FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO A INFLUÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO DE PODER NA MELHORIA DA QUALIDADE: O CASO ROYAL DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE PAULO CÉSAR ZANELLATO Rio de Janeiro - 2001 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO TÍTULO A INFLUÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO DE PODER NA MELHORIA DA QUALIDADE: O CASO ROYAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR: PAULO CÉSAR ZANELLATO E APROVADO EM 2SJ.!2± / :2 () 0-1 CARMEN PIR DOUTO E SOCIOLOGIA DEBORAH MORAES ZOUAIN DOUTORA EM ENGENHARIA DA PRODUÇÃO PAULO ROBERTO DE MENDONÇA MOTTA Ph.D EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA RESUMO Este trabalho se propõe a analisar a influência do poder no processo de melhoria da qualidade em organizações empresariais, tomando-se por base um estudo de caso referente a uma empresa de médio porte situada na região sudeste do Brasil que, na intenção de resolver dificuldades de inserção de seus produtos no mercado, optou por implementar programas da qualidade. Os dados foram coletados por observações e pesquisas bibliográficas sobre a empresa, onde o autor participou como funcionário por um período próximo de 6 anos. Os resultados indicam que metodologias importadas de gestão, como é o caso dos modelos da qualidade, podem não produzir os resultados esperados, quando são implementadas ignorando-se fatores culturais, sobretudo relativos à forma como o poder é partilhado e exercido nas organizações. Palavras-chaves: poder, cultura, qualidade, metodologias importadas. ABSTRACT This work intends to analyze the influence of the power in the process of quality improvement in managerial organizations, being taken based on a case study regarding to a company of medium load placed in the southeast area of Brazil which in the intention of solving difficulties in inserting its products in the market, it opted to implement quality programs. The data were collected through observations and bibliographical researches about the company, where the author participated as employee for a elose period of 6 years. The results indicate that the imported methodologies of administration - as it is the case of the quality models - cannot produce the expected results, when these methodologies are implemented by ignoring cultural factors, mainly related to form as the power is shared and practiced in the organizations. Key words: power, culture, quality, imported methodologies. sUMÁRIO: 1 - Introdução ............................................................................................................. 01 2 - Sobre a cultura e o poder ..................................................................................... 05 2.1 - A cultura organizacional ...................................................................................... 06 2.2 - O poder ................................................................................................................ 16 2.3 - A relação entre poder e cultura nas organizações ................................................ 19 2.4 - A qualidade.......................................................................................................... 26 3 - A influência da concentração de poder na melhoria da qualidade ................•• 32 3.1 - O panorama propício à qualidade .......................................................................... 32 3.2 - O caso Royal ......................................................................................................... 35 3.2.1 - As origens da Royal ........................................................................................... 35 3.2.2 - A estrutura organizacional e o processo produtivo da Royal ............................ 38 3.2.3 - As iniciativas em prol da qualidade na Royal .................................................... 42 3.3 - A questão da motivação para a qualidade na Royal ............................................. 57 4 - As dificuldades em se implantar os modelos da qualidade no Brasil .......•......• 63 4.1 - Modelos da qualidade: mito ou realidade? ............................................................ 64 4.2 - Um cenário político organizacional pouco propício aos modelos da qualidade .. 70 5 - Conclusão ............................................................................................................... 72 6 - Referências bibliográficas .................................................................................... 76 1 1 - Introdução A partir das últimas décadas do século XX, as organizações empresariais tem sofrido grandes pressões por parte de seus clientes por produtos e/ou serviços de melhor qualidade e a custos cada vez menores. Este fato deve-se sobretudo às mudanças na economia mundial, que impulsionadas pelo desenvolvimento vertiginoso dos meios de comunicação, de transportes e da tecnologia da informação, não permitem mais, como ocorria até meados do século xx, que diversas empresas monopolizassem sua área de atuação e determinassem a forma como seus produtos seriam ofertados aos, até então, meros consumidores. Os clientes de hoje, tem muitas opções e condições de imporem que suas necessidades sejam atendidas pelas empresas. Logo, neste cenário internacional, não há outra saída: ou as organizações empresariais se adaptam nesta nova economia, buscando para tanto formas que lhes propiciem aumentos significativos de competitividade, revendo seus modelos de gestão e processo produtivo ou, por outro lado, tendem a amargar a estagnação e conseqüente fim. Surgem, assim, deste " grande laboratório empresarial " que contempla o universo das organizações pelo mundo, diversas metodologias administrativas ou modelos de gestão que visam capacita-las a se manterem competitivas e, consequentemente, em condições de atenderem às necessidades de mercado. Dentre estas metodologias, estão os modelos ou programas da qualidade, desenvolvidos e amplamente difundidos nas décadas de 1980 e 1990, no intuito de proporcionar mudanças comportamentais e no processo de produção das organizações 2 que permitam uma maior adequação de seus produtos e/ou serviços às necessidades de seus clientes. Tais programas obtiveram êxito nas organizações em que foram originalmente desenvolvidas e implementadas, fato este que pode ser verificado pelo sucesso da onda gerencial japonesa1 . Devido à sua repercussão e pela busca, na maioria das vezes, desenfreada por empresas de outros países, o modelo se propagou, sendo amplamente difundido por diversas literaturas e, obtendo em sua forma e sob os alicerces de seus resultados, um novo conceito de como se gerenciar uma organização. Porém, em todo este contexto econômico que induz as organizações a buscarem continuamente novas formas de gestão, que não deixam de serem mudanças notoriamente comportamentais, ignoram-se muitas vezes fatores eminentemente culturais, como se todas as empresas atuassem em mesmas condições ambientais e que se um modelo, como os da qualidade, que geraram resultados em uma determinada organização empresarial, pudessem gerar os mesmos resultados em uma outra empresa sediada em uma outra região ou país. No ambiente turbulento das organizações contemporâneas, os movimentos de mudança não podem ser analisados sob a ótica da causalidade simples e do determinismo cartesiano. Eles exigem um olhar complexo, compatível com o emaranhado de relações culturais, de poder, formais e informais existentes nesses sistemas (Wood Jr et aI. , 2000: 231). Pode-se pensar, num primeiro momento, que a escolha do tema da implementação de modelos de gestão da qualidade, maIS de 20 anos depois do surgimento desta metodologia, esteja desatualizada. E isto estaria correto, não fosse a constatação de que a qualidade ainda engatinha em grande parte das empresas brasileiras, que ainda têm dificuldades claras de relacionamento com seus clientes 1 Ver TENÓRIO (2000) 3 (como o número de reclamações de consumidores no Procon claramente atesta), assim como está pouco clara a relação entre questões culturais e assimilação de modelos importados de gestão. O fato da gestão da qualidade não ser nova, nos dá a possibilidade de um certo distanciamento do momento da sua implantação, e o acompanhamento histórico da sua evolução e resultado, dando mais subsídios para uma análise teórica dos elementos que devem ser considerados quando se optar por estas tentativas de importação. Nesse trabalho, pretende-se abordar até que ponto uma metodologia importada, como os modelos da qualidade, encontra respaldo no que tange às questões culturais, enfatizando sobretudo aquelas relacionadas ao poder e à forma como é exercido numa organização, que lhe permitam condições de reproduzir os resultados a que se propõe ou que foi obtido naquelas organizações em que originalmente foi implementada. Para tanto, será analisado um caso referente à uma empresa brasileira que, face às dificuldades de inserção de seus produtos no mercado em que atua, resolveu implementar programas da qualidade no intuito de obter aumentos de produtividade e, conseqüente, maior competitividade frente a seus concorrentes. O caráter crítico relativo a este trabalho, que poderá ser notado durante a leitura, não recai sobre a decisão de se importar programas da qualidade, mas única e exclusivamente à gestão da implementação dos respectivos programas, ou seja, à forma e ao modo como eles foram implementados na empresa (estudo de caso). Pretende-se questionar até que ponto o sistema cultural, político e organizacional da empresa em que e sobre o qual foram planejados os programas da qualidade, viessem a prover 4 condições que facilitassem a ocorrência dos resultados observados. Sobre outra ótica, mas se atendo ao mesmo problema, ao se analisar os programas da qualidade como uma metodologia importada de gestão, pode-se fazer o seguinte questionamento: a cultura organizacional é propícia à uma nova metodologia de gestão notoriamente derivada de outra região e fundamentada sobre outros costumes e valores? E caso não seja, como no caso da empresa observada, que tipo de cuidados e ações se fazem pertinentes para que o modelo possa ser adequadamente implementado? Ou seja, onde estão as causas do insucesso, e como pode-se aprender com ele de modo a evitar os mesmos erros em futuras implementações de metodologias de gestão importadas? Não pretende-se dar aqui todas as respostas, mas mostrar como é possível, ao isolar corretamente as causas, instrumentalizar-se para a ação. Localizar as causas é uma etapa preliminar e necessária para a resolução dos problemas. Sabendo em que elementos uma proposta de mudança esbarra, pode-se geri-la de forma mais eficaz e com maior controle sobre os resultados. Este trabalho se desenvolve em três capítulos. No primeiro, pretende-se discutir a cultura, o poder, a qualidade e suas inter-relações, de forma a constituir uma referência teórica que será utilizada como base para as discussões e análises a respeito do caso. No segundo capítulo, é descrita a empresa, sua trajetória histórica e, propriamente, o caso referente a este trabalho, onde se buscará explicações aos resultados obtidos pela empresa ao resolver implementar os modelos da qualidade. No terceiro capítulo pretende-se questionar até que ponto uma metodologia tende a se tornar um mito, tendo em vista e como proposta para tal proposição fatores culturais eminentemente diferentes daqueles onde originalmente as metodologias foram criadas e implementadas. 5 2 - Sobre a cultura e o poder Neste trabalho pretende-se compreender o poder nas organizações e como o seu exercício pode interferir na melhoria da qualidade, partindo-se de um estudo de caso baseado na experiência do autor. Mas, para tal análise, faz-se necessário, inicialmente, conceituar o poder, desvendando sua relação com a cultura organizacional e definindo sua importância no processo da qualidade. Enquanto alguns teóricos das organizações analisam o poder como um recurso, algo que alguém possui, outros o definem como uma relação social, como uma força que rege as ações dos indivíduos em uma organização. E o conceito de cultura? Embora existam inúmeros conceitos de cultura, propõe-se, aqui, um conceito semiótico, como sugerido por Geertz (1989), que nos permita compreender a teia de significados simbólicos que orienta o entendimento do mundo, pois é nesta teia que se articulam os valores, as crenças e os costumes de uma sociedade ou organização. É em relação à esta teia de significados, também, que podese compreender como o exercício do poder em certos moldes pode ser percebido como legítimo pelos membros da organização. Pretende-se, neste capítulo, questionar essas abordagens a respeito do poder, da cultura e do entendimento e desenvolvimento da qualidade nas organizações, buscando explicações que auxiliem no estudo e análise do caso. Desta forma, será criado um roteiro analítico que possa ajudar a compreender a cultura, a dinâmica do poder dentro de uma organização e identificar as maneiras pelas quais os membros de uma organização influenciam, ao exercerem o poder, no processo de melhoria da qualidade. 6 2.1 - A cultura organizacional o conceito de cultura organizacional é amplamente difundido como um conjunto de valores, crenças e costumes praticados e aceitos pelos membros de uma organização. Porém, esse conceito toma-se inconsistente a medida que a diferença cultural entre organizações reside principalmente na interpretação e no modo como esses valores, crenças e costumes são aceitos e praticados. Por exemplo, conforme Migueles (mimeo:2), " tanto na cultura japonesa quanto na cultura brasileira, o trabalho intelectual, de concepção, tende a ser percebido como superior ao trabalho manual. [... ] Mas a percepção desta superioridade é diferente nestas duas culturas ". Um engenheiro recém-fonnado, quando consegue um emprego numa empresa brasileira, tende a assumir imediatamente, uma posição hierarquicamente superior à de qualquer operário de casa. [... No Japão], o engenheiro recém-fonnado, vai trabalhar sob a supervisão do operário experiente no chão-de-fábrica para conhecer o processo produtivo na prática, vendo seus problemas e dificuldades. Seu salário inicial é inferior ao do operário, e é este último que lhe dá orientações como sobre proceder (Migueles, mimeo: 2). Nesse exemplo, fica claro que a cultura organizacional se define mais pelo significado do valor em estudo em uma determinada realidade do que pelo seu entendimento de forma genérica. O trabalho, como foi demonstrado, é um dos componentes que caracterizam e diferenciam culturas, mas não por ser genericamente um valor, mas sim pelo que representa como valor em cada região ou país. Por isso, um conceito adequado de cultura organizacional deve levar em conta as tipicidades e 7 características de cada organização, sua localização, sua formação e o modo como seus integrantes aceitam e praticam seus valores, crenças e costumes. Para entender a cultura de uma organização, faz-se necessário participar da mesma, pois o entendimento de certos valores variam de empresa para empresa, de suas origens, de sua formação e em função da região em que desenvolvem suas atividades. Neste sentido, conforme Geertz (1989), o conceito de cultura deve se ater a um recorte da realidade, buscando estudar e explicar os acontecimentos em função de significados comuns e aceitos. É bastante improvável um conceito de cultura amplo, que não leve em consideração o entendimento dos fatos por parte de quem está sendo objeto de estudo. Logo, um conceito amplo tende mais a confundir do que a esclarecer. A solução, abordada por Geertz (1989), é essencialmente semi ótica, quanto ao conceito de cultura. Sob este raciocínio, a cultura compreende uma teia de significados e, os resultados desta ciência, consequentemente, partem da análise destes significados. Portanto, não há margem para formulação de leis ou conceitos amplos, mas sim a interpretação dos fatos comuns de uma determinada realidade. Nas organizações empresariais, a cultura permeia todas as práticas e constitui um conjunto preciso de representações e saberes. Forma um sistema coerente de significações e articula todas as relações sociais e todos os modos de agir. Portanto, derivado do conceito de cultura desenvolvido por Geertz (1989), a cultura organizacional compreende um conjunto próprio e particular de significados para valores, costumes e tradições, os quais são aceitos, praticados e partilhados pelos membros da organização. Por exemplo, toma-se plenamente natural que um novo 8 integrante