A. Bellini - M. Capatti - A. Padovani - A. Scomparin
Fundamentos e Linhas Educativas
da Ursulina
Ursulinas Filhas de Maria Imaculada
Verona 2008
ÍNDICE
Apresentação
Introdução
Anotações históricas
I PARTE
FUNDAMENTOS
CAP. I
Imagem e experiência de Deus em Santa Ângela Merici e transmitidas
pelo Bem-Aventurado Zefirino Agostini às suas Ursulinas
(Ir. M. Magda Capatti)
Introdução
1. Modelo Trinitário
1.1. “No nome da Santa Indivisível Trindade”, em Santa Ângela
1.2. “O mistério dos mistérios”, no Fundador
Conclusão
2. O “Deus Só”
2.1. “Deus só e n'Ele todo nosso bem”, em S. Ângela
2.2. “Meu Senhor, única vida e esperança minha”, nas meditações do
Fundador
Conclusão
3. “Jesus Cristo, o Esposo”
3.1. “O Esposo”, o “Amador”, em Santa Ângela
3.2. “Amados por Deus com amor de Esposo”, nas palavras do Fundador
Conclusão
4. Cristo, o Salvador
4.1. “Derrama o seu sangue por nosso amor, em S. Ângela
4.2. “Jesus é o nosso amadíssimo Redentor, no Fundador
Conclusão
5
5. A Eucaristia, sacramento do Amor
5.1. “Na Missa encontram-se os méritos da Paixão de Nosso Senhor”,
em Santa Ângela
5.2. “Neste Sacramento encontra-se Deus”, como diz o Fundador
Conclusão
6. “Na Igreja de Jesus Cristo”
6.1. A Santa Mãe Igreja, em Santa Ângela
6.2. “A Igreja, Esposo diletíssima de Jesus Cristo”, no Fundador
Conclusão
CAP. II
A Antropologia nos Escritos de Santa Ângela Merici
e do Bv. Zefirino Agostini (Ir. M. Agnese Bellini)
Intodução
1. Criatura de Deus
2. Chamado à perfeição
3. Chamado à liberdade
4. Chamado à relação em Cristo
5. Chamado à imitação de Cristo
5.1. Glória
5.2. Verdade
5.3. Obediência
5.4. Dom gratuito
6. Chamado a uma Vida Espiritual
6.1. Silêncio a palavra: a oração como relação com Deus
6.2. Vigilância sobre as paixões
6.3. Vida eucarística
CAP. III
A Ursulina segundo o coração de Ângela Merici e de Pe. Zefirino
Agostini (Ir. M. Angiolina Padovani)
6
Introdução
1. Quem é a Ursulina
1.1. Filha e Irmã
1.1.1. “Unidas juntas”
1.2 . Esposa
1.2.1. Virgens
1.3. Mãe
1.3.1. Zelosas
Conclusão
CAP. IV
A Ursulina vive e educa empenhando-se a “revestir-se de Cristo”
(Ir. M. Agnese Scomparin)
Introdução
1. Revestida de Cristo
1.1. Responde oferecendo-se
1.2. Expressa em si mesma a imagem de Cristo
1.3. Deixando-se educar pela Cruz
1.4. Cuida do seu próprio crescimento
2. Unida com o laço da Caridade
2.1. Acolhe o dom da comunidade
2.2. Estima a cada uma e aceita a gradualidade
3. Com Amor de Mãe
3.1. Aberta a todas e a cada uma por uma necessidade de coração
3.2. Com afeição e afabilidade
3.3. No conhecimento amoroso pessoal
3.4. Reconhece e aprecia a dignidade de cada pessoa
3.5. Sábia e vigilante
4. Incansável no zelo
4.1. Com coração aberto, empenha-se assiduamente
4.2. Com a fortaleza do Espírito
4.3. Sempre e em cada situação
7
5. Na obediência amorosa
5.1. À procura do verdadeiro bem
5.2. Na Igreja
6. Humilde e Confiante
6.1. Conhece a si mesma e encontra o seu lugar
6.2. Instrumento inadequado e confiante
6.3. Cria relações positivas
7. Simples, busca “Deus só”
7.1. Com o coração e as mãos numa só direção
7.2. Serena diante dos limites
8. Alegre no Senhor, habitada pela paz
8.1. Habitada de íntima paz anseia à plenitude
8.2. Serena também nas provas
II PARTE
LINHAS PARA A CONSTRUÇÃO
DE UM PERCURSO EDUCATIVO
Introdução
1. Valores e critérios de cada percurso formativo
1.1. “Unidas juntas”
1.2. Partícipes da missão da Igreja
1.3. No campo que nos é próprio
1.4. Com sabedoria de mãe
1.5. Numa contínua formação
2. Percurso formativo paradigmático
2.1. Do Modelo Trinitário, aprendemos o dinamismo da nossa ação
educativa
2.2. Construamos um percurso formativo
2.2.1. Da estupenda Dignidade à ser Luz
2.2.2. Para a educadora ursulina: de esposa à mãe
2.2.3. Para as nossas comunidade: do lar da mútua Caridade ao
Zelo Incansável
8
2.2.4. Para os jovens: Da dignidade de Filho de Deus ao empenho
do Testemunho
2.2.5. Para os leigos colaboradores: da estupenda dignidade de
ser partícipes ... ao ser Sal e Luz
2.2.6. Para os pais: da estupenda Dignidade de chamados a gerar
à única Paternidade em Deus
APÊNDICE CONCLUSIVO
NOS ESCRITOS, IMAGENS QUE SÃO FAMILIARES
Introdução
A videira e os ramos
O Bom Pastor
A árvore e seus frutos
A ursulina Mãe
BIBLIOGRAFIA
Fontes
Estudos
9
ABREVIAÇÕES
AO
AOV
FG/4
FM
FO
FP
FPN/2
FS
FSS/1
FTA/7
FTP/6
Leg
Leg Prol
Leg Ult
RdV
Reg
Reg Prol
Rec
Rec Prol
Rec Ult
Dir
1
2
3
1
Às Origens
Arquivo das Ursulinas Filhas de Maria Imaculada de Verona
2
Aos jovens, Escritos do Fundador - Série Cadernos Vermelhos
Às Mães Cristãs, Escritos do Fundador Fascículo de uso
manuscrito
O Fundador às suas Ursulinas F.MªI., Escritos do Fundador, Z.
Agostini Fascículo impresso de uso manuscrito.
Ao povo nas várias circunstâncias, Escritos do Fundador, Z.
Agostini fascículo de uso manuscrito.
O Pai Nosso, Escritos do Fundador, Z. Agostini Série Cadernos
Vermelhos
Aos Sacerdotes, Escritos do Fundador, Z. Agostini fascículo de
uso manuscrito.
O Espírito Santo, Escritos do Fundador, Z. Agostini Série
Cadernos Vermelhos
Homilias do Tempo Comum, Escritos do Fundador, Z. Agostini
Série Cadernos Vermelhos
Homilias da Quaresma e do Tempo Pascal, Escritos do Fundador,
Z. Agostini - Série Cadernos Vermelhos
3
Legados de Santa Ângela
Prólogo dos Legados de Santa Ângela Merici
Legado Último
Regra de Vida das Irmãs Ursulinas F. Mª I. de Verona
Regra de Santa Ângela Merici
Prólogo da Regra de Santa Ângela Merici
Recordações de Santa Ângela Merici
Prólogo das Recordações de Santa Ângela Merici
Recordação Última
Diretório das Irmãs Ursulinas F. Mª I. de Verona
Primeiras Regras ditadas pelo Bv.Agostini para o seu Instituto: 1856; 1860; 1866.
A série “Cadernos Vermelhos” é uma transcrição simplificada e na língua corrente dos
textos do Fundador, originais e manuscritos, conservados no Arquivo das Ursulinas F.
MªI. de Verona (AOV).
Os escritos de S. Ângela são citados com uma abreviação, o número dos capítulos e o
número dos versículos, versões organizadas pela L. Mariani e E. Tarolli no 1996.
11
APRESENTAÇÃO
Em sintonia com as indicações do 17º Capítulo Geral, que aprovou
este conteúdo, podemos finalmente entregar o texto: “Fundamentos e
linhas educativas da Ursulina” a cada irmã e comunidade, para que possa
ser ponto de referência na reflexão e nos percursos educativos. Também
isso nos ajuda a “Renascer do Alto ... para fazer vida nova!”.
É um trabalho feito “a quatro mãos”, como uma sinfonia, na qual
cada instrumento se distingue, reconhece-se e, ao mesmo tempo,
harmoniza-se com o todo, é o fruto da reflexão, do estudo, do aproximar-se
às fontes carismáticas feito com “intelecto de amor”, deixando falar os
textos de Ângela que conhecemos, relidos e propostos às jovens da sua
Paróquia por Pe. Zefirino Agostini, zeloso pároco de S. Nazário.
Existe o objetivo de oferecer a toda a Congregação um instrumento,
um subsídio para alimentar a nossa espiritualidade e a nossa ação
educativa também com a contribuição das ciências humanas.
O tema dominante que emerge da releitura dos textos é a imagem de
Deus e a imagem da pessoa que, à luz da Palavra e da particular
experiência espiritual dos nossos Santos Fundadores, dão à nossa vida e
missão a fisionomia de filha e irmã, de esposa e mãe capaz, por graça, de
amar e de dar a vida.
Um método de leitura sugerido é aquele de aproximar-se às
diversas partes fazendo atenção também as anotações, as citações,
intencionalmente, abundantes, parando onde o coração sugere, onde o
Espírito suscita intuições, sentimentos, desejos de bem.
Podemos ler o texto também levando continuamente no coração
uma pergunta: o que significa, hoje, viver a nossa missão educativa na
Igreja? Com qual modalidade formar hoje à fé cristã?
13
A leitura pessoal resultará de grande interesse e utilidade também
com a partilha comunitária e com os nossos colaboradores.
Para todos nós, o texto é também possibilidade e espaço para a
oração pessoal e comunitária.
Agradeço de coração todas as pessoas que, em diversos níveis,
contribuíram para a realização deste texto.
Com afeto e gratidão,
Madre M. Pierina Scarmignan
Superiora Geral
Verona, 15 de agosto de 2008.
14
INTRODUÇÃO
Aumentou na Congregação, nos últimos decênios, a consciência da
riqueza carismática que nos foi transmitida, e que requer continuamente ser
feita nossa e re-proposta.
O trabalho que aqui apresentamos é uma tentativa de resposta à
exigência, muito sentida na Congregação, de melhor conhecer e de ter um
quadro unitário do nosso patrimônio, para a finalidade de obter linhas
educativas “nossas”, seja por conteúdo que por método operativo.
A partir da re-leitura dos textos de Ângela e Zefirino, buscaremos
fazer emergir os elementos fundamentais e metodológicos de um percurso
formativo, específico da ursulina, atual e possível de ser praticado na obra
educativa, dirigido em primeiro lugar a nós, mas também para partilhar com
quem participa conosco na “sublime” missão de educar.
Parece-nos importante desenvolver na PRIMEIRA PARTE do
trabalho os fundamentos que sustentam a nossa ação apostólica.
Mediante a visão teológica, veremos que o dinamismo “trinitário” é
paradigma de todo dinamismo educativo: o Pai, plenitude do ser, nos faz
crescer até formar em nós e nos outros a imagem do Cristo com a ação do
Espírito, primeiro protagonista na obra educativa, que deve ser acolhido.
Na relação, que Deus estabelece, imprime na pessoa a “estupenda
dignidade de filhos”, ilumina o seu agir de uma sabedoria toda espiritual, a
chama a revestir-se de Cristo e a torna partícipe da sua mesma missão.
Cristo, fundamento e Caminho, Origem e Fim, oferece o modelo do
homem redimido, chamado a crescer até a sua plena estatura, na consciência
de uma relação que põe a pessoa sob o senhorio divino e doa a ela a liberdade
de tornar-se o melhor de si mesma, com um percurso que a conduz a ser
testemunha.
Neste dinamismo de relações, a ursulina descobre ser chamada a
viver como Filha, Irmã, Esposa, Mãe e, junto com outras, como ela “Esposas
do Altíssimo”, faz de si a primeira mediação na relação de Deus com as
pessoas da missão a ela confiada.
Entre as atitudes que cada uma de nós é chamada a viver e fazer
próprias, algumas são consideradas características, capazes de formar um
coração sábio que, esperto no caminho da busca de Deus, intui a ação
15
educativa como capacidade de ver o outro assim como Deus já o vê e como
paixão para que no outro se forma o Cristo.
Na SEGUNDA PARTE do trabalho, as linhas educativas,
propositalmente essenciais para que possam ser adaptadas em contextos
diversos, traduzem os conteúdos que emergiram em indicações para
percursos de crescimento para uma vida em conformidade a Cristo.
A presença da nossa Congregação em Países e culturas diferentes é
um dos sinais através dos quais o Senhor nos garante que o nosso carisma
ursulino é uma preciosa herança e leva em si a fecundidade que o torna
eficaz em tempos e contextos diversos.
Animadas, encorajadas desta certeza, colocamo-nos na escuta do
mundo contemporâneo e, nele, das perguntas educativas provenientes do
mundo juvenil e feminino em particular.
As diversas urgências nos interpelam e nos provocam a encontrar
respostas sempre mais adequadas, diante às quais estamos convictas que
também hoje, como nos tempos de Zefirino e Ângela, a missão de educar é
urgente “obra das obras”, o caminho que nos permite de encontrar os jovens
e de acolhê-los como um dom confiado aos nossos cuidados. Na obra que é
de Deus, com a nossa ajuda, os jovens possam descobrir a si mesmos como
dom único, original e crescer responsáveis por uma tarefa confiada a eles
como pessoas que crêem no mundo e na Igreja.
Este trabalho, pensado principalmente para nós ursulinas, requer ser
verificado na concreta obra educativa, que o Senhor realiza mediante a
nossa ação e a nossa oração, a favor da juventude, e entre esta, a mais pobre e
abandonada, objeto dos amorosos cuidados de cada ursulina e de cada
comunidade.
As autoras
16
ANOTAÇÕES HISTÓRICAS
É importante preceder o texto com estas breves reflexões, para
esclarecer a interpretação e o uso que foi feito no tempo dos Escritos4 de
Santa Ângela e dos “destinatários” dos mesmos.
Algumas considerações
Os Escritos de Santa Ângela ditados por ela ao fiel secretário
Grabriel Cozzano, são três: Regra, Recordações e Testamento (ou
Legados)5, bem caracterizados, pelo estilo, linguagem, conteúdo, fazendonos perceber que são três os grupos de destinatários. Mas se isso não fosse
suficiente, Ângela mesma indica, no Prólogo que precede cada escrito, a
quem se dirige: na Regra, “Às diletas filhas e irmãs da Companhia de Santa
Úrsula”6; nas Recordações, “Irmã Ângela, serva indigna de Jesus Cristo, às
suas diletas filhas e irmãs, as coronelas da Companhia de Santa Úrsula, ou
seja às virgens”7; no Testamento, “Irmã Ângela, serva indigna de Jesus
Cristo, à senhora Lucrezia, mãe principal da Companhia, e às outras
4
5
6
7
Esta expressão refere-se aos textos de Santa Ângela Merici e do Bv. Zefirino
Agostini, que desde a fundação inspiraram a vida e a ação apostólica das
ursulinas.
Os Escritos de Santa Ângela Merici aos quais se faz referência neste texto são
tirados respectivamente: da Regra, do volume conservado na Biblioteca
Trivulziana de Milão; as Recordações e o Testamento da cópia notarial
reproduzida dos originais e conservada no Arquivo Secreto Vaticano e
transferidos pela L. Mariani e E. Tarolli em Brescia no ano 1999. Cfr. Os
“Escritos” de Santa Ângela Merici, aos cuidados de L. Mariani E. Tarolli,
Queriniana, Bréscia, 1996.
Reg Prol, 7. As “virgens” eram membros efetivos da Companhia de Santa Úrsula
“eleitas para serem verdadeiras e intactas esposas do filho de Deus”.
Rec Prol, 1-2. As “coronelas” também elas “virgens”, eram as responsáveis dos
pequenos grupos de jovens pertencentes à Companhia. A elas foi confiado o
cuidado de cada uma, a missão de compreender o comportamento de cada filha e
de perceber as suas necessidades espirituais e materiais, para providenciar o
melhor possível.
17
8
governadoras e mães” .
No tempo, por causa de circunstâncias históricas, ligadas ao
desenvolvimento da Companhia e à compreensão de um estilo de vida novo
e inovador, as Virgens fizeram uma transposição corajosa e interessante: na
França, sobretudo, as ursulinas se dedicaram à educação das jovens através
do ensino; isto também quando aceitaram um estilo de vida monacal. E
assim, com toda a simplicidade, aqueles textos que formavam a sua
espiritualidade, davam-lhes consistência e as configuravam como “Filhas
9
de Santa Ângela”, tornaram-se a “Carta Magna” de seu estilo educativo .
Tudo aquilo que a Madre diz às Coronelas e às Matronas, quanto ao modo de
considerar, orientar, valorizar “filhas e irmãs”, foi lido e referido à relação
educativa 'professora-aluno', no contexto de uma escola, o 'adulto-jovem',
no contexto de uma comunidade de fé, para aqueles empenhados na
10
catequese ou em outras atividades pastorais .
Graças a esta mudança de perspectiva, Ângela foi considerada, na
história da Pedagogia, educadora e fundadora de uma Ordem de
11
Educadoras . E é graças a esta novidade, providencial e carismática, que
nós hoje, nos vários lugares onde nos encontramos a operar, imersas em
diversas culturas e situações, inspiramo-nos nela, na nossa missão
educativa. Anima-nos a mesma liberdade que caracterizou a sua figura de
mulher, e com o mesmo desejo de “obedecer aos conselhos e as inspirações
que continuamente o Espírito Santo suscita no nosso coração, qual voz
sentiremos tanto mais claramente quanto mais purificada tivermos a
12
consciência” .
Numerosos, ao invés, são os Escritos do Bv. Zefirino Agostini
13
dirigidos às ursulinas , recolhidos num único texto que se tornou familiar a
8
9
10
11
12
13
Leg Prol, 1-2. Seguem os nomes das “nobres matronas”: um grupo de damas, de
senhoras viúvas, pertencentes a alta sociedade bresciana, que não fazem parte,
propriamente, da Companhia, mas que tem a missão de vigiar sobre esta nova e
jovem instituição, garantindo-lhe a seriedade diante da sociedade civil e eclesial.
Cfr. L. Mariani, O.S.U., As “Recordações” de Santa Ângela Merici. Notas de
espiritualidade, Tipolitografia Obra Pavoniana, Brescia 1991, 16ss.
Ibidem.
Ibidem.
Reg VIII, 14-15.
Z. Agostini, O Fundador às suas primeiras Ursulinas FMI, uso manuscrito,
18
cada irmã. Nele se percebe a grande familiaridade do Fundador com Santa
Ângela que ele conheceu através da mediação das ursulinas de Saló14;
apaixona-se por esta figura de mulher santa e deseja “fazer reflorescer o
Oratório Paroquial Mariano das Jovens colocando-as sob a proteção de
Santa Ângela Merici, Santa nossa e famosa fundadora das ursulinas, à qual,
quem escreve, sentia-se atraído com invencível ímpedo de estima e de
15
veneração” . Ele apresenta-lhes a vida, a modalidade de consagração ao
Senhor, o carisma virginal, a missão educativa, deixando assim às suas
Filhas uma herança espiritual enriquecida pelo “espírito mericiano” e pelo
zelo apostólico, sua nota distintiva que transparece em cada reflexão
dirigida às Filhas.
Muitas vezes, nas suas exortações, Pe. Zefirino apresenta, explica
as fontes mericianas e convida as ursulinas a lê-las, mastigá-las, para
16
assimilá-las e saborear o “sabor como de mel” , ricas como são do espírito
17
da Mãe, um espírito que deve transformar-se “em alimento e em sangue” ,
18
para ser “verdadeiras ursulinas, dignas filhas” , que tem com Ângela, sua
19
Mãe e Mestra, “uma relação mais cara, mais íntima, mais interessante” .
A história nos diz que a primeira escola de caridade concretizou-se
20
próprio graças ao desejo de “três entre as maiores” , que pediram de poder
“fazer alguma coisa para imitar Santa Ângela no cuidado das meninas,
21
iniciando uma Escola para as mais pobres e abandonadas” .
Na simplicidade e no entusiasmo dos inícios, foram acontecendo
algumas novidades nem mesmo imaginadas pelo Pe. Agostini, mas que
começam a dar consistência à fisionomia da Ursulina Filha de Maria
Imaculada. Santa Ângela é o modelo de vida e de santidade que inspira o agir
14
15
16
17
18
19
20
21
Tipolitografia Obra D. Calabria, Verona 1983, de agora em diante: FO, com o
número da página.
Cfr. FO, 446.
FO, 447.
FO, 225.
Ibidem.
Ibidem.
FO, 317.
Ibidem.
