A cidade como objeto interdisciplinar de pesquisa no Ensino Médio–
Experiências Pedagógicas no ISBA1.
Antonio Mateus Soares2
Instituto Social da Bahia – ISBA
E-mail:. [email protected]
1-Introdução
As experiências pedagógicas relatadas neste artigo têm como objetivo explicitar duas
atividades de iniciação a pesquisa realizadas no Ensino Médio do Instituto Social da
Bahia – ISBA, escola tradicional e que atende a um público estudantil classe média na
cidade Salvador. As atividades de iniciação a pesquisa ocorreram nos anos de
2009,2010, 2011 e 2012, receberam o nome de Incursão a São Joaquim e Incursão ao
Subúrbio Ferroviário, atividades realizadas respectivamente na 1ª. e 2ª série do Ensino
Médio.
A leitura de mundo possibilitada pelas incursões levam os alunos do Ensino Médio do
Instituto Social da Bahia – ISBA, a problematizarem o mundo externo a partir da visita
em duas áreas urbanas da cidade de Salvador, promovendo um encontro que extrapola
o espaço físico escolar e aproxima realidades, "... possibilita que atravessemos as
paredes da instituição e analisemos à realidade social, com o objetivo concreto de obter
a emancipação das pessoas", (IMBERNÓN 2000, apud GADOTTI, 2003, p. 19).
Como forma de ir além das discussões teóricas em sala de aula e nos laboratórios da
instituição, as atividades realizadas promovem o encontro efetivo entre o mundo de
adolescentes classe média e ao mundo dos excluídos - a incursão ao Subúrbio
Ferroviário e à Feira de São Joaquim possibilitam o deslocamento de realidades sociais,
e neste deslocamento a instrumentalização crítica que permite que alunos reflitam sobre
os lugares em questão e a realizem a leitura de mundo.
1
2
Instituto Social da Bahia – ISBA.
Sociólogo; Licenciado em Ciências Sociais. Coordenador do Departamento de Sociologia e Filosofia do Instituto
Social da Bahia - ISBA. Coordenador da Coleção Bizu Temático; Mestre pela Universidade de São Paulo (USP), com
créditos realizados também na Universidade de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal de São Carlos
(Ufscar); possui diversos cursos de extensão, incluindo-se o de Metodologia Quantitativa, realizado na Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFH) da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Faculdade Social (FSBA) e da Faculdade Metropolitana de Camaçari
(FAMEC).
As atividades que foram propostas têm o objetivo de formação crítica e leitura de
mundo, foram batizadas de incursões pelo fato de ter como finalidade levar alunos
classe média, muitas vezes ultra protegidos por suas famílias, a conhecerem locais
populares e empobrecidos da cidade de Salvador, não como contemplação do lugar
exótico e marcado pela vulnerabilidade social, mas como possibilidade de perceber e se
auto-perceber estes lugares, realizando a alteridade dialética de comparação de
realidades, e se perceberem como pertencentes a uma cidade desigual e capturada por
lógicas capitalistas.
A incursão3, como “invasão ao território inimigo” é resignificada como um encontro
com outra realidade, que além de não ser inimiga é alinhavada e se encontra na
fronteira da realidade socialmente classe média, que não consegue perceber esta outra
parte da cidade como integrante de uma totalidade urbana. As incursões são estratégias
efetivas para mobilizar o desenvolvimento da iniciação científica no ensino médio, se
desdobra a partir de um processo pedagógico antecedido por coleta de dados sobre as
áreas em questão e por problematizações prévias feitas em sala de aula, que tem na
incursão ao lugar, uma possibilidade de certificar os dados secundários de pesquisa
coletados antes da visita.
O mundo e suas possibilidades de leitura e interpretação nos convida a problematizar o
nosso lugar no mundo, no instante que nos reconhecemos como produtores e
reprodutores deste mundo podemos agir politicamente em sua mudança:
(...) O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade
curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com dialeticamente
me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que
ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências.
Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No
mundo da história, da cultura, da política, constato não para me
adaptar, mas para mudar. (FREIRE, 1999, p.85-86).
A incursão a São Joaquim leva alunos ainda adolescentes de 14 e 15 anos a realizarem
uma leitura de mundo, a partir do estimulo a investigação em uma das maiores feiras
livres do Brasil, Feira de São Joaquim, que se localiza na cidade baixa de Salvador nas
3
Cf. Dicionário Brasileiro (http://www.dicio.com.br/incursao/ ) Acessado em 31.07.2012. Incursão significa: s.f.
