Daniela da Silva Souza Nutricionista Especializanda Disciplina de Gastroenterologia Departamento de Pediatria Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo A Encefalopatia Crônica na infância foi descrita no ano de 1843, pelo ortopedista inglês Willian John Little, em um estudo realizado com 47 crianças portadoras de rigidez espástica. O médico acreditava que a etiologia estivesse ligada a dificuldades no trabalho do parto, prematuridade, demora ao chorar, parar de respirar ao nascer, além de convulsões e coma nas primeiras horas de vida. Freud, em 1897, sugeriu a expressão paralisia cerebral (PC), que, mais tarde, foi consagrada ao se referir a um grupo de crianças que apresentavam transtornos motores mais ou menos graves devido à lesão do sistema nervoso central (SNC). PIOVESANA et al, Compêndio de Neurologia Infantil. 1.ed. São Paulo: Medsi, 2002. ROTA, N. T. J Pediatr (Rio J), 78(Sup.1): S48-S54, 2002. Vários autores consideram o termo PC inadequado, uma vez que significaria o estacionamento total das atividades motoras e mentais, o que não é o caso. Atualmente, tem-se utilizado o termo Encefalopatia Crônica Não Progressiva ou Não Evolutiva (ECNE) para deixar claro o caráter persistente, mas não evolutivo, apesar das manifestações clínicas se modificarem com o desenvolvimento da criança e com a plasticidade cerebral. No entanto, é extenso e universal o uso do termo PC, até mesmo como título de periódicos e em congressos e associações em todo o mundo. SCHWARTZMAN, J. S. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral, v. 1, n.1, p. 4-17. 2004. Desde o Simpósio de Oxford (1959) ECNE é definida como: “seqüela de uma agressão encefálica, que se caracteriza, primordialmente, por um transtorno persistente, mas não invariável, do tono, da postura e do movimento, que aparece na primeira infância e que não só é diretamente secundário a esta lesão não evolutiva do encéfalo, como também devido à influência que tal lesão exerce na maturação neurológica”. ROTA, N. T. J Pediatr (Rio J), 78(Sup.1): S48-S54, 2002. A prevalência das formas moderadas e graves encontra-se entre 1,5 a 2,5 crianças por 1000 nascidas vivas nos países desenvolvidos. Em países subdesenvolvidos, considerando todos os níveis de ECNE, a prevalência deve chegar a 7 por 1000 mil nascidos vivos. No Brasil, os dados estimam cerca de 30.000 a 40.000 casos novos por ano. PIOVESANA et al, Compêndio de Neurologia Infantil. 1.ed. São Paulo: Medsi, 2002. São utilizadas várias classificações para caracterizar a ECNE, no entanto, a mais aceita foi publicada pelo Comitê da Academia Americana de Paralisia Cerebral, em 1956, que considera a localização do corpo acometido e o tipo de disfunção motora. Quanto à disfunção motora, esta pode ser dividida em espástica, discinética, atáxica ou mista. A forma espástica é classificada quanto a topografia em tetraplégica, diplégica e hemiplégica. MARENZA, M. Encefalopatias Crônicas não Progressivas. Pediatria Básica. São Paulo: Savier, 1991. Crianças com dano neurológico frequentemente apresentam um ou mais fatores que dificultam sua alimentação, tais como: alterações na mastigação, no esvaziamento gástrico, refluxo gastroesofágico, incoordenação motora, dificuldade em se alimentarde forma independente, que por sua vez causam transtornos nutricionais e de crescimento. A desnutrição é um dos fatores que mais contribui para o retardo no crescimento devido a inadequação do consumo de nutrientes, em parte condicionada pelas disfunções orais e motoras. STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 WEISSTAUB, N. et al. Ver. Chil. Pediatr.67 (3); 130-135, 1996 Em um estudo de 230 crianças com ECNE de moderada a grave em seis grandes centros dos Estados Unidos e Canadá, foi concluído que nestas crianças, a disfunção alimentar é comum e está associada ao estado nutricional. Mesmo crianças com