Ibidem.
19
em favor das meninas, sobretudo as mais pobres e abandonadas.
É interessante perceber a motivação original, que depois encontrou
forma concreta também na escola: o coração de Pe. Agostini estava
preocupado com a situação das famílias da Paróquia e, pensando às várias
possibilidades, vê na instrução das jovens, e, sobretudo, das mais
necessitadas, um meio eficaz de educação. Uma preocupação pastoral
22
sentida e vivida no contexto eclesial da paróquia.
Sobre o rastro de Santa Ângela, como solicita o Fundador, vem
espontâneo uma pergunta: a quem se dirige hoje, a Ursulina Filha de Maria
Imaculada? Quem é 'o outro' com quem a Virgem Filha de Santa Ângela é
chamada a estabelecer uma relação educativa?
As esposas confiadas às coronelas são, hoje, as jovens as quais
somos enviadas, que encontramos nos lugares tradicionais, escola,
23
paróquia, grupos juvenis, mas também em outras instituições e iniciativas
e que nos “foram confiadas para cuidá-las como vigilantes pastoras e boas
24
ministras” .
“O outro” são também as irmãs com as quais formamos a
comunidade. A vida fraterna, de fato, é o espaço no qual assumimos um
estilo educativo, com todas as atitudes que o caracterizam e este estilo o
vivemos em qualquer lugar, porque, também este “é ursulino”, do lar do
22
23
24
O primeiro “Regulamento para a Pia União das Irmãs Devotas de Santa Ângela
Merici”, aprovado em 23 de outubro de 1856 pelo Bispo de Verona Mons.
Benedetto de Riccabona, apresenta três campos de trabalho que as irmãs devem
abraçar, e destes, dois são:
“1.AInstrução Escolar das meninas pobres da paróquia.
2. “Avigilância sobre as mesmas nos dias festivos no tempo do Oratório Mariano,
da Doutrina Cristã e do divertimento vespertino”, FO, 11.
Neste mesmo Regulamento, na parte dedicada à aceitação das alunas na escola,
se diz: “Nenhuma igualmente poderá ser admitida sem que os Pais prometam
firmemente que a filha irá freqüentar louvavelmente a escola, e as práticas dos
dias festivos, isto é, o Oratório, a Doutrina e divertimento vespertino”,AO, 13.
Não é difícil intuir a dimensão pastoral também da escola, inserida num contexto
de atividade e iniciativa para a formação humana e cristã da juventude.
Sejam confrontados também os artigos 12-15, 17 da Regra de Vida e 12-18,20 do
Diretório, significativos para a nossa Tradição.
Cfr. RdV 10; Dir 30.
Rec Prol, 6; cfr. Rec 7º.
20
25
nosso viver juntas, nasce o zelo para o bem dos outros .
É deste espírito e com este espírito que foram elaboradas as
reflexões que seguem.
25
Cfr. Fo, 288.
21
I PARTE
FUNDAMENTOS
CAPÍTULO I
Imagem e experiência de Deus
em Santa Ângela Merici e transmitida
pelo Bv. Zefirino Agostini às suas Ursulinas
Ir. M. Magda Capatti
INTRODUÇÃO
A partir da particular visão de Deus e experiência d'Ele, em Santa
Ângela Merici, e transmitida a nós pelo Bv. Zefirino Agostini como herança
e experiência possível a ser percorrida, significa reconhecer que esse é o
fundamento do ser e do educar da ursulina. Se estivermos convencidas que o
fim da nossa missão é fazer crescer a pessoa, nossa e dos outros, a medida de
Cristo, de verdade cada ação educativa, nesta luz, torna-se ação do Espírito
que se compreende e aprende estando voltadas a Ele: assim nos ensina Santa
Ângela, mulher do olhar voltado para Deus, e, portanto que se tornou reflexo
d'Ele, para os outros. Essa intuição tinha também o nosso Fundador:
“Ângela viveu toda para Deus [...] ela era como uma imagem viva de Deus e
como tal refletia sobre o seu próximo à luz suprema daquela sabedoria
26
celeste que Deus tinha infundido nela” .
Eleva-se a Deus e torna-se suas imagens vivas, reflexos do seu amor
pela humanidade, explica logo o Fundador, atingindo a inacessível ciência
de Deus, na fé alimentada na fonte da Palavra, como Ângela que embora
iletrada, possuía o conhecimento de Deus de quem sabia falar também aos
teólogos do seu tempo: “Sim, porque também se ninguém lhe tinha ensinado
nem mesmo a ler, ela possuía o conhecimento das Escrituras em modo
elevado que, interrogada diversas vezes por diferentes teólogos e
pregadores sobre passagens dos dois Testamentos, também sobre aqueles
mais difíceis, deixava-os admirados dos seus discursos. Assim pessoas
27
ilustres e do povo desejavam conhecê-la e escutá-la falar” .
Daqui se pode então começar a entender qual experiência de Deus
viveu Santa Ângela. E podemos intuir a grandeza de um evento importante e
decisivo para a sua vida, que ela não fala nos seus escritos, do qual, porém,
perpassa algo de “extraordinário”: é a visão de Brudazzo; a visão da escada
representada entre o céu e terra, com a sua procissão de Anjos e Virgens em
28
festa: imagem bíblica que lembra a visão de Jacó .
26
27
28
Aos jovens, Escritos do Fundador, Zefirino Agostini, série “Cadernos
vermelhos”, 279, da ora: FG/4.
Ibid.
Gen 28, 10-17. L. MARIANI, E. TAROLLI, M. SEYNAEVE, Ângela Merici,
25
Quem recebe uma visão, com dificuldade, consegue expressá-la e
traduzi-la em linguagem humana, sempre inadequada, à experiência
sobrenatural. No caso de Ângela, o evento acontece nos anos da sua
juventude: Deus se lhe revela à maneira dos místicos, e ela intui o dom que
lhe é confiado, um carisma para partilhar com outras, que só “tarde”, depois
de uma longa gestação, se traduzirá em uma ação espiritual, e também
social, num novo modo, feminino, de viver a fé. E, por isso, com força e
segurança, Ângela “também se sua indigna serva, e por sua infinita bondade,
instrumento seu”, poderá dizer sempre: “Deus plantou essa Companhia,
29
jamais a abandonará” .
Ângela tenta transmitir-nos a imagem de Deus e a sua singular
experiência d'Ele, encontrado na Oração, na Palavra vivida e por ela
espalhada nos seus escritos, e na Eucaristia, o freqüente e sempre desejado
encontro com Ele. Nesses três espaços, Ângela vive continuamente a
presença de Deus e a relação deAmor com Ele. E se faz nossa mestra.
Mas quem é Deus para Santa Ângela?
Como todos os Santos, Ângela tem seu modo pessoal de ver Deus. É
29
Contribuição para uma biografia, Ancora, Milão 1986. Nas 103-106, 533, 539,
541 se fala desta visão considerada a mais importante entre as “outras visões” de
Ângela e das quais se fala nas 85-88, 114, 136, 531, 546, 559, 616, 626, 623. O
Fundador se refere a esta quando mais vezes a apresenta as ursulinas: “Sim,
diletíssimas, uma semelhante missão bem conhecia Santa Ângela de ter recebido
de Deus, desde a hora em que, na jovem idade, teve a celeste visão da misteriosa
escada”, FO, 530.
E ainda, de modo mais explícito: “Vocês, porém diletíssimas, não deixem vir
menos a preciosa graça da sua vocação, do momento que se reúnem sob o casto e
virginal estandarte de assim grande Santa, também vocês são esposas do
Imaculado Cordeiro, previstas por ela na misteriosa visão da Escada que ela teve
na sua jovem idade. [...] Ângela também vê vocês, ó jovenzinhas crescendo na
esperança da sua Companhia. Sim cresçam, ela lhes diz, para ajuntar-lhes à
portentosa Escada”, FO, 318.
Rec. 4°, 8; cf. Leg 11°. 6-8; cf. L. MARIANI, Ângela Merici, 559.
26
fundamental para nós, pela entrega confiada a nós pelo Fundador, caminhar
de acordo com uma experiência de Deus, típica da ursulina, em fidelidade ao
Espírito da Madre Santa Ângela, para tornar vida “aquela íntima
familiaridade”, que ajuda a crescer “na união com Ele e dá vigor a nossa
30
ação apostólica” .
Isso motiva a escolha de procedermos guiadas pelos textos de
Ângela, refletidos nas palavras do Fundador, em sintonia com a
modalidade com que ele se coloca entre Ângela e nós: como aquele que guia
e ensina, mas permanecendo “escondido atrás”, busca indicar a Mãe, porque
tudo lhe interessa, sobretudo, que cada ursulina aprenda e compreenda,
como se vive e opera, à luz de Deus.
1. O MODELO TRINITÁRIO
Já nas primeiras linhas do “Prólogo da Regra da Companhia de
Santa Úrsula”, Ângela nos dá as diretrizes da sua visão de Deus, três vezes
Santo.
No nome da Trindade, inicia a Regra, conclui as Recordações, e inicia
e conclui os Legados com as palavras de bênção sobre as Filhas,
significando que cada ação e obra são cumpridas no seu Nome, para o bem
do próximo, invocando sobre as pessoas da nossa missão a presença de
31
Deus, Pai, Filho e Espírito Santo . E tornamo-nos, em primeiro lugar, uma
bênção para os outros, quando o Deus que está dentro de nós, se comunica
32
aos outros e continua a manifestar-se como o precioso, único “tesouro” a
30
31
32
RdV 19, 30, 31.
“No nome da santa e indivisível Trindade. Prólogo sobre a vida das virgens,
recentemente começada com o nome de Companhia de Santa Úrsula”, Reg Prol,
1-2.
“Agora lhes deixo; fiquem contentes, e tenham viva fé e esperança. Mas primeiro
quero que sejam abençoadas, «in nomine Patris, ET Filii, ET Spiritus Sancti.
Amém»”, Rec. Ult, 26-27. “A eterna bênção esteja sobre todas vocês, concebida
por Deus Onipotente, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém” (Leg
Prol, 3).
“Mas antes lhes abraço, e a todas eu dou o beijo da paz, suplicando a Deus que
lhes abençoe «in nomine Patris, ET Filii, ET Spiritus Sancti. Amen»”, Leg Ult,
27-28.
Rec. 5º, 43.
27
ser levado a todos.
Compreendemos então que próprio aqui, na perspectiva trinitária a
experiência de Deus, da Santa e também nossa, encontra o fundamento, as
características, as motivações.
1.1. “No nome da Santa Indivisível Trindade”, em Santa Ângela
O Deus que preenche a vida de Ângela é o Deus da revelação cristã:
pela fé na Palavra, Ângela conhece o mistério de Deus trino e uno e
reconhece a específica relação com as três Pessoas divinas, que nela
“habitam” sem confusão.
Deus, para Santa Ângela, é “o Altíssimo, o Criador e Juiz”, Aquele
que “concedeu a graça de separá-las das trevas deste mundo e uní-las juntas
33
para servir sua divina Majestade” , e a Ele devemos render infinitas graças
34
por ter concedido a nós um dom assim singular . É Ele que orienta e ensina o
35
que devemos fazer por amor a Ele, na tarefa confiada . É o Deus que
respeita a criatura e nada pede por força, mas somente exorta e sugere,
porque Ele sabe fazer coisas admiráveis e, como diz a Escritura, “até mesmo
36
das pedras pode cavar filhos celestes” .
Entra-se assim, na concepção cristã do “Pai”: Ele é o ápice do amor e
da obediência do Filho, o qual intercede por nós, afim de que o Espírito nos
torna cada dia mais em conformidade a Ele.
Em termos de relação conosco, é o Pai que com o seu amor
37
providente , não nos abandona, conhece as nossas necessidades, pode e
38
quer cuidar-nos e somente deseja o nosso bem e a nossa alegria .
Ele nos constrói na existência como pessoas, porque nos gerou
imprimindo em nós os traços do seu rosto: rosto de um Deus que se fez assim
39
próximo, até se fazer chamar por nós “Abbá, Pai” ; tornou-nos filhos no
33
34
35
36
37
38
39
Reg Prol, 4.
Cf. Reg Prol, 5.
Cf. Rec. Prol, 7.
Rec. 8º, 6.
Cf. Rom, 5, 8.
Cf. Rec. 5°.
Rom 8, 15.
28
40
imortal Filho de Deus , que é Jesus Cristo.
41
Ele é “o Rei dos reis e Senhor dos senhores” ; é o Enviado do Pai e,
por nosso amor, escolheu ser humilhado e aniquilado sobre a Cruz e nos
42
ensina a ter o coração “do verdadeiro e prudente servo de Deus” que,
humilde, aniquila-se a si mesmo, porque espera de Deus outra glória e honra
43
mais verdadeiras . Por isso Jesus é nosso Caminho, Verdade e Vida, o bom
44
Mestre que ensina, e “está no nosso meio qual Pai e Bom Pastor” .
45
Cristo é para Ângela, sobretudo “o Esposo , o único verdadeiro
46
tesouro” .
A relação do Esposo conosco marca aquela relação de núpcias de
sabor bíblico, entre Deus e a humanidade, amada com a sua história de
fidelidade e infidelidade e, no Filho, reconciliada. É uma relação de pertença
e de redenção, que adquire um lugar todo privilegiado na vida de Ângela.
Portanto, é Deus que chama “a tal glória de vida, de ser esposas do Filho de
47
Deus e a tornar-se rainhas no céu” .
O Espírito Santo, como o experimenta Ângela, é Aquele que
ilumina e nos ensina toda a verdade, suscita no coração “conselhos e
48
inspirações” e no coração é suplicado e obedecido; porque se fizermos
fielmente assim como nos ditar o Espírito, a fortaleza e o verdadeiro
conforto que vem dele, estarão em nós para sustentar e atuar com força e
49
tenacidade aquilo que nos será confiado . Por isso, é necessário submeter-se
“totalmente a Sua vontade e com uma viva e sólida fé, receber d'Ele aquilo
que devemos operar por Seu amor. E, nisso, qualquer coisa aconteça, é
50
necessário perseverar constantemente, até o fim” .
Na sua relação conosco, o Espírito, se o deixamos operar, nos livra
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
Cf. Leg 4º, 13.
Leg 4º, 14.
Rec. 1, 12.
Cf. Rec. 1°, 13.
Leg 10º, 9; 11, 5.
Cf. Leg 4º, 3.
Rec. 5º, 43.
Reg Prol, 17.
Reg VIII, 14.
Cf. Rec. Prol 4.
Leg Prol, 22-24.
29
e nos transforma com a sua potência de amor e move a cumprir ações em
conformidade a ele; e é ele, o Espírito que constrói as relações entre nós e
51
nos constitui em uma única família . No Deus Trindade nós encontramos,
portanto, o fundamento do nosso ser filhas e crentes: o Pai que plasma em
52
cada uma a imagem do Filho, através da ação do Espírito : é essa a marca
trinitária que carrega em si cada pessoa, criada a imagem e semelhança de
Deus que é Amor. Também na criação, inscrita igualmente no plano da
redenção, o homem encontra os sinais de Deus e se empenha em cuidá-la,
louvando a sua presença.
1.2. “O mistério dos mistérios”, no Fundador
No reconstruir o percurso espiritual para as suas ursulinas, a partir
da dimensão trinitária, Pe. Zefirino faz referência aos textos de Santa
Ângela, às “suas breves palavras, mas ricas do espírito de sabedoria celeste
53
da qual era profundamente impregnada” ; uma sabedoria que a Mãe
aprendeu no seu assíduo “estar” no amor da Trindade.
Eis o convite às suas ursulinas: viver na presença do Deus Amor,
para “sentir-se como que transformadas em Deus, tornadas uma coisa só
54
com ele porque quem está no amor habita em Deus e Deus n'Ele” .
55
O elemento básico na nossa Regra que é a dimensão do “habitar” o
Amor trinitário em nós e de nós n'Ele, reconduz à freqüente exortação do
Fundador, através da imagem dos “ramos”, que produzem frutos somente se
ficarem unidos à videira: porque “Cristo é a verdadeira Videira e seu Pai o
56
Agricultor [...] e é argumento da mais importante instrução, para todas
aquelas que desejam viver da Sua vida, permanecendo unidas ao Seu divino
57
Espírito” .
51
52
53
54
55
56
57
Cf. Reg VII; Rec. Prol; Rec. 7º; Leg 7º.
A. CENCINI, Formação: novas perspectivas de pedagogia, in: «Vita
consacrata», 1/2002, 37.
O Espírito Santo, Escritos do Fundador, Zefirino Agostini, série “Cadernos
Vermelhos”, 17- FSS/1.
FSS/1, 8.
RdV 19.
Jo 15, 1-2.
FO, 245 248.
30
O Fundador, com um método pastoral, apresenta a ação das três
Pessoas divinas com imagens evangélicas:
• O Pai, o Agricultor: o “Deus dos céus” suscita a tal confidência que cada
uma pode chamá-Lo Pai. Ele, pela sua infinita bondade, deleitou-se em
58
criar o homem, para que gozasse da dignidade de ser seu filho . E é Ele
59
que faz crescer , porque é um Pai sábio e providente, tão bom que, sem
nenhum interesse se comunica a todos segundo a capacidade de cada
60
um . É Pai de todos e cada um aprende a reconhecê-Lo, dirigindo-se a
Ele, que quer ser invocado como Pai;
• Jesus Cristo, a Videira: o Filho Unigênito, uma coisa só com o Pai, numa
vida de amor e de obediência a Ele. Nisto Ele se faz Mestre e Modelo da
nossa existência, que se torna fecunda somente se permanece unida a Ele
que é a Vida. A nós Ele a doa em superabundância e continuamente
61
porque se fez nosso irmão , e nos redimiu com a sua vida de santidade e
62
de sofrimento, até à cruz ;
• O Espírito Santo, o divino Espírito: aquele que habita em nós, do qual
63
jamais entendemos plenamente a força transformadora . Ele nos
ilumina e nos faz conhecer o “tesouro de graças que temos nas mãos, a
64
Caridade de Deus derramada por seu intermédio nos nossos corações” .
“É o Espírito, diz o Fundador às Filhas, o vosso Mestre de todas as
verdades: da beleza da virtude, do amor que Jesus lhes trouxe, da
65
grandeza do seu estado, do fim da sua vocação” . É Ele que forma a
verdadeira ursulina, o espírito de uma santidade que deve ser o dote mais
66
precioso de uma esposa de Jesus Cristo” .
Segundo a perspectiva trinitária de Ângela, também Pe. Zefirino,
58
59
60
61
62
63
64
65
66
FO, 8.
1Cor, 3, 6.
FO, 8.
Ibid. 388.
Homilias da Quaresma e do Tempo Pascal, Escritos do Fundador Pe. Zefirino
Agostini, “Cadernos Vermelhos”, 62-FTP/6.
Ibid., 4, 8.
Ibid., 251.
Ibid., 16.
FO, 302; FSS/1,22.
31
67
entra no mistério de “Deus trino nas Pessoas e uno na essência” , o Deus
do nosso creio cristão, que palpita na comunhão trinitária, abraçando tudo e
todos, a imensidade dos séculos, dos espaços e dos homens. Ele quer ser
contemplado no mistério e na luz da Graça operante em quem a Ele se abre; e
por isso o Fundador afirma: “A Santíssima Trindade é o mistério dos
mistérios, o fundamento de todas as grandezas da nossa religião, o nome que
68
enche céus e terra: Pai, Filho e Espírito Santo” . E, “fixando o olhar da fé”
em Deus uno e trino, ele sente a necessidade de exclamar: “Meu Deus, não
69
compreendo, mas creio” . Compreende bem, ao invés, a ação da Graça
dentro de nós, onde trazemos inscrito o modelo trinitário, na unidade do ser e
junto na multiplicidade das dimensões: filial e fraterna, esponsal e materna,
que cada uma experimenta e vive.
Conclusão
Com as suas profundas reflexões, o Bv. Zefirino Agostini parece dizer-nos
particularmente, que “o abrir-se à presença operosa e fecunda da Trindade
70
Santa” , intuição de Ângela como perspectiva de uma existência recebida
de Deus, como presença sempre operante, torna-se hoje na Regra e na vida, a
íntima familiaridade, que Deus cria, se fazemos espaço para que Ele habite a
nossa vida. Isso nos ensina Maria, como diz ainda a nossa Regra, porque é
Ela a criatura que Deus quis Imaculada, ícone da humanidade redimida; e
71
com esse título é para nós Mãe e Modelo, a única que pode nos ajudar de
67
68
69
70
71
O Pai Nosso, Escritos do Fundador Zefirino Agostini, “Cadernos Vermelhos”, 8FPN/2.
Homilias do Tempo Comum, Escritos do Fundador Zefirino Agostini, “Cadernos
Vermelhos”, 12-FTA/7.
FTA/7, 13.
RdV 31.
“Filhas de Maria Imaculada” é o título que já aparece no “Manual para a
Companhia das Ursulinas”, preparado por Agostini sob o convite do Bispo de
Verona, mon. Luigi di Canossa, e por ele aprovado no dia 21 de junho de 1869.
