CENTRO UNIVERSITÁRIO NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO FACULDADE DE SALTO/SP CURSO DE DIREITO DIREITO DE IMAGEM E DIREITO DE ARENA DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL ALESSANDRO BEREZUC SALTO – SP 2009 ALESSANDRO BEREZUC – RGM 37.388 DIREITO DE IMAGEM E DIREITO DE ARENA DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio como parte dos requisitos para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador (a): Profª Ms Daniela Ribeiro Coutinho Santos. SALTO – SP 2009 Berezuc, Alessandro. B492d Direito de imagem e direito de arena do atleta profissional de futebol. / Alessandro Berezuc. - Salto: Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, 2009. 69p. Monografia (Graduação em Direito). CEUNSP – SP. Orientador: Profa. Ms. Daniela Ribeiro Coutinho Santos. 1. Direito de imagem. 2. Direito de arena. 3. Natureza jurídica. 4. Garantia constitucional. I. Título. CDD – 340 Catalogação elaborada por Maria José Saracini Bibliotecária - CRB-8/3969 Coordenadora de Biblioteca – CEUNSP-Salto TERMO DE RESPONSABILIDADE O Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio não se responsabiliza pelas informações contidas neste Trabalho de Conclusão de Curso. Essas informações são de responsabilidade exclusiva do autor Alessandro Berezuc, RGM 37.388 ___________________________________ Alessandro Berezuc ALESSANDRO BEREZUC DIREITO DE IMAGEM E DIREITO DE ARENA DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL Trabalho de Conclusão de curso apresentada à Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Ms Daniela Ribeiro Coutinho Santos. A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão de Curso em sessão pública realizada em ___/___/___ considerou o (a) candidato (a): ALESSANDRO BEREZUC 1) Orientador (a):________________________ 2) Examinador (a):_______________________ 3) Examinador (a):_______________________ DEDICATÓRIA A minha família pelo reconhecimento dos esforços. apoio e AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a DEUS e ao nosso Senhor Jesus Cristo por ter me dado saúde nesses anos. Em especial aos meus pais, minhas tias Rosária e Luiza que foram fundamentais, e meu irmão e amigo que me acompanhou durante todo esse curso e pelo que carrego deles: a perseverança e a fé. Aos meus amigos de curso que me ajudaram muito e a todos os que acompanharam minha trajetória nesses cinco anos de luta. A todos os professores que fizeram parte desta trajetória de muita luta e perseverança, em especial a professora orientadora Ms Daniela R. C. Santos e Valquíria Bellomo que foram imprescindíveis para a elaboração deste trabalho de conclusão de curso. "Aprendi que um homem só tem o direito de olhar outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se." Gabriel Garcia Marquez RESUMO Este trabalho abordará o direito de imagem e o direito de arena do atleta profissional de futebol, que são dois institutos diferentes apesar de muitas vezes serem confundidos. Tratará dos direitos e garantias constitucionais do atleta profissional de futebol dentro dos dois institutos, sua evolução, divergências e soluções atuais, tudo exposto desde a origem dessa paixão nacional até os dias de hoje. Palavras-Chave: Direito de Arena – Direito de Imagem – natureza jurídica – garantia constitucional. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................... 11 1 A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DO FUTEBOL NO BRASIL...................... 13 1.1 Precedentes à profissionalização............................................................. 15 1.2 Profissionalização..................................................................................... 19 1.3 Organização, legislação e regulamentação no Brasil............................... 23 2 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DO ATLETA........................... 30 2.1 Naturezas civil, desportiva e trabalhista......................................................... 30 2.2 Solução legal e atual..........................................................................................35 2.2.1 “Lei do Passe” (6.354/76) ................................................................................. 35 2.2.2 “Lei Pelé” (9.615/98) .......................................................................................... 35 3 IMAGEM E SUA GARANTIA CONSTITUCIONAL...................................... 37 3.1 Direito à Imagem................................................................................................ 38 3.2 Consentimento para o uso da imagem........................................................... 40 4 DIREITO DE IMAGEM NO CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL............................................................................................................ 44 4.1 Diferença da imagem pessoal e profissional da atleta............................. 46 4.2 Licitude do uso da imagem e a contratação ilegal.................................... 47 5 DIREITO DE ARENA........................................................................................ 51 5.1 A evolução legislativa....................................................................................... 53 5.2 Natureza jurídica...................................................................................... 56 5.3 Distribuições das arrecadações do direito de arena................................ 59 5.4 A similaridade com o direito de imagem................................................... 62 CONCLUSÃO...................................................................................................... 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 68 11 INTRODUÇÃO O futebol chegou ao Brasil no fim do século XIV e tornou-se uma paixão nacional em pouco tempo, com praticantes se destacando cada vez mais. Foi usado até pelo governo Getulio Vargas para divulgar medidas políticas. Com o passar dos anos houve necessidade de profissionalizar, passando por etapas durante quatro décadas até sua profissionalização. A profissionalização trouxe benefícios como garantias trabalhistas com a assinatura de um contrato de trabalho remunerado, porém, trouxe também desvantagens como a conhecida “Lei do Passe” que vinculava o atleta ao clube mesmo após o termino do contrato, dificultando o atleta escolher onde gostaria de trabalhar. O passe teve fim com a “Lei Pelé” que extinguiu o passe, libertando o atleta, como também afastou toda e qualquer limitação de acesso do atleta profissional de futebol à Justiça do Trabalho. Com a evolução tecnológica, as informações passaram a ser transmitidas para o mundo todo em tempo real passando ser comum a exploração da imagem de pessoas sem o seu consentimento. Essa tecnologia passou a ser utilizada por meios publicitários, onde empresas de nível mundial procuravam vincular a imagem de pessoas famosas, com peculiaridades artísticas para divulgar suas marcas, produtos e serviços. Atualmente, um atleta profissional de futebol é visto como uma pessoa pública, um artista. Clubes de futebol com interesse de aumentar suas receitas com patrocínios, elevar números de torcedores etc, exploram a imagem de seus atletas vinculando com as cores do clube. Passou a assinar contratos de imagens separados do contrato de trabalho, para utilizarem a imagem profissional do atleta, o que em alguns casos, por falta de profissionais capacitados, acabam assinando o contrato de imagem e não utiliza a imagem do atleta para fazer propaganda alguma, motivo este que tem levado a Jurisprudência a entender ser fraude. Esse avanço tecnológico que permitiu aumentar as receitas dos clubes de futebol com a exploração da imagem de seu atleta através de publicidades ocasionou ao mesmo tempo a diminuição considerável de outra receita até então 12 imprescindível para a manutenção dos clubes de futebol, ou seja, a arrecadação das bilheterias dos estádios de futebol. O que arrecadava com a bilheteria dos estádios diminuiu drasticamente, pois os torcedores passaram a assistir as partidas em casa. Com o aumento da exploração comercial sobre imagem dos atletas e as transmissões das partidas, os clubes passaram a assinar contratos que ocasionaram em uma nova receita para os clubes. Com isso surgiu o Direito de Arena, onde o atleta passou a ter no mínimo 20% sobre o valor da arrecadação, valor este dividido entre os atletas participantes das partidas e aqueles suplentes nos bancos de reservas. Valores estes que até hoje traz dificuldades aos atletas na hora de percebê-los, pois seus sindicatos recebem em torno de 5% dos valores arrecadados. É problema, mesmo o atleta reivindicando a diferença de 15%, existe um “enigma” de qual valor lhe é devido, se nem mesmo o responsável pela defesa de seus interesses não tem acesso aos acordos financeiros realizados sobre o Direito de Arena. Instituto este, que apesar de certa confusão ao ser comparado com o instituto do Direito de Imagem, não possuem similaridades. 13 1 A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DO FUTEBOL NO BRASIL Pode-se dizer que o Brasil é o país do futebol, que os brasileiros são apaixonados por esse esporte, e que os estrangeiros são fascinados pelo jeito de jogar dos brasileiros. Domingos Sávio Zainaghi (apud Oliveira, 2009, p. 33): O futebol chegou em 1878, através dos tripulantes do navio “Criméia”, que ao chegarem no Rio de Janeiro disputaram uma partida na R. Paiçandu. Nesse período foram disputadas partidas em São Paulo e em Jundiaí, havendo informações de que um sacerdote introduziu a novel prática esportiva entre os alunos do colégio São Luiz de Itu. Porém, foi em 1894, quando o então jovem CHARLES WILLIAM MILLER, um anglo brasileiro, ao retornar ao país após uma temporada de estudos na Inglaterra trouxe em suas bagagens um novo esporte que tinha virado febre na Inglaterra, o futebol, que logo se expandiu pelas terras brasileiras, contagiando muitos jovens dispostos a difundí-lo e divulgá-lo. Jean Marcel Mariano de Oliveira cita as palavras de Orlando Duarte ao tecer breve comentário sobre Charles Miller: Charles Miller não trouxe só as duas bolas. Trouxe também calções, chuteiras, camisas, bombas de encher a bola e agulha. Foi o inicio dessa “loucura” que é o futebol entre nós. Charles Miller faleceu em 1953, em São Paulo, na cidade onde nasceu. Foi um ótimo jogador, artilheiro, estimulador da prática de futebol, criador da jogada ‘Charles’ que depois virou ‘chaleira’. Miller foi também um bom arbitro. Era um apaixonado ‘torcedor’ de futebol, e responsável por tudo o que aconteceu depois. No inicio tudo era importado da Inglaterra, inclusive os ternos usados e livros de regras (2009, p. 33). Desde o início no Brasil, e até meados dos anos 30, o futebol foi considerado um esporte elitizado, sendo praticado somente por jovens que passaram anos estudando na Inglaterra e após retornarem ao Brasil traziam consigo uma bola na bagagem. Na Inglaterra o futebol já teria se tornado mania nacional, uma disciplina específica para formação dos jovens nobres. 14 CHARLES W. MILLER foi o precursor desse esporte no Brasil, se tornando um verdadeiro missionário para difundir o esporte entre os ingleses que viviam em São Paulo e praticavam cricket. Como fez Charles W. Miller, outros jovens da elite brasileira também trouxeram a paixão pelo futebol em suas malas. Aqui no Brasil, nessa época encontraram-se com altos funcionários de empresas inglesas que estavam investindo em terras brasileiras, funcionários como engenheiros, contadores, técnicos, todos formados por escolas inglesas, sendo certo que para estes, o futebol tornara-se uma paixão, sendo este novo esporte praticado em clubes particulares. Na Inglaterra, demorou aproximadamente um século para o futebol se consolidar entre os jovens escolares, pois a prática desse esporte no início do século XIX era vista como uma atividade que desviava a atenção dos jovens dos assuntos sérios, sendo rigorosamente proibido. Porém, poucas décadas depois se tornaria uma atividade elegante e estimulada. No Brasil sua expansão foi bem rápida, haja vista que nos colégios de elite formavam-se ótimos jogadores que posteriormente integravam clubes da época. Conforme narra Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 24): O nascimento e os primeiros anos do futebol no Brasil ficaram marcados por esse caráter elitista. Os ingleses e estudantes que voltavam da GrãBretanha foram seus precursores; estes faziam parte da elite social e econômica das sociedades paulista e carioca. Era um esporte de ricos, para ricos. Além de sua origem transplantada, é necessário se considerar que tudo o que dizia respeito ao jogo – uniformes, bolas, redes, e até mesmo apitos – era muito caro, importado da Europa. Essas características deram a conotação social do esporte em seus primeiros anos, mas essa face iria mudar rapidamente. Conclui-se das palavras de Soares, que primeiramente o futebol ficou restrito aos paulistas e cariocas, sendo um esporte elitizado, muito caro pelo simples fato de que tudo que necessitava para a sua prática como uniformes, bolas, redes e até apitos eram produtos importados, além de exigir um enorme campo gramado e bem tratado. Essa conotação social passou a mudar a partir de 1910, quando percebeu-se que esse esporte não permaneceria somente sendo praticado exclusivamente pela elite. As empresas com seus engenheiros e técnicos formavam times que jogavam nos intervalos do trabalho e nos dias de folga, onde a cada dia 15 que passava, aumentava o numero de espectadores devido ao “amor a camisa” da empresa e pelo fascínio que o esporte despertava. Para a prática do referido esporte fazia necessário dois times, porém, a partir disso, começaram a surgir pequenos “problemas”, onde por ser um esporte elitizado na época, praticado pelos funcionários do alto escalão das empresas começaram a faltar esses funcionários para completar os times para poder praticar esse esporte. Com isso, surgiu à necessidade de abrir espaços para completar os times, e a solução passou a ser doméstica, ou seja, a única alternativa era contar com os operários interessados em praticar o futebol, que conseqüentemente os jogadores “craques” eram promovidos com mais facilidades e assim sendo acabavam sendo protegidos pela diretoria. Com essas dificuldades surgindo, com a necessidade de mais adeptos a pratica desse esporte não restou outra coisa a fazer, senão permitir a todos que quisessem praticar o futebol, ou seja, houve a necessidade de abrir espaços para aqueles que mostrassem ser talentosos para completarem os times. Com o surgimento dessas dificuldades e a abertura de “vagas” àqueles que não faziam parte da elitização ou do alto escalão das empresas, iniciou-se a democratização do esporte e o começo da descriminação social. 