunicação dentro de todos os projetos,
comunicação com as comunidades, com as autoridades, com os parceiros. Mas é
uma cultura que, bom, não estamos perto.
CLARA: Justine, o que poderia ser acrescentado a esse questionário?
FAO 2: Estou de acordo com ele. E eu lembro de um exemplo de um coordenador
de emergência de América Latina, havia vindo aqui e dizia, para ilustrar a
comunicação carente da FAO, dizia: tu vais a uma reunião, estão todas as demais
agências, o alto comissariado dos refugiados, a UNICEF, o PMA. E todo mundo
sabe exatamente o que faz. E vocês porque estão aqui nesta reunião de
emergência, os da FAO, vocês não salvam vidas, o que estão fazendo aqui? E
porque é verdade, porque nós no momento - tomara que mude - não somos capazes
de explicar por que a agricultura pode ser e é fundamental em um período de
emergência. Então também dificultamos, com esta carência de comunicação, ao
pessoal que trabalha no terreno. Que se sentem pouco levados a serio. Que a
comunicação não é só vento, não é só palha. Tem uma parte de palha, mas não é
só isso.
CLARA: Obrigada.
FAO 2: Isso faz parte do nosso trabalho.
FAO: É uma realidade hoje.
FAO 2: Estamos trabalhando com os demais.
249
Apêndice J – Entrevista com Olivier 25/09/2009
Economista. . Oficial de Emergência – FAO
Origem da Organização: Itália
FAO 3: A percepção que temos de fora é que Emergência está seguindo o mesmo
caminho de Centro de Inversiones. Ou seja, um grupo isolado que vive dentro da
FAO, com a diferença que vocês cresceram muitíssimo. Entretanto, seguem sendo
um mundo bastante, não digo completamente, bastante auto-referencial e que se
não fosse por “inchas pelotas” que vem de fora, essencialmente vocês poderiam
funcionar com a mesma lógica do Centro de Inversiones, buscar os consultores em
livestock, em agricultura e etcetera e viver sem a outra parte.
FAO: É verdade. É uma realidade que muda com o novo quadro estratégico. O que
fizemos na equipe SOI, Strategic Objective, que é o objetivo estratégico da
Emergência, específico da emergência, das atividades de emergência. Buscamos
um grupo de colaboradores de quase todas as divisões técnicas. E agora o plano - e
é por isso que dissemos que é uma realidade - porque o plano é de trabalhar junto
com as divisões técnicas muito, muito mais do que no passado. O diretor da divisão
sempre está dizer: o objetivo estratégico da Emergência não é só da nossa divisão,
é um objetivo da organização. Então todas as divisões devem contribuir. Nós vamos
contribuir como, por exemplo, já começamos uma transferência de fundos da
Emergência, do programa de emergência para as divisões... E penso que, nesta
altura, vimos que a divisão da Emergência é a divisão da FAO que trabalha com
todas as unidades da FAO. Todas as unidades da FAO, todas. É a única que faz
isso. A verdade é que é um programa muito autônomo, com muito financiamento.
Todo o financiamento vem dos doadores. Uma parte infinitésima do financiamento é
da organização, do programa normal da organização. E todo o resto, 99% vem dos
doadores. E por isso que é um pouco separado, um pouco autônomo, mas isto deve
mudar e vai mudar, está mudando.
FAO 3: Outra coisa que não se percebe da entrevista é, eu diria, provocando um
pouco, um certo determinismo sobre a FAO. Essa sim… se não mudar a FAO é
difícil que haja mais espaço para os direitos humanos, etcetera, etcetera. Em sua
própria experiência dentro do mundo de Emergência, onde estão as barreiras. Até
onde o trabalho de vocês é de certa forma um desafio para esta barreira vá sendo
empurrada cada dia mais?
FAO 2: Para muito não há demanda. Se você tem que fazer o que é, podes mudar,
mas te pedem de uma certa forma de se comunicar, eu pelo menos não vejo
demanda de comunicar sobre direitos humanos, sobre o fato de recordar que o
direito à alimentação é um direito básico do ser humano, mas... dizem não, não, não.
FAO: ...As barreiras. Numa organização tão grande há duas soluções: vem da base
e leva muito tempo ou vem de cima, e por ser uma revolução, o diretor decide que
toda a FAO agora vai trabalhar na base dos direitos humanos. É possível fazer isso,
mas penso que esta mudança vem da base, mas que por cima é feita uma
resistência talvez. E se fez com a comunicação.
250
CLARA: Mas vai ter que haver um trabalho muito grande de comunicação interna.
Vai ter que mudar a cultura na verdade.
FAO: Mas agora estamos espelhando uma mudança de cultura, porque tem uma
forma que está, que foi iniciado pelos membros da FAO. Mas, bom, é uma
organização muito grande que é difícil de fazer caminhar, de fazer mudar. E as
mudanças vão ser um pouco lentas. É muito difícil fazer mudar em uma organização
tão grande.
