O PAPEL DAS INTERAÇÕES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM DE CRIANÇAS DE DOIS A TRÊS ANOS NA CRECHE
MARTINS, Josy Cristine – Universidade Positivo
[email protected]
FRANCO, Adriana de Fátima – Universidade Positivo
[email protected]
Eixo Temático: Educação Infantil
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Esta pesquisa teve como objetivo analisar, por meio do registro cursivo e da análise
microgenética, o papel da interação social criança-adulto sobre o desenvolvimento da
linguagem de crianças de dois a três anos em um Centro de Educação Infantil (CEI) de
Curitiba. Participaram da pesquisa 14 crianças, de dois a três anos, e duas educadoras. Para
tanto, foram realizados registros cursivos das interações criança-adulto, uma vez por semana,
por uma hora, durante três semanas. Os registros foram feitos por duas estagiárias do 2º ano
de Psicologia. Foi feita uma análise microgenética das situações registradas e as cenas
selecionadas foram agrupadas na categoria “O adulto como modelo”. Desde o nascimento, a
criança aprende as significações de seu universo cultural por intermédio do(s) outro(s) com os
quais convive. Daí a importância da presença dos adultos, principalmente nos primeiros anos
de vida das crianças, enquanto seus processos psicológicos são interpsíquicos, ou seja, são
partilhados entre pessoas.
Palavras-chave: crianças, adulto, interação social, desenvolvimento da linguagem, creche
Introdução
Esta pesquisa teve como objetivo analisar, por meio do registro cursivo e da análise
microgenética, o papel da interação social criança-adulto sobre o desenvolvimento da
linguagem de crianças de dois a três anos em um Centro de Educação Infantil (CEI) de
Curitiba. A proposta desta pesquisa surgiu a partir de outras atividades que estavam sendo
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realizadas neste CEI. Essas atividades chamaram a atenção para o fato da rotina da creche ser
essencial para o desenvolvimento das crianças que a freqüentam, pois é lá que elas passam a
maior parte do dia.
Para compreender o funcionamento e os objetivos das Instituições de Educação
Infantil é preciso conhecer um pouco da sua história. A educação infantil brasileira passou por
diversas modificações ao longo dos tempos, principalmente durante o processo de
industrialização, época em que as mulheres começaram a ingressar no mercado de trabalho.
Diante da necessidade da criação de um espaço em que as mulheres de classe baixa pudessem
deixar seus filhos para irem trabalhar surgem as primeiras creches para crianças a partir de
zero ano (KUHLMANN JR., 2000).
Apesar da legislação trabalhista prever, desde 1932, a existência de creches em
estabelecimentos que trabalhassem 30 ou mais mulheres, as creches e pré-escolas para
crianças de zero a seis anos só passaram a fazer parte do sistema educacional com a
promulgação da Constituição Federal, em 1988 e com a aprovação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96). (KUHLMANN JR., 2000).
Cerisara (1995) explica que a forma como as instituições de educação infantil estão
implantadas no país demonstra que a educação infantil ainda não superou a dicotomia assistireducar, construída historicamente, e isso prejudica a qualidade do trabalho realizado com as
crianças. Esta indefinição acerca do papel da educação infantil suscita uma série de
questionamentos relacionados à forma de se pensar a criança e o seu desenvolvimento.
Desta forma, o que se pretende analisar com esta pesquisa é o impacto das interações
sociais no desenvolvimento da linguagem de crianças de dois a três anos no ambiente de
creche, com base na abordagem sócio-histórica proposta por Vigotski1. Para o referido autor,
o homem é um ser emintentemente social, que se constitui na e pela interação humana, em
situações concretas de vida. Vygotsky (apud MOLON, 2003, p. 63) entende a criança como
um ser interativo, que constrói a si e seu conhecimento pelas suas ações.