Para isso, veja: FO, 147-159. A escolha de tal título para a nossa Congregação
como para várias outras surgidas naquele tempo, explica-se como o redescobrir
de uma espiritualidade mariana típica do Oitocentos que se manifesta em
diferentes modos: a piedade popular invoca a Virgem como ajuda de um povo
32
verdade a contemplar o rosto do Filho.
2. O “DEUS SÓ”
72
O Deus uno, o Vivente, das invocações salmicas como Santa Ângela
o percebe, está sempre presente na sua vida vivida toda para Deus, e a
73
experiência que faz d'Ele, toca os vértices da mística . Podemos percebê-lo
em todos os Escritos, mas, sobretudo na linguagem contemplativa, no tom
coloquial e inconfundível da sua Oração, inteiramente transcrita no quinto
74
capítulo da Regra .
2.1.
75
“Deus Só” e n'Ele todo nosso bem , em Santa Ângela
Esta intensa expressão, que se tornou ao longo do tempo o modo mais
eficaz e sintético de definir-nos em relação a Deus, foi pronunciada sem
dúvida por Santa Ângela, numa época como a sua, que parecia ter perdido os
sinais de Deus.
As palavras luminosas da sua oração afirmam a primazia de Deus,
72
73
74
75
sofrido suplicante; as aparições de Lourdes a Bernadete Soubirous, em 1858, a
apresentam como “Imaculada Conceição”; a extensão a toda a Igreja das
festividades marianas e das devoções, especialmente do Santo Rosário, como
sinal de vitalidade espiritual, até a proclamação dogmática da Imaculada
Conceição, com a bula “Infabilis Deus” emanada por Pio IX, no dia 08 de
dezembro de 1854. Cf. T. GOFFI, La spiritualitá dell'Ottocento /7, EDB,
Bologna 1989, 226-227. Colocamos aqui também uma nota que se refere a
presença de Maria nos Escritos de Santa Ângela: não parece ter um lugar e uma
importância particular. Revela, porém, o seu fundamento doutrinal e a sua
renovação devocional. No Prólogo das Recordações e na 5ª Rec., Ângela invoca
Maria, para valorizar a oração e a coloca sempre junto a Jesus. Na 9ª Rec. a Santa
assegura a benevolência de Maria e da corte celestial à Companhia. Cf. L.
MARIANI, O.S.U.,As “Recordações” de Santa Ângela Mérici, 33-34.
Sal 41; Sal 62.
“Essa mulher «tinha muito mais de divino que de humano», como o Gallo afirma
no “Processo”, porque era de pouquíssimo sono, pode-se crer que a maior parte
da noite passava contemplando, especulando aquelas coisas que a pouquíssimas
pessoas são concedidas”, L. MARIANI, Ângela Merici, p. 135.
Reg V, 16-44; Cf. 5ª Rec.
Reg X, 6. 13.
33
76
com a qual cada um de nós tem tudo , e “fora de Deus se vê pobre de tudo,
propriamente um nada, enquanto que com Deus tem tudo”. E nos convida a
colocar todo o nosso “bem, amor e prazer [...], em Deus só e na sua benévola
77
e afável Providência” .
O “Deus só” é traduzido por Ângela, na sua oração, nos possessivos
da eterna fidelidade de Deus que torna fiel o nosso pertencer-lhe: “Ó meu
Senhor, ilumina as trevas do meu coração, [...] Ò meu Senhor, única vida e
esperança minha, te peço: digna-te de receber esse meu coração” [...], cada
78
ato da minha vontade, todo meu pensar, falar e operar .
O “Tu” confidencial ao se dirigir a Deus, torna-O próximo a cada um,
mas faz compreender também a sua grande distância: Tu luz, eu treva. Tu
grandeza de santidade, eu sempre em risco de ofender-te, cada dia.
Com o olhar de Deus, que por primeiro nos ama e nos conhece,
podemos entrar no nosso coração, já perdoado por Ele, para dar nome as
fragilidades e as tendências que habitam o profundo do nosso ser criaturas
humanas. Santa Ângela reconhece e confessa ofensas e culpas, lentidões,
hesitações, demoras: digna-te, ó Senhor, de perdoar as minhas culpas até
79
agora cometidas .
Não só: deixando-se olhar por Deus aprende-se a assumir os
interesses do seu coração; d'Ele que, no Filho Jesus, deu a vida para todos.
E para todos, com a oração, tornamo-nos voz do perdão de Deus:
dignos para perdoar a humanidade inteira, a partir dos afetos próximos até
80
aqueles distantes que não te conhecem .
A visão do Reino amplia os horizontes da oração, e Ângela pede que o
encontro com o Senhor se “apresse” e aconteça, no coração de cada
homem, também através da participação da sua Paixão, intuída sim, mas
sempre tarde correspondida: “Tarde, muito tarde comecei a servir-Te e não
81
tenho derramado por Ti nenhuma gota de sangue” .
E então a conclusão: purifica, santifica tudo “no ardente fogo do teu
76
77
78
79
80
81
Reg X, 6.
Reg X, 9-13.
Reg V, 35ss.
Cf. Reg V, 23.
Cf. Reg V, 23ss.
Reg V, 27-28.
34
82
amor” , recebe, transforma, não deixar-me mais a mim mesma, mas
abandonada a Ti, ao teu amor, ao teu querer: “Tudo isso eu ofereço aos pés
83
da tua divina Majestade” .
2.2. “Ò meu Senhor, única vida e esperança minha”, nas meditações
do Fundador
A bonita oração de Santa Ângela, pela importância que tem na sua
experiência de Deus, não poderia faltar nas meditações propostas pelo
Fundador às suas ursulinas, quase querendo dizer a cada uma que naquela
oração Deus torna familiar o seu rosto, e no ficar com Ele, no permanecer,
como discípula aos seus pés, com as atitudes de Ângela, cresce a ursulina
apóstola.
84
O Fundador coloca-se em sintonia com Ângela, iluminando-nos
sobre o conteúdo da oração, para entender a intensidade da união e a
85
modalidade com que ela vive para Deus: “única vida e a sua esperança” .
86
É esse o ponto mais elevado da doutrina espiritual de Ângela
sintetizada nas últimas linhas da sua oração.
Disso era consciente também Pe. Zefirino que escreve: “Santa
Ângela dirige-se ao seu Deus suplicando-O como única vida e esperança,
com o mais fervoroso ímpeto de todos os afetos: isso quer dizer que Deus
assim se revelava a ela, enchendo-a com a imagem viva das suas
87
perfeições” .
A criatura que, como Ângela, encontra o seu Criador como o Tudo,
deseja somente corresponder-lhe, pedindo-lhe de receber o tudo de si
mesma: o seu “pobre” coração, rico de dons de graças não merecidos, mas
82
83
84
85
86
87
Reg V, 37.
Reg V, 42.
São seis as meditações do Fundador sobre a oração de Santa Ângela, usadas num
curso de exercícios espirituais às Ursulinas, Cf. FO, 515-535. Nelas aprofunda
toda a oração mericiana; aqui tomaremos em consideração a VI meditação, onde
apresenta a invocação final: “Ó meu Senhor, única vida e esperança minha”, FO,
533ss.
Reg V, 35.
L. MARIANI, O.S.U.,As “Recordações” de Santa Ângela Merici, 108.
FO, 532.
35
também habitado por inclinações e tendências terrenas que esperam de
serem “queimadas”, para que Deus se faça sua plenitude. Se tal é a
consciência de Ângela, diz o Fundador, “quando será que também nós
saborearemos a inefável doçura de dirigir-nos a Deus dizendo-lhe: meu
88
Deus, tu és minha única vida, tu a alegre esperança minha. Quando será?” .
É importante, então, que nos interroguemos sobre o “nosso coração”,
como fez Ângela, não tendo medo de reconhecê-Lo “pobre e imundo” e sob
a luz de Deus descobri-lo desfigurado, se Ele “não nos ajuda eficazmente a
89
cada instante com a sua graça” . É urgente, portanto deixar-se purificar pelo
amor ardente de Deus, para que Ele habite em nós. Em tal modo logo “o
efeito” transparecerá: a nossa vontade, unida a aquela de Deus, será capaz de
90
orientar o pensar, o falar e o agir à imitação da santidade divina .
A “medida” será dada da fiel resposta à própria vocação: a sua, como
91
sacerdote de Cristo, e a nossa, como esposas “doAltíssimo” .
O “meio” para obtê-lo será sempre a humilde, perseverante e
confiante oração, o pedir, como fazia Ângela, que Deus receba todas nós
mesmas: “Recebe, Senhor, todo meu pensamento, palavra, obra e,
finalmente, cada coisa minha interior como exterior, tudo te ofereço [...],
92
pedindo-te que tu te dignes de recebê-lo, mesmo que eu seja indigna” .
Ângela quando nos entregava com as intensas palavras da sua oração,
tinha presente tudo isso, a sua experiência de Deus, tornando-se para as
93
numerosas Filhas “a mãe, a mestra e o exemplo” .
Assim para ser como a Mãe, o Fundador exorta a cada ursulina a
deixar-se “mergulhar no espírito da oração meditada” de Santa Ângela; para
viver, como ela, “unicamente para Deus”, sua “vida e esperança”,
entregando a Ele o próprio coração, “purificado de cada afeto e paixão”,
94
para que se torne “fornalha ardente da caridade de Cristo” para os irmãos .
88
89
90
91
92
93
94
FO, 533.
Ibid.
Cf. FO, 534.
Ibid.
Cf. Reg V; FO, 534.
Ibid., 535.
Ibid., 533.
36
Conclusão
A riqueza de uma tal experiência não podia perder-se, na expressão
orante de Santa Ângela, tanto recomendada pelo Fundador às suas Filhas e
que se tornou, por tradição, oração cotidiana, “a nossa” oração, porque nos
ensina a dirigir-se a Deus com familiaridade e confidência, a reconhecê-Lo
como o Senhor a quem pertencemos, a assumir de coração a causa do Reino,
como meta da nossa missão.
Interroga-nos sobre o primado que se deve dar a uma “vida segundo o
Espírito”, ou seja, assinalada essencialmente por uma união sempre mais
profunda com Deus, no nosso tempo como aquele de Santa Ângela, que
95
parece ter perdido o sentido de Deus. “A vida espiritual no primeiro lugar” ,
é de fato, hoje, a urgência que se adverte e pede atenção para colocar a nossa
existência de consagradas sob o horizonte de uma dedicação exclusiva aos
interesses de Deus e dos irmãos.
É próprio Santa Ângela com a sua palavra muito atual, que nos indica
como recuperar o espaço da familiaridade com Ele, no qual, mediante a
96
graça, se obtém de Deus a verdadeira vida espiritual .
3.
“JESUS CRISTO, O ESPOSO”
Existe uma expressão na nossa Regra de Vida, que nos coloca na ótica
com a qual olhar o verdadeiro rosto de Deus, revelado no Filho: “O amor
esponsal por Cristo dilata e amadurece nossa capacidade de doação, torna
97
fecundo nosso serviço eclesial” .
3.1. “O Esposo, o Amador”, em Santa Ângela
Cristo esposo, contemplado por tempo prolongado, torna-nos
semelhantes a Ele. Este é o ideal ao qual nos leva Santa Ângela e, sob os
seus passos, também o Fundador, que intui na espiritualidade nupcial, o
95
96
97
Consagração para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica, Partir de Cristo, 20, Roma, 19 maio 2002.
Cf. Reg V.
RdV 45.
37
fundamento sólido da vocação ursulina.
Considerando essa dimensão, já temos encontrado os diversos modos
com os quais Ângela fala de Jesus nos seus escritos e os muitos nomes,
assimilados da sua assídua freqüência da Palavra, que expressam quem é
Jesus para ela e ao mesmo tempo, quem é Jesus para nós, suas filhas. Jesus
98
para ela é, sobretudo “o Esposo”, “o Amador” .
Partindo da convicção teologal de uma iniciativa do Amador, que
99
escolhe e chama a ser esposas do Senhor , se compreende a consagração
ursulina, numa vida confiada a ação da Graça, para agradar o mais possível a
100
Jesus Cristo Esposo . Desta forma, Cristo se torna o “Tudo” da esposa, que
101
n'Ele “tem todo o seu bem” ; a Ele, que se tornou o único tesouro, a ursulina
promete toda si mesma. “Honrem Jesus Cristo, ao qual prometeram a sua
102
virgindade e a si mesmas . Coloquem a sua esperança e o seu amor em Deus
103
só e não em pessoas viventes” .
Santa Ângela inclui na Regra a parábola do amor e do empenho de
104
esposas do Filho de Deus que almejam o encontro sem fim com “o doce e
105
benigno Esposo Jesus” ; é esse um convite a cada ursulina, que ela encontre
em Deus, já nesta vida, aquele que a completa: Cristo o seu Tudo, para
sempre.
Cristo está presente na vida de Santa Ângela e das Filhas como “o
106
Amador meu, ou melhor, nosso e comum de todas” ; e ninguém pode
107
resistir à sua luz, “alegre esplendor da verdade” .
Como no Cântico dos Cânticos e no sinal da Aliança de amor de Deus
com a humanidade, Santa Ângela entendeu o diálogo de amor que faz surgir
98
Rec. 5º. 38; Leg Ult, 18. Cf. L. MARIANI, Ângela Merici, 148 e C. OSELLA, A
Caminho com Ângela Merici, Hesed Torino, 2002, 68.
99
Cf. Reg Prol. Cf. L. MARIANI, Ângela Merici, 234.
100
Cf. Leg 5º.
101
Reg X, 6.
102
Cf. Rec. 5º.
103
Rec. 5º, 21-22.
104
Cf. Reg Prol.
105
Reg XI, 35.
106
Rec. 5º, 38.
107
Leg Ult, 20.
38
o desejo de refletir-se no Amado, quando o Cristo se tornou “a minha vida”,
108
“o único tesouro”, “o único caminho para o céu” .
No laço esponsal se enraíza a experiência de amor de Santa Ângela e
de cada uma de nós, experiência que transfigura a vida “dentro” e faz
descobrir ser amada por um amor pessoal e único, e não somente como
criatura, Filha de Deus, mas também como mulher e como esposa.
3.2. “Amados por Deus com amor de Esposo”, nas palavras do
Fundador
109
Com a linguagem bíblica nupcial de Isaías e de Oséias , também Pe.
Zefirino evoca um Deus Pessoal, o qual quer ser chamado com confidência
Pai e Esposo das suas criaturas:
• Pai, para cada homem, para cada um, amado “por um amor terno e
110
confiante” , o mais forte que se possa imaginar;
• Esposo, para o “dileto povo”, que ama até a dar a vida, com um amor
111
infinito e sem comparação, porque Ele “é Deus e não homem” e por
isso faz uma aliança nupcial e pede ao seu povo totalidade de amor:
“Sigilando o pacto das suas núpcias lhe pediu que o amasse com todo o
112
coração, com toda a alma, com todas as forças” .
Deus manifesta, em Jesus, a paixão pela humanidade e dá plenitude a
relação de esponsalidade, que é dom de si, até a extrema oferta.
“Eis que para fazer-se nosso Esposo, Jesus Cristo comprou as almas
do Pai, em virtude do seu sangue. E sabem quando Jesus Cristo fez esse
casamento? No santo Batismo no qual nos deu a sua fé, junto com as outras
113
virtudes e dons de graça” .
“Jesus Cristo, nosso Esposo, encarregou-se dos nossos sofrimentos,
tomou sobre si as nossas enfermidades [...] para ser nosso Esposo se
108
Reg IV, 4.
Cf. Is 61, 10; 10; Os 2, 21-22.
110
FPN/2, 17.
111
Os 11, 9.
112
FPN/ 2, 18.
113
Ibid.
109
39
114
submeteu em tudo ao cumprimento da vontade do Pai. Imitemo-Lo” .
E exorta: “Se assim somos amados por Deus, com amor de Esposo,
115
com quanto júbilo as nossas almas devem ser suas esposas” .
“Seja essa a prática constante de vocês: imitá-Lo para serem suas
116
esposas, sofrer, rogando-lhe, que não se faça a nossa, mas a sua vontade” .
O Fundador nos diz que é dom de Deus a esponsalidade vivida na
Congregação, porque torna presente na Igreja, o Cristo Esposo: “A Graça
grande que Deus fez de chamar-lhes fora das trevas do mundo e de lhes fazer
entrar nesta Companhia, plantada, por vontade de Deus, pela gloriosa Santa
117
Ângela na Igreja de Jesus Cristo” .
É um dom assim grande que merece empenho para viver, cada dia,
118
segundo o chamado recebido .
Conclusão
A aliança de Deus com o homem, através de Jesus Cristo, torna-se o
fim último pelo qual fomos criados; uma aliança que se repete na história: do
juramento feito por Abraão: “Te abençoarei; abençoarei aqueles que te
abençoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra”119, a Moisés:
“Eu estarei contigo”120 e, em Cristo, a cada um de nós121.
É uma aliança desde sempre radicada no ser do homem, o qual não
tem o seu fim em si mesmo: o verdadeiro Tu que o completa é o Outro; por
isso permanece forte em cada homem, também quando o ignora, o desejo de
encontrar Deus, como o Intimo de si mesmo: o Deus ao qual anela a alma de
cada um, na sede d'Ele, Deus vivente122, vida do ser e razão do existir.
114
Ibid., 19.
Ibid., 18.
116
Ibid., 18-19.
117
FO, 377.
118
Cf. Reg Prol.
119
Gn 12, 2-3.
120
Ex 3, 12; Cf. C. OSELLA, A caminho com Ângela Merici, 23.
121
Cf. Ef 1, 3.
122
Cf. Sal 41.
115
40
4. CRISTO, O SALVADOR
Temos recebido, de Santa Ângela e do Bv. Agostini, um patrimônio
espiritual que põe fortemente ao centro Cristo no seu Mistério Pascal:
mistério de uma salvação que conduz à glória da ressurreição mediante o
caminho do sofrimento e da morte.
A nossa Regra de Vida sintetiza o caminho de configuração a ele: “Na
certeza de que caminhamos em novidade de vida, na medida em que,
morrendo a nós mesmas, revestimo-nos de Cristo crucificado e ressuscitado
para nossa salvação, abraçamos com serena alegria a abnegação evangélica
123
no seguimento de Jesus pela sua Igreja” .
4.1. “Derrama o seu sangue por nosso amor”, em Santa Ângela
A união esponsal com Cristo, que Ângela propõe, realiza-se numa
124
relação que nos torna com ele um só Corpo, num só Espírito : este é o ideal,
o fundamento de uma vida aberta à Graça e transfigurada pelo amor divino.
Assim Santa Ângela percebeu e nos seus escritos deixa traçado um caminho
em que a contemplação do divino torna-se causa e condição da missão, em
plena adesão Àquele que, primeiramente nos procurou: “Jesus Cristo que
125
por nosso amor viveu neste mundo” .
Na intensa expressão, Ângela sintetiza a figura de Cristo, tão
apaixonado pela humanidade que, por seu amor, toma morada na vida e no
126
ambiente do homem: Ele, que derrama o seu sangue por nosso amor , veio
procurar e salvar o que estava perdido e se fez próximo do homem, para
127
redimi-lo e “dar-lhe o poder de se tornar filho de Deus” .
São os dois aspectos fundamentais do Evangelho: o mistério da
Encarnação e da Paixão, que Ângela bem conhece pela familiaridade com a
128
Palavra transmitida pelos Evangelistas , sem os quais, também nós, como a
123
RdV 27.
Cf. Ef 4, 4.
125
Reg V, 12.
126
Cf. Reg V, 25.
127
Jo 1, 12.
128
L. MARIANI, Angela Merici, 147-148.
124
41
Mãe, não saberemos nada do Senhor: é o mistério da sua existência humana
129
e divina, que Cristo ensina ; e então Ela exorta: “Aprendem de nosso
Senhor, o qual, enquanto estava neste mundo, foi como servo, obedecendo
130
131
ao Pai eterno até a morte” ; e é “a sacratíssima paixão de Nosso Senhor” ,
132
que nos incita a descobrir as nossas lentidões em começar a servir a Deus ,
e a pedir por isso o seu perdão: “Digna-se de perdoar [...] Peço-lhe, pela sua
sacratíssima paixão, pelo seu precioso Sangue derramado por nosso
133
amor” .
As suas palavras fazem intuir que conhecer Jesus conduz a amá-lo, e
apaixonadas por Ele, a pôr-nos a serviço da sua mesma missão: “Senhor, no
lugar daquelas miseráveis criaturas que não te conhecem, nem se curam de
ser partícipes aos méritos da sua sacratíssima paixão, quebra-se o meu
coração e com muito gosto, se pudesse, daria eu mesma o meu sangue para
134
abrir a cegueira das suas mentes” .