251
ANEXOS
ANEXO A -The Rome Consensus
The World Congress on Communication for Development
January 2007
Final Version
The Rome Consensus
Communication for Development
A Major Pillar for Development and Change
Communication is essential to human, social and economic development. At the
heart of communication for development is participation and ownership by
communities and individuals most affected by poverty and other development issues.
There is a large and growing body of evidence demonstrating the value of
communication for development.
Below are a very few examples of that body of evidence presented at the WCCD:
.. In 1959 a study of 145 rural radio forums in India found that forum members
learned much more about the topics under discussion than non-forum members. In
the words of the researcher „Radio farm forum as an agent for transmission of
knowledge has proved to be a success beyond expectation. Increase in knowledge in
the forum villages between pre- and post-broadcasts was spectacular, whereas in
the non-forum villages it was negligible. What little gain there was occurred mostly in
the non-forum villages with radio‟.
(Data presented by Dr Bella Mody from, Neurath, P. (1959). Part two: Evaluation and
Results. In
J.C. Mathur & P. Neurath (Eds.). An Indian experiment in farm radio forums. (pp. 59121). Paris: UNESCO)
.. The participatory communication approach adopted in Senegal led to significant
reductions in the practice of female genital cutting. Since 1997, 1,748 communities in
Senegal have abandoned FGC. These represent 33 per cent of the 5,000
communities that practiced FGC at that time.
(Tostan data -http://www.tostan.org -presented at the WCCD)
In Uganda a national and local communication process related to the corruption of
centrally allocated public funds for education at the local level in schools resulted in a
very significant decrease in the level of funds that did not reach that local level – from
80% “lost” to only 20% lost [Reinikka, R. and Sveenson, J: “The Power of
Information.” Policy Research Working Paper # 3239, 2004)
.. Communication programmes are linked to significant reductions in Acute
Respiratory Infection - ARI - in Cambodia. Since the communication campaign
started in 2004, awareness of ARI grew from 20% to 80 % and the reported
252
incidence of ARI halved. [BBC World Service Trust: Film on Health Communication
presented
at
the
First
World
Congress
on
Communication
for
Development,2006(http://www.bbc.co.uk/mediaselector/check/worldservice/meta/dps
/2006/10/061027_health_wst?size=16x9&bgc=003399&lang=enws&nbram=1&nbwm=1 )
.. Use of mobile phones and other communication techniques for farmers to obtain
information on market prices in Tanzania resulted in farmers increasing the price per
ton they receive for rice from US$100 per ton to US$600. A $200,000 investment
resulted in US$1.8 million of gross income. [ Presentation at WCCD on The First Mile
Project http://www.ifad.org/rural/firstmile/FM_2.pdf ]
Development Challenges
In the year 2006, it is estimated that 1.3 billion people world-wide still live in absolute
poverty. Even though many countries have experienced considerable economic
development, far too many remain worse off in economic and social terms.
Nelson Mandela reminds us that “Poverty is not natural - it is man-made and it can
be overcome and eradicated by the actions of human beings”.
People‟s rights to equality and to communicate are protected and advanced in the
Universal Declaration on Human Rights.
Related to poverty and rights there are other very considerable and related
challenges. These are delineated in the Millennium Development Goals (MDGs) that
are often the benchmark for decision-making in civil society, national governments
and the international development community.
Achieving improved progress on these issues requires addressing some very
sensitive and difficult challenges: respect for cultural diversity, self determination of
people, economic pressures, environment, gender relations and political dynamics
amongst others. It also highlights the need to harmonize
communication strategies and approaches, as indicated by the 9th UN Roundtable
on Communication for Development and in other international fora.
These factors often complicate and threaten the success of overall development
efforts in local, national and international arenas. It is the people related issues that
are the focus for communication for development.
Communication for Development
Communication for Development is a social process based on dialogue using a
broad range of tools and methods. It is also about seeking change at different levels
including listening, building trust, sharing knowledge and skills, building policies,
debating and learning for sustained and meaningful change. It is
not public relations or corporate communication.
Strategic Requirements
253
That development organisations place a much higher priority on the essential
elements of communication for development process as shown by research and
practice:
.. The right and possibility for people to participate in the decision making processes
that affect their lives. Creating opportunities for the sharing of knowledge of skills.
.. Ensuring that people have access to communication tools so that they can
themselves communicate within their communities and with the people making the
decisions that affect them – for example community radio and other community
media
.. The process of dialogue, debate and engagement that builds public policies that
are relevant, helpful and which have committed constituencies willing to implement
them – for example on responding to preserving the environment.
.. Recognising and harnessing the communication trends that are taking place at
local, national and international levels for improved development action – from new
media regulations and ICT trends to popular and traditional music.
.. Adopting an approach that is contextualised within cultures.
