FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO
A INFLUÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO DE PODER
NA MELHORIA DA QUALIDADE: O CASO
ROYAL
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
PAULO CÉSAR ZANELLATO
Rio de Janeiro - 2001
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO
TÍTULO
A INFLUÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO DE PODER NA MELHORIA DA
QUALIDADE: O CASO ROYAL
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR:
PAULO CÉSAR ZANELLATO
E APROVADO EM
2SJ.!2± / :2 () 0-1
CARMEN PIR
DOUTO
E SOCIOLOGIA
DEBORAH MORAES ZOUAIN
DOUTORA EM ENGENHARIA DA PRODUÇÃO
PAULO ROBERTO DE MENDONÇA MOTTA
Ph.D EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
RESUMO
Este trabalho se propõe a analisar a influência do poder no processo de melhoria da
qualidade em organizações empresariais, tomando-se por base um estudo de caso
referente a uma empresa de médio porte situada na região sudeste do Brasil que, na
intenção de resolver dificuldades de inserção de seus produtos no mercado, optou por
implementar programas da qualidade. Os dados foram coletados por observações e
pesquisas bibliográficas sobre a empresa, onde o autor participou como funcionário por
um período próximo de 6 anos. Os resultados indicam que metodologias importadas de
gestão, como é o caso dos modelos da qualidade, podem não produzir os resultados
esperados, quando são implementadas ignorando-se fatores culturais, sobretudo
relativos à forma como o poder é partilhado e exercido nas organizações.
Palavras-chaves: poder, cultura, qualidade, metodologias importadas.
ABSTRACT
This work intends to analyze the influence of the power in the process of quality
improvement in managerial organizations, being taken based on a case study regarding
to a company of medium load placed in the southeast area of Brazil which in the
intention of solving difficulties in inserting its products in the market, it opted to
implement quality programs. The data were collected through observations and
bibliographical researches about the company, where the author participated as
employee for a elose period of 6 years. The results indicate that the imported
methodologies of administration - as it is the case of the quality models - cannot
produce the expected results, when these methodologies are implemented by ignoring
cultural factors, mainly related to form as the power is shared and practiced in the
organizations.
Key words: power, culture, quality, imported methodologies.
sUMÁRIO:
1 - Introdução ............................................................................................................. 01
2 - Sobre a cultura e o poder ..................................................................................... 05
2.1 - A cultura organizacional ...................................................................................... 06
2.2 - O poder ................................................................................................................ 16
2.3 - A relação entre poder e cultura nas organizações ................................................ 19
2.4 - A qualidade.......................................................................................................... 26
3 - A influência da concentração de poder na melhoria da qualidade ................•• 32
3.1 - O panorama propício à qualidade .......................................................................... 32
3.2 - O caso Royal ......................................................................................................... 35
3.2.1 - As origens da Royal ........................................................................................... 35
3.2.2 - A estrutura organizacional e o processo produtivo da Royal ............................ 38
3.2.3 - As iniciativas em prol da qualidade na Royal .................................................... 42
3.3 - A questão da motivação para a qualidade na Royal ............................................. 57
4 - As dificuldades em se implantar os modelos da qualidade no Brasil .......•......• 63
4.1 - Modelos da qualidade: mito ou realidade? ............................................................ 64
4.2 - Um cenário político organizacional pouco propício aos modelos da qualidade .. 70
5 - Conclusão ............................................................................................................... 72
6 - Referências bibliográficas .................................................................................... 76
1
1 - Introdução
A partir das últimas décadas do século XX, as organizações empresariais tem
sofrido grandes pressões por parte de seus clientes por produtos e/ou serviços de melhor
qualidade e a custos cada vez menores. Este fato deve-se sobretudo às mudanças na
economia mundial, que impulsionadas pelo desenvolvimento vertiginoso dos meios de
comunicação, de transportes e da tecnologia da informação, não permitem mais, como
ocorria até meados do século
xx,
que diversas empresas monopolizassem sua área de
atuação e determinassem a forma como seus produtos seriam ofertados aos, até então,
meros consumidores. Os clientes de hoje, tem muitas opções e condições de imporem
que suas necessidades sejam atendidas pelas empresas.
Logo, neste cenário internacional, não há outra saída: ou as organizações
empresariais se adaptam nesta nova economia, buscando para tanto formas que lhes
propiciem aumentos significativos de competitividade, revendo seus modelos de gestão
e processo produtivo ou, por outro lado, tendem a amargar a estagnação e conseqüente
fim. Surgem, assim, deste " grande laboratório empresarial " que contempla o universo
das organizações pelo mundo, diversas metodologias administrativas ou modelos de
gestão que visam capacita-las a se manterem competitivas e, consequentemente, em
condições de atenderem às necessidades de mercado.
Dentre estas metodologias, estão os modelos ou programas da qualidade,
desenvolvidos e amplamente difundidos nas décadas de 1980 e 1990, no intuito de
proporcionar mudanças comportamentais e no processo de produção das organizações
2
que permitam uma maior adequação de seus produtos e/ou serviços às necessidades de
seus clientes. Tais programas obtiveram êxito nas organizações em que foram
originalmente desenvolvidas e implementadas, fato este que pode ser verificado pelo
sucesso da onda gerencial japonesa1 . Devido à sua repercussão e pela busca, na maioria
das vezes, desenfreada por empresas de outros países, o modelo se propagou, sendo
amplamente difundido por diversas literaturas e, obtendo em sua forma e sob os
alicerces de seus resultados, um novo conceito de como se gerenciar uma organização.
Porém, em todo este contexto econômico que induz as organizações a buscarem
continuamente novas formas de gestão, que não deixam de serem mudanças
notoriamente comportamentais, ignoram-se muitas vezes fatores eminentemente
culturais, como se todas as empresas atuassem em mesmas condições ambientais e que
se um modelo, como os da qualidade, que geraram resultados em uma determinada
organização empresarial, pudessem gerar os mesmos resultados em uma outra empresa
sediada em uma outra região ou país.
No ambiente turbulento das organizações contemporâneas, os movimentos de mudança não
podem ser analisados sob a ótica da causalidade simples e do determinismo cartesiano. Eles
exigem um olhar complexo, compatível com o emaranhado de relações culturais, de poder,
formais e informais existentes nesses sistemas (Wood Jr et aI. , 2000: 231).
Pode-se pensar, num primeiro momento, que a escolha do tema da
implementação de modelos de gestão da qualidade, maIS de 20 anos depois do
surgimento desta metodologia, esteja desatualizada. E isto estaria correto, não fosse a
constatação de que a qualidade ainda engatinha em grande parte das empresas
brasileiras, que ainda têm dificuldades claras de relacionamento com seus clientes
1
Ver TENÓRIO (2000)
3
(como o número de reclamações de consumidores no Procon claramente atesta), assim
como está pouco clara a relação entre questões culturais e assimilação de modelos
importados de gestão. O fato da gestão da qualidade não ser nova, nos dá a
possibilidade de um certo distanciamento do momento da sua implantação, e o
acompanhamento histórico da sua evolução e resultado, dando mais subsídios para uma
análise teórica dos elementos que devem ser considerados quando se optar por estas
tentativas de importação.
Nesse trabalho, pretende-se abordar até que ponto uma metodologia importada,
como os modelos da qualidade, encontra respaldo no que tange às questões culturais,
enfatizando sobretudo aquelas relacionadas ao poder e à forma como é exercido numa
organização, que lhe permitam condições de reproduzir os resultados a que se propõe ou
que foi obtido naquelas organizações em que originalmente foi implementada. Para
tanto, será analisado um caso referente à uma empresa brasileira que, face às
dificuldades de inserção de seus produtos no mercado em que atua, resolveu
implementar programas da qualidade no intuito de obter aumentos de produtividade e,
conseqüente, maior competitividade frente a seus concorrentes.
O caráter crítico relativo a este trabalho, que poderá ser notado durante a leitura,
não recai sobre a decisão de se importar programas da qualidade, mas única e
exclusivamente à gestão da implementação dos respectivos programas, ou seja, à forma
e ao modo como eles foram implementados na empresa (estudo de caso). Pretende-se
questionar até que ponto o sistema cultural, político e organizacional da empresa em que
e sobre o qual foram planejados os programas da qualidade, viessem a prover
4
condições que facilitassem a ocorrência dos resultados observados. Sobre outra ótica,
mas se atendo ao mesmo problema, ao se analisar os programas da qualidade como uma
metodologia importada de gestão, pode-se fazer o seguinte questionamento: a cultura
organizacional é propícia à uma nova metodologia de gestão notoriamente derivada de
outra região e fundamentada sobre outros costumes e valores? E caso não seja, como no
caso da empresa observada, que tipo de cuidados e ações se fazem pertinentes para que
o modelo possa ser adequadamente implementado? Ou seja, onde estão as causas do
insucesso, e como pode-se aprender com ele de modo a evitar os mesmos erros em
futuras implementações de metodologias de gestão importadas? Não pretende-se dar
aqui todas as respostas, mas mostrar como é possível, ao isolar corretamente as causas,
instrumentalizar-se para a ação. Localizar as causas é uma etapa preliminar e necessária
para a resolução dos problemas. Sabendo em que elementos uma proposta de mudança
esbarra, pode-se geri-la de forma mais eficaz e com maior controle sobre os resultados.
Este trabalho se desenvolve em três capítulos. No primeiro, pretende-se discutir
a cultura, o poder, a qualidade e suas inter-relações, de forma a constituir uma
referência teórica que será utilizada como base para as discussões e análises a respeito
do caso. No segundo capítulo, é descrita a empresa, sua trajetória histórica e,
propriamente, o caso referente a este trabalho, onde se buscará explicações aos
resultados obtidos pela empresa ao resolver implementar os modelos da qualidade. No
terceiro capítulo pretende-se questionar até que ponto uma metodologia tende a se
tornar um mito, tendo em vista e como proposta para tal proposição fatores culturais
eminentemente diferentes daqueles onde originalmente as metodologias foram criadas e
implementadas.
5
2 - Sobre a cultura e o poder
Neste trabalho pretende-se compreender o poder nas organizações e como o seu
exercício pode interferir na melhoria da qualidade, partindo-se de um estudo de caso
baseado na experiência do autor. Mas, para tal análise, faz-se necessário, inicialmente,
conceituar o poder, desvendando sua relação com a cultura organizacional e definindo
sua importância no processo da qualidade. Enquanto alguns teóricos das organizações
analisam o poder como um recurso, algo que alguém possui, outros o definem como
uma relação social, como uma força que rege as ações dos indivíduos em uma
organização. E o conceito de cultura? Embora existam inúmeros conceitos de cultura,
propõe-se, aqui, um conceito semiótico, como sugerido por Geertz (1989), que nos
permita compreender a teia de significados simbólicos que orienta o entendimento do
mundo, pois é nesta teia que se articulam os valores, as crenças e os costumes de uma
sociedade ou organização. É em relação à esta teia de significados, também, que podese compreender como o exercício do poder em certos moldes pode ser percebido como
legítimo pelos membros da organização.
Pretende-se, neste capítulo, questionar essas abordagens a respeito do poder, da
cultura e do entendimento e desenvolvimento da qualidade nas organizações, buscando
explicações que auxiliem no estudo e análise do caso. Desta forma, será criado um
roteiro analítico que possa ajudar a compreender a cultura, a dinâmica do poder dentro
de uma organização e identificar as maneiras pelas quais os membros de uma
organização influenciam, ao exercerem o poder, no processo de melhoria da qualidade.
6
2.1 - A cultura organizacional
o conceito de cultura organizacional é amplamente difundido como um conjunto
de valores, crenças e costumes praticados e aceitos pelos membros de uma organização.
Porém, esse conceito toma-se inconsistente a medida que a diferença cultural entre
organizações reside principalmente na interpretação e no modo como esses valores,
crenças e costumes são aceitos e praticados. Por exemplo, conforme Migueles
(mimeo:2), " tanto na cultura japonesa quanto na cultura brasileira, o trabalho
intelectual, de concepção, tende a ser percebido como superior ao trabalho manual. [... ]
Mas a percepção desta superioridade é diferente nestas duas culturas ".
Um engenheiro recém-fonnado, quando consegue um emprego numa empresa brasileira,
tende a assumir imediatamente, uma posição hierarquicamente superior à de qualquer
operário de casa. [... No Japão], o engenheiro recém-fonnado, vai trabalhar sob a supervisão
do operário experiente no chão-de-fábrica para conhecer o processo produtivo na prática,
vendo seus problemas e dificuldades. Seu salário inicial é inferior ao do operário, e é este
último que lhe dá orientações como sobre proceder (Migueles, mimeo: 2).
Nesse exemplo, fica claro que a cultura organizacional se define mais pelo
significado do valor em estudo em uma determinada realidade do que pelo seu
entendimento de forma genérica. O trabalho, como foi demonstrado, é um dos
componentes que caracterizam e diferenciam culturas, mas não por ser genericamente
um valor, mas sim pelo que representa como valor em cada região ou país. Por isso, um
conceito adequado de cultura organizacional deve levar em conta as tipicidades e
7
características de cada organização, sua localização, sua formação e o modo como seus
integrantes aceitam e praticam seus valores, crenças e costumes.
Para entender a cultura de uma organização, faz-se necessário participar da
mesma, pois o entendimento de certos valores variam de empresa para empresa, de suas
origens, de sua formação e em função da região em que desenvolvem suas atividades.
Neste sentido, conforme Geertz (1989), o conceito de cultura deve se ater a um recorte
da realidade, buscando estudar e explicar os acontecimentos em função de significados
comuns e aceitos. É bastante improvável um conceito de cultura amplo, que não leve em
consideração o entendimento dos fatos por parte de quem está sendo objeto de estudo.
Logo, um conceito amplo tende mais a confundir do que a esclarecer. A solução,
abordada por Geertz (1989), é essencialmente semi ótica, quanto ao conceito de cultura.
Sob este raciocínio, a cultura compreende uma teia de significados e, os resultados desta
ciência, consequentemente, partem da análise destes significados. Portanto, não há
margem para formulação de leis ou conceitos amplos, mas sim a interpretação dos fatos
comuns de uma determinada realidade. Nas organizações empresariais, a cultura
permeia todas as práticas e constitui um conjunto preciso de representações e saberes.
Forma um sistema coerente de significações e articula todas as relações sociais e todos
os modos de agir.
