A TEORIA NEOINSTITUCIONALISTA DO PROCESSO Uma Trajetória Conjectural ROSEMIRO PEREIRA LEAL Doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da UFMG Professor efetivo da UFMG e professor de Direito Processual em níveis de Bacharelado, Mestrado e Doutorado da PUC Minas Presidente Fundador e Conselheiro Nato da Associação dos Advogados de Minas Gerais Presidente e fundador do INPEJ (Instituto Popperiano de Estudos Jurídicos) Membro efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais A TEORIA NEOINSTITUCIONALISTA DO PROCESSO Uma Trajetória Conjectural Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz Volume VII Belo Horizonte 2013 CONSELHO EDITORIAL Álvaro Ricardo de Souza Cruz André Cordeiro Leal André Lipp Pinto Basto Lupi Antônio Márcio da Cunha Guimarães Carlos Augusto Canedo G. da Silva David França Ribeiro de Carvalho Dhenis Cruz Madeira Dircêo Torrecillas Ramos Emerson Garcia Felipe Chiarello de Souza Pinto Florisbal de Souza Del’Olmo Frederico Barbosa Gomes Gilberto Bercovici Gregório Assagra de Almeida Gustavo Corgosinho Jamile Bergamaschine Mata Diz Jean Carlos Fernandes Jorge Bacelar Gouveia – Portugal Jorge M. Lasmar Jose Antonio Moreno Molina – Espanha José Luiz Quadros de Magalhães Leandro Eustáquio de Matos Monteiro Luciano Stoller de Faria Luiz Manoel Gomes Júnior Luiz Moreira Márcio Luís de Oliveira Maria de Fátima Freire Sá Mário Lúcio Quintão Soares Nelson Rosenvald Renato Caram Rodrigo Almeida Magalhães Rogério Filippetto Rubens Beçak Vladmir Oliveira da Silveira Wagner Menezes É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico, inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora. Impresso no Brasil | Printed in Brazil Arraes Editores Ltda., 2013. Coordenação Editorial: Fabiana Carvalho Produção Editorial: Nous Editorial Revisão: Fabiana Carvalho Capa: Vladimir O. Costa e Charlles Hoffert L435 Leal, Rosemiro Pereira A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural / Rosemiro Pereira Leal. – Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013. 120p. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza, 7) ISBN: 978-85-8238-026-0 1. Direito constitucional. 2. Teoria neoinstitucionalista do processo. I. Título. CDD: 341.2 CDU: 342 Elaborada por: Maria Aparecida Costa Duarte CRB/6-1047 Rua Pernambuco, 1389, Loja 05P – Savassi Belo Horizonte/MG - CEP 30130-151 Tel: (31) 3031-2330 Belo Horizonte 2013 www.arraeseditores.com.br [email protected] Nota do Editor Atualmente, o estudo do Direito está passando por profunda revolução. Irrigados por contribuições da Filosofia, da Hermenêutica, das Teorias da Argumentação Jurídica e por tantos outros ramos do saber, os seus conceitos e dogmas tradicionais passam por revisões, releituras e redimensionamentos, dando à ciência jurídica um nível de complexidade e de profundidade até então inéditos. Não obstante toda essa revolução, não é exagero dizer que, infelizmente, ela ainda está distante do cotidiano de grande parte dos operadores do Direito, que insiste em manter uma estrutura jurídica anacrônica e em descompasso com as discussões contemporâneas e mesmo com os problemas que os circundam, pois o instrumental de que se valem já não mais atende às demandas vividas nos dias de hoje. As causas dessa dissonância podem ser várias. Mas, certamente, uma delas pode ser apontada: a necessidade de se ampliar meios de acessos a essas informações e a essas discussões, retirando-as dos muros das universidades e as espargindo sobre esse mundo da vida, criando uma interlocução mais próxima e efetiva entre o que se pensa e o que se faz. É exatamente pensando nessa proposta de divulgar essas ideias que a Arraes Editores lança a coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz. O objetivo dessa coleção é a publicação de artigos e de ensaios que transitem por diversos ramos da pesquisa acadêmica, passando pela dogmática jurídica, pela Filosofia do Direito, pela Hermenêutica Jurídica, pelas Teorias da Argumentação, pelas Teorias do Estado, dentre outros, e que tragam contribuição direta para a análise, reflexão e aprofundamento de um olhar crítico dessas estruturas jurídicas. A intenção é trazer a público aqueles trabalhos que, normalmente, ficariam apenas restritos aos debates acadêmicos, com um círculo reduzido de leitores, para difundi-lo, democratizando o saber e divulgando essas novas ideias. V É importante dizer que esse projeto está diretamente relacionado aos fins da própria Arraes Editores. Desde o seu primeiro momento, sempre esteve comprometida com a produção acadêmica de qualidade, priorizando a publicação de trabalhos que efetivamente contribuam para a revolução do pensamento, para a análise crítica dos institutos jurídicos e que proponham mudanças no modo de se fazer o ensino, a pesquisa e a prática forense, buscando inserir nesse contexto o que de mais moderno está sendo trabalhado por aqueles que se dedicam ao estudo sério e aprofundado desse tema. E, diante de tudo