.. Related to all of the above a priority on supporting the people most affected by the
development issues in their communities and countries to have their say, to voice
their perspectives and to contribute and act on their ideas for improving their situation
– for example indigenous people and people living with HIV/AIDS
In order to be more effective in gaining improved progress on poverty and the other
MDGs the communication for development processes just outlined are required in
greater scale and at more depth, making sure that the value-added of such initiatives
is always properly monitored and evaluated.
Long Term Foundation
These processes are not just about increasing the effectiveness of overall
development efforts. They are also about creating sustainable social and economic
processes. In particular: Strengthening Citizenship and Good Governance
Deepening the communication links and processes within communities and societies
Those are essential pillars for any development issue.
Recommendations
Based on the arguments above, in order to make much more significant progress on
the very difficultdevelopment challenges that we all face we recommend that policy
makers and funders do the following:
1. Overall national development policies should include specific communication for
development components.
2. Development organisations should include communication for development as a
central element at the inception of programmes.
254
3. Strengthen the communication for development capacity within countries and
organisations at all levels. This includes: people in their communities; communication
for development specialists and other staff including through the further development
of training courses and academic programmes.
4. Expand the level of financial investment to ensure adequate, coordinated,
financing of the core elements of communication for development as outlined under
Strategic Requirements above. This includes budget line[s] for development
communication.
5. Adoption and implement of policies and legislation that provide an enabling
environment for communication for development – including free and pluralistic
media, the right to information and to communicate.
6. Development communication programmes should be required to identify and
include appropriate monitoring and evaluation indicators and methodologies
throughout the process.
7. Strengthen partnerships and networks at international, national and local levels to
advance communication for development and improve development outcomes.
8. Move towards a rights based approach to communication for development
Conclusion:
As Nelson Mandela highlighted it is people that make the difference. Communication
is about people.
Communication for development is essential to make the difference happen.
The Participants
Word Congress on Communication for Development
Rome. Italy
October 27, 2006
255
ANEXO B – Primeira Conferência das Comunidades San de Angola em 2007.
................... Depoimentos de participantes e foto de mulher exibindo certificado
....
de posse da terra. Material de divulgação da OCADEC
GRUPOS BOSCIMANES SE REÚNEM EM LUBANGO
As povoações indígenas da África Sub Sahariana promoveram um encontro
internacional para reforçar as trocas das boas practicas, ultrapassando as fronteiras
impostas pelo tratado de Berlim em 1885.
Lubango foi o cenário onde se reuniram cerca de 100
San, representantes das diferentes comunidades
quem existem hoje em Angola, para participar da
primeira cimeira nacional. A conferência contou
também com a presença dos delegados San
provenientes da Botswana, da Namíbia e da África do
Sul. O objectivo
do
encontro foi reforçar as
capacidades institucionais e de representação de cerca
75.000 pessoas que vivem naquela área do globo. Particularmente em Angola, vive
uma minoria indígena composta por aproximadamente 5.000 pessoas espalhadas
nas províncias do Kunene, Huíla,
Kuando
Kubando
e
Moxico.
Marginalizados pela sociedade os San
são objecto de vários tipo de abusos e
formas de discriminação por parte das
populações Bantu com as quais se
relacionam.
A ONG nacional Organização Cristã
de
Apoio
ao
Desenvolvimento
Comunitário (OCADEC), organizadora
do encontro, há muitos anos está a
trabalhar em diferentes áreas na
região
sul
da
Angola,
onde
256
desempenha actividades de formação e apoio aos povos índios
Zeferino Piriquito, representante da comunidade de Mupembati, explica o que acha
destes dias: “ Os nossos avos caçavam e viviam dos recursos naturais existentes,
mas nos últimos anos os animais já não aparecem mais e, por outro lado, o Estado
tem limitado o nosso deslocamento no território”.
Hoje em dia os povos San sobrevivem da colaboração com os Bantu, trabalhando
muitas
das vezes em condições de
submissão, e sendo objecto de
várias formas de abusos dos
direitos
humanos.
São
percebidos como pessoas de
segundo nível.
A historia conta que os San
foram os primeiros a povoar a
área da África Austral até o
século XII, quando também
chegaram as povoações Bantu. Neste período os San deslocaram-se para as
regiões dos actuais deserto da Namíbia e Kalahari e para algumas províncias na
zona sul de Angola. Com características económico-social nómadas estas pessoas
ainda hoje procuram sobreviver de caça. Entretanto, na realidade um grande número
de comunidades San tornaram-se sedentárias e estão a aprender técnicas para
praticar a agricultura e a pequena pastorícia.
A conferência prorcionou o encontro entre representantes San de Angola e de outros
países, facilitando assim as trocas de boas praticas.
Sara, uma mulher San que vive na Namíbia e que há muitos anos trabalha com
associações de base, conta:“ também nós há 15 anos atrás éramos objectos de
abusos e discriminações por parte das outras etnias. Mas desde 2003, depois
muitos anos de luta, esforço e organização, as nossas terras foram reconhecidas
pelo Estado. Hoje em dia temos acessos a todos os serviços básicos, como
qualquer cidadão namibiano.”
