Artigo Original
Estado de hidratação em ciclistas após três
formas distintas de reposição hídrica
Hydration status in cyclists after three different forms of fluid replacement
GOMES, L P S; BARROSOS, S da S; GONZAGA, W da S; PRADO, E S. Estado de hidratação
em ciclistas após três formas distintas de reposição hídrica. R. Bras. Ci. e Mov. 2014; 22(3): 89-97.
Luís Paulo Souza Gomes1
RESUMO: Atletas cuja perda de suor excede a ingestão de líquidos tornam-se desidratados,
especialmente, durante o treino ou competição em um ambiente quente e úmido. A desidratação
pode comprometer o desempenho atlético e aumentar o risco de lesões por esforço no calor.
Assim, o objetivo desse estudo foi verificar o estado de hidratação de ciclistas após sessões de
treinamento com diferentes formas de reposição hídrica na cidade de Aracaju. Oito ciclistas
do sexo masculino (33,1 ± 3,3 anos) realizaram, durante um período de 12 dias, três sessões
de treinamento(s) controlado(s) (TC). Antes de cada dia de TC, os atletas foram submetidos
a uma dieta líquida e mantiveram sua dieta e treinamento habitual. Além disso, em cada TC,
o grupo de atletas foi submetido a diferentes formas de reposição de líquidos, baseada pela
maneira de consumo, tal como: sem ingestão de líquidos (GC), com ingestão de água (GA) e
com consumo de bebida esportiva (GS). O estado de hidratação foi verificado pela cor da urina e
porcentual da perda de massa corporal. Com base na cor da urina, GC, GA e GS não mostraram
diferença significativa na taxa do estado de hidratação, nem pela manhã (4,71 ± 0,47; 5,75 ±
0,47; 5,0 ± 0,0; P = 0,143; respectivamente) nem nos momentos pré e pós em cada TC (P =
0,786). No entanto, em relação à porcentagem de perda de massa corporal entre os grupos, o
grupo GS teve uma perda menor (- 1,20 ± 0,18 %) com diferença significativa de GC (- 2,22
± 0,13 %; P = 0,001) e GA (- 1,81 ± 0,13 %; P = 0,047). Desta forma, conclui-se que a água
não foi capaz de promover uma adequada hidratação, mas a bebida esportiva parece oferecer
uma melhor reposição hídrica.
Wendell da Silva Gonzaga3
Sheilla da Silva Barroso2
Eduardo Seixas Prado4
4
1
2
3
Universidade Tiradentes – UNIT
Fundação Estadual de Saúde
Faculdade de Sergipe
Universidade Federal de Alagoas
Palavras-chave: Desidratação; Exercício Físico; Ingestão de Líquidos; Ciclismo.
ABSTRACT: Athletes whose sweat loss exceeds fluid intake become dehydrated, especially,
during training or competition in a hot and humid enviroment. Dehydration can compromise
athletic performance and increase the risk of exertional heat injury. Thus, the aim of this study
was to verify the state of hydration in cyclists after training sessions with different forms of fluid
replacement in the city of Aracaju. Eight male cyclists (33.1 ± 3.3 years) performed, for a period
of 12 days, three sessions of controlled training (TC). Before each day’s TC, the athletes were
submitted to a liquid diet and maintained their habitual diet and training. Furthermore, in each
TC, the group of athletes was submitted to different forms of fluid replacement, based by way
of consumption, such as: no fluid intake (GC), water intake (GA) and sports drink consumption
(GS). The hydration status was verified by urine color changes and percentage of body mass
loss. Based on the color of urine, GC, GA and GS showed no significant difference in the rate of
hydration status, or in the morning (4.71 ± 0.47; 5.75 ± 0.47; 5.0 ± 0.0; P = 0.143; respectively)
or pre and post TC (P = 0.786). However, regarding the percentage of body mass loss between
groups, the GS group had a smaller loss (- 1.20 ± 0.18 %) with significant difference from GC
(- 2.22 ± 0.13 %; P = 0.001) and GA (- 1.81 ± 0.13 %; P = 0.047). In conclusion, the water
has not been able to promote hydration, but the drink seems to offer a better replacement.
Key Words: Dehydration; Physical Exercise; Fluid Intake; Bicycling.
