Maria Fernanda Bacelar do Nascimento, Luísa Pereira, José Bettencourt Gonçalves,
Antónia Estrela, Afonso Pereira, Rui Santos, Sancho M. Oliveira e Perpétua Gonçalves
Centro de Linguística da Universidade de Lisboa
www.clul.ul.pt
Especificidades das Variedades Africanas do Português na formação dos professores
1. Breve enquadramento
No Documento Orientador – Português Língua Não Materna no Currículo
Nacional, da autoria de Isabel Leiria, Maria João Queiroga e Nuno Verdial Soares1, em
que se caracterizam os perfis linguísticos da população que frequenta as escolas
portuguesas, os autores, tendo em conta as nacionalidades actualmente mais
representadas entre os alunos das escolas portuguesas, e usando como critério a origem
e a língua dos pais, distinguem quatro grandes grupos de alunos, dos quais
mencionamos os grupos (c) e (d):
“(c) alunos cujos pais são originários de um país africano em que o português é
língua oficial e que têm como língua materna uma língua africana (na maior parte dos
casos uma língua ou línguas do grupo bantu); fazem parte deste grupo os filhos de
angolanos e de moçambicanos;
(d) alunos cujos pais são originários de um país africano em que o português é
língua oficial e que têm como língua materna ou como língua veicular uma língua
crioula de base lexical portuguesa; fazem parte deste grupo os filhos de cabo-verdianos,
de guineenses e de são-tomenses” (Leiria et al., p.6).
Ambos os grupos partilham o facto de a variedade do português com a qual
estiveram e/ou estão em contacto fora da escola portuguesa, ou seja, no seu ambiente
familiar, constituir para eles uma Língua Segunda – que é Língua Oficial nos seus
países de origem. No entanto, dada a diversidade de culturas e das línguas maternas
faladas nos países de origem, as variedades do português próprias de cada um desses
países apresentam características específicas que as diferenciam não só entre si, como
também face ao português europeu.
1
Disponível em http://www.dgidc.min-edu.pt/plnmaterna/DN7/PERFISLINGUISTICOS.pdf
1
Tem-se procurado responder aos problemas levantados por esta diversidade
linguística, sentidos não apenas pelos professores de Português mas também pelos
professores das outras disciplinas, já que “a centralidade instrumental da língua no
processo de escolarização não pode ser ignorada na planificação dos recursos
educativos, sob pena de falência dos mesmos” (ILTEC, 2005).
No intuito de dar resposta a estes casos, tem sido recolhida informação
fundamental acerca do número e proveniência dos alunos oriundos dos PALOP e feita a
caracterização das suas condições de vida. Foi também traçado o seu perfil linguístico e
foi estabelecido um currículo especial de forma a permitir que a competência e
desempenho na oralidade e na escrita se aproximem dos dos alunos que são falantes
nativos do português europeu. Também têm sido feitas recomendações genéricas aos
professores que acompanham estes grupos de alunos, no sentido de estarem atentos às
suas produções orais e escritas e à forma como devem encará-las e corrigi-las. Estas
recomendações genéricas são da maior relevância. Contudo, importa também encontrar
forma de fornecer aos professores de português uma formação mais específica
relativamente aos factos linguísticos que caracterizam as variedades africanas do
português, de modo a permitir-lhes compreender as origens das diferenças encontradas
nas produções orais e escritas dos alunos dos cinco países africanos, que vivem e
estudam em Portugal.
Como é sabido, são escassas as descrições das variedades do português falado
nos PALOP e mais escassos ainda os materiais didácticos baseados em dados autênticos
que permitam conduzir os professores no processo de identificação e de compreensão
dos factores de unidade e de diversidade existentes quer entre essas variedades do
português, quer entre cada uma delas e o português europeu.