1.1 Precedentes à profissionalização Para a efetiva concretização da profissionalização do futebol brasileiro, foram de suma importância dois aspectos, sendo eles: o amadorismo marrom e o êxodo para o exterior. Amadorismo marrom Com a abertura do futebol as classes operárias, houve um fator complicador, ou seja, os operários que participavam das partidas de futebol não poderiam render como os funcionários do alto escalão das empresas. Atletas como os jovens oriundos das elites e funcionários do alto escalão das empresas exerciam funções “leves”, intelectuais e de mando, que não exigia enorme esforço, tendo disposição para treinar e jogar. O mesmo não ocorria 16 com os operários que trabalhavam arduamente, com jornadas de trabalho estendidas e em condições precárias. E com isso os operários não tinham tempo para treinarem de acordo com que era necessário para jogar com qualidade. Os operários atletas tinham poucas horas de descanso e ao domingos queriam descansar, repor as energias para começar a semana com disposição, ou seja, pelo trabalho árduo que exerciam durante toda a semana, nas horas de descanso e aos domingos não tinham disposição para treinar e jogar. Descreve Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p.26) que diante de tal problema as empresas que tinham time de futebol resolveram afastar seus operários atletas das atividades laborais da empresa, dando condições a estes para treinar e se preparar para os jogos. Dessa forma, estes operários escolhidos tornavam-se apenas atletas. Já nos clubes não acontecia isso, pois somente a elite participava, não tendo como captar jogadores que não pertenciam ao quadro associativo, ou seja, não tinham como introduzir jogadores de camadas populares, uma vez que isto implicava em todas as condições para treinarem e se prepararem para as disputas em tempo integral ou na maior parte do tempo. Isso, na época era inviável e praticamente fora de questão para os clubes. Waldenyr Caldas, (apud Soares, 2008, p. 26) foi em 1915, que começou aparecer os primeiros sintomas de que o amadorismo não iria muito longe, pois atletas de São Paulo e do Rio de Janeiro já estavam recebendo para entrar em campo como forma de incentivo para ganharem as partidas. Independente dos resultados obtidos, os atletas recebiam incentivo em dinheiro como forma de estimular os jogadores, que se doavam mais em campo com o interesse de serem convocados para outras partidas, o que significava futuras escalações e com isso mais gratificações. Isso não caracterizou o profissionalismo, porém, criou condições satisfatórias para seu surgimento. A prática de pagar os atletas para jogar não era bem vista pelos dirigentes e membros dos clubes. Eles não aceitavam que um jogador que não pertencesse à elite recebesse para jogar, opondo-se por muito tempo contra esse “profissionalismo mascarado”. 17 Nesse período viam o esporte como um bem ao corpo e ao espírito, essa idéia seguia os ideais olímpicos, onde o cavalheirismo era considerado princípios do amadorismo esportivo que estava deixando de existir com a remuneração dos atletas. O semi amadorismo ficou conhecido por alguns nomes pejorativos como “falso amadorismo”, “amadorismo marrom”, “profissionalismo marrom”, “amadorismo de tapetão” etc. Conforme cita Jorge Miguel Acosta Soares: Desde 1917 o futebol começava a ser um esporte de massas, com torcidas que pagavam ingresso para ver seus times em campo. Novos estádios eram construídos, com capacidade para receber o grande público. A pressão dessas torcidas mudou o objetivo das partidas, a vitoria não era mais um decorrência de um esporte bem jogado, de forma galante e cavalheiresca. A vitoria tornou-se uma obrigação das equipes. As elites dominantes e as classes bem-nascidas já não forneciam tantos jovens para compor as equipes. Os bons jogadores começavam a surgir nas ruas, nos subúrbios, nos terrenos baldios, nas várzeas dos rios, nas camadas mais baixas da sociedade (Soares, 2008, p. 27). De acordo com Jorge Miguel Acosta Soares foi em 1917 que o futebol começou a ser um esporte de massa, onde muitos pagavam ingressos para assistir as partidas, surgindo as torcidas. Os estádios começaram a ser construídos para receber grandes públicos. Ainda nesse período havia enorme corrente que defendia o futebol como um esporte elitizado e proibia negros nas equipes. Jean Marcel Mariano de Oliveira descreve que: O Vasco da Gama foi o primeiro clube brasileiro a aceitar negros em suas equipes. No principio, tal conduta foi muito criticada, inclusive pelas demais equipes, as quais se recusavam a jogar contra essa equipe. Estes críticos sequer podiam imaginar que justamente a presença do jogador negro no futebol brasileiro faria dele como é conhecido por todo o mundo (Oliveira, 2009, p. 34). E diante de tal cenário descrito nas palavras de Oliveira, que o maior jogador de futebol de todos os tempos é um negro. Outro fato marcante nesse clube supracitado é ter sido o pioneiro na luta contra o “racismo” no futebol brasileiro foi em 1924 quando: 18 [...] o Dr. José Augusto Prestes, Presidente do Vasco em 1924, que não permitiu que o nosso Clube se sujeitasse às coações no sentido de excluir dos seus quadros os atletas negros bem como os de origem humilde [...] (http://www.crvascodagama.com/home.php?display=HISTORIA-1, acesso no dia 09.10.2009, às 15:47). A ousadia de aceitar negros foi punida no ano seguinte, sendo o clube excluído dos quadros da associação competente daquele estado. Nos anos seguintes, embora houvesse ainda uma resistência a profissionalização e a não inclusão dos “não elitizados” ao esporte, havia um consenso silencioso entre os dirigentes dos clubes de que a remuneração de atletas era um mal necessário, tão quanto à procura de atletas não elitizados buscando-os nas várzeas e nos subúrbios. Aqui o futebol já começava se tornar um esporte majoritariamente praticado por pobres. Em meados dos anos 1910, houve um conflito entre as entidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, inaugurando uma disputa pela hegemonia do futebol brasileiro, com isso o Itamaraty foi chamado a intervir na época fundando a Confederação Brasileira de Desportos, uma entidade com respaldo e autorização da FIFA. A década seguinte foi marcada por viagens de clubes brasileiros para a apresentação no exterior, despertando o interesse de clubes estrangeiros em nossos jogadores, que de acordo com Jean Marcel Mariano de Oliveira (2009, p.34) “o primeiro clube brasileiro a fazer uma turnê pela Europa foi o Clube Atlético Paulistano, no ano de 1925.” Êxodo para o exterior Durante os anos de 1920, o pagamento aos jogadores não significou uma melhora de vida a esses, pois ainda eram considerados amadores, sendo exigidos com exaustão, ou seja, eram explorados de forma desumana e cruel, diante dessas circunstancias muitos terminavam suas vidas em meio à miséria. Muitos jogadores da época deixavam o futebol por motivos de doenças, contusões, sendo abandonados pelos clubes, pois o futebol era oficialmente considerado e reconhecido como uma atividade esportiva que deveria ser praticado apenas e tão somente por amadores. 19 Os jogadores também se aproveitavam da inexistência de uma legislação especifica para mudarem de clubes a qualquer momento sem autorização em troca de uma ajuda financeira, chegou a haver um pacto nessa época para que nenhum atleta se transferisse a outro sem o consentimento das partes, pacto que nunca foi cumprido. Com isso quem se beneficiou foram clubes do exterior, que detinham maior poder financeiro que os clubes brasileiros, e sendo os atletas brasileiros bem vistos no exterior, bastava uma proposta internacional para tirá-los dos clubes brasileiros. Para isto, bastava providenciar o passaporte para os atletas, sem o dever de pagar qualquer quantia financeira para os clubes. Jorge Miguel Acosta Soares descreve que: Apesar de uma atração inicial provocada pela Argentina e pelo Uruguai, os grandes mercados, mais tarde, passariam mesmo a ser a Espanha, Portugal e Itália, especialmente este ultimo. Apenas para se ter uma idéia do poder de atração dos clubes estrangeiros, no inicio do ano de 1931 saíram de São Paulo para se profissionalizar na Itália os jogadores: Ministrinho, Serafim, Rato, Pepe, De Maria e Filó, todos os jogadores titulares da seleção paulista de 1930 (Soares, 2008, p.32). Da exposição histórica supracitada por Soares, conclui-se que os atletas brasileiros já eram considerados talentosos nesse período, e com as circunstâncias precárias a que eram submetidos na época bem como a falta de profissionalismo, iniciou-se o grande êxodo dos jogadores brasileiros para o exterior no inicio dos anos 30, o que não é muito diferente nos dias atuais. 1.2 Profissionalização Jorge Miguel Acosta Soares narra um dos obstáculos da época para manter jogadores no Brasil: Era impossível tentar impedir o êxodo para o exterior. Todos os grandes clubes do eixo São Paulo-Rio de Janeiro perderam seus melhores jogadores, levando para o exterior a qualidade técnica e deixando a insatisfação dos dirigentes e o descontentamento das torcidas. O público pagava ingressos e lotava os estádios, assim, começou a exigir melhor nível técnico (Soares, 2008, p.33). 20 Conclui-se que neste período a cada dia que se passava, tornava-se mais difícil os clubes manterem os jogadores brasileiros de alto nível, diminuindo assim a qualidade técnica das partidas nacionais. Tal fato trouxe grande preocupação aos dirigentes, pois começou haver descontentamento das torcidas e o público que pagava ingressos e lotava os estádios começou a exigir melhor nível técnico. Com todos os problemas acarretados pelo baixo desempenho dos atletas nas partidas, alguns dirigentes começaram a ver com outros olhos a idéia da profissionalização, com novas formas de vincular um atleta ao clube, e conseqüentemente, ganhar com isso. Após essas medidas ocorreu um aumento significativo de público nas partidas, a volta da boa bilheteria e alguns dirigentes já anteviam um grande lucro na venda de um jogador para outro clube. Nos anos que antecederam a efetiva profissionalização do atleta de futebol aconteceram algumas atitudes isoladas sem muita repercussão. Alguns esportistas criaram uma liga sem os clubes, o que teve caráter sério, não aderindo nenhum clube, o que acabou ocasionando sua extinção. Conforme relata Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 33) foi em 1932 que um dirigente de um clube do Rio de Janeiro passou a assinar contratos regulares, mais transparentes e legais as relações, como valores expressos e as obrigações das partes. Essa atitude foi tomada porque havia o risco do futebol brasileiro se tornar subalterno e pequeno, em função do falso amadorismo. Nesse período já era realidade sempre haver um grande público nos estádios, gerando lucros aos clubes com pagamento das entradas e tendo a necessidade de construção de estádios com capacidade maior para acomodar os apaixonados pelo futebol. De acordo com Jorge Miguel Acosta Soares: Assim, em 23 de janeiro de 1933, por quatro votos a favor - Fluminense, Vasco, America e Bangu -, e três contra – Botafogo, Flamengo e São Cristovão -, nenhuma abstenção e nenhum voto nulo, o Rio de Janeiro adotou o profissionalismo como forma de organização de seu futebol. O exemplo foi rapidamente seguido por outros estados, especialmente São Paulo. A primeira partida de profissionais realizada aconteceu nesse estado, em Santos, em 12 de março de 1933, onde o São Paulo Futebol Clube derrotou o Santos por 5 a 1. No Rio de Janeiro, a primeira partida de profissionais foi realizada em 02 de abril de 1933, entre o Clube de Regatas Vasco da Gama e America Futebol Clube (SOARES, 2008, p. 33 - 34). 21 Conclui-se que esse acontecimento foi primordial para a inicialização do profissionalismo no futebol. As péssimas condições para o atleta exercer a atividade futebolística aqui no Brasil, e com o êxodo dos jogadores para os clubes estrangeiros que possibilitavam melhores condições e rendimentos obrigaram os clubes e as federações estaduais a aceitar a idéia da profissionalização. A profissionalização era necessária para que não ocorresse o risco do nosso futebol desaparecer ou até apequenar-se, e com ela foi capaz de segurar os melhores jogadores por aqui e manter ao mesmo tempo um bom nível técnico e atlético do futebol brasileiro. A profissionalização do futebol em 1933 foi forçada por evidentes fatores externos e internos, mas de grande importância. Outro fator importante na época foi a Revolução de 30 que marcou uma das mais profundas mudanças no Brasil, que envolveu além da economia e a política nacional, mudando todo complexo cultural e ideológico do país. Na Revolução de 30 com a tomada do poder pelos jovens oficiais do exército que foram apoiados pelas camadas médias urbanas alterou as funções e a própria estrutura do país, proporcionando a construção da idéia de um país com mais espaços para camadas populares. Os novos representantes do poder político iriam regulamentar toda a vida do trabalhador no país e o futebol foi decisivo para isso. Eliazar João da Silva, (apud Soares, 2008, p. 35) relata que: Na republica velha o futebol estava, de certa forma, à margem da evolução dos principais eventos sociais e econômicos do país. A estrutura econômica, as transformações sociais, políticas e culturais, sempre de forma indireta, influenciaram o desenvolvimento do esporte. Mas isso já não era mais assim. Após 1930, o futebol entrou em perfeita sintonia com o ritmo que a Revolução empreendeu para realizar transformações no país. Getulio Vargas, ao assumir a Presidência da República em 3 de novembro de 1930, apresentou um documento com o “Programa de Reconstrução Nacional”, com 16 tópicos nos quais o novo governo centraria suas atenções. O número 15 dizia respeito ao futebol. Membros do novo governo, ainda provisório, logo em seus primeiros dias, passaram a atuar nos bastidores no sentido de participar do processo de profissionalização do futebol, que somente iria acontecer pouco mais de dois anos depois (Soares, p.35). 22 Desse relato histórico conclui-se que na República velha o futebol era um esporte elitizado, amador e após 1930 entrou em perfeita sintonia com o ritmo que a Revolução empreendeu para realizar transformações no país. Nesse período foi apresentado um documento com o “Programa de Reconstrução Nacional” pelo então Presidente Getulio Vargas, documento este com 16 tópicos que o governo centraria suas atenções, sendo um desses tópicos, o número 15 direcionado ao futebol. Agora profissionalizado o futebol, mais participativo politicamente, mais competitivo, com enorme força como expressão da cultura e não elitizado somente, passava a se preocupar com a questão da regulamentação da profissão o que já ocorria com outras categorias. A profissionalização teve efeitos imediatos, entre eles o considerável aumento na remuneração dos atletas. Os clubes se viam obrigados em oferecer melhores condições para a prática do esporte e maiores remunerações para manter seus atletas, até como incentivo para tirar e trazer novos atletas vindos de outras agremiações, atletas esses atraídos por melhores condições financeiras, até mesmo os jogadores negros de menos destaques na época. Com isso melhorou muito o nível técnico ocorrendo um considerável aumento de público sendo um período de glorias para o futebol nacional. Em 1938 ocorreu a 3ª Copa do Mundo de futebol na França e o Brasil participou pela 3ª vez de um mundial. Esse mundial, organizado na França, foi à baliza que marcou definitivamente a ligação do governo de Getulio Vargas com o futebol, governo este, que ajudou a seleção nacional, formada por negros e brancos com uma pequena fortuna a época. De acordo com Jean Marcel Mariano de Oliveira, foi: Em 1938, na época da Copa do Mundo da França, tais discussões haviam praticamente se encerrado. Os brancos descendentes de europeus estavam deixando o Brasil para jogar por times da Europa, enquanto os dois maiores jogadores da seleção (Leônidas da Silva e Domingos da Guia) eram negros. O Brasil acabou sendo eliminado nas semifinais deste mundial (Oliveira, p. 35). Esse fato narrado por Oliveira deixa claro a participação empolgante da nossa seleção nesta copa, ficando em 3º lugar. Sua participação empolgou o 23 povo brasileiro, que saía nas ruas para comemorar as vitórias, mencionando-se por oportuno que dois jogadores principais eram negros. Destaca Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 38) que os dois principais jogadores daquela seleção, Leônidas da Silva, o “Diamante Negro” artilheiro daquela Copa e Domingos da Guia, o “Divino”, converteram-se em verdadeiros heróis, que posteriormente ao feito da seleção brasileira tornaram-se garotos propaganda de produtos e de diversas casas comerciais. Nesse período todo anúncio de medidas oficiais tomadas pelo governo eram anunciadas pessoalmente pelo então Presidente Getulio Vargas, sempre no estádio de futebol do Vasco da Gama, sendo tomada essa opção por ser reveladora do alcance popular do futebol. 