Em atenção aos recursos administrativos dos participantes do ENEM 2011,
de 6 de janeiro de 2012, que solicita esclarecimentos acerca da correção e do
lançamento da nota da redação da participante Bianca Peixoto Pinheiro Lucena,
inscrita no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM 2011, informamos o que segue.
Na prova de redação do ENEM 2011, esperava-se que o participante, com
base na leitura dos textos motivadores trazidos na proposta, bem como nos
conhecimentos construídos ao longo de sua formação, escrevesse a respeito do tema
da redação, quer seja, “VIVER EM REDE NO SÉCULO XXI: OS LIMITES ENTRE O PÚBLICO
E O PRIVADO”, apresentando proposta de conscientização social que respeitasse os
direitos humanos. Nesse caso, o participante deveria redigir texto dissertativoargumentativo em norma culta escrita da língua portuguesa, devendo, para tanto,
selecionar, organizar e relacionar, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para
defesa de seu ponto de vista.
Considere-se que, entre os textos motivadores, constava, além de uma
tirinha do cartunista André Dahmer, da série "Quadrinhos dos anos 10", excertos de
dois artigos: “Liberdade sem fio”, da revista Galileu, e “A internet tem ouvidos e
memória”, do portal Terra, todos trazendo referências ao tema a ser abordado.
Segundo definição do INEP, divulgada nos meios de comunicação de massa,
bem como nos editais referentes ao ENEM 2011, cada texto foi avaliado/corrigido por
dois corretores, sem que um conhecesse a nota atribuída pelo outro. A nota final, que
valeria até 1000 pontos, corresponderia à média aritmética simples das notas
atribuídas pelos dois corretores. Cabe esclarecer que, ainda de acordo com os editais
ora mencionados, quando as notas atribuídas pelos dois referidos corretores
divergissem em mais de 300 pontos, haveria uma terceira correção por um corretorsupervisor, de maneira que a nota final do participante, neste caso, corresponderia à
nota atribuída na terceira correção.
No caso, a nota atribuída ao participante pelo corretor-supervisor foi de
680,00 pontos, o que seguiu todos os critérios previstos para a correção, aplicados a
todos os participantes, de acordo com as competências e os níveis a serem avaliados
nas redações.
Destaque-se inicialmente que se encontra nos Parâmetros Curriculares do
Ensino Médio a concepção de linguagem que norteia a avaliação do ENEM, qual seja:
linguagem é a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los,
em sistemas arbitrários de representação, os quais variam de acordo com as
necessidades e experiências da vida em sociedade. Além disso, a principal razão de
qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. Esses pressupostos convertem-se
nas cinco competências que compõem os critérios da matriz de avaliação da redação
do ENEM.
A observação dos critérios a que todas as redações do ENEM 2011 foram
submetidas mostra a justeza da pontuação do corretor supervisor, 440 pontos.
Vejamos as razões:
Competência I - Quanto ao domínio da norma padrão da língua escrita:
O domínio da norma-padrão é uma competência a ser avaliada
independentemente das demais, nas redações que abordaram, ao menos
minimamente, o tema. Nesta competência, a redação recebeu a nota máxima, por
apresentar “escassos desvios gramaticais”, como a falta de concordância à linha 27.
Assim, a pontuação atribuída, qual seja, 200 pontos, está condizente com sua produção
textual.
Competência II - Quanto à compreensão da proposta de redação e
aplicação dos conceitos das várias áreas do conhecimento, dentro dos limites do texto
argumentativo-dissertativo:
Seria avaliado com a nota de 40,00 pontos o texto que tangencia o tema
proposto, isto é, o assunto é mencionado por meio de palavras ou expressões, mas não
é desenvolvido. É importante ressaltar que o texto que apenas tangencie a proposta,
ainda que apresente tema adequadamente desenvolvido, deverá ser avaliado no nível
1.
O início da redação avaliada remete o leitor à história da arte, as escolas
literárias. O tema proposto é tratado, assim, na sua proposta de tese, não como a
dualidade público e privado, mas como um histórico da estética. Apesar do tipo textual
de exposição-argumentação ser respeitado, a delimitação do tema – que norteia a
argumentação ao longo da elaboração do texto – apresentou problemas.
Ao defender a nota máxima, o recurso não menciona a esdrúxula
associação, o que prejudicou a argumentação em sua base, entre a dicotomia
público/privado em ambiente virtual com a estética do barroco. Os conflitos
inventados pelos artistas do barroco, “antíteses e paradoxos”, artificialmente atribuídos
à alma humana como uma forma de arte, são comparados a uma situação realmente
vivenciada pelo usuário da Internet, os limites entre informações que são públicas e a
vida particular de cada um. Trata-se de uma comparação absolutamente inadequada e
prejudicial ao desenvolvimento do tema, a ponto de um dos avaliadores classificar a
argumentação do texto como FUGA AO TEMA.
A avaliação final foi justa, pois o título e as linhas introdutórias
prejudicaram irremediavelmente a argumentação posterior. A comparação feita foi, no
mínimo, forçada e reveladora de uma habilidade argumentativa ainda incipiente. A
pontuação corresponde ao que a redação revela: 40,00 pontos.
III – Quanto à seleção, organização, interpretação e relação entre as
informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa do ponto de vista.