Na Namíbia foram criadas áreas de reserva para as populações San, que são zonas
abertas e sem direitos exclusivos. Mas, as decisões a cerca de acesso, uso e gestão
257
dos recursos naturais passam através de um acerto com as povoações indígenas
locais.
Para entender melhor falamos com Baba Festus do “!Khwa ttu San Culture &
Education Center” de Cape Town que afirmou: “os problemas são bastante
semelhantes entre Angola e África do Sul. Todavia o nosso país teve a coragem de
reconhecer os nossos direitos. E nós conseguimos nos organizar conservando a
diversidade cultural e a diferença de costumes.”
Um dos objectivos principiais da conferência foi contribuir para promover uma
abordagem de desenvolvimento baseada nos direitos, e criar uma consciência
pública da situação das comunidades San de Angola. A construcção de um espaço
comum entre as várias comunidades deste povo em Angola e nos países vizinhos,
também foi ponto relevante. Nos últimos anos a Organizaçào das Nações Unidas
para
a
Agricultura
e
Alimentação
(FAO),
em
parceria
com
os
governos de
Angola e da
Província
da Huíla, e
com
financiame
ntos
do
Governo da Itália e da União Européia tem apoiado algumas comunidades San da
região da Huíla. Particularmente em 2004, através do projecto OSRO/ANG/404/ITA,
a FAO apoiou a delimitação participativa da comunidade de Mupembati, no
município de Quipungo. Foi um trabalho em conjunto com as instituições do governo
da província, e que garantiu a definição de uma área de 1.389 ha sobre os quais as
famílias de Mupembati tem um direito positivo e uma clara segurança de posse. O
titulo foi oficialmente entregue aos representantes da comunidade durante o último
dia da Conferência.
258
Para a FAO eEste significativo resultado faz parte de um trabalho de assistência
técnica desenvolvido pela FAO desde 1999, junto às administrações públicas
angolanas ligadas à posse e gestão de terra. Neste momento o trabalho inicia uma
nova fase com o lançamento do projecto GCP/ANG/035/EC financiado pela União
Europeia.
A partir de agora, nasce uma nova esperança para os boscimanes de Angola. A
visibilidade para com o respeito aos seus direitos de minoria étnica, e o
reconhecimento de desses direitos pelo Estado Central, podem deflagrar a
constituiçào de formas de representaçáo institucional local visíveis, com capacidade
para discutir com as diferentes instituições. A coexistência da diversidade é o grande
desafio da África, dividia em Berlim há mais de cem anos. Só com esforço conjunto
entre instituições locais, parceiros internacionais e novas formas de democracia é
que um novo equilíbrio poderá ser alcançado.
259
ANEXO C – Declaração das Metas do Milênio das Nações Unidas
SOLIDARIEDADE
I - Valores e Princípios
1.
Nós, Chefes de Estado e de Governo, reunimo-nos na Sede da Organização
das Nações Unidas em Nova York, entre os dias 6 e 8 de setembro de 2000, no
início de um novo milênio, para reafirmar a nossa fé na Organização e em sua Carta
como bases indispensáveis de um mundo mais pacífico, mais próspero e mais justo.
2.
Reconhecemos que, para além das responsabilidades que todos temos
perante nossas sociedades, temos a responsabilidade coletiva de respeitar e
defender os princípios da dignidade humana, da igualdade e da eqüidade, no nível
mundial. Como dirigentes, temos, um dever para com todos os habitantes de
planeta, em especial para com os desfavorecidos e, em particular, com as crianças
do mundo, a quem pertence o futuro.
3.
Reafirmamos nossa adesão aos propósitos e princípios da Carta das Nações
Unidas, que demonstraram ser atemporais e universais. De fato, sua pertinência e
capacidade como fonte de inspiração aumentaram, à medida que se multiplicaram
os vínculos e foi se consolidando a interdependência entre as nações e os povos.
4.
Estamos decididos a estabelecer uma paz justa e duradoura em todo o
mundo, em conformidade com os propósitos e princípios da Carta. Reafirmamos a
nossa determinação de apoiar todos os esforços que visam respeitar a igualdade e
soberania de todos os Estados, o respeito pela sua integridade territorial e
independência política; a resolução dos conflitos por meios pacíficos e em
consonância com os princípios de justiça e do direito internacional; o direito à
autodeterminação dos povos que permanecem sob domínio colonial e ocupação
estrangeira; a não ingerência nos assuntos internos dos Estados; o respeito pelos
direitos humanos e liberdades fundamentais; o respeito pela igualdade de direito de
todos, sem distinções por motivo de raça, sexo, língua ou religião; e a cooperação
internacional para resolver os problemas de caráter econômico, social, cultural ou
humanitário.
5.
