Depois da experiência gratificante que foi para mim ter participado na Ultra Maratona 101 Kms de Ronda - Espanha, com uma organização excelente, resolvi tentar uma nova Ultra Maratona com 100 Kms, a Madeira Island Ultra Trail. Desde a primeira hora e depois de ver a altimetria e a descrição do percurso da prova, vi que se tratava de uma prova bem mais difícil que Ronda, principalmente pelos desníveis do percurso, o seu piso e os terríveis 5.000 degraus, segundo a organização, mas que a mim me pareceram muito mais (foi realmente uma grande penitência). Como em Espanha tinha feito os 101 kms em 19h23m, em condições climatéricas bastante adversas, pensei que terminar o Ultra Trail da Madeira em 24 horas estava perfeitamente ao meu alcance. Assim juntei-me com um grupo de amigos ultra maratonistas e lá partimos para a Ilha da Madeira, com a boa disposição habitual, para participar em mais uma grande aventura. Antes da partida somos surpreendidos com um mail da organização a avisar-nos que ainda não sabiam onde iria funcionar o secretariado da prova, e davam-nos duas opções, se bem que só distantes uma da outra 100 m, já denunciava algumas falhas na organização. Felizmente quando chegamos, já tudo estava resolvido, e o secretariado funcionou perfeitamente no Hotel White Waters no Machico, onde levantámos os dorsais e procedemos à conferência do material obrigatório para participar no trail (apito, camelbag com2 l agua, manta de sobrevivência e 2 frontais). No Machico estava um tempo estupendo, mas pelas previsões meterológicas sabíamos que o tempo no dia seguinte iria piorar. Jantamos num restaurante italiano que levou uma eternidade a servir-nos, e a seguir fomos aprontar todo o equipamento para o dia seguinte, pois teríamos que estar prontos para apanhar o autocarro para a ponta do Pargo às 4 da manhã. Chegámos à Ponta do Pargo cerca das 6 da manhã, enquanto esperávamos pela hora da partida tivemos uma pequena amostra do que nos esperava para o resto do dia chuva, mesmo muita chuva!!! Às 6hh30 foi dada a partida, felizmente a chuvada nesta altura foi de pouca dura, o que permitiu que andássemos alguns kms secos. Após os primeiros kms em alcatrão e quando da primeira entrada em terra acontece o primeiro percalço (falta de fitas num cruzamento), que levou a maior parte dos atletas a fazerem mais uns kms extra. No meu caso, como ia em grupo limitava-me a seguir o da frente, somente quando alguns companheiros começaram a hesitar e a seguirem em direcções diferentes num cruzamento, resolvi só seguir depois de ver as fitas de marcação. Como não as encontrei voltei atrás ao último cruzamento e lá encontrei as fitas que só eram visíveis no trilho depois de voltarmos à direita. (Falha da organização ou sabotagem???) Este pequeno percalço marcou definitivamente a prova para muitos atletas, eu só fiz mais 2 ou 3 kms, mas houve atletas que andaram perdidos 10 e mais kms. A partir daqui já não facilitei, e tentei ir com o máximo de atenção possível para evitar novos atrasos. Até aos 47 kms a prova foi relativamente fácil, apesar de se correr em todo o tipo de pisos. Para mim foi uma surpresa inesperada ter de correr durante alguns kms, nas levadas, em cima de um muro com cerca de 50 cms de largura (talvez nem tanto), com chuva constante que tornava o piso muito escorregadio, e onde, de um lado corria o canal com a água da levada e do outro um precipício com centenas de metros de altura, nalguns locais, e muitas vezes sem qualquer protecção. Sempre que queria ver as magnificas paisagens por onde estava passando, tinha de parar, pois sempre que tirava os olhos do chão desequilibrava-me logo. A passagem do túnel com 1,70m de altura e cerca de 3 kms de comprimento, com piso irregular, pedras, lamas, madeiras e sei lá que mais, pois a visibilidade era quase nula, foi um verdadeiro tormento. Primeiro o medo de bater com a cabeça nas pedras era bem real (aconteceu a muito