Portanto, derivado do conceito de cultura desenvolvido por Geertz (1989), a
cultura organizacional compreende um conjunto próprio e particular de significados
para valores, costumes e tradições, os quais são aceitos, praticados e partilhados pelos
membros da organização. Por exemplo, toma-se plenamente natural que um novo
8
integrante de uma organização, mesmo após passar por vários testes ou entrevistas para
então ser admitido, demore algum tempo para se adequar e compreender o ritmo da
empresa. Não se trata apenas de uma questão de um novo ambiente fisico para o recém
integrante da organização, mas sim de um novo habitat, onde a concepção dos valores
certamente irá diferir daquelas comuns ao novo ingresso, mesmo que tenham sido
previamente aceitos durante uma seleção. Neste caso, se esse novo integrante fazer parte
da comunidade, região ou país em que a organização está instalada, sua adaptação ao
novo ambiente de trabalho, normalmente, tende a ocorrer mais rapidamente, pois o seu
entendimento a respeito de valores comuns possuem a mesma estrutura conceitual,
permitindo dessa forma, uma maior concordância das inteligências e coordenação das
ações no novo ambiente de trabalho.
o
próprio valor e exercício do trabalho difere, por exemplo, de uma cultura
brasileira para uma cultura americana. No Brasil, a importância do trabalhador,
sobretudo a do chão-de-fábrica, se limita ao desempenho das funções para as quais foi
contratado. " A empresa brasileira, de modo geral, não se percebe como minimamente
responsável pelo bem estar e pelo futuro deste operário, e nem reconhece a importância
do seu empenho para o sucesso da organização" (Migueles, mimeo:3). Dessa forma,
nesta cultura, " o indivíduo [ ... ] tende a ser percebido como um ser reativo que responde
exclusivamente às condições a que se vê submetido, ao contrário do agente proativo da
visão norte-americana, que atua e transforma o ambiente em que vive por força da sua
vontade individual " (Barbosa, 1999: 66). E tendo em vista que no Brasil, " essa
concepção do trabalho sempre esteve na raiz das relações dos homens livres com nosso
sistema produtivo" (Barbosa, 1999: 67), a adaptação de um trabalhador brasileiro, por
9
partilhar desse imaginário comum à sua sociedade tende a ser muita mais rápida numa
empresa brasileira do que em uma empresa norte-americana., pois entende que sua
função em uma empresa vai se ater ao exercício de tarefas previamente determinadas
não se sentindo responsável, de modo geral, pelo futuro da organização. Essa tarefa., de
mudança e melhorias no ambiente de trabalho é vista como função da direção da
empresa. Não se trata aqui evidentemente de uma mera questão de idioma ou de
localização física, mas sim de toda uma formação histórica de um país, a qual imprime
nos membros de sua sociedade uma forma específíca e, muitas vezes, singular de agir e
de se portar frente aos acontecimentos do dia-a-dia.
Esse comportamento organizacional é diretamente influenciado pelo modo
como uma cultura é formada. Conforme Aidar et aI. (2000: 40), " parece indiscutível a
importância da forma de colonização e as implicações da economia escravocrata,
latifundiária e monocultura na formação da cultura brasileira ". A submissão do
trabalhador às condições impostas pela classe patronal permeia as relações de trabalho
nas organizações, tal como era a relação entre escravo e senhor de engenho na época de
colonização do Brasil. " A base da cultura brasileira é o engenho, é o binômio casa
grande e senzala. O senhor do engenho era um senhor absoluto em seus domínios. Cabia
a ele administrar suas terras, sua família e seus escravos. A distância social era a
contrapartida da proximidade física " (Motta., 1997: 31). Enraizado a esse imaginário
cultural ainda presente nas relações de trabalho, o operário não traz para si a condição
de transformador de uma organização, pois, ao passo que não se vê como responsável
para tal, por outro lado, a organização mantém toda uma lógica ou conjunto de
procedimentos que tendem a separar as funções de execução e planejamento das
10
atividades do dia-a-dia. Em outras palavras, se de um lado o trabalhador não vislumbra
uma participação além daquela para a qual foi contratado, por outro lado, a organização
não lhe confere condições para isso, pois reduz suas ações à execução racional das suas
tarefas. O exercício do poder, nesse sentido, toma-se indubitavelmente desigual e
concentrado nos níveis de direção da empresa. O trabalhador atua e sobrevive nas
organizações brasileiras à margem de um sistema autoritário e inibitório de iniciativas
proativas e mais participativas.
Nossa fé democrática é débil e a submissão do cidadão é um traço cultural que contribui
para enfraquecê-la. O povo brasileiro mostra vocação maior para ser ajudado do que para
exibir autoconfiança. Como conseqüência, abre os braços ao paternalismo, uma forma
disfarçada de autoritarismo (Campos, 1990: p.37).
E como estas características se difundem nas organizações brasileiras?
Conforme Prates & Barros (1997), ao fazerem suas pesquisas com base na percepção de
2500 dirigentes e gerentes de 520 empresas de grande e médio porte do Sudeste e Sul do
Brasil, o sistema de ação cultural brasileiro pode ser caracterizado pela correlação entre
quatro subsistemas: o institucional (ou formal) e o pessoal (ou informal), o dos líderes e
o dos liderados, apresentando traços culturais em comum e traços especiais, que
articulam o conjunto como um todo.
Os traços comuns referem-se a concentração de poder, ao personalismo, a
postura de espectador e ao evitar conflito, enquanto que os traços especiais referem-se
ao paternalismo, ao formalismo, a lealdade pessoal e a flexibilidade.
11
Líderes
Impunidade
A concentração de poder refere-se à carga autoritária acumulada pela alta
direção nas organizações brasileiras e baseia-se na relação entre hierarquia e
subordinação. Frases como" Você sabe com quem está falando" ou "Manda quem pode,
obedece quem tem juízo" evidenciam este traço cultural. O personalismo refere-se ao
magnetismo exercido pela pessoa em uma organização, por meio de seu discurso ou de
seu poder de ligações, e não por sua especialização. Quanto maior a capacidade de
atração de uma pessoa, maior será sua influência na organização. O paternalismo é a
combinação da concentração de poder e personalismo onde o patriarca tudo pode e aos
membros da organização cabe obedecer. A concentração de poder e o paternalismo
criam a postura de espectador com vertentes de mutismo e baixa consciência crítica
tendo por conseqüência baixa iniciativa, pouca capacidade de realização por
autodeterminação e de transferência de responsabilidades das dificuldades para as
lideranças. O formalismo, por sua vez, refere-se à aceitação tácita das normas e regras.
Porém, na prática, impera uma distorção, onde as relações pessoais criam um intervalo
entre o formal e o fato, caracterizadas por frases como "arranjar um pistolão" ou ''fazer
vista grossa" .
12
No Brasil, se as normas são bastante específicas, nosso ajustamento se faz por um processo
de reinterpretação das leis, cujo resultado vai depender essencialmente de quem está do
outro lado da questão. Se é pessoa de nossas relações ou com autoridade, a flexibilidade na
reinterpretação é ampla; se é pessoa fora das relações, a rigidez é absoluta. Outro não é o
significado do dito: "para os amigos tudo, para os inimigos nada, para os indiferentes a lei"
atribuído a Getúlio Vargas (Prates & Barros, 1997: 63, grifo dos autores).
A impunidade mostra que a lei só existe para os indiferentes e os direitos
individuais são monopólios de poucos. A frase do quotidiano brasileiro que evidencia
este traço cultural é "salve-se quem puder". A lealdade pessoal se opõe ao formalismo,
pois fortalece o poder da liderança em detrimento às normas e regras vigentes na
organização. O membro do grupo valoriza mais as necessidades do líder do que as da
organização na qual está inserido. O evitar conflito reflete a relação entre líder e
liderados em uma situação de desigualdade de poder, onde o primeiro ignora a
existência do conflito, cabendo ao liderado encontrar formas ou soluções indiretas que
resolvam os impasses. A flexibilidade refere-se à capacidade do membro da organização
de se adequar à situação de liderado. Representa a categoria com duas faces:
adaptabilidade e criatividade.
Esses traços e a lógica descrita formam a essência do que chamamos de "Sistema de Ação
Cultural Brasileiro" cuja dinâmica tem como resultado global um estilo de ser brasileiro,
uma construção nacional que a distingue de outras nações, por mais que se queira impor-lhe
modelos de outros países. No âmbito organizacional, o resultado é um Estilo Brasileiro de
Administrar (Prates & Barros, 1997: 67, grifo dos autores).
A cultura organizacional é influenciada pela cultura nacional, mas isso não quer
dizer que são as mesmas. Conforme Migueles (mimeo), não se pode afirmar que
13
estudando uma se entende a outra, mas se pode observar características geraIs
suficientemente difundidas e comuns na cultura nacional e entende-las como presentes,
em termos de média, na cultura organizacional. Os traços culturais descritos por Prates
& Barros (1997) retratam justamente essa média de práticas e valores difundidas na
cultura das organizações brasileiras e amparadas, se não homologadas, por valores
comuns e aceitos na cultura nacional.
Como na cultura brasileira, conforme Barbosa (1999) e Campos (1990), não se
acredita na capacidade do trabalhador, de moldar e transformar a realidade em que vive,
comportando-se, dessa forma, à margem da execução de suas tarefas e, se por outro
lado, conforme Prates & Barros (1997), a cultura legitima relações autoritárias no local
de trabalho que amparam a prática gerencial de botar o povo para trabalhar, forma-se
então, uma hierarquização rígida e acentuada entre os postos assumidos pelo corpo
social que compõe uma organização, submetendo a classe operária à uma posição de
espectador quanto ao que ocorre na organização e, à classe patronal um excessivo,
embora legitimo (do ponto de vista da cultura nacional), exercício do poder e
consequentemente condições de decidir sobre o futuro da empresa, mesmo que seja por
caminhos que comprometam o desenvolvimento e crescimento da empresa.
Nosso forte traço autoritário e, ao mesmo tempo, paternalista criou no brasileiro o gosto
simultâneo pelo protecionismo e pela dependência. Fomos acostumados, enquanto povo, a
nutrir uma postura de espectador sempre dependente de algo ou alguém (Caldas, 1997: 82).
O conhecimento do operário, oriundo de sua experiência no processo produtivo,
não é considerado no universo da organização como um saber capaz de influenciar nos
14
rumos da empresa. Nesse sentido, a grande maioria dos operários comporta-se de forma
indiferente e mudos em relação ao que se passa na empresa. Sob outra ótica, se o
trabalhador não é visto como autônomo, incapaz de crescer e buscar sua auto-realização
no trabalho; a sua autonomia é restringida, pois a cúpula que administra a organização
receia que o trabalhador não chame para si a responsabilidade por suas ações e, por
conseqüência, que a empresa perca a eficiência. O operário, ao vestir seu uniforme e
iniciar sua jornada de trabalho, compõe todo esse imaginário cultural e representa o
papel para o qual foi contratado na organização, ou seja, o da aceitação, da submissão,
da resistência, e da sobrevivência que o emprego lhe permite.
Enquanto na sociedade norte-americana um dos temas centrais é a dramatização da
superioridade ontológica do indivíduo sobre o grupo social, como bem demonstram os
heróis de seu imaginário e sua filosofia política, no Brasil poderíamos dizer que ocorre
justamente o inverso. Entre nós, duvida-se da capacidade do indivíduo de moldar a
realidade de acordo com sua visão de mundo, por sua determinação e esforço. Vitória,
nesse contexto, é sobrevivência, e não dominação. Nosso herói é "antes de tudo um forte".
Entretanto, essa força não advém da submissão do mundo ao redor à sua vontade, lógica e
desejo, em conseqüência de uma decisão voluntarista e de uma atitude proativa e
transformadora, mas de sua resistência. Resistência passiva daquele que sobrevive.
Resistência que nasce de uma acomodação fatalista ou astuciosa às circunstâncias.
Resistência calada e triste, como a do sertanejo e do Jeca Tatu, ou alegre e irreverente,
como a do malandro e de Macunaíma (Barbosa, 1999: 67, grifos da autora).
A cultura brasileira, conforme demonstrado por Prates & Barros (1997), oferece
o contexto ideal para que ocorra a concentração de poder em moldes autoritários e
paternalistas nas organizações empresariais e, conforme Migueles (mimeo), essa
15
tendência, quando vinculada ao modelo taylorista de gestão, gera formas de
autoritarismo bastante perversas e destruidoras da capacidade de transformação das
empresas. Ao passo que se predomina um tipo de saber (administração científica) que
toma legitima a concentração de poder na direção, ocorre um grande desperdício do
saber operário, tendo em vista a falta de canais de participação para a maior parte dos
membros da organização, os quais agem frente a este fato de forma indiferente e, nem
percebem que assim contribuem para a reprodução do modelo. A fusão deste tipo de
cultura predominantemente autoritário e paternalista com os princípios da administração
científica já enraizados nos procedimentos e práticas do quotidiano das organizações,
funcionam como barreiras ideológicas para que modelos de gestão mais participativos,
que visam uma maior interação entre todo o corpo social que integra uma organização,
como os modelos ou programas da qualidade, propiciem os resultados esperados.
Logo, entender a cultura de uma organização sob o prisma semiótico, proposto
por Geertz (1989), toma-se fundamental à medida que fornece bases mais sólidas para
um planejamento consciente da mudança cultural. A tentativa de inserção imediata de
novas práticas ou métodos de trabalho que não sejam condizentes com os valores ou
costumes já praticados em uma empresa podem repercutir resultados insatisfatórios. Por
isso, toma-se prioritário, antes de iniciativas que visem mudanças na cultura de uma
organização, uma compreensão e entendimento dos significados dos valores, costumes e
crenças partilhados por seus integrantes.
16
2.2 - O poder
Poder não é algo que se detém, se possui, se transfere de um lugar para outro
como se fosse uma coisa ou um objeto do bel-prazer de quem o conserva. Conforme
Lebrun (1985, 20),
li
em suma, o poder não é um ser, alguma coisa que se adquire, se
toma ou se divide, algo que se deixa escapar
li.
Nem se pode atribuir ao poder uma
significação isolada, como se fosse um dom ou uma capacidade intrínseca de um
indivíduo. O poder influencia e é influenciado por todos aqueles corpos sociais que o
exercem em uma organização.
o poder deve ser analisado como algo que circul~ ou melhor, como algo que só funciona
em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca esta nas mãos de alguns, nunca é
apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas
malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e
de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de
transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles
(Foucault, 1979: 183).
Partindo do princípio de que o poder se constitui essencialmente em um
conjunto de relações que permeiam uma organização social, como se pode caracterizálo e qual a sua abrangência ? Seria o poder uma relação de mando, de repressão, de
domínio? Para analisar tais questões, pode-se partir do conceito proposto por Bemardes
(1995: 63):
li
Poder é o controle ou influência sobre as ações dos outros no intuito de
atingir as próprias metas, sem o consentimento desses outros, contra a vontade deles, ou
sem seu conhecimento ou compreensão
li.
Na perspectiva proposta por Bemardes
(1995), o poder refere-se a uma relação social onde um indivíduo ou um grupo exerce
17
poder sobre outra pessoa ou coletividade desde que a induza a aglr de forma
involuntária, não obstante os motivos, mas sempre em prol do cumprimento das
determinações de quem exerce o poder. Sob esse conceito, ocorre uma imposição, um
mando, como se o corpo social sujeito ao poder não tivesse opções ou capacidade de
exercer sua liberdade. Tal relação teria mais uma concepção de determinação fisica do
que de poder. Seria, por analogia, a posse de alguém sobre um bem material, imóvel e
inânime, que pudesse ser manipulado sem opor resistências. Nesse sentido, admitir o
poder conforme o enunciado proposto por Bemardes (1995) seria uma incoerência, pois
se o poder pressupõe influência, como poderia existir se o corpo social sujeito ao poder
não tivesse capacidade ou liberdade de expor seus interesses ou vontades.
o conceito
de poder se confunde com o conceito de liberdade. Se o poder se
exerce e tem como função influenciar o comportamento das pessoas que compõem uma
determinada organização, não faria sentido sua existência sem a idéia de liberdade. Se a
relação social toma-se saturada no que tange a capacidade de confronto de idéias e
comportamentos, o poder deixa de existir. Por exemplo, a escravidão, caracterizada pelo
mando e obediência, não é uma relação de poder; constitui-se, conforme Foucault
(1982i, numa relação de constrangimento e determinação fisica. Um escravo executa
aquilo que lhe é imposto reprimindo sua vontade própria. Trata-se, então, de uma
relação de repressão, de domínio, de posse, mas não de poder. Um outro exemplo pode
ser a relação entre médico e paciente. O médico, ao receitar um medicamento ou
tratamento a um paciente, não tem como forçá-lo a seguir a prescrição dada, mesmo
levando-se em conta seu conhecimento e formação. O paciente, mesmo sem possuir o
2
In MAIA (1995): Sobre a analítica do poder de Foucault
18
conhecimento do médico, pode utilizar o medicamento ou pode buscar outras formas de
se tratar. A relação de poder ocorre em ambos os sentidos: de um lado, o médico exerce
o poder ao receitar um tratamento para o paciente e, este por sua vez, exerce o poder ao
aceitar ou não o tratamento. Evidentemente, quanto maior for o conhecimento,
experiência e prestígio do médico, maior será sua influência sobre a decisão a ser
tomada pelo paciente, e consequentemente, maior poder exercerá na relação. Por outro
lado, se o paciente estiver em estado grave e internado num hospital, sem condições de
refletir sobre sua situação fisica e sob os cuidados do médico, a relação deixará de ser
de poder e passará a ser de domínio, pois caberá única e exclusivamente ao médico a
decisão sobre os procedimentos a serem tomados, mesmo que possa acarretar em algum
risco de vida para o paciente. Sob esta lógica, no caso de uma organização e mais
precisamente em uma empresa, a influência ou poder exercido por um indivíduo ou
grupo ocorrerá em menor ou maior grau em função do que representa seus interesses
perante os outros membros que compõem a organização, ou seja, quanto mais o
interesse de quem exerce o poder num determinado momento for convergente com os
interesses de quem participa da relação, maior será sua influência e, consequentemente,
maior será suas chances de obter êxito e atingir seus objetivos.
