Maria Fernanda Bacelar do Nascimento, Luísa Pereira, José Bettencourt Gonçalves, Antónia Estrela, Afonso Pereira, Rui Santos, Sancho M. Oliveira e Perpétua Gonçalves Centro de Linguística da Universidade de Lisboa www.clul.ul.pt Especificidades das Variedades Africanas do Português na formação dos professores 1. Breve enquadramento No Documento Orientador – Português Língua Não Materna no Currículo Nacional, da autoria de Isabel Leiria, Maria João Queiroga e Nuno Verdial Soares1, em que se caracterizam os perfis linguísticos da população que frequenta as escolas portuguesas, os autores, tendo em conta as nacionalidades actualmente mais representadas entre os alunos das escolas portuguesas, e usando como critério a origem e a língua dos pais, distinguem quatro grandes grupos de alunos, dos quais mencionamos os grupos (c) e (d): “(c) alunos cujos pais são originários de um país africano em que o português é língua oficial e que têm como língua materna uma língua africana (na maior parte dos casos uma língua ou línguas do grupo bantu); fazem parte deste grupo os filhos de angolanos e de moçambicanos; (d) alunos cujos pais são originários de um país africano em que o português é língua oficial e que têm como língua materna ou como língua veicular uma língua crioula de base lexical portuguesa; fazem parte deste grupo os filhos de cabo-verdianos, de guineenses e de são-tomenses” (Leiria et al., p.6). Ambos os grupos partilham o facto de a variedade do português com a qual estiveram e/ou estão em contacto fora da escola portuguesa, ou seja, no seu ambiente familiar, constituir para eles uma Língua Segunda – que é Língua Oficial nos seus países de origem. No entanto, dada a diversidade de culturas e das línguas maternas faladas nos países de origem, as variedades do português próprias de cada um desses países apresentam características específicas que as diferenciam não só entre si, como também face ao português europeu. 1 Disponível em http://www.dgidc.min-edu.pt/plnmaterna/DN7/PERFISLINGUISTICOS.pdf 1 Tem-se procurado responder aos problemas levantados por esta diversidade linguística, sentidos não apenas pelos professores de Português mas também pelos professores das outras disciplinas, já que “a centralidade instrumental da língua no processo de escolarização não pode ser ignorada na planificação dos recursos educativos, sob pena de falência dos mesmos” (ILTEC, 2005). No intuito de dar resposta a estes casos, tem sido recolhida informação fundamental acerca do número e proveniência dos alunos oriundos dos PALOP e feita a caracterização das suas condições de vida. Foi também traçado o seu perfil linguístico e foi estabelecido um currículo especial de forma a permitir que a competência e desempenho na oralidade e na escrita se aproximem dos dos alunos que são falantes nativos do português europeu. Também têm sido feitas recomendações genéricas aos professores que acompanham estes grupos de alunos, no sentido de estarem atentos às suas produções orais e escritas e à forma como devem encará-las e corrigi-las. Estas recomendações genéricas são da maior relevância. Contudo, importa também encontrar forma de fornecer aos professores de português uma formação mais específica relativamente aos factos linguísticos que caracterizam as variedades africanas do português, de modo a permitir-lhes compreender as origens das diferenças encontradas nas produções orais e escritas dos alunos dos cinco países africanos, que vivem e estudam em Portugal. Como é sabido, são escassas as descrições das variedades do português falado nos PALOP e mais escassos ainda os materiais didácticos baseados em dados autênticos que permitam conduzir os professores no processo de identificação e de compreensão dos factores de unidade e de diversidade existentes quer entre essas variedades do português, quer entre cada uma delas e o português europeu. 