DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES DE GÊNERO Paulo César Santos Bezerra SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Breves reflexões extra-jurídicas sobre o tema 3. Do tratamento jurídico das relações de gênero 3.1 No direito infra-constitucional 3.2 No direito constitucional 3.2.1 Direitos Humanos e Fundamentais e relações de gênero 4. Considerações finais. 5. Referências 1. Introdução O tema das relações de gênero exige abordagens múltiplas para que se evitem reducionismos que resultem no esvaziamento de certos aspectos que são importantes vis-a vis. Assim, como estratégia metodológica do presente trabalho, parte-se de grandes divisões dicotômicas do conhecimento que, embora superadas pelo discurso atual, servem de via de arrumação das idéias, a saber: conhecimento filosófico versus conhecimento científico; ciências naturais versus ciências sociais. No âmbito filosófico, o tema requer reflexões sobre igualdade, diferença, equidade, justiça. No que tange às ciências, campos científicos aparentemente autônomos se entrelaçam na busca de um tratamento mais condizente com a amplitude que o tema requer, e exigem um tratamento que chamamos de intercientífico, do conhecimento interdisciplinar e mesmo transdisciplinar. Só por isso, já fica evidenciada a dificuldade de tratamento do tema, que requer do pensador, um conhecimento enciclopédico sobre filosofia e diversas ciências, e dentro destas últimas, um conhecimento verdadeiramente interdisciplinar. É claro que no Direito, em que pesem os esforços dos pensadores mais contemporâneos, não há uma cultura de multisciplinaridade do conhecimento jurídico. Ao contrário, os operadores do direito parecem caminhar no sentido inverso, da especialização.1 No campo cientifico, atentando-se para a divisão reducionista entre ciências naturais e ciências sociais, cada vez mais superada, o tema das relações de gênero exige incursões na Biologia, de um lado, e da Antropologia, Sociologia, Psicologia (Psicologia Social, Antropologia Social) e Direito, apenas para delimitar o campo de abordagem do presente trabalho, pois o tema exige incursões em outros campos do saber. No que se refere ao Direito, as relações de g~enero exigem abordagens interdisciplinares, notadamente referentes ao Direito Civil (Família, Obrigações, Direitos Reais, Sucessões, Criança e Adolescente); Direito Penal 9Proteção da Mulher); Direito do Trabalho (trabalho da mulher) e, acima de tudo, e dirigindo todo o arcabouço jurídico em torno das relações de gênero, o Direito constitucional, principalmente no tocante aos direitos humanos e fundamentais. Construir uma abordagem mais abrangente sobre o tema das relações de gênero, que evitem as visões reducionistas sobre ele, é o intento maior do presente trabalho. 2. Breves reflexões extra-jurídicas sobre o tema Conforme apontado na introdução, as relações de gênero exigem reflexões extrajurídicas imprescindíveis para a compreensão mais abrangente de tal matéria. Assim é que, conceitos como igualdade, diferença e identidade, dentre outros que escapam à limitação exigida por um trabalho como este, são necessários ao próprio tratamento jurídico, sob pena de se construir u conhecimento jurídico enviezado, dessas relações. Os conceitos acima referidos, no âmbito da Filosofia e da História, têm sido assim construídos: 1 Os cursos de Pós-Graduação lato sensu, também chamados de “especialização”, e mesmo os de Graduação, nesse sentido, devem buscar a interdisciparidade necessária para que possam efetivamente serem especiais. a) Igualdade: relação entre dois termos em que um pode substituir o outro, no mesmo contexto, sem mudar o valor do contexto. Essa a idéia de igualdade em Leibniz, avançando da idéia aristotélica que reduzia a igualdade apenas a relações de quantidade.2Ou noção lógica ou matemática, significando a equivalência entre duas grandezas.3 b) Diferença: relação de alteridade. Escolasticamente, distingue-se as coisas que são numericamente diferentes, das coisas especificamente diferentes, quer dizer, que diferem pela sua própria essência ou pela sua definição. Característica que distingue uma espécie das outras espécies do mesmo gênero.4 c) Identidade: dentre outros sentidos, característica de dois objetos de pensamento, distintos no tempo e no espaço, mas que apresentariam as mesmas qualidades.5 De plano, nota-se que essas idéias, embora colaborem para a construção jurídica das relações de gênero, não são suficientes. No campo das ciências, atente-se, por mais imediato (embora mais insuficiente), para o tratamento dado pela Biologia, à questão de gênero. Para esta ciência, gênero é uma subdivisão de família, que por sua vez divide-se em espécies. Assim, o ser humano é um gênero da família ser vivo, que se divide em espécies: homem/mulher; masculino/feminino. Atente-se, agora, para as ciências sociais, ainda no campo do extra-jurídico. Nesse diapasão, gênero é um conceito que se distingue do conceito biológico de sexo, representando os aspectos sociais das relações entre os sexos, que se constói e se expressa em muitas áreas da vida social, incluindo cultura, ideologia e práticas discursivas, sem, contudo, se limitar a isso. Gênero, assim, não é sexo. Sexo refere-se ao biológico, restrito ao que é homem e mulher, enquanto gênero está ligado à 2 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.534. JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p.137. 