Invasão hostil em terra inimiga: as incursões batavas no Brasil.Passeio, viagem através de uma região, de um país etc.
proximidades da Baia de Todos os Santos. Um arranjo social marcado por uma
diversidade de signos culturais e formas de comportamentos humanos. Mesmo com as
investidas de renovação comercial da Feira de São Joaquim, o lugar resiste à mudança e
além de se apresentar como espaço heterogêneo tanto nas práticas comerciais que se
realizam como na forma que seus feirantes e frequentadores se sentem pertencentes
àquela ecologia urbana.
A incursão ao Subúrbio Ferroviário de Salvador, como atividade de campo, possibilita
que alunos na faixa etária de 16 a 17 anos tenham acesso a “cidade dos excluídos”
socialmente, a cidade dos “condenados do sistema” 4 no dizer de Florestan Fernandes. O
Subúrbio Ferroviário de Salvador se constitui como uma das áreas de maior
concentração de pobreza da capital baiana. Com aproximadamente 22 bairros habitados
por uma população afrodescendente em condições precárias de infraestrutura de serviço,
o subúrbio é visto como um lugar marginal e seus habitantes são vitimados por estigmas
por morarem esta área da cidade, como sujeitos culpabilizados e punidos socialmente
pela ausência do Estado de Direito. Esta área da cidade aparece no noticiário como
guardadora dos maiores índices de violências e crimes, como se houvesse uma relação
direta entre pobreza e violência, situação que não é direta, mas circunstanciada.
A realização destas duas atividades de incursão se configuram como um exercício de
iniciação a pesquisa no Ensino Médio, pois em seu processo há acompanhamento
docente, planejamento prévio, discussão teórica, coleta de dados secundários, visita de
campo, elaboração de cadernos e relatórios etnográficos e solicitação de resultados e
produtos dos alunos envolvidos. Há uma produção efetiva de troca de “saberes” a partir
da leitura de mundo social. O termo "saberes" era utilizado por Paulo Freire em
substituição a competências, que ele julgava associadas "à tradição utilitarista,
tecnocrática, ao mundo da empresa, à economia, à competitividade (ao mundo do
trabalho neoliberal), à eficiência, à racionalização, à avaliação..." (GADOTTI, 2003, p.
25).
4
Cf. (FLORESTAN,F. 1976) Esses grupos de acordo com Fernandes não poderiam ser classificados como classes
sociais, pois não atuam como tal, num âmbito de luta social. Os condenados do sistema, ou seja, os trabalhadores, não
conseguem organizar uma boa base sindical, pois as condições são tais que o assalariamento não é algo questionado –
é algo desejado como meio de integração econômica e classificação social.
A atividade é realizada durante duas unidades do ano letivo e obedece a um plano de
ação sistematizado por um cronograma. Além do componente curricular de sociologia
que é o principal responsável pelas duas atividades de incursão, o componente
articulador, os componentes de história, geografia, literatura, artes, ensino religioso,
matemática, física, biologia e química participam da atividade que passa a se integrar a
agenda interdisciplinar da instituição de ensino.
O componente curricular de sociologia é responsável pelas problematizações iniciais de
conceitos e de categorias de análise (cultura, classe, etnia, gênero, pobreza,
desigualdades), mobiliza também os alunos a desenvolverem a reflexão sobre o objeto
de pesquisa, seja ele a Feira (1ª.série) ou o Subúrbio (2ª. série) e a criarem problemas e
questionamentos; o componente de história possibilita a contextualização temporal do
objeto; geografia ativa os conceitos de território, lugar, espaço, paisagem; literatura
problematiza as possíveis relações que os espaços possuem com obras e movimentos
literários; artes trabalha com o senso estético, plástico e sensorial do espaço; ensino
religioso mobiliza reflexões sobre os elementos religiosos e sincréticos; matemática e
física equacionam uma leitura espacial a partir dos cálculos das áreas; química e
biologia estimulam a análise sobre questões ambientais e de saúde.