Recebido: 12/02/2014
Aceito: 07/07/2014
Contato: Luís Souza Gomes - [email protected]
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Estado de hidratação em ciclistas após três formas distintas de reposição hídrica
Introdução
O exercício físico extenuante realizado em condições
quentes e/ou úmidas, associado aos efeitos de uma alta
produção de calor metabólico e sua dissipação insuficiente,
podem proporcionar uma desidratação durante treinamentos
e/ou competições1,2. O consumo inadequado de líquidos,
durante a prática esportiva, pode afetar negativamente o
desempenho cognitivo-motor por promover prejuízos
na coordenação motora e tempo de reação. Estes aspectos
são fundamentais para o bom desempenho de atletas que
praticam atividades intensas e prolongadas no calor, como
pode ser o caso do ciclismo de estrada3-6.
Além do ciclismo, a manutenção de um estado
de hidratação adequado é fundamental para um bom
desempenho em várias modalidades esportivas 7, uma
vez que, pode melhorar o desempenho regulando a
circulação sanguínea e o volume plasmático8,9. Assim, o
monitoramento do estado de hidratação é importante10.
A avaliação do estado de hidratação através de marcadores
simples, como a alteração da massa corporal e análise de
amostras urinárias, quando usadas em conjunto, constituem
ferramentas de fácil aplicação e de resultados confiáveis11-13.
Porém, uma desidratação com apenas uma redução da
massa corporal > 2 %, já é o suficiente para promover
alterações negativas no volume sanguíneo, temperatura da
pele, percepção subjetiva de esforço e, consequentemente,
no desempenho atlético14,15.
Além do monitoramento do estado de hidratação, a
definição de qual bebida a ser ingerida durante o exercício
físico no calor, também é importante para manter-se
bem hidratado8,16. Nestas condições, a ingestão de água
pode não ser a melhor alternativa durante a prática de
exercícios físicos que provocam sudorese intensa, sendo
nestes casos, indicada a ingestão de bebidas contendo
carboidrato e eletrólitos, aqui denominadas de bebidas
esportivas (BE)17. A utilização de BE, no sentido de
favorecer a hidratação, é discutida pela literatura18,19 e
parecem proporcionar gradientes osmóticos adequados
que promovem rápida absorção intestinal e esvaziamento
gástrico facilitado, auxiliando na reposição de líquidos
corporais perdidos pelo suor durante o exercício20,21.
Por outro lado, Noakes22 destaca que não há evidências
científicas suficientes para recomendações de tais BE, o
que existe na verdade é um grande interesse comercial
por parte das indústrias que as fabricam.
A cidade de Aracaju, Sergipe (SE), é caracterizada por
um clima quente e úmido, sendo comum o registro de
temperaturas e umidades relativas do ar elevadas (~ 35
°C e 80 %, respectivamente), expondo atletas aracajuanos,
de várias modalidades esportivas, tal como o ciclismo, a
danos provocados pelo exercício no calor, especialmente
se o consumo de líquidos não estiver adequado. Assim,
foi hipotetizado que o consumo de BE pode ser mais
eficiente do que o consumo de água, no que diz respeito
à manutenção de um adequado estado de hidratação
desses ciclistas. Portanto, este estudo verificou o estado de
hidratação em atletas aracajuanos de ciclismo, submetidos a
R. Bras. Ci. e Mov. 2014; 22(3): 89-97
sessões de treinamentos com diferentes formas de reposição
hídrica.
Materiais e Métodos
O presente trabalho atendeu às normas para a realização
de pesquisa em seres humanos, resolução nº 466 do
Conselho Nacional de Saúde, de 12/12/2012, e foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Tiradentes sob número 160907R. A amostra foi composta
por atletas de ciclismo do sexo masculino (33,1 ± 3,3 anos),
voluntários, especialistas em provas de longa duração e
com potência aeróbia máxima similar (VO2max = 52,7 ±
2,8 mL.kg-1.min-1). Os critérios de inclusão estabelecidos
foram: participação regular em competições na modalidade
a mais de três anos; residir no município de Aracaju; não
possuir histórico médico com problemas de saúde; e, não
utilizar substâncias ergogênicas e/ou qualquer outro tipo
de droga que pudessem alterar o resultado do estudo. O
conhecimento do uso ou não de recursos ergogênicos/
drogas foi obtido a partir da aplicação do questionário
adaptado conforme Domingues e Marins23. Atletas que
não se enquadraram nesses critérios foram excluídos
da pesquisa. Todos foram informados e orientados com
antecedência sobre a realização do estudo e assinaram um
termo de consentimento livre e esclarecido, o qual garantiu
a privacidade de informações pessoais.