4 LALANDE, André. Dicionário técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 257; 5 Idem. Ibiden, p.505. 3 construção social do masculino e feminino, ou seja, como ser homem e como ser mulher.6 As relações de gênero assumem formas diferentes, em diferentes sociedades, períodos históricos, grupos étnicos, classes sociais e gerações, tendo em comum a diferenciação entre homens e mulheres.7 Nesse passo, macho e fêmea são realidades naturais, enquanto que homem e mulher são conceituações culturais. O conceito de gênero presta-se, pois, para a distinção entre a dimensão ideológica e a social, existindo então, um sexo físico e um social, sendo o comportamento de uma pessoa de determinado sexo, produto das convenções sociais acerca do gênero, em um contexto social específico. E mais, essas idéias acerca do que se espera de homens e mulheres são produzidas relacionalmente, é dizer, quando se fala em identidade socialmente construída, o discurso sociológico/antropológico está enfatizando que a atribuição de papéis e identidades para ambos os sexos forma um sistema simbolicamente concatenado. Assim, a categoria gênero é um produto da modernidade principalmente dos cientistas sociais, que se refere à construção social do sexo, no contesto da construção sociológica de papéis sociais, contribuindo assim para um novo discurso jurídico que surge, a saber o discurso jurídico das relações de gênero. 3. Do tratamento jurídico das relações de gênero Da Antropologia, da Sociologia, da Psicologia, da Biologia, dentre outras ciências sociais ou naturais, surge um novo discurso que, aos poucos, vai adquirindo autonomia, a saber, o dos estudos do gênero. O Direito, como ciência social, não pode escapar da influência desse novo discurso, absorvendo conceitos extra-jurídicos, na construção de novos conceitos 6 LOURO, G. Nas redes do conceito de gênero. In: LOPES, MEYER E WALDROW. (Orgs) Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 12-19. 7 OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Didionário do pensamento social no século XX. Rio de Janeiro:Zahar, 1996, p.332. jurídicos, como igualdade jurídica, direitos de igualdade, e direito à diferença, nãodiscriminação, discriminação positiva, ação afirmativa, dentre outros De se destacar, de plano, a necessidade de se adotarem abordagens interdisciplinares e transdisciplinares e de passagem das análises pelo crivo do multiculturalismo. Mas, no tocante ao Direito, o conceito que tem construído maiores reflexões dos operadores jurídicos (advogados, juízes, membros do Ministério Público, doutrinadores, legisladores, professores e estudantes de direito de todos os níveis) no que se refere às relações de gênero, é o conceito de isonomia Comumente confundido com a igualdade, a isonomia é apenas um subproduto ou subprincípio da igualdade, para significar tratamento igualitário. Assim, deve haver tratamento igualitário entre as partes do processo, e todos são iguais perante a lei, por exemplo. Além disso, o falar em igualdade e isonomia requer algum giz sobre a idéia de desigualdade (proibida ou permitida pelo direito) e de igualdade formal e material. De fato, a distinção entre igualdade formal e material é importante por exemplo, para não gerar a confusão rotineiramente feita pelo hermeneuta e aplicador do direito sobre a extensão da expressão “todos são iguais perante a lei”, expressa no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Pois bem, uma coisa perante a lei, que quer dizer que todos são iguais em face da lei quando promulgada e publicada, portanto, quando está apta para produzir efeitos jurídicos. Essa é a igualdade formal. Outra coisa, é a igualdade na lei, ou seja na elaboração da lei. Essa é a igualdade material. Na lei são permitidos discrimens, desde que justificáveis. É por isso que na lei é permitido proibir mulheres grávidas de trabalharem em ambientes insalubres ou se estabelecerem prioridades nos atendimentos às gestantes, aos idosos e aos portadores de deficiências, só para ficarmos nesses exemplos. Tratam-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, no conhecido paradigma atristotélico de justiça. Assim sendo, tanto a igualdade formal quanto a material (principalmente esta) são redutos de proteção do direito, e a desigualdade é, vezes, permitida e, vezes, proibidas pelo direito. 