O gênero verbete no ensino PORSCHE, Sandra Cristina. Ms. Universidade de Caxias do Sul. ([email protected]) BATTISTI, Elisa. Dra. Universidade de Caxias do Sul ([email protected]) DAL CORNO, Giselle Olivia Mantovani. Dra. Universidade de Caxias do Sul ([email protected]) POZENATO, Maria Helena Menegotto. Dra. Universidade de Caxias do Sul ([email protected]) RESUMO: O gênero verbete, presente em dicionários, glossários e enciclopédias, é raramente explorado na escola como um recurso didático, principalmente pela falta de conhecimentos específicos por parte dos professores, a quem geralmente cabe a tarefa da seleção do dicionário escolar. Propõe-se uma sequência didática a alunos da disciplina Língua Portuguesa para Licenciaturas da Universidade de Caxias do Sul, com o objetivo de subsidiálos com conhecimentos necessários para a elaboração de verbetes, para que, em sua futura atividade docente, possam aplicar esses conhecimentos em propostas pedagógicas de leitura e escrita. Promove-se reflexão sobre o papel do léxico nas diferentes disciplinas, bem como sobre o dicionário, sua estruturação e seu potencial de uso na vida escolar. PALAVRAS-CHAVE: Verbete. Dicionário. Glossário. Gênero textual. Licenciaturas. ABSTRACT: An entry is a text genre that is present in dictionaries, glossaries, encyclopedias. In school, the dictionary is rarely used as a pedagogical tool. We have developed a didactic sequence and used it in the Portuguese for Teacher Formation courses at Universidade de Caxias do Sul, with the objective of providing the necessary background for producing entries, so that students may apply this knowledge in their future career as teachers in reading and writing tasks. They have also reflected on the role of the lexicon in different areas, as well as on the dictionary, its structure and its potential use in school. KEY-WORDS: Entry. Dictionary. Glossary. Text genre. Teacher formation. 1 INTRODUÇÃO É bastante comum encontrarmos, na lista do material escolar a ser adquirido antes do início do ano letivo, um dicionário escolar ou um minidicionário da Língua Portuguesa, já desde as séries iniciais. A partir daí, os “dicionários fazem parte da nossa vida, pelo menos desde que entramos para a escola e alguns de nós (estudantes, professores, tradutores, jornalistas,...) temos necessidade de os consultar com relativa freqüência” (CORREIA, 2009, p. 15). Também presentes na vida escolar estão as enciclopédias, mesmo que os grandes volumes tenham sido substituídos por consultas on-line. Não é raro, também, à medida que fazemos leituras mais especializadas, encontrarmos obras que já trazem, em suas últimas páginas, um pequeno glossário composto pelas palavras que o autor julgou poderem apresentar problemas de compreensão ao leitor. O que têm em comum esses três tipos de obras, dicionários, enciclopédias e glossários? Todas possibilitam consulta, investigação do léxico e trazem como elemento composicional básico o verbete. Em seu Dicionário de gêneros textuais, Costa (2008, p. 176) define verbete como uma entrada de dicionário, enciclopédia ou glossário, que se caracteriza “pelo conjunto das acepções, das definições, exemplos e outras informações específicas.” Ou seja, ao buscar um dicionário, enciclopédia ou glossário, estamos na verdade buscando os verbetes ali contidos, que se destinam a oferecer ao consulente informações específicas a respeito do item consultado. Muito mais que um elemento de composição, o verbete pode hoje ser estudado como um gênero textual (ou gênero do discurso) à parte, devido a suas características formais e sua função. Na definição de Trask (2004), gênero é uma variedade de texto historicamente estável, com traços característicos, lugar definido na cultura do povo usuário e forma exterior tão importante quanto o conteúdo. Embora cada verbete em uma obra lexicográfica ou enciclopédica seja único, obedecerá a certos padrões de elaboração, correspondendo ao que Bakhtin (1992, p. 262) chama de um tipo relativamente estável de enunciados nos diferentes campos de utilização da língua. Neste caso específico, estamos nos referindo ao campo da lexicografia, em seu aspecto teórico (os princípios que permitem descrever o léxico) e prático (os critérios adotados para a montagem de um dicionário) (BORBA, 2003, p. 15). Como explica Marcuschi (2002, p. 19), “os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia”. Desse modo, será o verbete o que possibilitará a realização de certas atividades na escola – como a busca do significado de uma palavra nova, constante em um texto, pela consulta a um dicionário. Da mesma forma, como os gêneros são “entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa” (MARCUSCHI, 2002, p. 19), não será se não através dos verbetes que esse tipo de consulta será realizado. Isto é, ao necessitar saber a definição de certo vocábulo, o estudante/aluno não buscará uma ata de assembléia, um bilhete de sua mãe para a professora ou uma história em quadrinhos. Será aceita como válida, para esses fins acadêmicos, apenas a definição dada no dicionário. Deste modo, ao mesmo tempo em que os verbetes nos falam sobre a língua, contribuem para que essas informações sejam reiteradas e seu conhecimento, mantido. Para Krieger (1993, p. 15), “o dicionário representa o espaço de legitimidade do léxico de uma língua”. Ou, como nos diz Correia (2009, p. 16), a “par das gramáticas, os dicionários constituem os meios