MÚCIO TEIXEIRA: POETA E HOMEM DE JORNAL
Paulo Roberto Alves dos Santos/UFSM1
Múcio Scévola Lopes Teixeira nasceu em 13 de setembro de 1857, em Porto
Alegre e recebeu esse nome em homenagem do pai ao romano Caio Múcio Cévola, que
viveu em fins do século V antes de Cristo. O início de sua trajetória se deu com a
publicação do volume de poesias intitulado Vozes trêmulas, que veio a público no início
de 1873, encontrando ressonância favorável na então pacata Porto Alegre. A cidade vivia
sob grande efervescência cultural por conta da fundação da Sociedade Partenon Literário,
entidade que exerceu, no Rio Grande do Sul, papel análogo ao do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro para o florescimento do Romantismo no Brasil.
Aos vinte anos, Múcio Teixeira viajou para o Rio de Janeiro, onde sua obra
também teve boa receptividade, segundo a opinião de importantes figuras, entre
Machado de Assis, que o apontou como uma das esperanças de renovação da literatura
brasileira. Em 1880, fixou-se em definitivo na Capital do Império, dedicando-se com
afinco à atividade de poeta, enquanto se tornavam mais assíduas as suas experiências
em outros ramos das letras. Foi um dos seus momentos de maior fecundidade, como se
verifica pela aparição de volumes de poesia, pelos textos para o teatro que escreveu no
período e pela intensificação de contribuições para a imprensa.
Poeta de habilidade reconhecida, dedicou a maior parte da trajetória ao gênero lírico,
embora também tenha composto versos cômicos com habilidade. Na prosa, além de dramas e
comédias, escreveu uma biografia de Castro Alves e outra de Dom Pedro II. É autor de dois
livros dedicados à História. A Revolução no Rio Grande do Sul, publicado em 1899, que
trata guerra civil ocorrida entre 1893 e 1895, desencadeada pela disputa do poder entre os
federalistas e os republicanos. O segundo, no qual descreve personalidades e aspectos
diversos do Rio Grande do Sul, denomina-se Os gaúchos e veio a público em 1922. Quando
morreu, em agosto de 1926, Múcio trabalhava na finalização de duas obras, um volume de
poesias, no qual reunia composições de vários períodos de sua trajetória com outras inéditas.
1
Doutor em Teoria da Literatura, pós-doutorado com o projeto de pesquisa intitulado Múcio Teixeira: a
trajetória singular em uma obra desenvolvido na Universidade Federal de Santa Maria.
ISBN: 978-85-7395-211-7
O livro de composições em versos permanece inédito, enquanto o romance histórico foi
publicado no ano de 1927. Intitulado O negro da Quinta Imperial, circulava na ocasião
sob a forma de folhetim pelas páginas do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro. O trabalho
se encontrava em estágio avançado quando Múcio Teixeira faleceu, somando cinco ou seis
capítulos já divulgados e outros tantos em fase de finalização, tarefa na qual ele trabalhou
durante as semanas em que padecia da doença da qual fora acometido.
O projeto literário de Múcio Teixeira consistia na ficcionalização de figuras e episódios
históricos, notadamente os ligados à monarquia brasileira, pela perspectiva de um serviçal dos
palácios imperiais. A inspiração para a criação da personagem principal foi a vida de Rafael,
negro nascido em Porto Alegre e levado para a Corte antes da Independência, graças à fama
conquistada pela participação nas guerras fronteiriças do Sul. Segundo o autor, o destemor
demonstrado no enfrentamento ao inimigo chegou aos ouvidos de Dom Pedro I que,
impressionado com os relatos, requisitou seus serviços para a função de criado particular.
Quando da abdicação para assumir a coroa portuguesa, o monarca entregou o filho deixado
como regente no Brasil aos cuidados informais daquele que fora seu criado de confiança,
criando as condições para o início de uma relação de afeto e dedicação que se prolongou por
mais de cinquenta anos, entre Dom Pedro II e o pajem. O desfecho da amizade foi trágico.
Debilitado, Rafael se locomovia com a dificuldade própria de quem contava
quase um século de existência, por isso passava a maior parte do tempo recluso no
cômodo que ocupava no palácio de São Cristóvão. Na manhã de dezesseis de novembro
de 1889, fazia uma de suas cada vez mais raras caminhadas pelas alamedas da quinta
sem conhecimento do que se passara na véspera. Ao encontrar um funcionário da
biblioteca, tomou conhecimento das ocorrências da véspera e da destituição do
imperador. A notícia inesperada provocou-lhe uma crise cardíaca aguda e, sem tempo
de esboçar reação visível, caiu morto.
Este enrede, entretanto, não chega a tomar corpo porque o texto adquire uma
configuração que o afasta do gênero ao qual pretende se filiar. Entre os principais fatores
que distanciam a descrição da forma romanesca se destaca a inexistência de encadeamento
sequencial de acontecimentos, porque os planos de discurso são fragmentados, com relatos
de episódios breves e autônomos. Tampouco se observa alguma espécie de sucessão
temporal cuja quebra implique prejuízo na representação dos eventos ou se nota fio
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condutor ao qual estejam presos. Também não há qualquer personagem cuja trajetória seja
o fator de conexão entre as diversas partes, garantindo a coesão da narrativa.