Durante todo o estudo, o grupo de atletas que
compunha a amostra, realizou no período de 12 dias,
três treinamento(s) controlado(s) (TC), sendo que três
dias antes de cada TC, eles foram instruídos a manter sua
alimentação e treinamento habitual (ATH), porém, para
a ingestão de líquidos recomendou-se somente água ou
bebidas descafeinadas, ad libitum, como dieta líquida (DL).
Em cada TC, o grupo de atletas foi submetido a uma
administração distinta de reposição hídrica, caracterizados
pela forma de consumo ou não de líquidos durante o treino,
a saber: sem ingestão de água e/ou outro tipo de líquido,
denominado de Grupo Controle (GC; n = 8); apenas
com ingestão de água, Grupo Água (GA; n = 5); apenas
com ingestão de BE, (marca Gatorade®, contendo: 6%
carboidrato), denominado Grupo Suplemento (GS; n = 7).
Assim sendo, o experimento foi dividido aleatoriamente, da
seguinte forma: no 1º, 2º, 3º, 5°, 6º, 7°, 9°, 8º e 11° dias, os
atletas obedeceram a ATH e DL; no 4°, 8° e 12° dias, o GC,
GA e GS, executaram respectivamente, seus TC.
Vale ressaltar que durante cada TC, os atletas foram
solicitados: a pedalar em conjunto, durante 90 min,
com uma faixa de velocidade entre 30 km/h e 35 km/h,
para obtenção de uma mesma distância percorrida e
intensidade de esforço; a manter as recomendações da DL
nos momentos anteriores e posteriores a sua execução; e, a
fazer reposições hídricas ad libitum.
Em cada TC, tanto antes como depois, os seguintes
dados foram registrados e/ou coletados: temperatura
ambiente (°C), umidade relativa do ar (UR; em %), duração
do treino, distância percorrida, consumo médio de líquidos,
índice de estresse térmico, massa corporal (kg) e o índice de
91
Gomes, et. al.
coloração urinária (Escala de cor da urina). Os dois últimos
foram utilizados como marcadores simples para avaliação
do estado de hidratação.
O índice de estresse térmico ou índice Humidex, foi
calculado através do sítio eletrônico na internet (http://
www.csgnetwork.com/canhumidexcalc.html)24, a partir
dos valores da temperatura ambiente e umidade relativa
do ar registrados em todos os TC. Embora não considere
a velocidade do ar, esse índice gera uma temperatura
equivalente a partir da temperatura ambiente e umidade
relativa do ar registradas. O índice Humidex é utilizado
pelo serviço meteorológico do Canadá e pode ser usado
para classificar o grau de desconforto térmico conforme
Moura et al.25 em: pouco ou nenhum desconforto, algum
desconforto, grande desconforto e elevado desconforto.
Os registros da massa corporal foram realizados pelos
pesquisadores, para calcular o percentual de perda de
massa corporal (Δ% da massa corporal) durante os TC.
Para tal, foi utilizada uma balança antropométrica da marca
Filizola®, com precisão de 100g. No momento da medida,
os indivíduos estavam em pé, de frente para o avaliador, na
posição ereta, pés afastados à largura do quadril, descalços
e usando roupas leves. Já as amostras urinárias foram
coletadas pelos próprios atletas, inicialmente, ao acordar
pela manhã (man) e, em seguida, imediatamente antes
(pré) e após cada TC. A amostra de urina coletada foi
entregue aos pesquisadores para análise e determinação do
seu índice de coloração, tendo como referência a escala de
Armstrong et al.11.
Os resultados obtidos do Δ% da massa corporal e do
índice de coloração urinária permitiram classificar o estado
de hidratação dos atletas em cada grupo, perante a tabela
proposta por Casa et al.26 em: euhidratação ou desidratação
mínima, significativa e severa. Todo o desenho experimental
é detalhado na figura 1.