Bem entendia Santa Ângela que Jesus é o Amor encarnado de Deus e
sua única mensagem, é o amor que se doa. O ser “esposa”, então, é o fazer135
se uma com o amor, é participar em tudo à paixão do Esposo , é apaixonada
adesão a Cristo, no servir a causa do Reino: “Deus lhes concedeu a graça de
separar-se das trevas deste mundo miserável e de unir-se juntas para servir
136
sua divina Majestade” .
Verdadeiramente a Paixão de Jesus ocupava o coração e penetrava o
ânimo de Ângela, que se tornava sua expressão espontânea, quase um seu
intercalar aquele: “peço-lhes, aliás, suplico-lhes, por amor da Paixão de
137
Jesus Cristo” dirigindo-se “às filhas e irmãs minhas no Sangue de Jesus
138
Cristo, caríssimas” : “Roguem-nO, humilhem-se sob sua grande potência,
129
Cf. Reg IX.
Rec. 1º, 6.
131
Reg VI, 3; Rec. Prol, 20.
132
Cf. Reg V, 27.
133
Reg V, 24-25.
134
Reg V, 31-34.
135
Cf. Rec. Prol.
136
Reg Prol, 4-5.
137
Rec. Prol, 20.
138
Rec. 1º, 1. A “Paixão de Cristo”, assim como o seu “sangue”, retornam ao menos
sete vezes separadamente, mais duas juntas, nos Escritos mericianos, Cf. L.
MARIANI, O.S.U., As “Recordações” de Santa Ângela Merici, 33.
130
42
porque sem dúvida, tendo-lhes confiado tal obra, lhes dará também as forças
para poder realizá-la, contanto que não falte a sua parte. Façam, mexam-se,
acreditem, esforcem-se, esperem, gritem a ele com o seu coração, e, sem
139
dúvida, verão coisas admiráveis” .
O Jesus a quem olhar para configurar o ser e o fazer segundo a medida
do “Coração” de Cristo é, para Ângela, o Salvador Jesus: no seu nome
expressa a missão, a sua entrega ao Pai, numa voluntária e ardente adesão ao
projeto de redenção e de libertação da humanidade. E se compreende, então,
como ter presente a vida de doação e de abnegação de Jesus, a sua
obediência à vontade de Deus, como medida da nossa adesão a ele.
Apreendendo de Jesus, que ensina a tomar sobre si a fraqueza do
homem e a curá-la com o amor, tornamo-nos apóstolas da sua salvação, bem
conscientes de ser apenas um meio, seus instrumentos somente por sua
140
misericórdia , em fazer compreender aos irmãos, “como o Senhor nos
141
amou” .
4.2. “Jesus é o nosso amadíssimo Redentor”, segundo o Fundador
O Fundador estava bem compenetrado nesta visão, pela dimensão do
seu sacerdócio, que o consagrava homem de Deus entre os homens, para o
bem dos homens, “Alter Christus”, e também pela vocação e missão que
intuiu de Santa Ângela para nós Ursulinas.
Na sua concepção cristocêntrica, nada é redimido, na Igreja e na
humanidade que não se refira a Cristo: é Ele o modelo, o exemplo de cada
perfeição humana; não somente, Ele é o Redentor, o autor da Graça e
ninguém se salva sem Ele: “Cristo é o nosso amadíssimo Redentor, pagou
142
por nós além de toda medida” .
A grandeza do mistério da Redenção vem d'Ele proposta com as
tenras imagens evangélicas que caracterizam a sua pregação; e nas suas
comparações pessoais entre as palavras dos evangelistas e aquelas dos
139
Rec. Prol 16-18.
Cf. Rec. 1º, 1-5.
141
Cf. Jo 13, 34.
142
FPN/ 2, 23.
140
43
143,
santos as figuras definem-se e fundem-se porque única é a mensagem de
144
Cristo: “OAmor de Deus que em Jesus Cristo doa-se todo a nós” .
Recorre, comovente, a imagem do Bom Pastor, que oferece a vida
145
146
pelas suas ovelhas e se torna a figura do Cordeiro imolado .
E une a figura do Bom Pastor que sofre com o Homem da Cruz: “Eu vim ao
mundo só pelo desejo de salvar as almas, dando para elas a vida da graça e
vida mais vigorosa e feliz [...] Vós sabeis quem eu sou? Eu sou o Bom Pastor
[...] Eu me sinto estreitar as entranhas por um desejo que não tem descanso
até que não se consuma como vítima de sacrifício, pela salvação das almas
[...] Ah! Escutem-me, escutem-me agonizante da minha cruz: tenho sede:
como se não tivesse sofrido bastante, desejo como homem extremamente
147
sedento, sofrer ainda mais, se fosse possível, para que ninguém se perca” .
Enfim na imagem, a mais cara a Santa Ângela, do Bom Pastor que se
associa àquela do Pai: “Me representei sob a imagem do Bom Pastor que
com afabilidade busca a ovelha perdida e exulta por tê-la encontrada; sob a
imagem de um Pai que, abandonado por um filho ingrato, festeja a sua volta
148
com a maior magnificência e alegria” .
Nestes títulos, Cristo mostra toda a sua misericordiosa doçura, o amor
que o define Salvador, no significado universal e central de uma vida e de
uma missão, dom e responsabilidade para com os outros: em Jesus, o desejo
de salvação, “a sede pelas almas” é a sua paixão.
Fundamental é, então, compreender o que signifique a sede de
redenção do Cristo, e o Fundador nos orienta para entrar, pouco a pouco, em
tal mistério: “Sitio”. “Como é inteligível e clara esta tua palavra, igualmente
é misteriosa e sobrenatural. Tu tens sede de almas, da sua vida eterna, do
número exterminado daquelas que não te conhecem. Tu doaste tudo, corpo e
sangue por elas e elas não sabem reconhecer que Tu és a salvação. Podemos
149
nós aliviar um pouco a tua sede?”
143
Cf. FPN/ 2, 20.
FPN/ 2, 21.
145
Cf. Jo 10, 11-14.
146
Cf. FO, 367.
147
FO, 529.
148
FO, 367-368.
149
FTP/ 6, 61.
144
44
Conclusão
O amor do Filho de Deus por nós e o nosso amor por ele se aprende,
como diz o Fundador, direcionando freqüentemente o olhar para Jesus
Crucificado: “Abrem o Santo Evangelho; sigam com ternura e humildade
todos os passos do Homem-Deus, meditem bem sobre a vida de Jesus e no
meio das suas meditações, olhem freqüentemente o Crucifixo: rezem,
amem, suspirem olhando para este grande exemplar”150. “O Crucifixo é o
grande livro que devemos consultar em cada ação”151. “Mas, ainda mais:
procurem que o seu agir e o seu estilo de vida sejam conformes os seus
divinos ensinamentos”152.
Ressoa, em sintonia com as palavras de Ângela, o convite dirigido às
Ursulinas para contemplar e assimilar e em tudo configurar-se ao Jesus da
cruz: “Vocês não devem ser conformes à imagem dolorosa de Jesus Cristo,
seu Esposo, se querem gozar da sua glória? Também aos seus caríssimos
apóstolos, por tal missão, Jesus Cristo predisse cruzes gravíssimas,
perseguições, o ódio de todo o mundo”153.
É Jesus que, da Cruz, verdadeiramente nos faz suas e nos envia como
apostolas154: “Desta missão somente encarreguei os meus Apóstolos,
quando disse a eles: «Como o Pai me enviou, eu lhes envio. Idem por todo
mundo: salvem todas as almas!»”155.
De Jesus que salva da Cruz, recebemos sempre, uma missão
semelhante àquela dos Apóstolos: “Filhinhas, vocês negariam de ter
recebido de Jesus Cristo semelhante missão quando lhes chamou a servi-lo
na eleita fileira das filhas de Santa Ângela? Esta sua gloriosa Mãe, não foi
por ventura um portento de zelo para salvar as almas? [. ..] e vocês podendo
salvá-las não as salvariam a custo de todos os possíveis esforços?”156.
E é ainda Jesus que “da cátedra da cruz”157, diz a sua verdadeira
essência na expressão que somente Ele, com absoluta verdade, pode dizer de
si mesmo: “Não há maior amor do que dar a vida por aquele que se ama”158.
150
Aos Sacerdotes, Escritos do Fundador Pe. ZefirinoAgostini: FS, Escr. 125.
Z.AGOSTINI, Devoções do SS.mo Rosário, Escr. 548, inédito,AOV.
152
FS, Escr. 125.
153
FO, 305.
154
Cf. RdV 9.
155
FO, 368.
156
Ibid.
157
Ibid., 506.
158
Jo 15, 13.
151
45
Assim Ele torna-se para todos “o Homem para os outros”, modelo de
uma vida entendida como dom de si, que se realiza, cuidando dos outros: a
medida do Crucificado.
5. AEUCARISTIA, SACRAMENTO DOAMOR
O Amor de Deus que salva e redime, mantém-se vivo e verdadeiro,
para sempre, no dom supremo de Jesus que é a Eucaristia, o Sacramento do
Amor, que se sacrifica o sinal da sua Paixão. E a cada encontro com Ele, na
mesa do Pão, cada cristão faz experiência.
Se esta é a dimensão própria de cada crente, para nós ursulinas,
tornou-se particularmente importante e, na tradição, remonta a Santa
Ângela.
5.1 “Na Santa Missa encontram-se os merecimentos da Paixão de
Nosso Senhor,” em Santa Ângela
Na Regra, Ângela dedica um capítulo à Missa cotidiana159; que faz
compreender o sentido de fé profundo com que ela olhava para a vida
sacramental, e em particular à Eucaristia. E sobre estes valores
fundamentais a sua união com Deus, deixa transparecer a sua paixão por
Deus. Em poucas linhas, mas densas de conteúdo, sugere às filhas a
participação freqüente à Eucaristia, naqueles tempos a comunhão não era
hábito cotidiano160 para uma vida formada sobre o sacrifício de Cristo,
celebrado cada dia: “Cada uma vai à Missa cada dia, [...] porque na Santa
Missa se encontram todos os merecimentos da paixão de nosso Senhor. E
quanto mais se participa com atenção, fé e contrição, tanto mais se participa
dos benditos merecimentos e mais se recebe consolação. Aliás, será um
comunicar-se espiritualmente”161.
Ressalta em Ângela a consciência do significado principal do
Sacrifício Eucarístico: como participação ao mistério de Cristo que sobre o
altar renova o sacrifício da morte pela humanidade. Daqui nasce o
envolvimento de toda si mesma: sobretudo na participação aos méritos da
Paixão de Cristo que acrescenta o desejo de comunhão com Ele.
159
Cf. Reg VI.
Cf. L. MARIANI, Ângela Merici, 98-100, 541.
161
REg VI, 1. 3-5.
160
46
Deste modo a celebração eucarística, a cada novo dia, dá “vida nova”
pela novidade perene de Cristo.
Ângela leva consigo essa interiorização da Missa, no “cotidiano”,
para manter vivos e autênticos o amor de Deus e a paixão pela salvação do
próximo, nisto a sua oferta se une na oferta de Cristo e a prepara a uma
Comunhão que é ao mesmo tempo alimento e intimidade, desejo e encontro
com Jesus, Pão vivo descido do Céu162.
Olhando a Eucaristia, Amor de Cristo, e nutrindo-se do Corpo e
Sangue de Jesus, Ângela aprende a amar como Ele, num serviço a Deus e aos
irmãos. Isso transforma a nossa vida em uma “liturgia” e nos compromete a
viver uma presença de participação, disponíveis a ser mediação e
prolongamento do seu mistério de amor para com a humanidade.
5.2. “Neste Sacramento encontra-se Deus”, diz o Fundador
Também o Fundador exorta as filhas ao encontro com Jesus
Eucarístico e à comunhão freqüente, “sob o exemplo de Santa Ângela”, e
pela centralidade que o Sacramento ocupa na sua vida sacerdotal: se neste
Sacramento se encontra este Deus todo perfeição e santidade, se ali dentro
na plenitude de sua força está a fornalha ardente da caridade, o Deus da
163
santidade, unindo-se à alma, torna-a divinizada . “Empenhem o seu
coração, abrindo-o ao ardor do amor de Jesus no Sacramento por vocês [...]
164
este divino Sacramento é a fonte dos sagrados dons” .
A palavra do Fundador evidencia a firmeza da fé na real presença de
Deus no Sacramento e o contágio do amor que se atinge na e da Eucaristia.
Referindo-se a Santa Ângela, ele relê e motiva a importância dada
pela Madre, ao encontro com Jesus Eucaristia, para que se torne central
também para nós. E escreve: ”Dêem um olhar à sua Mãe Santa Ângela. Ela
viveu em tempos nos quais muitas e erradas opiniões afastavam os fiéis da
Santa Comunhão e a mesa do Senhor era completamente deserta [...]. Ela,
referem aqueles que escreveram sobre ela, vestiu o hábito de terciária
franciscana para poder comungar freqüentemente [...] por isso a comunhão
freqüente, a comunhão também cotidiana pode e deve ser a ocupação mais
162
Cf. Jo 6, 51ss.
Cf. FO, 105.
164
Às Mães Cristãs, Escritos do Fundador Pe. Zefirino Agostini, fascículo uso
manuscrito, FM, Escr. 204.
163
47
desejada das filhas de uma tão grande Mãe, porque é o meio mais eficaz para
crescer no fervor, na piedade, na virgindade, na santidade da vida. [...] O seu
corpo tornado-se sacrário vivo do Senhor transmita pureza e santidade, e o
seu coração, que assim freqüentemente palpita junto ao coração de Cristo, se
165
mostre estranho a qualquer outro amor que não seja Ele” .
A dimensão eucarística para o Fundador, não é devocional, mas
expressão do dom pleno de Cristo na Páscoa; por isso propõe às ursulinas
numerosas meditações sobre este Sacramento, o “mistério dos mistérios da
166
nossa santíssima fé” , e próprio da linguagem apaixonada e ao mesmo
tempo indefinida, deixa transparecer a exaltação extasiada frente “ao
Sacramento no qual Jesus derramou as riquezas do seu amor e tanto as
167
derramou que não pode dar-nos mais” . Sobretudo predomina na sua
contemplação, a imagem de Jesus Eucaristia, que se faz:
• nosso alimento, o maravilhoso prodígio, que o divino Redentor faz a nós,
dando-nos o alimento da alma na mesa infinitamente mais preciosa do
168
seu santíssimo Corpo ;
• modelo sublime de humildade, obediência e caridade, em ter se abaixado
e escondido no Sacramento, obediente à voz do homem, dando-nos a
prova do amor por nós, tornando-se intimamente uma só coisa
169
conosco ;
165
FO, 205-208; L. MARIANI, Ângela Merici, 97.
FO, 392.
167
FO, 393.
168
“Vemos Jesus intimamente pertencer a nós como o alimento que cada dia nos
sustenta. É assim. Jesus se fez alimento das nossas almas. Foi verdadeiramente
estupendo o prodígio que Deus operou em favor do seu povo saciando-o no
deserto com pão descido do céu; mas quanto mais maravilhoso é aquele que o
divino Redentor faz a nós dando-nos o alimento da alma na mesa infinitamente
mais preciosa do seu santíssimo Corpo. [...] Prostremo-nos, ó Filhinhas, diante
dos sagrados sacrários deste Jesus feito nosso alimento, e escutemos o que nos
diz: a mesa já está preparada: venham para as núpcias”, FO, 392-393.
169
Jesus Cristo no seu Sacramento Eucarístico dá as provas mais estupendas e
evidentes das suas virtudes. Antes de tudo a mais estupenda e manifesta
humildade, no ter se abaixado no Sacramento onde, Deus soberano e glorioso, se
esconde sob as espécies frágeis de pouco pão e pouco vinho. Esta é de verdade
humildade. Dá prova de obediência. No Sacramento é obediente à voz do
homem, ou seja, o seu ministro, talvez o mais indigno, que o faz descer vivo, real,
166
48
• amigo que quer ser recebido na nossa casa, “fazendo-lhe homenagem em
recebê-Lo no espírito acreditando nele, no coração, por amor , realmente
170
no corpo pela castidade, com o cuidado dos pobres pela caridade” ;
• rei que convida todos ao banquete da graça, também os pobres e os
enfermos na alma, contanto que sejam vivos à graça e, com o Sacramento
171
do Corpo e do Sangue, todos são curados e sarados ;
• “fonte de bem” e “vínculo de comunhão” da Companhia e se recebe
“desta fonte inesgotável de bens [...] a ajuda para formar uma Companhia
verdadeiramente singular, virtuosa e santa, toda segundo o Espírito de
172
Jesus Cristo, unida com ele, vivente e operante com ele” ;
• e vínculo de “unidade” da Igreja, porque este Sacramento é a alma
vivificante de toda a Igreja, é o vínculo estreito da unidade de todos os
glorioso na hóstia consagrada. Qual grande obediência! Mas a prova estupenda é
a caridade. No Sacramento dá a prova maior do seu amor por nós, de não saber, de
não poder amar mais, fazendo-nos uma só e íntima coisa, cf. FO, 457-459.
170
O Verbo feito carne, transformado em alimento e bebida celeste vem habitar
realmente em cada um de nós, cheio de graça e de verdade. É, portanto pelas
comunhões freqüentes que o constituímos verdadeiro patrão e esposo da nossa
alma: o receber Jesus Cristo no espírito acreditando nele, é um fazer-lhe
homenagem da razão pela fé; recebê-Lo no coração, guardando a graça
santificante, é um fazer-lhe homenagem por amor; recebê-Lo realmente no corpo
comungando à sua morte é fazer-lhe homenagem com a castidade; enfim, recebêLo em casa, tendo cuidado dos pobres é um fazer-lhe homenagem dos bens pela
caridade, cf. FO, 105-107.
]171
“Não sabem ou se esqueceram que no meu Evangelho me representei sob a
imagem daquele Rei que fez uma grande janta e convidou muitos? Esqueceram
que, aqueles que rejeitaram com vãs desculpas [...], fiz encher a casa de pobres,
enfermos, cegos, e coxos? Não se dão conta que com isso queria fazer
compreender que não me indigno de admitir ao meu Convite Eucarístico os
pobres, os enfermos, os cegos, os coxos na alma, no entanto que sejam vivos à
minha graça e que, com o Sacramento do meu Corpo e do meu Sangue, os teria
curado e sarado todos?”, FO, 394.
172
“Porque almejando a comunhão do grande Sacramento não se disponham a
receber com essa uma grande abundância das graças que brotam desta fonte
inesgotável e infinita de todos os bens? [...] Portanto bastará ó filhinhas, as suas
comunhões bem feitas, para que não só individualmente, mas como Ursulinas,
formem uma Companhia verdadeiramente singular, virtuosa e santa, toda
segundo o Espírito de Jesus Cristo, unida com ele, tendo dito: “Quem come a
minha carne e bebe o meu sangue está em mim e eu estou nele”, FO, 207-208.
49
fiéis com Jesus Cristo: um só o pão que nós comemos e um só o corpo que
173
formamos .
É constante, no Fundador, o convite a contemplar quanto seja
174
grande e maravilhoso este mistério , a exaltá-lo e glorificá-lo, porque o Pão
Eucarístico, partido por nós e distribuído, revela a insondável riqueza do
175
Amor de Deus no seu doar-se e fazer-se nosso alimento ; um Pão que
alimenta a interioridade, porque é Jesus que nos faz uma só e mesma coisa
176
com ele e com o Pai , o Pão necessário para viver d'Ele, assimilar o seu
modo de amar, fundamento da comunhão entre nós e da relação com os
outros.
Conclusão
A dimensão eucarística tornou-se, no tempo, a consciência central e
fundamental que “na Eucaristia se encerra todo o bem espiritual da Igreja,
quer dizer o mesmo Cristo, nossa Páscoa e Pão vivo, [...] alimento e força do
177
nosso caminho de fé, de esperança e de caridade” . E é costume familiar
para nós, a oração “a Jesus na Eucaristia,” inserida também na nossa
178
adoração comunitária .
6. “NAIGREJADE JESUS CRISTO”
Seguimos Cristo servindo-O no “campo” da nossa missão:
participamos da sua mesma missão que continua na Igreja, terreno onde
173
“Vocês sabem bem como o celebra a Igreja, o sacrossanto Banquete no qual se
recebe Cristo, honra-se a memória da sua paixão, enche-se a mente de graça e da
futura glória, nos vem colocado nas mãos um seguro penhor [...] Que maravilha,
portanto, que esse Sacramento seja a alma vivificante de toda a Igreja e o vínculo
estreitíssimo da unidade de todos os fiéis com Jesus Cristo. Eis que é um só o pão
que nós comemos e por isso, todos juntos, formamos um só corpo”, FO, 207.
174
Cf. FO, 457.
175
Cf. FO, 393.
176
Cf. FO, 388.
177
RdV 20.
178
A Oração da Irmã Ursulina FMI, Verona 1991, 21.
50
nasceu e cresce o nosso carisma.