privilegiados de preservar, desenvolver e disseminar qualquer língua.” A autora prossegue ressaltando que os dicionários [...] são usados no âmbito do ensino, particularmente das línguas, e da tradução, mas também para a descodificação de termos difíceis, geralmente científicos ou técnicos, ou de palavras que caíram em desuso. Além disso, usamos os dicionários sempre que necessitamos de expressar-nos com maior propriedade e rigor, sobretudo através da escrita, simplesmente para esclarecer dúvidas concernentes ao uso da língua, ou por mera curiosidade. (CORREIA, 2009, p. 15). Considerando-se a importância – e a frequência – do uso do dicionário no dia-a-dia e nas escolas, a utilização do verbete como gênero textual no contexto escolar é ideia que vem sendo defendida recentemente por linguistas aplicados (DIONISIO, 2002). A despeito disso, por uma infinidade de razões, a escola nem sempre se mostra um local de fácil aplicação de novas tendências, permanecendo como um ambiente de reprodução de práticas pedagógicas tradicionais. Este trabalho relata uma experiência realizada em duas turmas da disciplina de Língua Portuguesa para Licenciaturas na Universidade de Caxias do Sul, envolvendo propostas de atividades – sequências didáticas – que sensibilizassem licenciandos de diferentes áreas para a potencialidade do gênero verbete como instrumento auxiliar em atividades de leitura e produção textual nos níveis Fundamental e Médio. O relato inclui desde o levantamento de informações sobre os hábitos de consulta a dicionários dos licenciandos, até a apresentação detalhada das atividades desenvolvidas. 2 OBJETIVOS A experiência procurou responder a duas questões: como deve ser a formação dos professores de Língua Portuguesa e de outras disciplinas escolares para o trabalho com o gênero verbete? E quais são as implicações dessa formação na proposição de sequências didáticas que contemplem produção e recepção de textos e envolvam o uso de dicionários? Partimos do pressuposto de que o uso do dicionário é prática social que precisa ser ensinada, que necessita ter lugar na escola, associada ao desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita. Segundo Krieger (2007), não se aproveita plenamente o potencial didático do dicionário de língua no âmbito escolar pelo desconhecimento dos professores sobre características da obra dicionarística. Boa parte dos docentes acredita que os dicionários à venda distinguem-se apenas pela quantidade de entradas que comportam. Além disso, desconhecem a existência de uma estrutura subjacente aos verbetes, como também o papel do front e back matter – respectivamente, páginas introdutórias e finais dos dicionários, que informam a disposição das informações na obra, definem o perfil do consulente, orientam a consulta, acrescem informações conformes ao público-alvo (como paradigma de flexão verbal em dicionários escolares, por exemplo). O desconhecimento demonstrado pelos professores sobre dicionários e seu potencial uso didático decorre da formação insuficiente por eles recebida. Em estudo anterior (BATTISTI et al., 2008), constatou-se que quase 60% dos próprios docentes admite não ter recebido instrução sobre como usar dicionários ou esclarecimentos sobre a obra dicionarística em si. Essa constatação relaciona-se a outras práticas dos professores verificadas no estudo: eles não dispõem de critérios para selecionar os dicionários a serem indicados aos alunos, tampouco clareza sobre o espaço de trabalho que o dicionário pode ocupar na sala de aula. Aqui se chega a um ponto crucial de nossa reflexão: é preciso integrar o trabalho com gênero à formação do próprio docente, para que ele um dia, como implicação de todo o processo que culminará em seu licenciamento para a atuação docente, faça uso do dicionário na sala de aula, proponha ele mesmo sequências didáticas que, em práticas de leitura e escrita, motivem para o uso do dicionário, permitam ao aluno perceber características constituidoras da obra que, fundamentando estratégias, otimizem a consulta. Entendemos, portanto, que a formação de docentes em diferentes Licenciaturas deve incluir reflexão e prática sobre o uso do dicionário. Essas, por sua vez, devem oportunizar vivências que permitam aos licenciandos, ora no papel de consulentes, ora no de elaboradores de glosas, compreender os elementos envolvidos na confecção da obra e dos verbetes, depreendendo daí critérios para seleção de dicionários e subsídios para, futuramente, conceber sequências didáticas que se beneficiem do uso do dicionário. Outro aspecto relevante à nossa reflexão, e que vai ao encontro da segunda questão enunciada acima, diz respeito a sequências didáticas. A proposição de uma dessas, enquanto conjunto de atividades de aprendizagem organizadas sistematicamente em torno do gênero verbete, é objeto do presente estudo. Como se pode depreender do que vai acima, está implícita em nossa reflexão a ideia, na linha de Antunes (2008), de que o professor forma-se à medida que vivencia os processos de construção de conhecimento. Ele não apenas necessita ser informado sobre como propor a sequência didática, mas precisa experimentar as atividades nela reunidas para, assim, construir conhecimento. Em estudo anterior (BATTISTI et al., 2008), propôs-se que o dicionário, em sala de aula, apoiasse o processo de leitura e que atividades envolvendo conceituação, que levassem à exploração de características do verbete, seriam