UMA VISÃO CRÍTICA SOBRE A COPA Aldemario Araujo Castro Mestre em Direito Procurador da Fazenda Nacional Professor da Universidade Católica de Brasília Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF) Site: http://www.aldemario.adv.br E-mail: [email protected] Facebook: http://www.facebook.com/aldemario.araujo Brasília, 4 de junho de 2014 Sempre gostei muito de futebol. Lembro das constantes idas ao Estádio Rei Pelé (o popular “Trapichão”) em Maceió, no final dos anos 1970 e no início dos anos 1980, na companhia de meu pai (Audemaro) e de meu irmão (Aldemar), para prestigiar de perto os verdadeiros clássicos das multidões (entre o CSA e o CRB). Invariavelmente, conduzia a bandeira azulina do maior das Alagoas, o CSA (com o devido e merecido respeito a grande torcida do eterno rival CRB – o que seria de um sem o outro?). O “país do futebol” é geograficamente gigante, abriga uma potência econômica (a sétima economia do mundo), possui um povo trabalhador (observe a rotina diária de milhões de brasileiros no campo e na cidade), revela uma rica diversidade cultural e religiosa, conta com incontáveis riquezas naturais, etc, etc, etc. Infelizmente, tudo isso contrasta com profundas injustiças, opressões e desigualdades sociais. Nossas elites socioeconômicas construíram uma das versões mais perversas e selvagens das sociedades humanas nos limites (em vários sentidos) de um país. Esses profundos contrastes não retiram o meu orgulho de ser brasileiro (e de afirmar essa condição). O que temos de melhor (entre os trabalhadores, juventude, intelectuais e classes médias consequentes) supera em muito o que temos de pior (entre os banqueiros, grandes corporações de mídia, agronegócio e grandes empresários). Ademais, são ótimas as condições para virar esse jogo no sentido da prevalência dos interesses populares e democráticos. Ocorre que a “COPA DO MUNDO DA FIFA BRASIL 2014” (nem sei se posso grafar essa expressar sem pagar algo à toda poderosa FIFA) está chegando. Começa no dia 12 de junho e termina no dia 13 de julho de 2014. O que fazer? Já sei exatamente como proceder. Vou torcer pela seleção brasileira (ou seja, torcer esportivamente pelo Brasil). Tratarei, como deve ser, todos os estrangeiros (turistas, profissionais da imprensa, etc) que encontrar com todo respeito, consideração e gentileza. Entretanto, não farei, ganhando ou perdendo a “amarelinha”, nenhuma festa ou comemoração (sem bandeiras, sem buzinas, etc). Explico. A “COPA DO MUNDO DA FIFA BRASIL 2014” simboliza e materializa a contradição fundamental existente na sociedade brasileira antes referida. Estamos diante de um evento privado em que a FIFA lucrará bilhões de dólares a partir da submissão dos governos brasileiros a uma série de exigências de várias naturezas (algumas completamente descabidas). Os interesses populares foram escancaradamente postos em segundo, terceiro, quarto e quinto planos ante a rapina realizada pela FIFA, “patrocinadores”, empreiteiras e toda sorte de aproveitadores de diversos portes econômicos. Para não ficar na generalidade, aponto alguns exemplos emblemáticos confirmadores da ponderação anterior (com tempo, pesquisa e espaço seriam dezenas e dezenas): a) o número de desalojados em função da COPA deve chegar a cerca de 250.000 (duzentos e cinquenta mil) pessoas. A quase totalidade desse contingente humano, entre os mais desvalidos da sociedade brasileira, foram e são tratados com toda sorte de truculência, brutalidade e desprezo (1); b) o governo brasileiro apresentou inicialmente uma proposta de 17 (dezessete) sedes para realização do evento esportivo. Esse número caiu para 12 (doze). A exigência dos organizadores apontava para a necessidade de 8 (oito) a 10 (dez) sedes (2). Vale lembrar que o aumento do número de sedes e estádios (arenas) por construir combina o atendimento de interesses políticos (locais) e empresariais. Segundo levantamento realizado pelo Jornal Folha de São Paulo (dados oficiais disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral), as principais empreiteiras do Brasil (envolvidas com a realização de obras da COPA) fizeram “doações” milionárias ao Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) no ano de 2013 (3); c) a chamada “Lei Geral da COPA” (Lei n. 12.663, de 2012) materializa um festival de privilégios para a toda poderosa FIFA e seus “arredores”. Esses “benefícios” atingem, entre outros, restrições aos direitos do consumidor (inclusive na condição de torcedor), favorecimentos na área de marcas e patentes, facilidades na obtenção de vistos e limitações comerciais (zonas de exclusão – da soberania nacional?) (4). As generosas exonerações tributárias (que não foram esquecidas) restaram definidas na Lei n. 12.350, de 2010 (5); d) a “revogação” da Constituição de 