1.3 Organização, Legislação e Regulamentação no Brasil. Até o final da década de 30, não só o futebol como outros esportes eram organizados pelas entidades dirigentes dos diversos ramos e havia alguma obediência as regras internacionais, eram organizadas por particulares, pois eram praticados por particulares. O Estado só intervinha em casos que envolvessem a ordem pública. Contudo, Getulio Vargas via no esporte a alavanca necessária para reestruturar política e ideologicamente o nosso país. De acordo com Jorge Miguel Acosta Soares: O primeiro instrumento significativo dessa intervenção do Estado nas questões desportivas foi o Decreto-lei n. 3.199, de 14 de abril de 1941, que estabeleceu as bases de organização dos desportos no país. Por ele, foi criado o Conselho Nacional de Desportos (CND), subordinado ao Ministério da Educação e Saúde, cuja finalidade seria orientar, fiscalizar e incentivar a prática de todos os esportes do Brasil. Sua estrutura era composta por nove membros, todos nomeados pelo presidente da República (2008, p.39). Conforme Soares foi em 1941 a criação do 1º decreto-lei para intervir nas questões desportivas do Brasil, o decreto-lei 3.199/41 abrangia todas as modalidades esportivas, e não somente o futebol. Visava estudar e promover medidas a fim de disciplinar e organizar a administração das entidades desportivas, incentivarem o desenvolvimento do amadorismo e ao mesmo tempo exercer rigorosa 24 vigilância sobre o profissionalismo, decidir quanto à participação das delegações nacionais em jogos internacionais. Por esse decreto-lei foi criado o CND (Conselho Nacional de Desportos) que apesar de sua importância durante as próximas décadas, o que mais significou foi à estrutura montada por esse documento legislativo, ou seja, a pirâmide organizacional, tendo na base os clubes, ligas e entidades de base, sendo que acima encontravam-se as federações e mais acima, reunindo as federações estavam as confederações que eram ligadas diretamente ao CND. Em forma de intervenção estatal não ficou restrita somente ao desporto, pois a CLT reproduziu a mesma estrutura, a semelhança é de fácil percepção, ou seja, a desportiva e a sindical. A Legislação da época tinha o objetivo de assegurar ao Estado instrumentos e mecanismos para manter controle das atividades desportivas, não com o intuito de promovê-las e dar-lhes condições de progresso, e sim pela necessidade de vigiá-las, controlá-las e dar-lhes o sentido desejado pelo governo. O Estado se preocupou em vigiar as associações desportivas com intuito de impedir as atividades contrarias a segurança, exigindo concessão de alvarás para funcionamento entre outras obrigações como qualificação dos dirigentes, inclusão de brasileiros nos conselhos deliberativos e constituição de suas diretorias somente por brasileiros. No campo legislativo o Governo direcionou suas atenções a estrutura e funcionamento do desporto e ao controle de suas estruturas pelo Estado. Não se preocupou muito com a questão envolvendo atleta e clube. Poucos meses antes da publicação da CLT, foi publicado o decreto-lei nº 5.342/43 criando um documento específico para os atletas, a Carteira Desportiva determinando que os contratos entre atletas e clubes tivessem de ser registrados no CND. A entidade ficou responsável por estabelecer normas para atletas profissionais se transferirem para outros clubes, determinando também indenizações e restituições. Destaca Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 43) que a legislação trabalhista criado por Getulio Vargas foi tão abundante, específica e regulamentadora para os trabalhadores em geral e para algumas categorias em particular, só que foi omissa aos jogadores de futebol. 25 Quem definia as características e forma de cumprimento dos contratos dos atletas era o CND. Nessa época para efeitos jurídicos todo o contrato existente entre clubes e jogadores era considerado de locação de serviços e não de emprego conforme dispunha a CLT. Era o Estado que organizava, disciplinava, subvencionava e dava incentivos fiscais, porém, deixava à livre arbítrio a relação entre atleta e clube, não intervindo nessa relação. Por duas décadas a situação continuou inalterada, pois a CBD criada em 1916 e oficializada com o decreto 3.199/41 determinava as regras e até fixava as características do contrato do atleta profissional. A entidade dava muita importância aos interesses dos dirigentes, deixando os jogadores de lado, que nesta época eram representados pelos “fracos” sindicatos que começavam a surgir nos anos de 1950. Segundo Jorge Miguel Acosta Soares: A primeira entidade dos atletas, a Associação de Jogadores de São Paulo, foi criada em 23 de julho de 1947. Em novembro de 1949, a entidade recebeu a carta sindical, e passou a se chamar Sindicato de Atletas de São Paulo (Sapesp). Helio Geraldo, o “Caxambu”, um dos maiores goleiros da década de 1940, que já estava à frente da associação, foi escolhido como primeiro presidente do sindicato. Uma das medidas iniciais da entidade foi a realização de encontros de jogadores todas as segundas-feiras, para que este se conhecessem fora dos campos. Até então, as reuniões com jogadores de clubes adversários eram proibidas, pois, segundo os dirigentes, os torcedores poderiam acusá-los de combinar os resultados dos jogos (2008, p.44). Das palavras de Soares (2008, p.44) conclui-se que antes da criação da SAPESP em 1947 evitavam-se encontros de jogadores, para não haver suspeitas de possíveis acordos com o intuito de combinar um possível resultado final das partidas. De acordo com Soares (2008, p. 45) o decreto-lei nº 51.008/61 assinado por Jânio da Silva Quadros, foi à primeira norma pública especifica para o atleta profissional, que disciplinava as condições para a participação do atleta profissional nas partidas, como por exemplo, uma partida que ocorresse nos dias úteis só poderia ser realizada após as 16:00 hs. No verão não poderia ocorrer entre 10:00 e 16:00 hs, devendo haver um intervalo entre as partidas de no mínimo 72 26 horas, as férias obrigatórias deveria ser entre o dia 18 de dezembro até o dia 07 de janeiro. O primeiro diploma legal (decreto 53.820/64) a tratar da questão do contrato assinado entre os atletas e as associações desportivas foi um dos últimos atos do então Presidente João Goulart, antes de ser deposto pelo Golpe Militar. Decreto este que instituiu oficialmente o “passe” do jogador, que nada mais era do que um vínculo esportivo agradando as duas partes, ou seja, foi ótimo para os clubes que nele viam a possibilidade de garantir tudo o que havia sido gasto na formação e manutenção do seu atleta e para o atleta era reservado uma porcentagem de 15% no mínimo do valor percebido pelo seu passe. O “passe” já existia em outros países, era fixado em contrato entre as partes, onde a cobrança do valor fixado subsistia ao encerramento do contrato. O fim do contrato não dava liberdade ao atleta uma vez que este era um direito patrimonial do clube. O valor do “passe” era estipulado de acordo com a capacidade e talento do jogador. Caso a transferência fosse para algum clube do exterior, o valor seria maior. Na verdade, o passe mantinha o jogador preso ao clube, como se fosse um “escravo”, preso no seu trabalho, pois o clube negociava o jogador sem a sua anuência para o clube que quisesse, até mesmo vetava a sua saída, mesmo se recebesse uma proposta ótima para atuar por outra agremiação. Caso não aceitasse as condições impostas pelas agremiações que detinham o “passe”, os jogadores ficavam impedidos de continuar exercendo a atividade seja no Brasil ou no exterior. O decreto-lei 53.820/64 disciplinou o instituto, mantendo sua lógica inalterada, mas reduziu e limitou os abusos dos clubes, como por exemplo, a transferência do atleta passaria por sua anuência e o contrato do atleta profissional de futebol não poderia ser inferior a 3 meses nem superior a 2 anos. O clube passou a ser obrigado a fornecer assistência medica em caso de acidente durante sua atividade. Descreve Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 47) que somente após 12 anos, depois com a lei 6.354/76, o jogador de futebol tornou-se oficialmente um trabalhador. 27 O contrato assinado era claramente denominado contrato de trabalho, passando o jogador a ser tratado como empregado e o clube como empregador, onde suas relações de trabalho passaram a ser regidas pelas normas gerais da legislação do Trabalho e da Previdência Social. Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 48) relata que até 1976, todos os conflitos envolvendo jogadores e clubes eram resolvidos na Justiça Comum ou na Justiça Desportiva, onde os clubes na maioria das vezes levavam vantagens. A introdução do jogador no mundo do trabalho foi inicialmente de forma apenas parcial, pois a lei 6.354/76 vetava inicialmente o acesso a Justiça Trabalhista, ou seja, somente depois de esgotadas todas as instancias da Justiça Desportiva é que o jogador poderia acionar a Justiça Trabalhista, o que dificilmente ocorria, pois todo litígio era resolvido pela Justiça Desportiva. A referida lei manteve o instituto do “passe” inalterado e definia-o como sendo uma importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante e depois do termino do contrato. Foi mantido o direito do atleta à parcela de 15% no mínimo do valor de seu “passe”. Descreve Jorge Miguel Acosta Soares: A Lei n. 6.354/76 manteve o instituto do “passe” inalterado, como fora institucionalizado pelo Decreto n. 53.820/64. a nova lei definia claramente o “passe” como sendo a “importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes, mantendo-se assim o vínculo mesmo depois do encerramento do contrato de trabalho. Era mantido o direito do atleta à parcela de 15%, no mínimo, do valor de seu “passe”. O jogador somente poderia se libertar do clube sem qualquer pagamento, obtendo o “passe livre”, ao atingir 32 anos de idade, desde que tivesse prestado dez anos de serviço ao mesmo empregador (2008, p. 48). Conclui-se que o jogador só ficaria livre do clube sem “arcar” com os valores estipulados para seu “passe” assim que completasse 32 anos de idade e desde que tivesse prestado 10 anos de serviço ao mesmo clube, ou seja, deveria ter jogado no mínimo 10 anos no clube de futebol. A CF/88 reformulou a noção geral da proteção do trabalho e da dignidade humana. A dignidade da pessoa humana foi convertida em um dos princípios fundamentais em nosso país e o direito ao trabalho em um dos direitos sociais básicos. 28 Com a nova Carta Magna em 1988, a lei do “passe” ficou incompatível com os preceitos da dignidade humana e a liberdade de escolher, de vender a força de trabalho a quem quiser. O “passe”, ou seja, aquela vinculação que permitia que o atleta fosse vendido, emprestado, doado e até mesmo penhorado, não era mais aceita pela CF/88. Segundo cita Jorge Miguel Acosta Soares: Da mesma forma, o “passe” já não tinha mais espaço no futebol dos países europeus, graças à repercussão do que ficou conhecido como “Caso Bosman”. A batalha jurídica que durou mais de cinco anos acabou com o “passe” nos países da Comunidade Européia e, por decorrência, acabou por influenciar mudanças na legislação de quase todos os países. Em 1991, o clube belga Royal Football Club, de Liège, apresentou uma proposta para a renovação do contrato do jogador Jean-Marc Bosman que, na prática, reduziria em 80% o seu salário. Bosman, que já tinha uma proposta para jogar no Dunkerque, da França, não aceitou. O clube de Liège, em represália, fixou, junto à confederação belga, seu “passe” em um valor absurdo, inviabilizando qualquer possibilidade de sua transferência para o futebol francês (2008, p. 49). Conforme expõe Soares (2008, p. 49), o caso supracitado foi o marco para a extinção do “passe”, ou seja, para a “libertação” do atleta profissional de futebol. Com a repercussão do caso “Bosman”, o “passe” já perdia espaço na Europa graças a esse jogador belga que travou uma batalha judicial por 5 anos pleiteando o direito de liberdade para trabalhar (jogar) onde bem quisesse. Isso começou quando seu atual clube apresentou ao final de seu contrato, uma proposta de renovação de seu contrato com valores de 80% a menos do que receberá até então. Bosman que tinha uma proposta melhor de outro clube não aceitou a redução salarial, e em represália, seu atual clube fixou o valor de seu “passe” em um valor “astronômico” inviabilizando qualquer possibilidade de transferência para outro clube. Bosman recorreu inicialmente à Justiça Desportiva, sendo derrotado em todas as instancias, onde só conseguiu vitória final após 5 anos no Tribunal de Luxemburgo, tribunal este que discutia questões da União Européia. Durante esse tempo, Bosman ficou sem jogar, sendo mantido pelos sindicatos de jogadores, que tinham interesse na manutenção do litígio e em uma decisão favorável ao jogador. 29 Com o final do litígio em favor do jogador em questão, ficou conhecida como a “Lei Bosman”, lei esta que extinguiu o “passe” em 15 países da União Européia, que pouco tempo depois outros 50 países afiliados a UEFA (União das Associações Européias de Futebol) seguiram a mesma direção. No Brasil, apesar de algumas tentativas para acabar com o “passe”, como a “Lei Zico”, só ocorreu em 24 de março de 1998 com a Lei nº 9.615, conhecida como “Lei Pelé”. Após a aprovação dessa lei, o “passe” teve uma sobrevivência de 2 anos, sendo após uma longa “vacatio legis” em 26 de março de 2.001. Desde sua promulgação a lei em questão já foi muito alterada, porém, manteve seu núcleo central inalterado. Muitas são as divergências, tanto a doutrina quanto a jurisprudência com relação à nova regulamentação não são pacíficas. 30 2 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DO ATLETA Como vimos até agora a profissionalização do jogador de futebol ocorreu em 1933, quando alguns clubes resolveram oficializar os contratos de seus atletas remunerando-os. Porém, para efeitos legais o jogador ainda não era considerado um trabalhador. Foram mais de 4 décadas para mudar tal situação, ou seja, foi com a Lei nº 6.354/76 que definiu a relação existente entre o clube e o atleta como sendo empregador e empregado, ligados por um contrato de trabalho regido pelas normas trabalhistas desta época. Durante esse tempo a natureza jurídica da relação entre clube e jogador, alimentou os debates doutrinários ocasionando divergências e interpretações distintas. De certo nesta época, sabia-se que não havia regulamentação do contrato do jogador com o clube tanto na CLT, nem no Código Civil, restando-lhe certo limbo jurídico. De acordo com Soares (2008, p. 51) ocorreu polemicas prénormativas, onde os juristas interessados nos problemas desportivos dividiam-se em varias teses sendo sintetizadas em 3 posições. Para alguns se tratava de natureza civil, para outros estaria inserido num ramo novo de direito, o Direito Desportivo e um 3º grupo enxergava contornos trabalhistas. Todas as teses embasadas em argumentos respeitáveis, fundamentadas com solidez jurídica, porém, inconciliáveis. Essa divergência doutrinaria encerrou-se com a publicação da Lei nº 6.354 de 2 de setembro de 1976, que definiu claramente que a relação entre clube (empregador) e jogador (empregado) passou a ser de cunho trabalhista, e com a publicação da Lei 9.615 de 24 de março de 1998 que veio apenas para referendar o texto normativo de 1976 afastou toda e qualquer limitação de acesso do jogador à justiça trabalhista. 