Conforme Morgan (1996: 163), " o poder é o meio através do qual conflitos de
interesses são, afinal, resolvidos ". Em uma organização empresarial, por exemplo, os
interesses sociais permeiam indissoluvelmente as relações entre seus integrantes; estão
presentes quando, partindo de um corpo social, se deseja uma melhoria em alguma
atividade, quando se deseja uma posição melhor, quando se deseja uma remuneração
melhor e, até mesmo, quando se deseja que nada mude. Para tanto, os integrantes da
19
organização buscam formas ou canais institucionais que lhes permitam resolver seus
interesses. Devido à complexidade de uma organização, é quase que impossível definir
todas as formas que regem o exercício do poder dentro de uma organização. Num dado
momento pode ser exercido pela perícia, pela capacidade de resolver problemas de
quem o exerce. Num outro momento pode ser exercido através do controle sobre
informações, pelo carisma, pela permuta, etc. É nesse ambiente, quase que coordenado,
com várias redes de influências e com inúmeros interesses sociais, que o poder está
presente e estabelece, institucionalmente, a forma como os objetivos por meio do
diálogo e do confronto de idéias são alcançados.
2.3 - A relação entre poder e cultura nas organizações
o poder representa as relações que ocorrem em organização, as quais vão desde
uma conversa informal sobre o dia-a-dia entre funcionários do chão-de-fábrica durante
o horário de descanso até uma reunião formal sobre o planejamento estratégico da
empresa entre os membros do alto escalão de uma empresa. Nessas relações, as
influências de cada indivíduo que compõe a organização estarão presentes, todas
envoltas num ambiente onde a percepção dos valores, dos termos utilizados, da
linguagem e dos gestos possuem uma representação singular e comum a todos os
membros da organização, podendo, paulatinamente fortalecer, moldar, ou até mesmo,
modificar a cultura da organização.
Existe uma correlação muito forte entre poder e cultura nas organizações.
Evidentemente, não se pode formar ou teorizar uma correlação uniforme, como se fosse
20
linear, pois dependendo das circunstâncias, em um determinado momento o poder
estaria a serviço de fortalecer a cultura da organização e, em outro momento, poderia
estar moldando ou mudando a mesma cultura. E como isso ocorre ? Pode-se partir de
três aspectos: o poder como modelado r, o poder como fortalecedor e, por fim, mas sem
se ater a uma questão de ordem, o poder como transformador da cultura organizacional.
Um dos aspectos modeladores ou formadores do poder em relação à cultura
ocorre durante a fundação e estruturação inicial de uma organização. Conforme Bertero
(1989: 39), " as atitudes do fundador, comportamento, sua visão do mundo, da natureza
humana e do próprio negócio, acabam por ir moldando a organização e vão lenta e
gradativamente se impondo, como valores e crenças ". Esse entendimento proposto por
Bertero (1989), em parte faz sentido, pois normalmente no início de uma empresa todo
o processo de recrutamento e seleção de novos integrantes é conduzido pelo fundador, o
qual seleciona aqueles candidatos que compartilham de seus ideais, ou ao menos,
possuam uma visão de negócios e padrões de comportamentos que lhe sejam aceitáveis.
o fundador também participa da formação
de padrões de punição e recompensa que
serão intemalizados e agregados à cultura da organização. O modo como o fundador
rege suas ações e decisões repercutirá sobre o comportamento de seus subordinados, ou
seja, se o fundador é partidário de um sistema de gestão autocrático, seus subordinados
diretos serão influenciados a agirem da mesma forma, o que pode acarretar em uma
hierarquização acentuada dos postos de comando e, possivelmente, uma maior
concentração de poder na organização. Por outro lado, se o fundador é democrático e
incentiva uma maior participação dos integrantes no processo de decisão da empresa,
todo o corpo social será influenciado, tendendo a ocorrer, desta forma, um exercício
21
natural das relações de poder. Trata-se de dois extremos cuja interface naturalmente
possui variações em função da forma como o poder é exercido pelo fundador, o que
influenciará na formação da cultura e conseqüente modelo de gestão praticado na
organização. Porém, não se pode atribuir ao fundador de uma empresa toda a
responsabilidade sobre as características culturais presentes em uma organização.
Conforme Migueles (mimeo: 4), " as pessoas não entram na empresa como páginas em
branco sobre as quais uma certa estratégia de gestão pode escrever livremente ", pois
trazem consigo todo um conjunto de entendimentos sobre valores comuns à sua
realidade e, pois mais que se busque uma concordância sobre esses entendimentos com
aqueles pretendidos pelos fundador, dificilmente na prática ou no cotidiano da
organização, isso ocorrerá, haja vista que, a critério de exemplo, conforme Barbosa
(1999), enquanto um trabalhador americano tende a agir individualmente e de forma
proativa para atingir seus objetivos, um japonês recorreria ao grupo e, um brasileiro
procuraria a liderança ou outra autoridade que fosse de seu acesso na organização. Não
resta dúvida de que o poder exercido pelo fundador influencia no comportamento de
seus subordinados, haja vista que possui os vários recursos regulamentadores para isso,
mas todavia, o peso dos valores culturais e imaginários correspondentes ao meio social
do trabalhador vão se sobrepor e seu comportamento não será muito diferente daquele
que é praticado e aceito em sua sociedade.
o aspecto fortalecedor
ou sancionador do poder em relação à cultura ocorre,
sobretudo, na fase próspera de uma organização. Pode-se entender como uma fase de
maturidade e estabilidade, onde os valores partilhados, os rítuais e as crenças já estejam
amplamente intemalizados pela cultura da organização. Nessa fase, o poder tende a
22
homologar e institucionalizar a cultura organizacional e, esta por sua vez, tende a
legitimar as relações de poder. Conforme Bertero (1989: 41), " é o momento em que a
cultura é divulgada pela rede de comunicações. Manuais e pequenas publicações
internas divulgam, registram e repetem os valores da organização, e programas de
acolhimento de novos colaboradores incluem tópicos destinados a explicar e converter
os catecúmenos à cultura da empresa ".
Um exemplo desse aspecto fortalecedor do poder pode ser o Grupo Empresarial
Tupy, situado em Santa Catarina e que atua no ramo de autopeças para automóveis. O
sucesso da empresa deve-se, conforme Bertero (1989: 42), " a elementos eminentemente
culturais, como a devoção a uma moral do trabalho, à dedicação, à meticulosidade na
execução das tarefas, tudo isto permeado por uma honestidade que levou à uma
correção no tratamento dos clientes e a uma harmonia e confiança internas, que eram os
fundamentos de um sólido, eficaz e funcional relacionamento interpessoal ". Trata-se de
uma empresa fundada por imigrantes italianos que preservaram a cultura nacional de
origem e que escolheram o nome indígena como uma clara indicação da ambivalência
da cultura imigrante. A empresa deu certo e progrediu, dando saltos de escala com a
implantação da indústria automobilística no Brasil. Nesse caso, o poder exercido pelos
fundadores no início da empresa, tornou-se cada vez mais aceito e legítimo no dia-a-dia
da organização e, como a empresa progrediu, o poder tornou-se continuamente
fortalecedor da cultura organizacional. Numa outra análise, como os valores, crenças e
costumes foram internalizados e seus significados foram institucionalizados e praticados
pelos membros da organização, a cultura passou a permear e induzir as relações entre os
corpos sociais, formando uma tipologia de poder específica para a Tupy.
23
o aspecto transformador do
poder em relação à cultura ocorre quando se faz
necessário uma revitalização de uma organização frente às novas tendências ou
mudanças no ambiente externo. Conforme Yuke citado por Wright et al.(2000: 324), à
medida que o tempo passa, " segmentos da cultura que no início eram funcionais podem
se tornar disfuncionais, impedindo que a organização adapte-se com sucesso a um
ambiente em constante mudança ". Nesse aspecto, o poder assume posição ímpar no
processo de incorporação de novos valores ou crenças numa organização. Mudar uma
organização, ou mais precisamente mudar sua cultura, não se faz de forma rápida ou
unicamente por determinação dos membros da organização. Tendo em vista que
mudança cultural envolve pessoas, o processo necessariamente envolverá o diálogo, a
discussão, o convencimento e, em suma, o poder.
Esse exercício transformador do poder em relação à cultura faz sentido quando o
corpo social de uma organização participa de um modelo democrático de gestão, tendo
condições, dessa forma, de atuar de forma proativa através de seu conhecimento e
experiência, entendendo a sua importância no processo produtivo, tendo condições de
aprender, crescer e enxergar até que ponto sua influência pode contribuir para o
desenvolvimento da organização. Como isso ocorre predominantemente ao inverso no
Brasil, a capacidade transformadora das organizações é muito baixa e tendo em vista
que, conforme Geus (1998: 185), " a gerência cede à irresistível tentação de concentrar
esse poder no topo, um número demasiado pequeno de cérebros participa do
aprendizado institucional " e, por conseqüência, se comportam de forma indiferente,
alheios ao futuro da empresa e, em quase nada contribuem para o desenvolvimento da
3
YUKL, G. A. Leadership in organizations. 2 ed. Englewood Cliffs, N. J.: Prentice Hall, 1989.
24
organização. Neste caso, mesmo que a cultura deixe de ser funcional, a grande maioria
dos funcionários não tem os meios para mudá-la e ficam sujeitos ao comando da alta
administração, mesmo que esta leve a empresa à falência.
Atualmente, é plenamente comum que uma empresa necessite de mudanças
culturais, as quais devem prover condições de adaptação a um mundo globalizado, onde
a ineficácia quanto aos métodos, processos de produção e inobservância quanto às
exigências de mercado podem levá-la à estagnação e, conseqüente, fim.
Ao passo que a necessidade de mudança cultural torna-se uma realidade e se
assim for compreendida pelos membros da organização, os traços culturais até então
dominantes tendem a não mais representar os interesses da maioria do corpo social da
organização e, o poder, se vinculado às formas como era exercido durante a fundação da
organização, perde sua legitimidade. Seria como se a discussão entre os membros de
uma organização convergissem para direções opostas àquelas concernentes com uma
nova realidade ou nova exigência do ambiente externo.
Conforme Bertero (1989: 42),
ti
os trabalhos em que a mudança cultural é
apresentada como caminho para o sucesso e para a revitalização organizacional, sempre
têm como pressuposto a anatematização do modelo burocrático
ti.
Tal modelo refere-se
a uma excessiva formalidade e padronização de atividades tendo como alicerce uma
hierarquia rígida e segmentada na organização. Isso acarreta dificuldades de
comunicação entre os membros da empresa, menor participação no processo de
25
internalização de novos valores e baixa contribuição no desenvolvimento da empresa,
sobretudo, no tocante aos funcionários de chão-de-fábrica.
Assim, um dos problemas enfrentados por dirigentes de empresas na difusão de novos
conceitos e novas filosofias administrativas é a ocorrência de barreiras de comunicação
decorrentes da diferença entre o repertório dos gerentes e dos demais trabalhadores. No
caso das organizações brasileiras, esta diferença se acentua devido à grande distância de
poder entre os níveis hierárquicos, distância esta que é um reflexo da própria cultura
nacional (Aidar & Alves, 1997: 208).
Em seus estudos, Kanter (1983) destaca que empresas que se despontam e
mantêm-se competitivas no mercado são aquelas que inovam e desvinculam-se de
heranças da administração científica como a segmentação de atividades, que faz com
que problemas sejam tratados de forma isolada, formando interesses que não refletem
ou condizem com os da organização como um todo. Este fato, em muitas organizações,
faz com que ocorra divergências entre segmentos e uma espécie de competição interna
destrutiva. Os problemas devem ser tratados de forma global, observando-se sua
influência sobre toda a organização. Quanto maior a interação entre os membros de uma
organização, maior será sua capacidade de inovar, de criar e de gerar iniciativas que
levem a empresa ao sucesso. O segmentalismo acentuado, ao contrário, promove um
distanciamento entre membros na empresa, ao passo que cada um tenderá a buscar
soluções para suas próprias necessidades, as quais muitas vezes divergentes daquelas da
organização.
26
Pode-se concluir que o exercício do poder assume diversas formas na
organização, estando, em função das circunstâncias, das contingências ou pressões
sociais internas e/ou externas, formando, fortalecendo ou mudando a cultura, ao mesmo
tempo que mantém a harmonia e equilíbrio no interior das organizações empresariais
pois, conforme Maia (1995), " qualquer agrupamento humano vai estar sempre
permeado por relações de poder, posto que a existência deste tipo de relação é
coexistente à vida social ".
2.4 - A qualidade
A qualidade refere-se, em primeira análise, aos atributos ou características de um
bem ou serviço. Até o século XIX, esses atributos eram responsabilidades, quase que
inteiramente, da pessoa ou organização que fabricava os produtos ou prestava os
serviços. O artesanato, como economia de pequena escala, onde o artesão ou artífice
imprimia sua perícia, técnica e experiência, e participava diretamente de todas as etapas
de fabricação de um produto, consistia num modelo produtivo dominante à época. A
concepção da qualidade de um produto por parte do consumidor era bastante
influenciada pela reputação e prestígio de quem as fabricavam.
No início do século XX, sob os efeitos do processo de industrialização, a
qualidade, embora ainda bastante dependente de padrões pré-estabelecidos pelos
artífices ou projetistas nas industrias, já embutia a idéia de conformidade. A economia
de pequena escala, perdia pouco a pouco espaço para grandes indústrias. A partir dessa
27
época, marcada sobretudo pelos trabalhos desenvolvidos por Taylor e Ford, tiveram
início grandes revoluções no processo de obtenção da qualidade em produtos e serviços.
A partir da revolução industrial, com o desenvolvimento das ferramentas de trabalho e dos
sistemas de unidades de medidas, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, a
Qualidade evoluiu até nossos dias essencialmente através de quatro Eras, dentro das quais a
arte de obter Qualidade assumiu formas distintas: Era da Inspeção, Era do Controle
Estatístico da Qualidade, Era da Garantía da Qualidade e Era da Gestão da Qualidade Total
(Barçante, 1998: 2).
Durante a Era da Inspeção, a qualidade era obtida por verificação dos produtos
fabricados, a fim de confirmar se estavam de acordo com os padrões de produção. A
qualidade era responsabilidade do inspetor, cuja função foi legitimada pelos trabalhos
desenvolvidos por Frederick W. Taylor com os fundamentos da Administração
Científica. A qualidade consistia na uniformidade dos produtos fabricados. Na década
de 1930, técnicas estatísticas foram introduzidas no processo de inspeção dos produtos,
mantendo-se a ênfase na conformidade dos produtos sob o auxílio de ferramentas e
técnicas estatísticas que permitiam menos inspeção. O enfoque, que antes se baseava
somente na inspeção, passou a ser o controle do processo fabril.