Como Vigotski, Wallon (apud VASCONCELOS; VALSINER, 1995, p. 40) considera
a criança como social desde o nascimento, e seu desenvolvimento emerge de sua completa
imersão no mundo social com o qual interage. As interações sociais são, portanto, como
explica Valsiner (apud PALMIERI; BRANCO, 2007), a base fundamental para o
desenvolvimento humano, e atuam como “mediações constitutivas da linguagem, da emoção,
1
A autora optou por utilizar esta grafia para Vigotski, exceto se for citação de outros autores será mantida a
grafia utilizada pelos mesmos.
3909
da cognição e do conhecimento, enfim, do sujeito” (OLIVEIRA; GUANAES; COSTA, 2004,
p. 78).
A interação social é um componente necessário para que a criança adquira linguagem.
Além disso, a forma como ela interage com o meio social e a qualidade das informações que
ela recebe são fatores importantes para o domínio da linguagem (BORGES; SALOMÃO,
2003). Segundo Vigotski (1998, p. 117), a linguagem surge como um “meio comum entre a
criança e as pessoas em seu ambiente” e, como sua aquisição pode ser um “paradigma para o
problema da relação entre aprendizado e desenvolvimento”, seu estudo se mostra
fundamental.
O que se espera da escola, como explica Vasconcelos e Valsiner (1995, p. 57), é que
propicie às crianças oportunidades de experimentar aquilo que elas ainda não viveram, e
quanto mais cedo as crianças se envolvem em interações sociais, mais benefícios obterão a
curto ou longo prazo, tendo em vista as experiências e aprendizagens que resultam dessas
interações (GARTON, apud BORGES; SALOMÃO, 2003).
Para Vygotsky (1998, p. 33), o momento mais significativo do desenvolvimento
intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, se
verifica quando a fala e a atividade prática convergem. Por isso, optou-se por realizar esta
pesquisa durante as atividades que aconteciam na creche.
Método
Local: Centro de Educação Infantil de Curitiba
Participantes: 14 crianças de dois a três anos e duas educadoras
Instrumentos/Materiais: folhas de papel, canetas e lápis
Procedimentos: inicialmente, a pesquisa seria feita por meio de gravação em vídeo,
contudo, como a filmadora do Centro Psicológico estava estragada, a pesquisadora optou por
utilizar o registro cursivo das interações criança-adutlto, feito por duas estagiárias do 2º ano
de Psicologia. Os registros foram feitos durante três semanas, uma vez por semana, por uma
hora. As interações registradas ocorreram em situações de atividade livre. Na primeira sessão
estavam presentes 13 crianças e duas educadoras. A educadora espalhou diversas peças de
encaixe pelo chão e, à medida que as crianças acordavam, iam ao banheiro, calçavam os
sapatos com a ajuda da educadora e depois iam brincar com as peças. Na segunda sessão
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estavam presentes duas educadoras e 14 crianças. As educadoras disponibilizaram diversos
brinquedos, como bonecos, bonecas de pano, miniaturas, entre outros. Enquanto as crianças
manuseavam os objetos, ao fundo, tocavam músicas infantis. Na terceira e última sessão
estavam presentes duas educadoras e 14 crianças. Neste dia foram disponibilizados,
brinquedos diversos, sendo bonecos, bonecas de pano, miniaturas, brinquedos de encaixe
como lego, entre outros.
Análise dos dados: foi feita uma análise microgenética das situações registradas, ou
seja, as cenas de interação criança-educadora envolvendo linguagem, foram selecionadas e
agrupadas na categoria “o adulto como modelo”. Essa categoria foi analisada com base na
teoria para a elaboração deste artigo.
Resultado
O adulto como modelo
Desde o nascimento, a criança aprende as significações de seu universo cultural por
intermédio do(s) outro(s) com os quais convive. Segundo Vigotski, o desenvolvimento
humano é um processo cultural que precisa, necessariamente, ser mediado por um outro. No
que diz respeito às interações adulto-criança, mesmo havendo participação ativa de ambos, o
adulto, por estar imerso no mundo simbólico há mais tempo, tem mais condições de atribuir
significados às ações das crianças, contribuindo para a constituição de suas funções
psicológicas superiores (ZANELLA; ANDRADA, 2002).