2. O recurso a corpora
No âmbito da variação linguística, há muito que os corpora são reconhecidos
como uma valiosa fonte de comparação entre variedades assim como fonte de descrição
dessas mesmas variedades. São exemplos do uso de corpora, com esses objectivos e,
nomeadamente, para fins didácticos os seguintes corpora ingleses:
-
“LOB corpus”, “The Lancaster - Oslo - Bergen Corpus”, constituído em
Lancaster (G. Leech), Oslo (S. Johansson) e Bergen (K. Hofland), com 1 milhão
de palavras de inglês britânico;
2
-
“Brown Corpus”, constituído por W. N. Francis e H. Kučera na Brown
University, Providence, com 1 milhão de palavras de inglês americano;
-
“Kolhapur Indian corpus”, comparável aos Brown e LOB corpora, embora o
ano da amostra seja diferente.
Todos eles estão disponíveis para descrições linguísticas e permitem um vasto
conjunto de pesquisas baseadas em dados naturais, dando oportunidade a que se
desenvolvam pedagogias baseadas em corpora.
No âmbito do Projecto “Recursos Linguísticos para o Estudo das Variedades
Africanas do Português”2, desenvolvido pelo Centro de Linguística da Universidade de
Lisboa (CLUL)3, constituiu-se um corpus de 3 milhões de palavras, designado por
corpus África, que engloba as variedades dos cinco países africanos de língua oficial
portuguesa, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Parte do corpus foi extraída do Corpus de Referência do Português
Contemporâneo (CRPC) do CLUL e outra parte foi constituída pela equipa do Projecto,
tendo-se procedido à recolha de novos textos escritos e orais, de modo a tornar os cinco
subcorpora comparáveis em dimensão e em composição interna, conforme se pode
observar a seguir:
PAÍSES
CORPUS ORAL
CORPUS ESCRITO
ANGOLA
27.363
613.495
CABO VERDE
25.413
612.120
GUINÉ
25.016
615.404
MOÇAMBIQUE
26.166
615.297
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
25.287
614.563
TOTAL
129.245
3.070.879
Quadro 1. Constituição do corpus África.
2
O Projecto “Recursos Linguísticos para o Estudo das Variedades Africanas do Português” (PLUS/LIN/50270/2003)
é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pela Fundação Calouste Gulbenkian.
3
www.clul.ul.pt
3
A constituição interna do corpus é a seguinte:
Corpus oral (essencialmente discurso informal) ------ 4%
Corpus escrito ----------------------- livro literário ---- 19%
jornal ------------- 52%
varia -------------- 25%
Este corpus, que veio colmatar uma lacuna relativamente ao português, é um
precioso instrumento a explorar para a criação de materiais de apoio aos professores
com vista à identificação, em contexto, e à descrição objectiva, baseada em dados
empíricos, dos principais fenómenos que caracterizam as variedades africanas do
português. Na realidade, a partir deste corpus podem ser extraídos dados para o
exercício prático e experimental de novas metodologias conducentes à solução do
problema em causa.
Deste corpus foram extraídos léxicos comparativos que permitirão, desde já,
avaliar o grau de unidade e de diversidade lexical entre as variedades. Os resultados
deste projecto estão disponíveis na página da internet do CLUL, nomeadamente:
a) Concordâncias em formato KWIC de todas as palavras do corpus, organizadas por
subcorpora:
Excerto de concordâncias do verbo “pegar” no corpus escrito de Angola:
não te procuro muito para não te
mas fica muito caro. - Não sei se
Mas olha só: esse Zé Maria quando
ao respeito. Vá lá dizer-lhe para
rede são o próprio início, podes
isão. “Espero que este truque não
ambém ninguém pegar dum lado e só
as novas porque se também ninguém
os moradores considerados aptos a
a contar o filho jeovou para não
acima de duas dezenas de pessoas.