A realização desta atividade de iniciação a pesquisa que coloca a cidade como objeto
interdisciplinar de estudo, ao mesmo tempo em que a percebe como recurso didático e
metodológico para a aprendizagem, mobiliza uma ação interdisciplinar e reflexiva sobre
o Subúrbio Ferroviário de Salvador e sobre a Feira de São Joaquim, que são vistas como
laboratórios riquíssimos para a aplicação tanto dos conteúdos sociológicos como o
conteúdo das demais disciplinas. Tendo em vista que discutir a interdisciplinaridade se
tornou uma prática recorrente nos cenários pedagógicos do Ensino Médio, mas que
ainda esbarram em uma estrutura que foi montada seguindo um principio disciplinar: os
currículos.
Fala-se de interdisciplinaridade, mas por toda a parte o princípio da
disjunção continua a separar às cegas. Aqui e ali, começa-se a ver que
o divórcio entre cultura humanista e a cultura científica é desastroso
para ambas, mas os que se esforçam para estabelecer a ponte entre
elas continuam a ser marginalizados e ridicularizados. (MORIN, 2001,
p.288).
A realização de atividades interdisciplinares de estimulo a iniciação a pesquisa, além de
romper com a perspectiva dogmática do sectarismo cientifico escolar possibilita um
encontro pontual com o conhecimento espontâneo da realidade cotidiana e do senso
comum, neste caso o Subúrbio Ferroviário e a Feira de São Joaquim. As incursões na
cidade estimulam a iniciação cientifica a partir da realização de uma prática pedagógica
interdisciplinar em que os saberes necessariamente se comunicam em fronteiras menos
rígidas e que se interpolam possibilitando leituras de mundo e problematizações a partir
da própria realidade.
A cidade e seu cotidiano nestas duas atividades interdisciplinares é percebida como uma
alavanca metodológica imprescindível para o conhecimento reflexivo e para o
desenvolvimento da leitura de mundo, ao mesmo instante que dinamiza interpretações
do multiculturalismo partindo de duas áreas específicas e heterogêneas da cidade de
Salvador-BA.
1-Incursão a São Joaquim
A Feira de São Joaquim é um dos lugares mais tradicionais da cidade de Salvador,
Bahia. É um lugar que demonstra, de forma simples, como é o cotidiano de uma parcela
importante da população baiana, lugar de trocas simbólicas, em que o ócio nega o
negócio, e o negócio se reinventa numa dinâmica própria, fazendo do negociante um
personagem autêntico de sua história. A Feira de São Joaquim pode ser analisada de
diversas formas. Podemos compreendê-la como um espaço de troca e lucro, exploração
e enriquecimento, um lugar de abastecimento, um ambiente formado por um conjunto
de barracas que comercializam uma infinidade de produtos, uma pequena vila que
lembra as cidades medievais do século XV, com vielas estreitas que se interconectam
em um emaranhado de becos e pequenas ruas, formando, no sentido de Donald Pierson5,
uma ecologia humana.
A ecologia humana, que se monta como um ecossistema de permutas, pode ser
compreendida como uma abordagem sócio-histórica que busca desvendar os processos
5
Sociólogo norte-americano que nasceu em 1900 e faleceu em 1995. Obteve doutorado pela Universidade de
Chigaco, defendendo uma tese sobre as relações raciais na Bahia. Na Escola de Chicago, desenvolveu estudos no
campo da Ecologia Humana, fundamentando-os com substrato crítico de diversas formulações no campo das
relações entre natureza e cultura.
de trocas materiais e naturais entre o homem e a natureza. Esta relação incorpora
análises sobre aspectos culturais da condição humana, sempre associando as
incorporações do homem ao lugar, assim como o lugar ao homem. A Feira de São
Joaquim, entendida como um ecossistema humano, é um lugar de múltiplas produções e
reproduções culturais. Cada feirante ou transeunte pode ser visto como um personagem
de uma história, marcada pela diversidade cultura de um estado, que, em algumas
dimensões, sintetiza a história do Brasil em suas aproximações com o continente
africano. Uma história de riqueza simbólica, mas também de desigualdades nas formas
de apropriação do espaço urbano e nos acessos aos direitos sociais. Assim, a Feira de
São Joaquim pode ser vista como um laboratório de pesquisa social, compreensão da
cultura baiana, e também recorte que demonstra como as lógicas de exclusão e inclusão
social se manifestam em espaços resguardados por intensa síntese cultural.
