GARRAFAS AO MAR
Recebo uma mensagem por Email, na verdade diversas, de uma pessoa chamada
Margareth. Vide a seguir:
“Dear, I am an officer of the United State Army currently living in Libya for peace
keeping assignment, I am loving, honest and caring person with a good sense of humor,
I enjoy meeting new people and knowing their way of life, I enjoy watching the sea
waves and the beauty of the mountains and everything that nature has to offer I would
like to establish friendship with you I saw your contact at (LinkedIn.com) and I get
interest in you. Please write to me in my email address so that I will send you my
photos and I have something important to tell you. “
A mensagem me leva a inúmeras ideias. Devo escrever para Margareth e contar que
estou sozinho? Devo contar para ela, que depois de inúmeras tentativas, desisti de viver
a dois? Que o Rio de Janeiro, tem ondas lindas e montanhas maravilhosas e que se ela
mudar para cá poderá ter tudo o que deseja? Devo contar que tenho três filhos, dois
homens e uma mulher, que vejo esporadicamente, pois dois se espalharam pelo mundo e
o outro nunca dá as caras? Devo contar que minha última companheira era advogada e
está me processando? Devo contar a ela que nós brasileiros adoramos uma sacanagem,
somos altamente infiéis, embora preferíssemos a fidelidade, delas é claro, mas até
nossa, enquanto conseguimos, o que pode durar muito pouco, ou muito tempo?
Lembrei do passado, que os perdidos em ilhas distantes, colocavam cartas em garrafas
ao mar pedindo socorro, com mapas, para que fossem encontrados.
Lembrei do filme, Uma Garrafa no Mar de Gaza, onde uma jovem judia crescida na
França, vivendo em Jerusalém, manda um recado numa garrafa que chega a Gaza. A
garrafa é recebida por um jovem palestino que passa a se comunicar com a jovem judia,
que na verdade queria entender porque os palestinos ficavam enviando bombas e
foguetees que tornavam um inferno a vida de pessoas pacíficas, que nada tinham contra
os árabes ou palestinos.
Enfim, fico pensando também nas novas formas de comunicação, Email, Facebook,
Twiter, Linkedin, e as próximas que virão.
Margareth enviou uma mensagem, que talvez não seja para mim, ou talvez seja só para
mim, ou talvez seja também para mim.
1 Devo responder, devo me preparar para ir à Líbia visitá-la, devo convidá-la para vir ao
Rio de Janeiro, e no aconchego do meu apartamento, hospedá-la?
Já tinha decidido que nunca mais me ligaria a alguma mulher e agora Margareth me
escreve. Oficial do Exército Americano em missão de paz na Líbia. Deve estar
entediada. Ou pode ser um trote, ou uma tentativa de me envolver e depois me sacanear,
ou um vírus. Sim, deve ser um vírus.
Esqueço do assunto. Vou ao trabalho. Passo dias, fazendo o que sempre faço, trabalho,
trabalho e trabalho. Diversão muito pouca. Meus filhos não me procuram e quando ligo,
tem sempre algo por fazer. Um vive fora do Brasil e a menina, que é casada, mudou-se
para São Paulo. No Rio, apenas o filho mais novo, que mora numa república, e pelo que
tudo indica, não é muito interessado em mulheres.
Na verdade isso me chocou. Acho que foi culpa da mãe. Aliás, não falo com ela há
anos, uma cretina, que só queria meu dinheiro.
Passo dias sem lembrar de Margareth e seus Emails. O trabalho me absorve. Uma noite
resolvo encontrar com uma velha amiga. Vamos num cinema. Assistimos Winter sleep.
É um drama turco. Me identifico com o ator principal que é abandonado pela esposa
mais jovem. O filme se passa num hotel na península anatoliana. A paisagem é bonita,
mas acho o filme muito longo. Cochilo por vezes e perco um pouco o enredo. O filme
me deixa meio deprimido e minha vontade de levar minha amiga para casa se esvai.
Acabo levando-a para jantar e depois a deixo em sua casa.
Quando chego em casa lembro de Margareth. Será que ela me escreveu? Corro para
meu micro para ver se há novas mensagens. Mas nada, já se passaram dez dias e eu até
hoje não tive coragem de escrever.
Resolvo enviar uma mensagem para seu Email particular.
Dear Margareth, I am Sérgio. I live in Rio de Janeiro. I am interested in your friendship,
but, however...
Acabo ficando na dúvida se devo enviar a mensagem. E se for trote, e se forem
bandidos internacionais ou africanos
que querem fazer contato comigo para me
explorar? Por fim não envio a mensagem e adormeço tomando um copo de vinho.
Acordo tarde e tenho que me arrumar correndo, pois tenho compromisso no trabalho. A
semana está difícil. Tudo está muito caótico. O presidente da principal construtora do
país está preso. Tenho medo de perder o emprego. Minhas ex-mulheres me exploraram
2 e a última, a pior de todas, é advogada. Nem tive filhos com ela, mas só de vingança ela
quer ficar com o apartamento onde mora, que comprei para ser minha casa definitiva.
Eu queria morrer lá. Mas não aguentei. Ela era muito chata. Um dia, preferi sair, ir
primeiro para um hotel, e agora para esse aparthotel.
Ooopa! No whatsapp apareceu uma mensagem do meu filho que vive em Sidney. Adoro
esse garoto. Fez doutorado na Universidade de Sidney e ficou por lá.
Você está bem pai?
Claro filho, fora uma gripe, continuo fazendo minhas caminhadas e me exercitando.
Namorando, Cássio? Pergunto.
Sempre meu pai, sempre. Quando você vem para cá?