i, nessas idas dele, que o Adolfo
pegarem do outro, o lado que não
Santeiro. Vi matarem um ladrão. E
o de Dominus. Não é por aí que te
veja, como eles queriam. Mussunda
sorria no sol. Era sempre assim:
sta. E o Polobochi nem sequer lhe
sar de, e com o inglês que tem, e
mo no gesto da mão fez questão de
pegar a má disposição, tens muito trab
pegava bem - disse Vítor, rompendo fin
pega da viola, parece até chora, no «M
pegar depressa nas imbambas dele e des
pegar de qualquer lado, então eu num c
pegue. Descemos e mais nada. Não vamos
pegarem do outro, o lado que não pegou
pegar dum lado e só pegarem do outro,
pegarem em armas. Em 1574 a cidade de
pegar em armas e isso até tem um nome
Peguemos em duas pessoas desse grupo r
pegou então a doença que lhe foi matar
pegou está embora lixado, não é? ainda
pegaram-lhe fogo. O bispo fez um ar co
pegam. Mas, claro, podiam começar a in
pegara Miguel num braço e, em baixo da
pegava miúdo Zito na mão, qualquer que
pegou na barriga para uma leve umbigad
pegando na coisa à sério, Hendrick tal
pegar na mão do albino e pôr lá na boc
4
ó quando as luzes se apagaram lhe
a dela, o Burkina mesmo filipou e
objector é a pessoa que não pode
que o miúdo Téu era mesmo contra
s, só a DonaDivina tava a recusar
dos próprios bancos quando estes
ilho. Dando um excelente exemplo,
ajudar, entre as águas da chuva,
a, muadiê, são isso mesmo também:
do Ministério da Confusão Social
cia com Agostinho Neto, é difícil
estão curvadas para Ocidente e se
alquer ao seu manipanso os negros
onde estavam os aparelhos de som,
vou-a à boca. Com a mão esquerda,
individuo (a) s que infelizmente
a falta de luz durante um evento,
falta de luz durante um evento e
as doenças mais dificilmente lhe
assem de dormir, pareciam não ter
lhas, sem saber mais o que fazer,
rbara. Paco diz que está a tentar
pegou na mão. E só quando começou o fi
pegou na mão do Sete quando ele ia buz
pegar nas armas nem matar outra pessoa
pegar nas armas. Essas manias novas po
pegar nesses líquidos e pôr no corpo d
pegam no dinheiro dos seus clientes e
pegou no filho de 17 anos e juntos for
pegaram no miúdo e meteram no carro, n
pegarmos no sangue da saudade e deixar
pegar nos pasquistaneses, vai ser para
pegar numa passagem de um discurso de
pegarmos numa pedra e a lançarmos na v
pegam num martelo e espetam-lhe um pre
pegou num microfone, diminuiu um pouco
pegou num pedaço de carne assada. Os o
pegaram o sida – uma doença que de suj
pega o tal vídeo na bolsa da produtora
pega o tal vídeo na bolsa da produtora
pegarão, porque recebeu a graça de Dom
pegado sono. E também desde que andava
pegou também num copo, bebeu, bebeu ma
pegar Tony. Preta pede que ele jure qu
b) Indexação comparativa de todas as palavras (lema e formas de palavra) que ocorrem
no corpus, com dados sobre categoria, frequência e distribuição por subcorpora:
Lema
FRUSTRAÇÃO
FRUSTRAÇÃO
Forma
frustração
Cat.
Nc
Nc
ANG
0
0
CV GUI MOC
0
1
0
0
1
0
ST
0
0
FRUSTRAR
FRUSTRAR
FRUSTRAR
FRUSTRAR
frustra
frustrada
frustrados
V
V
V
V
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
1
0
0
0
0
0
2
1
3
FRUTA
FRUTA
FRUTA
FRUTA
fruta
frutas
frutinha
Nc
Nc
Nc
Nc
2
0
0
2
2
0
0
2
0
0
0
0
