O “PRIMO POBRE” ENRIQUECEU - O ÁLCOOL BRASILEIRO Juliana Cristina Teixeira Domingues1 “A mecanização da colheita de cana-de-açúcar é uma tendência irreversível e se dá de forma cada vez mais rápida no Brasil, impelida pela igualmente frágil expansão do setor sucroalcooleiro e exigências da legislação ambiental. Outros processos do sistema de produção, como o plantio, também começa a ser mecanizados, tecnologias que segundo os técnicos do setor chegaram para ficar, o que se justifica também pela redução de custos, aumento de competitividade, crescimento da área canavieira e dificuldade em arregimentar mão-de-obra.” 2 APRESENTAÇÃO Este trabalho tem como objetivo sinalizar nossas primeiras pontuações e reflexões sobre nosso objeto de estudo, ou seja, a reestruturação produtiva sulcro-alcooleira, bem como seus rebatimentos aos trabalhadores deste setor. A efervescência em volta da discussão sobre novas formas de energia, sobretudo o álcool brasileiro fez com que o biocombustível tornasse foco de inúmeras pesquisas. Entretanto acreditamos que a revolução tecnológica deste setor tem acarretado a “classe-que-vive-do-trabalho”3 perdas imensuráveis, agravada ainda mais se levarmos em consideração que este setor é um dos que mais empregam mão-de-obra sem qualificação (cortadores-de-cana). E exemplo a outros setores como o bancário essa força de trabalho esta sendo substituída por máquinas e não se está pensando onde estes trabalhadores irão se enquadrar. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODÓLOGICA Para dar fundamentação teórico-metodológica a estas questões as quais nos propusemos discutir temos nos pautado na realização de pesquisa bibliográfica e documental, na coleta de informações por meio de fontes primárias e secundárias e de entrevistas junto aos representantes das agroindústrias canavieiras, dos trabalhadores e da comunidade local, etc. 1 Aluna do programa de pós graduação mestrado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected] 2 3 Cana O Jornal da Bioenergia – Maio/ Junho de 2007 Ano 1 nº 10. Embora atualmente haja algumas discordância em relação a este termo criado por Ricardo Antunes, acreditamos que este ainda seja a forma mais correta para descrever aqueles que sobrevivem apenas da sua força de trabalho. Para nos embasarmos teoricamente acerca das questões mais amplas que envolvem a temática do trabalho nos pautamos em autores como: Antunes (1997) e (2001); Alves (2000); Mészáros (2002); Thomaz Jr. (2002), (2003). Sobre as questões específicas da atividade canavieira buscamos embasamento em autores como: Ferreira, (1987); Hirata (1994); Nascimento (2001); Thomaz Jr. (2002), (2003), entre outros. O Histórico do Álcool (Proálcool) no Brasil Todos nós já ouvimos dizer que a “história é cíclica”, embora não concorde com essa idéia um ponto deve ser analisado. Se buscarmos nos livros de história verificaremos que uma das primeiras fontes econômicas do Brasil foi o Ciclo do Açúcar, tendo como principal matéria prima a Cana-de-açucar. Hoje a cana-de-açúcar novamente tem ditado padrões na economia nacional. Agora não somente com o açúcar, mas com um derivado que tem chamado à atenção internacional o Álcool ou o Etanol como é mundialmente conhecido. No entanto a história do Álcool no Brasil nem sempre teve essa trajetória de sucesso. Logo após a crise de petróleo dos anos 70, e a descoberta que era um bem esgotável, o mundo passou a buscar alternativas de combustível. O governo brasileiro lança então um projeto denominado PROALCOOL, onde financia através de recursos muitas vezes a fundo perdido um programa de desenvolvimento de combustível e veículos movido a álcool. Segundo Maria Elizete de Oliveira, temos: “O proálcool, Programa Nacional do Álcool, foi definido em novembro de 1975 e acelerado a partir de julho de 1979, numa tentativa do governo brasileiro de encontrar uma solução para se desenvolver fontes alternativas de energia