isso, não haveria nome melhor para batizar essa coleção do que o do Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, cuja escolha não foi aleatória. Certamente, na atualidade, ele é um dos mais emblemáticos representantes do constitucionalismo contemporâneo. Com uma capacidade de análise multidisciplinar, alia um profundo conhecimento jurídico, consolidado em anos de estudos, de docência superior, de pesquisa e de prática forense como Procurador da República, com um conhecimento variado e diversificado de Filosofia, de Teorias da Argumentação e de Hermenêutica. E, ao se somar a tudo isso, uma disciplina e rigor científico invejáveis, ter-se-ão as credenciais que justificam o nome dado à coleção. Para a Arraes Editores é motivo de honra poder contar com o Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz como um dos seus membros do seu Conselho Editorial, e, sobretudo, poder ter a sua chancela nesta coleção. Com seu conhecimento, rigor e experiência acadêmica, certamente nos auxiliará sobremaneira na escolha dos textos que possam enriquecer, cada vez mais, a pesquisa, o ensino e a prática jurídicas, ainda tão carentes daquela verdadeira revolução. O Editor VI Nota do Autor A teoria neoinstitucionalista do processo é uma resposta que elaborei (e venho elaborando!) ao holocausto a que fui submetido pelo aprendizado museológico de um Direito fincado na ideologia secular da Ciência Dogmática do Direito. Com o advento da Constituição brasileira de 1988, encerrando-se o ciclo totalitário de 1964, entendi que o seu art. 1º abolira o republicanismo (modelo comunitarista de Estado Social que, a seu turno, preserva veladamente a tradição do Estado Liberal) com expressa implantação do Estado Democrático de Direito. Esse novo paradigma de Estado, a meu ver, porque protossignificativo e constitucionalizado (sistematizado) por uma teoria linguístico-autocrítico-jurídica denominada processo, núcleo gestativo sistêmico da própria Lei Constitucional, é que iria, por uma de suas vertentes que cognominei neoinstitucionalista, reclamar compreensões pela ciência não dogmática, logo democrática de direito no sentido que lhe empresto no decorrer deste ensaio. O alardeado e escatológico parasitismo estatal não passa de uma ideologia cravada na dinâmica cultural da utopia da ditadura popular por eventos salvíficos da ontologia historicista e inefável de um ser-homem libertário em si mesmo (Badiou-Žižek). Entretanto, querer atuar um Estado aos moldes dogmáticos de Adam Smith e do Welfaire State, como vêm fazendo, em sua quase unanimidade, os pseudojuristas e cientistas políticos e sociais, é uma alucinação que eterniza o obscurantismo de uma barbárie atávica e cruel. Por isso, o Estado Democrático suplica uma teorização diferenciada e pesquisa continuada na atualidade brasileira dos estudos jurídicos. É o que ousei conjecturar pela teoria neointitucionalista do processo. O Autor VII Dedico este pequeno ensaio àqueles que marcantemente me incentivaram na elaboração e divulgação de minha teoria neoinstitucionalista do processo: Professor Sérgio Tiveron Juliano e Professor David Miller, aluno e assistente de Popper na London School of Economics, pesquisador de renome internacional e incansável no campo da lógica, teoria do conhecimento e filosofia da ciência. Também aos meus dedicados alunos que estudam a minha teoria e ao Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz que me distinguiu com honroso convite para participar da coleção de obras jurídicas, que leva o seu nome, publicado pela Editora Arraes (Belo Horizonte/MG) que integra o significativo e pequeno rol da editoração pioneira de obras jurídicas no Brasil produzidas por uma nova e jovem geração de pensadores do Direito. O Autor VIII Sumário APRESENTAÇÃO....................................................................................XII Capítulo 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS.................................................................1 1. O mito da sociedade primordial........................................................1 2. O direito e a redução de conflitos.....................................................2 3. Atuação do direito e dogmatismo estatal.........................................3 4. Juízo de direito e eficiência sistêmica................................................4 5. Garantismo-ativismo e o historicismo..............................................5 6. O esquecido nível instituinte da lei...................................................5 7. A retórica da vida humana..................................................................7 8. A insistente fanatização dos dogmas positivistas............................9 9. A hermenêutica isomênica..................................................................10 10. A nova ordinariedade e o processo constitucional.......................12 Capítulo 2 O ANTAGONISMO: ESTADO DEMOCRÁTICO VERSUS CIÊNCIA