Conforme Barçante (1998, 5), " entre 1950 e 1960 , vários trabalhos foram
publicados ampliando o campo de abrangência da qualidade. Prevenção passou a ser
enfatizada e as técnicas empregadas foram além das ferramentas estatísticas, incluindo
conceitos, habilidades e técnicas gerenciais ". Nesse período, o objetivo central era a
28
Garantia da Qualidade4 e fundamentava-se por meio de técnicas e práticas gerenciais
ou movimentos5, como a quantificação dos custos da Qualidade, o controle total da
Qualidade (TQC), as técnicas da conftabilidade e o programa Zero defeitos.
Na Garantia da Qualidade, conforme Juran & Gryna (1991,4), "o fabricante não
deve apenas produzir o produto, mas também preparar e colocar à disposição do cliente
a prova de que o produto é adequado ao uso". Essa prova consiste de:
a) um plano formal, que detalhasse, para todas as fases da vida do produto, "do
nascimento à morte", como seria obtida a adequação ao uso;
b) um sistema de análises para verificar que o plano, caso fosse seguido,
resultasse na adequação ao uso;
c) um sistema de auditorias para verificar se os planos estavam realmente
sendo seguidos;
d) um sistema para fornecer dados sobre a qualidade obtida.
E como evolução do movimento pela Garantia da Qualidade, teve início a
Gestão da Qualidade Total (TQM). " Esta era InICIOU-se no Ocidente a partir dos
esforços de recuperação de mercado envidados por grandes empresas americanas, em
meio à invasão de produtos japoneses de alta qualidade no final da década de 1970 "
(Barçante, 1998: 12). O TQM compreende um modelo de gestão que envolve todas as
etapas do processo de fabricação, desde o setor de vendas e marketing da empresa até a
mensuração da satisfação do cliente com o produto final.
4 Ver JURAN & GRYNA (1991: 3): A Garantia da Qualidade fornece proteção contra os problemas da
qualidade por meio de alertas dos problemas que podem surgir, tanto interna quanto externamente.
5
Ver BARÇANTE (1998: 5)
29
Conforme Wood Jr & Urdan (2000, 154), " o surgimento do TQM pode ser
relacionado ao desenvolvimento dos modelos gerenciais e do próprio movimento da
qualidade" e pode ser explicado por uma seqüência didática dos seguintes momentos:
./ O da inspeção, o foco no controle do produto final, associado ao
desenvolvimento do sistema de produção e consumo em massa;
./ O surgimento do foco no processo, com uma coleção de técnicas estatísticas;
./ A integração dessas técnicas num modelo gerencial restrito - o Controle da
Qualidade Total (TQC);
./ A incorporação de elementos comportamentais e novas práticas gerenciais
associadas ao acirramento da competição entre empresas, ao início da
flexibilização da produção e ao aumento da fragmentação dos mercados.
Consagração do termo TQM.
Em meio aos movimentos pela qualidade e como componentes dos modelos
gerenciais TQC e TQM, várias técnicas6 foram desenvolvidas, como por exemplo, o
ABC - Activity Based Costing, o CCQ - Círculos de Controle de Qualidade, o CEP Controle Estatístico do Processo, o Gerenciamento da Rotina, o TPM - Total
Productive Maintenance, o 5S, entre outras.
Em todas as fases ou movimentos em prol da qualidade, um fato pode ser
destacado e entendido pelos gurus da qualidade como fundamental para que se consiga
6
Para obter defInições e aplicações sobre as técnicas ver:
BARÇANTE (1998), BERK (1997), CAMPOS (1992), JURAN & GRYNA (1991), TERRA (1996).
30
atingir os objetivos a que se propõe os movimentos ou técnicas da qualidade: o
comprometimento e participação de todos os integrantes da organização, sobretudo da
alta administração.
Conforme Campos (1992: 15)
li
Numa era de economIa global não é maIS
possível garantir a sobrevivência da empresa apenas exigindo que as pessoas façam o
melhor que puderem ou cobrando apenas resultados. Hoje são necessários métodos que
possam ser utilizados por todos em direção aos objetivos de sobrevivência da empresa.
Estes métodos devem ser aprendidos e praticados por todos. Este é o princípio da
abordagem gerencial do TQC
afirmação quando enfatiza que
li.
li
Deming (1997: 14) completa, sobre outra ótica, tal
a qualidade do resultado de uma empresa não pode ser
melhor do que aquela determinada pela alta administração ". Portanto, sob a premissa
desses gurus, a qualidade toma-se alcançável à medida que a alta administração de uma
organização se envolva, lidere e incorpore esta nova forma de comportamento na
cultura da organização.
Os altos gerentes têm um papel vital a desempenhar no processo de planejamento da
qualidade. Esse papel exige ampla participação pessoal. Ele não pode ser delegado, uma
vez que é necessária uma grande mudança na cultura da empresa. Durante os anos 80,
muitos gerentes adotaram estratégias que envolviam a fixação de metas vagas e a
delegação, ao restante da organização, da responsabilidade pela realização daquelas metas
vagas. Os resultados mais comuns foram a perda de vários anos, um resíduo de dissensão e
a perda de credibilidade (Juran, 1992: 24).
Logo, se a qualidade envolve essas relações como pressupostos para sua
efetividade, as questões relativas ao poder e cultura indubitavelmente assumem papel
31
relevante e estratégico no processo. O poder ou mais precisamente a forma como é
regido pela alta administração funcionará como principal agente no processo de
inserção de novos valores à cultura da organização. Se a qualidade prevê
comprometimento e participação de todos os indivíduos que integram a organização, os
líderes, em todo o âmbito da organização, devem ser os primeiros a se desvencilharem
de ideologias autocráticas ou concentradoras de poder. Trata-se de uma questão de
coerência e legitimidade do exercício do poder por parte da alta administração.
Portanto, quanto mais o poder exercido pela direção for condizente com os
pressupostos, até então analisados, da qualidade, mais respaldo terá pelos integrantes da
organização.
As pessoas dão sua aprovação quando percebem que seus líderes são dignos de confiança e
que os sacrificios que são solicitadas a fazer são genuinamente para o futuro coletivo e não
para forrar os bolsos de alguém hoje. Os artesãos organizacionais incorporam esses valores.
As pessoas confiam neles. Vêem a organização como uma instituição duradoura, que tem
vida própria, um passado e um futuro, uma vida da qual fazem parte apenas como
defensoras. Essas pessoas tendem a permanecer em uma só organização e estão, portanto,
intimamente familiarizadas com seu passado e cuidadosas em preservar sua identidade em
meio às mudanças. O artesão proporciona continuidade e "cola" organizacional, além de
estimular lealdade e comprometimento (Pitcher, 2001: 209, grifos da autora).
32
3 - A influência da concentração de poder na melhoria da qualidade: o caso Royal
Neste capítulo pretende-se desenvolver o estudo de caso referente à implantação
de programas da qualidade em uma empresa de médio porte, buscando descrever a
forma como foi conduzida, os resultados obtidos, e até que ponto esse tipo de iniciativa
encontra respaldo, sob o ponto de vista cultural e relativos às questões do poder, que lhe
permita atingir os resultados pretendidos. A escolha do caso surgiu à medida que o autor
deste trabalho busca explicações para as tentativas mal sucedidas de se implantar
programas de qualidade na empresa em que exerceu cargos administrativos durante um
período próximo de seis anos (1994 a 1999).
Inicialmente, será elaborado um panorama que contribuiu para a necessidade da
melhoria da qualidade nas organizações empresariais pelo mundo, de modo a justificar
as iniciativas em prol da qualidade tomadas pela empresa que será estudada neste
trabalho.
3.1 - O panorama propício à qualidade
As relações entre fornecedor e cliente passaram por muitas mudanças durante o
século XX. O fornecedor ou produtor de bens de consumo e serviços, no início do
século e em pleno processo de industrialização, dedicava-se à conformidade no processo
fabril e à produção em massa. Ao cliente, tido então como mero consumidor, cabia, na
maioria das vezes, aceitar os produtos e abster-se involuntariamente de criticas e/ou
reclamações, face à falta de opções e de desinformação. O sistema econômico vigente à
33
época propiciava condições para que isso ocorresse. Conforme Robbins (2000), durante
a velha economia, a competição entre as empresas limitava-se às fronteiras nacionais, a
tecnologia reforçava hierarquias rígidas limitando o acesso às informações, e os
consumidores adquiriam o produto que as empresas determinassem fornecer-lhes. A
formação do lucro das empresas baseava-se na diferença entre o preço estabelecido pelo
empresário e o custo de produção. Cabia ao consumidor, por ter acesso quase que
restrito aos produtos de origem nacional, se não local, aceitá-los tal como eram
impostos pelas empresas. Dessa forma, Henry Ford, ao preconizar a produção em massa
e por conseguinte obter saltos em produtividade, podia impor a seus clientes qualquer
cor de carro que desejassem desde que fosse preto.
Porém, na segunda metade do século XX, esse cenário não foi mantido. As
formas de produção foram otimizadas com o desenvolvimento da automação e da
informatização, reduzindo perdas e permitindo maior controle sobre as etapas da
produção. Os consumidores, por terem acesso a uma enorme variedade de produtos e de
todos os tipos, tomaram-se mais inconstantes e exigentes. Na nova economia, as
fronteiras nacionais são quase insignificantes na definição dos limites de operação de
uma organização, as mudanças tecnológicas, no modo como as informações são
geradas, armazenadas, utilizadas e compartilhadas, as tomaram mais acessíveis e, as
necessidades dos clientes passaram a conduzir os negócios. A formação do lucro das
empresas tomou-se o resultado da diferença entre o preço estabelecido no mercado e o
custo de produção. As grandes empresas passaram a operar internacionalmente de forma
a reduzirem seus custos em função do aumento da escala de produção. A busca por
novos mercados fez com que a concorrência aumentasse, obrigando as empresas a
34
buscarem continuamente melhorias em seus produtos e redução de custos de produção.
A globalização fez surgir uma nova realidade, em que a qualidade dos produtos e o
preço passaram a definir quais empresas irão continuar a competir no mercado. Assim,
conforme Motta (1999: 29), " O consumidor deixará de ter uma relação passiva de
aceitação do produto e desinformação sobre a empresa ".
E nesse cenário de grandes mudanças comportamentais e econômicas, diversas
empresas continuamente buscam formas de adaptarem seus processos produtivos e
modelos de gestão às necessidades de mercado. Em se tratando mais especificamente de
gestão, durante as últimas décadas do século
xx,
os modelos da qualidade
indubitavelmente prometiam as condições necessárias para que as organizações
obtivessem ganhos de produtividade e, consequentemente, competitividade no mercado.
Conforme Wood Jr & Urdan (2000), a aparente simplicidade e os grandes benefícios
alardeados pelos programas da qualidade, factíveis ou não, aumentaram sua atratividade
junto aos gerentes em busca de soluções descomplicadas para seus problemas.
Amparados por excelentes resultados no Japão e, após, por diversas implementações em
corporações americanas, os programas ou modelos da qualidade obtiveram uma
aceitação quase que imediata no Brasil.
Conforme Caldas & Wood Jr (2000), na década de 90 a questão da qualidade
tomou-se um tema central nas organizações empresariais. Um estudo realizado pela
Price Waterhouse demonstrou que no início de 1993, 61 % das grandes empresas
brasileiras já haviam implementado programas da qualidade total. Porém, muitas dessas
iniciativas em prol da qualidade não surtiram os resultados esperados. Muitas
35
organizações, por melO de seus principais dirigentes, buscaram encampar essa nova
metodologia de gestão, mas sem contudo, reverem as práticas gerenciais e relações de
poder que até então eram dominantes na empresa. Na verdade, nesses casos, houve mais
uma tentativa de implementar o modelo, como se este por si só, desse contas de reverter
todo um quadro de dificuldades da empresa frente à necessidade de aumento de
competitividade e atendimento às exigências de mercado. Conforme Caldas & Wood Jr
(2000: 89),
li
o guarda-chuva da qualidade serviu para encobrir muitas ações gerenciais
pouco sintonizadas com os conceitos do TQM. Por tudo isto, crescente número de
implantações inevitavelmente falhou ou está falhando (Zahar, 1993; Reis, 1992)
li.
3.2 - O caso Royal
Dentre as diversas empresas que buscaram a qualidade como um recurso para
reverterem as dificuldades de cumprimento das exigências de seus clientes e do
mercado, está a Roya(.
3.2.1 - As origens da Royal
A Royal foi inaugurada em 1971 e suas instalações estão localizadas na região
sudeste do Brasil. É uma das principais indústrias produtoras de derivados de café do
Brasil, com cerca de 90% de sua produção voltada para o mercado externo, gerando
7 O nome verdadeiro da empresa e dos envolvidos será mantido em sigilo para preservar-lhes a
privacidade, porém, para fins de desenvolvimento deste trabalho, será chamada pelo pseudônimo de
"Royal".
36
desde o início de suas operações 800 milhões de dólares em divisas para o Brasil com
exportações realizadas para 40 países.
A Royal tem como raízes de sua existência as atividades desenvolvidas por seus
fundadores durante a década de 1930 em uma cidade do interior do Espírito Santo.
Tratava-se de uma família, onde o patriarca sobrevivia e dava sustento a sua família
através de atividades relacionadas à agricultura e comércio informal de alimentos que,
na época, eram chamados de bazares. Nessa época, o café funcionava como uma espécie
de moeda, sendo aceito como pagamento pelas mercadorias vendidas no bazar. Com o
passar dos anos, todos o negócios da família foram direcionados para o cultivo e
comercialização do café, investimentos em cafeicultura em grandes propriedades,
produzindo e exportando em forma de matéria prima para a indústria. Na década de 70,
é fundada a Royal, com o objetivo de industrializar o café, diversificando assim os
negócios da família. O café passa, então, a ser produzído e comercializado de várias
formas, tanto para o mercado interno como para exportações.
Uma característica marcante e notória no dia-a-dia da empresa é a sua história, o
modo como foi formada e os esforços despendidos pela família. A noção do idealizador,
do mentor, do líder e do patriarca se fundem e permeiam a maioria das relações na
empresa. Desse modo, é muito forte na empresa a idéia de que o poder deve ser
centralizado nas mãos de algumas pessoas que assumem cargos de gerência, de diretoria
e, sobretudo, de presidência. Desse modo, a relação patriarcal, onde o pai era
responsável pelo futuro e sustento da família, que deu origem à empresa continuamente
37
se perpetua. A questão da concentração de poder deve-se, em grande parte, à formação
da cultura do país, derivada em grande parte das relações coloniais.
É esta a base cultural do florescimento de nossas organizações produtivas. É esta também
nossa ambigüidade básica. Modernidade materiaL tecnológica e trabalhadores presos a um
imaginário em que os núcleos centrais de autoridade ainda são aqueles gerados em
estruturas familiares centradas na figura paterna, plena de autoridade e poder. Analisando o
mundo do trabalho no Brasil desta perspectiva, vemos que as formas de dominação
surgidas alimentam-se sobretudo desse imaginário. É nele que vamos encontrar explicações
para vários fenômenos contemporâneos. É nele que veremos de onde surgem os vínculos
que permitem um exercício de autoridade que não poderíamos encontrar em nenhuma outra
sociedade (Davel & Vasconcelos, 1997: 1(0).