um caminho de movimentação do aluno entre textos. Aí está a dimensão de uso da linguagem afeta ao caráter discursivo dos gêneros de texto: a construção de sentidos pela leitura, que envolve fatores sociais. No exercício que se faz no presente trabalho, acresce-se a essa proposta a necessidade de o professor em formação experimentar também a produção textual, não apenas com verbetes, mas de verbetes. Assim, este estudo não se configura como mera proposta de trabalho, e de trabalho com o gênero verbete na recepção textual, apenas. Elaborou-se uma sequência didática para investigar as repercussões imediatas do investimento no gênero verbete na formação de professores, ao vivenciarem processos de leitura e escrita em que o dicionário estivesse presente. Analisam-se tanto as características da sequência proposta quanto a condução das atividades e, conforme o ponto de vista dos próprios licenciandos, o conhecimento construído no processo de execução dessas atividades. 3 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA O verbete, enquanto gênero textual, encontra-se não somente nas obras dicionarísticas mas também na mídia escrita, nos livros didáticos, entre outros. Dentro da esfera escolar, várias são as atividades com verbete que se podem propor. Na instituição onde as atividades foram desenvolvidas, os acadêmicos de cursos de licenciatura dispõem de uma capacitação comum, que inclui língua portuguesa. São 840 horas-aula de disciplinas nesse conjunto, dentre as quais estão disciplinas pedagógicas, de formação geral (antropologia, sociologia, psicologia, entre outras), e Língua Portuguesa para Licenciaturas. O programa desta disciplina, desenvolvido em 60 horas-aula, inclui o gênero verbete. Considerando-se o tempo disponível e todo o conteúdo a ser tratado, o trabalho com “verbete” não pode estender-se. As atividades planejadas, então, compõem uma sequência didática a ser desenvolvida parte presencialmente, parte a distância. As atividades presenciais foram planejadas para um encontro (quatro horas-aula), complementadas com uma a distância, a ser desenvolvida em duas semanas. O tema abordado nessas atividades foi alfabetização e letramento, pela relação com a formação da maioria dos licenciandos. Contou-se com uma aula zero, para que o professor solicitasse aos alunos que trouxessem na semana subsequente um dicionário para consulta. Não se pensou e solicitar nenhum dicionário específico; os alunos poderiam, então, usar aquele de que dispusessem em casa. A primeira aula sobre o verbete foi assim planejada: a) Discussão introdutória, elicitando o conhecimento prévio dos alunos sobre alfabetização e letramento. Algumas perguntas: Existe alguma diferença entre alfabetização e letramento? Qual? As observações feitas pelos acadêmicos são anotadas no quadro negro. b) Leitura do texto “O que é ser alfabetizado e letrado?” de Maria da Graça Costa Val (anexo 1) que trata de diferenciar os dois conceitos. A atividade é conduzida de modo a que os estudantes busquem no texto apoio o que se discute inicialmente. c) Discussão sobre o conteúdo do texto e as definições de alfabetização e letramento nele constantes. d) Comparação da definição de alfabetização e de letramento no dicionário com a definição dos termos no texto. e) Esclarecimentos (prestados pelo professor) sobre os tipos de definição (lógica, substancial, relacional, participativa, híbrida, sinonímica e morfossemântica) conforme Gianni (1993) e Biderman (1993) e sobre a estruturação do verbete, além dos elementos constituintes das obras dicionarísticas. f) Análise de dicionários, pelos alunos, para explorar as diferença entre os verbetes, a apresentação gráfica do material (como o uso de dedeiras ou de cores, ilustrações, capas, encadernações), bem como o conteúdo de front matter e back matter que essas obras disponibilizam aos leitores. g) Elaboração pelos alunos, em duplas, de seus próprios conceitos de alfabetização e letramento para entregar ao professor. Para a aula seguinte, que constitui a segunda parte dos trabalhos, os alunos ficam encarregados de trazer um texto de sua área de estudos (conforme a licenciatura à qual pertencem, como Geografia, História, Letras, Química, Pedagogia) que possa ser explorado pelos alunos de Ensino Fundamental ou Médio. A primeira metade da aula da semana seguinte foi assim programada: a) Agrupar os alunos por afinidade de licenciatura. Nos grupos, os alunos devem especificar qual série consideram mais adequada para a utilização do texto selecionado. b) Os grupos selecionam palavras-chave dos textos, que virão a compor um glossário para atividades de leitura e compreensão textual de seus futuros alunos de Ensino Fundamental ou Médio. c) Os grupos apresentam e explicam aos demais colegas sua seleção de palavras-chave. Como tarefa a distância, solicita-se aos licenciandos que elaborem, com o auxílio de dicionários, um glossário em que constem essas palavras-chave. O glossário deve ser entregue ao professor de Língua Portuguesa para Licenciaturas no prazo de duas semanas. A seguir descrevem-se os resultados do levantamento feito pelos questionários aplicados antes e após as atividades. 