3.1 No direito infraconstitucional O correto seria tratar a matéria, primeiramente, no direito constitucional, para depois debruçar-se sobre o tratamento infraconstitucional. A inversão da ordem aqui procedida resulta de dois motivos: a) o equívoco histórico de se eswtudar a Constituição a partir do direito infra-constitucional, que aqui se denuncia, para advogar o inverso, que se estude o direito a partir da Constituição, na perspectiva da “constitucionalização do direito”ou da “publicização do direito privado”.8 Assim, a ordem das matérias aqui abordadas obedece prin cipalmente ao segundo motivo: b) a linha de pesquisa aqui tomada para o tema, a saber, da análise das das relações de gênero, no contexto dos direitos humanos e fundamentais. Nesse sentido, os direitos humanos e fundamentais têm sede no direito constitucional, logo, por questão apenas de taxionomia jurídica e de alocação da matéria tratam-se as relações de gênero na seara dos direitos infraconstitucionais, para depois, enfrentá-las em nível de direito constitucional. No que se refere às desigualdades, inúmeros são os exemplos de permissões no direito infraconstitucional, apontando-se apenas as matérias relativas às gerações de gênero. No Direito Civil, só para citar dois exemplos, restritos ao Direito de Família, os arts. 1523, II e 1.536, I, que dizem, verbis. Art. 1.523. Não devem casar-se: ... II- a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo, ou ter sido anulado até dez meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal (grifo nosso).9. 8 Para maiores discussões sobre o tema, ver o nosso BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Lições de teoria da constituição e de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, passim. 9 Observe-se que o Código não se refere ao homem, como faz nos demais incisos do mesmo Código. Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela: I – As mulheres casadas.10 ; Também no direito processual civil encontram-se dispositivos que, a exemplo do art. 10, III, tratam desigualmente homens e mulheres. Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro, para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários: ... III- fundadas em dívidas contraídas pelo marido , a bem de família, cuja execução tenha dee recair sobre o produto de trabalho da mulher ou o seus bens reservados. Da mesma forma o Direito Penal permite à colação o exemplo da criação específica de um tipo penal, a saber o infanticídio, um crime que se aplica apenas se praticado pela mulher, mãe, e sob o efeito de estado puerperal.. Se praticado por terceiro, homem ou mulher, contra recém-nascidos, cai-se na vala comum do homicídio. Não deixa de ser um tratamento diferenciado entre agente homem e mulher. Da mesma forma, a Lei de Execuções Penais, quando trata de ensino profissional do preso, reserva à mulher condenada, um ensino profissional adequado à sua condição. O mesmo diploma legal permite regime de prisão domiciliar, à condenada (mulher), com filho menor, ou deficiente físico ou memtal, e à gestante. Não permite ao homem com filho menor. O direito processual penal prevê, no art. 249, que ä busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar prejuízo ou retardamento da diligência. Trata-se , aqui, da chamada discriminação positiva. Em que pese o avanço da legislação em vigor, que dispensa citação, que revogou atos atentatórios à isonomia entre homens e mulheres, por imperiosas regras constitucionais, ainda se mantêm regras de diferenciação entre homens e mulheres, nas searas trabalhistas, previdenciárias, sempre de constitucionalidade passível de controle rigoroso. 10 De maneira enexplicável, não inclui o homem. Mas o próprio legislador constitucional cuidou de estabelecer diferenciação entre homens e mulheres, nas regras constantes nos arts. 7º , XVII, que fixa a licença maternidade diferente da licença paternidade (inciso XIX); e do inciso XX, referente à proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; o art. 40, que estabelece requisitos de aposentadoria diferenciados para homens e mulheres; em caso de servidor público, oum o art. 202, sobre a diferenciação também nos tempos de aposentadoria em geral. Como se vê, nos supracitados dispositivos constitucionais, o próprio texto da Constituição, instituidora da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, entendeu dispensar a eles tratamento desequiparados. Tratando-se de dispositivos constitucionais, todo o cuidado deve ter o intérprete para haurir ded seus termos o máximo de eficácia. Registre-se que a Constituição, por ser carta de princípios, é necessariamente genérica, aversa a particularizações, donde decorre a conclusão inafastável de que o intérprete deve pesquisar a fundo quanis as conseqüências, na ordem de