líquida. Este programa federal, administrado pelo Ministério da Indústria e Comércio através da CENAL – Comissão Executiva Nacional do álcool – tinha por objetivo o aumento da produção de safras agroenergéticas e da capacidade industrial e transformação, visando a obtenção de álcool para substituir o petróleo e seus derivados, em especial a gasolina” 4 Já para Luiza Margion: “O Programa Nacional do Álcool (Proálcool), iniciado pelo governo militar em 1975, foi uma resposta direta à primeira crise do petróleo, em 1973, quando os preços do produto quadruplicaram subitamente. O objetivo principal era substituir as importações da gasolina, mas foi além, e tornou-se o maior programa comercial no uso de biomassa para fins energéticos até final dos anos 80. A primeira fase do Proálcool foi adicionar álcool anidro à gasolina. O governo investiu sete bilhões de dólares até 1985 em subsídios. A Petrobras era responsável pela compra de toda a produção, transporte e distribuição, enquanto as indústrias recebiam incentivos e 4 Citação extraída do artigo de: OLIVEIRA, Maria Elizete e NETO, Wenceslau Gonçalves. “Proálcool: Alternativa ao Petróleo? (1975-1980). tecnologia para fabricar carros a álcool. O objetivo era diminuir a dependência externa de energia, mas também propiciar melhora no balanço de pagamentos, expandir a produção de bens de capital e gerar empregos e melhor distribuição de renda, além de reduzir a poluição nos centros urbanos. Um êxito inegável do programa foi exatamente o de promover sinergias, aliando indústria e instituições de pesquisa, sempre com apoio governamental no desenvolvimento de tecnologia, política industrial, planejamento energético, agricultura. Para André Furtado, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp, o Proálcool foi bem sucedido, embora passível de críticas: “A locação dos recursos não era muito racional. Por exemplo, muitas destilarias foram construídas e abandonadas, os recursos públicos foram mal empregados”. Furtado também critica o elitismo do Proálcool: “O programa, ao contrário do que muitos historiadores afirmam, não foi um programa de distribuição de renda. Houve intensificação do trabalho no campo e grande concentração no Sul e Nordeste. Não houve desenvolvimento no interior do país. A idéia inicial do Proálcool era ajudar a pequena propriedade, o que também não aconteceu. A monocultura sempre tomou esse espaço, desde os primórdios da história do Brasil”, critica o pesquisador. Em 1979, após o segundo choque do petróleo, ocasionado pela paralisação da produção iraniana, o Brasil, lançou a segunda fase do Proálcool, a partir de destilarias autônomas e álcool hidratado. Os financiamentos chegavam a cobrir até 80% do investimento fixo para destilarias e os primeiros veículos a álcool já eram comercializados no mercado nacional. O lobby canavieiro garantiu o Proálcool, mas o desenvolvimento de outros combustíveis alternativos, como o biodiesel, não tiveram a mesma sorte.”5 Um outro ponto a ser analisado em relação ao Proálcool é o fato dos preços e a política para o setor ser administrada pelo governo federal, havia uma regulação estatal na produção canavieira. Com os subsídios e o incentivo do governo a frota de carros a álcool no país elevou e as usinas não conseguiram suprir o mercado, o que acarretou uma crise no setor no final da década de 80 até os meados de 90. O preço do álcool alcançou suas menores cifras e o custo de produção suas maiores, mudanças foram necessárias para enfrentar esta crise. Para Rita de Cássia Murta Rocha Soares: “A partir de 1995, o Ministério da Integração Regional – MIR - foi extinto, transferindo-se a responsabilidade com o setor sucroalcooleiro para o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo – MICT, Medida Provisória n° 813, de 1.1.95. Porém, no ano de 1999, através da Medida Provisória n° 1.795, de 01.01.99, o MICT foi transformado em Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio –MDIC, mantendo-se a responsabilidade com o setor sucroalcooleiro. Ainda no mesmo ano, a responsabilidade com o setor passou a ser do Ministério da Agricultura e Abastecimento, Medida Provisória n° 1.911- 8, de 29.7.99. Em 2001, o Ministério da Agricultura e Abastecimento foi alterado para Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, através da Medida Provisória n° 2.216- 37, de 31.8.2001, ficando mantida a sucessão do IAA e a transferência dos encargos sucroalcooleiros para esse Ministério. Ressalta-se que em 1997 foi criado o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool – CIMA, composto por vários ministérios, sendo presidido pelo Ministro 5 Texto extraído da Reportagem de: BRAGION, Luiza. “O Proálcool renasce.” In: Com Ciência Revista Eletrônica de Jornalismo Cientifico. http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=23&id=254&tipo=0. Pesquisa efetuada em: 29/06/2007. da Agricultura e Abastecimento, mas as decisões sobre o setor passavam a ser deliberadas a partir da aprovação do Conselho.”6 A partir de então as usinas começaram a ter autonomia em relação à regulamentação do produto, discutindo junto com o conselho medidas para o setor, havendo assim um retorno do desenvolvimento e ao avanço do setor sulcro-alcooleiro. O Setor Sulcro-alcooleiro pós fim da regulação de mercado Recentemente tivemos a vista do presidente dos Estados Unidos George W. Bush ao Brasil, um dos itens de sua pauta era se interar sobre a produção de álcool no país. A qual teve repercussão em âmbito mundial. Todo esse alarde tem uma justificativa. O aumento de exportação e a qualidade do álcool brasileiro no mercado mundial. Após o fim da regulação do Estado ao setor sulcroalcooleiro, o mesmo tomou outras diretrizes para se fortificar. Tendo a seu favor o “fator sorte”, o Tratado de Quioto. Segundo Wikipédia a Enciclopédia Livre, o Tratado de Quioto se resume: “O Protocolo de Quioto é consequência de uma série de eventos iniciada com a Toronto Conference on the Changing Atmosphere, no Canadá (outubro de 1988), seguida pelo IPCC's First Assessment Report em Sundsvall, Suécia (agosto de 1990) e que culminou com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CQNUMC, ou UNFCCC em inglês) na ECO-92 no Rio de Janeiro, Brasil (junho de 1992). Também reforça seções da CQNUMC.Constitui-se no protocolo de um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como causa do aquecimento global. Discutido e negociado em Quioto no Japão em 1997, foi aberto para assinaturas em 16 de março de 1998 e ratificado em 15 de março de 1999. Oficialmente entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, depois que a Rússia o ratificou em Novembro de 2004. Por ele se propõe um calendário pelo qual os países desenvolvidos têm a obrigação de reduzir a quantidade de gases poluentes em, pelo menos, 5,2% até 2012, em relação aos níveis de 1990. Os países signatários terão que colocar em prática planos para reduzir a emissão desses gases entre 2008 e 2012. A redução das emissões deverá acontecer em várias atividades econômicas. O protocolo estimula os países signatários a cooperarem entre si, através de algumas ações básicas: Reformar os setores de energia e transportes; Promover o uso de fontes energéticas renováveis; Eliminar mecanismos financeiros e de mercado inapropriados aos fins da Convenção; Limitar as emissões de metano no gerenciamento de resíduos e dos sistemas energéticos; Proteger florestas e outros sumidouros de carbono.”7 Quando atribuímos a questão de “fator sorte” é fato se analisarmos que concomitantemente a liberação do setor estivesse havendo discussões referente a fontes renováveis de energia e a necessidade urgente de limitar o gás carbônico na atmosfera. 6 Texto extraído da dissertação de mestrado de: SOARES, Rita de Cássia Murta Rocha “A particularidade da responsabilidade social no setor sucroalcooleiro de Alagoas” Curso de PósGraduação em Serviço Social Universidade Federal de Pernambuco. 