Os dados foram expressos como média e erro padrão, e
após ser determinada a distribuição normal (KolmogorovSmirnov) e igualdade de variâncias (Levene) da amostra,
foi aplicada a análise de variância (ANOVA) One Way para
verificação das diferenças entre as médias dos índices da
coloração urinária, massa corporal e Δ% da massa corporal
dos grupos. Todas as formas de verificação das diferenças
entre as médias foram combinadas ao teste post-hoc de Tukey.
Nos casos de distribuição anormal, o teste não paramétrico
Kruskal-Wallis foi usado. Em qualquer situação, o nível de
significância adotado foi de P < 0,05.
Resultados
As condições ambientais, o índice Humidex e a distância
atingida durante os treinos, bem como, o consumo de
líquidos estão descritos na Tabela 1. Os índices Humidex
obtidos demonstram uma classificação de “algum
desconforto” em todos os TC, com suas diferentes formas
de reposição hídrica. Não houve diferença significativa
entre o consumo de água e BE durante os treinamentos
(P = 0,108)
Figura 1. Desenho experimental. Antes de cada dia de treinamento(s) controlado(s) (TC), os atletas foram submetidos a
uma dieta líquida (DL) e mantiveram sua alimentação e treinamento habitual (ATH). Antes e após cada TC, a urina (U)
e a massa corporal (MC) foram coletadas.
Tabela 1. Caracterização do controle amostral
TC (dias)
Temperatura
(ºC)
UR (%)
Índice
Humidex (ºC)
Distância
(km)
4º
25
78
33
50
8º
25
83
34
50
12º
27
74
36
50
Consumo de
água (mL)
Consumo de BE
(mL)
545 ± 12,25
628,57 ± 38,52
TC: treinamento(s) controlado(s); UR: umidade relativa do ar; BE: bebida esportiva.
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Estado de hidratação em ciclistas após três formas distintas de reposição hídrica
Não foram encontradas diferenças significativas entre
os grupos para os índices de coloração urinária pela manhã:
GC = 4,71 ± 0,47; GA = 5,75 ± 0,47; GS = 5,0 ± 0,0 (P
= 0,143) (Figura 2). Porém, todos os grupos apresentaram
índices elevados para a cor da urina, sugerindo um estado
de desidratação, nas manhãs que antecederam os TC.
No que se refere aos resultados absolutos da massa
corporal, não foram encontradas diferenças significativas
entre os grupos (P = 0,938) (Tabela 2). Entretanto, quando
se considera o Δ% da massa corporal, houve diferença
significativa entre GS = - 1,20 ± 0,18 % quando comparado
ao GC = - 2,22 ± 0,13 % (P = 0,001) e ao GA = - 1,81 ±
0,13 % (P = 0,047) (Figura 3).
Figura 2. Comparação do índice de coloração urinária entre
os grupos pela manhã. Valores são expressos como média
± erro padrão (P = 0,143 > 0,05)
Figura 3. Percentual da diferença de massa corporal entre
os grupos. Valores são expressos como média ± erro padrão.
Também não foram encontradas diferenças significativas
entre os índices de coloração urinária entre os grupos pré e
pós cada TC (P = 0,786). Semelhante aos dados urinários
coletados pela manhã, os atletas já demonstraram índices
altos da cor da urina antes do treinamento. Além disso,
independentemente da estratégia de reposição hídrica
utilizada, os índices da coloração urinária, após os TC,
indicaram um estado de desidratação, onde todos os grupos
também demonstraram valores acentuados de desidratação
(Tabela 2).
Discussão
* Diferença significativa de GC (P = 0,001); # Diferença significativa de GA (P = 0,047).