A ausência de elementos do romance é compensada pela percepção de ocorrências
que remetem à outra forma de expressão. Constata-se a permanente interpelação à realidade,
que se apresenta sob um recorte cronológico demarcado, cujos limites são a instalação da
corte joanina no Rio de Janeiro e a proclamação da república. A quase totalidade dos eventos
descritos se desenvolve ao longo dos oitenta anos que intercalam os dois fatos, portanto esta
época constitui importante fator de coesão entre as diferentes narrativas.
A linguagem do texto é fluente e agradável, por causa dinamismo com que os
acontecimentos são apresentados, na leveza e na agilidade da linguagem, determinada
por uma sintaxe mais frouxa e por um vocabulário simples, apesar das marcas
linguísticas próprias do português do século XIX. A simplificação não significa
desmazelo, porque os cuidados se evidenciam constantemente, quer seja pela brevidade
enfática necessária para realçar uma circunstância, quer seja pelo esforço em reproduzir
diferentes níveis de registro para identificar a fala do escravo ou do homem simples.
Tais artifícios, assim como o emprego de figuras e recursos próprios da literatura
denunciam uma intenção artística.
Ao estilo coloquial se somam permanentes doses de humor, alternadas com
pitadas de ironia, maiores ou menores, de acordo com a posição do narrador em relação
ao fato apresentado. Estes, por sua vez, majoritariamente se referem a pequenos
acontecimentos cotidianos ligados ao período de tempo contemplado pela obra. Os
eventos mais significativos por vezes são descritos mais demoradamente, mesmo assim
terminam se diluindo entre os de menor relevância, cabendo ressaltar que em muitas
situações o interesse recai visivelmente sobre o pormenor.
Um exemplo é uma das passagens que se refere a Dom João VI, que quase sempre
protagoniza episódios engraçados. Segundo a representação, era comum ele cochilar nas
missas ou no teatro. Na Capela Real, ao acordar, ia logo perguntando se João dos Reis
havia cantado. Diante da resposta afirmativa, de que o negro de voz extensa de baixo que
tanto admirava já entoara os cânticos, ordenava que repetisse o canto.
Algumas das menções a Dom Pedro I também enveredam pelos caminhos do
anedótico, principalmente aquelas que se referem a sua conhecida queda pelas mulheres.
Um dos casos mais engraçados envolve uma sulina, cuja beleza inquietou as mulheres e
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perturbou até homens mais sisudos do que o príncipe herdeiro, quando da chegada ao Rio
do Janeiro, em companhia do marido designado para prestar serviços na corte.
Tão logo pôs os olhos na bela jovem, Dom Pedro sentiu-se encantado e decidiu
assediá-la. Para isso empregou todos os ardis que pôde, porém as artimanhas
mostravam-se sempre ineficazes, de maneira que as sucessivas investidas resultavam
em repetidas frustrações. Insistiu primeiro com bons modos, porém foi mudando o
comportamento à medida que era rejeitado. Passado algum tempo, passou a chantageála ameaçando perseguir seu marido, sem conseguir quebrar a resistência. Como era
característico de seu comportamento, mudou de humor e promoveu o esposo da moça,
na certeza de que encontraria gratidão da parte da sulina. Diante de mais um fracasso
enviou o rapaz para longe do Rio de Janeiro, contando dobrá-la com isso.
Mal o outro partiu, tratou de se aproximar da mulher por meio de carta. Para sua
surpresa, recebeu em resposta convite para que fosse até a casa dela na noite seguinte.
As recomendações de que se cercasse de todo cuidado para que não fosse visto e a
promessa de que seria esperado no alpendre, às escuras, deram-lhe certeza de que
finalmente tivera sucesso. Mal contendo a euforia, Dom Pedro chegou na hora indicada
e encontrou o lugar como esperava. Estava mais seguro porque chovia. Ao aproximar-se
do avarandado, sentiu uma mão suave procurando a sua. Deixou-se conduzir e
esgueirou-se pela porta, mas ao adentrar na sala deparou-se com inúmeras pessoas.
Sem tempo para entender o que se passava, mal percebeu as reverências que lhe
prestavam. Enquanto isso a dona da casa explicava aos demais:
- Senhores e senhoras, como é minha primeira recepção na corte, pedi
que não faltassem e prometi-lhes uma surpresa que é esta. Enquanto
dizia isso, continuava a agradecer Dom Pedro por ter sido gentil e
aceitado seu convite (TEIXEIRA, 1927, p. 152).
A representação de membros da família Real como homens comuns valorizam a
narração, fundamentalmente porque figuras que ocupam posição de destaque na história
do país são apresentadas ao lado de tipos anedóticos, como alguns golpistas que
aplicavam o conto do vigário.