de uma organização, mesmo após passar por vários testes ou entrevistas para então ser admitido, demore algum tempo para se adequar e compreender o ritmo da empresa. Não se trata apenas de uma questão de um novo ambiente fisico para o recém integrante da organização, mas sim de um novo habitat, onde a concepção dos valores certamente irá diferir daquelas comuns ao novo ingresso, mesmo que tenham sido previamente aceitos durante uma seleção. Neste caso, se esse novo integrante fazer parte da comunidade, região ou país em que a organização está instalada, sua adaptação ao novo ambiente de trabalho, normalmente, tende a ocorrer mais rapidamente, pois o seu entendimento a respeito de valores comuns possuem a mesma estrutura conceitual, permitindo dessa forma, uma maior concordância das inteligências e coordenação das ações no novo ambiente de trabalho. o próprio valor e exercício do trabalho difere, por exemplo, de uma cultura brasileira para uma cultura americana. No Brasil, a importância do trabalhador, sobretudo a do chão-de-fábrica, se limita ao desempenho das funções para as quais foi contratado. " A empresa brasileira, de modo geral, não se percebe como minimamente responsável pelo bem estar e pelo futuro deste operário, e nem reconhece a importância do seu empenho para o sucesso da organização" (Migueles, mimeo:3). Dessa forma, nesta cultura, " o indivíduo [ ... ] tende a ser percebido como um ser reativo que responde exclusivamente às condições a que se vê submetido, ao contrário do agente proativo da visão norte-americana, que atua e transforma o ambiente em que vive por força da sua vontade individual " (Barbosa, 1999: 66). E tendo em vista que no Brasil, " essa concepção do trabalho sempre esteve na raiz das relações dos homens livres com nosso sistema produtivo" (Barbosa, 1999: 67), a adaptação de um trabalhador brasileiro, por 9 partilhar desse imaginário comum à sua sociedade tende a ser muita mais rápida numa empresa brasileira do que em uma empresa norte-americana., pois entende que sua função em uma empresa vai se ater ao exercício de tarefas previamente determinadas não se sentindo responsável, de modo geral, pelo futuro da organização. Essa tarefa., de mudança e melhorias no ambiente de trabalho é vista como função da direção da empresa. Não se trata aqui evidentemente de uma mera questão de idioma ou de localização física, mas sim de toda uma formação histórica de um país, a qual imprime nos membros de sua sociedade uma forma específíca e, muitas vezes, singular de agir e de se portar frente aos acontecimentos do dia-a-dia. Esse comportamento organizacional é diretamente influenciado pelo modo como uma cultura é formada. Conforme Aidar et aI. (2000: 40), " parece indiscutível a importância da forma de colonização e as implicações da economia escravocrata, latifundiária e monocultura na formação da cultura brasileira ". A submissão do trabalhador às condições impostas pela classe patronal permeia as relações de trabalho nas organizações, tal como era a relação entre escravo e senhor de engenho na época de colonização do Brasil. " A base da cultura brasileira é o engenho, é o binômio casa grande e senzala. O senhor do engenho era um senhor absoluto em seus domínios. Cabia a ele administrar suas terras, sua família e seus escravos. A distância social era a contrapartida da proximidade física " (Motta., 1997: 31). Enraizado a esse imaginário cultural ainda presente nas relações de trabalho, o operário não traz para si a condição de transformador de uma organização, pois, ao passo que não se vê como responsável para tal, por outro lado, a organização mantém toda uma lógica ou conjunto de procedimentos que tendem a separar as funções de execução e planejamento das 10 atividades do dia-a-dia. Em outras palavras, se de um lado o trabalhador não vislumbra uma participação além daquela para a qual foi contratado, por outro lado, a organização não lhe confere condições para isso, pois reduz suas ações à execução racional das suas tarefas. O exercício do poder, nesse sentido, toma-se indubitavelmente desigual e concentrado nos níveis de direção da empresa. O trabalhador atua e sobrevive nas organizações brasileiras à margem de um sistema autoritário e inibitório de iniciativas proativas e mais participativas. Nossa fé democrática é débil e a submissão do cidadão é um traço cultural que contribui para enfraquecê-la. O povo brasileiro mostra vocação maior para ser ajudado do que para exibir autoconfiança. Como conseqüência, abre os braços ao paternalismo, uma forma disfarçada de autoritarismo (Campos, 1990: p.37). E como estas características se difundem nas organizações brasileiras? Conforme Prates & Barros (1997), ao fazerem suas pesquisas com base na percepção de 2500 dirigentes e gerentes de 520 empresas de grande e médio porte do Sudeste e Sul do Brasil, o sistema de ação cultural brasileiro pode ser caracterizado pela correlação entre quatro subsistemas: o institucional (ou formal) e o pessoal (ou informal), o dos líderes e o dos liderados, apresentando traços culturais em comum e traços especiais, que articulam o conjunto como um todo. Os traços comuns referem-se a concentração de poder, ao personalismo, a postura de espectador e ao evitar conflito, enquanto que os traços especiais referem-se ao paternalismo, ao formalismo, a lealdade pessoal e a flexibilidade. 11 Líderes Impunidade A concentração de poder refere-se à carga autoritária acumulada pela alta direção nas organizações brasileiras e baseia-se na relação entre hierarquia e subordinação. Frases como" Você sabe com quem está falando" ou "Manda quem pode, obedece quem tem juízo" evidenciam este traço cultural. O personalismo refere-se ao magnetismo exercido pela pessoa em uma organização, por meio de seu discurso ou de seu poder de ligações, e não por sua especialização. Quanto maior a capacidade de atração de uma pessoa, maior será sua influência na organização. O paternalismo é a combinação da concentração de poder e personalismo onde o patriarca tudo pode e aos membros da organização cabe obedecer. A concentração de poder e o paternalismo criam a postura de espectador com vertentes de mutismo e baixa consciência crítica tendo por conseqüência baixa iniciativa, pouca capacidade de realização por autodeterminação e de transferência de responsabilidades das dificuldades para as lideranças. O formalismo, por sua vez, refere-se à aceitação tácita das normas e regras. Porém, na prática, impera uma distorção, onde as relações pessoais criam um intervalo entre o formal e o fato, caracterizadas por frases como "arranjar um pistolão" ou ''fazer vista grossa" . 12 No Brasil, se as normas são bastante específicas, nosso ajustamento se faz por um processo de reinterpretação das leis, cujo resultado vai depender essencialmente de quem está do outro lado da questão. Se é pessoa de nossas relações ou com autoridade, a flexibilidade na reinterpretação é ampla; se é pessoa fora das relações, a rigidez é absoluta. Outro não é o significado do dito: "para os amigos tudo, para os inimigos nada, para os indiferentes a lei" atribuído a Getúlio Vargas (Prates & Barros, 1997: 63, grifo dos autores). A impunidade mostra que a lei só existe para os indiferentes e os direitos individuais são monopólios de poucos. A frase do quotidiano brasileiro que evidencia este traço cultural é "salve-se quem puder". A lealdade pessoal se opõe ao formalismo, pois fortalece o poder da liderança em detrimento às normas e regras vigentes na organização. O membro do grupo valoriza mais as necessidades do líder do que as da organização na qual está inserido. O evitar conflito reflete a relação entre líder e liderados em uma situação de desigualdade de poder, onde o primeiro ignora a existência do conflito, cabendo ao liderado encontrar formas ou soluções indiretas que resolvam os impasses. A flexibilidade refere-se à capacidade do membro da organização de se adequar à situação de liderado. Representa a categoria com duas faces: adaptabilidade e criatividade. Esses traços e a lógica descrita formam a essência do que chamamos de "Sistema de Ação Cultural Brasileiro" cuja dinâmica tem como resultado global um estilo de ser brasileiro, uma construção nacional que a distingue de outras nações, por mais que se queira impor-lhe modelos de outros países. No âmbito organizacional, o resultado é um Estilo Brasileiro de Administrar (Prates & Barros, 1997: 67, grifo dos autores). A cultura organizacional é influenciada pela cultura nacional, mas isso não quer dizer que são as mesmas. Conforme Migueles (mimeo), não se pode afirmar que 13 estudando uma se entende a outra, mas se pode observar características geraIs suficientemente difundidas e comuns na cultura nacional e entende-las como presentes, em termos de média, na cultura organizacional. Os traços culturais descritos por Prates & Barros (1997) retratam justamente essa média de práticas e valores difundidas na cultura das organizações brasileiras e amparadas, se não homologadas, por valores comuns e aceitos na cultura nacional. Como na cultura brasileira, conforme Barbosa (1999) e Campos (1990), não se acredita na capacidade do trabalhador, de moldar e transformar a realidade em que vive, comportando-se, dessa forma, à margem da execução de suas tarefas e, se por outro lado, conforme Prates & Barros (1997), a cultura legitima relações autoritárias no local de trabalho que amparam a prática gerencial de botar o povo para trabalhar, forma-se então, uma hierarquização rígida e acentuada entre os postos assumidos pelo corpo social que compõe uma organização, submetendo a classe operária à uma posição de espectador quanto ao que ocorre na organização e, à classe patronal um excessivo, embora legitimo (do ponto de vista da cultura nacional), exercício do poder e consequentemente condições de decidir sobre o futuro da empresa, mesmo que seja por caminhos que comprometam o desenvolvimento e crescimento da empresa. Nosso forte traço autoritário e, ao mesmo tempo, paternalista criou no brasileiro o gosto simultâneo pelo protecionismo e pela dependência. Fomos acostumados, enquanto povo, a nutrir uma postura de espectador sempre dependente de algo ou alguém (Caldas, 1997: 82). O conhecimento do operário, oriundo de sua experiência no processo produtivo, não é considerado no universo da organização como um saber capaz de influenciar nos 14 rumos da empresa. Nesse sentido, a grande maioria dos operários comporta-se de forma indiferente e mudos em relação ao que se passa na empresa. Sob outra ótica, se o trabalhador não é visto como autônomo, incapaz de crescer e buscar sua auto-realização no trabalho; a sua autonomia é restringida, pois a cúpula que administra a organização receia que o trabalhador não chame para si a responsabilidade por suas ações e, por conseqüência, que a empresa perca a eficiência. O operário, ao vestir seu uniforme e iniciar sua jornada de trabalho, compõe todo esse imaginário cultural e representa o papel para o qual foi contratado na organização, ou seja, o da aceitação, da submissão, da resistência, e da sobrevivência que o emprego lhe permite. Enquanto na sociedade norte-americana um dos temas centrais é a dramatização da superioridade ontológica do indivíduo sobre o grupo social, como bem demonstram os heróis de seu imaginário e sua filosofia política, no Brasil poderíamos dizer que ocorre justamente o inverso. Entre nós, duvida-se da capacidade do indivíduo de moldar a realidade de acordo com sua visão de mundo, por sua determinação e esforço. Vitória, nesse contexto, é sobrevivência, e não dominação. Nosso herói é "antes de tudo um forte". Entretanto, essa força não advém da submissão do mundo ao redor à sua vontade, lógica e desejo, em conseqüência de uma decisão voluntarista e de uma atitude proativa e transformadora, mas de sua resistência. Resistência passiva daquele que sobrevive. Resistência que nasce de uma acomodação fatalista ou astuciosa às circunstâncias. Resistência calada e triste, como a do sertanejo e do Jeca Tatu, ou alegre e irreverente, como a do malandro e de Macunaíma (Barbosa, 1999: 67, grifos da autora). A cultura brasileira, conforme demonstrado por Prates & Barros (1997), oferece o contexto ideal para que ocorra a concentração de poder em moldes autoritários e paternalistas nas organizações empresariais e, conforme Migueles (mimeo), essa 15 tendência, quando vinculada ao modelo taylorista de gestão, gera formas de autoritarismo bastante perversas e destruidoras da capacidade de transformação das empresas. Ao passo que se predomina um tipo de saber (administração científica) que toma legitima a concentração de poder na direção, ocorre um grande desperdício do saber operário, tendo em vista a falta de canais de participação para a maior parte dos membros da organização, os quais agem frente a este fato de forma indiferente e, nem percebem que assim contribuem para a reprodução do modelo. A fusão deste tipo de cultura predominantemente autoritário e paternalista com os princípios da administração científica já enraizados nos procedimentos e práticas do quotidiano das organizações, funcionam como barreiras ideológicas para que modelos de gestão mais participativos, que visam uma maior interação entre todo o corpo social que integra uma organização, como os modelos ou programas da qualidade, propiciem os resultados esperados. Logo, entender a cultura de uma organização sob o prisma semiótico, proposto por Geertz (1989), toma-se fundamental à medida que fornece bases mais sólidas para um planejamento consciente da mudança cultural. A tentativa de inserção imediata de novas práticas ou métodos de trabalho que não sejam condizentes com os valores ou costumes já praticados em uma empresa podem repercutir resultados insatisfatórios. Por isso, toma-se prioritário, antes de iniciativas que visem mudanças na cultura de uma organização, uma compreensão e entendimento dos significados dos valores, costumes e crenças partilhados por seus integrantes. 16 2.2 - O poder Poder não é algo que se detém, se possui, se transfere de um lugar para outro como se fosse uma coisa ou um objeto do bel-prazer de quem o conserva. Conforme Lebrun (1985, 20), li em suma, o poder não é um ser, alguma coisa que se adquire, se toma ou se divide, algo que se deixa escapar li. Nem se pode atribuir ao poder uma significação isolada, como se fosse um dom ou uma capacidade intrínseca de um indivíduo. O poder influencia e é influenciado por todos aqueles corpos sociais que o exercem em uma organização. o poder deve ser analisado como algo que circul~ ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca esta nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles (Foucault, 1979: 183). Partindo do princípio de que o poder se constitui essencialmente em um conjunto de relações que permeiam uma organização social, como se pode caracterizálo e qual a sua abrangência ? Seria o poder uma relação de mando, de repressão, de domínio? Para analisar tais questões, pode-se partir do conceito proposto por Bemardes (1995: 63): li Poder é o controle ou influência sobre as ações dos outros no intuito de atingir as próprias metas, sem o consentimento desses outros, contra a vontade deles, ou sem seu conhecimento ou compreensão li. Na perspectiva proposta por Bemardes (1995), o poder refere-se a uma relação social onde um indivíduo ou um grupo exerce 17 poder sobre outra pessoa ou coletividade desde que a induza a aglr de forma involuntária, não obstante os motivos, mas sempre em prol do cumprimento das determinações de quem exerce o poder. Sob esse conceito, ocorre uma imposição, um mando, como se o corpo social sujeito ao poder não tivesse opções ou capacidade de exercer sua liberdade. Tal relação teria mais uma concepção de determinação fisica do que de poder. Seria, por analogia, a posse de alguém sobre um bem material, imóvel e inânime, que pudesse ser manipulado sem opor resistências. Nesse sentido, admitir o poder conforme o enunciado proposto por Bemardes (1995) seria uma incoerência, pois se o poder pressupõe influência, como poderia existir se o corpo social sujeito ao poder não tivesse capacidade ou liberdade de expor seus interesses ou vontades. o conceito de poder se confunde com o conceito de liberdade. Se o poder se exerce e tem como função influenciar o comportamento das pessoas que compõem uma determinada organização, não faria sentido sua existência sem a idéia de liberdade. Se a relação social toma-se saturada no que tange a capacidade de confronto de idéias e comportamentos, o poder deixa de existir. Por exemplo, a escravidão, caracterizada pelo