2.1 Naturezas civil, desportiva e trabalhista 31 Todas as três correntes defendendo teses sobre a natureza jurídica do contrato do jogador de futebol, todas embasadas em argumentos respeitáveis e jurídicos sólidos. Conforme expõe Soares (2008, p. 52) a natureza civil dizia respeito à própria figura do atleta que era dotado de notoriedade assim como o clube, ambos seriam conhecidos do público. O atleta era marcado por sua personalidade, habilidade que marcavam e definiam o exercício do seu trabalho. Já o trabalhador comum, por exemplo, um operário, fazia parte de um conjunto de trabalhadores sem notoriedade, ou seja, eles exerciam atividades laborais independente de ter habilidade ou conhecimento específico. A individualidade do trabalhador “comum”, a sua notoriedade não viria interferir no cumprimento de funções laborais. Os adeptos civilistas argumentavam que o jogador possuía um contrato de locação, sendo que a CLT não elencava nada em relação a este, ou seja, não tratou nada a respeito da profissão do atleta. As diferenças entre jogadores de futebol e qualquer outra categoria de trabalhadores abrigadas pela CLT eram nítidas com a comparação de elementos como moléstias e acidente de trabalho, direito de greve e modo como eram contratados, todas elencadas lei trabalhista. Um trabalhador que sofresse um acidente durante o labor, estaria configurado como acidente de trabalho regulado pela lei, já as moléstias contraídas devido ao trabalho geravam uma serie de direitos e deveres com implicações diretas no contrato de trabalho. Já os jogadores de futebol que viessem a sofrer lesões durante uma partida ou treino não poderiam invocar a figura do acidente de trabalho e até as moléstias desses profissionais não estariam regulamentadas, assim sendo, não poderiam pedir indenização. As greves das categorias de trabalhadores regidas pela CLT eram toleráveis, com exceção nos tempos de guerra. Já o atleta não poderia participar de greves, pois não estava sujeito à regulamentação desse direito. Sobre a natureza civil do contrato do atleta profissional de futebol, Jorge Miguel Acosta Soares destaca: O terceiro, e mais importante, ponto de diferenciação dos atletas estaria na forma como eram contratados. A forma como os clubes procuravam contratar um jogador era absolutamente peculiar, quando comparada com o 32 processo de contratação pelas empresas. Os clubes procurariam não um indivíduo, não qualquer um indivíduo, mas um determinado sujeito, dotado de características especiais, de requisitos indispensáveis, como talento, habilidade, boa saúde, aptidão, alem da fama e do interesse público torcedor pela contratação. A contratação do atleta era feita por termo final, ad quem. O próprio clube contratante em nada se assemelharia com a empresa empregadora. Aquele, uma entidade civil sem fins lucrativos, cujo objetivo, pelo menos teórico, era a diversão e o lazer de seus sócios. Já as empresas, movidas pelo lucro, não poderiam ter outro objetivo ao contratar senão sua expansão e crescimento (2008, p. 53). Conforme supracitado por Soares, a principal diferença estava no modo de como eram contratados os atletas de futebol. Os clubes buscavam contratar um jogador com características diferenciadas, especiais, ou seja, para a contratação de um atleta os clubes valorizavam o talento, a habilidade, a sua saúde, a aptidão, analisava o interesse do público pela contratação e a sua fama. A contratação fugia da regra geral da CLT, pois era feito por tempo determinado. Um trabalhador poderia assinar contrato independente da idade, já um jogador tinha um limite de 35 anos de idade para ser contratado por um clube, salvo mediante apresentação de um laudo assinado por uma junta médica, atestando ter o jogador plenas condições físicas e de saúde. Essa corrente era maioria, essa concepção de um acordo oneroso, individualizado pelas suas particularidades prevaleceu entre 1933 (profissionalização do atleta) até 1976 quando a lei reconheceu o atleta como um empregado. A segunda tese segundo Soares (2008, p. 54) defendia a existência do Direito Desportivo, ou seja, um direito com especificidades e peculiaridades próprias do desporto com o reconhecimento de contratos peculiares ao exercício profissional de atividades desportivas. Até então nessa época era o decreto-lei nº 5.342/43 que criou um documento especifico para os atletas, a Carteira Desportiva determinando que os contratos entre atletas e clubes tivessem de ser registrados no CND. A entidade ficou responsável por estabelecer normas para atletas profissionais se transferirem para outros clubes, determinando também indenizações e restituições, ou seja, necessitava de uma legislação especifica. Destaca Jorge Miguel Acosta Soares: “A codificação e as regras do esporte teriam nascido do direito costumeiro, práticas sócias reiteradas que teriam criado uma rede de regras, normas, instituições – clubes, federações, confederações – e até uma justiça própria, a Justiça Desportiva” (2008, p. 55). 33 A Justiça não apreciava questões relacionadas ao contrato de atleta sem consultar regras peculiares do esporte, muitas vezes necessitando examinar normas editadas pelos organismos internacionais, notadamente a FIFA. Os doutrinadores mais em dia consideram o contrato desportivo com as seguintes características: contrato principal, bilateral ou plurilateral, comutativo ou aleatório, em regra de adesão ou de execução sucessiva. Seria bilateral pelo simples fato de ambos terem direitos e obrigações, tendo um componente plurilateral, apesar de haver somente o jogador e o clube no contrato, haveria a presença tácita de toda a equipe, pois havia um objetivo entre todos que era o de conseguir o melhor em campo. Comutativo porque ambas as partes conhecem previamente as vantagens e os encargos que seriam desenvolvidos para o cumprimento deste, como exemplo, o jogador deveria dar o máximo de si pelo sucesso no clube, e o clube deveria lhe dar condições para desenvolver o seu melhor trabalho. Já o componente aleatório seria dado pelo resultado, ou seja, o jogador seria contratado para fazer o melhor de si, sem a certeza do bom resultado, sem garantia de cumprimento, pois haveria adversidades como o próprio adversário, acidentes e lesões do jogador. De regra era de adesão, pois a relação entre as partes já estava defina previamente com as vantagens e encargos sem possibilidades da expressão do acordo de vontades. Expõe Soares (2008, p. 56) que o contrato do atleta seria de execução sucessiva ou continuada mesmo ocorrendo interrupções ou soluções periódicas como, por exemplo, o jogador poderia ser emprestado a outro clube sem romper o contrato principal com sua agremiação, ou pela convocação para representar seu país ficando impedido de representar seu clube e o mesmo valia para contusões ou por medidas disciplinares. Porém, haveria mais peculiaridades para caracterizar o contrato de atleta, como a sujeição desportiva, a exclusividade e o prazo determinado do contrato. A sujeição desportiva seria a submissão do jogador que deveria seguir regras para desempenhar seu trabalho como as regras do esporte em que pratica, treinar devidamente e estar à disposição do clube. Quanto ao treinamento, o jogador exercia exercícios físicos e técnicos para melhor desempenhar suas funções dentro 34 de campo e até para haver entrosamento com o restante da equipe. Já a disponibilidade seria a faculdade que o clube teria para determinar a maneira e função que jogador exerceria. Segundo Jorge Miguel Acosta Soares, sobre a natureza desportiva: Outra peculiaridade seria a exclusividade, elemento inseparável do contrato de atleta uma vez que este só poderia exercer suas atividades apenas e exclusivamente para um clube. Seria inconcebível, tanto pelas normas quanto pela lógica, que um atleta pudesse ter dois contratos válidos ao mesmo tempo. Sobre o jogador somente poderia pesar uma sujeição desportiva de cada vez. Diferentemente do trabalhador comum, que pode exercer suas atividades em mais de um emprego ao mesmo tempo, o atleta tem um contrato exclusivo com seu clube (2008, p. 57). À exclusividade, peculiaridade fundamental para o exercício da profissão de atleta profissional de futebol, onde o jogador só poderia ter contrato somente com um clube, ou seja, o jogador de futebol só poderia exercer suas atividades apenas e exclusivamente para um clube, diferentemente do trabalhador comum que podia exercer atividades laborais em mais de um emprego. Outra peculiaridade, ou seja, a última é que o contrato desportivo deveria ser celebrado por tempo determinado, contrariando dispositivo da CLT, pois a atividade de jogador é curta, o tempo de vida útil do jogador é bastante reduzido. Outros que defendiam a tese de ser o contrato do atleta como sendo de natureza jurídica trabalhista, apesar de muitas especificidades, enquadrava-se nas características de um contrato de trabalho com relações ditadas pela CLT, sendo esta concepção a que permaneceu, e normatizada em 1976. Mesmo assim havia três entendimentos distintos. Um deles afirmava ser o jogador profissional de futebol como um trabalhador comum amparado pela legislação trabalhista, onde havia a prestação de serviços contínuos a um empregador (clube de futebol) com subordinação e dependência econômica. Outro argumento dessa corrente, afirmava que na Carta Magna de 1946, vigente à época, não distinguia espécies de emprego, condição e modalidade de trabalho. Outra corrente entendia que o jogador estava amparado pela CLT, contudo equiparado a empregado com cargo de confiança, sem direito a estabilidade legal, porém, com direito a indenização por demissão injusta. Argumentavam que o jogador que ao mesmo tempo não foi excluído do regime 35 trabalhista, não foi incluído expressamente. Ao jogador não era cabível a estabilidade após dez anos de prestação de serviços ao clube, visto ter a sua capacidade laboral após o passar dos anos que juntamente com a carreira curta impedia o beneficio da estabilidade, restando-lhe a indenização dupla quando despedido sem justa causa. Segundo Soares (2008, p. 57) a terceira vertente configurava o jogador de futebol como artista estando excetuados das regras da renovação dos contratos a prazo determinado, não gozando de estabilidade. O jogador seria um artista a quem o público pagaria para ver as suas representações. Essa corrente prevaleceu até as vésperas da aprovação da Lei nº 6.354/76. 2.2 Solução legal e atual. A natureza jurídica do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol foi definida como natureza jurídica trabalhista, ou seja, de natureza remuneratória. Essa posição era a que mais trazia repercussão na época e se tornou a definitiva sendo construída num intervalo de mais de duas décadas tendo como marco duas leis, a nº 6.354/76 conhecida como “Lei do Passe” e nº 9.615/98 conhecida como “Lei Pelé”. 2.2.1 “Lei do Passe” (6.354/76) Essa lei encerrou toda questão da natureza jurídica do contrato de trabalho do jogador, dispondo sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol e outras providências. Com ela definiu-se a relação existente entre o clube e o jogador passando o clube ser empregador e o jogador um empregado, ligados por um contrato de trabalho. Vetou o atleta profissional de acionar a Justiça Trabalhista sem ter esgotadas as instancias da Justiça Desportiva, que era organizada pelas federações estaduais e pela CBD. Manteve a “Lei do Passe” inalterada como fora institucionalizado pelo Decreto nº 53.820/64, ligando o jogador ao clube por um vinculo pecuniário, mesmo após o encerramento do contrato de trabalho. 2.2.2 “Lei Pelé” (9.615/98) 36 Após mais de duas décadas foi promulgada a “Lei Pelé” que veio complementar a Lei nº 6.354/76 estabelecendo normas gerais sobre o desporto brasileiro com base nos princípios presentes na Carta Magna de 1.988 sendo sancionada sob o número 9.615/98, em 24 de março de 1998. Foi à norma que extinguiu o “passe” dando “passe livre”. A relação do atleta profissional com o clube passou a se limitar a um contrato formal de trabalho, sem qualquer outro vinculo após seu encerramento. Afastou toda e qualquer limitação de ingresso do jogador à Justiça do Trabalho. 37 3 IMAGEM E SUA GARANTIA CONSTITUCIONAL Conforme definido pelo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, imagem é: s.f. 1. Representação gráfica, plástica ou fotográfica de uma pessoa ou de um objeto [...] 4. Reprodução de pessoa ou de objeto numa superfície refletora [...] 6. Representação cinematográfica ou televisionada, de pessoa, animal, objeto, cena, et. [...]. A imagem é um bem jurídico protegido e amparado por nossa Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, incisos V, X e XXVIII, alínea a. [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. [...] XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas. Como podemos observar a imagem passou a ser protegida pelo art. 5, XXVIII, ‘a’, da nossa Carta Magna do ano de 1988, como direito autoral, desde que ligada à criação intelectual de obra publicitária, fotográfica, cinematográfica etc. De forma mais simples, expressa Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli, dizendo que: A imagem interessa ao Direito como sendo toda e qualquer forma de representação da figura humana, não sendo possível limitar e nem enumerar os meios técnicos pelos quais ela se apresenta vez que, com o avanço da tecnologia, a cada momento surgem novas maneiras e mecanismos capazes de exibir a imagem das pessoas. Assim, desde pelos primitivos desenhos na pedra e nas cavernas, feitos na Pré-História, até por meios contemporâneos, como a pintura, a caricatura, a filmagem, a fotografia, o cinema, os computadores, a internet, a televisão, os impressos etc. pode o semblante humano ser representado, exibindo-se a sua imagem (AFFORNALLI, 2008, p. 23). Segundo Jorge Miguel Acosta Soares: 38 A proteção à imagem faz parte de um conjunto maior conhecido como Direitos da Personalidade, direitos pertencentes ao ser humano tomado em si mesmo, sem a incorporação de qualquer outra qualidade ou característica. São os direitos que pertencem ao indivíduo apenas por ele ser humano, apenas por ter nascido. Um conjunto de leis e normas jurídicas previstas exclusivamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a integridade física, a intimidade, a honra, a intelectualidade, entre outros. São direitos intimamente gravados na pessoa (SOARES, 2008, p. 66). Pelo exposto acima todo ser humano tem direito de proteção a sua imagem, pois a imagem esta relacionada com a pessoa do ser humano, a sua forma de ser e de agir perante a sociedade. A imagem é tida como toda forma de expressão formal e sensível da personalidade do ser humano. Conforme relata Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli (2008, p.41), a Doutrina, a Jurisprudência e a Legislação que recentemente através da elaboração do Código Civil de 2002, que contemplou o direito à imagem no Capítulo “Dos Direitos da Personalidade” são unânimes em reconhecer que a sua natureza jurídica fundamental é de direito personalíssimo. 