4 PERFIL DOS ALUNOS LICENCIANDOS Antes do início da atividade propriamente dita, aplicou-se um questionário aos alunos com o objetivo de recolher informações relevantes sobre a composição da amostra. O questionário teve por fim levantar dados como idade, cidade de residência, entre outras informações sobre histórico de ensino e utilização do dicionário, atualmente e no período escolar préuniversidade. Das atividades propostas participaram 62 sujeitos, alunos de cursos de Licenciatura, especificamente dos cursos de Pedagogia, História, Matemática, Letras e Química, matriculados em duas turmas distintas. 1 Apenas um aluno é do Curso de Administração de Empresas. Quanto à faixa etária, há uma predominância de pessoas entre os 17 e 22 anos (43 sujeitos), com 12 sujeitos na faixa etária de 24 a 30 anos e 9 sujeitos com mais de 30 anos. A maioria dos alunos reside em Caxias do Sul (46 sujeitos) e são pessoas recém formadas no Ensino Médio predominantemente em escolas de Ensino Estadual. 1 Agradecemos à professora Morgana Rossetti pela condução da sequência didática em uma das turmas. Para a pergunta “Na sua vida escolar você utilizava o dicionário?” houve 37 respostas positivas, 7 disseram que o utilizavam às vezes, 12 afirmaram que o utilizavam muito pouco e 6 responderam que nunca o utilizaram. É significativo o fato de 18 alunos terem dito que utilizavam o dicionário poucas vezes ou nunca. Considerando o total da amostra, isso representa 29%, ou seja, aproximadamente 1/3 deles. Saber que pessoas passem pela vida escolar sem utilizar, necessitar ou receber informações sobre essa importante ferramenta que é o dicionário foi uma surpresa. Quando perguntados sobre as finalidades da utilização do dicionário na escola, 43 alunos responderam que o objetivo era procurar significados, 6 responderam que a finalidade era conferir a ortografia, entre outras respostas como utilizar o dicionário para procurar sinônimos e antônimos ou somente sinônimos, para realização de exercícios ou de produções textuais, para ampliar o vocabulário, para elaborar textos, por solicitação da professora, para fazer provas de história e português e por instrução e conhecimento. Um dos sujeitos afirmou ter utilizado o dicionário nas aulas de didática para saber ensinar os alunos. Com relação ao recebimento de orientações para a utilização do dicionário, 42 dos alunos responderam que foram orientados a localizar palavras em ordem alfabética; 12 afirmaram não terem recebido orientações, 7 disseram ter recebido poucas orientações, e um não lembrava se as havia recebido. Como se percebe, há uma predominância de alunos que afirmou ter sido ensinado a procurar as palavras pela ordem alfabética. Juntamente com essas respostas, apareceram informações sobre terem recebido instrução das siglas que acompanham o dicionário, para encontrar palavras que se adequassem ao contexto, para memorizar a grafia das palavras, sobre a finalidade do dicionário, etc. Ressaltamos que isso é indicativo do que acontece nas escolas, visto que o dicionário não é muito utilizado como ferramenta para atividades diversas, conforme já apontado na literatura. Os alunos também disseram que atualmente utilizam o dicionário (39 sujeitos). Quatro alunos responderam que utilizam o dicionário às vezes e 16 responderam que o utilizam pouco ou raramente. A utilização do dicionário é feita com os objetivos de procurar significados (33 alunos), saber a ortografia (17 alunos), procurar sinônimos e antônimos (5 alunos), realizar tarefas da Universidade (4 alunos) e outros objetivos, como escrever melhor, para se tornar mais letrado, para aumentar o vocabulário. Dois alunos afirmaram que utilizam o dicionário no seu trabalho, um mencionou utilizar o dicionário para auxiliar os alunos quando não compreendem o significado de determinadas palavras, outros afirmaram que utilizam o dicionário para a leitura, escrita e estudo. 5 DESENVOLVIMENTO DA PRIMEIRA PARTE DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA A primeira tarefa realizada com os alunos mostrou-se produtiva, pois, para poder debater as questões propostas, houve necessidade de fornecer definições sobre os termos alfabetização e letramento. Os alunos não tiveram muitas dificuldades para sugerir definições de alfabetização, embora letramento tenha suscitado mais debates. Essa atividade pré-leitura permitiu que os alunos ficassem motivados para compreender o significado de letramento para o qual seria apresentada uma definição no texto de Val (anexo 1) , cuja leitura silenciosa foi feita em seguida pelos alunos. No texto em questão encontra-se a definição dos termos, conforme segue: De início pode-se definir alfabetização como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilitem ao aluno ler e escrever com autonomia. [...] Já letramento pode ser definido como o processo de inserção e participação na cultura escrita. Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc.) e se prolonga por toda vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, como a leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias, por exemplo. (VAL, 2006, p.19). Em seguida à leitura, professor e alunos dialogaram sobre o conteúdo textual, apontando ideias importantes presentes no excerto e relacionando o texto lido com a realidade do analfabetismo funcional, o papel da escola no ensino da leitura, possibilidades didáticas para a sala de aula, entre outros. Como passo seguinte, os alunos procuraram as definições das palavras letramento e alfabetização nos dicionários que haviam trazido para a aula. Os alunos perceberam algo interessante: vários dicionários, embora de editoras e com nomes diferentes, apresentavam a mesma definição para ambos