1
0
0
1
6
1
1
8
FRUTA-PÃO
FRUTA-PÃO
fruta-pão
Nc
Nc
0
0
0
0
0
0
0
0
2
2
FRUTÍFERO
FRUTÍFERO
frutífera
ADJ
ADJ
0
0
1
1
0
0
0
0
0
0
FRUTO
FRUTO
FRUTO
fruto
frutos
Nc
Nc
Nc
1
0
1
1
0
1
0
0
0
1
1
2
3
1
4
FUBA
FUBA
FUBA
fuba
fubas
Nc
Nc
Nc
1
2
3
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
FUGA
FUGA
fuga
Nc
Nc
1
1
0
0
0
0
1
1
0
0
5
FUGAR
FUGAR
fugam
V
V
1
1
0
0
0
0
0
0
0
0
FUGIR
FUGIR
FUGIR
FUGIR
FUGIR
foge
fogem
fugia
fugir
V
V
V
V
V
0
0
0
0
0
0
0
0
2
2
1
0
0
0
1
1
1
1
1
4
0
0
0
0
0
FULANO
FULANO
FULANO
fulana
fulano
Nc
Nc
Nc
1
2
3
0
0
0
1
0
1
0
4
4
0
0
0
FULO
FULO
fula
ADJ
ADJ
0
0
0
0
1
1
0
0
0
0
FUMAR
FUMAR
FUMAR
FUMAR
fumam
fumavam
fumo
V
V
V
V
2
1
0
3
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
2
0
0
0
0
FUMAROLA
FUMAROLA
fumarolas
Nc
Nc
0
0
5
5
0
0
0
0
0
0
FUNANÁ
FUNANÁ
funaná
Nc
Nc
0
0
6
6
0
0
0
0
0
0
FUNÇÃO
FUNÇÃO
FUNÇÃO
função
funções
Nc
Nc
Nc
2
0
2
2
0
2
5
1
6
0
0
0
6
0
6
FUNCIONAL
FUNCIONAL
funcional
ADJ
ADJ
0
0
0
0
0
0
0
0
2
2
FUNCIONAMENTO
FUNCIONAMENTO
funcionamento
Nc
Nc
0
0
2
2
0
0
0
0
1
1
FUNCIONAR
FUNCIONAR
FUNCIONAR
FUNCIONAR
FUNCIONAR
FUNCIONAR
FUNCIONAR
funciona
funcionam
funcionar
funcionava
funciono
funcionou
V
V
V
V
V
V
V
2
1
3
0
0
0
6
1
0
8
1
0
0
10
0
0
4
1
0
0
5
3
0
0
0
0
0
3
3
0
5
0
2
1
11
Quadro 2. Quadro contrastivo de vocábulos dos corpora orais, e respectiva flexão com dados de
frequência (excerto).
Lema
FRUSTRAÇÃO
FRUSTRAR
FRUTA
FRUTA-PÃO
Cat.
Nc
V
Nc
Nc
ANG
0
0
2
0
CV
0
0
2
0
GUI
1
1
0
0
MOC
0
0
1
0
ST
0
3
8
2
Total
1
4
13
2
6
FRUTÍFERO
FRUTO
FUBA
FUGA
FUGAR
FUGIR
FULANO
FULO
FUMAR
FUMAROLA
FUNANÁ
FUNÇÃO
FUNCIONAL
FUNCIONAMENTO
FUNCIONAR
ADJ
Nc
Nc
Nc
V
V
Nc
ADJ
V
Nc
Nc
Nc
ADJ
Nc
V
0
1
3
1
1
0
3
0
3
0
0
2
0
0
6
1
1
0
0
0
2
0
0
0
5
6
2
0
2
10
0
0
0
0
0
1
1
1
0
0
0
6
0
0
5
0
2
0
1
0
4
4
0
2
0
0
0
0
0
3
0
4
0
0
0
0
0
0
0
0
0
6
2
1
11
1
8
3
2
1
7
8
1
5
5
6
16
2
3
35
Quadro 3. Quadro contrastivo dos vocábulos dos corpora orais com dados de frequência
(excerto).
Estes materiais constituem valiosos instrumentos para o exercício da actividade
do professor, na sua relação com a diversidade linguística dos alunos.
3. Alguns fenómenos de variação
É consensual a ideia de que quanto maior for o conhecimento do professor
acerca do sistema da língua materna do aluno a quem se dirige o ensino de uma Língua
Segunda ou de uma Língua Estrangeira, mais facilmente este professor conduz os seus
alunos para a obtenção dos graus de proficiência pretendidos. Nos casos aqui
considerados, não se trata de o professor conhecer línguas diferentes, mas, sim, de
conhecer características diferenciadoras de variedades de uma mesma língua – o
português. Essas variedades, ao contrário de serem estigmatizadas, devem, antes, ser
rigorosamente observadas, tendo em consideração os traços linguísticos que as
caracterizam, os quais devem ser comparados com os da variedade padrão que se
pretende ensinar, com o propósito de identificar os fenómenos de variação e de
mudança que atingem o português em todas as suas variedades. Tudo o que foi dito
exige uma competência linguística especializada por parte dos professores que lhes
permita reconhecer as especificidades das “normas” que os seus alunos dominam.