3.1 Direito à imagem Com o uso indiscriminado da imagem das pessoas que principalmente tem destaque no que fazem e que são alvos os olhares da sociedade se tornou mais propícia pelo crescimento meteórico das muitas formas de reproduzir e divulgar essas imagens, provocando uma crescente preocupação em proteger a privacidade e a honra das pessoas. Com isso o direito a imagem ganhou posição destacada no contexto dos direitos de personalidade com o enorme crescimento tecnológico e da publicidade tornando de suma importância a agregação da imagem e a exposição sendo cada vez mais intensa e vias de conseqüências, tornou-se mais suscetível a violações. O direito a imagem refere-se exclusivamente a pessoa humana, pois reflete o que somos perante a sociedade, como somos observados por outras pessoas e o que consideram a nosso respeito, sendo uma proteção da nossa personalidade. Embora faça parte dos direitos da personalidade, pode ser e é nos 39 dias atuais objeto de cessão e exploração comercial, todavia, não pode sem autorização utilizar-se a imagem de uma pessoa. Esse direito abrange a própria imagem ou a difusão da imagem, a imagem das coisas próprias e a imagem em coisas, palavras ou escritos ou em publicações; de obter imagem ou de consentir em sua captação por qualquer meio tecnológico. O direito à imagem é autônomo, não precisando estar em conjunto com a intimidade, a identidade, a honra etc. Embora possam estar em certos casos, tais bens a ele conexos, isso não faz com que sejam partes integrantes um do outro. Segundo Sílvio de Salvo Venosa (2005, p.204 - 205): Sem dúvida, a imagem da pessoa é uma das principais projeções de nossa personalidade e atributo fundamental dos direitos ditos personalíssimos. O uso indevido da imagem traz, de fato, situações de prejuízo e constrangimento. No entanto, em cada situação é preciso avaliar se, de fato, há abuso na divulgação da imagem. Nem sempre a simples divulgação de uma imagem é indevida, doutra forma seria inviável noticiário televisivo, jornalístico ou similar [...] Entretanto, o direito à imagem não é absoluto. As pessoas públicas notórias quando no exercício de suas atribuições públicas, não podem reclamar da exposição de sua imagem sem a devida autorização. No caso de algum dano à imagem o lesado pode pleitear a reparação pelo dano moral e patrimonial conforme a Súmula 37 do STJ provocado por violação à sua imagem-retrato ou imagem-atributo e por divulgação sem autorização de escritos ou de declarações feitas, sumula esta redigida desta forma: STJ Súmula nº 37 - 12/03/1992 - DJ 17.03.1992 Indenizações - Danos - Material e Moral - Mesmo Fato – Cumulação. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato (http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/st j__0037.htm, acesso em 20.10.2009, as 17:19 hrs). Com o alcance do direito à imagem em uma posição relevante no âmbito dos direitos da personalidade, graças ao progresso das comunicações e à importância que a imagem adquiriu no contexto publicitário causando enorme exposição da imagem, principalmente das pessoas que obtém destaque em suas atividades, houve também uma agregação de um valor econômico expressivo. 40 Conforme Luiz Alberto David Araujo (2004, p. 126): O direito à imagem possui duas variações. De um lado, deve ser entendido como o direito relativo à reprodução gráfica (retrato, desenho, fotografia, filmagem etc.) da figura humana. De outro, porém, a imagem assume a característica do conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo conjunto social. Chamemos a primeira de imagem-retrato e a segunda de imagem-atributo. A imagem retrato refere-se à reprodução gráfica da figura humana em fotografia, desenho, ou seja, reflexo da identidade física e suas características, é a representação física de uma pessoa como um todo ou em partes separadas do corpo, desde que identificáveis, implicando o reconhecimento de seu titular por meio de fotografia, escultura, desenho, pintura. Interpretação dramática, cinematográfica, televisão, sites etc., que requer autorização do retratado (CF de 1988, art. 5º, X). A imagem atributo refere-se ao conjunto de atributos de uma pessoa, podendo ser tanto física como jurídica, identificados no meio social, ou seja, seu conceito moral diante da sociedade é o conjunto de qualidades cultivadas por uma pessoa que é reconhecida pela sociedade (CF de 1988, art. 5º, V). Assim sendo, os atletas profissionais de futebol são dotados da imagem atributo, por serem pessoas famosas e reconhecidas na mídia e na sociedade. De acordo com Soares (2008, p.71), entre os direitos da personalidade, o que mais interessa é o Direito de Imagem, dada a relação com o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, onde a sua imagem tem enorme apelo publicitário para os mais variados produtos, se tornando nos dias atuais presença quase obrigatória na relação contratual entre o atleta e o clube de futebol. 3.2 Consentimento para o uso da imagem O uso da imagem cresceu muito nos últimos anos, com a publicidade utilizando-se do uso da imagem, observou-se que isso daria lucro ocasionando grande exploração econômica a ponto de ganhar status de comercio. Como apareceram profissionais especializados em permitir o uso da própria imagem em troca de remuneração. Entretanto, para licitude de tal ato, faz-se necessário a autorização para a veiculação da sua imagem, e não somente para reprodução dela. Para Arffonalli (2008, p. 55): 41 É preciso que fique clara a diferença entre a autorização para retratar uma pessoa e a autorização para a divulgação dessa imagem nos meios publicitários e de comunicação em geral. A primeira ocorre com freqüência quando se contrata um fotógrafo para retratar determinada pessoa ou grupo de pessoas; seja para fotos utilizadas em documentos, álbuns familiares, etc. Até mesmo quando o fotógrafo não é profissional, mas apenas um amador que cultiva o gosto de registrar a imagem de pessoas, festas, acontecimentos a ele relacionados ou não. Fica claro que existe diferença entre a autorização para retratar uma pessoa com a autorização para divulgar sua imagem por meios que visem lucro. A primeira ocorre com freqüência, onde se cita o fotografo como exemplo, que é contratado para tirar fotos para serem utilizadas em álbuns, documentos etc. Nesse caso não necessita ser profissional, afinal, nos dias atuais, qualquer pessoa pode registrar imagens de pessoas, festas etc. Segundo Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli (2008, p. 55), a partir do momento em que o fotografo queira veicular, ou seja, tornar público o retrato, fazse necessário autorização para essa veiculação da imagem. Para que haja consentimento deve esclarecer para que fins a imagem se destinem, os meios que serão utilizados para a divulgação. Quanto mais específica for esta, maior será a proteção do titular do direito à imagem. Com o aumento tecnológico dos meios de comunicação, a exposição de imagem de pessoas sem o seu consentimento se tornou comum. Antes da fotografia, isso era difícil de acontecer, pois se necessitava da disposição do modelo para que executasse uma pintura ou uma escultura. Fora dos meios publicitários, quando não há intenção de obter um retorno financeiro, o consentimento mais usual é o tácito, ou seja, nesse caso a pessoa através de seus atos não mostra ser contrária a representação de sua imagem, todavia, deve-se atentar que ao ficar em silêncio significa que foi autorizada a reprodução de sua imagem. De acordo com Affornalli (2008, p. 56): Para a verificação deste consentimento tácito, deve-se considerá-lo no contexto que compreende a pessoa retratada, suas qualidades e características pessoais, profissionais, a finalidade da captação da imagem, modo, situação em que ela se encontrava etc. 42 Nesse sentido Affornalli (2008, p. 56), esclarece que mesmo que seja aceitável a aceitação presumida para a fixação da imagem, ou seja, para a execução do retrato, deve-se tomar cautela com extremo rigor quanto à divulgação ou publicação. São necessárias duas autorizações distintas, sendo uma para a fixação da imagem em um suporte material e outra para divulgar a imagem. A imagem é um direito que toda pessoa tem, ela é intransferível, irrenunciável, ou seja, a sua permissão pode ocorrer de forma gratuita, quando o modelo não recebe remuneração ou onerosa que é comum no meio publicitário. Mesmo que a autorização venha acompanhada por remuneração, o modelo não estará renunciando o direito a sua imagem, e sim, somente permitindo que terceiros utilizem ela dentro de certos limites e condições. De acordo com Soares: A licença para o uso da imagem deve ser a prazo determinado, uma vez que é a expressão da vontade da pessoa, e essa vontade deve ser avaliada e repactuada periodicamente. Pode até ser exclusiva, em que o licenciante requer somente para si a utilização da imagem do outro, com a exclusão de qualquer outro, mas esse uso sempre limitado no tempo. A própria natureza do direito exclui a possibilidade da contratação por tempo indefinido, ou para sempre. A imagem de alguém diz respeito à própria característica de seu ser, qualidade distintiva fundamental que não lhe pode ser subtraída (SOARES, 2008, p. 77). Soares esclarece que o uso da imagem tem como finalidade o uso estritamente vinculado ao consentimento, ou seja, a imagem está ligada ao ser e à sua vontade. Qualquer mudança física ou de estado pode ocasionar a cassação da licença para o uso da imagem antes autorizada. Nesse caso pode ocorrer de uma modelo abandonar a carreira, um obeso que emagrece, ou aquele que faz plástica, são situações em que o indivíduo pode vir a impedir que sua imagem anterior continue sendo veiculada. No caso do parágrafo supracitado, o licenciado pode alegar perdas e danos, porém não poderá continuar usando a imagem que foi proibida. Segundo entendimento de Soares (2008, p. 77): O aspecto econômico do uso ilícito deve ser relevante para a aferição e fixação do montante da indenização devida. As circunstâncias do uso, as características da pessoa lesada, o poder econômico daquele que comete o 43 ilícito, a existência de má-fé irão determinar os parâmetros de mensuração da reparação pecuniária. Nesse sentido, continua Soares: O Direito de Imagem não faz qualquer distinção quanto à qualidade da pessoa. Mesmo aquelas famosas e conhecidas do grande público têm o direito ao respeito de seus atributos físicos. No caso de personalidades célebres – atores, políticos, religiosos -, suas qualidade pessoais podem agravar a lesão quando da utilização indevida de sua imagem. O dano poderá será maior quanto mais conhecido for o personagem, uma vez que sua importância social e o valor econômico de sua efígie são maiores que os do cidadão comum (SOARES, 2008, p. 77). Todos são iguais conforme a lei que não distingui se a pessoa é ou não famosa, sendo que as pessoas que possuem atributos célebres diferenciam na hora da reparação do dano causado a sua imagem, visto sua importância social e o valor econômico ser maiores que um cidadão comum. No entanto, há limitações impostas que restringem o exercício do direito à própria imagem. Essas restrições são baseadas na prevalência do interesse social, e, assim sendo, o direito coletivo sobrepõe o direito individual. 44 4 DIREITO DE IMAGEM NO CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL Conforme elencado na CLT, contrato de trabalho é um acordo tácito ou expresso, escrito ou verbal, correspondente à relação de emprego, sendo um ato jurídico que cria a relação empregatícia, motivando, desde o momento de sua celebração, direitos e obrigações para ambas as partes, podendo ser pactuado unicamente entre empregado e empregador. Seguindo o expresso na CLT, Oliveira (2009, p.46) diz: Assim, contrato de trabalho, com vinculo empregatício, é o pacto tácito ou expresso, escrito ou verbal, através do qual uma pessoa física (empregado) se obriga a prestar serviços de natureza não eventual, com pessoalidade, onerosidade e subordinação jurídica para uma pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado. Conclui-se que haverá um contrato de trabalho sempre que uma pessoa física se sujeitar a cumprir atos ou prestar serviços para outra e sob sua dependência, por período determinado ou indeterminado, mediante o pagamento de uma remuneração. Já o contrato de um atleta profissional de futebol segue regramento diferenciado dos demais contratos de trabalhos que são regidos pela CLT, possuindo regramento próprio na Lei nº 9.615/98. De acordo com o artigo 28 da Lei nº 9.615/98: Art. 28 - A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral. Nesse sentido Soares (2008, p.78) resume que para todos os efeitos legais, o atleta profissional de futebol é toda pessoa física que pratica esse esporte, sendo subordinado por um clube de futebol, ou seja, um empregador que lhe paga para jogar mediante um contrato de trabalho. 45 O clube de futebol tem única finalidade na contratação do atleta, a de que ele jogue futebol, que entre em campo durante uma partida e dê o máximo de si. No mesmo sentido: O direito de imagem é um direito personalíssimo e negociado diretamente entre o jogador (ou a empresa que o detém) com a entidade desportiva (clube de futebol), por meio de valores e regras livremente estipulados entre as partes, assegurado pelo art. 5º, XXVIII, “a”, da Constituição Federal (http://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/direito_arena_imagem.htm, acesso em 20.10.2009, as 10:19 hrs). Não compete ao atleta profissional de futebol exercer outras funções como dar treinamentos, desenvolver táticas e preparação física, ou seja, somente lhe é atribuído a função de jogar. Porém, fica evidente que o atleta para desenvolver seu trabalho com qualidade necessita de treinamentos físicos e táticos, a aulas e palestras. Essas funções e o tempo de viagens e concentrações são meras funções preparatórias e preliminares para o momento da partida não descaracterizando a razão de sua contratação que é a de jogar futebol. Segundo Soares: A partida de futebol, momento do aperfeiçoamento do contrato de trabalho do atleta profissional, é uma atividade realizada perante grande público, com toda a divulgação, prévia e posterior, em um estádio e, muitas vezes, transmitida pelos meios de comunicação social, especialmente pela televisão. Os jogadores dos dois contendores entram em campo envergando as cores e os símbolos de seus clubes, sendo naquele momento os legítimos representantes destes (SOARES, 2008, p. 78 - 79). Conclui-se que o atleta profissional é contratado para defender as cores do seu clube empregador, e disputar partidas que são transmitidas para todo o país e podendo ser visto até pelo mundo todo. Como explica Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 79): O contrato de trabalho do jogador é, na prática, o instrumento de cessão dessa imagem profissional do atleta para todas as atividades ligadas ao exercício da profissão. O contrato de trabalho, por determinação legal sempre com tempo determinado, delimita a duração da relação entre o 46 jogador e o clube, e, por conseguinte, o tempo em que a imagem do atleta estará ligada às cores e aos emblemas da agremiação. O contrato também fixa a forma como se dará a utilização da imagem profissional do atleta, restrita aos momentos em que este esteja a serviço do clube. Assim, por força da especificidade da profissão, a imagem do atleta, nos períodos em que esteja a serviço do empregador, é cedida a este de forma gratuita, uma vez que o salário contratual remunera sua atividade, retribui somente a prática da atividade de futebolista. Mas, e o atleta profissional de futebol que é convocado para defender a seleção? Quem arca com os encargos durante o tempo em que está defendendo as cores da seleção? De acordo com o elencado na Lei 9.615/98: Art.41. A participação de atletas profissionais em seleções será estabelecida na forma como acordarem a entidade de administração convocante e a entidade de prática desportiva cedente. § 1º A entidade convocadora indenizará a cedente dos encargos previstos no contrato de trabalho, pelo período em que durar a convocação do atleta, sem prejuízo de eventuais ajustes celebrados entre este e a entidade convocadora. Nesse sentido fica claro que ao convocar um atleta profissional de futebol, ou seja, requisitá-lo perante o clube para defender a seleção, esta, paga o tempo de uso do contrato de atleta, inclusive nos casos de acidentes de trabalho. 4.1 Diferença da imagem profissional e pessoal do atleta O atleta profissional como já vimos até aqui, possui características diferenciadas para exercer sua profissão, sendo uma delas a de exibição a um enorme público de amplitude mundial nos dias atuais. Ao assinar um contrato de trabalho, o atleta estará automaticamente autorizando a exibição de sua imagem em tudo que for relacionado ao exercício de sua profissão e durante o cumprimento de seu contrato. Conforme o supracitado, quando o atleta assina um contrato de trabalho com o clube empregador, estará automaticamente autorizando a vinculação da sua imagem profissional com as cores, com o escudo deste clube que irá utilizarse dela para sua publicidade. 