princípios, a serem atreladas ao tratamento constitucional da isonomia entre homem e mulher.11 3.2 No direito constitucional Sendo os homens desiguais por natureza, onde ficariam então a tentativa de tratamento isinõmico claramente posto no texto constitucional de 1988, e, de resto, em várias outras constituições estrangeiras e nas Convenções e Tratados internacionais, mormente nas Declarações de Direito? Seria a fixação de uma igualdade apenas formal? É claro que não. A despeito de formalmente reconhecida nos textos, busca-se a igualdade material, e não absoluta, pelo menos o mais abrangente possível. E isso só é possível na idéia de constituição material. Essa é uma distinção a partir do conteúdo da Constituição. Partindo do conceito político de Constituição, podem-se identificar matérias tipicamente constitucionais, ou normas materialmente constitucionais, como as que identificam a forma de Estado, o sistema de governo, a divisão e o funcionamento 11 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Isonomia entre os sexos no sistema jurídico nacional. Ao Paulo: RT, 1993, p.24 dos poderes, o modelo econômico e os direitos, deveres e garantias fundamentais; já as formalmente constitucionais são colocadas no texto constitucional, sem fazer parte da estrutura mínima e essencial de qualquer Estado, e, por isso, são denominadas formalmente constitucionais.12 Insatisfeito com a regra geral de que todos são iguais perante a lei, insculpida no art. 5º, caput , a Constituição se preocupou em condenar as distinções entre homens e mulheres, no inciso I do referido artigo, e de alardear a igualdade de todos para garantir a isonomia entre os sexos, pleonasticamente colocado no art. 226 § 5º; a prescrever igualdade de direitos e obrigações do homem e da mulher diante do casamento e dos filhos, reafirmando o objetivo de combate a discrimenes que sempre militaram em desfavor da mulher e, poucas vezes, em desfavor dos homens.13 Reafirme-se, pois, que qualquer discrimen colocado na elaboração da lei, deve ser sempre justificável, ou juridicamente, sociológica, psicologicamente ou biologicamente. E essas discriminações positivas só têm sido possíveis através de mecanismos de correção das históricas injustiças perpetradas às mulheres. 3.2.1 Direitos humanos e fundamentais e as relações de gênero Tudo o que foi dito acima preparou a entrada no tema essencial do presente trabalho, a saber, os direitos humanos e as relações de gênero. Direitos Humanos e Direitos fundamentais não se confundem. Aqueles constituem o rol de direitos inerentes á pessoa humana, por essa condição em si, previstos e fixados nas Convenções e Tratados Internacionais e nas Declarações de Direitos do Homem e do Cidadão, da França de 1789, e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU- organização das Nações Unidas – de 1948. Já os direitos fundamentais constituem uma parte daqueles direitos humanos que foram positivados 12 ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25 13 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Op. Cit. P. 26. nas constituições dos diversos Estados. Ambos por´m (direitos humanos e fundamentais) fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.14 A declaração francesa apesar de servir de argamassa na construção do chamado Estado Moderno, pouco avançou em termos de concretização da isonomia nas relações de gênero até a hecatombe que foi a Segunda Guerra Mundial, que marcou, com o seu término, a fixação das bases do chamado neoconstitucionalismo, fundado, principalmente, nos direitos humanos e fundamentais, o que causou uma mudança histórica também para as relações aqui tratadas. Apesar dos avanços provocados pelas reflexões sobre o tema, ainda é possível constatar, nos anos 90, que não mudou muito até agora, que, “lãs mujeres son lasvictimas invisibles de los años 90. La mayoria de lãs victimas de la guerra; de los refugiados y desplazados, de los pobres, son lãs mujeres e los niños”.15 Portanto, depois de tanto tempo após a Declaração da Onu de 1948. Apesar da proliferação de documentos e pactos internacionais, e por não adiantar muito o prever ou positivar nos textos, as normas de direitos e garantias fundamentais sem mecanismos de efetiva concretização desses direitos e garantias16 surge, em 1993 a Declaração e Programa de Ação da Conferência mundial de direitos humanos de Viena, que registrou o compromisso de todos os Estados de cumprir a obrigação de promover o respeito universal, assim como a observância e proteção de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais de todos, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e outros instrumentos relativos aos direitos humanos. Essa conferência giza, com referência às relações de gênero, a necessidade de proteção da igualdade de condições e dos direitos humanos da mulher, e, de espantar, consta no registro da declaração que “ a Conferência Mundial dos Direitos Humanos pede encarecidamente que se conceda à mulher o pleno desfrute das condições de igualdade, de todos os direitos humanos, e que esta seja uma prioridade para os governos e para as Nações Unidas. 