Quando vai tirar férias para me visitar?
É sério o namoro agora ou só mais uma experiência? Pergunto.
Sei lá, pai, você e a mamãe não deram certo e aquilo me marcou.
Acho que não vou casar. Gosto do começo das relações, depois fica uma merda. Até
morei com uma colega do doutorado, mas depois de algumas semanas, ela queria
controlar minhas saídas, eu só podia sair com ela, nem encontrar meu colegas no fim do
dia ela deixava. Um saco. Era inglesa. Uma gatinha. Na cama, uma merda pai, mais
lenta que uma tartaruga. Pra transar eu tinha que fazer uma ginástica danada. Fiquei
achando que ingleses não gostam muito de sexo.
As outras, variam. Gostei muito de uma neozelandesa. Muito linda, mas também muito
decidida.
E aquela brasileira que você namorou? Pergunto.
Ainda encontro de vez em quando. A gente até se gosta, mas prá casar é difícil.
Ela é ótima de cama, adora uma sacanagem. Até ontem saímos e acabamos dormindo
junto. Como sempre reclamou que eu não quero nada sério com ela.
Ela também defendeu o doutorado e não quer voltar.
A Austrália é um país maravilhoso. Você sabe que estou jogando golf? Duas vezes por
semana, no meio da tarde? Fim de semana, pelo menos um dia. É muito bom.
Resolvo falar pra ele da Margareth, que estou pensando em ir para a Líbia conhecê-la.
Cássio tem um treco do outro lado do Whattsapp e fala: ficou louco pai? Líbia? Se quer
ir para a Líbia encontrar uma mulher que você nunca viu, nem nunca conversou direito?
Pô pai, sai fora!!! E tuas amigas cariocas não te satisfazem mais?
3 Lembra filho, replico eu, na juventude, fui para a Califórnia onde estudei um ano. Foi
maravilhoso. Além de aprender inglês, tive duas namoradas inesquecíveis. Eu tinha
menos de dezoito, Joan e Cynthia também, mas elas foram ótimas. Aprendi muito com
elas.
Mas o que faz essa tal de Margareth na Líbia, pai? pergunta Cassio.
Das Forças Armadas Americanas em missão de paz, respondo.
Catzo pai, para com isso. Vem prá cá que te apresento umas australianas.
Americana e ainda das forças armadas. Missão de paz....Tsc, tsc...
Terminamos a conversa, pois está ficando tarde para mim e ele tem que trabalhar. Que
loucura, quando desligamos no meu relógio são 10 e meia da noite e prá ele, dez e meia
da manhã.
Lembro da namorada australiana que tive, viúva de um professor que morreu de câncer.
Como viajei? Agora tenho medo. Ir para a Austrália visitar meu filho, é muita viagem,
muito stress. Estive uma vez na Austrália, Sidney, Perth, Woolongong, Camberra…
Que país maravilhoso. Naquela época, Cássio ainda era um guri.
E por diversos caminhos acabei conhecendo Joan, filha de pai inglês e mãe jamaicana.
Passamos três dias juntos. Ela também tinha três filhos e era viúva fazia pouco tempo.
Nos encantamos. Mas foi uma loucura passageira. Ela não podia mudar para o Brasil e
eu não aceitaria ir para a Austrália e me separar dos filhos.
Acabo esquecendo de me despedir de Cássio, e percebo que ele saiu do whattsapp.
Deve estar trabalhando ou foi dar aula.
No whattsapp chega uma mensagem de Tainá.
Oi! Pai! Tudo bem com você?
Claro filhota e você? O Marcos está bem?
Está e tenho novidades?
Quais?
Estou grávida.
Que legal. Que boa noticia.
Vocês estavam querendo?
Claro pai. Já tô até velhinha prá ter filho.
Conversamos sobre a boa novidade. Conto que acabei de falar com Cássio.
E agora filha, vai ficar em definitivo em São Paulo?
4 Xi pai, nada é definitivo, responde minha filha.
O João tá bem empregado e eu também , mas o país está em crise. Sei não.
E você? Continua sozinho? Não vai voltar com aquela advogada?
Ela me ligou. Disse que ainda gosta de você.
Resolvo contar pra ela da Margareth e das mensagens que recebi.
Ela diz que devo estar ficando gagá, que isso é trote, que vão querer me sacanear.
Que não tenho que escrever nada para o endereço da Margareth, que vou me dar mal.
Vou dormir tarde, depois de tomar alguns copos de vinho, pensar no netinho a caminho.
Resolvo deletar as mensagens de Margareth e não internacionalizar a próxima relação.
Semana que vem vou para São Paulo ver minha filha e nas férias para Sidney.
Que viva a vida e esqueçamos de Margareth…
Neste fim de semana vou jogar uma garrafa no mar de Ipanema. Quem sabe a garota de
Ipanema não a apanha e me chama para tomar um chopp, ir num cinema...
Vou escrever que apenas quero encontrá-la, amá-la muito, ser fiel como nunca fui, e
fazê-la feliz, muito feliz, mais do que Vinicius e Tom a fizeram ao escolhê-la como
inspiração para a música mais linda e tocada do mundo.
Para que meus desejos tivessem mais oportunidades, lancei ao mar 100 garrafas com
meu endereço, número do celular, Email, facebook, ....
Agora estou só esperando. Domingo vou até a Igreja Nossa Senhora da Paz pedir ajuda
a Jesus Cristo e Nossa Senhora, para ver se a mais linda garota do bairro me procura…
Autor: Claudio Mahler
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“Garrafas ao mar”, de Cláudio Fernando Mahler.