SEGURANÇA URBANA: AUTORIDADES E INEFICIÊNCIA - 70 ENVELHECIMENTO E SENILIDADE Aristoteles Rodrigues Professor e Psicólogo, Mestre em Ciência da Religião. Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da UFJF. [email protected] Quase sinônimos, felizmente envelhecimento e senilidade não o são: há pessoas, tais como Nelson Mandela, Austregésilo de Athayde, Fernando Henrique Cardoso, ainda jovem na comparação com, por exemplo, Oscar Niemeyer, ou minha prima, Elide Benatti, recentemente falecida aos 108 anos, que desmentem a possível sinonímia – ficaram velhos e não senilizaram (e se alguém não gosta da palavra "velho", lembro que "idoso" deriva de "ido"). Quando, então, os étimos se confundem? Além de eclosões fisiológicas, como Alzheimer ou Parkinson, ou de efeitos deletérios de outras moléstias, a exemplo do diabetes, há a senilidade, passível de saneamento até certo ponto, derivada de pouco uso do corpo e do cérebro. Como será um cérebro pouco usado? Pode ser o de um brilhante estadista, ótimo engenheiro, excelente professor, preclaro comerciante, que deixa de estimulá-lo, a partir de um dado momento da vida, seja porque se aposentou, seja por uma dor que tenha passado do limite de seu controle, seja porque se considerou realizado. Todas as possibilidades são ruins, caso não haja desejo se senilizar-se. A última, porém, é ofensiva a si próprio e à comunidade – mais a esta última. Por que? A si próprio porque cada um de nós, ao nascer, é condenado a viver, por paradoxal que isso sugira: crescer, trabalhar, produzir, reproduzir-se, envelhecer, morrer um dia (todos morreremos, jovens ou não), de preferência buscando a felicidade. Mas, como defendo o direito ao suicídio, também defendo o direito de que pessoas nasçam, cresçam e morram sendo infelizes pela própria vontade. Aos demais, porque cada um de nós se aproveitou do trabalho de milhões, de bilhões de pessoas, para chegar onde chegou, quer saiba disso, quer não: pessoas plantaram para que ele comesse. Pessoas teceram fios para ele se vestisse. Pessoas comeram menos, para que ele comesse. Pessoas vestiram-se menos, para que ele se vestisse. Por isso, cada um de nós deve à sociedade o estágio em que chegou – e, claro, também deve a si mesmo (quantos contemporâneos de Einstein tiveram a mesma oportunidade? Dezenas, provavelmente. Ele a usou). E se deve, não é justo que se deixe envelhecer senil. Se é verdade que nenhum de nós (além dos religiochatos) tem o direito de exigir atividade permanente dos outros, mesmo que esse que exige seja ativo até a morte (momento, aliás, conceituado por Freud como a plenitude da vida, porque depois dele não haverá mais nada a fazer), em compensação as pesquisas têm demonstrado que a maior parte daqueles que se deixam senilizar fazem-no por ignorância, por acreditar que não lhes resta mais nada, além de esperar pela morte e a repetir sempre os mesmos assuntos, mesmo sabendo que ficaram tediosos e repetitivos, são ouvidos por piedade, são atendidos por piedade. Desses mortos-vivos repetitivos, uma parte compreende, quando alertada, que pode voltar a viver na plenitude de sua possibilidade – haverá mais semi-inválidos velhos do que jovens, porque tiveram mais tempo para sofrer acidentes, para desenvolver doenças incapacitantes. E como voltar a viver? Nem é tão difícil, porque movimento é vida - se tiver dinheiro, academia de ginástica ajuda infinitamente. Se não, caminhar é um santo remédio para o corpo. E para o espírito/cérebro? Aprender romeno, cavaquinho, dança, crochê, pesquisar a própria genealogia, ter ou criar um filho, candidatar-se a cargo eletivo, qualquer coisa que lhe seja atraente e seja nova em sua vida. Uma parte desses mortos-vivos repetitivos, por seus motivos próprios, que podem vir a ser pesquisados, recusa-se até a compreender que, até que morram, ficarão tediosos, repetitivos, serão ouvidos por piedade. Ainda que aplaudamos alguns e sintamos piedade por outros, vale lembrar que a humanidade é o que é exatamente porque inclui todos os tipos e que até as guerras, coisas horrendas, trouxeram benefícios a todos os que delas participaram ou não. Temos a idade emocional exata de nosso planeta, do universo, ainda estamos na adolescência da humanidade. E o que tem isso a ver com segurança? A cidade foi criada por pessoas e destinou-se, como se destina, a proteger as pessoas. A segurança das pessoas está ligada à existência da cidade, cuja manutenção é feita com parte do rendimento do trabalho de cada um – inclusive do rendimento do trabalho dessas pessoas. Esses, que esperam passivamente pela morte, custam muito à sociedade: o pronto-socorro, o hospital que os abriga, a comida especial que acabam tendo que consumir, o sofrimento que causam aos demais membros da família, a redução da produção desses mesmos membros da família, em função de emoções desencontradas. A polícia do Rio de Janeiro tem posto em prática uma idéia surgida em filme nacional: estimular os velhos a manterem-se vigilantes em suas áreas, sabendo que eles têm mais tempo para estar atentos ao que se passa em suas ruas, em seus bairros. É um bom modo de mexer com áreas do cérebro até então inativas, mas não é o suficiente, velho não é vigia e essa atividade entrará em rotina rapidamente. Se a cidade não puder prover segurança também a essas pessoas, para que envelheçam vivas, não estará cumprindo seu papel, embora seja paga para isso.