Esta característica marcante da cultura nacional presente no dia-a-dia da Royal,
pôde ser demonstrada através de Hofstede (1983), onde o autor pesquisou durante 17
anos os traços culturais entre 60 subsidiárias distribuídas pelo mundo de uma mesma
corporação. Nessa pesquisa, foi feita uma classificação referente à distância do poder, a
qual compreende o grau em que as pessoas num país aceitam que o poder esteja
distribuído de forma desigual, e que varia entre relativamente igual (baixa distância de
poder) e extremamente desigual (alta distância de poder). Em países com baixa
distância de poder, existe maior cooperação entre os níveis hierárquicos e maior
participação de funcionários no processo decisório. Por outro lado, em países com alta
distância de poder, existe maior imposição de decisões em detrimento à participação dos
funcionários, caracterizando sistemas autocráticos, personalistas e paternalistas. O
Brasil figurou, na pesquisa, como um país de alta distância de poder, o que compreende
grande concentração de poder e, por outro lado, coletivista, avesso ao risco e
38
equilibrado em relação aos valores masculinos (racional, agressIvo, financeiro) e
femininos (intuitivo, afetuoso, ligado à família).
As organizações brasileiras geralmente apresentam uma distância de poder tão grande que
parecem lembrar a distribuição de renda nacional e o passado escravocrata. A forma como
trabalhadores e executivos são tratados parece, de um lado, basear-se em controle do tipo
masculino, o uso da autoridade, e, de outro, em controles de tipo feminino, o uso da
sedução (Motta, 1997: 31).
3.2.2 - A estrutura organizacional e o processo produtivo da Royal
A Royal faz parte de um grupo de empresas controladas diretamente por um
Conselho Superior de Administração, o qual define as macro-políticas, resguardadas a
individualidade e a vocação das companhias comandadas pelos seus acionistas e
executivos principais. Em se tratando propriamente da Royal, a direção executiva é
assumida por um presidente, que é subordinado diretamente ao conselho superior de
administração. O vice-presidente responde pela infra-estrutura da empresa e substitui o
presidente quando da ausência do mesmo.
O organograma da empresa é constituído de diretorias, responsáveis por tarefas
mais voltadas ao planejamento e controle, e por gerências e departamentos, as quais são
mais voltadas à execução. As diretorias, gerências e departamentos possuem funções
específicas e respondem diretamente à presidência.
39
Conselho Superior de Administração
Macro-políticas
Jurídica
Comercial
Externa
Comercial
Interna
Operações e
Logística
Financeira
Informática
Fabricação
Manutenção
P&D
Recursos
Humanos
Segurança
no Trabalho
A Royal opera em regime contínuo sendo constituído de turnos de produção. O
modo de produção e o sistema de controle continua basicamente o mesmo desde o início
da indústria, diferenciando-se do atual em função da automação dos equipamentos. A
direção da empresa adota regras rígidas de controle de pessoal, impondo-lhe o ritmo da
produção e buscando formas que otimizassem a jornada de trabalho do operário em
função da redução dos custos operacionais. Era plenamente comum que um operário
trabalhasse 24 horas seguidas, triplicando sua jornada comum de 8 horas, haja vista a
necessidade da empresa de contar com esse operário, pois a contratação de um outro
funcionário acarretaria em um maior custo operacional. Por mais que o funcionário
reclamasse de tal imposição e alegasse cansaço ou indisposição, os dirigentes
entenderiam tal conduta como uma falta de empenho e dedicação à empresa.
Discordâncias quanto às regras de conduta da empresa resultavam em suspensões ou,
como era comumente disseminado pelos funcionários, " balão ". Em algumas vezes, tais
40
situações em que o processo exigia mais do que fosse permissível ao operário, o que lhe
imprimia um esforço maior do que sua capacidade ou que fosse em oposição ao que a
lei trabalhista permite, os dirigentes da empresa estudavam formas de substituir o
trabalho humano por engenhosidades tecnológicas, desde que a médio prazo fosse
viável o retorno do investimento. Nesses casos, simplesmente o trabalhador, mesmo que
tivesse se empenhado ao máximo durante o tempo em que foi útil à empresa, era
descartado. Isso gerava no funcionário um comportamento passivo e ao mesmo tempo
indiferente quanto à sua função, ou seja, aceitava as condições e exercia sua função
como que isolada na empresa, não colocando todo seu conhecimento em prática, não
reagindo caso observasse que algum problema estivesse para ocorrer em seu setor ou
em outro setor e que, cuja não ocorrência, dependesse de sua iniciativa própria. O
operário não se achava como minimamente importante na empresa e, portanto, não via
motivos que o impulsionassem a tomar ações que fossem além do seu trabalho. Era
muito natural, entre as conversas ou troca de turnos, um operário chegar para o outro e
dizer: tal máquina precisa de um ajuste, mas deixa quebrar, eu não ganho nada a mais
por isso e, além do mais, depois o pessoal da manutenção conserta e a gente aproveita
para descansar. Nesse tipo de situação, o operário sabia, na maioria das vezes, como
investir e resolver o problema, mas não via motivos para tal ação. Mantinha-se na
empresa e constantemente era reforçada, quer seja pela submissão do trabalhador às
condições impostas pela classe patronal, quer seja pela coisificação do ser humano
quando se estudava melhorias ou mecanizações no processo produtivo, todo um
conceito de homo economicus, idealizado por Taylor, o qual define que" o homem é
exclusivamente motivado a trabalhar pelo medo da fome e pela necessidade de dinheiro
para viver" (Chiavenato, 1993: 72).
41
Do início do século XX (com o taylorismo), passando pelo comportamentalismo, chegando
ao seu final com a teoria de sistemas aplicada às organizações, o fenômeno do homem
como objeto e não como sujeito persiste. O homem "entra" como um "insumo" que serve de
"recurso" para ser processado a fim de alcançar uma "saída" sob a forma de um "produto"
que vai ser mensurado (controlado) pelos critérios/padrões pré-estabelecidos, com o
objetivo de verificar se houve ou não "retroalimentação". Ou seja, predomina toda uma
linguagem de coisificação do homem que é homogeneizado com os demais recursos:
humanos, financeiros, materiais, tecnológicos e quejandos (Tenório, 1993: 54, grifos do
autor).
o processo industrial da Royal é caracterizado como a seguir:
•
Produção em massa de um só produto basicamente;
•
Normalização e padronização de atividades;
•
Linha rígida de produção;
•
Monitoramento do processo.
A indústria opera segundo um ritmo constante e controlado, cabendo a cada
operário uma função definida, com hora certa para iniciar e para encerrar suas
atividades, porém, muitas vezes alterada em função das eventualidades que podem
ocorrer no processo produtivo e/ou fatores econômicos que induzam a um aumento da
jornada de trabalho do operário. Todas as operações produtivas são previamente
estudadas e definidas, e qualquer anomalia no planejado, repercute negativamente em
todo o ciclo produtivo, chegando muitas vezes a paralisá-lo, até que todo o processo se
normalize.
42
Cada gerência tem suas atribuições, porém a autonomia de cada gerente varia em
função de sua influência junto à presidência da empresa. A lealdade pessoal e os traços
de parentesco de alguns gerentes com a Presidência ou com o Conselho de
Administração lhes propiciam maior autonomia em suas gerências e capacidade de
influenciar sobre as ações tomadas por outras gerências.
3.2.3 - As iniciativas em prol da qualidade na Royal
Em especial, a gerência de manutenção exercia grande influência sobre todas as
demais gerências, em função do gerente ser leal a todas as determinações e diretrizes da
presidência, o que lhe rendia maior prestígio e maior acesso ao poder. Esse gerente, em
meados do ano de 1997, resolveu implantar programas da qualidade, movido pela
necessidade da empresa de reduzir os custos de produção e melhorar a qualidade do
processo, tendo em vista as exigências dos clientes quanto à garantia da qualidade e em
face de contínuas perdas de vendas conseqüentes da entrada de novos concorrentes no
mercado nacional e internacional. A Royal apresentava contínuas perdas no volume de
exportações, chegando a uma redução de 36% em relação aos últimos cinco anos, além
de ser ultrapassada por duas outras empresas que atuavam no mesmo ramo no Brasil.
Sua posição, em relação ao ranking nacional, que no ano de 1992 estava no 3° lugar
com participação de 11 % no volume total de exportação de café solúvel do Brasil caiu
para o 5° lugar em 1997 com participação reduzida para 7%.
A gerência de manutenção contratou um consultor para ministrar palestras e
orientar os funcionários a respeito da qualidade e instituiu a implementação de
43
programas da qualidade, como o 5S e a TPM, com o objetivo direto de melhorar as
condições de trabalho para os funcionários, promover maior participação e,
indiretamente, melhorar a qualidade e aumentar a produtividade na empresa.
o
5S constitui-se numa técnica de ongem Japonesa que vIsa melhorar o
relacionamento das pessoas com o seu ambiente de trabalho e baseia-se em 5 sensos do
ser humano, a saber, o seiri, seiton, seisou, seiketsu e shitsuke, que representam os
sensos de ordenação, limpeza, arrumação, asseio e auto-disciplina no local de trabalho.
Esse movimento, basicamente, " é a determinação de organizar o local de trabalho,
mantendo-o arrumado e limpo: manter as condições padronizadas, assim como a
disciplina necessária para a realização de um bom trabalho" (Terra, 1996: 84). A
Manutenção Produtiva Total ou, do inglês, TPM (Total Productive Maintenance)
representa uma forma de transferir atividades simples de manutenção e zelo com o
equipamento para o próprio pessoal de operação.
o gerente planejava a maioria
das atividades, tais como a limpeza, pintura e
organização de áreas de manutenção, definição de novos uniformes diferenciados em
função das atividades de cada funcionário, reuniões para discussões e mostras de vídeos
para os funcionários a respeito das novas técnicas empregadas. A campanha baseava-se
na conscientização dos operários quanto à importância da qualidade e da influência e
importância de cada um no processo produtivo. No início, vários gerentes foram
convidados para participarem das palestras, da passagem dos vídeos e de exposições de
visitantes de outras empresas que estavam implementando programas da qualidade.
44
Após cada reunião, onde eram debatidos os princípios da qualidade e eram
passados os vídeos, os funcionários, durante o retomo para suas atividades na empresa
ou a caminho de sua casa, conversavam a respeito do que tinham ouvido e visto. Pairava
no ar uma dúvida sobre o que tudo aquilo representava para eles. O que tais iniciativas,
que sempre indicavam um aumento de produtividade e maior capacidade de competição
no mercado interno e externo traria de beneficios para a classe operária. A questão
relativa à limpeza, ao asseio, à organização do ambiente de trabalho era plenamente
aceitável, mas não estava claro o que isso tudo representaria e o que tais esforços
trariam de retomo para quem deveria tomá-los realmente efetivos, ou seja, os
trabalhadores. Após alguns meses, toda a campanha reduziu-se à rotina semanal de se
limpar as oficinas. Os índices da empresa quanto ao rendimento da produção
mantiveram-se os mesmos, o que significa que os fatores de produtividade, como
disponibilidade de equipamentos e perda de matéria-prima, não se alteraram.
Um engenheiro que trabalhou na Royal e coordenava a manutenção dos
equipamentos de suporte da área fabril, ao ser perguntado, sobre quais motivos que
levaram as iniciativas da Royal pela qualidade aos resultados insatisfatórios, respondeu:
" O que faltou para que os programas fossem à frente foi um maior comprometimento
por parte da administração e, de fato, uma consistência ou mensuração quanto ao que
era necessário que mudasse nas atividades do dia-a-dia. Sabíamos o porquê fazer e
como fazer, mas não existia um planejamento claro sobre a atuação de cada um no
desenvolvimento do programa, logo cada se auto dirigia e ninguém chegava em lugar
nenhum, pois, ao passo que o gerente centrava todas as decisões, ele não tinha tempo
para se dedicar e acompanhar a evolução e necessidades do programa".
45
Um outro engenheiro de manutenção que respondia por outra área da empresa,
ao responder à mesma pergunta, afirmou: " Como os programas poderiam ir adiante se
não existiam reuniões entre funcionários de cada área ou setoriais para que fossem
levantados os problemas e buscadas as devidas soluções. A idéia da necessidade de
melhoria da qualidade estava clara, porém faltou uma maior organização e empenho
para colocá-las em prática ".
Pode-se pensar, num primeiro momento, que a questão principal envolva falta de
capacitação ou treinamento das pessoas envolvidas em levar adiante os programas da
qualidade, mas seria um equívoco tal conclusão, haja vista diversas reuniões e palestras
que ocorreram e, sobretudo, uma equipe de oito engenheiros com treinamento no campo
da qualidade além de um consultor externo que orientou as atividades durante o início
da implantação dos programas da qualidade. O que faltava de fato e que, de forma
determinante, impactou no insucesso dos programas da qualidade foi a falta de
autonomia aos coordenadores de equipes durante a condução inicial das atividades. Por
exemplo, um engenheiro que planejava e coordenava a programação de produção, ao
retomar de um curso sobre custos da não-qualidade, se propôs a fazer um trabalho,
aplicando os novos conhecimentos adquiridos, de forma a reduzir aqueles custos que
majoravam o preço final do produto e que, contudo, não agregavam valor perceptível ao
cliente. O gerente, sem muitas explicações, disse que o trabalho era muito importante
mas que no momento não tinha condições para gerenciar tantas frentes de trabalho ao
mesmo tempo. Portanto, ao passo que o gerente treinava seus funcionários, ele também
não dava autonomia e nem confiava que colocassem em prática aquilo que aprenderam.
Dessa forma, os engenheiros (coordenadores de equipe), apesar de estarem preparados e
46
a par do que precisava ser mudado para que a melhoria da qualidade fossem adiante,
eram limitados pela falta de autonomia e, pouco a pouco, começaram a se tomar
indiferentes aos resultados e se rendiam à rotina do dia-a-dia, ao passo que se
aprimoravam e buscavam outras organizações para atuar.
Das respostas e do exemplo descrito acima, pode-se notar que a parte referente à
conscientização da necessidade de melhoria já existia, porém faltavam mecanismos que
propiciassem que as metodologias de gestão pela qualidade se transformassem em
realidade. Os programas da qualidade, por serem regras abstratas e diretrizes gerais de
ação, desenvolvidas e aprimoradas a partir de observações e interferências sobre
processos concretos de trabalho, que surgiram e se desenvolveram em outros contextos
sócio-culturais, necessitam de uma contextualização, ou seja, mecanismos que permitam
que esse modelo abstrato de transforme em ação. Logo, há a necessidade de criação
desses mecanismos, como por exemplo, metas, objetivos mensuráveis, prazos, divisão
de responsabilidades, grupos de trabalho, entre outros. Mas, no caso da Royal, um dos
principais entraves à criação desses mecanismos foi a lógica da cultura organizacional
que historicamente se formou na empresa. Existia uma excessiva fragmentação das
atividades na base da organização, e nem mesmo os coordenadores da implementação
da gestão de qualidade tinham poder suficiente para convocar reuniões e criar
mecanismos eficazes que dessem suporte ao programa que aparentemente eram os
responsáveis por implantar. Dar este tipo de poder para aqueles que estão ao longo da
hierarquia de comando demanda, necessariamente, uma reestruturação da forma como o
poder centralizado de mando atua no contexto da organização.
47
Para que esta delegação ocorra, é necessário que o mandatário principal confie
na capacidade dos seus funcionários de produzir e avaliar o resultado esperado - em
uma situação em que há responsabilidade formal clara pelo atingimento destes
resultados na base. A dificuldade de delegar está, em parte, na percepção de que a
delegação é arriscada, e que é possível que, através dela, perca-se o controle sobre a
organização. Então, embora quem detém o poder decida pela implementação do
controle de qualidade, ele não dá os meios formais para que aqueles responsáveis pelo
programa possam realmente atuar. Dentre os meios, falta o poder formal para organizar
pessoas de modo a atingir os resultados esperados.