A proposta deste estudo foi verificar o estado de
hidratação em atletas aracajuanos de ciclismo, submetidos a
sessões de treinamentos com diferentes formas de reposição
hídrica. Foi demonstrada que a BE é a forma de reposição
hídrica mais eficiente para favorecer um melhor estado de
hidratação dos atletas investigados. Sabe-se que diversos
fatores precisam ser levados em consideração para uma
adequada reposição hídrica antes, durante e após exercícios
Tabela 2. Valores absolutos da massa corporal e Índice de Coloração Urinária pré e pós TC, expressos como média ±
erro padrão. Não houve diferença entre os grupos para todas as variáveis (P > 0,05)
Grupos
Massa Corporal (Kg)
Índices da Coloração Urinária
GC pré
74,21 ± 4,19
4,00 ± 0,63
GC pós
72,60 ± 4,18
4,75 ± 0,45
GA pré
77,41 ± 6,42
4,20 ± 0,73
GA pós
76,00 ± 6,27
4,60 ± 1,03
GS pré
74,55 ± 4,92
3,71 ± 0,86
GS pós
73,66 ± 4,84
5,00 ± 0,72
R. Bras. Ci. e Mov. 2014; 22(3): 89-97
Gomes, et. al.
físicos26. Orientações para o uso de técnicas simples de
avaliação do estado de hidratação (alterações da massa
corporal e cor da urina) e o consumo de líquidos durante
o exercício físico são formas eficazes de manter as funções
fisiológicas e favorecer o desempenho do atleta8,27- 29.
Durante o exercício físico, o objetivo da reposição de
líquidos é manter um estado de hidratação em menos de
2 % de redução da massa corporal. Isto geralmente requer
uma ingestão de 200 mL a 300 mL de líquidos a cada 10 min
ou 20 min26. No presente trabalho, a ingestão de líquidos
nas diferentes formas de intervenções, durante 90 min, foi
inferior a essa recomendação (~ 136 mL/20 min de ingestão
de água e ~ 157 mL/20 min de consumo de BE). Deve-se
beber periodicamente durante o exercício físico, porém, a
quantidade de reposição hídrica depende da taxa de sudorese
individual, duração do exercício e as oportunidades para
ingerir líquidos14,15.
Mesmo que o consumo de líquidos, durante o
exercício físico, favoreça a hidratação e as funções
fisiológicas e, consequentemente, o desempenho do atleta,
o monitoramento do ambiente deve ser realizado para
determinação do estresse térmico30. O estresse térmico deve
ser medido pelo índice de bulbo úmido e temperatura de
globo, através das mensurações da temperatura ambiente,
umidade relativa, velocidade do vento e calor radiante
de energia solar14. Porém, como um padrão mínimo, a
temperatura ambiente e a umidade relativa do ar deve
ser considerado14, 25. Nesse estudo, o estresse térmico,
mensurado pelo índice Humidex, se apresentou na mesma
faixa de classificação (algum desconforto) entre as três
formas de reposição hídrica (sem ingestão de líquidos, com
ingestão de água e com consumo de BE), demonstrando que
as diferenças encontradas no estado de hidratação, foram
decorrentes das diferentes formas de hidratação, já que o
efeito do estresse térmico, foi isolado.
No presente estudo, apesar de não serem observadas
alterações nos índices de coloração urinária entre os grupos
nas manhãs que precederam os treinamentos, os atletas
demonstraram estar desidratados, com índices variando
entre os estados mínimos e significativos de desidratação
de acordo com Casa et al.26. Estes dados são semelhantes
aos encontrados por Kutlu e Guler31 que observaram um
estado de desidratação em atletas de taekwondo por meio
da coloração urinária pela manhã, indicando também
que o atleta já iniciou o treino ligeiramente hipoidratado.
Talvez, uma explicação para tal fato seja apresentada por
Armstrong et al.32 que constataram que a primeira amostra
urinária da manhã foi mais concentrada do que a coleta
de 24 h, provavelmente porque durante a noite não
foram consumidos fluidos. Esse tipo de conduta pode ser
prejudicial, visto que é uma prática comum entre atletas de
diversos esportes iniciarem os seus treinos e/ou competições
com algum déficit hídrico33.
O atual trabalho também demonstrou que todos os
grupos tiveram valores acentuados de desidratação, tanto
antes, quanto depois dos TC, quando avaliados pela cor
da urina. Provavelmente, esta ocorrência se deve ao fato
93
dos atletas não se hidratarem adequadamente durante
o dia, levando-os assim a um estado de desidratação
cumulativa e progressiva. É importante salientar que essa
predominância de desidratação foi independente do tipo
de reposição hídrica utilizada e da quantidade ingerida,
visto que o consumo total de água e BE nos treinos foram
o mesmo. Esses resultados podem ser decorrentes de
inúmeros mecanismos que estão envolvidos na regulação
da homeostase hídrica, como é o caso da sensação de sede e
de fatores relacionados à palatabilidade do líquido ingerido,
como a temperatura30.