mando e obediência, não é uma relação de poder; constitui-se, conforme Foucault (1982i, numa relação de constrangimento e determinação fisica. Um escravo executa aquilo que lhe é imposto reprimindo sua vontade própria. Trata-se, então, de uma relação de repressão, de domínio, de posse, mas não de poder. Um outro exemplo pode ser a relação entre médico e paciente. O médico, ao receitar um medicamento ou tratamento a um paciente, não tem como forçá-lo a seguir a prescrição dada, mesmo levando-se em conta seu conhecimento e formação. O paciente, mesmo sem possuir o 2 In MAIA (1995): Sobre a analítica do poder de Foucault 18 conhecimento do médico, pode utilizar o medicamento ou pode buscar outras formas de se tratar. A relação de poder ocorre em ambos os sentidos: de um lado, o médico exerce o poder ao receitar um tratamento para o paciente e, este por sua vez, exerce o poder ao aceitar ou não o tratamento. Evidentemente, quanto maior for o conhecimento, experiência e prestígio do médico, maior será sua influência sobre a decisão a ser tomada pelo paciente, e consequentemente, maior poder exercerá na relação. Por outro lado, se o paciente estiver em estado grave e internado num hospital, sem condições de refletir sobre sua situação fisica e sob os cuidados do médico, a relação deixará de ser de poder e passará a ser de domínio, pois caberá única e exclusivamente ao médico a decisão sobre os procedimentos a serem tomados, mesmo que possa acarretar em algum risco de vida para o paciente. Sob esta lógica, no caso de uma organização e mais precisamente em uma empresa, a influência ou poder exercido por um indivíduo ou grupo ocorrerá em menor ou maior grau em função do que representa seus interesses perante os outros membros que compõem a organização, ou seja, quanto mais o interesse de quem exerce o poder num determinado momento for convergente com os interesses de quem participa da relação, maior será sua influência e, consequentemente, maior será suas chances de obter êxito e atingir seus objetivos. Conforme Morgan (1996: 163), " o poder é o meio através do qual conflitos de interesses são, afinal, resolvidos ". Em uma organização empresarial, por exemplo, os interesses sociais permeiam indissoluvelmente as relações entre seus integrantes; estão presentes quando, partindo de um corpo social, se deseja uma melhoria em alguma atividade, quando se deseja uma posição melhor, quando se deseja uma remuneração melhor e, até mesmo, quando se deseja que nada mude. Para tanto, os integrantes da 19 organização buscam formas ou canais institucionais que lhes permitam resolver seus interesses. Devido à complexidade de uma organização, é quase que impossível definir todas as formas que regem o exercício do poder dentro de uma organização. Num dado momento pode ser exercido pela perícia, pela capacidade de resolver problemas de quem o exerce. Num outro momento pode ser exercido através do controle sobre informações, pelo carisma, pela permuta, etc. É nesse ambiente, quase que coordenado, com várias redes de influências e com inúmeros interesses sociais, que o poder está presente e estabelece, institucionalmente, a forma como os objetivos por meio do diálogo e do confronto de idéias são alcançados. 2.3 - A relação entre poder e cultura nas organizações o poder representa as relações que ocorrem em organização, as quais vão desde uma conversa informal sobre o dia-a-dia entre funcionários do chão-de-fábrica durante o horário de descanso até uma reunião formal sobre o planejamento estratégico da empresa entre os membros do alto escalão de uma empresa. Nessas relações, as influências de cada indivíduo que compõe a organização estarão presentes, todas envoltas num ambiente onde a percepção dos valores, dos termos utilizados, da linguagem e dos gestos possuem uma representação singular e comum a todos os membros da organização, podendo, paulatinamente fortalecer, moldar, ou até mesmo, modificar a cultura da organização. Existe uma correlação muito forte entre poder e cultura nas organizações. Evidentemente, não se pode formar ou teorizar uma correlação uniforme, como se fosse 20 linear, pois dependendo das circunstâncias, em um determinado momento o poder estaria a serviço de fortalecer a cultura da organização e, em outro momento, poderia estar moldando ou mudando a mesma cultura. E como isso ocorre ? Pode-se partir de três aspectos: o poder como modelado r, o poder como fortalecedor e, por fim, mas sem se ater a uma questão de ordem, o poder como transformador da cultura organizacional. Um dos aspectos modeladores ou formadores do poder em relação à cultura ocorre durante a fundação e estruturação inicial de uma organização. Conforme Bertero (1989: 39), " as atitudes do fundador, comportamento, sua visão do mundo, da natureza humana e do próprio negócio, acabam por ir moldando a organização e vão lenta e gradativamente se impondo, como valores e crenças ". Esse entendimento proposto por Bertero (1989), em parte faz sentido, pois normalmente no início de uma empresa todo o processo de recrutamento e seleção de novos integrantes é conduzido pelo fundador, o qual seleciona aqueles candidatos que compartilham de seus ideais, ou ao menos, possuam uma visão de negócios e padrões de comportamentos que lhe sejam aceitáveis. o fundador também participa da formação de padrões de punição e recompensa que serão intemalizados e agregados à cultura da organização. O modo como o fundador rege suas ações e decisões repercutirá sobre o comportamento de seus subordinados, ou seja, se o fundador é partidário de um sistema de gestão autocrático, seus subordinados diretos serão influenciados a agirem da mesma forma, o que pode acarretar em uma hierarquização acentuada dos postos de comando e, possivelmente, uma maior concentração de poder na organização. Por outro lado, se o fundador é democrático e incentiva uma maior participação dos integrantes no processo de decisão da empresa, todo o corpo social será influenciado, tendendo a ocorrer, desta forma, um exercício 21 natural das relações de poder. Trata-se de dois extremos cuja interface naturalmente possui variações em função da forma como o poder é exercido pelo fundador, o que influenciará na formação da cultura e conseqüente modelo de gestão praticado na organização. Porém, não se pode atribuir ao fundador de uma empresa toda a responsabilidade sobre as características culturais presentes em uma organização. Conforme Migueles (mimeo: 4), " as pessoas não entram na empresa como páginas em branco sobre as quais uma certa estratégia de gestão pode escrever livremente ", pois trazem consigo todo um conjunto de entendimentos sobre valores comuns à sua realidade e, pois mais que se busque uma concordância sobre esses entendimentos com aqueles pretendidos pelos fundador, dificilmente na prática ou no cotidiano da organização, isso ocorrerá, haja vista que, a critério de exemplo, conforme Barbosa (1999), enquanto um trabalhador americano tende a agir individualmente e de forma proativa para atingir seus objetivos, um japonês recorreria ao grupo e, um brasileiro procuraria a liderança ou outra autoridade que fosse de seu acesso na organização. Não resta dúvida de que o poder exercido pelo fundador influencia no comportamento de seus subordinados, haja vista que possui os vários recursos regulamentadores para isso, mas todavia, o peso dos valores culturais e imaginários correspondentes ao meio social do trabalhador vão se sobrepor e seu comportamento não será muito diferente daquele que é praticado e aceito em sua sociedade. o aspecto fortalecedor ou sancionador do poder em relação à cultura ocorre, sobretudo, na fase próspera de uma organização. Pode-se entender como uma fase de maturidade e estabilidade, onde os valores partilhados, os rítuais e as crenças já estejam amplamente intemalizados pela cultura da organização. Nessa fase, o poder tende a 22 homologar e institucionalizar a cultura organizacional e, esta por sua vez, tende a legitimar as relações de poder. Conforme Bertero (1989: 41), " é o momento em que a cultura é divulgada pela rede de comunicações. Manuais e pequenas publicações internas divulgam, registram e repetem os valores da organização, e programas de acolhimento de novos colaboradores incluem tópicos destinados a explicar e converter os catecúmenos à cultura da empresa ". Um exemplo desse aspecto fortalecedor do poder pode ser o Grupo Empresarial Tupy, situado em Santa Catarina e que atua no ramo de autopeças para automóveis. O sucesso da empresa deve-se, conforme Bertero (1989: 42), " a elementos eminentemente culturais, como a devoção a uma moral do trabalho, à dedicação, à meticulosidade na execução das tarefas, tudo isto permeado por uma honestidade que levou à uma correção no tratamento dos clientes e a uma harmonia e confiança internas, que eram os fundamentos de um sólido, eficaz e funcional relacionamento interpessoal ". Trata-se de uma empresa fundada por imigrantes italianos que preservaram a cultura nacional de origem e que escolheram o nome indígena como uma clara indicação da ambivalência da cultura imigrante. A empresa deu certo e progrediu, dando saltos de escala com a implantação da indústria automobilística no Brasil. Nesse caso, o poder exercido pelos fundadores no início da empresa, tornou-se cada vez mais aceito e legítimo no dia-a-dia da organização e, como a empresa progrediu, o poder tornou-se continuamente fortalecedor da cultura organizacional. Numa outra análise, como os valores, crenças e costumes foram internalizados e seus significados foram institucionalizados e praticados pelos membros da organização, a cultura passou a permear e induzir as relações entre os corpos sociais, formando uma tipologia de poder específica para a Tupy. 23 o aspecto transformador do poder em relação à cultura ocorre quando se faz necessário uma revitalização de uma organização frente às novas tendências ou mudanças no ambiente externo. Conforme Yuke citado por Wright et al.(2000: 324), à medida que o tempo passa, " segmentos da cultura que no início eram funcionais podem se tornar disfuncionais, impedindo que a organização adapte-se com sucesso a um ambiente em constante mudança ". Nesse aspecto, o poder assume posição ímpar no processo de incorporação de novos valores ou crenças numa organização. Mudar uma organização, ou mais precisamente mudar sua cultura, não se faz de forma rápida ou unicamente por determinação dos membros da organização. Tendo em vista que mudança cultural envolve pessoas, o processo necessariamente envolverá o diálogo, a discussão, o convencimento e, em suma, o poder. Esse exercício transformador do poder em relação à cultura faz sentido quando o corpo social de uma organização participa de um modelo democrático de gestão, tendo condições, dessa forma, de atuar de forma proativa através de seu conhecimento e experiência, entendendo a sua importância no processo produtivo, tendo condições de aprender, crescer e enxergar até que ponto sua influência pode contribuir para o desenvolvimento da organização. Como isso ocorre predominantemente ao inverso no Brasil, a capacidade transformadora das organizações é muito baixa e tendo em vista que, conforme Geus (1998: 185), " a gerência cede à irresistível tentação de concentrar esse poder no topo, um número demasiado pequeno de cérebros participa do aprendizado institucional " e, por conseqüência, se comportam de forma indiferente, alheios ao futuro da empresa e, em quase nada contribuem para o desenvolvimento da 3 YUKL, G. A. Leadership in organizations. 2 ed. Englewood Cliffs, N. J.: Prentice Hall, 1989. 24 organização. Neste caso, mesmo que a cultura deixe de ser funcional, a grande maioria dos funcionários não tem os meios para mudá-la e ficam sujeitos ao comando da alta administração, mesmo que esta leve a empresa à falência. Atualmente, é plenamente comum que uma empresa necessite de mudanças culturais, as quais devem prover condições de adaptação a um mundo globalizado, onde a ineficácia quanto aos métodos, processos de produção e inobservância quanto às exigências de mercado podem levá-la à estagnação e, conseqüente, fim. Ao passo que a necessidade de mudança cultural torna-se uma realidade e se assim for compreendida pelos membros da organização, os traços culturais até então dominantes tendem a não mais representar os interesses da maioria do corpo social da organização e, o poder, se vinculado às formas como era exercido durante a fundação da organização, perde sua legitimidade. Seria como se a discussão entre os membros de uma organização convergissem para direções opostas àquelas concernentes com uma nova realidade ou nova exigência do ambiente externo. Conforme Bertero (1989: 42), ti os trabalhos em que a mudança cultural é apresentada como caminho para o sucesso e para a revitalização organizacional, sempre têm como pressuposto a anatematização do modelo burocrático ti. Tal modelo refere-se a uma excessiva formalidade e padronização de atividades tendo como alicerce uma hierarquia rígida e segmentada na organização. Isso acarreta dificuldades de comunicação entre os membros da empresa, menor participação no processo de 25 internalização de novos valores e baixa contribuição no desenvolvimento da empresa, sobretudo, no tocante aos funcionários de chão-de-fábrica. Assim, um dos problemas enfrentados por dirigentes de empresas na difusão de novos conceitos e novas filosofias administrativas é a ocorrência de barreiras de comunicação decorrentes da diferença entre o repertório dos gerentes e dos demais trabalhadores. No caso das organizações brasileiras, esta diferença se acentua devido à grande distância de poder entre os níveis hierárquicos, distância esta que é um reflexo da própria cultura nacional (Aidar & Alves, 1997: 208). Em seus estudos, Kanter (1983) destaca que empresas que se despontam e mantêm-se competitivas no mercado são aquelas que inovam e desvinculam-se de heranças da administração científica como a segmentação de atividades, que faz com que problemas sejam tratados de forma isolada, formando interesses que não refletem ou condizem com os da organização como um todo. Este fato, em muitas organizações, faz com que ocorra divergências entre segmentos e uma espécie de competição interna destrutiva. Os problemas devem ser tratados de forma global, observando-se sua influência sobre toda a organização. Quanto maior a interação entre os membros de uma organização, maior será sua capacidade de inovar, de criar e de gerar iniciativas que levem a empresa ao sucesso. O segmentalismo acentuado, ao contrário, promove um distanciamento entre membros na empresa, ao passo que cada um tenderá a buscar soluções para suas próprias necessidades, as quais muitas vezes divergentes daquelas da organização. 26 Pode-se concluir que o exercício do poder assume diversas formas na organização, estando, em função das circunstâncias, das contingências ou pressões sociais internas e/ou externas, formando, fortalecendo ou mudando a cultura, ao mesmo tempo que mantém a harmonia e equilíbrio no interior das organizações empresariais pois, conforme Maia (1995), " qualquer agrupamento humano vai estar sempre permeado por relações de poder, posto que a existência deste tipo de relação é coexistente à vida social ". 