Problematizar as diversas linguagens da Feira de São Joaquim é questionar como a
cultura urbana e suas interlocuções com a constituição das múltiplas identidades
figuram-se nesse espaço, que, pela presença marcante de matrizes étnicas negras, pode
ser entendido como um pedaço da África no Brasil. O recorte de análise cultural que
sinalizaremos, com base em um olhar sobre a Feira de São Joaquim – lugar de trânsito
da africanidade –, permite-nos buscar aportes empíricos para refletir sobre as possíveis
crises identitárias, circularidade entre culturas, assim como as mobilidades da identidade
em contextos marcados pela “[...] inter-relação, intertextualidade e movimentos
ascendentes e descendentes que se processam no interior de uma hierarquia de poderes”
(TURA, 2005, p. 45). Seguindo o indicativo metodológico da circularidade dialética,
elaboramos esta pequena contribuição que, além de sistematizar alguns conceitos
básicos para a compreensão da Feira de São Joaquim e suas interfaces com a cidade de
Salvador, sinalizará elementos de problematização no que se refere à compreensão da
cultura urbana e as lógicas associadas às constituições das identidades.
3-Feira de São Joaquim como lugar
Lançar o olhar sobre a Feira de São Joaquim é possibilitar inúmeras reflexões sobre
nossas construções identitárias, sem perder de vista os vislumbramentos analíticos sobre
as definições e distorções que temos em relação aos conceitos e categorias: cultura,
etnia,
identidade,
território,
sincretismo,
etnocentrismo,
pertença,
etnografia,
antropofagia, desamparo social, condição humana, estereótipos, representação e
segregacionismo, entre outros termos. Analisar a Feira de São Joaquim é compreender
as múltiplas linguagens, signos, mitos, ritos e representações dos elementos que formam
este mosaico cultural. É uma possibilidade de nos perceber, daquele lugar, tendo em
vista que o nosso processo de constituição social perpassa pelo interacionismo
simbólico e cultural, tal como proposto por Joseph Ki-Zerbo (1982), que elabora nossas
identidades sociais.
4- Etnografia urbana como método – Feira de São Joaquim
Na perspectiva de empreender uma observação mais completa dos modos de vida das
pessoas, com um caderno de campo a etnografia desenvolve-se entre o final do século
XIX e início do século XX, inicialmente circunscrevia-se a descrições de sociedades
exóticas. Impetrando uma descrição densa a etnografia, deve compreender o significado
que as práticas sociais têm para seus praticantes. Neste contexto, a etnografia exige um
olhar atento e interativo aos elementos simbólicos do ambiente que está sendo
observado, a busca é relacionar os significados e significantes dentro de um recorte de
estudo.
Como especialidade da antropologia a etnografia, tem por fim o estudo e a descrição
dos povos, raça, religião, língua e manifestações materiais. O balizador conceitual da
etnografia é o interacionismo simbólico, especialmente, nas análises do processo de
socialização, compreendido como uma negociação constante que não se limita ao
vínculo societal.
A etnografia é a forma de descrição da cultura material de um determinado arranjo
social. Como instrumento de apreensão metodológica a etnografia realiza descrições
minuciosas e narrativas sobre um complexo cultural observado. Conforme o
pensamento de Clifford Geertz (1989), etnografar não é somente estabelecer relações,
selecionar e transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, elaborar um
diário, o que define a etnografia é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um
risco elaborado para uma "descrição densa”, que se associa com a escrita do visível e
os redimensionamentos sensíveis do observado/ etnógrafo
A cultura no campo das narrativas etnográficas não pode ser vista como um mero
reflexo da sociedade, mas como um sistema de significados mediadores entre os
elementos sociais e as linguagens da ação humana, pois insere em seu contexto a
participação dos atores sociais, que são percebidos como “sujeitos” e “objetos” da
investigação.
OPERACIONALIZAÇÃO DIDÁTICA DA INCURSÃO
OBJETIVOS:
-Compreender a diversidade cultural a partir da Feira de São Joaquim;
-Desconstruir os estigmas em relação a espaços urbanos, onde se explicita a apropriação
cultural de classes menos favorecidas;
-Problematizar as categorias de cultura, identidade, lugar, território; sincretismo,
etnocentrismo;
-Dialogar diretamente com história, geografia, sociologia e literatura e demais disciplinas.