os termos. A ação também lhes permitiu verificar que havia diferenças entre verbetes; alguns eram mais eficazes em fornecer uma definição e outros apresentavam definições insuficientes para a compreensão do significado. Foi possível estabelecer comparações entre as formas de definir. Esses procedimentos permitiram criar a motivação e o interesse necessários para introduzir as diferentes formas de definir. O professor apresentou aos alunos uma folha com exemplos dos diversos tipos de definição (lógica, substancial, relacional, participativa, híbrida, sinonímica e morfossemântica, conforme GIANNI, 1993, e BIDERMAN, 1993), dando explicações a respeito de cada um. Para a definição lógica (ou aristotélica), o professor solicitou aos alunos que procurassem algumas palavras para verificar se a definição era clara o suficiente para esclarecer o significado. Por exemplo, ao procurar pelo termo leão, em uma das turmas, houve definições que foram avaliadas como insuficientes para a compreensão do significado, como vemos no verbete transcrito abaixo: LEÃO, s.m. Quadrúpede carnívoro da família dos felídeos; (fig.) homem valente; signo do zodíaco. (Fem. Leoa; dimin. Leãozinho; leãozete, leúnculo.) (BUENO, 1996, p. 390). Miranda e Beneduzzi (2004/2005) apresentam uma análise dos principais problemas encontrados nas definições de quatro importantes dicionários brasileiros e alertam para a necessidade de o professor ter parâmetros para avaliar os verbetes, pois a qualidade maior ou menor da obra depende da disposição das informações nele contidas. Apenas a título de ilustração, vale destacar o comentário de uma aluna que disse ter sido deixado de fora o que era mais importante para distinguir leão: possuir juba. Isso ilustra bem que, do ponto de vista da definição clássica, em que há o termo a ser definido, a cópula, a classe à qual o termo pertence e as características que o distinguem dos demais, temos de fato uma falha na descrição das características distintivas do leão dos outros animais quadrúpedes da família dos felídeos. Para melhor compreensão das definições foi solicitado aos alunos que imaginassem ser um estrangeiro e desconhecer o significado. Afinal, como também aponta nossa sondagem, o objetivo de maior frequência no uso do dicionário é justamente saber o significado das palavras. Essa atividade lhes permitiu perceber que os dicionários nem sempre são de boa qualidade e nem sempre apresentam definições suficientes. Houve envolvimento dos alunos, que solicitavam para lerem verbetes que fossem submetidos à análise do grupo. Foi possível, então, fazer uma reflexão sobre alguns dos conhecimentos que são importantes para o professor, principalmente o professor de línguas, pois geralmente cabe a ele a escolha do dicionário escolar, sem que possua parâmetros para orientar a seleção da obra. É consenso entre os lexicólogos no Brasil que há uma carência teórico-metodológica na elaboração das obras dicionarísticas. Krieger (2004/2005) aponta que o mercado lexicográfico pedagógico e didático está em franco crescimento, tanto que o Ministério da Educação, através do programa PNLD, institui critérios para a aquisição dos dicionários escolares. Entre os critérios que devem ser considerados pelos docentes na seleção do dicionário escolar encontra-se a informação apresentada no verbete (KRIEGER, 2007). Portanto, essa discussão possibilitou aos alunos compreender melhor o gênero verbete e sua relação com a qualidade do dicionário. Em seguida, os alunos foram solicitados a examinar os outros elementos do verbete que não fossem a entrada nem a definição. Depois, procuraram a parte do dicionário em que se encontravam as explicações sobre esses elementos (abreviações e siglas) e compararam os dicionários quanto ao modo de apresentação dessas partes (front matter / back matter). Em alguns dicionários, a lista de abreviações e siglas encontra-se no início, em outros, no final. Outras ações foram sendo solicitadas pelo professor, como a verificação de existência de dedeiras ou de exemplos, do uso de ilustrações, entre outros. Os alunos puderam perceber os elementos distintos nos dicionários. Finalmente, os alunos redigiram, em grupos, uma definição para o termo letramento e outra para o termo alfabetização. O material foi recolhido pelo professor, lido e devolvido aos alunos, com comentários. Alguns alunos escreveram verbetes inadequados, como: “Letramento: indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita; responde adequadamente às demandas sociais de leitura e escrita.” Nessa definição, não é o termo letramento que está sendo definido, mas, em partes, o termo letrado. Salientamos que, por limitações de tempo, não foi possível propor atividades que tivessem por objetivo melhorar a redação de definições. Certamente, caso a sequência didática fosse continuada, esse seria um dos possíveis desencadeadores de outra atividade focada no desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita com base no gênero verbete. Abaixo apresentamos dois verbetes elaborados pelos alunos, que ilustram um pouco as suas produções: Alfabetização é o ato de aprender ou ensinar a decifração do código escrito e a ortografia necessária para ler e escrever com autonomia. Letramento é a prática de leitura e uso da escrita no meio de comunicação e integração social. Processo contínuo que caminha paralelo à alfabetização e aprimora o nível de cultura de um indivíduo. 