Em geral, a sensação de sede somente é percebida
quando uma desidratação, equivalente a uma perda de
~ 2 % da massa corporal, já ocorreu15,34. Recomenda-se
que para evitar um estado de desidratação o atleta não
deve confiar apenas no mecanismo da sede para começar
a ingerir líquidos, uma vez que os sintomas posteriores a
um estado de desidratação exacerbada (dores de cabeça,
sensação de cansaço e de tontura), são prejudiciais35. Além
disso, sugere-se que a ingestão de líquidos deve ser realizada
com bebidas mais frias (temperaturas entre 10 ° C e 20 °
C), para aumentar a palatabilidade e consumo durante
exercícios praticados em ambientes quentes36. Indivíduos
que se exercitaram a uma temperatura de 37 ° C beberam
maiores quantidades de BE fria (10 ° C) do que a água pura
e/ou BE com temperaturas moderadas (26 ° C)37.
Contudo, quando se analisou o Δ% da massa corporal
entre GC, GA e GS, percebeu-se que este último teve uma
menor perda de massa corporal, enquanto que nenhuma
alteração foi verificada quando os ciclistas ingeriram água
ou fizeram restrição de líquidos durante o treinamento. No
estudo de Chang et al.38 depois de verificada a desidratação,
em 10 indivíduos do sexo masculino induzida pelo exercício
em um ambiente quente, pela perda de 2,2 % da massa
corporal, observou-se que a ingestão de BE favoreceu a uma
menor alteração da viscosidade sanguínea e maior retenção
líquida do que os que beberam água e chá. Este fenômeno
sugere que a ingestão de BE após a desidratação é melhor
do que a água para manter o volume plasmático, bem como
para a recuperação da hemoconcentração e viscosidade do
sangue37. Nosso estudo apresenta resultados semelhantes
no que concerne o melhor recurso de hidratação, uma vez
que os ciclistas que consumiram BE tiveram menor perda
de massa corporal.
Prado et al.39 encontraram resultados semelhantes ao
do presente estudo, onde tanto o grupo que não ingeriu
líquido quanto o grupo que ingeriu água, apresentaram
um Δ% da massa corporal, significativamente maior (- 1,66
% e - 0,69 %, respectivamente), que o grupo que ingeriu
BE (Δ% da massa corporal = + 0,72 %). Sabe-se que um
déficit maior que 2 % de massa corporal pode reduzir o
volume sanguíneo durante o exercício e, provocar elevação
da temperatura da pele, redução das reservas energéticas e
aumento da percepção subjetiva do esforço1,40.
Para compensar os prejuízos da desidratação, várias
estratégias são utilizadas para minimizar seus efeitos
deletérios e a consequente queda de desempenho41-43. No
R. Bras. Ci. e Mov. 2014; 22(3): 89-97
94
Estado de hidratação em ciclistas após três formas distintas de reposição hídrica
que se refere ao tipo de bebida a ser ingerida, Cruz et al.44,
após avaliarem ciclistas, verificaram que o líquido mais
consumido durante o período de treinamento foi à água.
Resultados similares foram observados por Prado et al.45
evidenciando que atletas sergipanos praticantes de vôlei de
praia também ingeriam mais a água (50%) do que a bebida
carboidratada (15%). Esses achados apontam a água como
o líquido mais consumido, no entanto, esta não é suficiente
para garantir uma boa hidratação em determinadas situações
de calor e exercício, tal como no presente estudo. Desta
forma, a BE demonstra ser a melhor opção de reposição
hídrica. Mesmo que, atualmente, o uso dessas bebidas
sejam alvo de grandes críticas no que concerne ao seu real
benefício diante do enorme apelo comercial32,46.
Na busca de novos recursos para uma melhor
hidratação, James et al.42, induziram oito indivíduos a
desidratação com uma perda de 1,9 % de massa corporal
através do exercício; e após um protocolo de ingestão de
dois tipos de bebidas (uma composta por carboidratos e
eletrólitos; outra com a mesma composição adicionando-se
apenas proteína do leite), verificaram uma maior retenção
de líquidos para aqueles que ingeriram a bebida contendo
a proteína do leite.