METODOLOGIA:
Orientados por uma aula interdisciplinar na Feira de São Joaquim, que dialogará com as
múltiplas apropriações culturais do espaço, os alunos serão estimulados à percepção e
interpretação dos diversos signos do lugar. Para isto utilizarão a observação e a construção de
relatórios de campos, na perspectiva de construir narrativas sobre as marcas identitárias do
espaço. O diálogo será pontuado por reflexões no campo da identidade e das representações
que dinamizam o espaço em suas lógicas de improviso.
SEQUÊNCIA DIDÁTICA:
Percurso: Sairemos da Escola em ônibus fretado em direção à Feira de São Joaquim. No
transcurso até a Feira professores de sociologia, literatura, história ou geografia,
contextualizarão a feira na cidade de Salvador-BA., e seus significados identitários.
Na Feira de São Joaquim: Incursão pelas vielas da Feira e explicações interdisciplinares sobre
as apropriações dos espaços e suas dinâmicas. Compreensão, análises e diagnóstico teórico do
lugar, na perspectiva de construir problematizações acerca da cultura e sua diversidade.
Retorno: Pararemos no Acarajé da Dinha (Rio Vermelho) – para lancharmos e discutirmos o
acarajé, como possuidor de uma identidade que faz parte das figurações da baianidade.
SUGESTÕES RELATÓRIO DE CAMPO:
-Analisar as interpretações etnográficas (discrições culturais) manifestas na Feira de São
Joaquim.
-Evidenciar as múltiplas linguagens antropológicas da Feira de São Joaquim e suas adequações
no que se refere à identidade cultural.
-Focalizar como a questão da salubridade se evidencia na Feira de São Joaquim, e qual seria a
orientação correta para o funcionamento de uma Feira Livre.
-Sinalizar os pontos críticos no que se refere à Saúde Coletiva na Feira de São Joaquim e como
tais pontos podem ser superados.
PRODUTOS:
Produção de Vídeo de 6’ a 10’, focalizando em uma das sub temáticas abordadas na aula
interdisciplinar.
5-Incursão ao Subúrbio Ferroviário de Salvador-BA
Nas discussões que focalizavam a cidade de Salvador, às questões relacionadas à
pobreza urbana e sua trajetória histórica de acúmulo de carências sempre chamaram
nossa atenção e foram aguçadas recentemente com o contato periódico com áreas do
Subúrbio Ferroviário de Salvador e com bairros do “Miolo Urbano”, percebemos que
estas áreas foram constituídas desde sua origem com a finalidade específica de atender a
uma demanda de moradores pobres, sinalizando um tipo de urbanização que se reproduz
a partir de um “padrão periférico” (CARVALHO & PINHO, 1996, p.36) de urbanização
que consolida bolsões de pobreza se expressando na precarização da infra-estrutura
física e pela ausência de serviços públicos: transporte, saneamento, segurança etc.
A cidade contemporânea como produto do capitalismo é o lugar das demarcações da riqueza e
da pobreza, lugar onde a luta de classe se manifesta implacavelmente tanto nas relações de
trabalho e exploração, como na forma que se processa a apropriação do espaço urbano.
Salvador, enquanto metrópole do capitalismo periférico serve como referência para analisarmos
como a desigualdade social se territorializa no tecido urbano. Com aproximadamente 2,8
milhões de habitantes (IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – 2007), Salvador é
a terceira cidade mais populosa do país e comanda a sexta região metropolitana brasileira, com
quase 3,3 milhões de habitantes. De acordo com estudos de Almeida e Damasceno (2005, p.32)
Salvador cresceu à taxa de 1,9% no ano de 2004: mais rápido que Recife e Belo Horizonte, mas
a uma velocidade inferior à de Fortaleza e Brasília.
A pobreza urbana tem formas próprias de manifestação e concentração na urbe contemporânea,
e sempre se mostra associada à desigualdade do desenvolvimento econômico, que exclui uma
grande parcela da população. Em Salvador, assim como em outras capitais, a pobreza se
materializa no espaço urbano através do improviso das formas de moradia e das maneiras de
ocupar os espaços da cidade. A população empobrecida cria estratégias para lidar com a
pobreza, contudo as formas de apropriação de seu espaço na cidade seguem o comando da
lógica do mercado imobiliário, que reserva lugares específicos, para a pobreza e para o pobre.