7 Texto extraído da Wikipédia Enciclopédia Livre, artigo “Protocolo de Quioto” endereço eletrônico http://pt.wikipedia.org/wiki/Protocolo_de_Quioto. Pesquisa efetuada em 18/06/2007. Sendo uma das fontes desse fenômeno os gases oriundos sobre tudo da queima dos derivados de petróleo. Tornando o setor sulcroalcooleiro do Brasil detentor da técnica de produzir combustível de derivados de fontes renováveis, no caso o álcool (etanol) brasileiro. Também podemos atribuir a esse “fator sorte” a intenção de algumas montadoras em aderir ao Tratado de Quioto, havendo a substituição de frotas inteiramente movidas a gasolina, por frota flex. O que acabou por refletir diretamente no aumento de exportação do álcool brasileiro. Segundo Reportagem do Jornal Folha de São Paulo: “O sucesso do bicombustível também representa a proximidade do fim do carro a álcool. Nos dois primeiros meses do ano, foram vendidos no Brasil 57.654 unidades do bicombustível e apenas 6.646 veículos movidos somente a álcool.” 8 Para conseguir manter o abastecimento tanto do mercado interno como do mercado externo as usinas tiveram que passar por uma transformação, não somente tecnológica mais também de gerência administrativa. Essas transformações refletiram diretamente no trabalhador do setor. Pois, nas usinas devido a evolução tecnológica aumentou significativamente a necessidade de mão-de-obra especializada para trabalhar na fabricação do álcool. Para Maria Aparecida Moraes Silva: “Diversos autores (Silva, 1981; Alves 1991; Veiga Filho et alii, 1994) mostram que o processo de modernização da cultura canavieira atinge as várias fases do processo produtivo, desde a preparação do solo, plantio, colheita e transporte da cana até a área industrial da usina. Isso tem sido feito por meio de inovações tecnológicas, biológicas, físicas, químicas etc. desde os anos de 1970, muitos centros de pesquisas da região, sem contar a implantação recente do curso de graduação de Engenharia de Produção Agronômica, da UFSCar, vem desenvolvendo pesquisas na área da Biotecnologia, voltadas, principalmente, para as novas variedades genéticas da Cana.”9 Todas essas transformações resultaram na reestruturação produtiva do setor. Da qual extraímos nosso problema sociológico. Pois, embora haja uma infinidade de pesquisas na área sulcroalcooleira, ainda é muito incipiente o debate em relação a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto neste setor. Principalmente se levarmos em consideração que é um dos últimos setores que empregam mão-de-obra sem qualificação (cortador-de-cana)10. 8 Carros 1.0 da Fiat e Volks vão rodar com álcool ou gasolina. Folha de São Paulo, 15-05-2007. ANTUNES, Ricardo e SILVA, Maria Aparecida Moraes (orgs). O AVESSO DO TRABALHO. 1 ED. São Paulo: Expressão Popular, 2004 Capítulo: “Se eu pudesse, eu quebraria todas as máquinas”. Pg.3233. 10 Não entraremos no mérito das pesquisas realizadas em relação a exploração dessa demanda e das condições em que o trabalhador está submetido. No entanto é uma realidade também a ser observada. 9 A Reestruturação Produtiva No final do século XIX e início do século XX, com o advento da Teoria Administrativa, surgem no cenário de administração formas de gerenciamento, que fundamentaria a partir de então o cotidiano da classe trabalhadora. Estava decretada a era do Fordismo e Taylorismo, que tinha como objetivo melhorar o tempo e o volume de produção nas indústrias. Esse modelo é conhecido como rígido. Em Ricardo Antunes temos: “De maneira sintética, podemos indicar que o binômio taylorismo/fordismo, expressão dominante do sistema produtivo e de seu respectivo processo de trabalho, que vigorou na grande indústria, ao longo praticamente do século XX, sobretudo a partir da segunda década, baseava-se na produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais homogeineizada e enormemente