Pensamos que o principal desafio com o qual nos deparamos hoje é
conseguir que a globalização venha a ser uma força positiva para todos os povos do
mundo, uma vez que, se é certo que a globalização oferece grandes possibilidades,
atualmente seus benefícios, assim como seus custos, são distribuídos de forma
muito desigual. Reconhecemos que os países em desenvolvimento e os países com
260
economias em transição enfrentam sérias dificuldades para fazer frente a este
problema fundamental. Assim, consideramos que, só através de esforços amplos e
sustentados para criar um futuro comum, baseado em nossa condição humana
comum, em toda a sua diversidade, pode a globalização ser completamente
eqüitativa e favorecer a inclusão. Estes esforços devem incluir a adoção de políticas
e medidas, a nível mundial, que correspondam às necessidades dos países em
desenvolvimento e das economias em transição e que sejam formuladas e aplicadas
com a sua participação efetiva.
6.
Consideramos que determinados valores fundamentais são essenciais para
as relações internacionais no século XXI. Entre eles figuram:
1.
A liberdade. Os homens e as mulheres têm o direito de viver sua vida e
de criar os seus filhos com dignidade, livres da fome e livres do medo da violência,
da opressão e da injustiça. A melhor forma de garantir estes direitos é através de
governos de democracia participativa baseados na vontade popular.
2.
A igualdade. Nenhum indivíduo ou nação deve ser privado da
possibilidade de se beneficiar do desenvolvimento. A igualdade de direitos e de
oportunidades entre homens e mulheres deve ser garantida.
3.
A solidariedade. Os problemas mundiais devem ser enfrentados de
modo a que os custos e as responsabilidades sejam distribuídos com justiça, de
acordo com os princípios fundamentais da eqüidade e da justiça social. Os que
sofrem, ou os que se beneficiam menos, merecem a ajuda dos que se beneficiam
mais.
4.
A tolerância. Os seres humanos devem respeitar-se mutuamente, em
toda a sua diversidade de crenças, culturas e idiomas. Não se devem reprimir as
diferenças dentro das sociedades, nem entre estas. As diferenças devem, sim, ser
apreciadas como bens preciosos de toda a humanidade. Deve promover-se
ativamente uma cultura de paz e diálogo entre todas as civilizações.
5.
Respeito pela natureza. É necessário atuar com prudência na gestão
de todas as espécies e recursos naturais, de acordo com os princípios do
desenvolvimento sustentável. Só assim poderemos conservar e transmitir aos
nossos descendentes as imensuráveis riquezas que a natureza nos oferece. É
preciso alterar os atuais padrões insustentáveis de produção e consumo, no
interesse do nosso bem-estar futuro e no das futuras gerações.
6.
Responsabilidade comum. A responsabilidade pela gestão do
desenvolvimento econômico e social no mundo e por enfrentar as ameaças à paz e
segurança internacionais deve ser partilhada por todos os Estados do mundo e ser
exercida multilateralmente. Sendo a organização de caráter mais universal e mais
representativa de todo o mundo, as Nações Unidas devem desempenhar um papel
central neste domínio.
7.
Com vista a traduzir estes valores em ações, identificamos um conjunto de
objetivos-chave aos quais atribuímos especial importância.
261
II - Paz, Segurança e Desarmamento
1.
2.
Não pouparemos esforços para libertar nossos povos do flagelo da guerra seja dentro dos Estados ou entre eles - que, na última década, já custou mais de
cinco milhões de vidas. Procuremos também eliminar os perigos que as armas de
destruição em massa representam.
Decidimos, portanto:
1.
Consolidar o respeito às leis nos assuntos internacionais e nacionais e,
em particular, assegurar que os Estados-Membros cumpram as decisões do Tribunal
Internacional de Justiça, de acordo com a Carta das Nações Unidas, nos litígios em
que sejam partes.
2.
Aumentar a eficácia das Nações Unidas na manutenção da paz e
segurança, dotando a Organização dos recursos e dos instrumentos de que esta
necessita para suas tarefas de prevenção de conflitos, resolução pacífica de
diferenças, manutenção da paz, consolidação da paz e reconstrução pós-conflitos.
Neste contexto, tomamos devida nota do relatório do Grupo sobre as Operações de
Paz das Nações Unidas e pedimos à Assembléia Geral que se debruce quanto
antes sobre as suas recomendações.
3.
Intensificar a cooperação entre as Nações Unidas e as organizações
regionais, de acordo com as disposições do Capítulo VIII da carta.
4.
Assegurar que os Estados participantes apliquem os tratados, sobre
questões como o controle de armamentos e o desarmamento, o direito internacional
humanitário e os direitos humanos, e pedir a todos os Estados que considerem a
possibilidade de assinar e ratificar o Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional.
5.
Adotar medidas contra o terrorismo internacional e aderir o quanto
antes a todas as convenções internacionais pertinentes.
6.
Redobrar nossos esforços para pôr em prática o compromisso de lutar
contra o problema mundial das drogas.
7.
Intensificar a luta contra o crime transnacional em todas as suas
dimensões, nomeadamente contra o tráfico e contrabando de seres humanos, e a
lavagem de capitais.
8.