O texto em que não haja defesa de ponto de vista, isto é, que não
apresente opinião a respeito do tema proposto seria avaliado com nota 0,00. Assim
também deve ser avaliado o texto cujo conteúdo não contribua com informações,
fatos, opiniões e argumentos, ou que estes não estejam relacionados ao tema.
As opiniões apresentadas ao longo dos parágrafos de desenvolvimento em
nada se articulam com o parágrafo de introdução, como também não sustentam o
parágrafo de conclusão. Especialmente destacada pelo título, “Neobarroco”, a ideia a
ser defendida como tese do texto argumentativo-dissertativo, o tema não deixa
margem para dúvidas, pois situa-se no campo da arte, mais especificamente da
literatura. A introdução reforça essa delimitação ao apontar para aspectos da história
da arte e das escolas literárias. No entanto, arbitrariamente, o desenvolvimento se
aproxima do tema solicitado: os limites entre o público e o privado. A relação que tais
limites apresentam com a arte ou com a literatura não é exposta, nem constitui algum
dos argumentos que permitam chegar próximo à conclusão de que “o neobarroco
chegue ao fim” (sic). Além disso, a conclusão pelo fim do neobarroco contradiz
frontalmente o que a introdução tenta construir: a vinculação histórica com as
estéticas literárias.
A seleção de informações remete a um universo distante do tema e não há,
visíveis na argumentação, relações semânticas, lógicas ou mesmo subjetivas que
tentem aproximá-los. O ponto de vista sobre as marcas deixadas pela literatura ao
longo da história (linha 1), proposto pelo autor do texto ao seu leitor, não é defendido
ou corroborado pelos argumentos dos parágrafos internos da redação, sendo que nada
é mencionado a esse respeito. A construção da textualidade que se vê na redação
aponta para dois universos distintos e em momento algum os aproxima. Mesmo no
parágrafo final – que seria conclusivo – a expressão “Torna-se evidente” que cumpre
burocraticamente a função de marcar a conclusão, mas não decorre da argumentação,
pois não está clara a evidência. O último período sintático do texto, por sua vez, remete
tematicamente ao parágrafo inicial do texto, mas não apresenta conexão de ideias com
os períodos sintáticos que o precedem nem se articulam com o tema dos parágrafos de
desenvolvimento. Como princípio de interpretabilidade, não se constrói coerência
textual em um texto que recebe o título “Neobarroco”, por esse tema se iniciar, mas,
no seu interior, mudar a orientação e inserir ideias que rompem com a continuidade
temática.
Os “argumentos pertinentes ao tema”, mencionados no recurso,
sucumbiram em face da inusitada e infeliz comparação inicial. Assim, a pontuação
atribuída a essa competência, 0,00 pontos, está coerente com o desempenho do
candidato.
IV - Quanto ao conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para
a construção da argumentação.
Foi avaliado com a pontuação 160,00 pontos o texto bem articulado, ou
seja, acima da média esperada, com poucas inadequações na utilização dos recursos
coesivos.
Associada à competência I, na qual o texto recebeu a nota máxima, a
competência IV recebeu uma boa nota final, 160,00 pontos. O desempenho linguístico
demonstrado neste critério, acima da média esperada, indica muito bom uso de
estratégias de coesão, apesar da dificuldade em associar as ideias do primeiro
parágrafo com o restante do texto. A ausência de elementos coesivos que permitam
relacionar os parágrafos internos com o inicial e o conclusivo impede a nota máxima
neste critério. Note-se, ainda, a desatenção ao mecanismo de referencialidade na linha
4 (“estes dois opostos”) e na linha 5 (“essa dualidade”), em que as expressões nominais
não têm um referente. Portanto, a nota atribuída, 160,00 pontos, está coerente com o
desempenho do candidato.
V – Quanto á proposta de intervenção para o problema abordado.
Foi avaliado com nota de 40,00 pontos o texto com proposta de
intervenção tangencial em relação ao tema, isto é, que guarda relação com o tema por
meio de palavra ou expressão.
As propostas de intervenção claramente apresentadas no quarto parágrafo
e no início do quinto parágrafo – que teria a função apenas de concluir, mas não
apresentar mais ideias novas – ficam prejudicadas por não haver um tema
desenvolvido no texto, mas uma dispersão de temas. Como o título situa a
argumentação na perspectiva de escolas artísticas ou literárias, as propostas de
intervenção sobre posicionamento do governo, da mídia e dessas escolas nem sequer
tangenciam esse tema. Como guardam coerência com o desenvolvimento dos
parágrafos internos, a pontuação é maior que zero. Assim, a nota atribuída está de
acordo com o desempenho apresentado, qual seja, 40,00 pontos.
Pelo exposto, no cotejamento entre o que efetivamente foi oferecido para
avaliação à banca na redação de Bianca Peixoto Pinheiro Lucena, no Enem 2011, e os
critérios que nortearam todas as demais redações do mesmo certame, a pontuação
atribuída pelo terceiro avaliador alinha-se com a concepção de língua e linguagem que
orienta a avaliação do ENEM, com as perspectivas teóricas norteadoras da elaboração
de textos em Língua Portuguesa e com a proposta de redação da prova.
Por fim, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos
adicionais.
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