2.4 - A qualidade A qualidade refere-se, em primeira análise, aos atributos ou características de um bem ou serviço. Até o século XIX, esses atributos eram responsabilidades, quase que inteiramente, da pessoa ou organização que fabricava os produtos ou prestava os serviços. O artesanato, como economia de pequena escala, onde o artesão ou artífice imprimia sua perícia, técnica e experiência, e participava diretamente de todas as etapas de fabricação de um produto, consistia num modelo produtivo dominante à época. A concepção da qualidade de um produto por parte do consumidor era bastante influenciada pela reputação e prestígio de quem as fabricavam. No início do século XX, sob os efeitos do processo de industrialização, a qualidade, embora ainda bastante dependente de padrões pré-estabelecidos pelos artífices ou projetistas nas industrias, já embutia a idéia de conformidade. A economia de pequena escala, perdia pouco a pouco espaço para grandes indústrias. A partir dessa 27 época, marcada sobretudo pelos trabalhos desenvolvidos por Taylor e Ford, tiveram início grandes revoluções no processo de obtenção da qualidade em produtos e serviços. A partir da revolução industrial, com o desenvolvimento das ferramentas de trabalho e dos sistemas de unidades de medidas, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, a Qualidade evoluiu até nossos dias essencialmente através de quatro Eras, dentro das quais a arte de obter Qualidade assumiu formas distintas: Era da Inspeção, Era do Controle Estatístico da Qualidade, Era da Garantía da Qualidade e Era da Gestão da Qualidade Total (Barçante, 1998: 2). Durante a Era da Inspeção, a qualidade era obtida por verificação dos produtos fabricados, a fim de confirmar se estavam de acordo com os padrões de produção. A qualidade era responsabilidade do inspetor, cuja função foi legitimada pelos trabalhos desenvolvidos por Frederick W. Taylor com os fundamentos da Administração Científica. A qualidade consistia na uniformidade dos produtos fabricados. Na década de 1930, técnicas estatísticas foram introduzidas no processo de inspeção dos produtos, mantendo-se a ênfase na conformidade dos produtos sob o auxílio de ferramentas e técnicas estatísticas que permitiam menos inspeção. O enfoque, que antes se baseava somente na inspeção, passou a ser o controle do processo fabril. Conforme Barçante (1998, 5), " entre 1950 e 1960 , vários trabalhos foram publicados ampliando o campo de abrangência da qualidade. Prevenção passou a ser enfatizada e as técnicas empregadas foram além das ferramentas estatísticas, incluindo conceitos, habilidades e técnicas gerenciais ". Nesse período, o objetivo central era a 28 Garantia da Qualidade4 e fundamentava-se por meio de técnicas e práticas gerenciais ou movimentos5, como a quantificação dos custos da Qualidade, o controle total da Qualidade (TQC), as técnicas da conftabilidade e o programa Zero defeitos. Na Garantia da Qualidade, conforme Juran & Gryna (1991,4), "o fabricante não deve apenas produzir o produto, mas também preparar e colocar à disposição do cliente a prova de que o produto é adequado ao uso". Essa prova consiste de: a) um plano formal, que detalhasse, para todas as fases da vida do produto, "do nascimento à morte", como seria obtida a adequação ao uso; b) um sistema de análises para verificar que o plano, caso fosse seguido, resultasse na adequação ao uso; c) um sistema de auditorias para verificar se os planos estavam realmente sendo seguidos; d) um sistema para fornecer dados sobre a qualidade obtida. E como evolução do movimento pela Garantia da Qualidade, teve início a Gestão da Qualidade Total (TQM). " Esta era InICIOU-se no Ocidente a partir dos esforços de recuperação de mercado envidados por grandes empresas americanas, em meio à invasão de produtos japoneses de alta qualidade no final da década de 1970 " (Barçante, 1998: 12). O TQM compreende um modelo de gestão que envolve todas as etapas do processo de fabricação, desde o setor de vendas e marketing da empresa até a mensuração da satisfação do cliente com o produto final. 4 Ver JURAN & GRYNA (1991: 3): A Garantia da Qualidade fornece proteção contra os problemas da qualidade por meio de alertas dos problemas que podem surgir, tanto interna quanto externamente. 5 Ver BARÇANTE (1998: 5) 29 Conforme Wood Jr & Urdan (2000, 154), " o surgimento do TQM pode ser relacionado ao desenvolvimento dos modelos gerenciais e do próprio movimento da qualidade" e pode ser explicado por uma seqüência didática dos seguintes momentos: ./ O da inspeção, o foco no controle do produto final, associado ao desenvolvimento do sistema de produção e consumo em massa; ./ O surgimento do foco no processo, com uma coleção de técnicas estatísticas; ./ A integração dessas técnicas num modelo gerencial restrito - o Controle da Qualidade Total (TQC); ./ A incorporação de elementos comportamentais e novas práticas gerenciais associadas ao acirramento da competição entre empresas, ao início da flexibilização da produção e ao aumento da fragmentação dos mercados. Consagração do termo TQM. Em meio aos movimentos pela qualidade e como componentes dos modelos gerenciais TQC e TQM, várias técnicas6 foram desenvolvidas, como por exemplo, o ABC - Activity Based Costing, o CCQ - Círculos de Controle de Qualidade, o CEP Controle Estatístico do Processo, o Gerenciamento da Rotina, o TPM - Total Productive Maintenance, o 5S, entre outras. Em todas as fases ou movimentos em prol da qualidade, um fato pode ser destacado e entendido pelos gurus da qualidade como fundamental para que se consiga 6 Para obter defInições e aplicações sobre as técnicas ver: BARÇANTE (1998), BERK (1997), CAMPOS (1992), JURAN & GRYNA (1991), TERRA (1996). 30 atingir os objetivos a que se propõe os movimentos ou técnicas da qualidade: o comprometimento e participação de todos os integrantes da organização, sobretudo da alta administração. Conforme Campos (1992: 15) li Numa era de economIa global não é maIS possível garantir a sobrevivência da empresa apenas exigindo que as pessoas façam o melhor que puderem ou cobrando apenas resultados. Hoje são necessários métodos que possam ser utilizados por todos em direção aos objetivos de sobrevivência da empresa. Estes métodos devem ser aprendidos e praticados por todos. Este é o princípio da abordagem gerencial do TQC afirmação quando enfatiza que li. li Deming (1997: 14) completa, sobre outra ótica, tal a qualidade do resultado de uma empresa não pode ser melhor do que aquela determinada pela alta administração ". Portanto, sob a premissa desses gurus, a qualidade toma-se alcançável à medida que a alta administração de uma organização se envolva, lidere e incorpore esta nova forma de comportamento na cultura da organização. Os altos gerentes têm um papel vital a desempenhar no processo de planejamento da qualidade. Esse papel exige ampla participação pessoal. Ele não pode ser delegado, uma vez que é necessária uma grande mudança na cultura da empresa. Durante os anos 80, muitos gerentes adotaram estratégias que envolviam a fixação de metas vagas e a delegação, ao restante da organização, da responsabilidade pela realização daquelas metas vagas. Os resultados mais comuns foram a perda de vários anos, um resíduo de dissensão e a perda de credibilidade (Juran, 1992: 24). Logo, se a qualidade envolve essas relações como pressupostos para sua efetividade, as questões relativas ao poder e cultura indubitavelmente assumem papel 31 relevante e estratégico no processo. O poder ou mais precisamente a forma como é regido pela alta administração funcionará como principal agente no processo de inserção de novos valores à cultura da organização. Se a qualidade prevê comprometimento e participação de todos os indivíduos que integram a organização, os líderes, em todo o âmbito da organização, devem ser os primeiros a se desvencilharem de ideologias autocráticas ou concentradoras de poder. Trata-se de uma questão de coerência e legitimidade do exercício do poder por parte da alta administração. Portanto, quanto mais o poder exercido pela direção for condizente com os pressupostos, até então analisados, da qualidade, mais respaldo terá pelos integrantes da organização. As pessoas dão sua aprovação quando percebem que seus líderes são dignos de confiança e que os sacrificios que são solicitadas a fazer são genuinamente para o futuro coletivo e não para forrar os bolsos de alguém hoje. Os artesãos organizacionais incorporam esses valores. As pessoas confiam neles. Vêem a organização como uma instituição duradoura, que tem vida própria, um passado e um futuro, uma vida da qual fazem parte apenas como defensoras. Essas pessoas tendem a permanecer em uma só organização e estão, portanto, intimamente familiarizadas com seu passado e cuidadosas em preservar sua identidade em meio às mudanças. O artesão proporciona continuidade e "cola" organizacional, além de estimular lealdade e comprometimento (Pitcher, 2001: 209, grifos da autora). 32 3 - A influência da concentração de poder na melhoria da qualidade: o caso Royal Neste capítulo pretende-se desenvolver o estudo de caso referente à implantação de programas da qualidade em uma empresa de médio porte, buscando descrever a forma como foi conduzida, os resultados obtidos, e até que ponto esse tipo de iniciativa encontra respaldo, sob o ponto de vista cultural e relativos às questões do poder, que lhe permita atingir os resultados pretendidos. A escolha do caso surgiu à medida que o autor deste trabalho busca explicações para as tentativas mal sucedidas de se implantar programas de qualidade na empresa em que exerceu cargos administrativos durante um período próximo de seis anos (1994 a 1999). Inicialmente, será elaborado um panorama que contribuiu para a necessidade da melhoria da qualidade nas organizações empresariais pelo mundo, de modo a justificar as iniciativas em prol da qualidade tomadas pela empresa que será estudada neste trabalho. 3.1 - O panorama propício à qualidade As relações entre fornecedor e cliente passaram por muitas mudanças durante o século XX. O fornecedor ou produtor de bens de consumo e serviços, no início do século e em pleno processo de industrialização, dedicava-se à conformidade no processo fabril e à produção em massa. Ao cliente, tido então como mero consumidor, cabia, na maioria das vezes, aceitar os produtos e abster-se involuntariamente de criticas e/ou reclamações, face à falta de opções e de desinformação. O sistema econômico vigente à 33 época propiciava condições para que isso ocorresse. Conforme Robbins (2000), durante a velha economia, a competição entre as empresas limitava-se às fronteiras nacionais, a tecnologia reforçava hierarquias rígidas limitando o acesso às informações, e os consumidores adquiriam o produto que as empresas determinassem fornecer-lhes. A formação do lucro das empresas baseava-se na diferença entre o preço estabelecido pelo empresário e o custo de produção. Cabia ao consumidor, por ter acesso quase que restrito aos produtos de origem nacional, se não local, aceitá-los tal como eram impostos pelas empresas. Dessa forma, Henry Ford, ao preconizar a produção em massa e por conseguinte obter saltos em produtividade, podia impor a seus clientes qualquer cor de carro que desejassem desde que fosse preto. Porém, na segunda metade do século XX, esse cenário não foi mantido. As formas de produção foram otimizadas com o desenvolvimento da automação e da informatização, reduzindo perdas e permitindo maior controle sobre as etapas da produção. Os consumidores, por terem acesso a uma enorme variedade de produtos e de todos os tipos, tomaram-se mais inconstantes e exigentes. Na nova economia, as fronteiras nacionais são quase insignificantes na definição dos limites de operação de uma organização, as mudanças tecnológicas, no modo como as informações são geradas, armazenadas, utilizadas e compartilhadas, as tomaram mais acessíveis e, as necessidades dos clientes passaram a conduzir os negócios. A formação do lucro das empresas tomou-se o resultado da diferença entre o preço estabelecido no mercado e o custo de produção. As grandes empresas passaram a operar internacionalmente de forma a reduzirem seus custos em função do aumento da escala de produção. A busca por novos mercados fez com que a concorrência aumentasse, obrigando as empresas a 34 buscarem continuamente melhorias em seus produtos e redução de custos de produção. A globalização fez surgir uma nova realidade, em que a qualidade dos produtos e o preço passaram a definir quais empresas irão continuar a competir no mercado. Assim, conforme Motta (1999: 29), " O consumidor deixará de ter uma relação passiva de aceitação do produto e desinformação sobre a empresa ". E nesse cenário de grandes mudanças comportamentais e econômicas, diversas empresas continuamente buscam formas de adaptarem seus processos produtivos e modelos de gestão às necessidades de mercado. Em se tratando mais especificamente de gestão, durante as últimas décadas do século xx, os modelos da qualidade indubitavelmente prometiam as condições necessárias para que as organizações obtivessem ganhos de produtividade e, consequentemente, competitividade no mercado. Conforme Wood Jr & Urdan (2000), a aparente simplicidade e os grandes benefícios alardeados pelos programas da qualidade, factíveis ou não, aumentaram sua atratividade junto aos gerentes em busca de soluções descomplicadas para seus problemas. Amparados por excelentes resultados no Japão e, após, por diversas implementações em corporações americanas, os programas ou modelos da qualidade obtiveram uma aceitação quase que imediata no Brasil. Conforme Caldas & Wood Jr (2000), na década de 90 a questão da qualidade tomou-se um tema central nas organizações empresariais. Um estudo realizado pela Price Waterhouse demonstrou que no início de 1993, 61 % das grandes empresas brasileiras já haviam implementado programas da qualidade total. Porém, muitas dessas iniciativas em prol da qualidade não surtiram os resultados esperados. Muitas 35 organizações, por melO de seus principais dirigentes, buscaram encampar essa nova metodologia de gestão, mas sem contudo, reverem as práticas gerenciais e relações de poder que até então eram dominantes na empresa. Na verdade, nesses casos, houve mais uma tentativa de implementar o modelo, como se este por si só, desse contas de reverter todo um quadro de dificuldades da empresa frente à necessidade de aumento de competitividade e atendimento às exigências de mercado. Conforme Caldas & Wood Jr (2000: 89), li o guarda-chuva da qualidade serviu para encobrir muitas ações gerenciais pouco sintonizadas com os conceitos do TQM. Por tudo isto, crescente número de implantações inevitavelmente falhou ou está falhando (Zahar, 1993; Reis, 1992) li. 3.2 - O caso Royal Dentre as diversas empresas que buscaram a qualidade como um recurso para reverterem as dificuldades de cumprimento das exigências de seus clientes e do mercado, está a Roya(. 3.2.1 - As origens da Royal A Royal foi inaugurada em 1971 e suas instalações estão localizadas na região sudeste do Brasil. É uma das principais indústrias produtoras de derivados de café do Brasil, com cerca de 90% de sua produção voltada para o mercado externo, gerando 7 O nome verdadeiro da empresa e dos envolvidos será mantido em sigilo para preservar-lhes a privacidade, porém, para fins de desenvolvimento deste trabalho, será chamada pelo pseudônimo de "Royal". 36 desde o início de suas operações 800 milhões de dólares em divisas para o Brasil com exportações realizadas para 40 países. A Royal tem como raízes de sua existência as atividades desenvolvidas por seus fundadores durante a década de 1930 em uma cidade do interior do Espírito Santo. Tratava-se de uma família, onde o patriarca sobrevivia e dava sustento a sua família através de atividades relacionadas à agricultura e comércio informal de alimentos que, na época, eram chamados de bazares. Nessa época, o café funcionava como uma espécie de moeda, sendo aceito como pagamento pelas mercadorias vendidas no bazar. Com o passar dos anos, todos o negócios da família foram direcionados para o cultivo e comercialização do café, investimentos em cafeicultura em grandes propriedades, produzindo e exportando em forma de matéria prima para a indústria. Na década de 70, é fundada a Royal, com o objetivo de industrializar o café, diversificando assim os negócios da família. O café passa, então, a ser produzído e comercializado de várias formas, tanto para o mercado interno como para exportações. Uma característica marcante e notória no dia-a-dia da empresa é a sua história, o modo como foi formada e os esforços despendidos pela família. A noção do idealizador, do mentor, do líder e do patriarca se fundem e permeiam a maioria das relações na empresa. Desse modo, é muito forte na empresa a idéia de que o poder deve ser centralizado nas mãos de algumas pessoas que assumem cargos de gerência, de diretoria e, sobretudo, de presidência. Desse modo, a relação patriarcal, onde o pai era responsável pelo futuro e sustento da família, que deu origem à empresa continuamente 37 se perpetua. A questão da concentração de poder deve-se, em grande parte, à formação da cultura do país, derivada em grande parte das relações coloniais. É esta a base cultural do florescimento de nossas organizações produtivas. É esta também nossa ambigüidade básica. Modernidade materiaL tecnológica e trabalhadores presos a um imaginário em que os núcleos centrais de autoridade ainda são aqueles gerados em estruturas familiares centradas na figura paterna, plena de autoridade e poder. Analisando o mundo do trabalho no Brasil desta perspectiva, vemos que as formas de dominação surgidas alimentam-se sobretudo desse imaginário. É nele que vamos encontrar explicações para vários fenômenos contemporâneos. É nele que veremos de onde surgem os vínculos que permitem um exercício de autoridade que não poderíamos encontrar em nenhuma outra sociedade (Davel & Vasconcelos, 1997: 1(0). Esta característica marcante da cultura nacional presente no dia-a-dia da Royal, pôde ser demonstrada através de Hofstede (1983), onde o autor pesquisou durante 17 anos os traços culturais entre 60 subsidiárias distribuídas pelo mundo de uma mesma corporação. Nessa pesquisa, foi feita uma classificação referente à distância do poder, a qual compreende o grau em que as pessoas num país aceitam que o poder esteja distribuído de forma desigual, e que varia entre relativamente igual (baixa distância de poder) e extremamente desigual (alta distância de poder). Em países com baixa distância de poder, existe maior cooperação entre os níveis hierárquicos e maior participação de funcionários no processo decisório. Por outro lado, em países com alta distância de poder, existe maior imposição de decisões em detrimento à participação dos funcionários, caracterizando sistemas autocráticos, personalistas e paternalistas. O Brasil figurou, na pesquisa, como um país de alta distância de poder, o que compreende grande concentração de poder e, por outro lado, coletivista, avesso ao risco e 38 equilibrado em relação aos valores masculinos (racional, agressIvo, financeiro) e femininos (intuitivo, afetuoso, ligado à família). As organizações brasileiras geralmente apresentam uma distância de poder tão grande que parecem lembrar a distribuição de renda nacional e o passado escravocrata. A forma como trabalhadores e executivos são tratados parece, de um lado, basear-se em controle do tipo masculino, o uso da autoridade, e, de outro, em controles de tipo feminino, o uso da sedução (Motta, 1997: 31). 