Importa, pois, fornecer aos professores, e também aos alunos, instrumentos que lhes
permitam ter a percepção de quais são os elementos lexicais e gramaticais da variedade
que dominam e cuja aquisição terá de ser feita em contexto escolar, de maneira
claramente informada, ampliando e diversificando a sua competência do português.
7
Apresentamos, seguidamente, alguns fenómenos observados no corpus África,
que interferem, em geral, na proficiência oral e escrita dos alunos originários dos
PALOP:
- fenómenos de derivação morfológica: formas lexicais que não existem em
português europeu, embora tenham sido criadas através de processos derivacionais
regulares. Exemplos:
Português de Moçambique
Português Europeu
vs
confeccionamento
confecção
emplasticar
plastificar
desconseguir
não conseguir
depressar
apressar
sabadal
relativo a sábado
- fenómenos de regência verbal. Exemplos:
Português de Moçambique
Português Europeu
vs
há filhos que batem os pais
há filhos que batem nos pais
não têm amor os filhos
não têm amor aos filhos
respeitar aos pais
respeitar os pais
ir em Lisboa
ir a Lisboa
chegar em casa
chegar a casa
- fenómenos de concordância nominal e de concordância sujeito-verbo com
enfraquecimento da morfologia verbal. Exemplos:
Português de Angola
vs
Português Europeu
as coisa estão muito cara
as coisas estão muito caras
se meus cliente quer um pão, eu fia mesmo
se os meus clientes querem um pão, eu fio
mesmo
têm que ser boa para ela e, para ela ser também
bom connosco
têm que ser boas para ela e para ela ser também
boa connosco
Português de São Tomé e Príncipe
Português Europeu
8
nós procura a maneira dar-lhe com um machim
nós procuramos a maneira de lhe dar com um
machim
- fenómenos de colocação de clíticos. Exemplos:
Português de Angola
Português Europeu
vs
sim, você lava um carro, te dão os quinhentos
mil
sim, você lava um carro, dão-lhe os quinhentos
mil
Português de Cabo Verde
Português Europeu
e roupas também fazem-se
e roupas também se fazem
na igreja também usa-se o português
na igreja também se usa o português
Português da Guiné Bissau
Português Europeu
como é que elas devem-se comportar na
sociedade
como é que elas devem comportar-se/ se devem
comportar/ na sociedade
Seguidamente, apresentam-se quadros em que se podem observar exemplos da
ocorrência dos 20 verbos, substantivos e adjectivos mais frequentes nos subcorpora
orais deste projecto, das variedades de Angola, Cabo Verde, Guiné, Moçambique e São
Tomé e Príncipe4:
V
E
R
B
O
S
4
F
R
E
Q
U
Ê
N
C
I
A
D
E
C
R
E
S
C
E
N
T
E
Angola
ser
ter
estar
ir
fazer
haver
falar
dizer
poder
saber
dar
ficar
trabalhar
achar
ver
gostar
vir
querer
viver
passar
Cabo Verde
ser
ter
haver
ir
fazer
estar
dizer
poder
saber
achar
ver
gostar
dar
querer
falar
vir
dever
ficar
pensar
conhecer
Guiné
ser
ter
estar
ir
poder
dizer
fazer
dever
achar
haver
saber
pensar
ver
dar
querer
falar
ficar
trabalhar
ajudar
existir
Moçambique
ser
ter
haver
estar
poder
ir
dizer
fazer
achar
querer
saber
ver
conseguir
estudar
ficar
dever
existir
dar
casar
passar
São Tomé
ser
ir
ter
estar
fazer
haver
poder
dizer
ver
saber
dar
deixar
querer
achar
pôr
vir
trabalhar
comer
gostar
conseguir
Destacam-se a itálico os lemas comuns às três variedades.
9
Quadro 4. Verbos mais frequentes.