6. DESENVOLVIMENTO DA SEGUNDA PARTE DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA Como já descrito acima, a segunda parte consistiu da tarefa de elaboração de um glossário, a partir de um texto, com fins de possível aplicação didática em sala de aula para alunos de Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM). Os alunos, em grupos de quatro ou cinco, selecionaram um dos textos trazidos pelos componentes do grupo, conforme possibilidades de exploração didática para alguma das séries do EF e EM. Fizeram cópia do texto selecionado para cada integrante, leram esse texto com o objetivo de destacar as palavras-chave que pudessem oferecer dificuldades para a compreensão textual por desconhecimento do significado, apresentaram aos demais colegas informações sobre as palavras escolhidas e foram orientados a elaborar, a partir dessas palavras, um glossário, como tarefa de casa a ser realizada em um prazo de quinze dias. Os alunos se mostraram muito motivados ao explicar para os colegas as razões de terem selecionado aquelas palavras, havendo discussão nos grupos e com o professor sobre a adequação das escolhas. Novamente ressaltamos que, por falta de tempo, não foi possível aplicar atividades que dessem continuidade à tarefa da produção textual de modo a melhorar a escrita de definições. No anexo 2, encontra-se um dos glossários elaborados pelos alunos. O professor recolheu as atividades, analisou-as e devolveu aos alunos com comentários. Muitas propostas poderiam ter sido feitas a partir dessa produção textual, como seleção de um dos textos e seu glossário para análise da redação das definições e discussão sobre a pertinência ou não do termo para a compreensão do texto, reescrita do glossário, aplicação em aula na turma de EF ou EM selecionada, etc. Para a escrita do glossário, os alunos consultaram seus dicionários. Foram alertados para que não copiassem as informações, mas, se necessário, fizessem paráfrase da definição. Do ponto de vista da produção textual acadêmica, tarefas de sequência também poderiam ser pensadas para tratar da questão da elaboração de texto com base em fontes de pesquisa de forma ética, sem recorrer à cópia, tão constante em atividades acadêmicas. 7 AVALIAÇÃO DAS ATIVIDADES Um segundo questionário foi aplicado aos alunos ao término das atividades propostas em aula. Dessa vez, o objetivo era recolher informações sobre a percepção dos alunos quanto às orientações recebidas para o desenvolvimento das atividades, sua avaliação sobre o próprio desempenho, sobre as possíveis aprendizagens decorrentes das atividades e sobre as possibilidades de servirem como base para a prática docente futura. As orientações recebidas para as atividades foram avaliadas como “muito bom” por 44 alunos e como “mais ou menos” por cinco alunos. Nenhum aluno avaliou as orientações como ruins, mas houve 7 alunos que não avaliaram as orientações recebidas e, sim, as atividades. Algumas respostas não estavam claras e, portanto, não foram consideradas no levantamento. Para a pergunta “O que você aprendeu sobre o uso de dicionário com essa atividade?” os alunos destacaram várias aprendizagens como: compreender as diferenças entre as definições e a estrutura do verbete, ler melhor o dicionário, reconhecer que há dicionários diferentes, compreender as siglas e reconhecer as diferentes acepções. Vários alunos apontaram que esse tipo de aprendizagem sobre o dicionário e o verbete é muito importante e que isso não lhes foi oportunizada na escola. As respostas encontram-se no Quadro 1 abaixo. Quadro 1: Aprendizagem sobre o uso do dicionário com as atividades desenvolvidas Aprendizagens Número de alunos Classificação 3 Tipos de definição e estrutura do verbete 18 Símbolos 9 Implicações didáticas 1 Diferenças entre as obras dicionarísticas 8 Utilização do dicionário 11 Existência de diferentes acepções para o mesmo termo 10 outros 12 Na auto-avaliação do desempenho, 34 alunos consideraram bom o seu desempenho nas tarefas e 11 consideraram seu desempenho regular. Estes últimos relacionaram tal desempenho às dificuldades no próprio uso da língua (quatro alunos), à falta de compreensão do conteúdo trabalhado, e a dificuldades de concentração no trabalho em grupo. Porém, a grande maioria avaliou seu desempenho como bom. Alguns destes alunos acrescentaram comentários à questão, dizendo que haviam aprendido a interpretar melhor os significados no dicionário, que aumentaram seus conhecimentos sobre as obras dicionarísticas e que aprenderam um modo diferente de trabalhar com o dicionário. Por fim, como resposta à questão “Como essa aprendizagem poderá ajudá-lo na sua (futura) atuação docente?”, muitos alunos apontaram que a sequência os ajudará a orientar seus alunos em atividades com o uso do dicionário (29 sujeitos). Outras respostas importantes referem-se ao emprego adequado de palavras ao falar e escrever (8 sujeitos), à elaboração de explicações aos alunos, à preparação de atividades de produção textual e ao reconhecimento de diferentes acepções de palavras (cinco sujeitos cada). Todas as respostas encontram-se no Quadro 2 abaixo. Quadro 2: Auxílio da aprendizagem na (futura) atuação docente Respostas Número de alunos Na orientação a alunos em atividades com o dicionário 29 No emprego adequado de palavras ao falar e escrever 8 Na elaboração de explicações para alunos 5 No reconhecimento de diferentes significados 5 Em atividades de produção textual (glossário) 5 