No entanto, Jogar toda a responsabilidade para o topo pelo fracasso da
implementação do programa não é adequado. Existiam na Royal funcionários
conscientes da necessidade de melhoria da qualidade e competentes para colocá-la em
prática mas, também existiam aqueles que ignoravam qualquer iniciativa que
compreendesse mudanças na rotina do dia-a-dia, no modo como se operava um
equipamento, na forma como eram divididas as tarefas, etc.; estes funcionários, que já
trabalhavam na empresa desde sua fundação e que, sob grande esforço e paciência ao
longo de vários anos, conquistaram cargos de chefia, e que já estavam próximos da
aposentadoria, não queriam que as coisas mudassem muito, pois isso geraria mais
esforço e, sem dúvida alguma, uma prática diferente daquela que estavam acostumados.
O fato de terem que escrever, revisar e ensinar procedimentos que guardavam com
"unhas e dentes", podia, para eles, representar uma partilha de conhecimentos que os
mantinham importantes e necessários à empresa. Eram pessoas que tinham uma ótima
reputação junto à alta administração da empresa, por serem leais e já terem prestados
48
serviços à empresa por vários anos. A lealdade e devoção à empresa tinha um imenso
valor perante a alta administração da Royal. Por exemplo, certa vez um engenheiro
começou a analisar o tempo que era despendido para se executar a limpeza e revisão de
um certo equipamento da linha de produção -
um serviço comum e que era
constantemente executado. Para este serviço foi observado que eram enviados dois
funcionários, sendo um ajudante e um mecânico. O engenheiro notou que o ajudante
abria o equipamento e, após o serviço do mecânico, o fechava novamente. Notou
também que a tarefa de abrir e fechar o equipamento eram muito importantes, pois caso
fossem executavas inadequadamente poderiam danificar drasticamente o equipamento.
Verificou que não eram feitas análises mais modernas para se determinar o tempo
máximo de uso do equipamento antes de ser feita a limpeza, acarretando em paradas
bem antes da hora necessária. Perguntou, então, ao mecânico, por que ele permitia que o
ajudante fizesse aquele serviço enquanto esperava para fazer a sua parte; o mecânico
respondeu: não há a necessidade do ajudante, pois eu poderia fazer mais rápido e
melhor que ele, sem riscos, e liberando o equipamento mais rapidamente para entrar
em operação, mas como o chefe ordena e o serviço já é executado desta forma a vários
anos, só me cabe obedecer. O engenheiro levantou este caso durante uma das reuniões,
dentre outros casos parecidos, de forma amistosa e técnica, expondo análises que
poderiam otimizar o tempo despendido para a realização do serviço além de garantir a
qualidade do mesmo. No mesmo instante, foi severamente contrariado pelo chefe de
divisão de mecânicos, alegando que haviam falhas em sua análise. O gerente
rapidamente intercedeu e mudou o rumo da discussão, dizendo que seria um assunto a
ser tratado em um outro momento. Num outro dia, chamou o engenheiro, disse que
eram válidas as suas conclusões mas que gostaria que ele ignorasse este fato, pois o
49
chefe de divisão, apesar de não ter muitos conhecimentos mais técnicos, era muito
antigo na fábrica, leal à alta administração e que deveriam ser mantidas as suas
diretrizes quanto à execução de tarefas.
Percebe-se, então, que grande parte daqueles que deveriam efetivamente brigar
por resultados tendem a se calar do que fazer propostas concretas e factíveis,
confirmando assim o modelo proposto por Prates & Barros (1997) no que se refere à
postura de espectador e a lealdade pessoal à alta administração por parte daqueles que
estão nos cargos hierarquicamente mais baixos, como também brigas pelo poder por
parte da maioria daqueles que possuem cargos de chefia e muitas vezes, acima dos
interesses da empresa. Muitos funcionários não se percebiam como responsáveis por
buscar os meios para que os resultados fossem alcançados. Poderia ser visto como
atribuição do responsável pela implementação do programa de qualidade até mesmo
promover a educação do executivo principal para a importância de criar uma estrutura
de delegação. É claro que, conhecendo o contexto da empresa reconhece-se a
dificuldade de fazê-lo, pois não há espaço, neste tipo de organização, para que os
subordinados convoquem seus superiores para uma apresentação formal em que possam
explicar o que pensam sobre a implementação do programa. É negada, desta forma,
poder de fala aos subordinados dentro da organização. Neste quadro, o processo se
retroalimenta. Daí a importância atribuída por muitos ao papel da liderança na
promoção dos resultados reais deste tipo de programa. Quanto maior a concentração de
poder, mais verdadeira é esta afirmação, uma vez que ninguém mais, além do executivo
principal, tem poder para provocar transformações ordenadas na organização.
50
Portanto, a questão da delegação não é uma questão apenas do executivo
principal dar espaço de atuação. É preciso, em primeiro lugar, criar uma estrutura de
trabalho em que a responsabilidade por resultados seja factível, e em segundo lugar
buscar construir um programa de treinamento de recursos humanos que reeduque os
funcionários da empresa para o trabalho, de forma que eles percebem a mudança como
responsabilidade sua.
Este não é um processo só de educação formal, mas envolve maiores mudanças
na organização, como a implementação de sistemas de avaliação, progressão na carreira,
estratégias de premiação, etc. que incentivem a ação pró-ativa e o empreendedorismo
dentro da empresa. Porém, na Royal, o sistema de avaliação e progressão de carreira
valia-se mais da lealdade pessoal e redes de influências, como demostrado por Prates &
Barros (1997), do que pelo empenho e capacitação profissional dos funcionários. Isso
comprometia diretamente iniciativas pró-ativas daqueles funcionários que conheciam
bem todo o processo da empresa. Por exemplo, os operários que faziam parte da equipe
de produção eram classificados de acordo com os seguintes níveis: ajudante, operador
(classes de 1 até 3) e supervisor. Os salários eram fixados de acordo com o nível e
classe (no caso do operador). A progressão e respectivo salário (sempre vinculado ao
nível e classe) ocorria de acordo com o tempo de serviços prestados e conforme critérios
de ordem pessoal e de lealdade à gerência. O gerente da área é quem definia anualmente
as promoções mediante aprovação da alta administração. Não existiam critérios claros e
conhecidos por todos a respeito de prêmios ou sistemas de avaliação que repercutissem
em progressão de carreira; estes assuntos eram reservados à gerência. O operário, por
51
mais que se esforçasse, sabia que teria que esperar vários anos para receber uma
promoção, muito embora se esforçasse mais pela empresa.
Na Royal, não se levou em consideração o funcionamento dos Círculos de
Qualidade 8 envolvendo os operários, ficando deste modo a discussão pela qualidade
centrada no nível gerencial, bem como não existiam mecanismos ou canais para que o
operário participasse com sugestões e como crítico e avaliador de sugestões dos demais
integrantes da empresa. Dessa forma, geravam-se sobrecargas para os gerentes, pois não
delegavam aos operários o desenvolvimento dos modelos da qualidade e respectivas
formalizações dos procedimentos. Como conseqüência, não havia o necessário
envolvimento da classe operária e, por outro lado, a gerência acumulava várias funções
e se desviava dos propósitos iniciais da qualidade para resolver e tomar a frente de
outras questões de rotina ou imprevisíveis que ocorriam no dia-a-dia da organização,
tomando-se assim um apagador de incêndios ao invés de gerenciar, de fato, os
resultados do processo de implementação dos programas da qualidade.
Na literatura sobre o surgimento e funcionamento dos círculos de qualidade no
Japão, observa-se este deslocamento da responsabilidade pela gestão da rotina com
qualidade para a base da pirâmide organizacional, liberando os altos escalões da
empresa para funções mais estratégicas. Há uma relação direta entre o sucesso de
programas como o estudado aqui, e novas formas de articulação do poder dentro da
empresa, em que uma das principais mudanças está, especificamente, em dar poder de
fala aos operários no contexto da empresa. Dar poder de fala é uma forma de delegar
8
Ver BERK (1997: 123) e CHIA VENATO (2000: 125).
52
poder, combatendo o mutismo tradicional explorado por Prates & Barros (1997). Na
verdade, um programa de qualidade bem implementado abre caminhos, na empresa
brasileira, para uma gestão adequada do conhecimento, uma vez que oferece, de forma
sistemática e ordenada, caminhos para a construção de canais para que o saber operário
comece a ser integrado à produtos e processos. Na realidade, pode-se ousar até dizer que
esta ferramenta oferece canais para que até mesmo o saber técnico de engenheiros e
gerências intermediárias contribuam para a organização. Na empresa que foi objeto do
presente estudo de caso, mesmo os engenheiros e a gerência intermediária não
conseguiam contribuir de forma eficaz para a geração de valor na empresa. Neste
cenário, não faz sentido nem mesmo cogitar-se a implementação de uma gestão
estratégica, que é fundamental em um cenário de maior competitividade.
A alta administração não possuía sistematicamente resultados concretos sobre o
processo de melhoria da qualidade e, consequentemente, não tinha instrumentos para
cobrar e nem punir seus subordinados diretos -
os gerentes -
pois estes estavam
tomados continuamente pelas atividades operacionais.
o excesso de fragmentação de tarefas e responsabilidades dificulta a gestão por
resultados pela alta administração pois, se de um lado a equipe gerencial fica
assoberbada de um número muito grande de pequenas decisões para tomar, não se
dedicando, desta forma, a atuar estrategicamente por mudanças e melhorias nos
processos, de outro lado, a classe operária atua de forma prescritiva pois não tem muito
o que fazer além daquilo para o que foi contratada, já que não dispõe de autonomia para
decidir e incorporar ao processo melhorias advindas de seu conhecimento. Torna-se
53
assim, uma ciranda, onde manda quem pode e obedece quem tem juízo, comprometendo
drasticamente a capacidade de geração de conhecimento e fluxo de informações dentro
da organização.
o operário de chão de fábrica,
para produzir com qualidade e inovação, precisa de muito
mais autonomia de ação do que seus antecessores, mais poder de decisão sobre sua
atividade produtiva e mais informações sobre a empresa Precisa estar mais integrado na
fábrica e ter mais espaço para cometer erros, caso a empresa queira colher os frutos do
"saber operário" (Migueles, 1999: 134, grifos da autora).
Se não existem mecanismos de cobrança por resultados e se há toda uma lógica
paternalista que permeia as relações na organização, de certa forma se estimula a
competição disfuncional por atenção da alta administração ao invés da melhoria dos
indicadores de desempenho ou, mais precisamente, pelos resultados dos programas da
qualidade. Como o custo para o gerente em alimentar conflitos internos é praticamente
zero, devido à sua boa reputação para com a alta administração, iniciativas como as da
qualidade tendem ao segundo plano e não representam objetivos comuns a todos os
integrantes da empresa e, consequentemente, não propiciam os resultados esperados.
Durante toda a campanha pela qualidade na Royal, era notória a participação
direta ou indireta do gerente em todas as ações, cabendo na maioria das vezes aos
funcionários a aceitação quanto às novas regras. Os funcionários acatavam as mudanças
em seu quotidiano, porém agiam de forma prescritiva, negando-se de forma silenciosa
em contribuir com o conhecimento que possuíam sobre suas atividades ou sobre o
processo. Acontecia, muitas vezes, que o próprio operador, mesmo sabendo que um
54
problema estava para ocorrer num equipamento que operava ou que pertencia a uma
área próxima a sua, calava-se e aguardava que ocorresse para então comunicar à equipe
de manutenção e agia de forma indiferente aos danos que o acontecimento podia causar
à empresa.
A grande maioria dos funcionários realizavam restritamente suas funções. A
concepção sobre participação na empresa, para os funcionários, limitava-se unicamente
à sua atividade, e iniciativas eram bloqueadas pelos níveis hierárquicos presentes na
estrutura da organização. Existia um formalidade bastante acentuada entre os membros
da organização, onde um funcionário raramente se reportava a uma outra pessoa que
não fosse imediatamente seu subordinado ou, por outro lado, seu chefe ou gerente
imediato. Quando isso não ocorria, normalmente devia-se às questões de lealdade
pessoal, troca de favores ou grau de parentesco.
Os resultados dos programas de qualidade, além de serem insatisfatórios,
tomaram-se desastrosos à medida que esforços do corpo administrativo do médio
escalão (engenheiros, coordenadores e supervisores de equipes) não eram valorizados
pela gerência. Podia-se notar que o discurso da alta administração a respeito da
importância de cada membro no processo de melhoria da qualidade não era condizente
com a prática do dia-a-dia.
Gerentes leais e bem relacionados com a alta administração concentravam o
poder e gerenciavam sua área como se fosse a única na empresa. Isso criava um
ambiente de rivalidade desigual entre as áreas, onde algumas gerencias tinham liberdade
55
de ações e investimentos (cursos e equipamentos) enquanto outras eram menos
prestigiadas e suas ações dependiam de autorização da alta administração.
Muitos funcionários que detinham o conhecimento do processo e com grande
capacidade de contribuir para o desenvolvimento da empresa perderam a motivação, em
face da falta de autonomia e de descrédito para com o futuro da empresa e pediram
demissão. Grande parte dos funcionários que permaneceram na empresa demonstravam
a insatisfação e descrédito para qualquer nova iniciativa que os envolvesse. Na Royal,
ocorreu que, justamente quando se pretendia envolver as pessoas que integravam a
organização em processos de melhoria da qualidade, cometeu-se o equívoco de se
ignorar a cultura organizacional, como se existissem pacotes com técnicas de gestão que
absorvessem e reparassem todas as barreiras que pesam contra a qualidade. Buscou-se
informar, treinar e equipar os funcionários de modo a seguirem as novas regras de
trabalho. No início, normalmente a nova filosofia de trabalho, que compreendesse
melhorias no processo produtivo e nas condições de trabalho, foi aceita, até mesmo por
se tratar de algo novo e, conforme a maioria dos discursos, promissor. Os funcionários
da Royal, realmente, num primeiro momento aceitaram a idéia e se dispuseram a
colocar em prática o que viram e aprenderam nos treinamentos e vídeos. Porém, a
medida que o tempo foi passando, foi se notando que todo o esforço inicial começou a
tender à rotina de alguns novos procedimentos e que nenhum retomo a tais esforços
ocorreram para os funcionários.
Através do caso Royal, pode-se verificar que o envolvimento de pessoas que
compõem uma organização não se faz somente por aceitação. Pessoas podem
56
simplesmente executar suas tarefas, cumprindo normas ou regras da organização a qual
pertencem, sem contudo investirem todo o seu conhecimento e capacidade crítica
relacionados ao saber operário. Portanto, mais do que aceitação e eficiência,
organizações para serem competitivas necessitam de compromisso e de eficácia por
parte de seus integrantes.
Um dos erros mais comumente cometidos pelos executivos no planejamento organizacional
é confundir aceitação e compromisso. A aceitação corresponde a uma posição de aceitar a
solicitação de um personagem revestido de autoridade para que alguém mude de postura, de
atividades ou de idéias. A pessoa aceita ou ' vai em frente " geralmente por lhe serem
indiferentes o alcance da determinação e as mudanças que esta lhe propõe. Se ela aceitar
com base na indiferença, pouca dificuldade haverá para o personagem revestido de
autoridade executar aquela determinação. O compromisso, por outro lado, constitui uma
forte motivação da pessoa à adoção do objetivo de uma determinação ou à oposição a ele.
Uma vez comprometida com determinada modificação, a pessoa emprega toda sua
criatividade em interpretá-la e em colocá-la em execução, de modo a garantir seu êxito
(Zaleznik & Vries, 1981: 94).