Um deles, o Maranhense que em certa ocasião encomendou o feito de algumas
peças de roupas em renomado alfaiate, que atendia num estabelecimento situado em
frente a uma confeitaria. No dia marcado para o término do serviço, antes de se dirigir à
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alfaiataria, o Maranhense passou confeitaria pela manhã, comeu uma empadinha de
camarão e solicitou que fossem enviados para a sua casa quinhentos pastéis naquela noite,
comprometendo-se a pagar quando do recebimento. Em seguida, escreveu o endereço,
pagou o que consumira e se encaminhou para a loja situada no outro lado da rua.
Entrou. Saudou jovialmente o proprietário que, prontamente, lhe entregou a
roupa. Maranhense não se conteve, a experimentou e não mais tirou. Pediu que um
empregado embrulhasse a velha e mandou que a entregasse num endereço que passou às
mãos do rapaz. Explicou ao alfaiate que tinha deixado uma nota de quinhentos mil réis
na mão do confeiteiro, para trocá-la em outras de menor valor, fazendo isso o
conduzindo até a porta. Dali chamou o dono da confeitaria e disse-lhe “Daqueles
quinhentos, mande duzentos aqui para o seu vizinho, tossindo ao falar de maneira a
confundir se dissera pastéis ou mil réis” (TEIXEIRA, 1927, p. 223). O confeiteiro, de
boa fé, concordou, enquanto Maranhense pedia a compreensão do outro para esperar
alguns instantes pelo pagamento. Diante da esperada concordância da parte do alfaiate,
despediu-se educadamente e saiu dissimulando o contentamento pelo sucesso do golpe.
A forma como esses e outros episódios são descritos e a maneira como seus
protagonistas são caracterizados, isto é, quase sempre com traços breves evidenciam a
experiência adquirida em décadas de frequência às redações. Compreende-se o emprego
de tais recursos, afinal Múcio Teixeira ocupou as mais diversas funções em inúmeros
jornais de Porto Alegre, Pelotas, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Caracas.
O fato de Múcio escrever romance histórico numa época em que o gênero estava em
decadência, em princípio diminui a obra e o autor, principalmente considerando-se que a
divulgação da obra se dava quatro anos depois da Semana de Arte Moderna. É possível,
porém, avaliar a produção por outra perspectiva. A repercussão da semana de 1922 se
restringiu a São Paulo num primeiro momento porque seus reflexos demoram a se fazer
perceber em outras cidades.
Na época, circulavam no Rio de Janeiro o Jornal do Commércio, O Globo, o
Jornal do Brasil, o Jornal da Manhã e O Paíz, para citar os periódicos de edições
regulares. Em nenhum deles a Semana de Arte Moderna recebeu grande destaque.
Também chama a atenção o fato de se encontrar com facilidade nas páginas destes
periódicos poemas de Casimiro de Abreu, Castro Alves, Gonçalves Dias e Álvares de
Azevedo, sem contar Olavo Bilac e Raimundo Correia. O Jornal do Brasil, antes de
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publicar o romance de Múcio Teixeira, levava a público também na forma de folhetim
O primo Basílio, de Eça de Queirós.
Isso demonstra que o interesse de determinada camada de público recaía sobre
de autores do século XIX o que não indica necessariamente preferência por modelos
superados, porque pode ser opção por obras consagradas. Múcio Teixeira, assim como
outros tantos, terminou esquecido com o passar dos anos, o que é compreensível dentro
de certos critérios da historiografia. O problema é que essas escolhas terminam por
banir determinados autores da própria história da literatura brasileira. A maioria das
referências ao seu nome dá mais importância a aspectos peculiares de sua personalidade
e a episódios pitorescos nos quais esteve envolvido.
A postura merece reconsiderações porque repete a postura centralista, na medida
em que valoriza determinados nomes, normalmente os mesmos, mantendo intacto o
cânone. Por outro lado, comete injustiça porque atribuiu valor maior a episódios
pitorescos e aspectos da vida pessoal do autor do que a sua vasta e diversificada
produção. A contribuição que deu à literatura brasileira pela introdução de motivos
regionais do Sul, a sua participação no esforço renovador da década de 1870, bem como
o intenso trabalho nas atividades de imprensa ficam em segundo plano, nas raras
oportunidades em que são mencionados.
RESUMO
Este trabalho visa apresentar uma das faces de Múcio Teixeira, conhecido como poeta,
mas de intensa e permanente atividade na imprensa. Dificuldades como a falta de cuidado
na conservação e a circulação efêmera, o uso de pseudônimos ou a ausência de assinatura,
a diversidade de gêneros, entre outras, impedem o levantamento do montante desta
produção. Por esta razão, o presente estudo limita-se ao registro de alguns aspectos da
atividade do autor enquanto homem de jornal.
PALAVRAS-CHAVE: Múcio Teixeira. História da literatura. Literatura sul-riograndense.
ABSTRACT
This work aims to present one of the faces of Múcio Teixeira, acquainted as a poet, but
of intensive and permanent press activity. Dificulties like the lack of care on
conservation and the ephemeral circulation, the use of pseudonyms on the dearth of
signature, the classes diversity, among others withhold the rising of the amount from
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this production. For this reason, the present study takes limit to registrate some aspects
from activity of the author as newspaper writer.
KEYWORDS: Múcio Teixeira. Literature history. Sul-rio-grandense literature
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