Neste sentido, como apontam Vasconcelos e Rossetti-Ferreira (2004, p. 123), ao
interagir com as crianças – instruindo, apontando e representando – os adultos estão
promovendo-lhes, também, o desenvolvimento. Isto pode ser percebido no episódio transcrito
abaixo, no qual Diego cita uma regra que, provavelmente, lhe foi ensinada por um adulto, e a
professora a reafirma.
Amanda movimenta as peças montadas por Diego para a esquerda e
para a direita./ As peças montadas caem.
Diego diz: “Viu o que você fez?”
Diego olha para Luiza que também está sentada ao seu lado.
Amanda movimenta as peças.
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Educadora B. Anda próximo de Diego, Luiza e Amanda.
Diego diz: “Tia a gente tá bunitinho.”.
Educadora B. diz “Quem?”.
Diego diz: “A gente”.
Diego diz: “Quem não briga é bunitinho”.
Educadora B. diz: “É. Quem não briga é bunitinho”.
Diego diz: “A gente dormiu i daí aqui codo(...)”.
Educadora B. diz: “O quê?”
Diego diz: “A gente dormiu i daí aqui codo(...)”./ Volta a montar as
peças de plástico.
Este processo feito por Diego, de se apropriar de uma regra externa, dando-lhe uma
significação própria, foi chamado por Vigotski (1998) de internalização. Como explica
Vigotski (1998, p. 75), o processo de internalização se dá do nível social para o individual, do
interpsicológico para o intrapsicológico. Ou seja, a internalização dos aspectos culturais se
originam nas relações sociais mantidas entre os indivíduos.
No trecho a seguir, nota-se que Diego internalizou a regra de “não espalhar os
brinquedos” introduzida pelas professoras e, por meio da linguagem, a transmite para Ana.
Ana aproxima-se de Diego.
Diego olha na direção de Ana.
Diego diz: “Não Ana.”.
Ana retira as peças de plástico de dentro da caixa.
Diego pega as peças do chão e coloca uma a uma na caixa.
Diego diz: “Tudo dentro, Tudo dentro, Tudo dentro”.
Diego diz: “Guardando! Guardando Ana”.
Ana coloca os brinquedos de plástico dentro da caixa.
Diego olha em direção à Ana.
Durante a interação entre Ana e Diego, este imitou os gestos e entonações utilizadas
pelas professoras. Para Wallon (2007), a imitação nos primeiros anos de vida é fundamental
para o desenvolvimento mental da criança. Ao imitar o papel do adulto, tanto em aspectos
motores ou por meio da linguagem, a criança passa de um plano natural para um plano
simbólico, dos pensamentos. O significado do papel do adulto passa a existir na criança a
partir de sua representação simbólica. Ao imitar o papel do adulto a criança deixar de ser
comandada pelas leis naturais da sensorialidade e passa a ser comandado pelas leis da historia
e da cultura (PINO, 2005).
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Durante os registros notaram-se, diversas vezes, as crianças imitando as educadoras
em suas falas e gestos. No trecho abaixo, Diego não apenas transmite a Ana uma regra já
internalizada por ele, como também imita a postura do adulto ao empregar as regras,
recriando-as em seu plano pessoal e com significados próprios.
Diego diz: “Quem espalhou tudo?”./ Passa a mão no fundo da caixa
de brinquedos.
Diego diz: “Quem espalhou tudo?”./ Passa a mão no fundo da caixa
de brinquedos.
Diego diz: “Não tem nada aqui”.
Carolina olha na direção de Diego.
Diego olha em direção a Carolina.
Diego diz: “Carol você tá entendendo eu?”.
Carolina diz: “Não”.
Diego diz: “Não pode”.
O adulto exerce papel fundamental no desenvolvimento da criança, pois é por
intermédio dele que a criança entra em contato com a cultura e é guiado na construção de
significados. Neste sentido, Luria (2006, p.27) explica que as funções psicológicas superiores
das crianças só serão formadas pela mediação dos adultos, daí a importância da presença dos
adultos, principalmente nos primeiros anos de vida das crianças, enquanto seus processos
psicológicos são interpsíquicos, ou seja, são partilhados entre pessoas.