boa gente), depois a falta de luz que me impedia de ver onde punha os pés. Valeu-me a boleia de uma atleta espanhola que tinha um óptimo frontal. O meu frontal que tinha servido perfeitamente em Ronda, aqui revelou-se completamente ineficaz. Após os 47 Kms é que a prova começa a sério, com as subidas para o Pico Ruivo e depois para o pico do Areeiro. No princípio ainda comecei a contar os degraus para ajudar a passar o tempo e esquecer o frio, mas depois perdi-lhes o conto. Nesta altura, subida para o Pico Ruivo passei o meu pior momento, mas como estava comigo um atleta Madeirense que estava bem pior que eu, lá nos fomos ajudando um ao outro e conseguimos chegar ao CP06. Aqui recuperei bem e parti sózinho para o Pico do Areeiro (CP07), onde queria chegar o mais rapidamente possível para poder mudar de roupa e comer mais qualquer coisa quente. A chegada ao Pico do Areeiro CP07, foi uma autêntica festa, com todo o pessoal da organização a bater palmas sempre que chegava mais um atleta. Toda a gente para nos animar, dizia que o pior já estava, e que agora era sempre a descer. Só que descer naquelas condições, de noite, com pouca luz e o piso em terra completamente enlameado, se revelou bem pior que as subidas. Mudei de roupa e de ténis e resolvi partir sozinho. Entretanto chegaram dois companheiros dos Machada Runners, o Atílio e o Gonçalo, que tinham perdido imenso tempo na inicio da prova, mas que se encontravam bem. Soube também que o meu amigo Rogério Morais estava também bastante atrasado, mas que se encontrava bem. Após algumas centenas de metros alcancei dois atletas das Canárias com os quais tinha andado no inicio da prova. Como eu tinha pouca luz aproveitei a boleia deles. Aqui começaram os grandes problemas de progressão devido à lama e falta de visibilidade apesar da boa luz dos meus companheiros. Em poucos kms caí pelo menos umas dez vezes e ainda parti um dos bastões. Com todas estas quedas voltei a ficar completamente encharcado. Os meus companheiros também caíram algumas vezes, principalmente a Glória. A partir de uma dada altura resolvemos andar, pois correr naquelas condições era muito penoso. Mas já tínhamos resolvido, assim que houver um trilho em condições vamos correr para recuperar algum tempo, pois apesar do cansaço próprio da duração da prova, fisicamente estávamos bem. Quando estávamos a chegar ao próximo controle, fomos informados que éramos os últimos, e que já não podíamos continuar pois o controle já estava encerrado (já não nos deixaram controlar neste posto). Efectivamente estávamos bastante atrasados em relação ao tempo de passagem, mas estávamos bem e muito motivados para terminar a prova. Apesar dos meus protestos, foram intransigentes connosco. Acho que deveriam ter levado em conta, o ser uma primeira edição da prova e não haver termos de comparação e as condições atmosféricas bastante adversas que a todos prejudicou. Nós estávamos a 9 kms por estrada do Machico. Eram mais ou menos 3h30 da manhã. Para mim foi uma grande frustração ter sido forçado pela organização a abandonar a prova, pois sempre pensei que à semelhança do que tem acontecido tanto no Ultra Trail da Serra da Freita bem como na Geira Romana, deixariam terminar todos os atletas que estivessem em condições de o fazer. Mais frustrado fiquei ainda ao saber que esta organização que resolveu ser tão intransigente connosco em relação á aplicação do regulamento da prova, não o foi em relação à classificação de uma meia dúzia de atletas que percorreram cerca de 20 kms por estrada (falhando os últimos controle de passagem), tendo-lhes sido atribuído um tempo fictício, prejudicando a classificação de outros atletas que cumpriram a totalidade do percurso. Onde está a verdade desportiva? Com organizações desta natureza não vamos longe. Tenho pena que erros deste tipo tenham comprometido um Ultra Trail tão fantástico como este. Uma experiência a não repetir. MAR