2. O recurso a corpora No âmbito da variação linguística, há muito que os corpora são reconhecidos como uma valiosa fonte de comparação entre variedades assim como fonte de descrição dessas mesmas variedades. São exemplos do uso de corpora, com esses objectivos e, nomeadamente, para fins didácticos os seguintes corpora ingleses: - “LOB corpus”, “The Lancaster - Oslo - Bergen Corpus”, constituído em Lancaster (G. Leech), Oslo (S. Johansson) e Bergen (K. Hofland), com 1 milhão de palavras de inglês britânico; 2 - “Brown Corpus”, constituído por W. N. Francis e H. Kučera na Brown University, Providence, com 1 milhão de palavras de inglês americano; - “Kolhapur Indian corpus”, comparável aos Brown e LOB corpora, embora o ano da amostra seja diferente. Todos eles estão disponíveis para descrições linguísticas e permitem um vasto conjunto de pesquisas baseadas em dados naturais, dando oportunidade a que se desenvolvam pedagogias baseadas em corpora. No âmbito do Projecto “Recursos Linguísticos para o Estudo das Variedades Africanas do Português”2, desenvolvido pelo Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL)3, constituiu-se um corpus de 3 milhões de palavras, designado por corpus África, que engloba as variedades dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Parte do corpus foi extraída do Corpus de Referência do Português Contemporâneo (CRPC) do CLUL e outra parte foi constituída pela equipa do Projecto, tendo-se procedido à recolha de novos textos escritos e orais, de modo a tornar os cinco subcorpora comparáveis em dimensão e em composição interna, conforme se pode observar a seguir: PAÍSES CORPUS ORAL CORPUS ESCRITO ANGOLA 27.363 613.495 CABO VERDE 25.413 612.120 GUINÉ 25.016 615.404 MOÇAMBIQUE 26.166 615.297 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 25.287 614.563 TOTAL 129.245 3.070.879 Quadro 1. Constituição do corpus África. 2 O Projecto “Recursos Linguísticos para o Estudo das Variedades Africanas do Português” (PLUS/LIN/50270/2003) é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pela Fundação Calouste Gulbenkian. 3 www.clul.ul.pt 3 A constituição interna do corpus é a seguinte: Corpus oral (essencialmente discurso informal) ------ 4% Corpus escrito ----------------------- livro literário ---- 19% jornal ------------- 52% varia -------------- 25% Este corpus, que veio colmatar uma lacuna relativamente ao português, é um precioso instrumento a explorar para a criação de materiais de apoio aos professores com vista à identificação, em contexto, e à descrição objectiva, baseada em dados empíricos, dos principais fenómenos que caracterizam as variedades africanas do português. Na realidade, a partir deste corpus podem ser extraídos dados para o exercício prático e experimental de novas metodologias conducentes à solução do problema em causa. Deste corpus foram extraídos léxicos comparativos que permitirão, desde já, avaliar o grau de unidade e de diversidade lexical entre as variedades. Os resultados deste projecto estão disponíveis na página da internet do CLUL, nomeadamente: a) Concordâncias em formato KWIC de todas as palavras do corpus, organizadas por subcorpora: Excerto de concordâncias do verbo “pegar” no corpus escrito de Angola: não te procuro muito para não te mas fica muito caro. - Não sei se Mas olha só: esse Zé Maria quando ao respeito. Vá lá dizer-lhe para rede são o próprio início, podes isão. “Espero que este truque não ambém ninguém pegar dum lado e só as novas porque se também ninguém os moradores considerados aptos a a contar o filho jeovou para não acima de duas dezenas de pessoas. i, nessas idas dele, que o Adolfo pegarem do outro, o lado que não Santeiro. Vi matarem um ladrão. E o de Dominus. Não é por aí que te veja, como eles queriam. Mussunda sorria no sol. Era sempre assim: sta. E o Polobochi nem sequer lhe sar de, e com o inglês que tem, e mo no gesto da mão fez questão de pegar a má disposição, tens muito trab pegava bem - disse Vítor, rompendo fin pega da viola, parece até chora, no «M pegar depressa nas imbambas dele e des pegar de qualquer lado, então eu num c pegue. Descemos e mais nada. Não vamos pegarem do outro, o lado que não pegou pegar dum lado e só pegarem do outro, pegarem em armas. Em 1574 a cidade de pegar em armas e isso até tem um nome Peguemos em duas pessoas desse grupo r pegou então a doença que lhe foi matar pegou está embora lixado, não é? ainda