3.2.2 - A estrutura organizacional e o processo produtivo da Royal A Royal faz parte de um grupo de empresas controladas diretamente por um Conselho Superior de Administração, o qual define as macro-políticas, resguardadas a individualidade e a vocação das companhias comandadas pelos seus acionistas e executivos principais. Em se tratando propriamente da Royal, a direção executiva é assumida por um presidente, que é subordinado diretamente ao conselho superior de administração. O vice-presidente responde pela infra-estrutura da empresa e substitui o presidente quando da ausência do mesmo. O organograma da empresa é constituído de diretorias, responsáveis por tarefas mais voltadas ao planejamento e controle, e por gerências e departamentos, as quais são mais voltadas à execução. As diretorias, gerências e departamentos possuem funções específicas e respondem diretamente à presidência. 39 Conselho Superior de Administração Macro-políticas Jurídica Comercial Externa Comercial Interna Operações e Logística Financeira Informática Fabricação Manutenção P&D Recursos Humanos Segurança no Trabalho A Royal opera em regime contínuo sendo constituído de turnos de produção. O modo de produção e o sistema de controle continua basicamente o mesmo desde o início da indústria, diferenciando-se do atual em função da automação dos equipamentos. A direção da empresa adota regras rígidas de controle de pessoal, impondo-lhe o ritmo da produção e buscando formas que otimizassem a jornada de trabalho do operário em função da redução dos custos operacionais. Era plenamente comum que um operário trabalhasse 24 horas seguidas, triplicando sua jornada comum de 8 horas, haja vista a necessidade da empresa de contar com esse operário, pois a contratação de um outro funcionário acarretaria em um maior custo operacional. Por mais que o funcionário reclamasse de tal imposição e alegasse cansaço ou indisposição, os dirigentes entenderiam tal conduta como uma falta de empenho e dedicação à empresa. Discordâncias quanto às regras de conduta da empresa resultavam em suspensões ou, como era comumente disseminado pelos funcionários, " balão ". Em algumas vezes, tais 40 situações em que o processo exigia mais do que fosse permissível ao operário, o que lhe imprimia um esforço maior do que sua capacidade ou que fosse em oposição ao que a lei trabalhista permite, os dirigentes da empresa estudavam formas de substituir o trabalho humano por engenhosidades tecnológicas, desde que a médio prazo fosse viável o retorno do investimento. Nesses casos, simplesmente o trabalhador, mesmo que tivesse se empenhado ao máximo durante o tempo em que foi útil à empresa, era descartado. Isso gerava no funcionário um comportamento passivo e ao mesmo tempo indiferente quanto à sua função, ou seja, aceitava as condições e exercia sua função como que isolada na empresa, não colocando todo seu conhecimento em prática, não reagindo caso observasse que algum problema estivesse para ocorrer em seu setor ou em outro setor e que, cuja não ocorrência, dependesse de sua iniciativa própria. O operário não se achava como minimamente importante na empresa e, portanto, não via motivos que o impulsionassem a tomar ações que fossem além do seu trabalho. Era muito natural, entre as conversas ou troca de turnos, um operário chegar para o outro e dizer: tal máquina precisa de um ajuste, mas deixa quebrar, eu não ganho nada a mais por isso e, além do mais, depois o pessoal da manutenção conserta e a gente aproveita para descansar. Nesse tipo de situação, o operário sabia, na maioria das vezes, como investir e resolver o problema, mas não via motivos para tal ação. Mantinha-se na empresa e constantemente era reforçada, quer seja pela submissão do trabalhador às condições impostas pela classe patronal, quer seja pela coisificação do ser humano quando se estudava melhorias ou mecanizações no processo produtivo, todo um conceito de homo economicus, idealizado por Taylor, o qual define que" o homem é exclusivamente motivado a trabalhar pelo medo da fome e pela necessidade de dinheiro para viver" (Chiavenato, 1993: 72). 41 Do início do século XX (com o taylorismo), passando pelo comportamentalismo, chegando ao seu final com a teoria de sistemas aplicada às organizações, o fenômeno do homem como objeto e não como sujeito persiste. O homem "entra" como um "insumo" que serve de "recurso" para ser processado a fim de alcançar uma "saída" sob a forma de um "produto" que vai ser mensurado (controlado) pelos critérios/padrões pré-estabelecidos, com o objetivo de verificar se houve ou não "retroalimentação". Ou seja, predomina toda uma linguagem de coisificação do homem que é homogeneizado com os demais recursos: humanos, financeiros, materiais, tecnológicos e quejandos (Tenório, 1993: 54, grifos do autor). o processo industrial da Royal é caracterizado como a seguir: • Produção em massa de um só produto basicamente; • Normalização e padronização de atividades; • Linha rígida de produção; • Monitoramento do processo. A indústria opera segundo um ritmo constante e controlado, cabendo a cada operário uma função definida, com hora certa para iniciar e para encerrar suas atividades, porém, muitas vezes alterada em função das eventualidades que podem ocorrer no processo produtivo e/ou fatores econômicos que induzam a um aumento da jornada de trabalho do operário. Todas as operações produtivas são previamente estudadas e definidas, e qualquer anomalia no planejado, repercute negativamente em todo o ciclo produtivo, chegando muitas vezes a paralisá-lo, até que todo o processo se normalize. 42 Cada gerência tem suas atribuições, porém a autonomia de cada gerente varia em função de sua influência junto à presidência da empresa. A lealdade pessoal e os traços de parentesco de alguns gerentes com a Presidência ou com o Conselho de Administração lhes propiciam maior autonomia em suas gerências e capacidade de influenciar sobre as ações tomadas por outras gerências. 3.2.3 - As iniciativas em prol da qualidade na Royal Em especial, a gerência de manutenção exercia grande influência sobre todas as demais gerências, em função do gerente ser leal a todas as determinações e diretrizes da presidência, o que lhe rendia maior prestígio e maior acesso ao poder. Esse gerente, em meados do ano de 1997, resolveu implantar programas da qualidade, movido pela necessidade da empresa de reduzir os custos de produção e melhorar a qualidade do processo, tendo em vista as exigências dos clientes quanto à garantia da qualidade e em face de contínuas perdas de vendas conseqüentes da entrada de novos concorrentes no mercado nacional e internacional. A Royal apresentava contínuas perdas no volume de exportações, chegando a uma redução de 36% em relação aos últimos cinco anos, além de ser ultrapassada por duas outras empresas que atuavam no mesmo ramo no Brasil. Sua posição, em relação ao ranking nacional, que no ano de 1992 estava no 3° lugar com participação de 11 % no volume total de exportação de café solúvel do Brasil caiu para o 5° lugar em 1997 com participação reduzida para 7%. A gerência de manutenção contratou um consultor para ministrar palestras e orientar os funcionários a respeito da qualidade e instituiu a implementação de 43 programas da qualidade, como o 5S e a TPM, com o objetivo direto de melhorar as condições de trabalho para os funcionários, promover maior participação e, indiretamente, melhorar a qualidade e aumentar a produtividade na empresa. o 5S constitui-se numa técnica de ongem Japonesa que vIsa melhorar o relacionamento das pessoas com o seu ambiente de trabalho e baseia-se em 5 sensos do ser humano, a saber, o seiri, seiton, seisou, seiketsu e shitsuke, que representam os sensos de ordenação, limpeza, arrumação, asseio e auto-disciplina no local de trabalho. Esse movimento, basicamente, " é a determinação de organizar o local de trabalho, mantendo-o arrumado e limpo: manter as condições padronizadas, assim como a disciplina necessária para a realização de um bom trabalho" (Terra, 1996: 84). A Manutenção Produtiva Total ou, do inglês, TPM (Total Productive Maintenance) representa uma forma de transferir atividades simples de manutenção e zelo com o equipamento para o próprio pessoal de operação. o gerente planejava a maioria das atividades, tais como a limpeza, pintura e organização de áreas de manutenção, definição de novos uniformes diferenciados em função das atividades de cada funcionário, reuniões para discussões e mostras de vídeos para os funcionários a respeito das novas técnicas empregadas. A campanha baseava-se na conscientização dos operários quanto à importância da qualidade e da influência e importância de cada um no processo produtivo. No início, vários gerentes foram convidados para participarem das palestras, da passagem dos vídeos e de exposições de visitantes de outras empresas que estavam implementando programas da qualidade. 44 Após cada reunião, onde eram debatidos os princípios da qualidade e eram passados os vídeos, os funcionários, durante o retomo para suas atividades na empresa ou a caminho de sua casa, conversavam a respeito do que tinham ouvido e visto. Pairava no ar uma dúvida sobre o que tudo aquilo representava para eles. O que tais iniciativas, que sempre indicavam um aumento de produtividade e maior capacidade de competição no mercado interno e externo traria de beneficios para a classe operária. A questão relativa à limpeza, ao asseio, à organização do ambiente de trabalho era plenamente aceitável, mas não estava claro o que isso tudo representaria e o que tais esforços trariam de retomo para quem deveria tomá-los realmente efetivos, ou seja, os trabalhadores. Após alguns meses, toda a campanha reduziu-se à rotina semanal de se limpar as oficinas. Os índices da empresa quanto ao rendimento da produção mantiveram-se os mesmos, o que significa que os fatores de produtividade, como disponibilidade de equipamentos e perda de matéria-prima, não se alteraram. Um engenheiro que trabalhou na Royal e coordenava a manutenção dos equipamentos de suporte da área fabril, ao ser perguntado, sobre quais motivos que levaram as iniciativas da Royal pela qualidade aos resultados insatisfatórios, respondeu: " O que faltou para que os programas fossem à frente foi um maior comprometimento por parte da administração e, de fato, uma consistência ou mensuração quanto ao que era necessário que mudasse nas atividades do dia-a-dia. Sabíamos o porquê fazer e como fazer, mas não existia um planejamento claro sobre a atuação de cada um no desenvolvimento do programa, logo cada se auto dirigia e ninguém chegava em lugar nenhum, pois, ao passo que o gerente centrava todas as decisões, ele não tinha tempo para se dedicar e acompanhar a evolução e necessidades do programa". 45 Um outro engenheiro de manutenção que respondia por outra área da empresa, ao responder à mesma pergunta, afirmou: " Como os programas poderiam ir adiante se não existiam reuniões entre funcionários de cada área ou setoriais para que fossem levantados os problemas e buscadas as devidas soluções. A idéia da necessidade de melhoria da qualidade estava clara, porém faltou uma maior organização e empenho para colocá-las em prática ". Pode-se pensar, num primeiro momento, que a questão principal envolva falta de capacitação ou treinamento das pessoas envolvidas em levar adiante os programas da qualidade, mas seria um equívoco tal conclusão, haja vista diversas reuniões e palestras que ocorreram e, sobretudo, uma equipe de oito engenheiros com treinamento no campo da qualidade além de um consultor externo que orientou as atividades durante o início da implantação dos programas da qualidade. O que faltava de fato e que, de forma determinante, impactou no insucesso dos programas da qualidade foi a falta de autonomia aos coordenadores de equipes durante a condução inicial das atividades. Por exemplo, um engenheiro que planejava e coordenava a programação de produção, ao retomar de um curso sobre custos da não-qualidade, se propôs a fazer um trabalho, aplicando os novos conhecimentos adquiridos, de forma a reduzir aqueles custos que majoravam o preço final do produto e que, contudo, não agregavam valor perceptível ao cliente. O gerente, sem muitas explicações, disse que o trabalho era muito importante mas que no momento não tinha condições para gerenciar tantas frentes de trabalho ao mesmo tempo. Portanto, ao passo que o gerente treinava seus funcionários, ele também não dava autonomia e nem confiava que colocassem em prática aquilo que aprenderam. Dessa forma, os engenheiros (coordenadores de equipe), apesar de estarem preparados e 46 a par do que precisava ser mudado para que a melhoria da qualidade fossem adiante, eram limitados pela falta de autonomia e, pouco a pouco, começaram a se tomar indiferentes aos resultados e se rendiam à rotina do dia-a-dia, ao passo que se aprimoravam e buscavam outras organizações para atuar. Das respostas e do exemplo descrito acima, pode-se notar que a parte referente à conscientização da necessidade de melhoria já existia, porém faltavam mecanismos que propiciassem que as metodologias de gestão pela qualidade se transformassem em realidade. Os programas da qualidade, por serem regras abstratas e diretrizes gerais de ação, desenvolvidas e aprimoradas a partir de observações e interferências sobre processos concretos de trabalho, que surgiram e se desenvolveram em outros contextos sócio-culturais, necessitam de uma contextualização, ou seja, mecanismos que permitam que esse modelo abstrato de transforme em ação. Logo, há a necessidade de criação desses mecanismos, como por exemplo, metas, objetivos mensuráveis, prazos, divisão de responsabilidades, grupos de trabalho, entre outros. Mas, no caso da Royal, um dos principais entraves à criação desses mecanismos foi a lógica da cultura organizacional que historicamente se formou na empresa. Existia uma excessiva fragmentação das atividades na base da organização, e nem mesmo os coordenadores da implementação da gestão de qualidade tinham poder suficiente para convocar reuniões e criar mecanismos eficazes que dessem suporte ao programa que aparentemente eram os responsáveis por implantar. Dar este tipo de poder para aqueles que estão ao longo da hierarquia de comando demanda, necessariamente, uma reestruturação da forma como o poder centralizado de mando atua no contexto da organização. 