14 Para maiores distinções entre direitos humanos e direitos fundamentais e sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, ver nosso BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Temas atuais de direitos fundamentais. Ilhéus-Ba: EDITUS, primeiro texto. 15 MINGOT, Tomás. La negación universal de los derechos humanos. In: La Declaración Universal de Derechos Humanos em su cincuenta aniversario: um estúdio interdisciplinar. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999, p. 412. 16 Ver nosso Temas atuais de direitos fundamentais. Op. Cit. Segundo texto. Tal documento, apesar de sua inspiração, leva a três grandes e inafastáveis questões: a) a necessidade, sempre renovada, de se fazerem Declarações e Programas de ações de proteção e efetividade dos direitos humanos; b) o caráter de documento que implora (pede encarecidamente) que se respeitem tais direitos; c) a ausência de mecanismos eficazes de coercibilidade e de punições pelo descumprimento de tais regras, que viram, assim, meros conselhos. Ora, se os Estados livres e soberanos não podem fazer com que todos cumpram sua obrigação de proteção e garantia dos direitos humanos e fundamentais, o que dizer dos titulares desses mesmos direitos, a saber, os homens e mulheres em geral, os cidadãos de determinado país, em particular? No Brasil, o descumprimento é tão flagrante que uma mulher guerreira de nome Maria da Penha, consegue, a duras penas, fazer ouvir sua voz lancinante e, tornando-se mesmo um ícone da luta pela igualdade da mulher, e publicar a lei n. 11.340, que, em seu art. 5º, “ para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano miral ou patrimonial”. Desse documento legal duas coisas podem ser sublinhadas: a) a importância para a chamada à consideração, do conceito de gênero; b) o reducionismo da previsão de repressão á violência contra a mulher apenas no âmbito do lar ou da família e apenas as relacionadas ao gênero, excluindo-se as demais formas de violência, quando poder-se-ia aproveitar o ensejo para combater qualquer tipo de ato ou forma de violência conta a mulher. É muito pouco para ser tão intensamente festejado o diploma legal em comento. É preciso avançar e muito. 4. Considerações finais Como não adianta apontar problemas sem sugerir ao menos algumas hipóteses de solução possíveis para esses mesmos problemas, atente-se, afinal, para a necessidade de: a) alteração do discurso jurídico a respeito das relações de g~enero, incluindo-se uma abordagem interdisciplinar; b) a busca de priorizar a igualdade material em detrimento da igualdade apenas formal, através de mecanismos de efetivação dos direitos; c) o reconhecimento da diferença como um direito: o direito à diferença; d) a instituição massiva de políticas de combate à discriminação negativa e o fomento da discriminação positiva pela via das ações afirmativas; e) a aplicação de métodos de vigilância, a exemplo do recurso de amparo dos espanhóis, que viabiliza o acesso direto de qualquer cidadão às Cortes Supremas dos Estados ( no caso do Brasil, o Supremo Tribunal Federal), quando se tratar de violação de direitos humanos e fundamentais; f) ampla política de conscientização e de educação para os direitos humanos e fundamentais, inserindo-se nos conteúdos de todos os níveis, o tema da educação para os direitos e deveres. Qualquer contribuição em termos de idéias, debates, congressos, sobre o tema das relações de gênero, será sempre altamente contributiva, desde que se avance de meros planos, idéias, projetos e discursos, jurídicos e extrajudíridos. 5. Referências ABBAGNANNO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Temas atuais de direitos fundamentais. Ilhéus-Ba: EDITUS, 2008 _____. Lições de teoria constitucional e de direito constitucional. Rio de janeiro: Renovar, 2009 BOLANDERAS, Margarita. Libertad y tolerância. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1993 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. Rio de janeiro: Renovar, 2001 JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996 LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Isonomia entre sexos no sistema jurídico nacional. São Paulo: RT, 1993 LOURO, G. Nas redes do conceito de gênero:. In: LOPES, MEYER E WALDROW (Orgs). Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 12-19 MINGOT, Tomás. La negación universal de los derechos humanos. In: La declaración universal de derechos humanos em su cincuenta aniversario: um estúdio interdisciplinar. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999 OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. .