verticalizada,”11 No entanto a partir da década de 70 desponta no cenário mundial “uma nova forma de administração”12 conhecida como Toyotismo. O toyotismo diferente do Fordismo tem sua estrutura pautada a partir de uma produção mais heterogênea e horizontalizada. Segundo Antunes: “O toyotismo, como via japonesa de expansão e consolidação do capitalismo monopolista industrial, e uma forma de organização do trabalho que nasce na Toyota, no Japão pós 45, e que, muito rapidamente, se propaga para as grandes companhias daquele país. Ele se diferencia do fordismo principalmente nos seguintes traços: é uma produção vinculada a demanda, fundamenta-se no trabalho operário em equipe, a produção se estrutura num processo produtivo flexível, tem como principio o Just in time, funciona segundo o sistema de Kanban, tem uma estrutura horizontalizada, organiza os Círculos de Controle e Qualidade (CCQs)”13 Embora essas mudanças tenham acontecido a partir da década de 70 em âmbito mundial a conjuntura nacional era outra. Na década de 70 o Brasil estava vivendo os últimos anos de uma ditadura militar, a qual relutava em se manter no poder. A questão econômica era regulamentada pelo estado como um roupagem de “pseudo” Estado máximo. É somente a partir da década de noventa que o Brasil, passa por transformações significativas. No âmbito dos direitos sociais se consolida a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã. Há uma nova postura frente à forma de administrar o país, inicia o processo de abertura de mercado e a concepção neoliberal através de privatizações e a presença cada vez maior de um Estado mínimo. Essas modificações acarretadas pelo neoliberalismo principalmente na sua forma mais avançada de globalização do Capital, teve reflexos significativos no 11 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 4ª edição. São Paul: Boitempo, 2001.pg.36 12 Há bastante divergência se realmente é uma nova forma de administração. Ver Ricardo Antunes. mundo do trabalho e em sua forma de administração. As empresas buscam inovação tecnológica, diminuir cada vez mais o custo para a produção de produtos e luta para se manter no mercado. Para isso a uma vertiginosa mudança de pensamento da organização do trabalho nas indústrias nacionais. Há uma crescente terceirização de serviços, empresas que anteriormente dominavam todo o processo de produção vêem na fragmentação e terceirização um caminho para diminuir custos. Outro fenômeno e a necessidade da indústria nacional se modernizar através de novas tecnologias e avanço no sistema de informatização, isso acarretou perdas significativas em postos de trabalho. Há também a exigência de mercado de produtos cada vez mais qualificados, e as empresas iniciam a busca pela certificação de produtos, qualidade total através de círculos de controle de qualidade (CCQs). Segundo Simone Wolff: “O objetivo maior desses princípios – ou políticas de gestão de trabalho – era o estabelecimento de uma “base de conduta consistente” que orientasse tanto a gerencia quanto os trabalhadores a agir de acordo com o novo objetivo, portanto, era assegurar a sobrevivência das empresas mediante uma efetiva mudança cultural que propiciasse sua adequação e preservação ao quadro extremamente competitivo que se esboçava.” 14 Já no âmbito do setor sulcro alcooleiro essa mudança é ainda mais recente, é apenas nos últimos anos que as usinas de açúcar iniciam sua reestruturação produtiva. No entanto as transformações conforme descrita no tópico acima, não deixa a desejar se comparados a outros setores. Utilizando novamente a citação de Maria Aparecida Moraes Silva, a completaremos para exemplificar nossa ponderação: “Diversos autores (Silva, 1981; Alves 1991; Veiga Filho et alii, 1994) mostram que o processo de modernização da cultura canavieira atinge as várias fases do processo produtivo, desde a preparação do solo, plantio, colheita e transporte da cana até a área