47 Como relata Soares (2008, p. 80): Já para a pessoa do atleta permanece integro o direito à sua imagem pessoal, sua imagem nos momentos em que não esteja a serviço do clube. Isto é, todos os outros usos, não ligados à prática do futebol, permanecem no patrimônio do atleta. É essa cisão entre imagem profissional e imagem pessoal que irá permitir que um atleta possa, por exemplo, participar de campanhas publicitárias, vinculando sua imagem a um determinado produto e serviço (SOARES, 2008, p. 80). Conclui-se que não há vinculação da imagem profissional com a pessoal, ou seja, o atleta ao assinar contrato com um clube vinculando sua imagem profissional a marca deste clube, pode assinar contrato utilizando sua imagem pessoal para outros fins, como por exemplo, divulgar um produto ou serviço de um marca. 4.2 Licitude do uso da imagem e a contratação ilegal Os clubes que nada mais são do que entidades desportivas sem fins lucrativos há muito tempo deixaram de lado somente o status de associação de pessoas que têm em comum o interesse e a paixão por algum esporte, ou seja, por um emblema e uma combinação de cores, pois hoje em dia os clubes movimentam enormes quantias “monetárias”, transformando-se em importantes agente econômicos. A lei Pelé introduzida em 1998, originalmente em seu artigo 27 obrigava os clubes de futebol a se tornarem empresas com fins lucrativos. Ciro Alberto Peçanha Nunes (apud Soares, 2008, p. 83) resume bem o porquê não foi possível o cumprimento do artigo 27 da Lei Pelé que obrigava os clubes de futebol a se transformarem em empresas comerciais: “Essa determinação, em razão da atuação de um poderoso lobby dos clubes de futebol, foi totalmente descaracterizada e tornou-se letra morta (SOARES, 2008, p. 83). Nos dias atuais os clubes passaram a ter interesses comercias, vinculando compromissos que vão muito além da esfera esportiva, ou seja, se transformaram em marcas, onde são patrocinadas por empresas multinacionais, marcas essas de reconhecimento mundial. Com isso a intenção de agregar a imagem de seus jogadores, fonte de prestígio junto à seus torcedores, aos seus 48 patrocinadores convertendo a imagem de seus atletas em negócios rentáveis ao clube. O atleta é contratado pelo clube para praticar futebol, representar o clube dentro de campo, ou seja, exercer as práticas relacionadas ao futebol estando envolvida sua imagem dentro do campo. Porém, a sua imagem pessoal está fora das obrigações trabalhistas. Assim sendo, é lícita a contratação da representação pessoal do atleta pelo clube, ou seja, para o clube associar a imagem do seu atleta aos produtos e serviços dos seus patrocinadores. De acordo com Soares (2008, p. 83): Este contrato de licença do uso de imagem, tendo em vista a natureza do direito personalíssimo envolvido, deve ter características especificas, as quais serão interpretadas de maneira restritiva. Assim como no caso de qualquer outro individuo, no caso do atleta sua cessão deve limitar claramente as condições e situações em que será usada essa imagem. As clausulas gerais, que não estabeleçam qualquer limite à utilização da imagem, sem qualquer condição ou restrição, são claramente nulas. Aqui o uso da imagem se rege pelas regras gerais e se subordina à vontade expressa de seu titular. Da mesma forma, essa licença deve prever seu tempo de duração. Conforme explicitado acima, o atleta ao assinar um contrato de trabalho com um clube, somente está autorizado a assinar o contrato de imagem com o mesmo clube. No Brasil, é comum a ocorrência de contratações ilegais de atletas para exercer práticas futebolísticas, pois os clubes ainda se organizam de forma amadora, com administração apaixonada como faziam antigamente. Essas agremiações não se profissionalizaram, estão sendo administradas precariamente, de forma irresponsável por pessoas que usam a paixão e não a razão, estando ainda com estruturas de associações civis para fins não econômicos, ou seja, não profissionais. Aponta Soares (2008, p. 85): Quase ao mesmo tempo, os clubes assistiram à extinção do “passe” pela Lei n. 9.615/98, a “Lei Pelé”, retirando das entidades uma poderosa fonte de renda. Aliada a tudo isso, houve uma redução da freqüência dos torcedores aos estádios. Disputas clássicas, que antes levavam mais de 120 mil torcedores aos campos, hoje não conseguem reunir nem 25 mil pessoas. 49 Os clubes assistiram impassíveis à supressão das bilheterias, outra considerável fonte de renda. Conclui-se que com o fim do passe, os clubes deixaram de arrecadar quantias consideráveis, isto é, perderam importante receita econômica ao deixar de negociar o “passe” liberando o seu atleta para atuar por outra agremiação se deve a diminuição de espectadores nos estádios em dia de partidas é devido ao aumento tecnológico e de fácil acesso para ver as partidas em casa, uma vez que o torcedor deixou de ir aos estádios para ver os jogos em casa com mais segurança e praticidade. Para reduzir custos, vistos as receitas terem diminuído, e as despesas só aumentaram, a solução foi adotar o instituto da licença do uso de imagem de jogadores para tentar reduzir os gastos, assim começou a utilizar o contrato de imagem com a finalidade de dividir em duas partes a remuneração do atleta, que passou a ter duas naturezas salariais: contrato de trabalho de natureza salarial e contrato de imagem de natureza civil. O contato de trabalho entre o clube e o atleta sobre qual recaem encargos trabalhistas e fiscais e o outro, o de imagem que geralmente é assinado entre o clube e uma pessoa jurídica constituída muitas vezes pelo próprio atleta para que cujos vencimentos sejam isentos de tributos e reflexos trabalhistas, ou seja, sendo lançados apenas como despesas. Com relação ao contrato para utilização da imagem do atleta, os clubes utilizam-se da imagem da pessoa do atleta para campanhas de publicidade como forma de obter lucros como prestígio adquirido pelo mesmo diante de seus torcedores e a até a sociedade em geral. Expõe Soares (2008, p. 86): [...] Contudo, os clubes nacionais, mal administrados como são, não têm qualquer plano ou projeto de marketing, não realizam qualquer campanha, nem se aproveitam do prestigio de seus astros ante a torcida. O “contrato de imagem”, assinado em paralelo ao contrato de trabalho, como não faz qualquer utilização da imagem do jogador, torna-se unicamente uma fraude ao contrato de trabalho, uma forma de burlar tributos e fugir de obrigações trabalhistas. E, continua o referido autor: 50 Essa fraude é facilmente comprovada pelas próprias características dos instrumentos assinados. Os “contratos de imagem” produzidos pela grande maioria dos clubes nacionais pagam grandes somas aos atletas pelo uso de sua imagem pessoal. São contratos onerosos, que remuneram com muitos milhares de reais essa utilização, valores que muitas vezes são 200% ou 300% maiores que o salário do atleta. Esses impressionantes valores remuneram a suposta utilização da imagem, mas não estabelecem qualquer contrapartida a esse pagamento (SOARES, 2008, p. 86). Com essa questão até aqui abordada sobre a contratação ilegal, ou seja, a questão da divisão da remuneração do atleta em dois contratos, trabalhista e de imagem, fica bem clara a intenção da maioria dos clubes em burlar a lei trabalhista, numa tentativa de isentar-se de reflexos trabalhistas. Nesse sentido Soares (2008, p. 94) não deixa de relatar o posicionamento jurisprudencial com essa questão: As decisões que vem emanando da Justiça Especializada do Trabalho, em geral, tem agregado ao salário dos atletas as verbas oriundas do “contrato de imagem”, sempre que não haja a verdadeira utilização da imagem licenciada, o que tem acontecido como regra. O reconhecimento da fraude implica logicamente o reconhecimento do caráter salarial dessas verbas e a condenação dos clubes ao pagamento dos reflexos trabalhistas destas – férias, 13º salário, FGTS, 40% sobre o total do fundo na rescisão (SOARES, 2008, p.94). Conclui-se que o entendimento jurisprudencial majoritário, tem se apoiado na questão da natureza jurídica, ou seja, se o contrato de cessão do uso de imagem não for cumprido como deve ser, deixará de ter natureza civil, enquadrando na de natureza trabalhista. 51 5 DIREITO DE ARENA A origem da denominação “arena” vem do latim, em nossa língua significa areia, e seu uso no meio esportivo decorre no fato que antigamente gladiadores se enfrentavam em locais cujo piso era de areia. Nos dias atuais essa palavra é utilizada em qualquer espaço que se realiza espetáculos ao público, principalmente os de natureza desportiva. Conceitualmente, o Direito de Arena é um direito auferido às entidades de prática desportiva, de negociar a transmissão ou retransmissão da imagem coletiva do espetáculo esportivo, de qualquer evento de que participem com a exceção dos flagrantes para fins jornalísticos, cabendo ao atleta, apenas, o direito a um percentual do que for negociado. Conforme preceitua Jean Marcel Mariano de Oliveira: Direito de Arena consiste na participação devida pela entidade de prática desportiva empregadora a seus atletas empregados dos valores provenientes do preço cobrado por essas entidades dos órgãos de imprensa para transmissão e retransmissão dos eventos nos quais tais entidades estejam envolvidas (Oliveira, 2009, p.68). No que se refere ao futebol e conforme supracitado é o direito que os atletas profissionais de futebol têm de receber uma porcentagem dos valores arrecadados com as transmissões ou retransmissões das partidas de futebol e também com a arrecadação das bilheterias, esteja eles participando efetivamente da partida ou apenas figurando no banco de suplentes, ou seja, não precisam participar da partida, basta estar relacionado e figurar no banco de reserva. Legalmente, o atleta profissional de futebol tem direito a perceber uma percentagem dos valores que os clubes recebem a título de Direito de Arena, mesmo ele não sendo titular desse direito, já que quem o negocia é a entidade de prática desportiva, ou seja, os clubes e a televisão, porém, por ser terceiro interessado, o atleta pode participar como interveniente anuente. Deste modo, o Direito de Arena passa a existir a partir da assinatura de um contrato de transmissão de um evento esportivo, e não de um contrato de trabalho do atleta com a entidade de prática desportiva (clube). 52 O Direito de Arena faz parte do conjunto do espetáculo esportivo, porém, não se afasta, em nenhuma hipótese, o direito de imagem do atleta que for destacado do todo. Atualmente está previsto no artigo 42 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé), que diz: Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertencente o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem. §1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. §2º O disposto neste artigo não se aplica a flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins exclusivamente, jornalísticos ou educativos, cuja duração, no conjunto, não exceda de três por cento do total do tempo previsto para o espetáculo. § 3º O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Atinente ao futebol, o objeto do Direito de Arena é a imagem do atleta profissional, porém, por força legal conforme referido artigo juntamente com seus parágrafos, não cabe ao atleta profissional a autorização, a negociação e sim as entidades de práticas desportivas, a negociarem a transmissão ou retransmissão da imagem das partidas de futebol, repassando no mínimo 20% da arrecadação em partes iguais aos atletas que participaram do espetáculo, até para aqueles que ficaram suplentes e não entraram em campo. O valor mínimo para o repasse aos atletas envolvidos ao espetáculo é de 20%, salvo convenção em contrário. O Direito de Arena não é aplicado aos flagrantes de espetáculo que tem exclusividade jornalística ou educativa. Para entender o parágrafo acima mencionado, dá-se a seguinte situação exemplificativa. A Rede Globo de Televisão compra os direitos para a transmissão do campeonato brasileiro de futebol, observa-se que além dela, a TV Bandeirantes também transmite os jogos, ou seja, retransmite os jogos por ter comprado os direitos para retransmitir esses jogos. Outras emissoras de televisão não transmitem esses jogos, pois não pagam para tal, porém, mantêm programas esportivos diários, onde além de notícias diárias, com entrevistas, passam lances 53 recuperados das partidas realizadas. Nesse caso, necessita de autorização da emissora detentora dos direitos de transmissão ou retransmissão para passar qualquer imagem das partidas. Todavia, caso alguma emissora não detentora dos direitos de transmissão ou retransmissão não obtiver autorização ou pagar para isso, tem o direito de gravar dentro das dependências do estádio de futebol e durante a partida cenas que posteriormente serão exibidas em seus programas desde que não exceda de três por cento do total do tempo previsto para o espetáculo. 5.1 A evolução legislativa Contrário do que muitos pensam o direito de arena não foi instituído pela Lei 9.615/98, a chamada lei Pelé, onde em seu artigo 42 da Lei Pelé estabelece que pertence às entidades esportivas “o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem”. Em seu parágrafo primeiro determina a distribuição de no mínimo 20% do preço total da autorização, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo ou evento, lei esta que regula o desporto no Brasil. Conforme descreve Jorge Miguel Acosta Soares: Tanto o termo quanto o direito em si foram introduzidos em nosso ordenamento por meio do art. 100 da revogada Lei n. 5.988/73. Assim, era definido como um direito exclusivo das entidades desportivas, que podiam autorizar, ou não, a transmissão por meios eletrônicos dos espetáculos esportivos em que fossem cobradas entradas (SOARES, 2008, p. 102). No mesmo sentido, Alice Monteiro Barros (apud Oliveira, relata que: Antes desta previsão constitucional, o direito de arena era previsto no art. 100 da Lei n. 5.988/73, que dispunha: “à entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar ou proibir a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos, de espetáculo desportivo público, com entrada paga” (OLIVEIRA, 2009, p. 69). Fácil percebeu que esse “novo direito” teve como responsável um fator importante que começou no final da década de 60 do século passado, ou seja, o 54 responsável pelo surgimento desse “novo direito” foi o rápido desenvolvimento das comunicações via satélite. Comunicações como rádio e televisão se tornaram instantâneas, passaram a transmitir os eventos esportivos em tempo real para todo o mundo. Foi na Copa do Mundo de 1970, realizada no México o primeiro grande evento esportivo transmitido ao vivo para todos os países sendo um grande sucesso transparecendo a idéia de se transformar em um negócio milionário, pois o que antes era presenciado por dezenas de milhares de espectadores, passaria a ser visto por milhões de espectadores. Após 3 anos, mais precisamente no ano de 1973 surgiu a Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, que regula os direitos autorais e dá outras providências, onde diz: CAPÍTULO IV Do direito de arena Art. 100. A entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga. Parágrafo único. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo. Art. 101. O disposto no artigo anterior não se aplica à fixação de partes do espetáculo, cuja duração, no conjunto, não exceda a três minutos para fins exclusivamente informativos, na imprensa, cinema ou televisão. Soares (2008, p. 104) relata que: Para os atletas restou a parcela de 20% fixada no parágrafo único do art. 100 da Lei n. 5.988/73, que deveriam ser distribuídos em partes iguais aos atletas participantes do espetáculo. Essa cota nunca foi paga aos atletas, por vários motivos. Um desses motivos se deve à forma como sempre ocorreram, e ainda ocorrem, as negociações para a cessão dos direitos de transmissões das partidas dos clubes para as emissoras de televisão. Esses contratos nunca vêm a público e os valores, sempre muito elevados, permanecem desconhecidos. Também é preciso lembrar que até 1998 a Justiça Desportiva, organizada pelas federações estaduais e pela CBD, na qual os clubes tinham hegemonia e poder, era uma etapa obrigatória antes de qualquer contenda judicial. Nessa justiça paralela e anterior ao Poder Judiciário, os atletas quase nunca conseguiam receber sua cota do Direito de Arena. Agravando o quadro, os sindicatos de atletas profissionais eram poucos, pequenos e, salvo duas ou três exceções, pouco representativos. Ainda hoje os atletas têm dificuldades para receber a cota-parte do direito de arena visto haver falta de transparência que impede afirmar que o 55 montante passado aos sindicatos seja realmente o montante da transação econômica. Esses valores sempre aparecem na imprensa como especulação. Jorge Miguel Acosta Soares resume bem sobre a evolução do Direito de Arena quando diz: A lei n. 8.672, de 6 de julho de 1993, “Lei Zico”, revogou os arts. 100 e 101 da Lei n. 5.988/73, dando nova regulamentação ao Direito de Arena em seu art. 24. Cinco anos depois, a Lei n. 9.615/98, “Lei Pelé”, por sua vez, revogou a “Lei Zico”, trazendo apenas pequenas modificações. De forma geral o núcleo do direito se manteve intacto. Nesse processo o direito foi mantido como pertencente aos clubes, da mesma forma que foi preservado o percentual de 20% destinado aos atletas. A alteração mais significativa foi à substituição do texto antigo “À entidade a que esteja vinculado o atleta pertence o direito”, pelo novo “Às entidades de prática desportiva pertence o direito” [...] (SOARES, 2008. p. 105). Quando Soares afirma que o direito se manteve intacto, ele refere-se aos artigos que se mantiveram intocados mesmo com as revogações das leis, citando os artigos 100 e seu parágrafo único e o artigo 101 da Lei de Direitos Autorais (5.988/73); o artigo 24 e parágrafos 1º e 2 da Lei Zico (8.672/93) e o artigo 42 e seus parágrafos da Lei Pelé (9.615/98). A exploração da imagem dos atletas profissionais de futebol se tornou uma realidade, tornando pessoas públicas de enorme ênfase na mídia. Os clubes de futebol têm enorme interesse em agregar a imagem do clube ou de um evento do clube à imagem do atleta profissional de futebol vencedor. Conseqüentemente aumentou o interesse de patrocinadores e marcas mundialmente conhecidas em utilizarem-se da imagem do atleta profissional de futebol, visando à obtenção de grandes lucros. Por esse fato a cada dia que passa se torna mais comuns atletas profissionais de futebol vender a sua imagem para patrocinadores e marcas mundialmente famosas que visam lucros exorbitantes nessa relação. Com esse jogo de interesses, o contrato de trabalho entre um clube de futebol e o atleta profissional de futebol passou a utilizar além do instituto Direito de Imagem, o chamado Direito de Arena que ao contrário do que muitos pensam, são totalmente diferentes. No meio futebolístico, a exploração da imagem dos atletas é fato, principalmente tendo em vista que é o esporte mais popular do nosso país e um dos 56 mais populares do mundo. O que, com certeza, movimenta valores incalculáveis. Por isso, é mais do que natural a exploração mercantil da imagem dos atletas profissionais, sobretudo dos jogadores de futebol. Com todo esse potencial para gerar lucros, chamar multidões aos eventos passou-se a transmitir, cobrar ingressos para assistir as partidas, tudo isso voltado à obtenção de lucros em cima dos participantes do espetáculo. Daí a necessidade de regulamentar essa relação jurídica. 5.2 Natureza jurídica Domingos Sávio Zainaghi (apud Oliveira, 2009, p. 69): Como assinala Zainaghi, o próprio objeto do direito de arena, qual seja, a imagem do atleta profissional de futebol, já demonstra a natureza singular deste direito, pois, se é direito de imagem, caberia então ao próprio atleta autorizar ou não sua exibição pública. Contudo, por força legal, tal titularidade foi atribuída às entidades de prática desportiva às quais os atletas estão vinculados contratualmente (OLIVEIRA, 2009, p. 69). Conclui-se que não haveria possibilidade de sucesso nas transmissões das partidas negociando diretamente com cada atleta, visto ser impossível conseguir a anuência de todos, sendo acertada pela legislação a atribuição as entidades de prática desportiva o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem esses atletas conforme elencado no artigo 42 da Lei nº 9.615/98 em seu caput. De acordo com Jorge Miguel Acosta Soares: “De forma alguma se pode atribuir essa titularidade aos atletas, uma vez que sua formulação legal, desde sua criação em 1973, sempre concedeu às entidades desportivas [...]”. Soares (2008, p. 106) cita explicação semelhante dada pelo professor Carlos Alberto Bittar: Daí o caráter hibrido de que se reveste esse direito, ao reunir, em seu âmbito, direitos da entidade e dos atletas, e destes, a título de participação (que na prática consiste em cobrança feita pelos clubes) (...) esse direito não se confunde com o de imagem, pois a titularidade cabe à entidade (clube ou associação de desportos), embora, na verdade surjam, para o 57 telespectador, os atletas como os centros de atração do espetáculo. (SOARES, 2008, p. 106). No mesmo sentido, Soares (2008, p. 107) diz que: Há outra explicação do por que da titularidade do Direito de Arena pertencer ao clube, e não ao jogador, que diz respeito exatamente às características do contrato de trabalho do atleta profissional. Como já visto, é característica intrínseca da atividade do atleta exibir-se em público. Seu contrato de trabalho somente se aperfeiçoa no momento da disputa da partida., no momento de sua apresentação. Para o jogador, a contratação representa o instrumento de cessão de sua imagem profissional para o clube empregador, para todas as atividades ligadas ao exercício da profissão. Esse consentimento é obrigatório, uma vez que a natureza do cumprimento do contrato de trabalho de atleta exige a exibição da imagem do profissional. Assim, sua imagem como profissional, envergando a camisa de seu clube, não lhe pertence. Por essa razão, a imagem do conjunto dos atletas em campo também não lhes pertence, mas sim ao empregador. Essa imagem da atividade coletiva é, na verdade, o Direito de Arena (SOARES, 2008, p. 107). Pelo exposto sobre a quem pertence à titularidade do direito de arena, conclui-se ser pertencente às entidades de prática desportiva, ou seja, ao “empregador”, direito esse que deve ser repassado aos atletas profissionais deixando de fora os amadores. Nessa linha de raciocínio devem os atletas ter um contrato de trabalho com o clube de futebol para receberem a cota-parte do Direito de Arena. Logo, essa verba tem natureza salarial, sobre qual tem que cair todos os reflexos trabalhistas. No que se refere à natureza jurídica, conforme entendimento doutrinário e vertente jurisprudencial considera de natureza remuneratória, visto que os valores recebidos do Direito de Arena assemelha-se a natureza conferida às gorjetas. No entendimento de Zainaghi (apud Oliveira, 2009, p. 70) : Do mesmo modo, a definição como sendo o direito de arena de natureza remuneratória implica a conclusão de que tais valores deveriam incidir sobre todas as obrigações trabalhistas devidas ao atleta profissional de futebol, tais como FGTS, férias, 13º salário e recolhimentos previdenciários (OLIVEIRA, 2009, p. 70). 58 No que tange a natureza jurídica, a Jurisprudência tem agido de forma pacífica, sendo comum posicionamento favorável a natureza remuneratória e outras favoráveis a natureza indenizatória. Oliveira (2009, p.70) cita logo abaixo uma jurisprudência que defende a natureza jurídica do Direito de Arena como sendo remuneratória: “ATLETA PROFISSIONAL – NATUREZA DOS ‘BICHOS’ E ‘DIREITO DE ARENA’ – Os ‘bichos’, vocabulário largamente utilizado no meio do esporte objetivando pelas partes, referem-se aos prêmios tradicionalmente pagos ao atleta profissional de futebol pelas vitorias e empates conquistados nos jogos disputados. A origem da verba, em si mesma, já revela seu nítido caráter salarial, não configurando mera liberalidade da associação desportiva empregadora, sendo antes gratificação ajustada, integrante do contrato e do salário pactuado, que tem por objetivo premiar o desempenho do atleta. Já o ‘direito de arena’, compreendido dentro do direito de imagem assegurado no artigo 5º, inciso XXVIII, alínea ‘a’, da Constituição Federal, decorre da autorização de transmissão das competições organizadas pela entidade de prática desportiva, que divide o valor adquirido com a comercialização dessa transmissão entre os atletas participantes das mesmas competições. Não visa a indenizar o atleta pela sua atuação nos certames esportivos: apenas remunera, pela simples participação. Ambas as verbas possuem natureza contra prestativa, com evidente feição salarial, e integram a remuneração do atleta para todos os efeitos legais” – (TRT – 3ª Região, RO 7336/02, Relator Juiz José Roberto Freire Pimenta, DJ 28.08.02). No mesmo sentido: DIREITO DE ARENA - NATUREZA JURÍDICA. I - O direito de arena não se confunde com o direito à imagem. II - Com efeito, o direito à imagem é assegurado constitucionalmente (art. 5º, incisos V, X e XXVIII), é personalíssimo, imprescritível, oponível erga omnes e indisponível. O Direito de Arena está previsto no artigo 42 da Lei 9.615/98, o qual estabelece a titularidade da entidade de prática desportiva. III - Por determinação legal, vinte por cento do preço total da autorização deve ser distribuído aos atletas profissionais que participarem do evento esportivo. IV - Assim sendo, não se trata de contrato individual para autorização da utilização da imagem do atleta, este sim de natureza civil, mas de decorrência do contrato de trabalho firmado com o clube. Ou seja, o clube por determinação legal paga aos seus atletas participantes um percentual do preço estipulado para a transmissão do evento esportivo. Daí vir a doutrina e a jurisprudência majoritária nacional comparando o direito de arena à gorjeta, reconhecendo-lhe a natureza remuneratória. V - Recurso conhecido e provido. BRASIL. TST RR - 1210/2004-025-03-00.7 Data de Julgamento: 28/02/2007, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 16/03/2007. Disponível em <http:// aplicacao.tst.jus.br/consultaunificada2/jurisSearch.do>. 01.11.2009 às 11:10 hrs). Acesso em 59 Relata Oliveira (2009, p.70) que em sentido contrário teve o TST – 3ª Região 6ª Turma de: “Atleta Profissional. Não tem natureza salarial à retribuição econômica, a cargo das emissoras de televisão, resultante da cessão a elas, pelo Atleta Profissional, através do empregador, do uso de sua imagem” – (TRT – 3ª Região, RO 8879/01, Relator Juiz Maurílio Brasil, DJ 31.08.01). A posição mais acertada parece ser a que entende que a natureza jurídica do direito de arena é remuneratória, pois possui peculiaridades trabalhistas, sendo necessário ser atleta profissional para perceber sua cota parte dos direitos de arena, descartando amadores. As transmissões das partidas, que possibilitam torcedores assistirem em suas casas e não no estádio de futebol, diminuem consideravelmente as rendas, gerando enorme prejuízo, que só poderá ser compensado com o pagamento do Direito de Arena. Para isso, os clubes firmam contratos com seus atletas, caracterizando uma relação empregatícia, passando essa verba do direito de arena integrar a remuneração do atleta profissional de futebol. 5.3 Distribuições das arrecadações do direito de arena De acordo com Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p.109), há enorme dificuldade na arrecadação e distribuição do Direito de Arena. Em nosso país, que é de dimensões colossais, são disputadas centenas de partidas que envolvem milhares de atletas. Nos primeiros anos da lei, havia irregularidades nas transmissões, assim como a cobrança era caótica. Os clubes e as emissoras não se entendiam, passando a impressão que o Direito de Arena não funcionava na prática. Mais tarde as federações estaduais juntamente com a Confederação Brasileira de Desportos, que mais tarde passou a chamar Confederação Brasileira de Futebol, assumiram e passaram a negociar com as emissoras de televisão, possibilitando uma cobrança mais eficiente. Contudo persistiu muitas divergências entre dirigentes de clubes com as federações quanto às cotas cabíveis a cada clube. Em 1987 foi criado o “Clube dos 13”, ou seja, treze clubes da primeira divisão criaram a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro que nos anos seguintes aceitaram como membros mais sete clubes. O “Clube dos 13” desde que 60 fundado tinha como objetivo defender seus membros, tendo seu “lobby” atuado junto ao Congresso Constituinte durante a elaboração da Carta Magna de 1988. Com relação ao supracitado, Jorge Miguel Acosta Soares relata que foi: A partir de 1997, a entidade passou a representar os clubes nas negociações para a comercialização dos direitos de transmissão das partidas do Campeonato Brasileiro de Futebol pela televisão. A substituição da CBF como negociador representou um grande ganho para os clubes. Em 1996 o conjunto dos clubes recebeu R$ 10 milhões pela cessão de imagem de todos os seus jogos. Já em 2005, segundo a entidade, esta receita ultrapassava os R$ 300 milhões anuais, tornando-se a fonte essencial de renda dos principais clubes do país. Além da venda dos direitos de transmissão pelas emissoras de televisão com freqüência aberta, passaram a ser negociadas remunerações especificas para outras formas de exibição, como os canais fechados por assinatura, ou canais pagos (pay per view). O sucesso da forma de cobrança do Direito de Arena fez com que, em 2004, os clubes que disputavam a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro também começassem a organizar uma entidade, nos mesmos moldes do “Clube dos 13”, que negociasse as transmissões com as emissoras de televisão, representando-os (SOARES, 2008, p. 110). Pelo exposto por Soares (2008, p. 110) fica bem claro que a partir do momento que a CBF passou a negociar os valores devidos aos clubes pelas transmissões dos jogos, a receita só aumentou com o passar dos anos. E não parou somente nas televisões de freqüência aberta, pois com o aumento do interesse publicitário, de telespectadores, e com o fato de não ter como as emissoras de televisão transmitir todas as partidas, e sim, somente algumas por rodadas do campeonato em questão, abriu-se o “leque” de opções. Nesse sentido supracitado, passou-se a negociar a transmissão dos jogos com canais fechados por assinatura, onde começou a transmitir jogos, principalmente aqueles que foram agendados em dia e horário fora dos habituais da freqüência aberta. Outra maneira de arrecadação de transmissão dos jogos foi canal pago, conhecido como pay per view, onde quem quer assistir a partida deve pagar por ela. Com esse aumento de receitas sobre a transmissão das partidas, em 2004 os clubes da 2ª divisão passaram a seguir os moldes da 1ª divisão, logicamente com valores inferiores, porém, aumentando suas receitas, graças a essa cobrança do Direito de Arena. 