47 Para que esta delegação ocorra, é necessário que o mandatário principal confie na capacidade dos seus funcionários de produzir e avaliar o resultado esperado - em uma situação em que há responsabilidade formal clara pelo atingimento destes resultados na base. A dificuldade de delegar está, em parte, na percepção de que a delegação é arriscada, e que é possível que, através dela, perca-se o controle sobre a organização. Então, embora quem detém o poder decida pela implementação do controle de qualidade, ele não dá os meios formais para que aqueles responsáveis pelo programa possam realmente atuar. Dentre os meios, falta o poder formal para organizar pessoas de modo a atingir os resultados esperados. No entanto, Jogar toda a responsabilidade para o topo pelo fracasso da implementação do programa não é adequado. Existiam na Royal funcionários conscientes da necessidade de melhoria da qualidade e competentes para colocá-la em prática mas, também existiam aqueles que ignoravam qualquer iniciativa que compreendesse mudanças na rotina do dia-a-dia, no modo como se operava um equipamento, na forma como eram divididas as tarefas, etc.; estes funcionários, que já trabalhavam na empresa desde sua fundação e que, sob grande esforço e paciência ao longo de vários anos, conquistaram cargos de chefia, e que já estavam próximos da aposentadoria, não queriam que as coisas mudassem muito, pois isso geraria mais esforço e, sem dúvida alguma, uma prática diferente daquela que estavam acostumados. O fato de terem que escrever, revisar e ensinar procedimentos que guardavam com "unhas e dentes", podia, para eles, representar uma partilha de conhecimentos que os mantinham importantes e necessários à empresa. Eram pessoas que tinham uma ótima reputação junto à alta administração da empresa, por serem leais e já terem prestados 48 serviços à empresa por vários anos. A lealdade e devoção à empresa tinha um imenso valor perante a alta administração da Royal. Por exemplo, certa vez um engenheiro começou a analisar o tempo que era despendido para se executar a limpeza e revisão de um certo equipamento da linha de produção - um serviço comum e que era constantemente executado. Para este serviço foi observado que eram enviados dois funcionários, sendo um ajudante e um mecânico. O engenheiro notou que o ajudante abria o equipamento e, após o serviço do mecânico, o fechava novamente. Notou também que a tarefa de abrir e fechar o equipamento eram muito importantes, pois caso fossem executavas inadequadamente poderiam danificar drasticamente o equipamento. Verificou que não eram feitas análises mais modernas para se determinar o tempo máximo de uso do equipamento antes de ser feita a limpeza, acarretando em paradas bem antes da hora necessária. Perguntou, então, ao mecânico, por que ele permitia que o ajudante fizesse aquele serviço enquanto esperava para fazer a sua parte; o mecânico respondeu: não há a necessidade do ajudante, pois eu poderia fazer mais rápido e melhor que ele, sem riscos, e liberando o equipamento mais rapidamente para entrar em operação, mas como o chefe ordena e o serviço já é executado desta forma a vários anos, só me cabe obedecer. O engenheiro levantou este caso durante uma das reuniões, dentre outros casos parecidos, de forma amistosa e técnica, expondo análises que poderiam otimizar o tempo despendido para a realização do serviço além de garantir a qualidade do mesmo. No mesmo instante, foi severamente contrariado pelo chefe de divisão de mecânicos, alegando que haviam falhas em sua análise. O gerente rapidamente intercedeu e mudou o rumo da discussão, dizendo que seria um assunto a ser tratado em um outro momento. Num outro dia, chamou o engenheiro, disse que eram válidas as suas conclusões mas que gostaria que ele ignorasse este fato, pois o 49 chefe de divisão, apesar de não ter muitos conhecimentos mais técnicos, era muito antigo na fábrica, leal à alta administração e que deveriam ser mantidas as suas diretrizes quanto à execução de tarefas. Percebe-se, então, que grande parte daqueles que deveriam efetivamente brigar por resultados tendem a se calar do que fazer propostas concretas e factíveis, confirmando assim o modelo proposto por Prates & Barros (1997) no que se refere à postura de espectador e a lealdade pessoal à alta administração por parte daqueles que estão nos cargos hierarquicamente mais baixos, como também brigas pelo poder por parte da maioria daqueles que possuem cargos de chefia e muitas vezes, acima dos interesses da empresa. Muitos funcionários não se percebiam como responsáveis por buscar os meios para que os resultados fossem alcançados. Poderia ser visto como atribuição do responsável pela implementação do programa de qualidade até mesmo promover a educação do executivo principal para a importância de criar uma estrutura de delegação. É claro que, conhecendo o contexto da empresa reconhece-se a dificuldade de fazê-lo, pois não há espaço, neste tipo de organização, para que os subordinados convoquem seus superiores para uma apresentação formal em que possam explicar o que pensam sobre a implementação do programa. É negada, desta forma, poder de fala aos subordinados dentro da organização. Neste quadro, o processo se retroalimenta. Daí a importância atribuída por muitos ao papel da liderança na promoção dos resultados reais deste tipo de programa. Quanto maior a concentração de poder, mais verdadeira é esta afirmação, uma vez que ninguém mais, além do executivo principal, tem poder para provocar transformações ordenadas na organização. 50 Portanto, a questão da delegação não é uma questão apenas do executivo principal dar espaço de atuação. É preciso, em primeiro lugar, criar uma estrutura de trabalho em que a responsabilidade por resultados seja factível, e em segundo lugar buscar construir um programa de treinamento de recursos humanos que reeduque os funcionários da empresa para o trabalho, de forma que eles percebem a mudança como responsabilidade sua. Este não é um processo só de educação formal, mas envolve maiores mudanças na organização, como a implementação de sistemas de avaliação, progressão na carreira, estratégias de premiação, etc. que incentivem a ação pró-ativa e o empreendedorismo dentro da empresa. Porém, na Royal, o sistema de avaliação e progressão de carreira valia-se mais da lealdade pessoal e redes de influências, como demostrado por Prates & Barros (1997), do que pelo empenho e capacitação profissional dos funcionários. Isso comprometia diretamente iniciativas pró-ativas daqueles funcionários que conheciam bem todo o processo da empresa. Por exemplo, os operários que faziam parte da equipe de produção eram classificados de acordo com os seguintes níveis: ajudante, operador (classes de 1 até 3) e supervisor. Os salários eram fixados de acordo com o nível e classe (no caso do operador). A progressão e respectivo salário (sempre vinculado ao nível e classe) ocorria de acordo com o tempo de serviços prestados e conforme critérios de ordem pessoal e de lealdade à gerência. O gerente da área é quem definia anualmente as promoções mediante aprovação da alta administração. Não existiam critérios claros e conhecidos por todos a respeito de prêmios ou sistemas de avaliação que repercutissem em progressão de carreira; estes assuntos eram reservados à gerência. O operário, por 51 mais que se esforçasse, sabia que teria que esperar vários anos para receber uma promoção, muito embora se esforçasse mais pela empresa. Na Royal, não se levou em consideração o funcionamento dos Círculos de Qualidade 8 envolvendo os operários, ficando deste modo a discussão pela qualidade centrada no nível gerencial, bem como não existiam mecanismos ou canais para que o operário participasse com sugestões e como crítico e avaliador de sugestões dos demais integrantes da empresa. Dessa forma, geravam-se sobrecargas para os gerentes, pois não delegavam aos operários o desenvolvimento dos modelos da qualidade e respectivas formalizações dos procedimentos. Como conseqüência, não havia o necessário envolvimento da classe operária e, por outro lado, a gerência acumulava várias funções e se desviava dos propósitos iniciais da qualidade para resolver e tomar a frente de outras questões de rotina ou imprevisíveis que ocorriam no dia-a-dia da organização, tomando-se assim um apagador de incêndios ao invés de gerenciar, de fato, os resultados do processo de implementação dos programas da qualidade. Na literatura sobre o surgimento e funcionamento dos círculos de qualidade no Japão, observa-se este deslocamento da responsabilidade pela gestão da rotina com qualidade para a base da pirâmide organizacional, liberando os altos escalões da empresa para funções mais estratégicas. Há uma relação direta entre o sucesso de programas como o estudado aqui, e novas formas de articulação do poder dentro da empresa, em que uma das principais mudanças está, especificamente, em dar poder de fala aos operários no contexto da empresa. Dar poder de fala é uma forma de delegar 8 Ver BERK (1997: 123) e CHIA VENATO (2000: 125). 52 poder, combatendo o mutismo tradicional explorado por Prates & Barros (1997). Na verdade, um programa de qualidade bem implementado abre caminhos, na empresa brasileira, para uma gestão adequada do conhecimento, uma vez que oferece, de forma sistemática e ordenada, caminhos para a construção de canais para que o saber operário comece a ser integrado à produtos e processos. Na realidade, pode-se ousar até dizer que esta ferramenta oferece canais para que até mesmo o saber técnico de engenheiros e gerências intermediárias contribuam para a organização. Na empresa que foi objeto do presente estudo de caso, mesmo os engenheiros e a gerência intermediária não conseguiam contribuir de forma eficaz para a geração de valor na empresa. Neste cenário, não faz sentido nem mesmo cogitar-se a implementação de uma gestão estratégica, que é fundamental em um cenário de maior competitividade. A alta administração não possuía sistematicamente resultados concretos sobre o processo de melhoria da qualidade e, consequentemente, não tinha instrumentos para cobrar e nem punir seus subordinados diretos - os gerentes - pois estes estavam tomados continuamente pelas atividades operacionais. o excesso de fragmentação de tarefas e responsabilidades dificulta a gestão por resultados pela alta administração pois, se de um lado a equipe gerencial fica assoberbada de um número muito grande de pequenas decisões para tomar, não se dedicando, desta forma, a atuar estrategicamente por mudanças e melhorias nos processos, de outro lado, a classe operária atua de forma prescritiva pois não tem muito o que fazer além daquilo para o que foi contratada, já que não dispõe de autonomia para decidir e incorporar ao processo melhorias advindas de seu conhecimento. Torna-se 53 assim, uma ciranda, onde manda quem pode e obedece quem tem juízo, comprometendo drasticamente a capacidade de geração de conhecimento e fluxo de informações dentro da organização. o operário de chão de fábrica, para produzir com qualidade e inovação, precisa de muito mais autonomia de ação do que seus antecessores, mais poder de decisão sobre sua atividade produtiva e mais informações sobre a empresa Precisa estar mais integrado na fábrica e ter mais espaço para cometer erros, caso a empresa queira colher os frutos do "saber operário" (Migueles, 1999: 134, grifos da autora). Se não existem mecanismos de cobrança por resultados e se há toda uma lógica paternalista que permeia as relações na organização, de certa forma se estimula a competição disfuncional por atenção da alta administração ao invés da melhoria dos indicadores de desempenho ou, mais precisamente, pelos resultados dos programas da qualidade. Como o custo para o gerente em alimentar conflitos internos é praticamente zero, devido à sua boa reputação para com a alta administração, iniciativas como as da qualidade tendem ao segundo plano e não representam objetivos comuns a todos os integrantes da empresa e, consequentemente, não propiciam os resultados esperados. Durante toda a campanha pela qualidade na Royal, era notória a participação direta ou indireta do gerente em todas as ações, cabendo na maioria das vezes aos funcionários a aceitação quanto às novas regras. Os funcionários acatavam as mudanças em seu quotidiano, porém agiam de forma prescritiva, negando-se de forma silenciosa em contribuir com o conhecimento que possuíam sobre suas atividades ou sobre o processo. Acontecia, muitas vezes, que o próprio operador, mesmo sabendo que um 54 problema estava para ocorrer num equipamento que operava ou que pertencia a uma área próxima a sua, calava-se e aguardava que ocorresse para então comunicar à equipe de manutenção e agia de forma indiferente aos danos que o acontecimento podia causar à empresa. A grande maioria dos funcionários realizavam restritamente suas funções. A concepção sobre participação na empresa, para os funcionários, limitava-se unicamente à sua atividade, e iniciativas eram bloqueadas pelos níveis hierárquicos presentes na estrutura da organização. Existia um formalidade bastante acentuada entre os membros da organização, onde um funcionário raramente se reportava a uma outra pessoa que não fosse imediatamente seu subordinado ou, por outro lado, seu chefe ou gerente imediato. Quando isso não ocorria, normalmente devia-se às questões de lealdade pessoal, troca de favores ou grau de parentesco. Os resultados dos programas de qualidade, além de serem insatisfatórios, tomaram-se desastrosos à medida que esforços do corpo administrativo do médio escalão (engenheiros, coordenadores e supervisores de equipes) não eram valorizados pela gerência. Podia-se notar que o discurso da alta administração a respeito da importância de cada membro no processo de melhoria da qualidade não era condizente com a prática do dia-a-dia. Gerentes leais e bem relacionados com a alta administração concentravam o poder e gerenciavam sua área como se fosse a única na empresa. Isso criava um ambiente de rivalidade desigual entre as áreas, onde algumas gerencias tinham liberdade 55 de ações e investimentos (cursos e equipamentos) enquanto outras eram menos prestigiadas e suas ações dependiam de autorização da alta administração. Muitos funcionários que detinham o conhecimento do processo e com grande capacidade de contribuir para o desenvolvimento da empresa perderam a motivação, em face da falta de autonomia e de descrédito para com o futuro da empresa e pediram demissão. Grande parte dos funcionários que permaneceram na empresa demonstravam a insatisfação e descrédito para qualquer nova iniciativa que os envolvesse. Na Royal, ocorreu que, justamente quando se pretendia envolver as pessoas que integravam a organização em processos de melhoria da qualidade, cometeu-se o equívoco de se ignorar a cultura organizacional, como se existissem pacotes com técnicas de gestão que absorvessem e reparassem todas as barreiras que pesam contra a qualidade. Buscou-se informar, treinar e equipar os funcionários de modo a seguirem as novas regras de trabalho. No início, normalmente a nova filosofia de trabalho, que compreendesse melhorias no processo produtivo e nas condições de trabalho, foi aceita, até mesmo por se tratar de algo novo e, conforme a maioria dos discursos, promissor. Os funcionários da Royal, realmente, num primeiro momento aceitaram a idéia e se dispuseram a colocar em prática o que viram e aprenderam nos treinamentos e vídeos. Porém, a medida que o tempo foi passando, foi se notando que todo o esforço inicial começou a tender à rotina de alguns novos procedimentos e que nenhum retomo a tais esforços ocorreram para os funcionários. Através do caso Royal, pode-se verificar que o envolvimento de pessoas que compõem uma organização não se faz somente por aceitação. Pessoas podem 56 simplesmente executar suas tarefas, cumprindo normas ou regras da organização a qual pertencem, sem contudo investirem todo o seu conhecimento e capacidade crítica relacionados ao saber operário. Portanto, mais do que aceitação e eficiência, organizações para serem competitivas necessitam de compromisso e de eficácia por parte de seus integrantes. Um dos erros mais comumente cometidos pelos executivos no planejamento organizacional é confundir aceitação e compromisso. A aceitação corresponde a uma posição de aceitar a solicitação de um personagem revestido de autoridade para que alguém mude de postura, de atividades ou de idéias. A pessoa aceita ou ' vai em frente " geralmente por lhe serem indiferentes o alcance da determinação e as mudanças que esta lhe propõe. Se ela aceitar com base na indiferença, pouca dificuldade haverá para o personagem revestido de autoridade executar aquela determinação. O compromisso, por outro lado, constitui uma forte motivação da pessoa à adoção do objetivo de uma determinação ou à oposição a ele. Uma vez comprometida com determinada modificação, a pessoa emprega toda sua criatividade em interpretá-la e em colocá-la em execução, de modo a garantir seu êxito (Zaleznik & Vries, 1981: 94). Buscar o comprometimento dos integrantes de uma organização constitui-se, portanto, num fator fundamental na melhoria da qualidade. Requer reconhecer a importância do fator humano e suas formas de influenciarem no processo, estimular a participação e compreender a motivação como imprescindível para o desenvolvimento de qualquer atividade. 