No manuseio do dicionário 3 Em tudo 3 Respostas Número de alunos Na pesquisa sobre assuntos 2 Na conferência da ortografia 1 Na indicação ou escolha de obra dicionarística 1 Pouco ou nada 1 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dois questionários semi-estruturados aplicados para a coleta de informações dos sujeitos comprovam, essencialmente, que o dicionário foi e continua sendo utilizado na vida escolar desses sujeitos. Contudo, o dicionário é/foi utilizado predominantemente como ferramenta de consulta de significados e ortografia e, em grau muito menor, para outras atividades como a consulta de sinônimos e antônimos, para a execução de tarefas de leitura e escrita nas aulas, para a ampliação de vocabulário, para a realização de provas e para o desenvolvimento de conhecimentos. Nossa sondagem está de acordo com os achados de Fernández (2007), que, ao fazer um levantamento muito semelhante ao nosso, em maior escala, sobre a opinião de alunos a respeito da utilização dos dicionários, entre outros, constata que, apesar das múltiplas possibilidades de uso da obra, os investigados limitavam-se a utilizá-lo para a consulta de significados, de ortografia e de sinônimos e antônimos somente. O fato de um número de 42 alunos, dos 62 sujeitos da pesquisa, terem indicado que a única instrução recebida na escola sobre o dicionário foi referente à localização das palavras por ordem alfabética também aponta a pouca exploração do dicionário como ferramenta didática, conforme observado por Krieger (2007). Embora esse estudo não tenha focado apenas a instrumentalização do aluno licenciando para a sua futura prática docente, mas oportunizado a realização de tarefas de leitura e escrita para o desenvolvimento da conscientização sobre o dicionário como ferramenta para o desenvolvimento de conhecimentos linguísticos e de habilidades cognitivas, o número de alunos que indicou que as atividades desenvolvidas o auxiliarão em sua futura prática docente é significativo (29 entre 62 alunos). Isso mostra que é importante subsidiar o licenciando com conhecimentos que lhe possibilitem explorar o dicionário nas salas de aula com fins que não se restrinjam apenas a consultas pontuais sobre o significado das palavras. Uma infinidade de tarefas pode ser desenvolvida a partir do uso do dicionário com fins de aumentar a competência léxica e comunicativa do aprendiz, integradas a atividades de leitura e produção textual. É importante salientar que, assim como aponta Krieger (2007), o dicionário também é importante nas várias disciplinas, por oferecer informações conceituais sobre termos, servindo de suporte cognitivo para a aprendizagem. Assim, atividades e propostas de fundamentação teórica e prática para futuros docentes de todas as licenciaturas servirão como propulsores às futuras ações pedagógicas desses profissionais nas diversas disciplinas escolares e não apenas nas disciplinas de língua materna ou estrangeira. A percepção que os alunos tiveram sobre as aprendizagens a partir das atividades indica que houve importantes construções de conhecimento, tais como utilizar com mais adequação o dicionário, reconhecer que as palavras podem ter diferentes acepções, reconhecer as diferenças entre as obras dicionarísticas, entre outras. De certo modo, como nosso estudo deu ênfase à estrutura do verbete e aos tipos de definições, procurando mostrar as inconsistências de certas obras quanto à definição dos termos, os alunos lidaram com algo de fato desconhecido. Isso se evidencia nas respostas de 18 dos alunos, indicando terem aprendido a estrutura do verbete. Apesar de não ser um percentual muito elevado (menos de 25% dos alunos), ainda assim acreditamos que essa sensibilização foi válida e que a experiência deve se repetir em outros semestres. Pelas limitações de tempo impostas a nosso estudo, não foi possível dar sequência à produção textual dos alunos, mas certamente nossa proposta serviu para o aluno compreender a importância do léxico para as atividades de leitura e produção textual e lhe permitiu praticar a produção de texto de definição com atenção à estrutura do verbete. Por fim, cabe dizer que nosso estudo insere-se no que Fernández (2007) classifica como lexicografia didática, e esperamos que ele possa contribuir para outras propostas que visem à formação docente. 6 REFERÊNCIAS ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. 6. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BATTISTI, E. et al. O Verbete no Ensino de Língua Portuguesa. In: FINGER, I.; COLLISCHONN, G. (Orgs.) Anais do CELSUL 2008. Pelotas: EDUCAT, 2008. BIDERMAN, Maria Teresa. A definição lexicográfica. Cadernos do IL, Porto Alegre, n.10, p. 23-43, jul. 1993. 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In: CARVALHO, Maria Angélica Freire de; MENDONÇA, Rosa Helena. (Orgs.). Práticas de Leitura e Escrita. Brasília: Ministério da Educação, 2006. Anexo 1 EXCERTO DE VAL, Maria da Graça. O que é ser alfabetizado e letrado? In: CARVALHO, Maria Angélica Freire de; MENDONÇA, Rosa Helena. (orgs.). Práticas de Leitura e Escrita. Brasília: Ministério da Educação, 2006. 