Reduzir tanto quanto possível as conseqüências negativas que as
sanções econômicas impostas pelas Nações Unidas possam ter nas populações
inocentes, submeter os regimes de sanções a análises periódicas e eliminar as
conseqüências adversas das sanções para terceiros.
9.
Lutar pela eliminação das armas de destruição em massa, em
particular as nucleares, e não excluir qualquer via para atingir este objetivo,
nomeadamente a possibilidade de convocar uma conferência internacional para
definir os meios adequados para eliminar os perigos nucleares.
262
10.
Adotar medidas concertadas para pôr fim ao tráfico ilícito de armas de
pequeno calibre, designadamente tornando as transferências de armas mais
transparentes e apoiando medidas de desarmamento regional, tendo em conta todas
as recomendações da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio Ilícito de
Armas Pessoais e de Pequeno Calibre.
11.
Pedir a todos os Estados-Membros que considerem a possibilidade de
aderir à Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e
Transferência de Minas Pessoais e sobre a sua Destruição, assim como às
alterações ao protocolo sobre minas referente à Convenção sobre Armas
Convencionais.
3.
Instamos todos os Estados-Membros a observarem a Trégua Olímpica,
individual e coletivamente, agora e no futuro, e a apoiarem o Comitê Olímpico
Internacional no seu trabalho de promoção da paz e do entendimento humano
através do esporte e do Ideal Olímpico.
III - O desenvolvimento e a erradicação da pobreza
1.
Não pouparemos esforços para libertar nossos semelhantes, homens,
mulheres e crianças, das condições degradantes e desumanas da pobreza extrema,
à qual estão submetidos atualmente um bilhão de seres humanos. Estamos
empenhados em fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e em
libertar toda a humanidade da carência.
2.
Em conseqüência, decidimos criar condições propícias, a nível nacional e
mundial, ao desenvolvimento e à eliminação da pobreza.
3.
A realização destes objetivos depende, entre outras coisas, de uma boa
governança em cada país. Depende também de uma boa governança no plano
internacional e da transparência dos sistemas financeiros, monetários e comerciais.
Defendemos um sistema comercial e financeiro multilateral aberto, eqüitativo,
baseado em normas, previsível e não discriminatório.
4.
Estamos preocupados com os obstáculos que os países em desenvolvimento
enfrentam para mobilizar os recursos necessários para financiar seu
desenvolvimento sustentável. Faremos, portanto, tudo o que estiver ao nosso
alcance para que a Reunião Intergovernamental de Alto Nível sobre o
Financiamento do Desenvolvimento, que se realizará em 2001, tenha êxito.
5.
Decidimos também levar em conta as necessidades especiais dos países
menos desenvolvidos. Neste contexto, parabenizamo-nos com a convocação da
Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Países Menos Desenvolvidos,
que irá realizar-se em maio de 2001, e faremos tudo para que obtenha resultados
positivos.
Pedimos aos países industrializados:
1.
que adotem, de preferência antes da Conferência, uma política de
acesso, livre de direitos aduaneiros e de cotas, no que se refere a todas as
exportações dos países menos desenvolvidos;
263
2.
que apliquem sem mais demora o programa de redução da dívida dos
países mais pobres muito endividados e que concordem em cancelar todas as
dívidas públicas bilaterais contraídas por esses países, em troca deles
demonstrarem sua firme determinação de reduzir a pobreza; e
3.
que concedam uma ajuda mais generosa ao desenvolvimento,
especialmente aos países que estão realmente se esforçando para aplicar seus
recursos na redução da pobreza.
6.
Estamos também decididos a abordar de uma forma global e eficaz os
problemas da dívida dos países em desenvolvimento com rendimentos baixos e
médios, adotando diversas medidas de âmbito nacional e internacional, para que a
sua dívida seja sustentável a longo prazo.
7.
Reconhecemos as necessidades e os problemas especiais dos países em
desenvolvimento sem litoral e por isso pedimos aos doadores bilaterais e
multilaterais que aumentem sua ajuda financeira e técnica a este grupo de países,
com o objetivo a satisfazer as suas necessidades especiais de desenvolvimento e
ajudá-los a superar os obstáculos resultantes da sua situação geográfica,
melhorando os seus sistemas de transporte em trânsito.
8.
Decidimos ainda:
1.
Reduzir pela metade, até o ano de 2015, a porcentagem de habitantes
do planeta com rendimentos inferiores a um dólar por dia e a das pessoas que
passam fome; do mesmo modo, reduzir pela metade a porcentagem de pessoas que
não têm acesso à água potável ou carecem de meios para obtê-la.
2.
Lutar para que, até esse mesmo ano, as crianças de todo o mundo meninos e meninas - possam concluir o ensino primário e para que haja igualdade
de gêneros em todos os níveis de ensino.
3.
Até então, ter detido e começado a inverter a tendência atual do
HIV/Aids, do flagelo da malária e de outras doenças graves que afligem a
humanidade.
4.
5.
9.
Prestar assistência especial às crianças órfãs devido ao HIV/Aids.