disfunção moderada, requerem alimentos picados e amassados, podendo ser um risco para a manutenção do estado nutricional adequado. A gastrostomia pode ser indicada quando a via oral é inadequada, a criança apresentar baixo peso, ou quando é freqüente a aspiração e o estresse durante a alimentação. TAWFIK, R. e cols. Dev Med Child Neurol, 39 (11):746-51, 1997. FUNG, E.B et al. Jorn. Am Diet Assoc, 102(3):361-73, 2002. Definição: A antropometria mede, de maneira estática, os diversos compartimentos corporais. Inclui medida de peso, altura, pregas cutâneas e circunferências dos membros. Entre as vantagens das medidas antropométricas destaca-se: baixo custo, simplicidade de equipamento e facilidade da obtenção dos resultados. WAITZBERG, D.L.. Nutrição Oral Enteral e Parenteral na Prática Clínica. 3.ed São Paulo: Atheneu, 2001. y Para avaliação antropométrica dos portadores de ECNE, dentre as medidas a serem coletadas estão: peso, altura, comprimento superior do braço, comprimento tibial, altura do joelho, circunferência do braço, dobra cutânea tricipital, e dobra cutânea subescapular. STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 y Peso: O paciente com ECNE, que pode permanecer na posição ereta, deve ser pesado numa balança, mas quando isto não for possível, o adulto acompanhante é inicialmente pesado individualmente e a seguir é novamente pesado sustentando a criança no colo. O peso da criança é assim obtido subtraindo-se os valores encontrados. STEVENSON R D et al Arch Pediatr Adolesc Med Vol 149 june1995 Altura: O acompanhamento do crescimento de crianças com ECNE é difícil, devido ao fato de muitas delas não conseguirem ficar na posição ereta, possuírem articulações contraídas, espasmos musculares involuntários, escolioses e pouca cooperação devido à deficiência cognitiva. A partir disso, Stevenson (1995), estudou 172 crianças portadoras de ECNE e correlacionou o comprimento do braço, comprimento da tíbia, e a altura do joelho até o calcanhar com a estatura, com o objetivo de desenvolver fórmulas para estimar a estatura a partir destas medidas. STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 Comprimento superior do braço (CSB): distância do acrômio até a cabeça do rádio medido com o membro superior flexionado a 90°. STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 Comprimento da tíbia (CT): medida da borda súperomedial da tíbia até a borda do maléolo medial inferior. STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 Altura do joelho (AJ): comprimento do joelho até o calcanhar. STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 Concluiu-se com o estudo, que com a impossibilidade da obtenção da estatura por método direto, qualquer medida segmentar seria interessante para estimar a altura de crianças com paralisia cerebral de 2 a 12 anos de idade; no entanto, é recomendado pelo autor, as medidas da altura do joelho ou o comprimento da tíbia devido ao menor desvio padrão. STEVENSON, R.D. et al. Arch Pediatr Adolesc Med. Vol 149,june1995 ¾ ¾ ¾ Dobra cutânea: expressa a quantidade de tecido adiposo corporal e, consequentemente, as reservas de energia e o estado nutricional atual. Porém reflete apenas a disposição de gordura localizada na região subcutânea. Em pediatria preconiza-se a utilização das medidas do tríceps e subescapular, por serem as únicas que possuem valores de referência. Dobra cutânea tricipital (DCT): Medir a dobra sobre o ponto médio marcado entre o acrômio e o olécrano do braço direito. Pinçar 1 cm acima do ponto médio. Obter 3 medidas e usar a média SILVA,S. MURA, J. Tratado de Alimentação Nutrição e Dietoterapia. 1ª ed. 2007 ¾ ¾ ¾ Dobra cutânea subescapular (DCSE): É exatamente 1 cm abaixo do ângulo da escápula direita. Pinçar a dobra à diagonal, com a inclinação de 45° do plano horizontal na linha natural da pele. Obter 3 medidas e usar a média. SILVA,S. MURA, J. Tratado de Alimentação Nutrição e Dietoterapia. 