1.2.1. Conceituação A apropriação da escrita é um processo complexo e multifacetado, que envolve tanto o domínio do sistema alfabético/ortográfico quanto a compreensão e o uso efetivo e autônomo da língua escrita em práticas sociais diversificadas. A partir da compreensão dessa complexidade é que se tem falado em alfabetização e letramento, como fenômenos diferentes e complementares. De início, pode-se definir alfabetização como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilitem ao aluno ler e escrever com autonomia. Noutras palavras, alfabetização diz respeito à compreensão e ao domínio do chamado “código” escrito, que se organiza em torno de relações entre a pauta sonora da fala e as letras (e outras convenções) usadas para representála, a pauta, na escrita. Já letramento pode ser definido como o processo de inserção e participação na cultura escrita. Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc.) e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, como a leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias, por exemplo. O termo letramento foi criado, portanto, quando se passou a entender, que nas sociedades contemporâneas é insuficiente o mero aprendizado das “primeiras letras”, e que se integrar socialmente hoje, envolve também “saber utilizar a língua escrita nas situações em que esta é necessária, lendo e produzindo textos”. Essa nova palavra veio para designar “essa nova dimensão da entrada no mundo da escrita”, a qual se constitui de um “conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades, necessário para usar a língua em práticas sociais” (cf. Batista, 2003). É possível encontrar pessoas que passaram pela escola, aprenderam técnicas de decifração do código escrito e são capazes de ler palavras e textos simples, curtos, mas que não são capazes de se valerem da língua escrita em situações sociais que requeiram habilidades mais complexas. Essas pessoas são alfabetizadas, mas não são letradas. Essa condição, embora freqüente dentro da própria escola, é particularmente dolorosa e indesejável, porque acarreta dificuldades para o aprendizado dos diferentes conteúdos curriculares. Ou mesmo inviabiliza esse aprendizado. Por isso é que se tem afirmado que alfabetização e letramento são processos diferentes, cada um com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis e ambos indispensáveis. O desafio que se coloca hoje para os professores é o de conciliar esses dois processos, de modo a assegurar aos alunos a apropriação do sistema alfabético/ortográfico e a plena condição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Entretanto, o surgimento do conceito de letramento, bem como a difusão e o emprego desse termo têm suscitado polêmicas e equívocos (por exagero ou por simplificação), que é bom tentar esclarecer. Pode-se dizer que a fonte desses equívocos e polêmicas é a não compreensão de que os dois processos são complementares, e não alternativos. Explicando: não se trata de escolher entre alfabetizar ou letrar: trata-se de alfabetizar letrando. Quando se orienta a ação pedagógica para o letramento, não é necessário, nem recomendável, que, por isso, descuide-se do trabalho específico com o sistema de escrita. Noutros termos, o fato de valorizar em sala de aula os usos e as funções sociais da língua escrita não implica deixar de tratar sistematicamente da dimensão especificamente lingüística do “código”, que envolve os aspectos fonéticos, fonológicos, morfológicos e sintáticos. Do mesmo modo, cuidar da dimensão lingüística, visando à alfabetização, não implica excluir da sala de aula o trabalho voltado para o letramento. Outra fonte de equívocos é pensar os dois processos como seqüenciais, isto é, vindo um depois do outro, como se o letramento fosse uma espécie de preparação para a alfabetização, ou, então, como se alfabetização fosse condição indispensável para o início do processo de letramento. Considerando-se que os alfabetizandos vivem numa sociedade letrada, em que a língua escrita está presente de maneira visível e marcante nas atividades cotidianas, inevitavelmente eles terão contato com textos escritos e formularão hipóteses sobe sua utilidade, seu funcionamento, sua configuração. Excluir essa vivência da sala de aula, por um lado, pode ter o efeito de reduzir e artificializar o objeto de aprendizagem que é a escrita, possibilitando que os alunos desenvolvam concepções inadequadas e disposições negativas a respeito desse objeto. Por outro lado, deixar de explorar a relação extra-escolar dos alunos com a escrita significa perder oportunidades de conhecer e desenvolver experiências culturais ricas e importantes para a plena integração social e o exercício da cidadania. Assim, entende-se que a ação pedagógica mais adequada e produtiva é aquela que contempla, de maneira articulada e simultânea, a alfabetização e o letramento. No próximo item, vamos apresentar, rapidamente, algumas possibilidades de se desenvolver esse trabalho integrado em sala de aula. Anexo 2 GLOSSÁRIO ELABORADO POR ALUNOS DA DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA PARA LICENCIATURAS Grupo de alunos do Curso de Licenciatura Plena em Letras, UCS, primeiro semestre de 2009, turma do horário 38-39 Texto de origem: sobre poema lírico e épico (MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 1989) Egocentrismo: é a manifestação de demasiada preocupação com os próprios interesses. Narcisismo: é a supervalorização da imagem e personalidade próprias; Magna: relativo a magno, importante, digna de admiração; Solilóquio: conversa com si mesmo, monólogo. Tribuna: é um local elevado, parte mais elevada reservada a um orador. Épico: estilo de poema que descreve feitos heróicos Descortinar: ato de abrir as cortinas, desvendar.