A Igreja é o espaço onde Deus revela a salvação: Igreja histórica e
concreta, dos tempos de Ângela e de Pe. Agostini; Igreja dos sinais visíveis,
sacramentais da Graça; Igreja dilatada a dimensão universal: é esta a visão
de Igreja que colhemos nas reflexões e exortações deles e que construiu em
nós um forte “sensus Ecclesiae”, uma forte pertença eclesial.
6.1. Asanta mãe Igreja, em Santa Ângela
O “sensus Ecclesiae” de Ângela tem as raízes na Palavra de Jesus
transmitida pela Igreja que a faz ressoar abertamente aos ouvidos dos fiéis,
para empenhá-los a uma vida de abnegação, em conformidade a Cristo, o
179
único caminho para o céu , ao qual nós devemos obediência: “Cada uma
queira obedecer [...] ao que ordena a santa mãe Igreja, porque, diz a Verdade:
180
[...] «Quem escuta vocês, escuta a mim»” .
No entanto a Igreja, concreta e histórica do tempo de Santa Ângela,
era uma realidade com “manchas e rugas”: das heresias e de novas doutrinas
181
que miravam de um lado a demoli-la e do outro a reformá-la ; de homens e
acontecimentos que conotavam a condição da Igreja como crise, próprio a
partir dos responsáveis e pastores do rebanho.
A forte pertença eclesial de Santa Ângela torna-a capaz de ver uma
Igreja ameaçada pelo espírito do mundo. Isto é motivo para recomendar as
responsáveis da Companhia de defender e proteger “as suas ovelhas dos
lobos e dos ladrões”, “de gente mundana”; e não somente dos “hereges”,
mas até mesmo dos “falsos religiosos”, aqueles que do interno, com a
superficialidade da sua resposta ao chamado, enfraqueceram os valores de
182
fundo da consagração e a fidelidade na vida assumida .
179
Cf. Reg IV, 4-5.
Reg VIII, 7ss.
181
“A Reforma Protestante acusa a Igreja desaprovando os abusos e as culpas de
muita gente de Igreja. E condena culpa e culpados, atacando diretamente a Igreja
e o papado, tentando descobrir princípios doutrinais católico. Ângela ao
contrário, distingue Igreja e homem de Igreja”, L. MARIANI, O.S.U., As
“Recordações” de Santa Ângela Merici, 97, 102.
182
Cf. Rec. 7º; Leg 10º; Cf. L. MARIANI, O.S.U., As “Recordações” de Santa
Ângela Merici, 97.
180
51
183
184
Como Mãe vigilante e prudente sugere de deixá-los no seu estado
não apenas se adverte um abandono de alguém sobre as verdades do
Magistério eclesiástico. Compreende-se daqui a força e a atualidade de uma
das suas mais notas expressões: “Mantenham a antiga estrada e costumes da
Igreja, ordenada e conformada por tantos Santos por inspiração do Espírito
185
Santo. E façam vida nova” .
Das suas palavras emerge, portanto a sua concepção de Igreja: nem
teóloga, nem doutora, mas mulher de Deus reconhece que é o Espírito de
186
Deus a guiar a sua vida , e reconhece na realidade da Igreja o Mistério da
187
“comunhão dos Santos” . Para ela, mulher, as santas virgens e mártires,
188
Ágata e Lúcia, Inês, Cecília e Úrsula, e muitíssimas outras , são todas
imagens da Igreja, Esposa de Cristo.
Intui que é a união entre os crentes de ontem e de hoje que dão
continuidade da Igreja no tempo.
Assim Santa Ângela nos introduz de novo na simbologia nupcial, o
“lugar” típico mericiano, no mistério da Igreja tornada Esposa na Paixão de
Cristo e vivido por tantas Esposas de Cristo, que d'Ele aprendem a
'derramar-se' a si mesmas, para que o Reino venha.
É correto ler as palavras “paixão” e “sangue”, em estreita relação com
a Igreja, porque ela nasce aos pés da Cruz, do sangue de Cristo que dá vida a
uma nova humanidade, segundo a promessa de Jesus: “Serei elevado [...] e
189
atrairei todos a mim” .
183
Cf. Reg Prol, 18.
Cf. Rec. 7º, 18.
185
Rec. 7º, 22.
186
Cf. Rec. 7º.
187
Cf. D. BARSOTTI, A espiritualidade de Santa Ângela Merici, Morcelliana,
Brescia 1980, 136;
188
E. TAROLLI (aos cuidados de) Ângela Merici, Cartas do Secretário 1540-1546,
Ancora, Milão 2000, 36.
189
Jo 12, 32; A respeito da imagem da Igreja “esposa”, como escreve a Mariani,
“deixemos a palavra ao teólogo Pe.Valentino Macca ocd: «No clima de
renovação da Igreja do seu tempo, Ângela vive em si excepcionalmente o
mistério da Igreja “esposa”. E isso constitui o eixo do seu pensar e agir, a nota
mais forte da sua experiência e da sua espiritualidade, da sua maternidade de
fundadora»”, Cf. L. MARIANI, Ângela Merici, 234.
184
52
Para essa Igreja Santa Ângela pede insistentemente a oração das
Filhas: “Rezem e façam rezar, para que Deus não abandone a sua Igreja, mas
190
queira reformá-la como a Ele agrada” .
As imagens de Igreja esposa, e de Igreja comunhão, que podemos
deduzir nos breves escritos de Santa Ângela, levam a dilatar o nosso “sensus
ecclesiae” e de pertença a Igreja universal e as nossas comunidades
eclesiais, todas nascidas da Cruz, da riqueza do sacrifício de Cristo, que
“ali” nos faz um e nos torna testemunhas, com a ardente fidelidade ao
primeiro início; é “ali”, onde não podemos duvidar de encontrar ajuda, nos
191
tempos difíceis e duros, também da Igreja .
Na perspectiva eclesial de Santa Ângela, aparece clara também a
“vida nova” que Ela propõe qual novo fermento “dentro” da Igreja: o
carisma virginal, como modalidade inédita de vida consagrada a Cristo e
com Ele partícipes da obra redentora e libertadora, sobretudo da mulher. O
“novo” de Santa Ângela, nos tempos em que a condição da mulher era
decidida por outros, entre os “muros” de um claustro ou somente doméstica,
consiste no poder escolher em liberdade o próprio modo de responder ao
chamado de Deus, sem retirar-se do mundo, mas deixando-se encontrar por
Cristo entre as pessoas, testemunhando-O e anunciando-O na Igreja.
6.2. “AIgreja, Esposa diletíssima de Jesus Cristo”, no Fundador
A sua visão de Igreja emerge enquanto se dirige às ursulinas, as filhas
que “fazendo imagem da santa Mãe, recolheram sempre na Igreja de Jesus
192
Cristo copiosos frutos de bênçãos e de saúde das almas” .
“O que é a Igreja? A esposa diletíssima de Jesus Cristo, a qual para
formar-se sem mancha e sem ruga, deu toda si mesma com a efusão do seu
preciosíssimo Sangue [...].
Ora, se o maior empenho da Igreja é conduzir com todos os meios à
salvação as almas, que ela gera para Jesus Cristo pelo Batismo, não é claro,
então, que semelhante empenho devem ter as Virgens esposas de Cristo na
caridade do Espírito Santo?
190
Rec. 7º, 14.
Cf. Rec. 7º, 27.
192
FO, 530.
191
53
Vocês, benditas filhas, são deste número privilegiado e, portanto
vejam se lhes convêm procurar com as suas possíveis forças, unindo-se ao
espírito da Igreja, o bem, a santificação, a eterna salvação das almas, para
dilatar o Reino de Jesus Cristo seu Esposo divino.
Portanto, junto com a Igreja, também vocês devem entrar no campo
das suas batalhas [...] sim, também vocês, também se enfermos e fracos
instrumentos. [...]
Filhinhas, Jesus Cristo ao vosso zelo confiou a causa da sua honra, da
193
sua Igreja, da salvação das almas” .
Essas palavras, no tom convicto e no conteúdo sólido, abrem à
dimensão de Igreja do Fundador.
Ele vive “na Igreja”, fiel ao Papa, Vigário de Cristo, na terra. E isso
compreende-se bem, no tempo de Pe. Zefirino, onde a Igreja se constituía
como “ação” em defesa do seu rebanho, para contrastar antes de tudo os
fenômenos da incredulidade e as tendências anticristãs difundidas pela
cultura leiga e iluminista, e em seguida, para contrastar as posições
anticlericais assumidas pelo novo governo italiano, em relação ao
temporalismo da Igreja, representado do seu Chefe supremo: “Perseguida a
Igreja com toda a força no seu Chefe o Sumo Pontífice, perseguida nas suas
ordens religiosas suprimidas, nos seus bens roubados. Proclamada uma
liberdade dissoluta para fazer o mal, acorrentada para o livre exercício do
194
bem” .
Uma Igreja, comunidade dos crentes que, ao redor do Papa,
constituem uma unidade bem compacta: “Unidos estamos a Jesus Cristo,
195
porque unidos por fé ao seu Vigário visível na terra, o Sumo Pontífice” .
Sobretudo no dar indicações sobre o sólido fundamento da Igreja, Pe.
Zefirino mostra plena adesão a misteriosa realidade instituída por Cristo:
“Nós cristãos reconhecemos na Igreja a nossa Mãe. Ela é a preciosa
conquista do sangue do seu divino Chefe, Jesus Cristo, a obra admirável da
sua onipotência, contra a qual a força do maligno não poderá prevalecer. Isto
193
FO, 284-287.
FM, Scr. 222.
195
Z. AGOSTINI, Visita pastoral, Escr. 606, in: «Positio super virtutibus ex officio
concinnata», Romae, 1984, 200.
194
54
deve encher-nos de alegria pelos dons que nos são feitos, os mesmos que
196
Cristo faz a Igreja sua esposa” .
Nas representações da Igreja que ele oferece aos fiéis e as suas filhas,
algumas se tornam particularmente significativas:
• mãe, que nasce do dom do Espírito: “Deste milagre nasce a Igreja da qual
nascemos, crescemos, somos educados e, nos seus braços, queremos que
197
seja-nos dado morrer” ;
• obra do amor de Deus e “que pelo amor é continuamente moderada”198;
• templo vivo que cada um de nós é na Igreja199;
• lugar onde se recebe a missão: no Cenáculo como os Apóstolos junto
200
com Maria e da força do Espírito, para dar testemunho a Cristo ;
• campo onde a missão se cumpre: “em Jerusalém, ou seja, na Igreja de
Deus, buscando o bem das almas, atraindo-as a Cristo e ajudando-as no
201
caminho da santidade” .
202
A Igreja comunhão é o “corpo místico” de Cristo e, portanto: sólida
203
n'Ele, sua Cabeça , una pela fé n'Ele, e pela vida de Graça: “os
204
grandíssimos bens que de Cristo cabeça derivam para a Igreja” ; universal,
205
pela “grande obra de ensinar todo o mundo” ; e santa: “santos somos da
206
mesma santidade de Jesus Cristo” . E ainda: “Talvez não sentimos todos
uma inexplicável consolação de encontrar-nos na comunhão dos Santos,
intimamente partícipes daquela unidade, daquela santidade da nossa Mãe, a
207
Igreja católica, apostólica, romana?” .
O profundo “sentir com a Igreja” de Pe. Zefirino expressa-se no seu
196
FTP/ 6, 121.
Ibid.
198
FTP/ 6, 123.
199
Ibid.
200
Cf. FO, 308.
201
FO, 309.
202
Cf. Ef 1, 22-23.
203
FP, 66.
204
Ibid., 132.
205
Ibid., 92.
206
FTA, Scr. Inédito,AOV.
207
Ibid.
197
55
empenho de Pároco, atento a defender o patrimônio da verdade da Igreja e a
difundir, com a palavra e o ministério, a missão a ela confiada.
O seu operar “para a Igreja” o vê Pastor incansável que tem cuidado
do seu povo e o guia para a riqueza da Graça sacramental; sobretudo cuida
de forma especial da “porção” mais fraca, necessitada do seu ministério, “a
juventude”: para educar, para salvar, para fazer caminhar rumo a Deus. O
grande empenho de educar: a nova tarefa que, como ele, tantos santos
208
Fundadores do seu tempo, sentem urgente fazer crescer na Igreja .
Ele transmite a nós o seu “sentir-se Igreja”, para que participemos da
209
sua missão no “campo” de Deus: a juventude para educar .
E do seu incansável ânimo de apóstolo, deriva o zelo: assinala toda
210
ursulina, já de Santa Ângela , mas também traço característico do nosso
211
212
Fundador, “zelantíssimo sacerdote , no seu dizer e, sobretudo no seu
213
apaixonado operar: pela Igreja, pela salvação dos irmãos, pela juventude .
Nascidas na Igreja e do coração de um Pároco, não podemos não
sentir-nos filhas da “Mãe, a Igreja” e apóstolas da sua missão
evangelizadora, nas comunidades eclesiais, como o Fundador nos quer:
“Os Apóstolos tiveram a missão de evangelizar toda a terra, e vocês,
como Ursulinas, tem a missão de fazer todo o bem possível ao próximo,
214
especialmente à juventude” .
208
Cf. FO, 289-291; T. GOFFI, A espiritualidade do Oitocentos /7, EDB. Bologna,
1989, 51.
209
FO, 16, 144, 149.
210
Cf. Leg 3º.
211
“Em particular admira-se em Pe. Zefirino uma profunda piedade, um zelo aceso
no ensinar a Palavra de Deus em particular na formação da juventude,
assiduidade ao confessionário, docilidade e obediência aos superiores e à Igreja,
diligência no desempenho de todos os deveres, grande prudência e sabedoria”,
em: Positio, 103, 492.
212
“Zelo: ele abrange todo o possível ardor para a sua individual santificação [...]
mas ao querer imitar os apóstolos que saíram do Cenáculo, nós vemos que eles se
distinguem por um grande zelo para a maior glória de Deus, procurando a
salvação das almas”, FO, 366.
213
Cf. FO, 284-289; 530-531.
214
FO, 193.
56
Conclusão
O “sensus ecclesiae”, próprio de Santa Ângela e herdada pelo Pe.
Agostini encontra agora uma expressão pastoral para o lugar onde a
Ursulina vive e, sobretudo, pelo modo de pensar as atividades, com aquela
mentalidade eclesial, bem sintetizada na nossa Regra de Vida:
“Desenvolvemos a nossa missão educativa nas Igrejas particulares em
harmonia com as linhas pastorais das Dioceses; [...] Atuamos nas paróquias,
nas escolas e em todas as instituições e iniciativas que nos permitem realizar
215
a nossa missão específica” .
215
RdV 10.
57
I PARTE
FUNDAMENTOS
CAPÍTULO II
Antropologia nos Escritos
de Santa Ângela Merici e do Bv. Zefirino Agostini
Ir. M. Agnese Bellini
INTRODUÇÃO
Antes do discurso de metodologia se impõe, por necessidade, aquele
antropológico: querendo individuar modalidades particulares para fazer
216
crescer o homem não podemos omitir-nos de responder anteriormente à
pergunta: quem é o homem que queremos fazer crescer? A antropologia
precede a metodologia e a deve inspirar; é sobre a base da antropologia que
217
se formulam programas de formação e não vice-versa . Sejam os escritos
de Ângela que aqueles do Agostini, dão razões de uma exemplar coerência
em tal sentido. Em particular Pe. Agostini mais vezes dedicou-se a tratar do
homem, da sua origem, do seu destino/fim último, da sua condição “atual”,
tensão entre o “tornar-se santo” e o viver uma vida arruinada ao
ensinamento das ilusórias promessas do mundo. Nos seus escritos podem
ser individuadas as características de uma antropologia, dinâmica e
diacrônica que conta a história da salvação e explica os vários aspectos do
fenômeno humano como resultado de uma sucessão de acontecimentos. Tal
antropologia, particularmente sensível aos temas das origens, da culpa e da
redenção, representa o homem como imagem de Deus, criado, deturpado e
218
restituído à semelhança da única verdadeira imagem, Cristo . A nossa
época se caracteriza por um forte acento da dignidade da pessoa, mas, ao
mesmo tempo, é testemunha de uma crescente crise de identidade.
O repropôr à nossa atenção a contribuição teológica - espiritual pastoral - educativa de Santa Ângela e de Pe. Zefirino tem por finalidade
oferecer a possibilidade de refletir sobre a nossa identidade de pessoas
criadas a imagem e semelhança do Criador. A narração da Criação e a
humanidade nova gerada em Cristo iluminam a nossa identidade de
criaturas e filhas e sobre esta verdade é possível realizar a existência, dar-lhe
sentido, significado, aprender a sabedoria e abrir-se à eternidade.
216
Com este termo entendemos o gênero humano: masculino e feminino.
Cf. L.M.RULLA, Antropologia da vocação cristã I. Basi interdisiplinar, EDB,
Bologna 1997, 339.
218
Cf. G. BARBAGLIO e S. DIANICH ( a cura de), Novo dicionário de teologia,
Paulinas, Milão, 1991, 26.
217
61
A identidade criatural e pessoal do ser humano, restituída a nós pelo
Mistério Pascal de Cristo, torna-nos capazes de acolher a vida como
219
chamado e de levá-la a plenitude no seguimento .
1. CRIATURAS DE DEUS
A experiência fundamental que ilumina a reflexão sobre o educativo
típico da Ursulina Filha de Maria Imaculada é aquela contida nos primeiros
capítulos do Gênesis. Estes capítulos refletem bem “o princípio” e o
fundamento de cada reflexão, de todo caminho e de toda educação. Não nos
contam “os inícios”, mas “o início”, e isto é o sentido último das coisas, a
raiz profunda dos nossos desejos, problemas, expectativas, medos. Dizem
“quem somos” e “porque somos”. O discurso é primordial: não se refere às
perguntas “penúltimas”, mas aquelas “últimas”; as perguntas que estão à
220
base e antes de todo outro discurso, de todo outro projeto .
À luz da sabedoria adquirida da experiência e da reflexão de fé, conta
“o início” da vida e da história, do tempo e do espaço, reconhecendo que
221
Deus criou o homem a sua imagem e semelhança . Do “nada” Deus criou o
homem a sua imagem e semelhança, somos “nada” feitos “deuses”,
chamados a viver nós mesmos uma “vida divina”. O chamado a existência,
que encontra em Deus a sua origem, encontra n'Ele também o seu modelo: se
“somos” é por amor vontade de Deus que nos chamou “das trevas à sua luz
222
admirável” fazendo-nos “a sua imagem e semelhança”, o Criador,
219
O discurso que Deus dirige ao homem é revelação do seu desígnio de salvação.
De fato na revelação não se trata diretamente de Deus em si mesmo, mas em
quanto ele “revela o seu rosto” ao homem, doando-se a ele. Segundo um
pensador israelita, “a Bíblia é em primeiro lugar não a visão que o homem tem de
Deus, mas a visão que Deus tem do homem. A Bíblia não é a teologia do homem,
mas a antropologia de Deus que se ocupa do homem e do que ele pede, mais do
que da natureza de Deus”, Cf. Novo Dicionário de Teologia, 27.
220
Cf. M. GRILLI, A sua imagem os criou. Princípios de antropologia bíblica à luz
do Gênesis 1-3, em: AA.VV. Educar-se para educar. A formação num mundo que
muda, Paulinas, Milão 2002, 12.
221
Cf. Gn 1, 26.
222
1Pd 2, 9b.
62
imprimiu em nós o seu sigilo que é ao mesmo tempo dom e chamado:
amados, criados e conhecidos por Deus, somos feitos capazes de conhecêlo, amá-lo e servi-lo, numa vida de intensa relação com ele que é o nosso
Pai, e com os homens que são nossos irmãos.
223
Todas somos criaturas de Deus, afirma Santa Ângela na oitava
Recordação, falando das virgens e exortando as coronelas a assumir o seu
cuidado, mas já antes, na oração do quinto capítulo da Regra, se dirigia a
Deus lamentando-se do fato que existem miseráveis criaturas que não o
224
conhecem .
“Deus é o meu Criador, o meu verdadeiro Pai, frisa Pe. Agostini. De
fato se eu me elevo com o pensamento dos efeitos às causas; se subo todos os
degraus dos seres; se eu alcanço o primeiro elo, chego a Deus: eu encontro
Deus antes de tudo, Deus princípio de tudo, que se o perguntassem: Quem
és? Me responderá como respondeu a Moisés: “Eu sou Aquele que sou” (Ex
225
3,14)” . Portanto, se Deus é o ser, o ser único antes da criação, ele é ao
mesmo tempo o Criador do mundo e aquele que fez o homem do nada.
Esta é a profissão de fé do Pe. Agostini: tirado do nada, o homem não
tem em si o fundamento do próprio ser, nem menos foi gerado do caos e/ou
vive no caos, mas tem em Deus a sua origem, Deus que ordenou tudo aquilo
226
que existe para um fim de grande sabedoria . Cada um de nós era um
227
nada . Nada de alma, nada de corpo, nada de obras, mas agora existe, vive,
porque Deus o tirou fora do abismo do nada. Esta verdade protege o homem
do simples viver como resultado de uma cega necessidade e o preserva do
sentimento de abandono de quem pensa a existência humana como um “ser
jogado” no mundo, porque aquele que devemos nós mesmos, aquele do qual
recebemos tudo aquilo que possuímos nos tirou do nada por causa da
223
Cf. Rec. 8.