pegaram-lhe fogo. O bispo fez um ar co pegam. Mas, claro, podiam começar a in pegara Miguel num braço e, em baixo da pegava miúdo Zito na mão, qualquer que pegou na barriga para uma leve umbigad pegando na coisa à sério, Hendrick tal pegar na mão do albino e pôr lá na boc 4 ó quando as luzes se apagaram lhe a dela, o Burkina mesmo filipou e objector é a pessoa que não pode que o miúdo Téu era mesmo contra s, só a DonaDivina tava a recusar dos próprios bancos quando estes ilho. Dando um excelente exemplo, ajudar, entre as águas da chuva, a, muadiê, são isso mesmo também: do Ministério da Confusão Social cia com Agostinho Neto, é difícil estão curvadas para Ocidente e se alquer ao seu manipanso os negros onde estavam os aparelhos de som, vou-a à boca. Com a mão esquerda, individuo (a) s que infelizmente a falta de luz durante um evento, falta de luz durante um evento e as doenças mais dificilmente lhe assem de dormir, pareciam não ter lhas, sem saber mais o que fazer, rbara. Paco diz que está a tentar pegou na mão. E só quando começou o fi pegou na mão do Sete quando ele ia buz pegar nas armas nem matar outra pessoa pegar nas armas. Essas manias novas po pegar nesses líquidos e pôr no corpo d pegam no dinheiro dos seus clientes e pegou no filho de 17 anos e juntos for pegaram no miúdo e meteram no carro, n pegarmos no sangue da saudade e deixar pegar nos pasquistaneses, vai ser para pegar numa passagem de um discurso de pegarmos numa pedra e a lançarmos na v pegam num martelo e espetam-lhe um pre pegou num microfone, diminuiu um pouco pegou num pedaço de carne assada. Os o pegaram o sida – uma doença que de suj pega o tal vídeo na bolsa da produtora pega o tal vídeo na bolsa da produtora pegarão, porque recebeu a graça de Dom pegado sono. E também desde que andava pegou também num copo, bebeu, bebeu ma pegar Tony. Preta pede que ele jure qu b) Indexação comparativa de todas as palavras (lema e formas de palavra) que ocorrem no corpus, com dados sobre categoria, frequência e distribuição por subcorpora: Lema FRUSTRAÇÃO FRUSTRAÇÃO Forma frustração Cat. Nc Nc ANG 0 0 CV GUI MOC 0 1 0 0 1 0 ST 0 0 FRUSTRAR FRUSTRAR FRUSTRAR FRUSTRAR frustra frustrada frustrados V V V V 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 2 1 3 FRUTA FRUTA FRUTA FRUTA fruta frutas frutinha Nc Nc Nc Nc 2 0 0 2 2 0 0 2 0 0 0 0 1 0 0 1 6 1 1 8 FRUTA-PÃO FRUTA-PÃO fruta-pão Nc Nc 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 FRUTÍFERO FRUTÍFERO frutífera ADJ ADJ 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 FRUTO FRUTO FRUTO fruto frutos Nc Nc Nc 1 0 1 1 0 1 0 0 0 1 1 2 3 1 4 FUBA FUBA FUBA fuba fubas Nc Nc Nc 1 2 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 FUGA FUGA fuga Nc Nc 1 1 0 0 0 0 1 1 0 0 5 FUGAR FUGAR fugam V V 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 FUGIR FUGIR FUGIR FUGIR FUGIR foge fogem fugia fugir V V V V V 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 1 0 0 0 1 1 1 1 1 4 0 0 0 0 0 FULANO FULANO FULANO fulana fulano Nc Nc Nc 1 2 3 0 0 0 1 0 1 0 4 4 0 0 0 FULO FULO fula ADJ ADJ 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 FUMAR FUMAR FUMAR FUMAR fumam fumavam fumo V V V V 2 1 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 0 0 0 0 FUMAROLA FUMAROLA fumarolas Nc Nc 0 0 5 5 0 0 0 0 0 0 FUNANÁ FUNANÁ funaná Nc Nc 0 0 6 6 0 0 0 0 0 0 FUNÇÃO FUNÇÃO FUNÇÃO função funções Nc Nc Nc 2 0 2 2 0 2 5 1 6 0 0 0 6 0 6 FUNCIONAL FUNCIONAL funcional ADJ ADJ 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 FUNCIONAMENTO FUNCIONAMENTO funcionamento Nc Nc 0 0 2 2 0 0 0 0 1 1 FUNCIONAR FUNCIONAR FUNCIONAR FUNCIONAR FUNCIONAR FUNCIONAR FUNCIONAR funciona funcionam funcionar funcionava funciono funcionou V V V V V V V 2 1 3 0 0 0 6 1 0 8 1 0 0 10 0 0 4 1 0 0 5 3 0 0 0 0 0 3 3 0 5 0 2 1 11 Quadro 2. Quadro contrastivo de vocábulos dos corpora orais, e respectiva flexão com dados de frequência (excerto). Lema FRUSTRAÇÃO FRUSTRAR FRUTA FRUTA-PÃO Cat. Nc V Nc Nc ANG 0 0 2 0 CV 0 0 2 0 GUI 1 1 0 0 MOC 0 0 1 0 ST 0 3 8 2 Total 1 4 13 2 6 FRUTÍFERO FRUTO FUBA FUGA FUGAR FUGIR FULANO FULO FUMAR FUMAROLA FUNANÁ FUNÇÃO FUNCIONAL FUNCIONAMENTO FUNCIONAR ADJ Nc Nc Nc V V Nc ADJ V Nc Nc Nc ADJ Nc V 0 1 3 1 1 0 3 0 3 0 0 2 0 0 6 1 1 0 0 0 2 0 0 0 5 6 2 0 2 10 0 0 0 0 0 1 1 1 0 0 0 6 0 0 5 0 2 0 1 0 4 4 0 2 0 0 0 0 0 3 0 4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 6 2 1 11 1 8 3 2 1 7 8 1 5 5 6 16 2 3 35 Quadro 3. Quadro contrastivo dos vocábulos dos corpora orais com dados de frequência (excerto). Estes materiais constituem valiosos instrumentos para o exercício da actividade do professor, na sua relação com a diversidade linguística dos alunos. 