N
O
M
E
S
F
R
E
Q
U
Ê
N
C
I
A
D
E
C
R
E
S
C
E
N
T
E
Angola
pessoa
ano
exemplo
coisa
professor
vida
casa
pai
tempo
língua
criança
família
vez
filho
mãe
gente
dia
senhor
bocado
doença
Cabo Verde
coisa
pessoa
exemplo
jornalista
ano
filho
tempo
comunicação
casa
dia
ilha
pai
escola
órgão
criança
problema
caso
momento
assembleia
clube
Guiné
mulher
pessoa
exemplo
coisa
jovem
povo
cultura
pai
família
filho
problema
país
democracia
estado
homem
sociedade
vez
governo
professor
sida
Moçambique
pessoa
coisa
casa
pai
tempo
ano
educação
transporte
filho
escola
mulher
vez
vida
problema
dia
chapa
homem
criança
exemplo
dinheiro
São Tomé
coisa
pessoa
casa
gente
ano
bocado
tubarão
médico
roça
trabalho
música
peixe
vez
água
senhor
camarão
tempo
dia
favor
exemplo
Quadro 5. Nomes mais frequentes.
A
D
J
E
C
T
I
V
O
S
F
R
E
Q
U
Ê
N
C
I
A
D
E
C
R
E
S
C
E
N
T
E
Angola
Cabo Verde
bom
pronto
português
grande
tradicional
fácil
caro
difícil
nacional
angolano
local
melhor
colonial
próprio
africano
crente
forte
único
típico
diferente
português
social
bom
grande
cabo-verdiano
difícil
novo
pequeno
municipal
exacto
velho
interessante
nacional
político
francês
normal
fidalgo
importante
igual
melhor
Guiné
bom
guineense
maior
difícil
mau
pronto
cultural
grande
escolar
preciso
juvenil
triste
importante
melhor
novo
possível
africano
grave
único
baixo
Moçambique
bom
difícil
importante
novo
melhor
moral
grande
possível
baixo
diferente
feliz
primário
familiar
mau
suficiente
velho
necessário
único
maior
público
São Tomé
bonito
lindo
bom
grande
social
pronto
pequeno
português
principal
caro
melhor
próprio
verde
difícil
necessário
capaz
especial
exacto
médico
paciente
Quadro 6. Adjectivos mais frequentes.
Estes quadros mostram que, no corpus oral e no que respeita às altas
frequências, há alguma coincidência entre os vocábulos mais frequentes e também
10
quanto ao lugar que ocupam na ordem decrescente, principalmente no que diz respeito
aos verbos. É interessante notar que, no que respeita à lista dos 20 verbos mais
frequentes em cada uma das variedades exemplificadas, 12 lemas são comuns a todas as
variedades, diferindo apenas na posição que ocupam na respectiva ordem de frequência.
No caso dos substantivos e adjectivos, o número de lemas comuns incluídos entre os 20
mais frequentes é apenas de 3 e 4 respectivamente, continuando a verificar-se a não
coincidência quanto ao lugar que ocupam na respectiva ordem de frequência. Contudo,
nestas altas frequências, não se observa qualquer divergência entre o vocabulário dos
PALOP e o vocabulário do português europeu (Bacelar do Nascimento et al. 1987).
O vocabulário extraído dos corpora orais, de que aqui demos apenas alguns
excertos, revela um grau elevado de unidade lexical entre estas variedades e a variedade
europeia. Os resultados finais, ou seja, que incluem o corpus oral e o corpus escrito
permitirão, sem dúvida, fazer um análise mais aprofundada do grau de unidade e
diversidade do vocabulário das variedades africanas e portuguesa.
4. A extracção de concordâncias
Já foi apresentado em 2. b) um outro processo a que podemos recorrer para tratar
e analisar as produções escritas e orais que constituem o corpus, o chamado processo de
extracção de concordâncias. Dá-se o nome de concordância à linha ou linhas de
contexto em que uma determinada palavra ocorre, extraída(s) automaticamente de um
corpus linguístico informatizado. A seguir apresentamos alguns exemplos retirados de
concordâncias em que salientamos em itálico casos de não identificação entre a
construção que ocorre no corpus África e a construção equivalente em português
europeu. Estes exemplos caracterizam alguns dos fenómenos mais frequentemente
encontrados.