Cf. Reg. V, 31.
225
Ao povo nas várias circunstâncias, Escritos do Fundador Pe. Zefirino Agostini,
fascículo de uso manuscrito, FP, 50.
226
“A família humana, por quanto grande e extensa não é dominada pelo caos, mas
é guiada por um olho vigilante que toma cuidado de cada um, das coisas grandes
e daquelas pequenas, porque tudo está em Deus que está em toda parte, que tudo
vê, que em qualquer lugar está presente e que, com a sua providência, forte e
suavemente, tudo determina para um fim de grande sabedoria”, FP, 39.
227
Cf. FG/ 4,96.
224
63
caridade eterna que ele mesmo é. Nas palavras de Pe. Zefirino: “Disse-me o
228
meu Deus: “Olha, sendo eu eterno, com caridade eterna eu te amei” . O
motivo pelo qual Deus nos criou é porque ele nos amou. Eis o tudo.
Portanto, nós estávamos desde a eternidade no coração de Deus e do seu
coração nos tirou para colocar-nos entre as mais preciosas criaturas do
229
universo” .
2. CHAMADO À PERFEIÇÃO
Aquilo que é ao início da nossa existência, torna-se com o tempo o
nosso fim: criadas por Deus, chamadas à relação com Ele, até gozar da
mesma glória no céu, numa vida motivada a re-amar aquele que nos tem
amado, é o fim da nossa existência.
O Fundador e Santa Ângela usam expressões semelhantes para
indicar a meta que o homem é chamado a alcançar depois da existência
terrena: o homem é “feito” para o céu e para gozar da glória de Deus no
Paraíso.
Nas palavras de Santa Ângela: é Deus que inspira no coração a luz da
verdade e que dá a vontade de desejar a pátria celeste; o homem busca de
230
231
conservar dentro de si tal voz de verdade e tal bom desejo .
Nas palavras do Agostini: “Eu sou uma viva imagem de Deus, dotada
de uma alma racional e imortal, destinada a gozar da sua glória eternamente
232
no Paraíso” . Ser imagem de Deus para gozar da sua glória no céu, isso
parece reassumir o conteúdo/significado da existência humana, para Pe.
Zefirino. Portanto, é necessário para o homem que eleve a mente e o coração
228
FO, 278.
Cf. FP 50.
230
Para Santa Ângela “se conserva” aquele que voluntariamente abraça os meios
que necessita.
231
Cf. Reg. Prol. Nas Recordações acrescentará: “ Digam a eles que desejem verme não na terra, mas no céu, onde está o nosso amor. Coloquem no alto as suas
esperanças, e não sobre a terra. Tenham Jesus Cristo como único seu tesouro,
porque assim terão n'Ele também o seu amor” , cf. Rec 5, 41-43.
232
FG/ 4,96.
229
64
233
às coisas do céu e que contemporaneamente vive a perfeição que é a Ele
solicitada em força do ser “imagem de Deus”: fora disso, para o Fundador,
não existe nem salvação, nem felicidade.
“Por qual fim Deus nos criou” é o título de muitas predicações,
homilias, instruções às diversas pessoas às quais, Pe. Agostini dirigia-se no
seu ministério. O título retomava uma pergunta da Doutrina Cristã que ele
utilizava para instruir nas verdades da fé. Numa destas instruções podemos
ler: “Deus me criou e me colocou no mundo, para conhecê-lo, amá-lo e
servi-lo nesta vida, e depois gozá-lo para sempre na celeste pátria do
Paraíso. O fim é este: salvar a alma com o eterno prazer de estar com Deus
no Paraíso. Os meios são estes: ocupar-se por todo o tempo que vivemos no
234
mundo em conhecer, amar e servir a Deus” .
Ainda outro texto vem em nosso auxílio para compreender o
significado do ser criadas a imagem de Deus: “Vocês são a imagem de Deus,
mas se são tais e se Deus é fonte de toda perfeição, lhes é dito: 'sejam
235
perfeitos'” . Com estas palavras ele queria afirmar que para conseguir a
glória do céu é necessário, para o homem, empenhar-se a 'imitar todas as
perfeições da Trindade”. Próprio porque “somos feitos a sua imagem e
semelhança”, Deus nos infunde de “desejar ardentemente a perfeição mais
alta que podemos alcançar, para buscar de imitar a perfeição mesma de
236
Deus”. Imitar a perfeição de Deus , para Pe. Zefirino, outra coisa não é que
viver a santidade: “ para imitar todas as perfeições da Trindade, nós
devemos viver a santidade: 'Santifiquem-se, portanto, e sejam santos,
porque eu sou santo. Não é a potência que devemos buscar e não possamos
237
imitar a altura, nem a ciência, mas a santidade de Deus'” .
Podemos ler ainda num outro texto: “(...) o fim mais sublime ao qual
233
Escreve a este propósito o Pe. Agostini: “ (...) pensar às coisas do céu. Estimamos
este tesouro porque: 'onde está o vosso tesouro, lá está também o vosso coração' e
ainda: ' vocês sabem que não ao preço de coisas corruptíveis, como a prata e o
ouro, foram libertados da sua conduta vazia herdada dos seus pais, mas como
sangue precioso de Cristo, como do cordeiro sem defeito e se mancha”, FTA/ 7,
58-59.
234
FP, 31.
235
FTA/ 7, 93.
236
FG/ 4, 24-25.
237
FTA/ 7, 14.
65
(...) gostaria de aplicar-lhes: “ sejam santos, porque eu sou santo” (Lv 19,2).
Isso é tão necessário que Deus mesmo com amor indivisível quis fazer-se
nosso exemplo tornando-se semelhante a nós. É necessário portanto que o
238
imitemos: ele é o Santo dos santos e o mais perfeito na santidade” .
3. CHAMADO À LIBERDADE
“Ainda outro aspecto nos primeiros capítulos do Gênesis é a ligação
entre liberdade e relação. (...) A liberdade é antes de mais nada uma questão
de relações, e isto reverte a uma dimensão comunitária. A perspectiva
bíblica é aquela de uma “liberdade em relação” que não tem nada a ver com
uma lógica liberdade individualista. A liberdade sem reciprocidade é um
sem sentido. A arrogância de Adão que quer apropriar-se da posição divina,
desocupando o terreno da relação a um “Tu”, leva o homem ao fracasso
total. (...). É na relação com Deus que o homem encontra o sentido da
239
vida” .
Todavia, para o homem a escolha de Deus e para Deus não é, nem
obrigatória, nem automática. Por sua natureza, pela liberdade que Deus
mesmo lhe doou e que caracteriza a relação com Ele, pela mesma
240
fragilidade/limitação da sua condição , o homem, apesar de ser
241
naturalmente voltado para Deus , contra Ele ao mesmo tempo se revolta, se
238
FG/ 4, 27.
GRILLI, M. A sua imagem os criou, 21.
240
A contribuição de Alessandro Manentti ilumina esta questão: “os dois
interlocutores participam ao diálogo com um diferente grau de auto-presença:
Deus que dialoga sempre perfeito, o homem que dialoga sempre com desilusão.
Deus está todo próximo ao homem porque está totalmente próximo a si mesmo.
(...) Ao contrário, o homem, ontologicamente dividido em si mesmo e
teologicamente assinalado da concupiscência, é um que se contradiz, somente e
sempre parcialmente presente a si e aos outros através de atos sucessivos de
liberdade pode, por degraus, traduzir em experiência pessoal a prévia presença
nele de Deus”, Cf. A. MANTENTI, Os fundamentos antropológicos da vocação,
Texto para o seminário deAntropologia,1.
241
Escreve numa homilia ao povo o Pe. Agostini: “E tu que fizeste o coração para
amar o Sumo Bem, que esta lei sentes falar no teu coração, que sente a
necessidade de amar um objeto que te possa tornar plenamente feliz, tu nega
239
66
afasta, muitas vezes busca em outro lugar o seu fim, o sentido da vida, a
felicidade.
Disto se lamenta Pe. Zefirino num dos seus escritos: “Nós estamos no
mundo, criados e sustentados para alcançar o nosso último fim que é Deus.
Sabemos que Ele, sendo nosso Criador, deve ser servido e amado por nós,
sabemos que ele é nosso Pai, nosso Senhor ao qual todas as coisas são
submetidas e ao qual nós, enquanto criaturas racionais, devemos obedecer.
O homem, porém, com o pecado se revolta a este mandamento,
deixando-se guiar pelas paixões que parecem ter a senhoria sobre ele e
sacudindo longe de si o jugo do Senhor.
Nós, de uma parte não queremos abandonar Deus, do outro,
242
preferimos a senhoria das paixões. E assim servimos a dois patrões” .
A imagem dos dois patrões à qual recorre o Fundador para dar razão
da presença no homem de impulsos motivacionais às vezes opostos, abre um
capítulo indispensável que tenta fazer luz sobre o “mistério” do homem: o
tema da complexidade e da problemática da condição humana,
“complexidade e problemática, as quais, em última análise, tem a sua raiz no
243
coração do próprio homem” . É próprio no interior do homem que muitos
elementos se contrastam mutuamente. Experimenta os seus limites, se dá
conta de ser sem confins nas suas aspirações, é chamado a uma vida
superior. Fraco e pecador, muitas vezes faz aquilo que não quer e não faz
244
aquilo que quer . Criado para gozar da glória de Deus, dirige muitas vezes o
seu coração à vanglória das “alegrias deste mundo, da ambição no aparecer e
245
mostrar vantagens para ser estimado, louvado, aplaudido, mirado” dos
outros homens.
obediência ao preceito que Deus te pede de amá-lo, quase como fosse um preceito
difícil, inútil, injusto? (...) Mas o coração, o coração ama naturalmente, sem
instruções, sem arte e tu meu Deus o dotaste desta facilidade para torná-lo mais
sensível fim do primeiro instante esta doces palavras do augusto e sublime vosso
preceito: <Ama o Senhor teu Deus>, FP, 111-112.
242
FTA/ 7, 65.
243
L. M. RULLA, Antropologia da vocação cristã, 49.
244
Já São Paulo escrevia: “Eu não consigo entender nem o que eu faço: de fato não
faço aquilo que eu quero, mas aquilo que eu não quero”, Rm 7,19. “De fato eu
não cumpro o bem que quero, mas o mal que não quero”, Rm 7,19.
245
FM, 287.
67
Esta é a condição do homem: chamado a aspirar aos bens celestes,
através do conhecer, do amar e do servir a Deus, muitas vezes se encontra a
correr em direção de uma glória toda terrena feita de amor próprio e de
apego as coisas terrenas que são destinadas a perecer.
“O coração de um verdadeiro e prudente servo de Deus se humilha e
aniquila interiormente a consideração de si e ao gosto da própria reputação,
porque espera e se espera de Deus bem outro gosto e mais verdadeira glória e
246
honra” : assim sintetiza Santa Ângela.
4. CHAMADO À RELAÇÃO EM CRISTO
Deus, pelo grande amor com o qual nos tem amado, não deixou de nos
atrair a si com laços de amor e, também depois que nos fechamos à relação
com Ele numa vida de autonomia individualista, que nega a verdade de nós
mesmas, sermos criaturas, diferentes de Deus, necessitadas da sua
proximidade e de sua ajuda, não deixou de tomar cuidado de nós para
demonstrar o seu amor e chamar-nos sempre de novo para o nosso fim: ser
uma só coisa com Ele.
O maior sinal do seu amor por nós é aquele do dom que nos tem feito
no seu Filho: Jesus Cristo. Ele, em obediência ao Pai, “tomou sobre si o
247
peso da salvação do mundo” . Mortos que éramos pelo pecado,
condenados à infidelidade que é o resultado de quem nega a própria pertença
a Deus e quem vive a vida negando a verdade da relação original que nos fez
existir, Jesus, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, na sua vida, morte e
ressurreição. Ele deu novamente ao homem o verdadeiro sentido do próprio
viver e morrer. Tendo dado a nós um exemplo de santidade amor, de uma
vida de filho obediente, de uma relação de plena comunhão com o Pai,
Cristo é aquele que com autoridade pode dizer: “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por meio de mim. Se me
248
conhecêsseis, conheceríeis também o Pai” .
246
Rec 1, 12.
FTA/7, 12.
248
Jo 14,6.
247
68
Afastando-se de Deus, o homem havia perdido a “saúde da própria
alma”, condenou-se a infelicidade e tinha perdido a estrada que podia leválo à vida eterna. Jesus tinha restabelecido o pacto das núpcias eternas que
Deus quis desde sempre com o homem: ele é o “esposo” que deseja fazer
suas todas as almas. Aquela que em Santa Ângela é indicada como a
249
condição privilegiada das virgens da Companhia , no Fundador torna-se o
chamado de cada um: a todas as almas Jesus diz “quero torná-la minha
250
esposa” .
Em Jesus, Deus manifestou a perfeição do amor e pede a nós, no
seguimento do Filho, de conhecê-lo e de amá-lo para tornar-se com Ele, no
Espírito, uma coisa somente.
251
“Ninguém pode ir ao Eterno Pai senão por meio de Jesus Cristo ,
com a imitação de Jesus Cristo, com a semelhança de Jesus Cristo”, exorta o
Fundador, continua pois argumentando: “Como avançar na imitação?
Devemos estudar este divino modelo, é necessário provar profundamente
252
esta necessidade de todas as perfeições” , porque “Ele é o santo dos santos
253
e o mais perfeito na santidade” .
5. CHAMADO À IMITAÇÃO DE CRISTO
Próprio à imitação do Cristo protege o homem de perder a sua vida
e lhe permite de alcançar o seu fim. É ainda o Fundador a exemplificar a
imitação indicando-a em quatro pontos, correspondentes a quatro valores
que, acolhidos e seguidos, expressam as características de uma identidade
que se constrói a respeito da imagem e semelhança de Deus.
249
“Sendo vocês assim eleitas para ser as verdadeiras e intactas esposas do Filho de
Deus, {...} chamadas para tal glória de vida, de ser esposas do Filho de Deus (...)
verdadeiras esposas do Altíssimo, Reg. Prol 7, 17,23. E ainda: “São esposas (...)
do imortal Filho do eterno Deus, (...) esposas do Rei dos reis e Senhor dos
senhores”, Leg 4, 12-14.
250
FG/ 4,23.
251
Ibid.
252
FS, 157-158.
253
FG/ 4,27.
69
5.1. Glória
A Glória a qual o homem é chamado é bem mais alta daquela que o
mundo quer oferecer e, para enamorar-se de uma e desprezar a outra, o
Fundador indica como exemplo a seguir aquele de Jesus, o qual, próprio
para ensinar a fugir de uma glória passageira e a não buscar de ser estimados
e conhecidos pelo mundo, por trinta anos conduziu uma vida humilde e
254
escondida , tanto que para o olhar humano podia parecer inútil, de pouca
validade. A humildade é a virtude por excelência, para o Fundador, e pela
importância que reveste no conduzir-nos para uma vida sucedida, ele não
cessa de elogiar-nos em qualquer circunstância; deseja que em cada um que
quer imitar o “homem-Deus”, esta virtude, fundamento de todas as outras,
antecede e siga cada atividade. Essa contribuirá a ter “a prudência como
255
guia, o zelo por companheiro, a piedade nos olhos, Deus no coração” .
5.2 . Verdade
Condição indispensável para poder alcançar o objetivo da vida e
conhecê-lo é a verdade. É a ignorância, para o Fundador, o mal entre os mais
pestíferos e difusos entre os homens. Esta mergulha o ser humano nas trevas
do erro, não lhe permite nem de desejar, nem de perseguir o fim da união
com Deus. “A doutrina celeste”, ao invés, “dispersa as trevas da ignorância e
256
ilumina o intelecto com a verdade da fé” . É por esse motivo que entre os
empenhos aos quais o homem é chamado a dedicar-se é aquele de atingir à
“ciência da salvação”, esse representa o primeiro de todos os deveres.
Jesus, ainda uma vez, é ele mesmo o modelo do homem apaixonado da
ciência divina, interessado em conhecer e penetrar os mistérios da fé,
enamorado de tudo aquilo que diz respeito ao ocupar-se das coisas do seu
257
Pai . É assim que, mesmo sendo Mestre, Jesus no Templo escutou os
Doutores, para ensinar que cada um deve ter um grande desejo de instruir-se
254
Cf. FG/4, 28; também “Humildade e graus no vivê-la”, in: FG/4, 37-39e
“Humildade como condição para receber o tesouro da graça”, in: FG/4,71.
255
FS, 28.
256
FTA/7, 23.
257
Cf. Lc 2, 49.
70
e para indicar que o primeiro empenho deve ser aquele de aprender a ciência
258
da salvação .
5.3 . Obediência
Jesus é o homem obediente por excelência, aquele que faz da escuta
259
da vontade do Pai o seu alimento cotidiano , aquele que antes de tomar
decisões importantes, retira-se em oração para encontrar no diálogo com
Deus a força para viver a obediência na paixão e até no aparente abandono
do Pai. Para dar-nos o exemplo de uma vida de obediente, aquele que
deveria ser de todo homem, o Nazareno viveu a submissão não somente
“ascendente”, em confronto com o Pai, mas também “descendente”, aquela
em confronto das pessoas e das outras criaturas que popularam a sua história
terrena. O Fundador exorta: “Tenham diante dos seus olhos o exemplo de
260
um Deus, que obedece as suas criaturas .
“A obediência é no homem como uma grande luz que torna boa e
aceita cada sua ação: [...] cada coisa nossa para que seja boa, deve ser feita
261
sob a obediência” : estas são as palavras de Ângela sobre a obediência no 8º
Capítulo da Regra. Continuando a leitura nos defrontamos num longo
elenco de 'pessoas' às quais deve-se obedecer, elenco que remete também
para Santa Ângela, a obrigação para cada pessoa de uma obediência não
somente 'ascendente', mas também 'horizontal' e/o 'descendente'.
5.4 . Dom gratuito
“Sacrifício e oferta não agradam, um corpo ao invés me tens
262
preparado” : este ou outros textos da Escritura que diz oferta total, dom de
si, amor levado à extrema conseqüência poderiam ser inseridos comentando
258
Cf. FG/4, 28.
Cf. Jo 4, 34.
260
FG/4,29. No mesmo texto havia escrito ainda:”Retornou a Nazaré e era a eles
submisso. Ele, o Filho de Deus, do qual se dizia: 'Quem é aquele que dá ordens
aos ventos e as águas e eles obedecem?'”.
261
Cf. Reg. VIII, 7-16.
262
Sl 39,7.
259
71
este quarto aspecto do qual Cristo é para todo homem, o modelo. Ele é o
Cordeiro imolado, a vítima sacrificada, aquele que dá a si mesmo como
alimento e bebida, aquele que não retém nada para si, mas que é e m si
mesmo todo dom. O homem cumpre a própria vocação quando, a imitação
de Cristo, “esbanja” a própria vida, não retendo nada para si, mas fazendo-se
oferta gratuita/agradável.
Este é o modelo de homem que Santa Ângela e o Fundador encorajam
a imitar. Então, “se queremos nós viver a mesma vida de Cristo é necessário
que nos despojemos do homem velho, para revestir-nos d'Ele, que é o
homem espiritual e celeste: numa palavra, é necessário que sejamos santos
263
da santidade de Deus” .
6. CHAMADO A UMA VIDA ESPIRITUAL
O fazer crescer o homem à plena estatura de Cristo, o santo dos
Santos, cumpre-se através de um longo caminho de formação que requer o
fazer próprios os meios necessários à finalidade. Assim exorta Santa
Ângela: “Porque Deus [...] lhes concedeu a graça de separar-lhes das trevas
deste mundo [...] exorto-lhes [...] a fim que por primeiro queiram conhecer o
que comporta tal eleição, e que nova e estupenda dignidade seja. Pois, que
se esforcem, com todo seu poder, de conservar-se segundo o chamado de
Deus, e que busquem e queiram todos aqueles meios e aqueles caminhos que
são necessários para perseverar e progredir até o fim [...].
De fato, poderá conservar-se só aquela pessoa que desejará também
abraçar os meios e as vias que são necessários, porque pouca ou nenhuma
diferença existe entre o dizer francamente: “não quero mais servir a Deus, e
o não querer seguir as vias e as Regras necessárias para poder-se manter em
264
tal estado” .
Dom recebido, mas também compromisso ao qual corresponder e
colaborar, o ser santos, fim por excelência da nossa vida, realizar-se-á
através do crescer das virtudes em virtudes, enfatiza o Fundador. Avançar
263
264
FG/4, 31.
Reg. Prol. 4-14.
72
de virtude em virtude e acumular tesouros no céu com obras de bem: esta,
para ele, “é a única estrada a percorrer para chegar a ver e contemplar o
Senhor na sua glória. [...] O que são os outros bens possuídos pelos quais
suam e fadigam tantos amantes do mundo? Tudo é vaidade e um perseguir o
265
vento.Aquilo que não é eterno é um belo nada” .