3. Alguns fenómenos de variação É consensual a ideia de que quanto maior for o conhecimento do professor acerca do sistema da língua materna do aluno a quem se dirige o ensino de uma Língua Segunda ou de uma Língua Estrangeira, mais facilmente este professor conduz os seus alunos para a obtenção dos graus de proficiência pretendidos. Nos casos aqui considerados, não se trata de o professor conhecer línguas diferentes, mas, sim, de conhecer características diferenciadoras de variedades de uma mesma língua – o português. Essas variedades, ao contrário de serem estigmatizadas, devem, antes, ser rigorosamente observadas, tendo em consideração os traços linguísticos que as caracterizam, os quais devem ser comparados com os da variedade padrão que se pretende ensinar, com o propósito de identificar os fenómenos de variação e de mudança que atingem o português em todas as suas variedades. Tudo o que foi dito exige uma competência linguística especializada por parte dos professores que lhes permita reconhecer as especificidades das “normas” que os seus alunos dominam. Importa, pois, fornecer aos professores, e também aos alunos, instrumentos que lhes permitam ter a percepção de quais são os elementos lexicais e gramaticais da variedade que dominam e cuja aquisição terá de ser feita em contexto escolar, de maneira claramente informada, ampliando e diversificando a sua competência do português. 7 Apresentamos, seguidamente, alguns fenómenos observados no corpus África, que interferem, em geral, na proficiência oral e escrita dos alunos originários dos PALOP: - fenómenos de derivação morfológica: formas lexicais que não existem em português europeu, embora tenham sido criadas através de processos derivacionais regulares. Exemplos: Português de Moçambique Português Europeu vs confeccionamento confecção emplasticar plastificar desconseguir não conseguir depressar apressar sabadal relativo a sábado - fenómenos de regência verbal. Exemplos: Português de Moçambique Português Europeu vs há filhos que batem os pais há filhos que batem nos pais não têm amor os filhos não têm amor aos filhos respeitar aos pais respeitar os pais ir em Lisboa ir a Lisboa chegar em casa chegar a casa - fenómenos de concordância nominal e de concordância sujeito-verbo com enfraquecimento da morfologia verbal. Exemplos: Português de Angola vs Português Europeu as coisa estão muito cara as coisas estão muito caras se meus cliente quer um pão, eu fia mesmo se os meus clientes querem um pão, eu fio mesmo têm que ser boa para ela e, para ela ser também bom connosco têm que ser boas para ela e para ela ser também boa connosco Português de São Tomé e Príncipe Português Europeu 8 nós procura a maneira dar-lhe com um machim nós procuramos a maneira de lhe dar com um machim - fenómenos de colocação de clíticos. Exemplos: Português de Angola Português Europeu vs sim, você lava um carro, te dão os quinhentos mil sim, você lava um carro, dão-lhe os quinhentos mil Português de Cabo Verde Português Europeu e roupas também fazem-se e roupas também se fazem na igreja também usa-se o português na igreja também se usa o português Português da Guiné Bissau Português Europeu como é que elas devem-se comportar na sociedade como é que elas devem comportar-se/ se devem comportar/ na sociedade Seguidamente, apresentam-se quadros em que se podem observar exemplos da ocorrência dos 20 verbos, substantivos e adjectivos mais frequentes nos subcorpora orais deste projecto, das variedades de Angola, Cabo Verde, Guiné, Moçambique e São Tomé e Príncipe4: V E R B O S 4 F R E Q U Ê N C I A D E C R E S C E N T E Angola ser ter estar ir fazer