Excerto de concordâncias extraídas do corpus oral de Angola:
m também não gosta. quem é que anda
bater as crianças? alguns
ença que
desconseguir...você vai na irmã Danu
ele... que você tem...está
...] , sente pena com
ol. hã! e foi ele que
gido, que se você não
Horácio é muito bom,
a vida, hum se tem no
minha família, não é,
aquela pessoa,
te salvou? foi
sabe gramática
ele não ralha.
bolso entrega,
embora, embora
nossos
a
ela pode te dar dinheiro, para você
ele, ele levou-me no hospital e tud
ele não não te deixa você passar. s
ele só ralha quem... quem, àquele qu
ele vai embora, você, também ficas,
eles me tirarem do sítio onde estav
11
, o do mal, eu quando estou bêbado, eles não me gostam. hum. mas, quand
le, nem nada no fogão com ele, tudo eles leva. hum. o problema é se eles
esto esses meus patrão são bons. eu, eles é que estão a me ajudar, tudo
go dos anos a cobertura nunca desceu
dicamento para que o paciente toma-o
1vontade, vem à vontade, só vou assim
mãe, ainda estão em vida? sim, estão
em
em
em
em
baixo do quarenta por cento, e e
casa e nos dias subsequentes tom
Malange. quando a guerra acabar.
vida. e fazem o quê lá no Huambo
um tecto para mim, não é, e até que
eu
consegui um tecto para mim viver
a vida? quase eu gosto mesmo tudo.
gosta tudo? sim. mas o, por que é
q
..] , às vezes volta para aí só para
matabichar
mo sim senhora. [...] de resto esses
meus
que não queria responsabilizar-se de
h, um homem, a bíblia nos ensina que
nós, porque nós somos três, então,
nós temos que ser sábio, a sabedori
família e arranjar um cantinho que é
uanda, ou em qualquer emissora que é
viver sozinho trabalhar normalmente,
ão é, e até que eu consegui um tecto
para
para
para
para
um polícia lá no, na Mutamba, que na
qual,
iança muito pequena, a minha mãe, se
separa mais o meu pai,
1u tenho certeza absoluta que se eu o
ah, para matar matabicha
patrão são bons. eu, eles é qu
mim
mim
mim
mim
ver
eu
poder viver sozinho trabal
poder aprofundar um bocadi
poder sobreviver. eh, nest
viver. e hoje o Gaspar viv
e o padre Horácio é quem
eu
cresci j
na rua ainda posso esquecer del
se dos inimigos. por exemplo, eh, se
ue é que faz para, para melhorar? aí
. milho. milho, come assim as fruta.
você
você
você
e uma, não é? sim. portanto não, não
viver? eu estou a pensar para hhh eu
não ajuda. dona Conceição gostava de
volta em casa durante o dia? n [..
voltar em Huambo. ah, está a pensa
voltar em Malange? gosto. na sua t
ama o teu próximo como a ti
cultiva, vai na tuas lavra, hu
pode ir na tua lavra [...] e b
Excerto de concordâncias extraídas do corpus oral da Guiné:
aboratórios, porque sabemos que nós
aqui em Guiné-Bissau somos rico em m
ios filho, meu homem não tenho nada,
eu
filho. se eu quiser eu
para o pai
avô não tenho apoio para me apoiar,
quero Guiné-Bissau avançar para
bater meu filho, agora vamos lembrar
me
estudar. agora é casada? sim. eh
meu avô pisaram o meu caderno, [...]
ar a sua vida? minha vida é meu avó,
sou a levar a sua vida? minha vida é
na [...] saí na internato, porque o
u não tenho trabalho em casa, porque
só para mim, mas como para todos os
meu
meu
meu
meu
meu
meus
amigos, depois, minha mãe, [...
avó [...] é que me leva para a
avó, meu avó [...] é que me lev
mãe faleceu, faleceu, não tenho
mãe tem um ajuda, empregada. eu
compatriota, porque é chato, é
] eles vão escola, vamos levar [...]
enti bem na minha casamento porque a
zer [...] por isso, por isso [...] a
o, com o casamento? não senti bem na
ital não tenho. eu quero, eh, pago a
. qual o trabalho que fazia em casa?