Além disso, estratégias de prevenção e acompanhamento,
como a mensuração da massa corporal, antes e após o
exercício físico, também é um recurso de avaliação do
estado da hidratação que deve ser usado, constantemente,
por atletas27. Cruz et al.44 demonstraram que um total de 84
% dos atletas que competiram na maratona do Iron Biker
(Copa Tradição de Juiz de Fora – MG) não costuma realizar
um controle adequado da massa corporal. Recentemente,
achados semelhantes foram apresentados por Prado et
al.45, onde 40 % dos atletas de vôlei de praia do estado de
Sergipe, não realizam medidas periódicas da massa corporal.
Esses resultados indicam descuidos com o monitoramento
do estado de hidratação que podem levar a queda de
desempenho.
Vale ressaltar que quando as recomendações sobre
hidratação são seguidas, os benefícios são inerentes37. Foi
evidenciado que mesmo após três dias de competição de
moutain bike, percorrendo 248 km, atletas que seguiram
um plano de hidratação adequado, apresentaram uma
homeostase hídrica ao final da prova Rose e Peters47. Nesse
sentido, alguns trabalhos têm demonstrado que uma correta
estratégia de hidratação é capaz de não somente manter um
bom equilíbrio hídrico, mas também evita uma possível
hipertermia com consequente, retardo da fadiga central48.
R. Bras. Ci. e Mov. 2014; 22(3): 89-97
Existem evidências de que a hipertermia desencadeia
um estado de fadiga central a partir de perturbações
na capacidade do cérebro de sustentar a ativação dos
músculos esqueléticos, prejudicando assim, o desempenho
motor49. Postula-se que temperaturas corporais elevadas
desencadeiam um estado de hiperamonemia induzida pelo
exercício no calor, com conseqüente dano às atividades dos
neurotransmissores que estão envolvidos com o controle
motor: glutamato e o ácido gama-aminobutírico (GABA)50.
Mesmo que a hipertermia não provoque um
desequilíbrio entre neurotransmissores, com concomitante
fadiga central, parece que outros prejuízos fisiológicos estão
associados51. A fadiga central no exercício prolongado, sob
condições de temperaturas elevadas, pode não ser mediada
por mecanismos envolvendo o sistema nervoso central,
mas sim pela sobrecarga cardiovascular2. Parece que a alta
temperatura da pele, provocada pelo exercício no calor,
pode estar associada com uma redução do fluxo sanguíneo
e da oxigenação cerebral durante o exercício de intensidade
moderada52,53.
É importante notar que as interpretações aqui reportadas
são limitadas e carecem de novas investigações. Outros
estudos de campo devem ser realizados para suprir tal
limitação, incluindo outros marcadores do estado de
hidratação (hematócrito e osmolalidade plasmática) e o
acompanhamento do estresse térmico pelo índice de bulbo
úmido e temperatura de globo. Por outro lado, o ponto forte
desse trabalho foi à interpretação dos dados baseados em
informações obtidas durante uma simulação de ciclismo
(estudo de campo), onde o comportamento de hidratação
e as condições climáticas foram reais, gerando respostas
mais próximas da realidade de um evento competitivo e
não controladas em ambiente de laboratório.
Conclusões
Desta forma, conclui-se que os ciclistas aracajuanos
estavam desidratados antes mesmo do início dos
treinamentos, quando avaliados pela cor da urina e Δ%
da massa corporal. Além disso, após diferentes formas de
reposição hídrica, os atletas demonstraram que a ingestão
de água e BE foram suficientes para manter um Δ% da
massa corporal inferior a 2 %. Porém, um melhor estado
de hidratação foi obtido quando os ciclistas consumiram
BE. Tal conclusão sugere uma necessidade imediata de um
processo educacional junto aos atletas, no que diz respeito
às estratégias de reposição hídrica, além de práticas de
hidratação antes, durante e após as sessões de treinamentos
e/ou competições para, consequentemente, minimizar uma
possível queda de desempenho associada à desidratação
nestes ciclistas.
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