Buscar o comprometimento dos integrantes de uma organização constitui-se,
portanto, num fator fundamental na melhoria da qualidade. Requer reconhecer a
importância do fator humano e suas formas de influenciarem no processo, estimular a
participação e compreender a motivação como imprescindível para o desenvolvimento
de qualquer atividade.
57
3.3 - A questão da motivação para a qualidade na Royal
Conforme McClelland citado por Berk (1997), para o ser humano estar motivado
é primordial que satisfaça ou tenha condições de satisfazer três necessidades: realização,
pertencer a um grupo e desfrutar do poder. Essas necessidades ou fatores motivacionais,
entretanto, não requerem uma hierarquia ou ordem para serem satisfeitas e estão
presentes nas pessoas em doses diferentes. O indivíduo necessita estar envolvido em
ambas, porém com intensidades próprias e proporcionais ao seu estado de bem-estar.
Que necessidades são essas de realização, de pertencer e de ter poder? A primeira é autoexplicativa. É a motivação que inspira cada um de nós a criar, a atingir objetivos, a atingir
quotas de vendas, ou a satisfazer outras condições pessoais que representam realizações
para cada um de nós. A necessidade de pertencer a um grupo é a de ser apreciado pelos
outros, de se associar. É a motivação que faz com que nós voltemos para as interações
sociais da organização, a procurar associações ou seguir outros caminhos que nos permitam
estar ao lado de outros seres humanos. A necessidade de poder não é o que seu nome quer
dizer, a necessidade de dirigir os esforços dos outros ou de dominar suas vidas, e sim, mais
adequadamente descrita como sendo a necessidade de influenciar, ou modificar o ambiente
em que vivemos para que se torne mais aceitável (Berk, 1997: 113).
Uma outra teoria de motivação, chamada teoria da motivação-higiene,
desenvolvida por Herzberg (1975) demonstra que os fatores que produzem motivação
no ser humano não são resultado do meio ambiente de que participa, mas sim da própria
natureza e alcance da atividade por ele realizada. Fatores como política e administração
da companhia, supervisão, relações interpessoais, condições de trabalho, salário,
situação e segurança, todos partindo do meio ambiente, quando não atendem às
58
expectativas do ser humano geram insatisfação, mas não que quando resolvidos
produzirão motivação. Os fatores que, quando satisfeitos, geram motivação são aqueles
internos e produzidos pelo próprio ser humano, tais como a realização, o
reconhecimento da realização, o próprio trabalho, responsabilidade, progresso e
desenvolvimento.
Pode-se notar que tanto McClelland quanto Herzberg convergem para um ponto:
os fatores motivacionais são intrinsecos ao ser humano e contemplam a auto-realização,
a participação e a possibilidade de se exercer o poder e influenciar na forma como suas
atividades são realizadas. Sob outra ótica, conforme Chris Argyris citado por Migueles
(1999: 133), " a motivação dos trabalhadores é diretamente relacionada à percepção da
sua atividade como significativa, servindo a propósitos claros e a objetivos concretos, e
à prática desta atividade em um ambiente em que o trabalhador se sinta responsável e
capaz de provocar mudanças ".
E como essas teorias motivacionais se aplicam ao caso Royal ? Pode-se partir
das questões culturais. Ao passo que a gerência buscava a implementação de uma
metodologia de gestão que permitisse melhorias nas condições de trabalho, maior
participação dos funcionários e, consequentemente, maior produtividade, tal qual como
prometem os programas da qualidade, existiam, permeando as relações de poder toda
uma cultura em moldes paternalistas e personalistas, influenciados pela própria história
de formação da empresa e por valores tradicionalmente aceitos na cultura nacional, que
inibiam ou negavam ao trabalhador o direito a uma maior participação e exposição de
suas idéias e, até mesmo, frustrações. Havia, notoriamente, uma incoerência nesse
59
sentido, pois se o discurso e ações gerenciais instigavam os funcionários a participarem
dos programas, por outro lado, a cultura homologava relações de poder altamente
concentradas no topo da hierarquia. Por isso, a participação dos funcionários era
demasiadamente restrita e sua motivação para a qualidade era, não só logicamente, mas
também no quotidiano da Royal, uma impossibilidade.
Sob outra análise, como o poder exercido pelos operários não era visto ou
considerado pela alta administração como transformador ou capaz de influenciar nos
destinos da empresa, não existiam razões para que o operário se sentisse motivado. Não
haviam canais institucionais de comunicação que permitiam ao operário uma visão clara
sobre os rumos da empresa e nem como o exercício de suas atividades implicavam no
processo produtivo como um todo. Dessa forma, o funcionário se prendia às suas
funções e não enxergava fatores que pudessem motivá-lo.
Conforme Giddens (2001: 33), " o poder junto com ação e estrutura, é um
conceito elementar em ciência social. Ser humano é ser um agente -
ainda que nem
todos os agentes sejam humanos - e ser um agente é ter poder. O poder, em um sentido
bastante generalizado, significa a 'capacidade transformadora', a capacidade de intervir
em um determinado cenário de eventos de forma a alterá-los. [... ] Os recursos
envolvidos na reprodução dos sistemas sociais que têm algum grau de continuidade e, portanto, de 'existência' -
no espaço e no tempo, formam aspectos das propriedades
estruturais desses sistemas sociais. Dois tipos de recursos podem ser destacados -
o
material e o político ". Logo, se uma organização, tal como a Royal, nega a
possibilidade de acesso aos recursos materiais e políticos aos seus funcionários, via
60
extrema concentração de poder que centraliza as decisões no topo da hierarquia, esta
também nega o direito de agência aos seus funcionários, tomando a motivação uma
impossibilidade lógica e, a qualidade, por conseguinte, um discurso convincente,
aceitável, mas sem condições de ser colocado efetivamente na prática, pois por que
alguém se comprometeria e daria espontaneamente seus esforços se não fosse para a
transformação de algo ?
A maioria das pessoas possui expectativas positivas de criar, inovar e desenvolver-se. Ao
desempenhar suas funções, espera: reconhecimento por seus esforços; equidade e justiça
entre a sua contribuição e a sua retribuição; aprendizado e progresso constantes; autonomia
na execução de suas tarefas; e influência sobre os destinos de sua organização. Além disso,
as pessoas esperam desempenhar um papel social relevante em empresas eficientes e com
boa imagem externa. No entanto, a maioria das organizações, através de processos diversos
de socialização, impõe conformidade, dependência, passividade e alienação a seus
funcionários; ensina-os a restringir suas iniciativas, manter comunicações cautelosas,
acomodar-se e não questionar práticas estabelecidas. A maioria das organizações guarda
apenas um minimo de consenso para evitar desagregação. O resultado é não só a frustração
individual e o baixo nível de confiança entre os funcionários, mas, sobretudo, o desperdício
de imensos recursos de criatividade e de contribuição humana. Pessoas altamente
competentes tornam-se pessimistas e passivas, acomodando-se às práticas de trabalho como
fruto de suas frustrações (Motta, 1999: 211).
A falta de motivação aos funcionários da Royal dava lugar a frustração e
indiferença. O funcionário reprimia sua capacidade crítica sobre o processo produtivo
do qual participa, e a qualidade passava a ser vista como uma responsabilidade alheia e
não concernente às suas atividades.
61
A concentração de poder na alta direção e, conseqüente, falta de autonomia de
ação dos funcionários de chão-de-fábrica dificulta que uma organização inove e faça
proveito de seu principal recurso que consiste da experiência, conhecimento,
criatividade e capacidade crítica relativa ao saber operário de seus funcionários. A
conseqüência direta desse tipo de exercício de poder é uma postura de espectador por
parte dos funcionários, o que conforme Prates & Barros (1997), gera o mutismo, baixa
consciência
crítica,
baixa
iniciativa,
pouca
capacidade
de
realização
por
autodeterminação e transferência de responsabilidade das dificuldades para as
lideranças.
Na Royal, os funcionários de nível médio, a saber os supervIsores,
coordenadores, chefes de divisão ou engenheiros, que lidavam diretamente com os
operários de chão-de-fábrica, viviam processo semelhante com a diferença, em geral
agravante, de serem cobrados por resultados sem contarem com autonomia para suas
ações. A participação no processo decisório restringia-se, na maioria das vezes, à
apresentação de relatórios, à discussão dos acontecimentos e à colocação de idéias em
reuniões.
o
excesso de concentração de poder e suas vertentes, como a falta de
participação e indiferença quanto à qualidade, geraram, para a Royal, de forma
comprometedora ao desenvolvimento da organização, a saída, se não a perda, de seus
melhores funcionários, que, na maioria das vezes, perderam totalmente a motivação e
buscaram outras organizações para atuarem.
62
Este caso vem demonstrar uma correlação direta entre concentração de poder,
motivação e participação dos funcionários em melhorias da qualidade. Para trabalhar de
forma eficaz, utilizando para tanto todos os seus recursos, o trabalhador deve se sentir
motivado, o que necessariamente ocorre quando o funcionário se sente como parte
importante da organização e capaz de influenciar positivamente no futuro da
organização. Nesse sentido, a participação em programas da melhoria da qualidade
ocorre quase que de forma autônoma. O poder deve existir não no sentido de dominar as
pessoas, mas no sentido de dar condições para os funcionários se exporem sem receios,
de serem ouvidos, de contribuírem e terem o retomo de suas contribuições,
influenciando positivamente para o futuro da organização.
Os fatores observados nas várias tentativas de melhoria de qualidade na empresa
que se tomaram barreiras para que os resultados esperados ocorressem foram:
Excesso de concentração de poder: alguns gerentes que tinham acesso à alta
administração concentravam o poder e, da mesma forma, davam autonomia para
poucos funcionários considerados leais à sua conduta. Os demais integrantes da
gerência eram meros espectadores;
./
Falta de motivação dos funcionários;
./
Falta de ações interativas entre as gerências: cada gerência induzia seus
integrantes a agirem como se pertencessem a áreas independentes e que
executassem somente o que lhe fossem mandados;
63
Atualmente, a Royal opera bem abaixo de sua capacidade de produção e suas
exportações foram reduzidas em aproximadamente 50% em relação ao ano de 1997.
Este é um exemplo caro de como se concretiza a falta de poder daqueles que
detém o conhecimento sobre o processo, que manejam diariamente os equipamentos e,
portanto, conhecem possíveis melhorias e limitações do mesmo e que, caso estivessem
ou tivessem condições de estarem motivados, poderiam espontaneamente suprir a
organização desse imenso conhecimento, muitas vezes ignorado pela alta administração.
4 - As dificuldades em se implantar os modelos da qualidade no Brasil
Como foi descrito anteriormente, antes de se iniciar mudanças comportamentais
sobre fatos comuns a uma determinada realidade cultural deve-se, prioritariamente,
buscar entendimentos e significados sobre como essa realidade é constituída e como
influencia os corpos sociais que dela fazem parte. Os modelos da qualidade, até mesmo
por questão de seu conceito, já induzem a uma mudança comportamental e, como sua
criação e desenvolvimento são oriundos de outra culturas, notoriamente, diferentes da
cultura brasileira, a busca por seus resultados, tal como ocorreram originalmente onde
foram inicialmente implantadas, podem se constituir num mito.
Pretende-se, nesse capítulo, analisar os fatores que contribuíram para a formação
de um conjunto de práticas administrativas no Brasil que, embora bastante influenciadas
por teorias científicas de outros países, se impõem, homologam-se à base de valores
predominantemente aceitos na cultura brasileira e, constituem-se, mesmo que muitas
64
vezes despercebidamente, em barreiras, se não impedimentos institucionais, à
implementação de novos modelos de gestão, como os da qualidade.
4.1 - Modelos da qualidade: mito ou realidade?
A necessidade de melhoria da qualidade dos produtos nacionais tomou-se um
fato indiscutível nas organizações empresariais brasileiras nas últimas décadas do século
xx.
A entrada de produtos estrangeiros, sobretudo americanos e japoneses, com
melhores padrões de qualidade e a custos inferiores aos nacionais, revelou a fragilidade
das indústrias brasileiras frente aos concorrentes internacionais.
Segundo o Inmetro, em 1990, o índice de refugo em manufaturas brasileiras chegava a ser
mais de cem vezes superior ao norte-americano ou europeu e mais de mil vezes superior ao
japonês. Pesquisa da mesma época, realizada pela Emst & Young-Sotec, comparava índices
da índústria nacional com parâmetros de manufatura de classe mundial daquelas que, sem
distínção de origem, eram as melhores do mundo em sua índústria. Quase todos os índices
de desempenho mostravam o longo camínho a percorrer até atíngirmos níveis razoáveis de
competitividade (Wood Jr & Urdan, 2000: 164).
E, diante dessa realidade, empresas nacionais passaram a intensificar esforços,
por meio de seus dirigentes, a fim de adaptarem seus sistemas produtivos e de gestão a
modelos que obtiveram êxito no exterior. A lógica, para muitos empresários, era
simples: os modelos de gestão e de controle do processo foram desenvolvidos e
aplicados com sucesso por empresas japonesas, pois então basta formar equipes ou
comitês para pesquisar e estudar a literatura existente, treinar todos os funcionários,
divulgar intensivamente a nova forma de se trabalhar e, importar e implementar os
65
modelos. Nesse sentido, programas da qualidade, principalmente nos moldes japoneses,
passaram a incorporar o dia-a-dia de diversas organizações no Brasil.
Constata-se facilmente o amplo processo de internacionalização do campo de administração
no Brasil. Esta área de atuação profissional é quase totalmente embasada em metodologias
elaboradas em outros paises. [... ] Verificamos que a importação de metodologias
administrativas teve origem no início do século e sofreu grande incremento a partir da
década de 30. Nos 60 anos anos dai decorridos nota-se que o processo importador
configurou-se com muito mais intenso que o esforço pela produção interna. Tal processo
condiciona a conformidade teórica em face dos "produtos externos" revelando a sua
aceitação imediata, sem os devidos questionamentos, o que provoca a imitação desenfreada
daquilo que se faz fora do Pais, em se tratando de administração (Serva., 1992: 128, grifos
do autor).
Conforme Serva (1992), a importação de metodologias administrativas no Brasil
constitui-se num processo mitificador, oriundo em grande parte de um contexto
histórico de importação desenfreada e inquestionável de metodologias. Pode-se citar,
por exemplo, a aplicação imediata por parte da classe empresarial brasileira de
princípios tayloristas no início do século XX, a influência das obras de Taylor, Fayol e
Gullick no processo de modernização do setor público na década de 40, a participação
de professores americanos com respectivas literaturas, técnicas e modelos na formação e
elaboração de currículos das primeiras escolas de ensino superior no campo da
administração na década de 50 e, após, nos anos seguintes e até os dias atuais, o
surgimento de diversas organizações na área do treinamento empresarial e consultoria
baseadas sobretudo em modelos ou teorias administrativas importadas.
66
o
mito tenta transformar a história em natureza; aquilo que é histórico, fruto do agir
humano, é apresentado como natural; ele não conduz a uma explicação radical dos
fenômenos, apenas conduz a uma constatação, apresenta uma causação inconsistente como
se a forma provocasse naturalmente o conceito. Esta é, por definição, uma verdadeira
operação ideológica (Serva, 1992: 131, grifos do autor).
o
referente mito, segundo Serva (1992), baseia-se nos seguintes elementos:
universalidade, cientificidade, neutralidade, racionalidade e modernidade. E como esses
elementos funcionam e compõem o imaginário administrativo nas organizações
empresariais brasileiras e, mais especificamente, na Royal ?