Considerações Finais
A pesquisa teórica permitiu perceber que persiste, ainda hoje, a idéia de que as
crianças, no início do seu desenvolvimento, interagem muito mais com os brinquedos do que
entre elas e com os adultos. Esta é, possivelmente, uma das razões para não serem realizadas
muitas pesquisas e trabalhos na área.
Diante da pesquisa realizada, ficou evidente o importância das interações sociais no
desenvolvimento das crianças, principalmente no que diz respeito às interações entre as
crianças e as educadoras. As crianças passam a maior parte de seus dias no Centro de
Educação Infantil, e é neste ambiente que fala e ação se convergem, contribuindo para o
desenvolvimento e para a aprendizagem das crianças.
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No que se refere às interações criança-adulto, ficou claro o papel que o adulto exerce
no desenvolvimento das crianças. Isto porque, as crianças entram em contato com a cultura e
a história do ambiente no estão inseridas por meio do adulto. Os adultos transmitem o
conhecimento, principalmente pela linguagem, e as crianças o internalizam, atribuindo
significados próprios.
A partir desta pesquisa identificou-se que a linguagem está fortemente presente nas
interações sociais estabelecidas neste de Centro de Educação Infantil de Curitiba, o que
contribui muito para o desenvolvimento da linguagem das crianças que passam o dia na
instituição. Além disso, como foi visto, a mediação dos adultos é essencial à formação das
funções psicológicas superiores das crianças, especialmente nos primeiros anos de vida.
Desta forma, é possível afirmar que as interações sociais que ocorrem nas Instituições
de Educação Infantil, inclusive as interação criança-adulto, influenciam no desenvolvimento
da criança. Isto é, enquanto interagem elas exercitam e desenvolvem a linguagem e entram em
contato com as experiências e significações construídas socialmente.
Com estas informações, espera-se que sejam desenvolvidas outras pesquisa
relacionadas ao tema. Não apenas pesquisas que envolvam o tema interações sociais em
Centros de Educação Infantil, mas outros temas como: a qualidade das atividades voltadas às
crianças nos Centros de Educação Infantil e como essas atividades auxiliam no
desenvolvimento infantil.
REFERÊNCIAS
BORGES, Lucivanda Cavalcante; SALOMÃO, Nádia Maria Ribeiro. Aquisição da
linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010279722003000200013&lng=pt&nrm=iso, acesso em 22 jul 2008.
CERISARA, Ana Beatriz. A educação infantil e as implicações pedagógicas do modelo
histórico-cultural. In: CADERNO CEDES. Implicações pedagógicas do modelo históricocultural. nº 35, Campinas: CEDES, 1995. p. 78-93.
KUHLMANN JR., Moysés. Histórias da educação infantil brasileira. Disponível em:
MOLON, Susana Inês. Subjetividade e constituição do sujeito em Vygostky. Petrópolis,
Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2003.
3914
OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de; GRANAES, Carla; COSTA, Nina Rosa do Amaral.
Discutindo o conceito de “jogos de papéis”: uma interface com a “teoria de
posicionamento”. In: ROSSETI-FERREIRA, Maria Clotilde; AMORIM, Kátia de Souza;
SILVA, Ana Paula Soares da; CARVALHO, Ana Maria Almeida (orgs.). Rede de
significações e o estudo do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 6980.
PALMIERI, Marilícia Witzler Antunes; BRANCO, Ângela Uchoa. Educação infantil,
cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva sociocultural.
Disponível
em:
http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141385572007000200014&lng=pt&nrm=is , acesso em 10 ago 2008.
PINO, Angel. As marcas do humano: às origens da constituição cultural da criança na
perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005.
VASCONCELOS, Vera M. R. de; VALSINER, Jaan. Perspectiva co-construtivista na
psicologia e na educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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