1988, ao menos quando o “Código de Conduta no Estádio para a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014” veda o exercício do direito de manifestação com conteúdo político (6); e) a vergonhosa e humilhante homenagem aos Senhores Joseph Blatter (Presidente da FIFA) e Jérôme Valcke (Secretário-Geral da FIFA), com a entrega da Ordem do Mérito de Brasília, concedida pelo Governador de Brasília, Agnelo Queiroz (7); f) o bilionário gasto, por parte de governos estaduais e municipais, com as “estruturas temporárias” (assentos provisórios, tendas, plataformas, passarelas, cercas, iluminação, cabos, mobiliário, divisórias e preparação de piso, etc). Sobre o assunto afirmou o Secretário-Geral da FIFA: “... o que posso dizer é que um estádio não pode receber a Copa sem essas estruturas. Agora, se a Fifa vai pagar, a resposta é não” (8); g) a reserva (exclusiva) de leitos hospitalares para atender aos cidadãos “fifenses” (ou “fifeiros”) em detrimento dos cidadãos brasileiros (9). Não é, portanto, de se estranhar a quantidade de cidades de países desenvolvidos economicamente (nos Estados Unidos e na Europa) que sistematicamente recusam participação nesses festins (COPAs e Olimpíadas). O argumento básico esgrimido pelas autoridades: temos outras prioridades (notadamente de cunho social) (10). Duas lições importantes, entre outras, podem ser “tiradas” da realização da COPA: a) os serviços públicos funcionam no Brasil !!! Observe a desenvoltura das forças de segurança pública e a operação dos aeroportos (aqueles que ficaram prontos) e dos estádios (arenas). Precisamos aprender a desenvolver uma forte pressão popular geral e localizada para que os serviços públicos de educação, saúde e transporte funcionem de forma adequada (a FIFA, seus “patrocinadores” e seus beneficiários fazem essa pressão de forma muito competente) (11); b) a necessidade de aperfeiçoamento da ordem jurídica para submeter a plebiscito (aprovação direta pelo povo), nos termos do art. 14, inciso I, da Constituição, a realização de eventos privados nacionais ou regionais com consideráveis gastos diretos ou indiretos pelo Poder Público para viabilizar a realização da atividade. Estou na torcida. Torço pelo Brasil campeão no futebol. Torço pelo Brasil campeão nas ruas e nas urnas contra aqueles responsáveis por suas mais profundas mazelas, inclusive essas verificadas na organização e realização da COPA (suas elites socioeconômicas e seus atuais governos – servis administradores dos mais nefastos instrumentos institucionais de produção e reprodução de injustiças, desigualdades e opressões). NOTAS: (1) Veja o seguinte link: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130614_futebol_despejos_cm_bg.shtml (2) Veja o seguinte link: http://blogs.estadao.com.br/jamil-chade/2014/05/24/brasil-queria-sediar-a-copa-em-17-estadiosrevela-blatter (3) Veja o seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1451098-construtoras-bancam-75-das-doacoes-ao-ptem-2013.shtml (4) Veja os seguintes links: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm http://www.conjur.com.br/2012-jan-02/lei-geral-copa-concede-fifa-privilegios-injustificados http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Os-privilegios-que-o-governo-propoe-dar-a-Fifa-na- Copa-de-2014/4/17589 http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=25828&cod_canal=38 http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=252%3Aleigeral-da-copa&Itemid=164&lang=pt http://apublica.org/2012/04/copa-nao-e-para-pobre-os-ambulantes-zonas-de-exclusao-da-fifa (5) Veja o seguinte link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12350.htm (6) Veja o seguinte link: http://pt.fifa.com/worldcup/organisation/ticketing/legal/stadium-code-of-conduct/index.html (7) Veja o seguinte link: http://blogdojuca.uol.com.br/2013/06/agnelo-o-cordeiro-condecora (8) Veja o seguinte link: http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2014/02/valcke-afirma-que-fifa-naopagara-por-estruturas-temporarias-dos-estadios.html (9) Veja os seguintes links: http://ataqueaberto.blogspot.com.br/2014/05/hospital-fechando-unidade-e-reservando.html http://rebaixada.org/denuncia-graveleitos-de-uti-so-reservados-para-turistas-que-viro-assistir-os (10) Veja os seguintes links: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140118_estocolmo_desiste_candidatura_olimpiad a_inverno_cv_.shtml http://blogs.estadao.com.br/jamil-chade/2014/05/29/nova-iorque-diz-nao-aos-jogos-olimpicos (11) A instituição e o funcionamento de Comitês Populares de Fiscalização de serviços de saúde, escolas, bibliotecas, parques esportivos, linhas de transporte coletivo, entre outros, podem viabilizar uma pressão social permanente e crescente no sentido da prestação de serviços públicos adequados e de qualidade.