industrial da usina. Isso tem sido feito por meio de inovações tecnológicas, biológicas, físicas, químicas etc. desde os anos de 1970, muitos centros de pesquisas da região, sem contar a implantação recente do curso de graduação de Engenharia de Produção Agronômica, da UFSCar, vem desenvolvendo pesquisas na área da Biotecnologia, voltadas, principalmente, para as novas variedades genéticas da Cana. Com isso, registram-se melhoramentos expressivos nos teores de sacarose, no controle de pragas e no prolongamento da vida útil da planta, aumentando, assim, o número de cortes, sem necessidade de replanta. Observa-se, também, a criação das biofábricas de cana, verdadeiros laboratórios, onde plantas são produzidas in vitro e onde são controlados os aspectos fitossanitários. Isso tem permitido a elevação de níveis de em até 30%, além de aumentar a longividade do canavial. Ao lado dessas 13 Idem pg.55 WOLFF, Simone. Informatização do trabalho e reificação: uma análise à luz dos programas de qualidade total. Editora Unicamp, Eduel, 2005. pg. 185. 14 transformações biológicas, há que se registrar enorme variedade de produtos químicos em pregados no controle de pragas, doenças e ervas daninhas, sem contar que a carpa manual foi substituída pela carpa química. Tais inovações, sem sombra de dúvidas, aumentaram a produtividade do trabalho e diminuíram a quantidade de trabalhadores empregados. ”15 Ainda em Maria Maria Aparecida Moraes Silva: “O plantio era caracterizado pela combinação de homens maquinas. Essa fase exigia um grande dispêndio de energias por parte de trabalhadores, pois eram obrigados a operar no ritmo dos tratores. Nos últimos anos da década de 1990, houve também mecanização dessa atividade, que ocupava grande quantidade de mão-de-obra. Atualmente, já está sendo utilizado um equipamento que junta a palha deixada depois da colheita. O referido equipamento permite tratar o solo sem a necessidade de juntar a palha. No que se refere ao trato da cultura, o processo de adubação é feito por máquinas, cada vez mais apropriadas para não danificar o terreno e as plantas. Para a aplicação de produtos químicos, empregam-se também aviões, diminuindo, drasticamente, a utilização de mão-de-obra.”16 Conforme relatado nessas citações a reestruturação produtiva do setor sulcro alcooleiro está em pleno vapor, sendo o foco de nossa pesquisa estudar esse fenômeno e seus reflexos na Cooperativa Agroindustrial do Vale do Ivaí no município de Jandaia do Sul, que a um ano implantou o CCQs para pelitear o Isso 9002, e onde verifica-se de forma bastante emergente todo esse cenário. Considerações finais Vimos neste estudo, que a década de 70 (setenta) do século XX detém sua importância no contexto mundial econômico, entre outros fatos pela descoberta da denominada “Crise do Petróleo”. Acontecimento este que abalou o Modelo Capitalista constatando que seu combustível era uma fonte esgotável. Inicia então a corrida por novas formas de 15 ANTUNES, Ricardo e SILVA, Maria Aparecida Moraes (orgs). O AVESSO DO TRABALHO. 1 ED. São Paulo: Expressão Popular, 2004 Capítulo: “Se eu pudesse, eu quebraria todas as máquinas”. Pg.3233. energia. O Brasil faz sua contribuição utilizando uma matéria prima que nos primórdios de sua colonização já lhe proporcionara riqueza, a “cana-de-Açucar”, não como no “Ciclo da Cana” oferecendo açúcar, mas com um novo produto o ÁLCOOL ou ETANOL. Tal contribuição “esquentou” o mercado interno, pois, o Governo Federal cria o PROALCOOL – Programa do Álcool Brasileiro, oferecendo subsídios a “fundo perdido” aos interessados em criar usinas e destilarias de álcool, há uma significativa adesão por parte dos agricultores e o surgimento de várias cooperativas para produzir o bem. Paralelamente, o setor automobilístico também recebe uma “injeção” de ânimo com o PROALCOOL e o Brasil passa a construir carros movidos pelo novo “combustível”. Sendo tarefa do governo federal, organizar