Constituindo um padrão de apropriação do espaço urbano que demarcam quais serão os
territórios de pobreza e de riqueza, os espaços feios e bonitos, a cidade legal e ilegal. Neste
contexto, este artigo tem com um de seus objetivos compreender como se constituiu e se
consolidou os territórios de pobreza em Salvador-BA, a partir de uma análise correlacionada
com o desenvolvimento da tessitura do tecido urbano e os processos sociais que se fizeram
presentes nas formas de apropriação e ocupação da terra urbana em Salvador-BA.
Os territórios urbanos da população pobre de Salvador, assim como os de outras cidades com
mesma tipologia de desigualdade, são inexoravelmente demarcados pela lógica do mercado
imobiliário, que reserva lugares específicos para a pobreza e para o pobre. Estes lugares
produzidos por um Estado que se atrela aos interesses neoliberais (HARVEY, 2004, p.45.) “são
esquecidos pelo poder público, redundando em espaços periféricos com urbanização precária,
redutos da violência e da segregação social”.
O Subúrbio Ferroviário compõe um dos maiores territórios de pobreza de Salvador tem
aproximadamente 500 mil habitantes de acordo com o último censo do IBGE, em sua maioria
negros, pobres e com baixa escolaridade, vítimas dos maiores índices da violência urbana do
contexto metropolitano. Nesta área há predominância de habitações precárias e deficientes, com
aglomerados de barracos em morros, encostas e até mesmo sobre a Baía de Todos os Santos.
A área que conhecemos como “miolo urbano” de Salvador, assim denominado desde os estudos
do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PLANDURB/1970). É formada por cerca de 40
bairros que ocupam aproximadamente 36% da superfície da cidade, em uma densidade
demográfica no intervalo de [15.000 – 25.000 hab/km2], sendo que a parte mais densa
corresponde ao do complexo de Cajazeiras6, a população que compõem estas áreas sofre com a
falta de infra-estrutura urbana básica e com a falta de serviços básicos: educação, saúde, lazer
etc.
As áreas urbanas pobres e precarizadas de Salvador não se restringem a duas áreas referidas,
mas a observação e o contato com as mesmas nos provoca a desenvolver algumas reflexões e
questionamentos, que podem ser utilizados como
sinalizadores de compreensões sobre a
territorialização da pobreza urbana em Salvador.
A constituição dos territórios de pobreza em Salvador-BA, foi obediente à lógica
imobiliária capitalista que direcionou os pobres para áreas periféricas e menos
valorizadas. Situação que fortaleceu o “padrão periférico” de urbanização que pode ser
compreendido como um tipo de apropriação do espaço urbano que atende aos interesses
da classe dominante. Uma outra reflexão que destacamos neste estudo é que a cidade
como um produto do capitalismo tende a obedecer as re-invenções do capital, que na
versão neo-liberal, se manifesta na urbe através de territórios que se diferenciam, tanto
pela situação física das edificações, como pela presença ou não do Estado de Direito.
Tal situação, nos leva a categorizar a cidade como formal, informal, legal e ilegal,
demarcando assim, territórios de riqueza e territórios de pobreza.
6
O Complexo Habitacional de Cajazeiras – com 13 conjuntos habitacionais, abrangendo cerca de 18.523, possui hoje
aproximadamente 400 mil habitantes.
Os territórios dos herdeiros da pobreza em Salvador se aglomeram principalmente na área
sudoeste composta pelo Subúrbio Ferroviário e na área norte do miolo urbano – parte
geograficamente central do município – nas últimas décadas houve uma ocupação mista,
na área do miolo, mas com predominância de áreas residenciais. Segundo Ângela
Gordilho Souza (2000, p. 60) é notória a ausência de grandes equipamentos urbanos nas
zonas habitacionais sudoeste e norte da cidade, correspondendo ao Subúrbio e Miolo que,
como visto, representam as áreas de moradia da maioria da população com
predominância de rendas mais baixas.
No Subúrbio, predomina a informalidade, em termos urbanísticos e de
mercado, assim como a precariedade. No Miolo coexistem habitações
formais, conjuntos habitacionais de baixo padrão, loteamentos
populares e moradias precárias. [...] Em uma região caracterizada pela
pobreza de sua população, paradoxalmente, grande parte dos habitantes
são proprietários de seus domicílios – precários ou não – podendo-se
inferir que a impossibilidade de acesso da maior parte da população ao
mercado imobiliário formal, e as soluções como aluguel de habitações
,a leva a produzir sua própria moradia. [...] Isso quer dizer que mais
de 80% dos domicílios são próprios e só 10% não é, também , de
proprietários dos terrenos, o que se explica pelas invasões e a
autoconstrução, processos
motivados, em grande parte, pela
impossibilidade da população de adquirir suas moradias e, também ,
pela carência de políticas públicas direcionadas a essa questão.