Pela universalidade pressupõe-se que metodologias administrativas importadas
não só podem como devem ser largamente utilizadas, já que representam um Know-how
padronizado e suficientemente testado em países mais avançados, tendo comprovada
sua eficácia. Parti-se da idéia de que se uma metodologia administrativa, como os
programas da qualidade, proporcionou bons resultados em uma determinada empresa e
em uma determinada região, então por que não daria os mesmos resultados em outro
local, tendo em vista condições tecnológicas semelhantes. Voltando à Royal, esse
pressuposto era amplamente difundido pela gerência e, de certa forma, era utilizado
como um slogan no intuito de estimular os funcionários em prol da qualidade. Frases do
tipo 'se eles podem, por que nós não podemos' eram comumente ditas nas discussões a
respeito da qualidade.
A cientificidade diz respeito à identificação da fonte dessas metodologias teorias organizacionais cientificamente elaboradas - que atestam a sua qualidade e lhes
67
atribui uma conotação de seriedade e crença. É como se existisse uma teoria geral da
administração plenamente adaptável à qualquer empresa, haja vista sua comprovação e
notoriedade dos cientistas e pesquisadores que as formularam. Então, desse modo, por
que discutir ou testar os meios, se os resultados já os atestam e os confirmam. Basta
então, como se dizia na Royal, 'fazer acontecer'.
A neutralidade parte do princípio de que hoje a ciência apresenta-se como um
conhecimento neutro, justificado em si mesmo, que deve continuar a sua marcha,
independente de seus possíveis usos. Ignora-se ou minimiza-se a natureza contraditória,
conflitual e dramática do ambiente interno das organizações econômicas, em geral, em
que a luta pelo poder, a luta de classes, a fiustração, a competição, a insatisfação e o
tédio são fenômenos cotidianos. Se existem problemas ou questões a serem resolvidas
na organização, então que sejam resolvidas a parte, pois uma nova metodologia
administrativa deve ser implantada. Esse fato não é dificil de se verificar em grande
parte das empresas brasileiras onde, ao passo em que se busca metodologias
revolucionárias de gestão, se convive ao mesmo tempo com exaustivas e morosas
negociações sindicais, que Vlsam melhores condições de trabalho, de segurança, de
renda, etc, para os funcionários. Na Royal, invariavelmente, tal questão se repetia. A
busca por metodologias da qualidade foi uma iniciativa de uma gerência, sob o aval da
alta administração da empresa, enquanto que outros problemas da organização, tais
como disputas judiciais por questões trabalhistas e negociações sindicais, eram tratadas
pelo departamento de pessoal. Nesse caso, buscava-se tratar a qualidade como se fosse
neutra na organização e que outros fatores, já mencionados, não pudessem interferir no
rumo das iniciativas.
68
A racionalidade diz respeito à utilização eficaz dos recursos humanos e materiais
da organização. As metodologias administrativas como reais produtos cientificos
oferecem a plena possibilidade de uma ação administrativa racional traduzida na
eficiência e na eficácia. Nesse sentido, não há o que se discutir quanto ao interesse da
Royal em implementar os programas da qualidade, haja vista os objetivos a que propõe
tais metodologias de gestão, pautadas indubitavelmente em critérios de organização,
formalização de procedimentos e garantia do produto final.
E, por fim, a modernidade, que parti da idéia de que as sociedades modernas são
o espelho para as outras, chegando-se à proposição de que seus modelos organizacionais
fazem parte das causas de seu avanço e, portanto, devem ser copiados, pois assim as
sociedades mais atrasadas dariam um passo significativo em direção à modernidade.
Para exemplificar tal fato na Royal, pode-se levantar a questão da influência dos clientes
estrangeiros na empresa, cujas exigências eram tidas como novos conceitos que
deveriam ser imediatamente inseridos nos procedimentos utilizados no processo
produtivo, isto quando não os alterassem.
As metodologias administrativas importadas, além de universais, cientificas, neutras e
racionais, são a própria expressão da modernidade no campo organizacional. Foram
elaboradas nos países avançados e são praticadas nas suas organizações; logo, devemos
aplicá-las imediatamente sob pena de aprofundannos o anacronismo de nossas
organizações, institucionalizando o atraso de nosso País. Esta é a lógica prevalecente na
argumentação (Serva, 1992: 136).
Ao passo que os elementos descritos anteriormente compreendem o conceito do
mito; o sentido ou modo como o mito se reproduz no Brasil, conforme Serva (1992),
69
carrega de forma intrínseca ou como pano de fundo toda uma carga de racionalidade
instrumental 9, o que direciona o comportamento do ser humano à obtenção dos fins
propostos, sem questionamento quanto aos valores éticos ou substantivos referentes às
ações. Aliada à racionalidade instrumental, há também no Brasil uma ideologia
gerencial, que distingue o planejamento da execução do trabalho, e institui uma
corresponde união da autoridade ao controle, nas organizações empresariais, exercida
por gerentes treinados para a função. " Uma das conseqüências mais marcantes dessa
relação foi a perda progressiva do conhecimento da totalidade do processo de trabalho
por parte dos trabalhadores, em favor da gerência" (Serva, 1992: 138).
Pode-se concluir que uma metodologia administrativa importada no Brasil e,
mais especificamente, seus resultados, na maioria das vezes, tendem a se tomar um mito
e não uma realidade, à medida que as condições ou valores originários ao
desenvolvimento, aplicação e resultados da metodologia não são os mesmos. Ignora-se
a cultura que caracteriza as organizações.
A cultura na qual um modelo administrativo foi originalmente desenvolvido e
implementado apresenta traços e características diferentes de outras culturas, haja vista
que cada organização possui um sistema próprio de significados para seus valores, suas
crenças e seus costumes, distinguindo-a de outras organizações e formando sua própria
cultura organizacional.
9 Ver SERVA (1997: 22): Ação baseada no cálculo, orientada para o alcance de metas técnicas ou de
finalidades ligadas a interesses econômicos ou de poder social, através da maximização dos recursos
disponíveis.
70
4.2 - Um cenário político organizacional pouco propício aos modelos da qualidade
Conforme Watanabe (1996: 5), " a característica marcante da organização do
trabalho japonesa é sua flexibilidade, basicamente garantida pelo tanôkô, ou seja, o
trabalhador com diversas habilidades e conhecimentos ", na qual os trabalhadores
cooperam entre si - empowerment10 -
de forma a alcançar os objetivos de produção e,
nas atividades de CCQ, procuram resolver os problemas encontrados. Os procedimentos
da qualidade funcionam como formas para se detectar os problemas e tratá-los, muitas
vezes pelo próprio operador devido a suas múltiplas capacidades, além de se testarem e
descobrirem melhores formas de se trabalhar, conduzindo assim à melhoria contínua.
No Brasil, a grande maioria das empresas apresenta características opostas às
japonesas. O predomínio da racionalidade instrumental implica o exercício racional do
trabalho por parte dos trabalhadores e, por outro lado, a ideologia gerencial centrada no
planejamento e controle transforma metodologias importadas, como por exemplo os
modelos de gestão da qualidade, em ferramentas de controle e, não de melhoria
contínua. A instrumentalização das atividades dos trabalhadores e a ideologia gerencial
centralizadora, tomam o modelo gerencial brasileiro ainda mais concentrador de poder,
isto porque tais condições fornecem os canais institucionais adequados para que as
10 Ver CHIA VENATO (2000: 128): " Empowerment significa proporcionar aos empregados as
habilidades e a autoridade para tomar decisões que tradicionalmente eram dadas aos gerentes.
Significa também a habilitação dos empregados para resolver os problemas do cliente sem
consumir tempo destinado à aprovação do supervisor. O empowerment faz uma diferença
significativa na melhoria dos produtos e serviços, na satisfação do cliente, na redução de custos
e de tempo, trazendo economias para a empresa e satisfação para as pessoas envolvidas".
Ver também BROWN (1996: 151): " Durante anos as empresas procuraram delegar diferentes
graus de poder aos seu empregados. De acordo com a melhor pesquisa disponível, quanto maior
for o empowerment, tanto maior será o resultado".
71
tendências concentradoras de poder, paternalistas e formalistas da cultura brasileira de
concretizem na prática. Se por um lado, o exercício das atividades dos trabalhadores
ocorre na grande maioria das vezes sob à predominância da racionalidade instrumental
e, colaborando para isso, as metodologias importadas induzem à separação das
atividades de planejamento e execução do trabalho, por outro lado, a cultura brasileira
isoladamente já apresenta características ll propícias a tais metodologias. O resultado
dessa fusão toma os modelos gerencias brasileiros ainda mais concentradores de poder,
personalistas e formalistas do que já eram anteriormente. As dificuldades de se
implementar programas que visam melhorias da qualidade são sintomas desta fusão
perversa, que é extremamente ameaçadora para a competitividade e, consequentemente,
sobrevivência das empresas.
Na Royal, estes fatores invariavelmente ocorriam. À medida que se buscava uma
metodologia de gestão mais participativa, embasada em princípios da qualidade, a
ideologia gerencial centralizadora não permitia condições para que efetivamente isso
ocorresse. O funcionário, ao passo que buscava condições para se expor e atuar de
forma mais participativa, sob os estímulos iniciais de uma campanha pela qualidade na
Royal, não achava ou não via motivos que o impulsionassem a exercer, conforme
Giddens (2001), uma função de agente, de transformador, de colaborador e, não de um
mero espectador, voltando, dessa forma a ocupar sua posição social passiva e reduzindo
seu saber à ações racionalmente instrumentais. Nesse sentido, o mito continuamente se
reproduz e os resultados tomam-se insatisfatórios.
11
Ver PRATES & BARROS (1997), BARBOSA (1999)
72
5 - Conclusão
o
caso Royal constitui-se num exemplo que não fica muito distante do que
ocorre em muitas organizações no Brasil. Muitas empresas, por meio de seus dirigentes,
buscam continuamente novas formas de gerirem suas atividades, mas mantém-se
atrelados, mesmo que de forma inconsciente, a valores que não permitem que suas
tentativas os conduzam aos resultados esperados. Esses valores ou crenças, em grande
parte derivados do processo de formação da empresa e influenciados diretamente pela
cultura nacional, são carregados de disputas pelo poder, paternalismo, se não laços de
parentesco, e redes de influência. Esse processo é altamente comprometedor para o
desenvolvimento da organização, a qual deixa de ser priorizada e transformada em meio
para que disfunções do poder e redes de influências se perpetuem.
Um fato muito comum em diversas organizações, e acontecia constantemente na
Royal, é o envio de funcionários de nível médio para cursos e seminários, para
aprenderem novos conceitos e técnicas de trabalho em grupo, supervisão, liderança,
entre outros de natureza comportamental, porém, quando fossem colocar os novos
aprendizados em ação, a mensagem gerencial, através dos imponentes sim's ou não's ,
era: aplique, desde que não coloque em dúvida a minha autoridade e/ou se confronte
com os valores da empresa. A conseqüência deste processo, em que ora o funcionário é
convidado a se desenvolver e ajudar a desenvolver a empresa, ora se vê barrado pela
próprio sistema, é uma fiustração muito grande e conseqüente perda de motivação. O
funcionário normalmente tende a reprimir seus anseios e busca outras organizações
onde possa se expor e praticar seus conhecimentos.
73
Nos seminários e cursos que as empresas ou organizações públicas promovem, raramente
são envolvidos o operário da fábrica ou funcionário administrativo da repartição pública.
Geralmente é convocada a 'classe média' - a tecnocracia - que, por 'flutuar'
despersonalizadamente entre os níveis hierárquicos, pode passar um fim de semana em
hotéis discutindo os objetivos da organização quando, na realidade, discute é a sua
estratégia de sobrevivência (Tenório, 1990: 7).
o
compromisso de todos, sobretudo da administração, para a qualidade,
conforme preceitua Deming (1990), toma-se extremamente dificil, no caso da Royal e
em grande parte das empresas brasileiras. As tentativas da Royal em prol da qualidade
tomaram-se inviabilizadas, pois o sistema cultural da organização não permitia
condições institucionais para que tais iniciativas progredissem.
A questão do poder e, mais precisamente, a forma como é gerido e partilhado
assume grande importância no desenvolvimento de uma organização. Atualmente, a
sobrevivência de uma empresa deve-se à união de esforços de todos os seus integrantes,
que devem participar mais ativamente através de seus conhecimentos e experiências
mas, para tanto, necessariamente precisam de mais autonomia para suas ações, sem
receios, sem represálias e confiantes que farão parte de um projeto maior. Toma-se
fundamental a percepção de que princípios culturais que dirigem uma organização à
relações de poder altamente concentradas no topo da hierarquia engessam a sua
capacidade de se adaptar às novas necessidades de mercado, onde o aprendizado e a
inovação assumem vital importância e farão a diferença entre aquelas empresas que
sobreviverão e aquelas que ficarão à margem da subsistência, se não morrerem.
74
As restrições culturais à uma maior participação dos funcionários não só
impedem que modelos da qualidade se concretizem, tal qual foi na Royal, como
também de forma correlata impedem que a empresa torne-se mais flexível e capaz de
responder em tempo hábil às constantes mudanças do mercado global. As mudanças na
economia mundial estão ocorrendo de forma vertiginosa. A globalização e os meios de
comunicação cada vez mais ágeis que, de um lado colocam os clientes a par de tudo que
ocorre pelo mundo, por outro lado forçam as organizações a fazerem uso da tecnologia,
de sistemas flexíveis de manufatura e modelos de gestão que necessitam de uma melhor
qualificação da mão-de-obra, múltiplas habilidades e conhecimentos, e a cooperação. O
aprendizado, fruto do agir humano e de suas inter-relações com os demais integrantes da
organizações, passa a ser o diferencial e a base para a inovação.
Durante os últimos cinqüenta anos, o ambiente de negócios migrou de um mundo
dominado pelo capital para um mundo dominado pelo conhecimento. Essa migração
explica o interesse pelo aprendizado organizacional que tem emergido nos últimos anos. Os
gerentes reconhecem que, a menos que as empresas consigam acelerar o ritmo em que
aprendem, seu principal ativo ficará estagnado e seus concorrentes passarão à sua frente
(Geus, 1998: 3).
No caso Royal, os caminhos rumo ao aprendizado organizacional eram
fortemente bloqueados por concepções gerenciais que idealizavam o trabalhador como
um
mero
melO
individualidade
12
de
obtenção
de
resultados
previamente
determinados.
A
e a capacidade de cada trabalhador de melhorar e de impor seu próprio
12 Ver LEONARD-BARTON (1998: 24): A construção do saber ocorre combinando-se as diversas
individualidades das pessoas a um conjunto específico de atividades. É essa combinação que possibilita a
inovação.
75
ritmo à execução dos servIços, eram depreciadas e, muitas vezes, intoleradas pela
administração. Para que ocorra inovação, o funcionário necessita de " espaço
organizacional - estar livre de controle, de direção e de punição por fracassos. Os
experimentos devem ocorrer com relativa segurança. A conversa precisa ser aberta e
franca, livre de medos de represália. Os movimentos dos funcionários precisam ser
predominantemente autônomos; ninguém pode mandar um pássaro se reunir a um
bando para seguir em determinada direção porque o padrão de viagem do bando surge
de sua própria movimentação" (Geus, 1998: 128, grifos do autor).
Neste cenário atual em que a sobrevivência de uma organização está atrelado à
sua capacidade de inovar, a qual por sua vez, depende de uma maior autonomia e
participação dos funcionários, de uma sinergia 13 organizacional onde a cooperação de
todos vale mais que a soma das partes, da geração do conhecimento e de uma maior
interação entre os segmentos que compõem a organização; o modelo administrativo
dominante na Royal, arraigado a fatores culturais que induzem à concentração de poder,
certamente, caso não seja tratado, comprometerá de forma significativa o futuro da
organização.
13
Ver AMORIM et alo (2000)
76
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