57 3.3 - A questão da motivação para a qualidade na Royal Conforme McClelland citado por Berk (1997), para o ser humano estar motivado é primordial que satisfaça ou tenha condições de satisfazer três necessidades: realização, pertencer a um grupo e desfrutar do poder. Essas necessidades ou fatores motivacionais, entretanto, não requerem uma hierarquia ou ordem para serem satisfeitas e estão presentes nas pessoas em doses diferentes. O indivíduo necessita estar envolvido em ambas, porém com intensidades próprias e proporcionais ao seu estado de bem-estar. Que necessidades são essas de realização, de pertencer e de ter poder? A primeira é autoexplicativa. É a motivação que inspira cada um de nós a criar, a atingir objetivos, a atingir quotas de vendas, ou a satisfazer outras condições pessoais que representam realizações para cada um de nós. A necessidade de pertencer a um grupo é a de ser apreciado pelos outros, de se associar. É a motivação que faz com que nós voltemos para as interações sociais da organização, a procurar associações ou seguir outros caminhos que nos permitam estar ao lado de outros seres humanos. A necessidade de poder não é o que seu nome quer dizer, a necessidade de dirigir os esforços dos outros ou de dominar suas vidas, e sim, mais adequadamente descrita como sendo a necessidade de influenciar, ou modificar o ambiente em que vivemos para que se torne mais aceitável (Berk, 1997: 113). Uma outra teoria de motivação, chamada teoria da motivação-higiene, desenvolvida por Herzberg (1975) demonstra que os fatores que produzem motivação no ser humano não são resultado do meio ambiente de que participa, mas sim da própria natureza e alcance da atividade por ele realizada. Fatores como política e administração da companhia, supervisão, relações interpessoais, condições de trabalho, salário, situação e segurança, todos partindo do meio ambiente, quando não atendem às 58 expectativas do ser humano geram insatisfação, mas não que quando resolvidos produzirão motivação. Os fatores que, quando satisfeitos, geram motivação são aqueles internos e produzidos pelo próprio ser humano, tais como a realização, o reconhecimento da realização, o próprio trabalho, responsabilidade, progresso e desenvolvimento. Pode-se notar que tanto McClelland quanto Herzberg convergem para um ponto: os fatores motivacionais são intrinsecos ao ser humano e contemplam a auto-realização, a participação e a possibilidade de se exercer o poder e influenciar na forma como suas atividades são realizadas. Sob outra ótica, conforme Chris Argyris citado por Migueles (1999: 133), " a motivação dos trabalhadores é diretamente relacionada à percepção da sua atividade como significativa, servindo a propósitos claros e a objetivos concretos, e à prática desta atividade em um ambiente em que o trabalhador se sinta responsável e capaz de provocar mudanças ". E como essas teorias motivacionais se aplicam ao caso Royal ? Pode-se partir das questões culturais. Ao passo que a gerência buscava a implementação de uma metodologia de gestão que permitisse melhorias nas condições de trabalho, maior participação dos funcionários e, consequentemente, maior produtividade, tal qual como prometem os programas da qualidade, existiam, permeando as relações de poder toda uma cultura em moldes paternalistas e personalistas, influenciados pela própria história de formação da empresa e por valores tradicionalmente aceitos na cultura nacional, que inibiam ou negavam ao trabalhador o direito a uma maior participação e exposição de suas idéias e, até mesmo, frustrações. Havia, notoriamente, uma incoerência nesse 59 sentido, pois se o discurso e ações gerenciais instigavam os funcionários a participarem dos programas, por outro lado, a cultura homologava relações de poder altamente concentradas no topo da hierarquia. Por isso, a participação dos funcionários era demasiadamente restrita e sua motivação para a qualidade era, não só logicamente, mas também no quotidiano da Royal, uma impossibilidade. Sob outra análise, como o poder exercido pelos operários não era visto ou considerado pela alta administração como transformador ou capaz de influenciar nos destinos da empresa, não existiam razões para que o operário se sentisse motivado. Não haviam canais institucionais de comunicação que permitiam ao operário uma visão clara sobre os rumos da empresa e nem como o exercício de suas atividades implicavam no processo produtivo como um todo. Dessa forma, o funcionário se prendia às suas funções e não enxergava fatores que pudessem motivá-lo. Conforme Giddens (2001: 33), " o poder junto com ação e estrutura, é um conceito elementar em ciência social. Ser humano é ser um agente - ainda que nem todos os agentes sejam humanos - e ser um agente é ter poder. O poder, em um sentido bastante generalizado, significa a 'capacidade transformadora', a capacidade de intervir em um determinado cenário de eventos de forma a alterá-los. [... ] Os recursos envolvidos na reprodução dos sistemas sociais que têm algum grau de continuidade e, portanto, de 'existência' - no espaço e no tempo, formam aspectos das propriedades estruturais desses sistemas sociais. Dois tipos de recursos podem ser destacados - o material e o político ". Logo, se uma organização, tal como a Royal, nega a possibilidade de acesso aos recursos materiais e políticos aos seus funcionários, via 60 extrema concentração de poder que centraliza as decisões no topo da hierarquia, esta também nega o direito de agência aos seus funcionários, tomando a motivação uma impossibilidade lógica e, a qualidade, por conseguinte, um discurso convincente, aceitável, mas sem condições de ser colocado efetivamente na prática, pois por que alguém se comprometeria e daria espontaneamente seus esforços se não fosse para a transformação de algo ? A maioria das pessoas possui expectativas positivas de criar, inovar e desenvolver-se. Ao desempenhar suas funções, espera: reconhecimento por seus esforços; equidade e justiça entre a sua contribuição e a sua retribuição; aprendizado e progresso constantes; autonomia na execução de suas tarefas; e influência sobre os destinos de sua organização. Além disso, as pessoas esperam desempenhar um papel social relevante em empresas eficientes e com boa imagem externa. No entanto, a maioria das organizações, através de processos diversos de socialização, impõe conformidade, dependência, passividade e alienação a seus funcionários; ensina-os a restringir suas iniciativas, manter comunicações cautelosas, acomodar-se e não questionar práticas estabelecidas. A maioria das organizações guarda apenas um minimo de consenso para evitar desagregação. O resultado é não só a frustração individual e o baixo nível de confiança entre os funcionários, mas, sobretudo, o desperdício de imensos recursos de criatividade e de contribuição humana. Pessoas altamente competentes tornam-se pessimistas e passivas, acomodando-se às práticas de trabalho como fruto de suas frustrações (Motta, 1999: 211). A falta de motivação aos funcionários da Royal dava lugar a frustração e indiferença. O funcionário reprimia sua capacidade crítica sobre o processo produtivo do qual participa, e a qualidade passava a ser vista como uma responsabilidade alheia e não concernente às suas atividades. 61 A concentração de poder na alta direção e, conseqüente, falta de autonomia de ação dos funcionários de chão-de-fábrica dificulta que uma organização inove e faça proveito de seu principal recurso que consiste da experiência, conhecimento, criatividade e capacidade crítica relativa ao saber operário de seus funcionários. A conseqüência direta desse tipo de exercício de poder é uma postura de espectador por parte dos funcionários, o que conforme Prates & Barros (1997), gera o mutismo, baixa consciência crítica, baixa iniciativa, pouca capacidade de realização por autodeterminação e transferência de responsabilidade das dificuldades para as lideranças. Na Royal, os funcionários de nível médio, a saber os supervIsores, coordenadores, chefes de divisão ou engenheiros, que lidavam diretamente com os operários de chão-de-fábrica, viviam processo semelhante com a diferença, em geral agravante, de serem cobrados por resultados sem contarem com autonomia para suas ações. A participação no processo decisório restringia-se, na maioria das vezes, à apresentação de relatórios, à discussão dos acontecimentos e à colocação de idéias em reuniões. o excesso de concentração de poder e suas vertentes, como a falta de participação e indiferença quanto à qualidade, geraram, para a Royal, de forma comprometedora ao desenvolvimento da organização, a saída, se não a perda, de seus melhores funcionários, que, na maioria das vezes, perderam totalmente a motivação e buscaram outras organizações para atuarem. 62 Este caso vem demonstrar uma correlação direta entre concentração de poder, motivação e participação dos funcionários em melhorias da qualidade. Para trabalhar de forma eficaz, utilizando para tanto todos os seus recursos, o trabalhador deve se sentir motivado, o que necessariamente ocorre quando o funcionário se sente como parte importante da organização e capaz de influenciar positivamente no futuro da organização. Nesse sentido, a participação em programas da melhoria da qualidade ocorre quase que de forma autônoma. O poder deve existir não no sentido de dominar as pessoas, mas no sentido de dar condições para os funcionários se exporem sem receios, de serem ouvidos, de contribuírem e terem o retomo de suas contribuições, influenciando positivamente para o futuro da organização. Os fatores observados nas várias tentativas de melhoria de qualidade na empresa que se tomaram barreiras para que os resultados esperados ocorressem foram: Excesso de concentração de poder: alguns gerentes que tinham acesso à alta administração concentravam o poder e, da mesma forma, davam autonomia para poucos funcionários considerados leais à sua conduta. Os demais integrantes da gerência eram meros espectadores; ./ Falta de motivação dos funcionários; ./ Falta de ações interativas entre as gerências: cada gerência induzia seus integrantes a agirem como se pertencessem a áreas independentes e que executassem somente o que lhe fossem mandados; 63 Atualmente, a Royal opera bem abaixo de sua capacidade de produção e suas exportações foram reduzidas em aproximadamente 50% em relação ao ano de 1997. Este é um exemplo caro de como se concretiza a falta de poder daqueles que detém o conhecimento sobre o processo, que manejam diariamente os equipamentos e, portanto, conhecem possíveis melhorias e limitações do mesmo e que, caso estivessem ou tivessem condições de estarem motivados, poderiam espontaneamente suprir a organização desse imenso conhecimento, muitas vezes ignorado pela alta administração. 4 - As dificuldades em se implantar os modelos da qualidade no Brasil Como foi descrito anteriormente, antes de se iniciar mudanças comportamentais sobre fatos comuns a uma determinada realidade cultural deve-se, prioritariamente, buscar entendimentos e significados sobre como essa realidade é constituída e como influencia os corpos sociais que dela fazem parte. Os modelos da qualidade, até mesmo por questão de seu conceito, já induzem a uma mudança comportamental e, como sua criação e desenvolvimento são oriundos de outra culturas, notoriamente, diferentes da cultura brasileira, a busca por seus resultados, tal como ocorreram originalmente onde foram inicialmente implantadas, podem se constituir num mito. Pretende-se, nesse capítulo, analisar os fatores que contribuíram para a formação de um conjunto de práticas administrativas no Brasil que, embora bastante influenciadas por teorias científicas de outros países, se impõem, homologam-se à base de valores predominantemente aceitos na cultura brasileira e, constituem-se, mesmo que muitas 64 vezes despercebidamente, em barreiras, se não impedimentos institucionais, à implementação de novos modelos de gestão, como os da qualidade. 4.1 - Modelos da qualidade: mito ou realidade? A necessidade de melhoria da qualidade dos produtos nacionais tomou-se um fato indiscutível nas organizações empresariais brasileiras nas últimas décadas do século xx. A entrada de produtos estrangeiros, sobretudo americanos e japoneses, com melhores padrões de qualidade e a custos inferiores aos nacionais, revelou a fragilidade das indústrias brasileiras frente aos concorrentes internacionais. Segundo o Inmetro, em 1990, o índice de refugo em manufaturas brasileiras chegava a ser mais de cem vezes superior ao norte-americano ou europeu e mais de mil vezes superior ao japonês. Pesquisa da mesma época, realizada pela Emst & Young-Sotec, comparava índices da índústria nacional com parâmetros de manufatura de classe mundial daquelas que, sem distínção de origem, eram as melhores do mundo em sua índústria. Quase todos os índices de desempenho mostravam o longo camínho a percorrer até atíngirmos níveis razoáveis de competitividade (Wood Jr & Urdan, 2000: 164). E, diante dessa realidade, empresas nacionais passaram a intensificar esforços, por meio de seus dirigentes, a fim de adaptarem seus sistemas produtivos e de gestão a modelos que obtiveram êxito no exterior. A lógica, para muitos empresários, era simples: os modelos de gestão e de controle do processo foram desenvolvidos e aplicados com sucesso por empresas japonesas, pois então basta formar equipes ou comitês para pesquisar e estudar a literatura existente, treinar todos os funcionários, divulgar intensivamente a nova forma de se trabalhar e, importar e implementar os 65 modelos. Nesse sentido, programas da qualidade, principalmente nos moldes japoneses, passaram a incorporar o dia-a-dia de diversas organizações no Brasil. Constata-se facilmente o amplo processo de internacionalização do campo de administração no Brasil. Esta área de atuação profissional é quase totalmente embasada em metodologias elaboradas em outros paises. [... ] Verificamos que a importação de metodologias administrativas teve origem no início do século e sofreu grande incremento a partir da década de 30. Nos 60 anos anos dai decorridos nota-se que o processo importador configurou-se com muito mais intenso que o esforço pela produção interna. Tal processo condiciona a conformidade teórica em face dos "produtos externos" revelando a sua aceitação imediata, sem os devidos questionamentos, o que provoca a imitação desenfreada daquilo que se faz fora do Pais, em se tratando de administração (Serva., 1992: 128, grifos do autor). Conforme Serva (1992), a importação de metodologias administrativas no Brasil constitui-se num processo mitificador, oriundo em grande parte de um contexto histórico de importação desenfreada e inquestionável de metodologias. Pode-se citar, por exemplo, a aplicação imediata por parte da classe empresarial brasileira de princípios tayloristas no início do século XX, a influência das obras de Taylor, Fayol e Gullick no processo de modernização do setor público na década de 40, a participação de professores americanos com respectivas literaturas, técnicas e modelos na formação e elaboração de currículos das primeiras escolas de ensino superior no campo da administração na década de 50 e, após, nos anos seguintes e até os dias atuais, o surgimento de diversas organizações na área do treinamento empresarial e consultoria baseadas sobretudo em modelos ou teorias administrativas importadas. 