1ª ed. 2007 ¾ ¾ ¾ Circunferência: as medidas musculares dos membros são usadas para mensurar a variação da proteína muscular esquelética, e, para isso, é necessário medir sua circunferência, além da prega. A circunferência do braço (CB) e a DCT permitem o cálculo da área muscular do braço (AMB) e a circunferência muscular do braço (CMB). Circunferêcia do braço (CB): Braço direito relaxado, paralelo ao lado do corpo, formando um ângulo de 90° com o cotovelo. Marcar o ponto médio entre o acrômio e o olécramo. Usar fitas milimétricas (intervalos de 0,1 cm) SILVA,S. MURA, J. Tratado de Alimentação Nutrição e Dietoterapia. 1ª ed. 2007 Materiais: Equação para predisposição da gordura corporal em crianças e adolescestes de 8 a 18 anos. Mais utilizada por levar em consideração o nível de maturação e aspecto racial. Sexo feminino: ¾ %G = 1,33 (DCT + DCSE) – 0,013 (DCT + SE)² - 2,5 Sexo masculino, etnia brancos: ¾ Pré púbere: %G = 1,21 (DCT +DCSE) – 0,008 (DCT + DCSE)² - 1,7 ¾ Púberes: %G = 1,21 (DCT +DCSE) – 0,008 (DCT + DCSE)² - 3,4 ¾ Pós púberes: %G =1,21 (DCT +DCSE) – 0,008 (DCT + DCSE)² - 5,5 Sexo masculino, etnia negros: ¾ Pré púbere: %G = 1,21 (DCT +DCSE) – 0,008 (DCT + DCSE)² - 3,2 ¾ Púberes: %G = 1,21 (DCT +DCSE) – 0,008 (DCT + DCSE)² - 5,2 ¾ Pós púberes: %G =1,21 (DCT +DCSE) – 0,008 (DCT + DCSE)² - 6,8 SLAUGHTER M. H. et al, Hum Biol 1988;60:709-23. Padrão de referência para percentual de gordura em crianças de 7 a 17 anos: Masculino Feminino Excessivamente Baixa Até 6% Até 12% Baixa 6 à 10% 12 à 15% Adequada 10 à 20% 15 à 25% Moderadamente Alta 20 à 25% 25 à 30% Alta 25 à 31% 30 à 36% Excessivamente Alta Acima de 31% Acima de 36% LOHMAN, T.G. Anthropometric Standardization Reference Manual. Human Kinetics Books, 1988 A circunferência do braço, associada à dobra cutânea tricipital fornece valores estimados da massa magra: Equação para circunferência muscular do braço (CMB): ¾ CMB (cm) = CB (cm) – 0,314 DCT(mm) Equação para área muscular do braço (AMB): ¾ AMB (mm²) = (CMB)² 4π ¾ AMB corrigido (sem osso): masculino = AMB calculado - 10 feminino = AMB calculado – 6,5 FRISANCHO, A. R. University of Michigan, 1990.189 p. Valores de referência para CMB e AMB: FRISANCHO, A. R. Am. J.Clin. Nutr., 34:2540- 2545,1981. FRISANCHO, A. R. University of Michigan, 1990.189 p. Devido à falta de padrões de referência de crescimentos específicos para crianças portadoras de ECNE, Krick (1996) desenvolveu um estudo envolvendo 360 crianças com ECNE tetraplégica, tendo como finalidade a elaborações de curvas de crescimento específicas para este tipo de distúrbio, e sua comparação com as curvas do NCHS (utilizadas para avaliação nutricional de crianças consideradas normais). KRICK, J. Journal of the American Dietetic Association, 96: 680-685,1996 • • • Métodos: Peso e comprimento foram obtidos de acordo com o protocolo padrão para todas as crianças. As medidas foram tomadas no momento da visita a uma clínica ortopédica e a partir da revisão dos prontuários. Foram avaliadas 360 crianças com ECNE tetraplégica, e os dados de crescimento foram baseados em 1630 observações. Curvas de crescimento representadas pelos percentis 10th, 50th e 90th foram estimadas usando a técnica “smoothing splines”. Estatística “bootstrapping” foi realizada para confirmar as diferenças significantes com os gráficos do NCHS. KRICK, J. Journal of the American Dietetic Association, 96: 680-685,1996 P/I meninas E/I meninas P/E meninas P/I meninos E/I meninos P/E meninos Aplicação: Inicialmente é proposto que os gráficos apresentados neste artigo sejam usados conjuntamente com os gráficos de crescimento do NCHS, e que o percentil 50 de peso e estatura de acordo com a referência de ECNE tetraplégica seja o foco. KRICK, J. Journal of the American Dietetic Association, 96: 680-685,1996