haver falar dizer poder saber dar ficar trabalhar achar ver gostar vir querer viver passar Cabo Verde ser ter haver ir fazer estar dizer poder saber achar ver gostar dar querer falar vir dever ficar pensar conhecer Guiné ser ter estar ir poder dizer fazer dever achar haver saber pensar ver dar querer falar ficar trabalhar ajudar existir Moçambique ser ter haver estar poder ir dizer fazer achar querer saber ver conseguir estudar ficar dever existir dar casar passar São Tomé ser ir ter estar fazer haver poder dizer ver saber dar deixar querer achar pôr vir trabalhar comer gostar conseguir Destacam-se a itálico os lemas comuns às três variedades. 9 Quadro 4. Verbos mais frequentes. N O M E S F R E Q U Ê N C I A D E C R E S C E N T E Angola pessoa ano exemplo coisa professor vida casa pai tempo língua criança família vez filho mãe gente dia senhor bocado doença Cabo Verde coisa pessoa exemplo jornalista ano filho tempo comunicação casa dia ilha pai escola órgão criança problema caso momento assembleia clube Guiné mulher pessoa exemplo coisa jovem povo cultura pai família filho problema país democracia estado homem sociedade vez governo professor sida Moçambique pessoa coisa casa pai tempo ano educação transporte filho escola mulher vez vida problema dia chapa homem criança exemplo dinheiro São Tomé coisa pessoa casa gente ano bocado tubarão médico roça trabalho música peixe vez água senhor camarão tempo dia favor exemplo Quadro 5. Nomes mais frequentes. A D J E C T I V O S F R E Q U Ê N C I A D E C R E S C E N T E Angola Cabo Verde bom pronto português grande tradicional fácil caro difícil nacional angolano local melhor colonial próprio africano crente forte único típico diferente português social bom grande cabo-verdiano difícil novo pequeno municipal exacto velho interessante nacional político francês normal fidalgo importante igual melhor Guiné bom guineense maior difícil mau pronto cultural grande escolar preciso juvenil triste importante melhor novo possível africano grave único baixo Moçambique bom difícil importante novo melhor moral grande possível baixo diferente feliz primário familiar mau suficiente velho necessário único maior público São Tomé bonito lindo bom grande social pronto pequeno português principal caro melhor próprio verde difícil necessário capaz especial exacto médico paciente Quadro 6. Adjectivos mais frequentes. Estes quadros mostram que, no corpus oral e no que respeita às altas frequências, há alguma coincidência entre os vocábulos mais frequentes e também 10 quanto ao lugar que ocupam na ordem decrescente, principalmente no que diz respeito aos verbos. É interessante notar que, no que respeita à lista dos 20 verbos mais frequentes em cada uma das variedades exemplificadas, 12 lemas são comuns a todas as variedades, diferindo apenas na posição que ocupam na respectiva ordem de frequência. No caso dos substantivos e adjectivos, o número de lemas comuns incluídos entre os 20 mais frequentes é apenas de 3 e 4 respectivamente, continuando a verificar-se a não coincidência quanto ao lugar que ocupam na respectiva ordem de frequência. Contudo, nestas altas frequências, não se observa qualquer divergência entre o vocabulário dos PALOP e o vocabulário do português europeu (Bacelar do Nascimento et al. 1987). O vocabulário extraído dos corpora orais, de que aqui demos apenas alguns excertos, revela um grau elevado de unidade lexical entre estas variedades e a variedade europeia. Os resultados finais, ou seja, que incluem o corpus oral e o corpus escrito permitirão, sem dúvida, fazer um análise mais aprofundada do grau de unidade e diversidade do vocabulário das variedades africanas e portuguesa. 