minha
minha
minha
minha
minha
minha
a meu marido ter mais trabalho, para
nós
ssa pequena conversa eu descobri que
segundo como a senhora nos disse é q
caderno, se eh, lá no casa do
casamento, ele, danou a minha
casamento. mas, e isso, [...]
casamento porque a minha casa
dinheiro, vai num hospital, v
trabalho, eu não tenho trabal
termos nosso carro. como é que
12
acho que o estado... que não paga o
o trabalho aqui na Guiné-Bissau.
ve agora es [...] essa situação.
que se, porque a nossa geração,
so mesmo é que se está a perder.
eu
eu
eu
eu
icam com ideia só em ganhar dinheiro
1ue os jovens sem isso deixam-se. vão
seu
povo durante dois anos, perde a
sinto muito da Guiné-Bissau, porque
sinto, primeiro lugar, mal, porque a
sinto triste por ver isso. a nossa t
sinto triste estar a dizer isto, mas
dar os filhos de comer e esque
discoteca, encontram na discot
para
para
ntão, obrigado. para mim, as causas
dos sexos e posso assim também dizer
arado. mas um país como o nosso acho
e para o nosso país. acho que isso é
com as mulheres para saberem como é
imos anos do ensino liceal, ah, tive
que vão cursar, eu conheço uma miúda
que obrigou a essa, não sei, maldita
que as mulheres que mais trabalha,
que deve-se aproveitar tudo, que ex
que deve-se fazer nessas condições
que elas devem-se comportar na soci
que enveredar-me pela via do ensino
que foi-se cursar em Cuba, veio, el
a pessoa diz "ah! eu não, eu não sei
te
dizer a cultura propriamente" .
não há sítio cá na Guiné-Bissau que
diminuiu, acho que não acabou ainda,
tu
tu
passas e não vê o lixo. passas e
passas e vê o lixo. por exemplo
ntão o estado agora deve convencer a
vocês,
essa geração que ainda exist
Para além dos fenómenos já mencionados em 3., observaram-se nestes exemplos
vários outros como: ausência de flexão verbal; não concordância entre sujeito e verbo
nas orações relativas; neutralização das formas de tratamento ao nível quer da flexão
verbal, quer dos pronomes pessoais e possessivos; ausência de concordância entre
possessivo e nome; variação na regência preposiconal.
A grande utilidade do uso das concordâncias, extraídas de dados autênticos,
advém do facto de ficar bem patente à observação do professor e do aluno o tipo de
sequência lexical ou o tipo de construção sintáctica em que a palavra em estudo
tipicamente ocorre numa dada variedade do português, a frequência com que ocorre e,
ainda, o tipo de discurso em que ocorrem os fenómenos observados (dado que se podem
obter concordâncias da mesma palavra extraídas de discurso oral, formal ou espontâneo
e de diversos tipos de discurso escrito: jornalístico, literário, técnico, etc.).
5. Algumas conclusões
Do que atrás se apresentou, concluímos que o recurso ao corpus das variedades
africanas do português, como instrumento auxiliar, se revela de fundamental
importância, na medida em que possibilita um contacto frutuoso de professores e alunos
com dados autênticos dessas variedades.
13
De facto, conhecer este instrumento é para o professor um valor acrescido aos
seus conhecimentos e um meio excelente de compreensão dos alunos oriundos dos
PALOP e das suas dificuldades perante a variedade europeia do português que se lhes
apresenta como modelo a alcançar. Por outro lado, é uma fonte de materiais muito rica
para construção de exercícios, especialmente de carácter contrastivo.
É também ocasião de se verificar que as variedades do português que estes
alunos dominam têm um fundo comum estável e que as diversidades que as
caracterizam são fáceis de descrever e de explicar.
Reforça-se assim o apoio que o corpus África pode dar ao professor, de modo a
que se sinta à vontade na sua interacção com os alunos oriundos dos países africanos de
língua oficial portuguesa, fornecendo-lhe os dados necessários à descrição e explicação
da origem dos desvios à norma europeia que vai observando nas produções desses
alunos.
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Especificidades das Variedades Africanas do Português na