DOGMÁTICA........................................................................14 11. A eternização do totalitarismo hermenêutico...............................14 12. A continuidade do caráter oculto do sentido normativo no direito brasileiro..................................................................................15 O Vandalismo da Vontade Legífona na Gestação Normativa....15 A Incompossibilidade da Dogmática Jurídica e o Processo Constitucionalizante...........................................................................17 Isomenismo versus Garantismo e Ativismo...................................19 O Despotismo da Jurisprudencialização do Direito......................21 13. O due process e o devir processual democrático............................23 Law of the land como Devido Processo Garantista-Ativista.......23 IX O Trial no Common e Civil Law.....................................................25 A Property e o Mito da Neutralidade Normativa..........................27 A Property e o Modelo Civil do Processo.........................................31 O Dever-Ser Inescapável do Agir Comunicativo..........................32 O Devir Processual Democrático e o Paradoxo Positivista..........36 Capítulo 3 OUTROS ASPECTOS DA TEORIA NEOINSTITUCIONALISTA DO PROCESSO........................................................................................39 14. Teoria fazzalariana ainda como ideologia......................................39 15. Pricipiologia processual na teoria neoinstitucionalista...............40 Processo ante o Absolutismo do Saber Solitário.............................40 Processo e seus Princípios como Institutos (contraditório, ampla defesa, isonomia)......................................................................46 A Produção do Sentido Legal como Maldição (Mal-Dicção).........48 Processo e Tempo nas Democracias não Paideicas..........................50 Capítulo 4 AINDA SOBRE GARANTISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS....................................................................................52 16. Processo e direitos fundamentais líquidos e certos......................52 O Processo Instituinte do Melhor Argumento................................52 Liquidez e Certeza na Processualidade Constituinte....................53 A Qualidade Executivo-Constitucional de Direitos......................55 A Autoexecutividade dos Atributos de Certeza e Liquidez..........56 O Plano Cognitivo de Acertamento dos Direitos Fundamentais58 17. Sequelas do essencialismo e do pragmatismo positivista............60 18. A violência dos direitos humanos não processualizados............62 A Inexistência do Humano Fora da Linguagem............................64 Dos referentes extralinguísticos do pragma ao processo como critério (teoria-direito) de pactuação sígnica...................................66 Processualidade jurídico-linguística na criação dos direitos humanos................................................................................................70 Capítulo 5 A FICÇÃO DA PESQUISA JURÍDICO-CIENTÍFICA.....................75 19. O Estado como lugar alíbico e fechado em seus segredos..........75 20. As sequelas míticas do poder constituinte originário..................76 O sincretismo fatal dos positivistas..................................................78 Processo e linguagem em Popper.......................................................80 Polemização processual da legitimidade do direito........................83 Desprocessualização do direito no estado telemático.....................86 21. A persistente inocuidade da execução imprópria.........................89 A Partidarização da Lei.....................................................................91 Direito e paradigma de estado...........................................................92 Execução e eficiência sistêmica..........................................................93 Teoria da execução e o quod-debeatur..............................................95 O antagonismo entre efetividade e execução imprópria...............97 Capítulo 6 A ORDINARIEDADE PROCEDIMENTAL NA TEORIA NEOINSTITUCIONALISTA..................................................................99 22. O empirismo lógico como fonte indutiva do direito pela auctoritas...............................................................................................99 23. A desmitificação, a desmistificação e a ressemantização do direito....................................................................................................100 24. A biunivocidade dos direitos fundamentais do processo...........102 25. Controle processual de democraticidade constitucional.............103 26. Processo, fiscalidade e procedimentalidade....................................103 27. O saudosismo positivista das ações coletivas................................106 XI Apresentação Foi com absoluta alegria que recebi o honroso convite do Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz para elaborar a apresentação de uma obra, embora, naquele momento, não soubesse de que obra se tratava. Para minha surpresa, disse-me que ficaria sob minha responsabilidade apresentar um texto de autoria do Professor Rosemiro Pereira Leal. Essa responsabilidade é, no entanto, redobrada, porque, como se sabe, a teoria neoinstitucionalista do processo, além de complexa em seus conteúdos informativos, rompe radicalmente com as linhas e escolas tradicionais do pensamento jurídico, provocando, como seu autor reconhece, as mais variadas reações nos que com ela se deparam. Inspirada naquilo que fez Karl Popper, o filósofo austríaco, em sua Autobiografia Intelectual, a Teoria Neoinstitucionalista do Processo – uma trajetória conjectural, concentra, em uma só obra, os principais temários e conclusões de escritos específicos, fazendo-o o autor com a finalidade de demonstrar como tais conclusões derivam de uma teoria sistematizadora – a neoinstitucionalista. O livro foi dividido em seis capítulos, nos quais o autor resgata, paulatinamente, os temas relevantes do pensamento jurídico que trabalha em seus demais textos, instilando reflexões que permitem a assimilação gradual e sistemática de proposições surpreendentes e inovadoras. Ao contrário do que possa pensar o leitor menos atento das obras de Rosemiro Pereira Leal, e como se lê do texto que ora se apresenta, as conjecturas da teoria neoinstitucionalista do processo, embora partam da epistemologia popperiana, não reproduzem as teses do pensador austríaco, mas as aproveitam e as reconstroem para inéditas reflexões sobre o direito democrático. O que se vê da proposição neoinstitucionalista do processo aqui e em outros textos é uma preocupação permanente em falsear as vertentes XII “culturalistas (sociologistas) em seus variados saberes e especialidades acadêmicos dos positivistas” por um impressionante esforço epistemológico bem-sucedido de construção de critérios de demarcação da objetividade decisória a tornar obsoletos, para o direito democrático, os apelos à tradição e à autoridade (subjetividades sapientes) que ainda povoam (ou assombram), explícita ou implicitamente, o direito dogmatizado (ideologizado) – o que permite ao autor a ruptura com as idealidades (imaginários) do Estado Liberal e do Estado Social de Direito, ambas ainda impregnadas e reprodutoras de sua insistentemente esquecida violência fundante. No cerne das proposições do Professor Rosemiro Pereira Leal está uma questão que não costuma ser suscitada, que é aquela que o autor desenvolve em torno do plano instituinte do direito (âmbito da necessária instalação do democrático pelo devido processo), e pela qual afirma a imprestabilidade de a toda e qualquer remissão a sociedades pressupostas (existentes antes ou apesar do direito democrático) para a ancoragem do direito democrático. Como afirma o autor, “a originalidade da teoria neoinstitucionalista do processo tem locus no nível instituinte da LEI, porque o direito vem sendo estudado e repetido por milênios com esquecimento (propositada opacidade?) dos fundamentos teóricos de sua construção”. A Teoria Neoinstitucionalista do Processo – uma trajetória conjectural é, portanto, uma obra imprescindível a todos os que querem pesquisar o direito democrático fora dos limites impostos pelas vertentes comumente utilizadas à reflexão jurídica, inclusive daquelas que ganharam destaque em escritos recentes e que, conforme declara o autor, são incompatíveis com a teoria neoinstitucionalista, tais como as de Habermas, Dworkin, Alexy, Gadamer, Heidegger, Fazzalari e Andolina. Exatamente por sua abrangência, a obra dá ao leitor a oportunidade de entender como a teoria neoinstitucionalista do processo se afasta de tais vertentes. Mostra disso se encontra na passagem em que o autor se concentra nas ideias de Elio Fazzalari, na qual o Professor Rosemiro Pereira Leal apresenta argumentos para demonstrar que a sua proposição supera, em seus conteúdos informativos (como diria Popper), a abordagem fazzalariana do processo, na medida em que, ao contrário desta, não acolhe o processo como espécie inerente ao procedimento, nem direitos fundamentais do processo sem cogitar de uma teoria processual constitutiva do sistema constitucional. Agradeço ao Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz pelo convite e cumprimento-o pela iniciativa de apresentar aos estudiosos do direito a série de estudos que conduz, a qual reforça a seriedade de seu conhecido XIII trabalho acadêmico em prol da democracia. Agradeço ao Professor Rosemiro Pereira Leal pelas lições e por aceitar meu nome para a apresentação. Belo Horizonte, fevereiro de 2013 ANDRÉ CORDEIRO LEAL Doutor e Mestre em Direito Processual pela PUC Minas Professor Adjunto IV da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas Professor Titular dos Cursos de Mestrado e Bacharelado em Direito da Universidade FUMEC Advogado Economista XIV