4. A extracção de concordâncias Já foi apresentado em 2. b) um outro processo a que podemos recorrer para tratar e analisar as produções escritas e orais que constituem o corpus, o chamado processo de extracção de concordâncias. Dá-se o nome de concordância à linha ou linhas de contexto em que uma determinada palavra ocorre, extraída(s) automaticamente de um corpus linguístico informatizado. A seguir apresentamos alguns exemplos retirados de concordâncias em que salientamos em itálico casos de não identificação entre a construção que ocorre no corpus África e a construção equivalente em português europeu. Estes exemplos caracterizam alguns dos fenómenos mais frequentemente encontrados. Excerto de concordâncias extraídas do corpus oral de Angola: m também não gosta. quem é que anda bater as crianças? alguns ença que desconseguir...você vai na irmã Danu ele... que você tem...está ...] , sente pena com ol. hã! e foi ele que gido, que se você não Horácio é muito bom, a vida, hum se tem no minha família, não é, aquela pessoa, te salvou? foi sabe gramática ele não ralha. bolso entrega, embora, embora nossos a ela pode te dar dinheiro, para você ele, ele levou-me no hospital e tud ele não não te deixa você passar. s ele só ralha quem... quem, àquele qu ele vai embora, você, também ficas, eles me tirarem do sítio onde estav 11 , o do mal, eu quando estou bêbado, eles não me gostam. hum. mas, quand le, nem nada no fogão com ele, tudo eles leva. hum. o problema é se eles esto esses meus patrão são bons. eu, eles é que estão a me ajudar, tudo go dos anos a cobertura nunca desceu dicamento para que o paciente toma-o 1vontade, vem à vontade, só vou assim mãe, ainda estão em vida? sim, estão em em em em baixo do quarenta por cento, e e casa e nos dias subsequentes tom Malange. quando a guerra acabar. vida. e fazem o quê lá no Huambo um tecto para mim, não é, e até que eu consegui um tecto para mim viver a vida? quase eu gosto mesmo tudo. gosta tudo? sim. mas o, por que é q ..] , às vezes volta para aí só para matabichar mo sim senhora. [...] de resto esses meus que não queria responsabilizar-se de h, um homem, a bíblia nos ensina que nós, porque nós somos três, então, nós temos que ser sábio, a sabedori família e arranjar um cantinho que é uanda, ou em qualquer emissora que é viver sozinho trabalhar normalmente, ão é, e até que eu consegui um tecto para para para para um polícia lá no, na Mutamba, que na qual, iança muito pequena, a minha mãe, se separa mais o meu pai, 1u tenho certeza absoluta que se eu o ah, para matar matabicha patrão são bons. eu, eles é qu mim mim mim mim ver eu poder viver sozinho trabal poder aprofundar um bocadi poder sobreviver. eh, nest viver. e hoje o Gaspar viv e o padre Horácio é quem eu cresci j na rua ainda posso esquecer del se dos inimigos. por exemplo, eh, se ue é que faz para, para melhorar? aí . milho. milho, come assim as fruta. você você você e uma, não é? sim. portanto não, não viver? eu estou a pensar para hhh eu não ajuda. dona Conceição gostava de volta em casa durante o dia? n [.. voltar em Huambo. ah, está a pensa voltar em Malange? gosto. na sua t ama o teu próximo como a ti cultiva, vai na tuas lavra, hu pode ir na tua lavra [...] e b Excerto de concordâncias extraídas do corpus oral da Guiné: aboratórios, porque sabemos que nós aqui em Guiné-Bissau somos rico em m ios filho, meu homem não tenho nada, eu filho. se eu quiser eu para o pai avô não tenho apoio para me apoiar, quero Guiné-Bissau avançar para bater meu filho, agora vamos lembrar me estudar. agora é casada? sim. eh meu avô pisaram o meu caderno, [...] ar a sua vida? minha vida é meu avó, sou a levar a sua vida? minha vida é na [...] saí na internato, porque o u não tenho trabalho em casa, porque só para mim, mas como para todos os meu meu meu meu meu meus amigos, depois, minha mãe, [... avó [...] é que me leva para a avó, meu avó [...] é que me lev mãe faleceu, faleceu, não tenho mãe tem um ajuda, empregada. eu compatriota, porque é chato, é ] eles vão escola, vamos levar [...] enti bem na minha casamento porque a zer [...] por isso, por isso [...] a o, com o casamento? não senti bem na ital não tenho. eu quero, eh, pago a . qual o trabalho que fazia em casa? minha minha minha minha minha minha a meu marido ter mais trabalho, para nós ssa pequena conversa eu descobri que segundo como a senhora nos disse é q caderno, se eh, lá no casa do casamento, ele, danou a minha casamento. mas, e isso, [...] casamento porque a minha casa dinheiro, vai num hospital, v trabalho, eu não tenho trabal termos nosso carro. como é que 12 acho que o estado... que