Até o ano 2020, ter melhorado consideravelmente a vida de pelo
menos um bilhão de habitantes das zonas degradadas, como foi proposto na
iniciativa "Cidades sem Bairros Degradados".
Decidimos também:
1.
Promover a igualdade de gêneros e a autonomia da mulher como
meios eficazes de combater a pobreza, a fome e de promover um desenvolvimento
verdadeiramente sustentável.
2.
Formular e aplicar estratégias que proporcionem aos jovens de todo o
mundo a possibilidade real de encontrar um trabalho digno e produtivo.
264
3.
Incentivar a indústria farmacêutica a aumentar a disponibilidade dos
medicamentos essenciais e a colocá-los ao alcance de todas as pessoas dos países
em desenvolvimento que deles necessitem.
4.
Lutar para que todos possam aproveitar os benefícios das novas
tecnologias, em particular das tecnologias da informação e das comunicações, de
acordo com as recomendações formuladas na Declaração Ministerial do Conselho
Econômico e Social de 2000.
IV - Proteção de nosso meio ambiente comum
1.
Não devemos poupar esforços para libertar toda a humanidade, acima de
tudo nossos filhos e netos, da ameaça de viver num planeta irremediavelmente
destruído pelas atividades do homem e cujos recursos já não serão suficientes para
satisfazer suas necessidades.
2.
Reafirmamos o nosso apoio aos princípios do desenvolvimento sustentável,
enunciados na Agenda 21, que foram acordadas na Conferência das Nações Unidas
sobre Ambiente e Desenvolvimento.
3.
Decidimos, portanto, adotar em todas nossas medidas ambientais uma nova
ética de conservação e de salvaguarda e começar por adotar as seguintes medidas:
1.
Fazer tudo o que for possível para que o Protocolo de Kyoto entre em
vigor de preferência antes do 10º aniversário da Conferência das Nações Unidas
sobre Ambiente e Desenvolvimento, em 2002, e iniciar a redução das emissões de
gases que provocam o efeito estufa.
2.
Intensificar nossos esforços coletivos em prol da administração,
conservação e desenvolvimento sustentável de todos os tipos de florestas.
3.
Insistir na aplicação integral da Convenção sobre a Diversidade
Biológica e da Convenção das Nações Unidas da Luta contra a Desertificação nos
países afetados pela seca grave ou pela desertificação, em particular na África.
4.
Pôr fim à exploração insustentável dos recursos hídricos, formulando
estratégias de gestão nos planos regional, nacional e local, capazes de promover
um acesso eqüitativo e um abastecimento adequado.
5.
Intensificar a cooperação para reduzir o número e os efeitos das
catástrofes provocadas por seres humanos.
6.
Garantir o livre acesso à informação sobre a seqüência de genoma
humano.
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
V - Direitos Humanos, Democracia e Boa Governança
1.
Não pouparemos esforços para promover a democracia e fortalecer o estado
de direito, assim como o respeito por todos os direitos humanos e liberdades
265
fundamentais internacionalmente
desenvolvimento.
2.
reconhecidos,
principalmente
o
direito
ao
Decidimos, portanto:
1.
Respeitar e fazer aplicar integralmente a Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
2.
Esforçarmo-nos para conseguir a plena proteção e a promoção dos
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as pessoas, em
todos os países.
3.
Aumentar, em todos os países, a capacidade de aplicar os princípios e
as práticas democráticas e o respeito pelos direitos humanos, incluindo o direito das
minorias.
4.
Lutar contra todas as formas de violência contra a mulher e aplicar a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher.
5.
Adotar medidas para garantir o respeito e a proteção dos direitos
humanos dos migrantes, dos trabalhadores migrantes e das suas famílias, para
acabar com os atos de racismo e xenofobia, cada vez mais freqüentes em muitas
sociedades, e para promover uma maior harmonia e tolerância em todas as
sociedades.
6.
Trabalhar coletivamente para conseguir que os processos políticos
sejam mais abrangentes, de modo a permitirem a participação efetiva de todos os
cidadãos, em todos os países.
7.
Assegurar a liberdade dos meios de comunicação para cumprir a sua
indispensável função e o direito público de ter acesso à informação.
VI - Proteção dos grupos vulneráveis
1.
Não pouparemos esforços para garantir que as crianças e todas as
populações civis que sofrem com as conseqüências das catástrofes naturais, de
atos de genocídio, dos conflitos armados e de outras situações de emergência
humanitária recebam toda a assistência e a proteção de que necessitam para
poderem
retomar
uma
vida
normal
quanto
antes.
Decidimos, portanto:
1.
Aumentar e reforçar a proteção dos civis em situação de emergência
complexas, em conformidade com o direito internacional humanitário.
2.
Intensificar a cooperação internacional, designadamente a partilha do
fardo que recai sobre os países que recebem refugiados e a coordenação da
assistência humanitária prestada a esses países; e ajudar todos os refugiados e
pessoas deslocadas a regressar voluntariamente às suas terras em condições de
segurança e de dignidade, e a reintegrarem-se sem dificuldade nas suas respectivas
sociedades.