Dom recebido, reconhecido, elaborado, levado a plenitude: esta é a
parábola de toda existência que se reconhece doada.
A graça do Espírito, o dom do Pai e do Filho, acompanha a existência
do homem e do seu interior, se escutada, acolhida, aderida, plasma a pessoa à
imagem e semelhança doAmor.
É a vida espiritual aquela que permite à criatura de elevar-se até Deus;
é a vida no Espírito que consente ao filho de modelar a própria pessoa sobre
aquela do homem-Deus; é à luz do Espírito que o homem compreende a
verdade de si mesmo, aquela de já ter sido amado e aquela de saber e poder
amar.
Portanto, os meios que Santa Ângela exortava a fazer próprios para
perseverar e conservar-se segundo o chamado de Deus são aqueles que,
aderindo às moções internas da graça que nos foram doadas, permite-nos
gozar do mesmo dom e tornar-nos santos da mesma santidade de Deus até
gozá-lo para sempre na vida bem-aventurada no céu. Assim resume Pe.
Zefirino: “Quanto mais graça tenham em vocês, mais generosamente
podem cumprir as obras de bem; mais a sua vida será santa, mais tenham a
266
certeza de uma bem-aventurada imortalidade” .
6.1 . Silêncio e Palavra: a oração como relação com Deus
Meio privilegiado, graças ao qual o homem pode crescer até à plena
estatura de Cristo, é aquele de dar-se um tempo para “estar com Deus”, para
aprender aquilo que a Ele agrada, para escutar aquilo que Ele quer dizer-nos,
antes de tudo, para ouvir a palavra da verdade sobre nós mesmos que nos fez
e nos faz existir. A oração é a realidade presente entre silêncio, palavra e
Palavra, entre o fazer espaço e acolher, entre o contemplar e o ser
265
266
FG/4, 43-44.
FG/4,36.
73
contemplados, realidade que permite de conhecer o “Amador” e assim reamá-lo.
Santa Ângela nos deixou passos significativos a propósito da oração,
seja vocal ou mental: “A oração é companheira do jejum [...], com o jejum se
mortificam as tendências da carne e os próprios sentimentos, assim com a
oração se impetra de Deus a graça da vida espiritual. (Ocorre) rezar sempre
com o espírito e com a mente devido a contínua necessidade que se tem da
ajuda de Deus. ( Reconheceis a) necessidade da oração vocal com a qual se
267
despertam os sentidos e nos dispõem à oração mental” .
“Minhas filhas, exorta o Fundador, é necessário ir a Jesus, é
necessário buscá-lo, é necessário invocá-lo. [...] Vocês podem escutar
conselhos, pregações, instruções, mas não poderão enamorar-se do Senhor,
268
se não vão invocá-lo” .
Para convencer o homem da necessidade de não descuidar o
importante meio da oração, Pe. Zefirino não poupa exortações, reprovações,
argumentações: a oração, declara Pe. Agostini, “é necessária a alma assim
como o alimento é necessário ao corpo. Sem o alimento o corpo morre. Sem
269
a oração a alma desfalece” .
A oração, todavia, não somente como escuta silenciosa de Deus por
parte do homem, mas também como expressão vocal e/ou mental do
homem em confronto com Deus e próprio porque a pessoa acolheu no
silêncio e não foi surda no espírito, pode abrir a sua boca para o louvor,
agradecer, invocar, pedir o perdão por não haver correspondido ao amor.
“Entre os cristãos são tantos os surdos e mudos, mas eles recusam a
graça do benefício que poderia curá-los. [...] Aqueles que são mudos não
rezam, não o louvam, não o agradecem, não confessam as suas culpas e as
calam por temor e vergonha. [...] Jesus querendo libertar aquele homem, (o
surdo-mudo) começou a abrir os ouvidos. O modo como Jesus libertou
aquele homem da surdez, representa um sadio ensinamento também para
nós. Levou-o a parte longe da multidão. Assim deve fazer aquele que é
surdo e mudo no espírito: afastar-se do tumulto do mundo e dos seus vícios
consentidos.
267
Reg. V, 2-8.
FG/ 4,10.
269
FG/ 4, 9.
268
74
Na solidão, a alma escuta de verdade a Palavra de Deus e toma
270
consciência das suas falhas” .
Na relação com Deus, a importância atribuída do Pe. Zefirino à
oração é descrita com a imagem da fonte, expressão da Providência Divina,
que está sempre pronta a doar-nos a sua água, mas pede a nossa colaboração:
“A fonte está sempre pronta a difundir as suas águas, mas se o jardineiro não
271
faz o sulco para fazer chegar a água às plantas, estas morrem de sede” .
6.2 . Vigilância sobre as paixões
“A verdade vos fará livres”: somente quem conheceu, acolheu, aderiu
à verdade de si mesmo, do ser objeto de amor, de poder e de saber amar, é
verdadeiramente livre. A liberdade em sentido bíblico-antropológico é
somente relação, acontece somente ao interno de uma relação e tem como
dimensão importante a responsabilidade: o homem é responsável do dom
que recebeu e ser livre significa colocar-se ao serviço do dom, ser
responsável do dom.
Na vigilância das paixões temos um instrumento que faz espaço à
ação de Deus, abre-nos a verdade de nós mesmos para reconhecer qual é o
patrão que estamos servindo: “Quem segue as suas paixões e o seu amor
próprio encontrou um patrão que é tirano e que se faz sentir com todo o peso
e não se dá conta que se tornou escravo sozinho. [...] Deus pede de frear os
sentidos: olhos, mãos [...] de ser humildes com os pais, de ter respeito pela
Igreja. Os sentidos, ao contrário, pedem de permitir-nos toda liberdade e
272
experiência” .
Santa Ângela bem o sabia quando, a propósito dos afetos e das
paixões, rezava para que Deus os confirmasse, porque os afetos e as paixões
que não são direcionados a servir a Deus, que afastam-nos para não
270
FTA/ 7, 57-58.
FG/4, 16-17. Escreve sobre o mesmo tema Pe. Agostini: “[...] colocando-se na
presença de Deus com um ato de fé viva, adorando a sua infinita majestade e
pedindo a sua ajuda [...], exercitem de modo distinto com ordem as potências da
sua alma: memória, intelecto e vontade”, FG/4,16.
272
FTA/7,66.
271
75
conhecer o seu amor, ao invés de tornar-nos livres, tornam-nos escravos:
“Meu Senhor [...] confirmai os meus afetos e os meus sentidos, para que não
se desviam nem a direita e nem a esquerda, nem me afastem da teu
luminosíssimo rosto, que torna feliz todo coração aflito. [...] digna-te de
receber este meu coração [...] e de queimar todo seu afeto e toda sua paixão
273
no ardente fogo do teu divino amor” .
6.3 . Vida Eucarística
A promessa que fez Jesus de permanecer com o homem até o fim do
mundo se torna realidade concreta e ao mesmo tempo misteriosa no
sacramento da Eucaristia. Cristo que se faz alimento para o homem, num
frágil pedaço de pão, torna-se modelo da existência de quem quer assumir
em si mesmo os sentimentos do Filho: “Jesus Cristo no Sacramento
Eucarístico deve ser a forma, o modelo da nossa vida, assim que n'Ele
possamos dizer com verdade aquilo que diz o apóstolo Paulo: “Não sou eu
275
que vivo mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20)” .
O modelo que Jesus dá de si mesmo na Eucaristia é daquele que
compreendeu o sentido da própria vida como um fazer-se dom, aquele que
não retém nada para si, mas que tudo restitui em oferta agradável ao Pai para
levar a cumprimento em nós a obra de Deus, de ter-nos criados a sua imagem
e semelhança: “A ceia que Jesus propõe, é aquela da sua carne e do seu
sangue; nenhum pastor apascenta as ovelhas com seu sangue, mas deixa que
as mães nutram as ovelhinhas.
Jesus Cristo ao invés quis dar-se a si mesmo como alimento e bebida,
para que de nós possamos dizer com verdade: “Não está talvez escrito na lei:
276
Eu disse: vocês são deuses?” .
À luz deste admirável sacramento, “o Deus do amor que vive no meio
de nós como o Deus escondido”, o homem dilata a sua alma no amor do
Senhor e vê atendidos os desejos do seu coração. Para convencer desta
misteriosa realidade, o Fundador tem uma página de autêntica mística:
274
273
Reg. V, 18ss.
Cf. Mt 28,20
275
FG/4,66.
276
FTA/7, 17-18.
274
76
“Contemplem a surpreendente beleza e variedade das flores. Elas recebem
todo o seu apreço da influência do céu. Não se agitam, não se movem do
lugar, não se atormentam, mas sempre pacíficas no seu estado, se expandem
gradativamente sob o sol que as aquece e, pouco a pouco, no fundo do seu
cálice, amadurece o fruto. E assim, vejam, que se dilatam as almas que
amam, diante dos tabernáculos do Amor divino. São tranqüilas e recolhidas
diante do sol da bondade divina e, identificadas com Ele na comunhão,
absorvem, com delícia, os raios que emanam dele. Descem as invisíveis
operações da graça, tornam-se boas caminhando com a bondade, amáveis
caminhando com a caridade, misericordiosas, caminhando com a divina
277
misericórdia” .
277
FM, 63.
77
I PARTE
FUNDAMENTOS
CAPÍTULO III
A Ursulina segundo o coração
de Ângela Merici e de Pe. Zefirino Agostini
Ir. Angiolina Padovani
INTRODUÇÃO
À luz dos textos de Ângela e do Bem-Aventurado Pe. Zefirino foi
apresentada a compreensão de Deus e da pessoa. Perguntamo-nos agora,
quem é, na mente e no coração dos nossos fundadores, a Ursulina: que a
caracteriza no seu ser e no seu agir educativo. A reflexão tem suas raízes e
motivações fundamentais numa forte experiência espiritual, em uma intensa
capacidade de reconhecer e condescender as interiores moções do Espírito
Santo.
Recolocar a prática e a reflexão educativa no quadro de uma
antropologia teológica não nos isenta de valer-nos da contribuição
importante das ciências humanas. Todavia, justamente a partir desta
consciência é importante o aprofundamento para descobrir os traços que nos
caracterizam, como religiosas e religiosas Ursulinas Filhas de Maria
Imaculada, chamadas a servir o Senhor trabalhando com entusiasmo no seu
campo, de cujos frutos somos “cultivadoras e, ao mesmo tempo,
278
depositárias” . Santa Ângela é nossa Mãe porque nos gerou nesta
Companhia que, plantada diretamente da santa mão de Deus, dele não será
279
abandonada, até que o mundo dure . Em nome da sua maternidade, Ângela
é também nossa Mestra, guia no promover o desenvolvimento de uma
fisionomia de pessoa e comunidade caracterizadas por uma vida toda
'espiritual', isto é fruto do Espírito.
A originalidade de Santa Ângela propôs para a Igreja do seu tempo,
aquela dos séculos XV e XVI, um modelo de vida que valorizava a mulher
na sua dignidade de pessoa livre, capaz de autonomia, capaz de ser tão 'dona
280
de si mesma' até fazer de sua vida um dom para 'sua divina Majestade' .
278
FO, 120.
Cfr. Leg. Ult.
280
Reg. Prol, 4ss.
A mulher de Ângela tem uma grande consciência da sua dignidade, sabe que
todas aquelas que foram eleitas a serem “verdadeiras e intactas esposas do Filho
de Deus”, Reg. Prol, 7, receberam um dom singular, uma graça tal que não todos
“tem e nem poderão ter”, Reg. Prol, 6. É essa “nova e estupenda dignidade”, Reg.
Prol, 8, que justifica e enriquece a tantas outras 'dignidades', como aquela das
Coronelas, que devem pedir a Deus luz e discernimento na responsabilidade que
279
81
Somos conscientes de possuir um patrimônio educativo construído
ao longo dos séculos: desde a primeira instituição e experiência de
Ângela, até o Pe. Zefirino Agostini, que fez de Santa Ângela a alma de
todo um programa de renovação na sua Paróquia, às nossas Mães e as
filhas, que souberam cuidar e “atualizar”, atentas ao passado e ao
presente, para que o tesouro se revele sempre mais belo, fecundo, rico
para o futuro.
1. QUEM ÉAURSULINA?
Perguntar isso e encontrar a resposta, ou algumas indicações, é
importante pelo menos por dois motivos:
• porque ajuda a esclarecer qual é a nossa identidade;
• ilumina o nosso agir, a nossa missão, como campo de ação, como tipo
de presença, como estilo específico.
“Definir” não é simples, sobretudo quando se trata de pessoas e de
carismas, porque é sempre sublinhar alguns aspectos e deixar outros,
escolher à luz de alguns critérios, numa mina de tesouros que ainda não
acabamos de descobrir, porque o mistério de Deus supera toda
281
possibilidade de conhecimento .
Em companhia de Santa Ângela e do Fundador, procuramos ver os
elementos que caracterizam uma Ursulina, tendo, como constante
referência Deus que, comunhão trinitária, grava em nós o caráter
fundamental do nosso ser, a relação mais profunda: somos filhos do Pai;
irmãos de e em Jesus Cristo, habitados e tornados fecundos pelo Espírito
282
283
Santo que nos ensina toda a verdade , nos encoraja e consola ,
tem porque “não pode existir uma outra mais digna que ser 'guardiãs' das esposas
do Altíssimo”, Rec. Prol, 8; ou aquela das que são Mães porque Deus se dignou
torná-las tais e confiar a elas “as suas mesmas esposas”, Leg. Prol, 16; como
aquela de todas as Virgens da Companhia, que merecem as mil atenções e
cuidados por parte das “Matronas” e das “Coronelas”, cfr. Rec. 5º, 8º, Leg. 8º.
281
Cfr. Ef 3,19.
282
Cfr. Reg. VIII, 16
283
Cfr. Prol Rec. 3-4; 15-16.
82
284
285
286
ilumina , ajuda a discernir , que gera continuamente vida nova .
Algumas relações, e o modo em que são vividas, são fundamentais e
determinam a qualidade das sucessivas relações conosco mesmas e com os
outros. A filiação e a fraternidade, sobretudo, com a sua valência, positiva ou
negativa, marcam a personalidade e condicionam o caminho, mais ou
menos difícil, de integração e de recuperação também dos aspectos
considerados ou vividos negativamente.
Para nós Ursulinas a relação fundante e fundamental com Cristo é
vivida com as características da esposa, da virgem, da irmã e da mãe. Em
particular duas aparecem evidentes: a esponsalidade e a maternidade. Todas
são vividas diacronicamente, isto é, momentos diferentes da vida, e
sincronicamente: é possível, de fato, viver contemporaneamente a
experiência de ser filhas, irmãs, esposas e mães.
Podemos ver estas relações, mesmo que brevemente, na sua dimensão
vertical, em referência a Deus, e horizontal, em referência a nós mesmas e
aos outros.
1.1.
Filha e Irmã
Cada um de nós deve sua existência aos outros. É uma constatação tão
simples que até parece banal, mas que já diz que a nossa vida é
profundamente assinalada, por um lado da gratuidade, e por outro da
responsabilidade para com a nossa e dos outros.
Direta ou indiretamente, hoje talvez com aspectos mais
problemáticos do que no passado, a pessoa vive a experiência de uma vida
comunicada aos outros que se tornam 'irmãos'.
Ângela viveu o ser filha, em uma família tradicional do seu tempo,
assim como viveu o ser irmã. Duas experiências entre elas relativas,
recíprocas, uma caracteriza a outra, a modifica, pode fazê-la amadurecer ou
regredir.
E foi em casa, naquele clima familiar do entardecer, depois do
trabalho no campo, que Ângela aprendeu a conhecer tantas figuras
284
Cfr. Leg. 9º, 8.
Cfr. Leg. 7º e 9º, 6ss.
286
Cfr. Leg. 2º; cfr. Leg. Ult.
285
83
femininas de santas, através da leitura, que seu pai João fazia, da “lenda
287
áurea” . Em família, Ângela iniciou a construir-se como mulher, com uma
riqueza de modelos assimilados pela cotidiana experiência de vida e de fé.
E devem ter sido muito importantes e vividos intensamente estes
primeiros anos se, mesmo depois de ter ficado sozinha, Ângela foi capaz de
amadurecer como mulher adulta, livre, corajosa e original não somente em
uma escolha de vida pessoal, mas também na sua atenção à mulher do seu
tempo, até ao ponto de ser capaz de propor também a outras um estilo de vida
desconhecido no seu tempo.
Enquanto a filiação e a fraternidade são dimensões próprias da
natureza mesma da pessoa, o ser filhas e irmãs é um dado de fato
incontestável, que não se discute, o ser esposa e mãe é, para Ângela, uma
dignidade concedida e à qual é possível também não responder.
288
“Filhas” e “Irmãs” são palavras freqüentes nos escritos de Ângela
289
e do Fundador também com matizes diferentes, como o uso afetuoso de
290
“filhinhas” ou até mesmo de “filhinhas celestes” . O 'filhas e irmãs' é usado
291
por Ângela , com a consciência muito clara do seu ser Mãe para sempre, na
sua relação com todas as virgens da Companhia, e com as Coronelas: Jesus
Cristo mesmo, “na sua imensa bondade, me elegeu para ser mãe, e viva e
292
morta, dessa tão nobre Companhia” .
Estas palavras são usadas num contexto de:
• humildade, tanto das superioras para com as filhas, quanto das filhas
287
Cfr. L. MARIANI, Ângela Merici, 75ss.
A expressão é usada em torno de umas quarenta vezes: a combinação 'filhas e
irmãs' aparece 6 vezes (3 na Regra e 3 nas Recordações); a palavra 'filha', 21
vezes (8 nas Recordações e 13 nos Legados), sem considerar as expressões,
abundantes sobretudo nos Legados, que “ad sensum” se referem ao que as mães
devem fazer; a palavra 'irmã', 9 vezes (8 na Regra e 1 nos Legados). Nos Legados
encontramos, por 3 vezes, a combinação 'irmãs e mães'.
289
São muitas as meditações que o Fundador dedica comentando os escritos e
atitudes de Santa Ângela, sempre proposta como modelo a ser imitado. Somente
para citar algumas, pode-se ver o comentário à oração de Santa Ângela: FO, 515535; “Ângela, modelo de 'oração' na terra de Jesus, é modelo do nosso ser
peregrinos rumo à pátria do céu”, cfr. FO, 482-517.
290
Leg. 4º, 11.
291
Reg. Prol. 3-4; Rec. Prol. 2; Rec. 1º, 1.
292
Rec. 3º, 4.
288
84
•
•
para com as mães. As primeiras não se creiam “dignas” de serem
superioras e Coronelas: “Ao contrário, considerem-se ministras e
servas, considerando que possuem mais necessidades vocês de servir do
que não tenham necessidade elas de ser servidas ou governadas por
vocês, e que Deus bem poderia prover a elas com outros meios até
293
melhores de que vocês” . As outras sejam “submissas às mães
294
principais” que Ângela deixa no lugar dela;
respeito pela grande dignidade “dessas filhas celestes”295, chamadas a
296
ser “esposas do Rei dos reis e Senhor dos senhores” à quem devem
agradar. Ninguém sabe o que Deus quer fazer delas, e por isso devem ser
297
298
amadas, sabendo que Deus” das pedras pode tirar filhos celestes“ ;
serviço, atento e amável, porque Deus pede contas do bem das filhas,
aliás, ele mesmo”não deixará de prover às necessidades delas, materiais
299
e espirituais” .
293
Rec. 1º, 3-4.
Rec. 3º, 1ss. Toda essa Recordação fala da relação entre as Coronelas e as
Matronas, “mães principais”, em função do bem das filhas. É uma relação feita de
respeito, de obediência, de estima e prudência, mas também de grande liberdade
interior, de senso crítico, de possibilidade de divergência. O que ajuda a discernir
o melhor é a certeza da presença do Senhor na Companhia por Ele querida, a
caridade fraterna, a fidelidade à Palavra de Deus.
295
Leg. 4º, 11.
296
Leg. 4º, 12ss.
297
Cfr. Rec. 8º.
298
Rec. 8º, 6.
299
Rec. 4º, 7. O Fundador nos deixou como herança também o sentido da filiação em
relação a Maria, a Mãe universal, tornada tal por Jesus sobre a Cruz. Diferente da
filiação divina, que nos é doada com o Batismo, ser e sentir-nos também “Filhas
de Maria Imaculada” nos ajuda:
• a acolher mais intensamente o mistério de Deus que nos quer todos “santos e
imaculados”, cfr. Ef 1,4.
• a crescer no empenho de sermos, além de santas de “mente, de coração e de
corpo”, totalmente consagradas “ao bem das meninas”, FO, 145;
• a viver com serena confiança, porque Maria, a Virgem Mãe por excelência, é
presença que sustenta, precede, acompanha: “Cada dom do céu passa pelas mãos
de Maria”, FO, 143.