não paga o o trabalho aqui na Guiné-Bissau. ve agora es [...] essa situação. que se, porque a nossa geração, so mesmo é que se está a perder. eu eu eu eu icam com ideia só em ganhar dinheiro 1ue os jovens sem isso deixam-se. vão seu povo durante dois anos, perde a sinto muito da Guiné-Bissau, porque sinto, primeiro lugar, mal, porque a sinto triste por ver isso. a nossa t sinto triste estar a dizer isto, mas dar os filhos de comer e esque discoteca, encontram na discot para para ntão, obrigado. para mim, as causas dos sexos e posso assim também dizer arado. mas um país como o nosso acho e para o nosso país. acho que isso é com as mulheres para saberem como é imos anos do ensino liceal, ah, tive que vão cursar, eu conheço uma miúda que obrigou a essa, não sei, maldita que as mulheres que mais trabalha, que deve-se aproveitar tudo, que ex que deve-se fazer nessas condições que elas devem-se comportar na soci que enveredar-me pela via do ensino que foi-se cursar em Cuba, veio, el a pessoa diz "ah! eu não, eu não sei te dizer a cultura propriamente" . não há sítio cá na Guiné-Bissau que diminuiu, acho que não acabou ainda, tu tu passas e não vê o lixo. passas e passas e vê o lixo. por exemplo ntão o estado agora deve convencer a vocês, essa geração que ainda exist Para além dos fenómenos já mencionados em 3., observaram-se nestes exemplos vários outros como: ausência de flexão verbal; não concordância entre sujeito e verbo nas orações relativas; neutralização das formas de tratamento ao nível quer da flexão verbal, quer dos pronomes pessoais e possessivos; ausência de concordância entre possessivo e nome; variação na regência preposiconal. A grande utilidade do uso das concordâncias, extraídas de dados autênticos, advém do facto de ficar bem patente à observação do professor e do aluno o tipo de sequência lexical ou o tipo de construção sintáctica em que a palavra em estudo tipicamente ocorre numa dada variedade do português, a frequência com que ocorre e, ainda, o tipo de discurso em que ocorrem os fenómenos observados (dado que se podem obter concordâncias da mesma palavra extraídas de discurso oral, formal ou espontâneo e de diversos tipos de discurso escrito: jornalístico, literário, técnico, etc.). 5. Algumas conclusões Do que atrás se apresentou, concluímos que o recurso ao corpus das variedades africanas do português, como instrumento auxiliar, se revela de fundamental importância, na medida em que possibilita um contacto frutuoso de professores e alunos com dados autênticos dessas variedades. 13 De facto, conhecer este instrumento é para o professor um valor acrescido aos seus conhecimentos e um meio excelente de compreensão dos alunos oriundos dos PALOP e das suas dificuldades perante a variedade europeia do português que se lhes apresenta como modelo a alcançar. Por outro lado, é uma fonte de materiais muito rica para construção de exercícios, especialmente de carácter contrastivo. É também ocasião de se verificar que as variedades do português que estes alunos dominam têm um fundo comum estável e que as diversidades que as caracterizam são fáceis de descrever e de explicar. Reforça-se assim o apoio que o corpus África pode dar ao professor, de modo a que se sinta à vontade na sua interacção com os alunos oriundos dos países africanos de língua oficial portuguesa, fornecendo-lhe os dados necessários à descrição e explicação da origem dos desvios à norma europeia que vai observando nas produções desses alunos. 6. Bibliografia Bacelar do Nascimento, M. F. (2002). "Associations lexicales: du corpus aux dictionnaires". In Melka, F. e Augusto, M. C. (eds.) De la Lexicologie à la Lexicographie / From Lexicology to Lexicography, Utrecht : Utrecht Institute of Linguistics (OTS), pp. 38-51. Bacelar do Nascimento, M. F. (2003). "Quelques considérations sur la constitution et l'exploitation d'un corpus de portugais parlé". In Scarano, A. (a cura di) Macro-Syntaxe et Pragmatique: L' analyse de l'oral, Roma: Bulzoni Editore, pp. 295-302. Bacelar do Nascimento, M. F. e Mota, M. A. (2001). "Le Portugais dans ses variétés". 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