66 o mito tenta transformar a história em natureza; aquilo que é histórico, fruto do agir humano, é apresentado como natural; ele não conduz a uma explicação radical dos fenômenos, apenas conduz a uma constatação, apresenta uma causação inconsistente como se a forma provocasse naturalmente o conceito. Esta é, por definição, uma verdadeira operação ideológica (Serva, 1992: 131, grifos do autor). o referente mito, segundo Serva (1992), baseia-se nos seguintes elementos: universalidade, cientificidade, neutralidade, racionalidade e modernidade. E como esses elementos funcionam e compõem o imaginário administrativo nas organizações empresariais brasileiras e, mais especificamente, na Royal ? Pela universalidade pressupõe-se que metodologias administrativas importadas não só podem como devem ser largamente utilizadas, já que representam um Know-how padronizado e suficientemente testado em países mais avançados, tendo comprovada sua eficácia. Parti-se da idéia de que se uma metodologia administrativa, como os programas da qualidade, proporcionou bons resultados em uma determinada empresa e em uma determinada região, então por que não daria os mesmos resultados em outro local, tendo em vista condições tecnológicas semelhantes. Voltando à Royal, esse pressuposto era amplamente difundido pela gerência e, de certa forma, era utilizado como um slogan no intuito de estimular os funcionários em prol da qualidade. Frases do tipo 'se eles podem, por que nós não podemos' eram comumente ditas nas discussões a respeito da qualidade. A cientificidade diz respeito à identificação da fonte dessas metodologias teorias organizacionais cientificamente elaboradas - que atestam a sua qualidade e lhes 67 atribui uma conotação de seriedade e crença. É como se existisse uma teoria geral da administração plenamente adaptável à qualquer empresa, haja vista sua comprovação e notoriedade dos cientistas e pesquisadores que as formularam. Então, desse modo, por que discutir ou testar os meios, se os resultados já os atestam e os confirmam. Basta então, como se dizia na Royal, 'fazer acontecer'. A neutralidade parte do princípio de que hoje a ciência apresenta-se como um conhecimento neutro, justificado em si mesmo, que deve continuar a sua marcha, independente de seus possíveis usos. Ignora-se ou minimiza-se a natureza contraditória, conflitual e dramática do ambiente interno das organizações econômicas, em geral, em que a luta pelo poder, a luta de classes, a fiustração, a competição, a insatisfação e o tédio são fenômenos cotidianos. Se existem problemas ou questões a serem resolvidas na organização, então que sejam resolvidas a parte, pois uma nova metodologia administrativa deve ser implantada. Esse fato não é dificil de se verificar em grande parte das empresas brasileiras onde, ao passo em que se busca metodologias revolucionárias de gestão, se convive ao mesmo tempo com exaustivas e morosas negociações sindicais, que Vlsam melhores condições de trabalho, de segurança, de renda, etc, para os funcionários. Na Royal, invariavelmente, tal questão se repetia. A busca por metodologias da qualidade foi uma iniciativa de uma gerência, sob o aval da alta administração da empresa, enquanto que outros problemas da organização, tais como disputas judiciais por questões trabalhistas e negociações sindicais, eram tratadas pelo departamento de pessoal. Nesse caso, buscava-se tratar a qualidade como se fosse neutra na organização e que outros fatores, já mencionados, não pudessem interferir no rumo das iniciativas. 68 A racionalidade diz respeito à utilização eficaz dos recursos humanos e materiais da organização. As metodologias administrativas como reais produtos cientificos oferecem a plena possibilidade de uma ação administrativa racional traduzida na eficiência e na eficácia. Nesse sentido, não há o que se discutir quanto ao interesse da Royal em implementar os programas da qualidade, haja vista os objetivos a que propõe tais metodologias de gestão, pautadas indubitavelmente em critérios de organização, formalização de procedimentos e garantia do produto final. E, por fim, a modernidade, que parti da idéia de que as sociedades modernas são o espelho para as outras, chegando-se à proposição de que seus modelos organizacionais fazem parte das causas de seu avanço e, portanto, devem ser copiados, pois assim as sociedades mais atrasadas dariam um passo significativo em direção à modernidade. Para exemplificar tal fato na Royal, pode-se levantar a questão da influência dos clientes estrangeiros na empresa, cujas exigências eram tidas como novos conceitos que deveriam ser imediatamente inseridos nos procedimentos utilizados no processo produtivo, isto quando não os alterassem. As metodologias administrativas importadas, além de universais, cientificas, neutras e racionais, são a própria expressão da modernidade no campo organizacional. Foram elaboradas nos países avançados e são praticadas nas suas organizações; logo, devemos aplicá-las imediatamente sob pena de aprofundannos o anacronismo de nossas organizações, institucionalizando o atraso de nosso País. Esta é a lógica prevalecente na argumentação (Serva, 1992: 136). Ao passo que os elementos descritos anteriormente compreendem o conceito do mito; o sentido ou modo como o mito se reproduz no Brasil, conforme Serva (1992), 69 carrega de forma intrínseca ou como pano de fundo toda uma carga de racionalidade instrumental 9, o que direciona o comportamento do ser humano à obtenção dos fins propostos, sem questionamento quanto aos valores éticos ou substantivos referentes às ações. Aliada à racionalidade instrumental, há também no Brasil uma ideologia gerencial, que distingue o planejamento da execução do trabalho, e institui uma corresponde união da autoridade ao controle, nas organizações empresariais, exercida por gerentes treinados para a função. " Uma das conseqüências mais marcantes dessa relação foi a perda progressiva do conhecimento da totalidade do processo de trabalho por parte dos trabalhadores, em favor da gerência" (Serva, 1992: 138). Pode-se concluir que uma metodologia administrativa importada no Brasil e, mais especificamente, seus resultados, na maioria das vezes, tendem a se tomar um mito e não uma realidade, à medida que as condições ou valores originários ao desenvolvimento, aplicação e resultados da metodologia não são os mesmos. Ignora-se a cultura que caracteriza as organizações. A cultura na qual um modelo administrativo foi originalmente desenvolvido e implementado apresenta traços e características diferentes de outras culturas, haja vista que cada organização possui um sistema próprio de significados para seus valores, suas crenças e seus costumes, distinguindo-a de outras organizações e formando sua própria cultura organizacional. 9 Ver SERVA (1997: 22): Ação baseada no cálculo, orientada para o alcance de metas técnicas ou de finalidades ligadas a interesses econômicos ou de poder social, através da maximização dos recursos disponíveis. 70 4.2 - Um cenário político organizacional pouco propício aos modelos da qualidade Conforme Watanabe (1996: 5), " a característica marcante da organização do trabalho japonesa é sua flexibilidade, basicamente garantida pelo tanôkô, ou seja, o trabalhador com diversas habilidades e conhecimentos ", na qual os trabalhadores cooperam entre si - empowerment10 - de forma a alcançar os objetivos de produção e, nas atividades de CCQ, procuram resolver os problemas encontrados. Os procedimentos da qualidade funcionam como formas para se detectar os problemas e tratá-los, muitas vezes pelo próprio operador devido a suas múltiplas capacidades, além de se testarem e descobrirem melhores formas de se trabalhar, conduzindo assim à melhoria contínua. No Brasil, a grande maioria das empresas apresenta características opostas às japonesas. O predomínio da racionalidade instrumental implica o exercício racional do trabalho por parte dos trabalhadores e, por outro lado, a ideologia gerencial centrada no planejamento e controle transforma metodologias importadas, como por exemplo os modelos de gestão da qualidade, em ferramentas de controle e, não de melhoria contínua. A instrumentalização das atividades dos trabalhadores e a ideologia gerencial centralizadora, tomam o modelo gerencial brasileiro ainda mais concentrador de poder, isto porque tais condições fornecem os canais institucionais adequados para que as 10 Ver CHIA VENATO (2000: 128): " Empowerment significa proporcionar aos empregados as habilidades e a autoridade para tomar decisões que tradicionalmente eram dadas aos gerentes. Significa também a habilitação dos empregados para resolver os problemas do cliente sem consumir tempo destinado à aprovação do supervisor. O empowerment faz uma diferença significativa na melhoria dos produtos e serviços, na satisfação do cliente, na redução de custos e de tempo, trazendo economias para a empresa e satisfação para as pessoas envolvidas". Ver também BROWN (1996: 151): " Durante anos as empresas procuraram delegar diferentes graus de poder aos seu empregados. De acordo com a melhor pesquisa disponível, quanto maior for o empowerment, tanto maior será o resultado". 71 tendências concentradoras de poder, paternalistas e formalistas da cultura brasileira de concretizem na prática. Se por um lado, o exercício das atividades dos trabalhadores ocorre na grande maioria das vezes sob à predominância da racionalidade instrumental e, colaborando para isso, as metodologias importadas induzem à separação das atividades de planejamento e execução do trabalho, por outro lado, a cultura brasileira isoladamente já apresenta características ll propícias a tais metodologias. O resultado dessa fusão toma os modelos gerencias brasileiros ainda mais concentradores de poder, personalistas e formalistas do que já eram anteriormente. As dificuldades de se implementar programas que visam melhorias da qualidade são sintomas desta fusão perversa, que é extremamente ameaçadora para a competitividade e, consequentemente, sobrevivência das empresas. Na Royal, estes fatores invariavelmente ocorriam. À medida que se buscava uma metodologia de gestão mais participativa, embasada em princípios da qualidade, a ideologia gerencial centralizadora não permitia condições para que efetivamente isso ocorresse. O funcionário, ao passo que buscava condições para se expor e atuar de forma mais participativa, sob os estímulos iniciais de uma campanha pela qualidade na Royal, não achava ou não via motivos que o impulsionassem a exercer, conforme Giddens (2001), uma função de agente, de transformador, de colaborador e, não de um mero espectador, voltando, dessa forma a ocupar sua posição social passiva e reduzindo seu saber à ações racionalmente instrumentais. Nesse sentido, o mito continuamente se reproduz e os resultados tomam-se insatisfatórios. 11 Ver PRATES & BARROS (1997), BARBOSA (1999) 72 5 - Conclusão o caso Royal constitui-se num exemplo que não fica muito distante do que ocorre em muitas organizações no Brasil. Muitas empresas, por meio de seus dirigentes, buscam continuamente novas formas de gerirem suas atividades, mas mantém-se atrelados, mesmo que de forma inconsciente, a valores que não permitem que suas tentativas os conduzam aos resultados esperados. Esses valores ou crenças, em grande parte derivados do processo de formação da empresa e influenciados diretamente pela cultura nacional, são carregados de disputas pelo poder, paternalismo, se não laços de parentesco, e redes de influência. Esse processo é altamente comprometedor para o desenvolvimento da organização, a qual deixa de ser priorizada e transformada em meio para que disfunções do poder e redes de influências se perpetuem. Um fato muito comum em diversas organizações, e acontecia constantemente na Royal, é o envio de funcionários de nível médio para cursos e seminários, para aprenderem novos conceitos e técnicas de trabalho em grupo, supervisão, liderança, entre outros de natureza comportamental, porém, quando fossem colocar os novos aprendizados em ação, a mensagem gerencial, através dos imponentes sim's ou não's , era: aplique, desde que não coloque em dúvida a minha autoridade e/ou se confronte com os valores da empresa. A conseqüência deste processo, em que ora o funcionário é convidado a se desenvolver e ajudar a desenvolver a empresa, ora se vê barrado pela próprio sistema, é uma fiustração muito grande e conseqüente perda de motivação. O funcionário normalmente tende a reprimir seus anseios e busca outras organizações onde possa se expor e praticar seus conhecimentos. 73 Nos seminários e cursos que as empresas ou organizações públicas promovem, raramente são envolvidos o operário da fábrica ou funcionário administrativo da repartição pública. Geralmente é convocada a 'classe média' - a tecnocracia - que, por 'flutuar' despersonalizadamente entre os níveis hierárquicos, pode passar um fim de semana em hotéis discutindo os objetivos da organização quando, na realidade, discute é a sua estratégia de sobrevivência (Tenório, 1990: 7). o compromisso de todos, sobretudo da administração, para a qualidade, conforme preceitua Deming (1990), toma-se extremamente dificil, no caso da Royal e em grande parte das empresas brasileiras. As tentativas da Royal em prol da qualidade tomaram-se inviabilizadas, pois o sistema cultural da organização não permitia condições institucionais para que tais iniciativas progredissem. A questão do poder e, mais precisamente, a forma como é gerido e partilhado assume grande importância no desenvolvimento de uma organização. Atualmente, a sobrevivência de uma empresa deve-se à união de esforços de todos os seus integrantes, que devem participar mais ativamente através de seus conhecimentos e experiências mas, para tanto, necessariamente precisam de mais autonomia para suas ações, sem receios, sem represálias e confiantes que farão parte de um projeto maior. Toma-se fundamental a percepção de que princípios culturais que dirigem uma organização à relações de poder altamente concentradas no topo da hierarquia engessam a sua capacidade de se adaptar às novas necessidades de mercado, onde o aprendizado e a inovação assumem vital importância e farão a diferença entre aquelas empresas que sobreviverão e aquelas que ficarão à margem da subsistência, se não morrerem. 74 As restrições culturais à uma maior participação dos funcionários não só impedem que modelos da qualidade se concretizem, tal qual foi na Royal, como também de forma correlata impedem que a empresa torne-se mais flexível e capaz de responder em tempo hábil às constantes mudanças do mercado global. As mudanças na economia mundial estão ocorrendo de forma vertiginosa. A globalização e os meios de comunicação cada vez mais ágeis que, de um lado colocam os clientes a par de tudo que ocorre pelo mundo, por outro lado forçam as organizações a fazerem uso da tecnologia, de sistemas flexíveis de manufatura e modelos de gestão que necessitam de uma melhor qualificação da mão-de-obra, múltiplas habilidades e conhecimentos, e a cooperação. O aprendizado, fruto do agir humano e de suas inter-relações com os demais integrantes da organizações, passa a ser o diferencial e a base para a inovação. Durante os últimos cinqüenta anos, o ambiente de negócios migrou de um mundo dominado pelo capital para um mundo dominado pelo conhecimento. Essa migração explica o interesse pelo aprendizado organizacional que tem emergido nos últimos anos. Os gerentes reconhecem que, a menos que as empresas consigam acelerar o ritmo em que aprendem, seu principal ativo ficará estagnado e seus concorrentes passarão à sua frente (Geus, 1998: 3). No caso Royal, os caminhos rumo ao aprendizado organizacional eram fortemente bloqueados por concepções gerenciais que idealizavam o trabalhador como um mero melO individualidade 12 de obtenção de resultados previamente determinados. A e a capacidade de cada trabalhador de melhorar e de impor seu próprio 12 Ver LEONARD-BARTON (1998: 24): A construção do saber ocorre combinando-se as diversas individualidades das pessoas a um conjunto específico de atividades. É essa combinação que possibilita a inovação. 75 ritmo à execução dos servIços, eram depreciadas e, muitas vezes, intoleradas pela administração. Para que ocorra inovação, o funcionário necessita de " espaço organizacional - estar livre de controle, de direção e de punição por fracassos. Os experimentos devem ocorrer com relativa segurança. A conversa precisa ser aberta e franca, livre de medos de represália. Os movimentos dos funcionários precisam ser predominantemente autônomos; ninguém pode mandar um pássaro se reunir a um bando para seguir em determinada direção porque o padrão de viagem do bando surge de sua própria movimentação" (Geus, 1998: 128, grifos do autor). Neste cenário atual em que a sobrevivência de uma organização está atrelado à sua capacidade de inovar, a qual por sua vez, depende de uma maior autonomia e participação dos funcionários, de uma sinergia 13 organizacional onde a cooperação de todos vale mais que a soma das partes, da geração do conhecimento e de uma maior interação entre os segmentos que compõem a organização; o modelo administrativo dominante na Royal, arraigado a fatores culturais que induzem à concentração de poder, certamente, caso não seja tratado, comprometerá de forma significativa o futuro da organização. 13 Ver AMORIM et alo (2000) 76 6 - Referências bibliográficas AIDAR, Marcelo M. et aI. Cultura organizacional brasileira. 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