61 Essas receitas de Direito de Arena eram fechados entre os clubes e emissoras de televisão deixando os atletas de fora. Nesse sentido expõe Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 110) que: Quanto aos clubes, no Campeonato Brasileiro, a centralização da negociação funcionou satisfatoriamente, unificando interesses e melhorando muito os valores recebidos a título de Direito de Arena. O mesmo não aconteceu com os atletas. As negociações entre os clubes e as emissoras de televisão sempre foram fechadas a qualquer participação dos jogadores. Os acordos, caixas-pretas inacessíveis, não se tornam públicos, impedindo que os atletas recebam a cota legal de 20% das verbas do Direito de Arena à qual têm direito. De acordo com Soares (2008, p. 110) foi somente em 1997 que isso passou a mudar, quando os sindicatos de jogadores do eixo São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, ajuizaram em ação única pedido para o cumprimento da cota legal devida aos atletas, além dos valores passados e da participação de futuras negociações. Em 2000, foi assinado acordo entre os sindicatos e o Clube dos 13, onde a partir daí os sindicatos passaram a receber 5% sobre o valor total dos contratos a partir daquele ano. Em princípio o acordo passou a valer somente para os 4 sindicatos, mais tarde, por meio da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, esse acordo foi estendido para outras regiões do país. Esse acordo representou um grande avanço, visto que os jogadores nada recebiam anteriormente, porém foi um acordo tímido, visto que o valor a ser recebido era ¼ do previsto em lei, e os jogadores permaneceram de fora das negociações. A falta de transparência impede afirmar que o montante passado aos sindicatos seja realmente o montante da transação econômica. Esses valores sempre aparecem na imprensa como especulação. Segundo relata Jorge Miguel Acosta Soares: O acordo não impede que os atletas individualmente busquem na Justiça os 15% das diferenças, o que nos últimos anos vem sendo feito por vários deles. Mas o problema permanece: quanto cobrar? Como descobrir o que o clube recebe a título de Direito de Arena, se nem mesmo o sindicatos tem esses valores? (SOARES, 2008, p. 111). 62 Conclui-se pelo supracitado um enorme problema, mesmo o atleta reivindicando essa diferença, existe um “enigma” de qual valor lhe é devido, se nem mesmo o responsável pela defesa de seus interesses não tem acesso aos acordos financeiros realizados sobre o Direito de Arena. 5.4 A similaridade com o direito de imagem Esses dois institutos, o Direito de Arena e o Direito à Imagem vêm trazendo enormes discussões jurisprudenciais, pois se trata de matéria que ainda não foi totalmente compreendida pelos Magistrados. De acordo com Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 97) “ainda se observam com certa freqüência decisões que prescrevem que o Direito de Arena é apenas outro nome do Direito de Imagem, ou então que aquele é uma espécie deste, havendo similaridade entre os dois institutos.” Nos precedentes do TRT 3ª Região encontra-se: EMENTA: DIREITO DE ARENA E DIREITO DE IMAGEM "SIMILARIDADE" O artigo 42 da Lei 9615/98 não faz qualquer alusão a direito de arena, mas sim ao direito da entidade de prática desportiva de "negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem", sendo a referida lei uma extensão do direito de imagem previsto no art. 5o, XXVIII, letra "a" da Constituição da República Federativa do Brasil, que cuida também da reprodução da imagem e voz humana nas atividades desportivas, não mencionando acerca do direito de arena. Logo, se o texto legal não faz qualquer menção a direito de arena, deduz-se disto que o direito de arena e direito de imagem não são figuras distintas, havendo similaridade entre ambas. A doutrina apenas adotou outra terminologia não prevista na lei. BRASIL. TRT 3ª Região. Recurso Ordinário n. 00960-2004-016-03-00-0. Partes: Clube Atlético Mineiro e Cícero João de Cezare. Relator: Rodrigo Ribeiro Bueno. Minas Gerais, 13.09.2005 as1.trt3.jus.br (Disponível em:< http://as1.trt3.jus.br/jurisprudencia/acordaoNumero.do?evento=Detalhe&idA cordao=441648&codProcesso=437114&datPublicacao=13/09/2005&index= 0>. Acesso em 08.10.2009, 15:19 hrs). Nesse julgado ficou claro que parte da jurisprudência, ainda que menor, entende que o texto legal (Lei nº 9.615/98) em seu artigo 42 e parágrafos conseguintes, não faz qualquer alusão ao direito de arena, chegando à conclusão de que o direito de arena e direito de imagem possuem similaridade. Relata que foi a doutrina que adotou essas termologias que não estão definidas em lei, concluindo 63 ser uma coisa só esses dois institutos, previsto em lei específica do atleta profissional de futebol. Conforme o supracitado acórdão ficou entendido que o Direito de Arena e o Direito à Imagem são similares tratando-se de verba eminentemente trabalhista. De acordo com Jorge Miguel Acosta Soares (2008, p. 98) “os dois direitos também não se confundem, uma vez que seus titulares são distintos. No caso do Direito de Imagem seu detentor é a pessoa física, no presente trabalho, o jogador de futebol. Já o Direito de Arena, por determinação legal, tem como detentor a entidade de prática desportiva, o clube de futebol, a pessoa jurídica.” Das palavras de Soares, pode-se dizer que o objetivo do Direito de Imagem é a proteção a integridade moral do individuo e o Direito de Arena a integridade intelectual da pessoa. A jurisprudência majoritária entende o contrário, que não podemos confundir Direito de Imagem com o Direito de Arena, pois são dos institutos totalmente diferentes. O Direito de Arena difere-se bastante embora muitos ainda não tenham assimilado essas diferenças e muitos clubes alegam nos processos atinentes a imagem de seus atletas ter se utilizado do instituto Direito de Arena para tal circunstancia tomada pelo clube. Há ainda nos dias atuais, enorme confusão com relação a respeito da amplitude dos direitos atinentes a imagem, se é direito de imagem ou direito de arena. O caso mais conhecido envolvendo o tema é o do álbum de figurinhas "Heróis do Tri", que colacionava imagens dos atletas que jogaram aquela Copa e que se consagraram campeões. Nessa lide retrata muito bem a confusão a respeito desses dois institutos. Alguns dos atletas participantes da delegação de 1970, pessoalmente ou através de herdeiros, se consideraram lesados, pois não autorizaram a veiculação da imagem, e assim sendo ajuizaram ação indenizatória contra a Editora Abril S.A., a responsável pela publicação. Com essa controvérsia ensejou o seguinte acórdão: Indenização - Direito à Imagem. Jogador de Futebol. Álbum de Figurinhas. Ato Ilícito. Direito de Arena - É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida à questão federal suscitada (súmula nº 282STF) - A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano - O direito de 64 arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de “álbum de figurinhas.” Precedentes da quarta turma. Recursos especiais não conhecidos (TJ/RJ RESP 67292; 1995/0027400-0), (http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=1995002 74000&pv=000000000000, acesso em 31.10.2009, às 10:05) Na ementa podemos perceber com clareza que não tem nada a ver um instituto com outro. Como disse, esse é o caso mais famoso de má-interpretação sobre a abrangência dos direitos de arena ocorreu no caso do álbum de figurinhas "Heróis do Tri", que retratava os vitoriosos jogadores da Copa do Mundo de 1970. Os atletas lesados ajuizaram pedido de reparação de danos em virtude de não terem autorizado a veiculação de sua imagem nos ditos cromos. Tal autorização dependeria de negociação individualizada, o que não ocorreu. No caso supracitado ocorreu que, a Confederação Brasileira de Futebol assinou contrato com a Editora Abril SA, para a edição de um álbum de figurinhas com foto retrato dos jogadores que participaram da referida Copa. Ocorre que foi feito um contrato entre as partes, ou seja, entre a CBF e a Editora Abril SA sem o consentimentos da maioria dos jogadores que ganharam a Copa do Mundo de 1970. Os jogadores entraram com ação pleiteando direito de imagem, sendo que obtiveram parecer positivo em todas as instâncias. Para a CBF, em suas alegações, se tratava de Direito de Arena e não de Imagem, o que não foi aceito pelos julgadores. Isso é uma pratica comuns em que há violação nos direitos a imagens dos atletas profissionais de futebol e até daqueles ex-jogadores, sempre com a alegação de que se trata do instituto Direito de Arena. Aqui fica evidenciado pelo que foi exposto nesse capitulo que o direito de arena não possui qualquer similaridade com o direito a imagem, que os dois institutos são diferentes, apesar de até os dias atuais não se esgotaram essas “divergências” sobre a matéria abordada. 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho ora apresentado teve como desígnio expor dois institutos de suma importância na profissão daquele que pratica o esporte de maior paixão em nosso país. Desde o início no Brasil, o seu desenvolvimento que precedeu a sua profissionalização chegando aos dias atuais apontando todas as peculiaridades desta profissão destacando o Direito de Imagem e o Direito de Arena, que são dois institutos que tem causado divergências jurisprudenciais, apesar de parecer o entendimento majoritário de que não há similaridade entre ambos, ser o mais correto. Expõem-se as seguintes considerações finais. A imagem é um bem jurídico protegido pela Constituição Federal de 1988, onde todos têm direito de proteção a sua imagem, seja pessoa famosa ou não, havendo diferenciação apenas na hora da reparação do dano causado a sua imagem, haja vista uma pessoa famosa ter maior importância social. Com o avanço tecnológico dos meios de comunicação, aumentou também o uso da imagem pela publicidade, com objetivo de exploração econômica visando lucro. Conseqüentemente aumentou o uso indiscriminado de pessoas célebres, aquelas que são alvos dos olhares da sociedade. Nos últimos anos o atleta profissional de futebol ganhou status de artista, tendo em sua imagem, tanto profissional ou pessoal, uma enorme capacidade para gerar lucros com a publicidade. Ficou claro que não há vinculação da imagem profissional com a pessoal sendo a primeira relacionada com a marca do clube e a segunda podendo ser utilizada para outros fins como divulgar um produto ou serviço de outra marca. Há limitações impostas que restringem o exercício do direito à própria imagem. Restrições essas que são baseadas no interesse social, ou seja, o direito coletivo sobrepõe o individual. O contrato de cessão de uso de imagem do atleta profissional de futebol tem natureza civil, salvo se redigido e não utilizado para esses fins, tendo a jurisprudência majoritária entendido ser de natureza trabalhista, parecendo ser o mais correto. 66 Conclui-se que tem entendido a jurisprudência no tocante a natureza jurídica, se o contrato de cessão do uso de imagem não for cumprido como deve ser, configurará ser de natureza trabalhista e não de natureza civil. Com relação ao Direito de Arena, conforme a legislação competente, todos os atletas profissionais de futebol tem direito a cota-parte dos valores envolvidos pelas transmissões ou retransmissões das partidas em que participem mesmo estando como suplentes nos bancos de reservas, valores estes de no mínimo 20% da arrecadação que deverão ser divididos entre os participantes. A lei competente foi clara e parece ser o mais acertado em definir até mesmo aqueles que fiquem somente como suplentes nos bancos de reservas, pois fazem parte de um conjunto, ou seja, para cada time faz-se necessário um número mínimo de suplentes para poder inicializar a partida, portanto fazem parte do espetáculo mesmo não participando efetivamente da partida. No tocante a natureza jurídica do Direito de Arena, a jurisprudência é pacífica em seu entendimento. A posição que parece ser a mais correta é a que entende que a natureza jurídica do Direito de Arena é remuneratória, sendo considerada como a natureza jurídica conferida às gorjetas. Faz sentido, pois se o atleta não participar de uma partida, nem mesmo como suplente nos bancos de reservas, não faz jus ao percebimento da cota-parte de no mínimo 20% do valor arrecadado sobre o Direito de Arena. A legislação foi ditosa ao definir a titularidade as entidades de prática esportiva o direito de negociar as transmissões ou retransmissões das partidas. Imaginemos em um país como o Brasil, de dimensões enormes, com campeonatos em todos os estados durante o ano todo, seria impossível conseguir a anuência desses atletas profissionais de futebol. Portanto, essa decisão de atribuir a titularidade para negociar as transmissões ou retransmissões às entidades de práticas esportivas foi a mais acertada. Mesmo com o passar dos anos, com toda a evolução nos meios de transmissão, com a organização nas negociações do Direito de Arena, e o enorme aumento de receitas com os novos meios de transmitir espetáculos, os atletas estão encontrando dificuldades para o percebimento integral desta cota-parte. 67 Um problema que parece estar longe de ser resolvido pela legislação refere-se à transparência dos acordos financeiros realizados sobre o Direito de Arena. O atleta profissional de futebol, que é o principal envolvido nesse direito, pois é ele o responsável pelo espetáculo, fica de fora das negociações, até aí decisão acertada pelo fato da impossibilidade de conseguir anuência de todos. Ocorre que a dificuldade esta no momento de uma possível reivindicação judicial, pois nem os sindicatos que são responsáveis pela defesa do atleta têm acesso aos acordos feitos para as transmissões ou retransmissões. Com relação à similaridade entre o Direito de Imagem e o Direito de Arena, a jurisprudência majoritária entende que não se confunde esses dois institutos. Apesar de muitos confundirem ambos os institutos, o entendimento jurisprudencial majoritário parece ser o mais adequado. O Direito de Imagem diz respeito à integridade moral, sendo seu titular a pessoa física, já o Direito de Arena a integridade intelectual, sendo seu titular as entidades de prática esportiva, ou seja, uma pessoa jurídica. Conclui-se que o Direito de Imagem e o Direito de Arena são dois institutos imprescindíveis para a carreira do atleta profissional de futebol, e mesmo havendo divergências jurisprudenciais sobre eles, o entendimento majoritário mostra-se ser o mais correto ao entender que não há similaridades entre ambos. 68 REFERÊNCIAS AFFORNALLI, Maria Cecília Naréssi Munhoz. Direito à Própria Imagem. 5 ed. Curitiba: Juruá Editora, 2008. ARAÚJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. BRASIL. Código Civil. Vade Mecum. 7 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum. 7 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. BRASIL. Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973. Institui normas gerais sobre desportos e dá outras providencias. BRASIL. Lei nº 6.354, de 2 de setembro de 1976. Dispõe sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol e dá outras providências. BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Recurso Especial 67292. Partes: Editora Abril S.A. e Waldir Pereira. Relator : Ministro Barros Monteiro. Rio de Janeiro, 12.04.1999. STJ.jus.br. Disponível em <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199500274000& pv=000000000000>. Acesso em 31.10.2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 37. Indenizações - Danos Material e Moral - Mesmo Fato – Cumulação. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0037 .htm>. Acesso em 20.10.2009. 69 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais. Recurso Ordinário 009602004-016-03-00-0. Partes: Clube Atlético Mineiro e Cícero João de Cezare. Relator: Rodrigo Ribeiro Bueno. Minas Gerais. 13.09.2005. TRT3.jus.br. Disponível em <http://as1.trt3.jus.br/jurisprudencia/acordaoNumero.do?evento=Detalhe&idAcordao =441648&codProcesso=437114&datPublicacao=13/09/2005&index=0>. Acesso em 08.10.2009. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista - 1210/2004-025-0300.7. Partes: Lúcio Flávio Dos Santos e Clube Atlético Mineiro. 3ª Região, 28.02.2007. TST.jus.br. Disponível em <http:// aplicacao.tst.jus.br/consultaunificada2/jurisSearch.do>. Acesso em 01.11.2009. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 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