UM OUTRO RIO José Mário Rodrigues Se o meu amigo não tivesse tomado um porre de vinho na Alemanha, quando comemorava a tradução dos seus romances para o idioma de Goethe, estaria completando 90 anos neste mês de outubro. Ele tinha problemas cardiovasculares e, em Berlim, uma boa dosagem de emoção lhe envolveu e acabou por antecipar o seu fim, com todo o peso da eternidade. Estou falando de José Condé, autor de “Terra de Caruaru”, “Pensão Riso da Noite”, “Como uma Tarde em Dezembro”, “Vendo o Amanhecer em Macambira” e outros escritos, e que morreu em l971. Logo após o curso ginasial, em Caruaru, foi para o Rio de Janeiro, formou-se em Direito, mas tornou-se conhecido quando começou a escrever em “O Jornal”, na revista “O Cruzeiro”, no “Correio da Manhã” onde editava o Suplemento Literário, juntamente com Álvaro Lins, e assinava a coluna “Escritores e Livros”. Foi Joaquim Cardozo que me apresentou Zé Condé. Mas através de Pessoa de Moraes me aproximei do festejado autor do romance “ Um Ramo para Luiza”, que chegou a virar filme. Fiquei tão amigo do romancista que, uma vez em férias, hospedei-me em sua casa. Para descansar do dia-a-dia de colunista, Condé pedia que eu fizesse algumas resenhas e notícias literárias. Depois ele as revisava e podava os meus excessos de jornalista iniciante. Não esqueço da emoção que tive em fazer um comentário sobre o livro “ Poesia Até Agora”, de Drummond de Andrade. Mas essa minha rápida atividade criou também um certo malestar. Pessoa de Moraes queria que eu desse notícias suas todos os dias, dominado que estava pela ansiedade publicitária pós lançamento do livro “Sociologia da Revolução Brasileira”. O brilho de alguém, todos os dias, numa coluna de jornal, é impensável. Pena que Pessoa, com o passar dos anos, se consumiu em sua inigualável erudição e entrou num labirinto, desses que a vida vai ampliando no esquecimento. Um vez fui com Zé Condé, até a casa de sua ex-mulher, visitar suas filhas. Nessa época ele já vivia com Maria Luiza. O tratamento educado e cordial do ex-casal me deixou perplexo. Isto era algo inusitado para mim, acostumado a ver separações como coisas traumáticas e às vezes trágicas. Ele gostava, durante as tardes, de passar nas livrarias e depois fazer um passeio de carro em Copacabana e incluía-me nessas programações. O morro ainda não havia descido para o asfalto. Continuava como fonte de criatividade musical, tentando revelar os mistérios de uma mulher que “ pisava nos astros distraída”. A ditadura e a censura não conseguiam retirar de nós os sonhos nem as descobertas. Meus amigos escritores que viviam no Rio, todos nordestinos, eram bem mais velhos do que eu. Aprendi com eles a me libertar da preocupação de ser original, de querer superar os outros ou entrar no fuzuê da concorrência, tão comum ao mundo artístico-literário. Esses comportamentos vêm sempre acompanhados de um redemoinho de vaidade descambando, geralmente, para a arrogância. Salve, portanto, Luiz Luna, Sousa Barros, Moacir C. Lopes, Zé Condé, Joaquim Cardozo e Augusto Rodrigues. Ainda não havia conhecido Clarice Lispector nem lido os seus livros. Desse Rio que passou, ficou apenas um leito de areia branca em que tento, vez por outra, abrir cacimbas e retirar a água de que necessito para viver.