a logística da distribuição e tabelar o preço. Entretanto na década de 90 (noventa) através da abertura das fronteiras comerciais brasileiras, e as sucessivas crises ocorridas na década de 80 (oitenta) pelo Proálcool sobretudo pelas greves e escândalos envolvendo os cortadores de cana o Programa entra em crise. Várias usinas fecham as portas, iniciando assim, um movimento pelos usineiros para a desobrigação com o Estado em relação ao preço do combustível, almejando “liberdade” comercial para salvar o Álcool brasileiro da ruína, sendo alcançada a reinvidicação. Assim, nessa primeira década do século XXI , torna pauta do dia a questão ambiental, e a luta por energias renováveis, primeiramente pelo seu aspecto ecológico e segundo atribuindo a questão de auto-sustentabilidade. O Brasil se destaca nesta discussão apresentando a alternativa do biocombustível, produzido através da cana-de-açucar, o álcool brasileiro. Com isso novamente se beneficia o setor automobilístico e a construção de carros flex. Os modelos flex foram bem aceitos no mercado, primeiramente pela posição ecologicamente correta e pelo valor econômico sendo que em média custa metade do preço da gasolina. Todavia, concomitante a esses acontecimentos as técnicas de produção necessitaram de melhorias para responder a demanda de mercado, se no início do Proálcool a produção era basicamente artesanal, hoje as técnicas de produção são altamente sofisticadas, necessitando de tecnologia de ponta. Até mesmo nas lavouras onde tradicionalmente havia a figura do cortador de cana, hoje vem sendo substituída pelas as máquinas. Em pesquisa realizada junto a Cooperativa Agroindustrial do Vale do Ivaí – Cooperval, constatou-se que esta mudança pode ocasionar grandes perdas de postos de trabalho, dos 4.000 (quatro mil) funcionários que a empresa possuía em 1999, 3000 (três) mil eram cortadores de cana, 16 Idem pg.34. número este que reduziu a metade após a aquisição de máquinas para plantar e colher. Essas mudanças refletiram diretamente na economia dos municípios envolvidos, sendo uma região totalmente agrícola cerca de 70% (setenta) da população trabalhava na cooperativa, com a redução dos postos de trabalho já é visível os problemas sócioeconômicos, como constatado: aumento de 35% (trinta e cinco) de desemprego, fechamento de comércio local, diminuição de 15% na arrecadação municipal, e a imigração destes trabalhadores para outros centros. REFERÊNCIAS ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: Ensaio sobre a metamorfose e a centralidade do mundo do trabalho. S. Paulo: Cortez; Campinas: Editora UNICAMP, 1998. ________. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 4ª edição. São Paul: Boi tempo, 2001. ANTUNES, Ricardo e SILVA, Maria Aparecida Moraes (orgs). O AVESSO DO TRABALHO. 1ª ED. São Paulo: Expressão Popular, 2004 Capítulo: “Se eu pudesse, eu quebraria todas as máquinas”. Cana O Jornal da Bioenergia – Maio/ Junho de 2007 Ano 1 nº. 10 FERREIRA, Enéas Rente. A formação da região canavieira de Araraquara: O papel do Estado e das agroindústrias do açúcar e do álcool. (Tese de Doutorado) Unesp/Rio Claro, 1987. HIRATA, H. Novos modelos de produção, qualidade e produtividade. DIEESE: Seminários e Eventos, n. 1, 1994. OLIVEIRA, Maria Elizete e NETO, Wenceslau Gonçalves. “Proálcool: Alternativa ao Petróleo? (1975-1980). SOARES, Rita de Cássia Murta Rocha “A particularidade da responsabilidade social no setor sucroalcooleiro de Alagoas” Curso de Pós-Graduação em Serviço Social Universidade Federal de Pernambuco. THOMAZ JÚNIOR, A. Por trás dos canaviais, os (nós) da cana (uma contribuição ao entendimento da relação capital x trabalho e do movimento sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira paulista). S. Paulo: FFCLH/USP (Tese de Doutorado), 1996. WOLFF, Simone. Informatização do trabalho e reificação: uma análise à luz dos programas de qualidade total. Editora Unicamp, Eduel, 2005.