266
3.
Incentivar a ratificação e a aplicação integral da Convenção sobre os
Direitos da Criança e seus protocolos facultativos, sobre o envolvimento de crianças
em conflitos armados e sobre a venda de crianças, a prostituição infantil e a
pornografia infantil.
VII - Responder às necessidades especiais da África
1.
2.
Apoiaremos a consolidação da democracia na África e ajudaremos os
africanos na sua luta por uma paz duradoura, pela erradicação da pobreza e pelo
desenvolvimento sustentável, para que, desta forma, a África possa integrar-se na
economia mundial.
Decidimos, portanto:
1.
Apoiar plenamente as estruturas políticas e institucionais das novas
democracias da África.
2.
Fomentar e apoiar mecanismos regionais e sub-regionais de
prevenção de conflitos e de promoção da estabilidade política, e garantir um
financiamento seguro das operações de manutenção de paz nesse continente.
3.
Adotar medidas especiais para enfrentar os desafios da erradicação da
pobreza e do desenvolvimento sustentável na África, tais como o cancelamento da
dívida, a melhoria do acesso aos mercados, o aumento da ajuda oficial ao
desenvolvimento e o aumento dos fluxos de Investimentos Estrangeiros Diretos,
assim como as transferências de tecnologia.
4.
Ajudar a África a aumentar sua capacidade de fazer frente à
propagação do flagelo do HIV/Aids e de outras doenças infecciosas.
VIII - Reforçar as Nações Unidas
1.
2.
Não pouparemos esforços para fazer das Nações Unidas um instrumento
mais eficaz no desempenho das seguintes prioridades: a luta pelo desenvolvimento
de todos os povos do mundo; a luta contra a pobreza, a ignorância e a doença; a
luta contra a injustiça; a luta contra a violência, o terror e o crime; a luta contra a
degradação e destruição do nosso planeta.
Decidimos, portanto:
1.
Reafirmar o papel central da Assembléia Geral como principal órgão
deliberativo, de adoção de políticas e de representação das Nações Unidas, dandolhe os meios para que possa desempenhar esse papel com eficácia.
2.
Redobrar os esforços para conseguir uma reforma ampla do Conselho
de Segurança em todos os seus aspectos.
3.
Reforçar ainda mais o Conselho Econômico e Social, com base em
seus recentes êxitos, de modo a que possa desempenhar o papel que lhe foi
atribuído pela Carta.
267
4.
Reforçar a Corte Internacional de Justiça, de modo que a justiça e o
primado do direito prevaleçam nos assuntos internacionais.
5.
Fomentar a coordenação e as consultas periódicas entre os principais
órgãos das Nações Unidas no exercício das suas funções.
6.
Velar para que a Organização conte, de forma regular e previsível, com
os recursos de que necessita para cumprir seus mandatos.
7.
Instar o Secretariado para que, de acordo com as normas e
procedimentos claros acordados pela Assembléia geral, faça o melhor uso possível
desses recursos no interesse de todos os Estados-Membros, aplicando as melhores
práticas de gestão e tecnologias disponíveis e prestando especial atenção às tarefas
que refletem as prioridades acordadas pelos Estados-Membros.
8.
Promover a adesão à Convenção sobre a Segurança do Pessoal das
Nações Unidas e do Pessoal Associado.
9.
Velar para que exista uma maior coerência e uma melhor cooperação
em matéria normativa entre as Nações Unidas, os seus organismos, as Instituições
de Bretton Woods e a Organização Mundial do Comércio, assim como outros órgãos
multilaterais, tendo em vista conseguir uma abordagem coordenada dos problemas
da paz e do desenvolvimento.
10.
Prosseguir a intensificação da cooperação entre as Nações Unidas e
os parlamentos nacionais através da sua organização mundial, a União
Interparlamentar, em diversos âmbitos, principalmente: a paz e segurança, o
desenvolvimento econômico e social, o direito internacional e os direitos humanos, a
democracia e as questões de gênero.
11.
Oferecer ao setor privado, às organizações não-governamentais e à
sociedade civil em geral mais oportunidades de contribuírem para a realização dos
objetivos e programas da Organização.
3.
Pedimos à Assembléia Geral que examine periodicamente os progressos
alcançados na aplicação das medidas propostas por esta Declaração e ao
Secretário-Geral que publique relatórios periódicos, para que sejam apreciados pela
Assembléia e sirvam de base para a adoção de medidas ulteriores.
4.
Nesta ocasião histórica, reafirmamos solenemente que as Nações Unidas são
a casa comum indispensável de toda a família humana, onde procuraremos realizar
as nossas aspirações universais de paz, cooperação e desenvolvimento.
Comprometemo-nos, portanto, a dar o nosso apoio ilimitado a estes objetivos
comuns e declaramos a nossa determinação em concretizá-los.
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PUC