(PEREIRA, G. C.; SOUZA, Â. G. 2006, p. 143)
Como conseqüência de um processo de urbanização, com territórios marcados por
diferenças econômicas e raciais, constituído a partir de formas próprias de negociar e
ocupar a terra urbana (lote/espaço), temos a proliferação de um padrão de urbanização
segregacionista, gerando o fenômeno da periferização que aguça a discriminação por
classe, na mesma esteira de uma das mais cínicas formas de estruturar intervenções
urbanas movidas por uma ideologia de controle e separação a se expressar na forma
desigual da apropriação do solo urbano em Salvador, com a criação de áreas de “vocação
para classes de baixa renda”.
OPERACIONALIZAÇÃO DIDÁTICA DA INCURSÃO
Objetivos:
-Compreender as transformações urbanas de Salvador a partir de um olhar investigativo
vislumbrando o Subúrbio Ferroviário de Salvador.
-Desconstruir os vícios de uma percepção centrista voltada apenas para a “cidade dos ricos”,
e que estigmatiza a “cidade dos pobres” destacando os condicionantes da segregação urbana,
exclusão social, violências e sub cidadanias na capital Baiana.
-Dialogar diretamente com história, geografia, biologia, química, sociologia, filosofia e
literatura.
Metodologia:
Incursão no subúrbio ferroviário com aula- interdisciplinar, direcionada à percepção
interpretativa dos antagonismos de classe e sua materialização no território urbano
(sociologia); a história do subúrbio e da cidade de Salvador, sinalizando compreensões para a
formação de bairros operários, como os que compõem o subúrbio ferroviário (história);
espacialização da pobreza em suas relações topográficas, península itapagipana, baia de
todos os santos, alto do cabrito – a geografia da pobreza (geografia); poluição ambiental,
lixo, a cidade como um organismo vivo e dispare a depender da situação de classe (química e
biologia); a estetização da pobreza (literatura, filosofia e sociologia).
Produtos:
- Produção de Vídeo de 6’ a 10’, focalizando em uma das sub temáticas abordadas na aula
interdisciplinar.
- Promover evento de lançamento do Vídeo com mobilização da escola para irem assistir, e
participar da premiação do melhor vídeo sobre o subúrbio.
- Elaboração de Cartazes (A3) para divulgação do evento na escola e no facebook.
Considerações Finais
As experiências pedagógicas manifestas neste artigo nos levam a acreditar que a cidade
como objeto interdisciplinar de estudo de iniciação a pesquisa permite desenvolvermos
estratégias de ensino que leve os alunos a conhecer o mundo real e a realizarem sobre ele
a leitura critica. As incursões ao Subúrbio Ferroviário de Salvador e Feira de São Joaquim,
além de possibilitar o encontro do conhecimento escolar com o conhecimento popular, pois
o primeiro é estimulado a reconhecer e valorizar o segundo, possibilitar a realização de uma
atividade de pesquisa interdisciplinar, promovendo a leitura crítica de realidades e o
amadurecimento intelectivo.
A sociologia entra como componente mobilizador, desvelador
da crítica consciente e
articulador de problemáticas interdisciplinares. Legitimando a afirmativa que as práticas
interdisciplinares tornam-se necessárias nos cenários complexos contemporâneos, sendo
preciso que o professor saia do seu tradicional isolamento e se disponha a participar de
experiências compartilhadas, abandonando a atuação isolada.
A interdisciplinaridade e a iniciação a pesquisa cientifica articuladas pela sociologia
além de anunciar outras formas de pensar a realidade, anunciam outras atitudes diante
do ensino. Participar de experiências de ensino compartilhado abre os horizontes da
docência para discutir a própria prática pedagógica. Esta possibilidade é fundamental
para a educação se desenvolver e para a leitura de mundo se converter em
transformação de realidade.
Referências:
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FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho Ensinar e aprender com sentido. São
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HARVEY, David. Espaços de Esperança. Capítulo 3 - Operários de todo o mundo,
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GT3.3.2 A cidade como objeto interdisciplinar de - labes