294
85
1.1.1. “Unidas juntas”
O respiro que faz viver esta nova Companhia, o pano de fundo, quase,
300
sobre o qual tudo se move, é o “unidas juntas” . É próprio esta expressão
que Ângela usa: um modo e um programa de vida, uma proposta educativa
enriquecida da experiência do “unidas juntas” do que se refere, mais do que
ao “viver juntas”, à unidade do coração e da vontade, ao ser unidas “com os
301
laços da caridade” . Também o Bem-aventurado Agostini, citando Santa
Ângela, nos deixou páginas significativas sobre esta dimensão que anima a
302
nossa vida e a nossa ação. “Eis vocês todas ligadas e estreitamente unidas
num só coração e numa só alma, expressando assim a unidade do Pai eterno
com o seu divino Filho e do Filho com o Pai [...] Filhinhas, isto comporta o
303
nome de Companhia ou Sociedade, como é esta das Ursulinas” .
E ainda: “Quem são vocês, de fato, ó Irmãs? Qual é o fim da sua
Congregação? Vocês são chamadas por Deus a servi-Lo num estado de
300
Rec. Ult. 1.
Ibid., 1-2. Santa Ângela fundou uma “Companhia”: podemos nos perguntar
porque ela quis chamar assim a sua fundação. O XVI século viu florescer uma
série de 'Companhias' e 'Confrarias': daquelas “de ventura”, às caritativoassistenciais, como aquela do Divino Amor, por exemplo, a “Companhia de
Jesus”, os Jesuítas, a Confraria do Santíssimo. Esta era uma terminologia que
indicava um conjunto de pessoas estreita e livremente unidas em nome de um
ideal, a serviço de uma causa comum. É sempre difícil atribuir intenções ao agir
dos outros e saber qual é o grau de consciência, também porque este depende dos
diferentes momentos históricos nos quais os fatos acontecem e são interpretados,
mas acreditamos que seja possível dar à “Companhia de Santa Úrsula” também
um grande significado social, sem por isso empobrecer a intuição de Ângela, pelo
contrário, explicitando a necessidade de coerência, de síntese entre fé e vida,
própria de quem, em nome de Deus, serve ao homem.
302
As Virgens da Companhia não tinham o empenho de uma “vida em comum”,
como também não a tinham as “Irmãs Devotas de Santa Ângela Merici”. Até à
morte do Fundador, as Ursulinas “internas” e “externas” viviam relações
harmoniosas, quase completando-se reciprocamente na escola e na assistência às
jovens do Oratório. Quando algumas pediram para fazer vida comum, Padre
Agostini preparou um breve regulamento, cfr. FO, 450. Em 1869, o Fundador
apresentou ao Bispo de Verona, Monsenhor Luigi di Canossa, a lista das Virgens
pertencentes à “renascida Companhia de Santa Úrsula” sem distinção entre
“internas” e “externas”: todas faziam parte do Pio Instituto canonicamente
reconhecido em 21 de junho de 1869.
303
FO, 513.
301
86
maior perfeição, com o fim de santificar vocês mesmas. Somente isso?
Não: unidas juntas para vigiar para a educação e o bom êxito da juventude
304
feminina” . Tendo como modelo das primeiras comunidades cristãs, o
querer-se bem é o primeiro testemunho da presença de Cristo no meio dos
305
seus, fidelidade para com o que mais lhe estava no coração, o “sinal certo
306
de que se caminha por uma estrada boa e agradável a Deus” .
Todos os momentos da vida são vivificados pela 'fraternidade', uma
307
palavra que Ângela não usa, talvez por ser insuficiente, para ela, para
308
expressar toda a riqueza do “unidas juntas” que deriva da constatação da
grande graça de ter sido separadas das trevas deste mundo e “unidas juntas”
309
para servir a sua Majestade Divina, cultivar, assim, uma profunda
310
gratidão por ter recebido “um dom tão singular” e traduzi-lo num estilo de
vida concreto.
Durante a jornada brotam assim mil expressões de solidariedade
fraterna, vividas na simplicidade das relações interpessoais, despojadas de
sentido de frustração pelo que se ache não ter recebido, e abertas,
disponíveis a reconhecer e a valorizar as próprias capacidades e as dos
outros, sobretudo quando são colocadas a serviço do crescimento de todos.
É bela e significativa, por exemplo, a simplicidade de Ângela que, falando
da oração e do modo de rezar, exorta a dizer cada dia “pelo menos o Ofício
de Maria e os sete Salmos penitenciais, com devoção e atenção porque
311
dizendo o Ofício se fala com Deus” . E acrescenta, quase convidando a
fazer o primeiro passo: “e quem não o sabe dizer, se faça ensinar das irmãs
312
que sabem” , sem sentir nisso uma redução na sua dignidade de esposa de
Cristo, pelo contrário, reafirmando implicitamente o papel fundamental da
fraternidade.
304
FO, 113.
Cfr. FO, 20.
306
Leg. 10º, 12.
307
A terminologia usada por Ângela é diferente: fala de união, unidas juntas,
concórdia, um só querer, concordes no bem para a glória de Deus, cfr. Rec. Ult.;
Leg10º.
308
Cfr. Reg Prol,4.
309
Ibid.
310
Ibid., 5.
311
Reg V, 9-10.
312
Reg V, 11.
305
87
É em nome deste “unidas juntas” que Ângela pede obediência: a
313
quem a substituirá depois da sua morte, aos pais, a outros eventuais
superiores da casa, e aconselha “ pedir perdão uma vez por semana como
314
sinal de submissão e para conservar a caridade” .
“Unidas juntas”, procura-se também o bem maior para todas, um
projeto de vida que faça viver como irmãs: a regra, e a obediência à mesma,
315
expressa a unidade da família em torno do que se considera importante .
Diante das mudanças previstas, já acontecidas e futuras, é importante
conservar fidelidade e continuidade com as raízes, fazer memória das
motivações fundamentais, pessoais e comunitárias, discernir juntas, com
316
prudência .
Ângela é mestra no ensinar a conjugar bem o dom da liberdade, que
cada pessoa possui, junto com a capacidade de ter um pensamento e uma
reflexão própria, com o respeito do outro, igualmente livre, diferente, capaz
de senso crítico, e um grande sentido de responsabilidade, sobretudo para o
317
bem das filhas .
O diálogo, outro termo que Ângela não usa, é uma dimensão
comunitária importante, feito de palavras e de escuta. A linguagem
manifesta aquilo que pensamos, e, sobretudo, aquilo que somos Santa
313
Cfr. Rec. 3º, 1-5.
Reg VIII, 12.
315
“E direis a elas que queiram ser unidas e concordes todas juntas, tendo um só
querer, permanecendo sob a obediência da Regra porque tudo está aqui”, Rec. 5º,
20.
316
“E se, segundo os tempos e as necessidades, acontecesse de dar novas ordens, ou
de fazer diferente alguma coisa, fazei-o prudentemente e com bom juízo, e seja
sempre vosso principal refúgio o colocar-vos aos pés de Jesus Cristo; ali, vos
todas com todas as vossas filhas elevai fervorosas orações”. Leg. Ult., 2-4.
317
Já falamos sobre esse equilíbrio: cfr. nota nº 17. “Porém se lhes acontecesse de
ter qualquer justo motivo para contradizê-las ou repreende-las (as madres
principais) façam com jeito e respeito. [...] portanto, procurem que gozem sempre
de estima e respeito especialmente junto às suas filhas. [...] Em qualquer modo, se
tiverem no coração qualquer coisa que lhes desagrada nelas, com razão e sem
escrúpulo poderão falar em segredo com alguma pessoa boa e fiel sob todos os
aspectos. [...] Saibam porém que, se souberem que está em perigo a salvação e a
honestidade das filhas, não devem por nada consentir, nem suportar, nem ter
escrúpulo de nada, tudo porém, sempre com bom discernimento e com
maturidade de juízo”, Rec. 3º, 6-15.
314
88
Ângela bem sabe que a caridade fraterna passa também através do que se
escuta e do que se fala. E não hesita em dizer às “coronelas” o que devem
318
recomendar às “queridas filhas e irmãs” : “Na escuta, não se deleitem em
ouvir se não coisas honestas, lícitas e necessárias. No falar, todas as suas
palavras sejam sábias e medidas; não ásperas, não frias, mas humanas e que
319
levam a concórdia e a caridade” .
É um diálogo que tem o seu fundamento na capacidade de apreciar,
amar, cuidar do outro: “Assim que devem também pensar como as devem
apreciar; porque quanto mais as apreciarão, tanto mais as amarão: quanto
mais as amarão, tanto mais cuidado e atenção terão por elas. E será assim
impossível que dia e noite não as tenham no coração, e esculpidas no
320
coração, todas uma por uma, porque o verdadeiro amor faz e age assim” .
Para realizar esta recíproca escuta, tornam-se necessários alguns
momentos específicos, e Ângela empenha as suas filhas em proporcionar
duas ocasiões importantes:
• visitar frequentemente, “a cada quinze dias, ou mais ou menos quanto
será o suficiente, todas as outras irmãs virgens espalhadas pela cidade,
para confortá-las e ajudá-las se elas se encontram em qualquer situação
321
de discórdia ou em outra dificuldade, seja material que espiritual ;
• fazer com que as irmãs se encontrem entre elas, para reforçar os seus
laços: “Devem ter cuidado de reunir de vez em quando as suas filhinhas
no lugar que acharem melhor e mais cômodo, e assim (e se tem à
disposição alguma pessoa indicada) peçam para que lhes dirija alguma
breve reflexão e alguma exortação, para que, além disso, possam ver-se
como queridas irmãs e, refletindo juntas espiritualmente, possam
alegrar-se e juntas consolar-se, coisa que será para elas de não pouca
322
alegria” .
318
Rec. 5º, 1.
Ibid., 11-12.
320
Rec. Prol., 9-11.
321
Reg. XI, 8-9; cfr. Rec. 5º, 1.
322
Leg. 8º, 1-6. Trata-se de uma fraternidade concreta, efetiva, que leva também a
procurar a ajuda necessária onde é possível encontrá-la. Ângela cita, em modo
muito concreto, tantos casos de sofrimento que exigem solidariedade, apoio,
consolação fraterna: “No caso que os seus superiores de casa fizessem a elas
algum injustiça, ou quisessem impedi-las de fazer alguma coisa de bem, ou expôlas a qualquer risco de mal. [...] Se acontecesse que alguma irmã, sendo órfã, não
conseguisse obter a sua parte, ou talvez sendo governante, ou doméstica, ou
319
89
O sentido da fraternidade se revela também no uso dos bens da
Companhia, que possuem uma finalidade bem precisa e por isso Ângela
lembra: “que devem ser bem administrados, e que serão usados com
prudência, especialmente para ajudar as irmãs e segundo as eventuais
323
necessidades” .
E deseja que não se procure “conselhos fora; façam somente entre
vocês, segundo a caridade e o que Espírito Santo iluminará e ditará,
324
dirigindo tudo para o bem e para o proveito espiritual das suas filhinhas” .
Diante do sofrimento, provocado pela solidão, pela idade, pela
doença, pela morte, Ângela, com sua praticidade e a sua atenção, sugere
várias propostas de ajuda: oferecer a duas irmãs que ficaram sozinhas a
possibilidade de viverem juntas; respeitar a liberdade de quem que, mesmo
tendo ficado sozinha, não quer renunciar ao seu trabalho; lembra que as
irmãs idosas merecem ser “ajudadas e servidas como verdadeiras esposas de
325
Jesus Cristo” ; em caso de doença, recomenda que a irmã “seja visitada,
326
ajudada, e servida de dia e de noite se necessário” .
Também a experiência da morte vê as irmãs “unidas juntas”: as vivas
acompanham “com caridade” a irmã ao término da sua viagem, e rezam
como sabem e podem, para que “o nosso suave e benigno esposo Jesus [...] a
conduza para a glória celeste junto às outras virgens, coroada da esplêndida
327
e luminosíssima coroa da virgindade” .
Uma vida, então, toda entrelaçada de concórdia, de coração e
vontades: é o testamento que Ângela deixa, a última recomendação: “com a
328
qual até com o sangue” nos pede, um valor que devemos continuamente
329
desejar, procurar, abraçar, conservar com todas as forças .
outro, não pudesse obter o próprio salário, ou se acontecesse alguma coisa
semelhante e por isso fosse necessário recorrer a um processo judicial, [...] então
os quatro homens, por caridade e como pais, queiram encarregar-se e prestar
ajuda segundo a necessidade”, Reg XI, 10-19.
323
Reg XI, 22-24; cfr. 9º, 1-4.
324
Leg. 9º, 5-8.
325
Reg XI, 29.
326
Ibid, 30.
327
Reg XI, 35-36.
328
Ric Ult., 1.
329
Cfr. Ric Ult., 14.
90
A experiência de viver partilhando assumiu lentamente a forma da
vida comunitária, de uma vida fraterna em comunidade onde cada uma
acolhe e é acolhida pela outra em nome da Caridade de Cristo para realizar a
única missão.
A comunidade é educativa, enquanto sujeito capaz de “traditio”, de
transmitir, entregar um patrimônio de valores para a geração sucessiva e por
isso lugar de iniciação, na medida em que se transforma sempre mais em
espaço habitado pela Trindade.
No entanto, a mesma comunidade é sujeito de formação, de
discernimento, de projetação. Isso faz com que não se perca mais de vista a
necessidade de elaborar e reelaborar continuamente uma síntese entre o ser
educadoras e o de tornar-se continuamente tais, entre passado e futuro,
atenção aos sinais de novidade e fidelidade a um patrimônio recebido e
doado.
A “vontade de concórdia” à qual Ângela e o Bem-aventurado Zefirino
Agostini exortam, é uma meta que pressupõe um itinerário também
educativo, além de espiritual: tornar-nos conscientes do nosso ser
incompletos, sentir a necessidade do outro, criar uma relação “de
misericórdia”, à imitação do amor de Cristo, que de rico que era se fez
330
servo, fazendo-nos descobrir que todos somos gerados “não pela vontade
331
da carne, nem pela vontade do homem, mas de Deus” .
Isto torna-nos capazes de percorrer três etapas paradigmáticas de
cada crescimento:
• libertar o nosso coração de qualquer forma de ressentimento, raiva,
rancor: “Como devem mutuamente se estimar e se amar estas irmãs![...]
Entre elas, fácil, pronta, generosa a compaixão dos defeitos e das
332
faltas” .
• dilatar o coração, ser capazes de participar aos sofrimentos, às esperas
da humanidade inteira; Ângela é o modelo proposto por Pe. Agostini:
ela encontrava a “maneira de socorrer os indigentes [...] Em fim, a
333
caridade a tornou mãe, guia, alívio e refúgio de todos” ;
330
Cfr. Fl 2,6-7.
Jo 1,13.
332
FO, 288.
333
FO, 290.
331
91
•
dar espaço à gratidão por aquilo que nos é continuamente doado, e
cultivar um olhar contemplativo, capaz de alegrar-se pela glória que nos
será doada no céu: “Não devem ser conforme à imagem dolorosa,
atribulada, angustiada de Jesus Cristo, seu Esposo, se querem gozar da
sua glória? Também aos seus queridos Apóstolos, justamente para tal
missão, Jesus Cristo predisse gravíssimas cruzes, perseguições, o ódio
de todo mundo. Mas o que? Ninguém no mundo pode raptar-lhes esta
334
interna alegria” .
1.2. Esposa
Ângela colheu e viveu em modo particular o mistério da IgrejaEsposa, da Comunidade eclesial chamada a entrar em uma relação de
intimidade nupcial, livre e pessoal com Deus que é “beata e indivisível
Trindade”, comunidade perfeita e exemplar.
É uma espiritualidade trinitária, aquela de Ângela, vivida em termos
de união esponsal: “eleitas a ser verdadeiras e intactas esposas do Filho de
335
Deus” , conduzidas pela via de uma compreensão sempre mais profunda
336
da verdade do Espírito , cuja voz é tanto mais reconhecida “quanto mais
337
purificada e limpa teremos a consciência” .
A ursulina é chamada a viver como esposa, porque isto ela é, e todo o
seu itinerário interior é um progressivo retorno à condição 'original',
338:
caminho percorrido e marcado por uma grande esperança
334
FO, 305.
Reg Prol, 7.
336
Cfr. Reg VIII.
337
Ibid., 15.
338
São muitas as exortações à confiança, à esperança, a não temer. Para todos,
citamos uma parte da 5º Recordação, onde encontramos mais de 15 vezes uma
referência a esse modo sereno e confiante de viver também as dificuldades:
“Coloquem a própria esperança e o próprio amor em Deus só [...] nunca serão
abandonadas nas suas necessidades. Deus providenciará admiravelmente. Não
percam a esperança. Quantos senhores, rainhas e outras pessoas importantes
existem, que por quanta riqueza e por quanto poder tenham, não poderão
encontrar um verdadeiro conforto diante de algumas necessidades! Ao invés elas,
335
92
•
•
•
•
•
339
da consciência da “nova e estupenda dignidade” :
340
ao querer conhecer “o que comporta uma tal eleição” ;
para alcançar ao melhor daquilo que já somos por dom de Deus: “que se
esforcem, com todo se poder, de conservar-se segundo o chamado de
341
Deus” ;
procurando e querendo os meios adaptos e necessários “para perseverar
342
e progredir até o fim” ;
343
“retornar gloriosamente em pátria” .
A esponsalidade não é simplesmente uma característica entre outras
tantas, uma dignidade concedida e da qual nos alegramos, ou um privilégio
que embeleza: esta “obra é de tal importância que não poderia ter uma de
344
importância maior, porque esta envolve a nossa vida e a nossa salvação” .
Trata-se de uma “obra”, isto é, de algo que, próprio por ser grande, exige
dinamismo, atenção, uma mente e um coração que não percam de vista o fim
último.
Tem outra expressão que Ângela usa, juntamente com “esposas do
345
Filho de Deus”: “se tornar rainhas no céu” . A palavra “rainha” aparece de
346
novo quando Ângela fala da virgindade, definida “rainha das virtudes” .
Pe. Agostini a usa quando fala da caridade, rainha das virtudes e
347
cumprimento perfeito de toda lei evangélica .
“Virgindade”, “caridade”, “esponsalidade” não são sinônimos,
porém justificam o uso comum da palavra “rainha”. Chamados todos, pelo
348
batismo, a constituir um povo real, somos também empenhados em
mesmo pobres, encontrarão consolação e conforto”, Rec. 5º, 22-34.
Reg Prol, 8.
340
Ibid.
341
Ibid., 9.
342
Reg Prol,10.
343
Ibid, 30.
344
Ibid., 15-16.
345
Ibid., 17.
346
Reg IX, 4. É usada também para indicar os grandes deste mundo, mas não é nesse
sentido que vem usada aqui: cfr. Prol Reg; Leg. 4º.
347
Cfr. FO, 81, 119, 394.
348
Cfr. 1 Pd 2,9.
339
93
construir desde agora o Reino de Deus, que será plenamente realizado
somente no fim dos tempos, quando seremos associados à glória do Rei, a
349
quem pertencem, “louvor, honra, glória e poder” . Existem, porém, alguns
sinais da presença silenciosa do Reino que vem, do seu crescer
350
imperceptível, porém real : trata-se de uma intensa, apesar de ser
incompleta, participação à realeza de Deus, Rei dos Reis e Senhor dos
senhores, e ao senhorio de Cristo, acreditado, proclamado, anunciado
351
“Senhor” depois da sua ressurreição e glorificação .
A esponsalidade exige comunhão de interesses com o amado: é isto
que dá fundamento e harmonia à vida da Ursulina e à sua missão
352
apostólica .
O ser esposa e o viver como tal é um dom altíssimo que exige
vigilância, perseverança, coerência: “Não basta, de fato, começar, se
353
também não se persevera” . Para tanto é necessário procurar e usar os
meios adaptos, porque “pouca ou nenhuma diferença existe entre dizer
francamente: não quero mais servir a Deus, e não querer seguir as vias e as
354
normas necessárias para poder se manter em tal estado” .
Ângela, sabiamente, conhece e prevê dificuldades e perigos: fazer
com que uma pessoa se construa em harmonia com a dignidade que possui
porque recebida de Deus, e não mais ou menos reconhecida por leis
humanas, é trabalho e empenho de toda a vida; “precisa ser atentas e
prudentes, porque quanto mais uma obra tem valor, tanto mais fadiga e
355
perigos comporta” . Existe um misterium iniquitatis que se opõe
continuamente ao Bem e à procura do Bem: isso entra na dinâmica da
356
construção do Reino . “E assim se armarão contra nós a água, o ar e a terra,
349
Ap 5, 13b.
Cfr. Mt 13, 31-33; 25,1-13; 31-45.
351
Cfr. Fl 2,11; 1Tm 3,16.
352
É particularmente significativa uma meditação sobre o zelo, feita comentando a
oração de Santa Ângela: FO, 528-531; cfr. também FO, 192ss: “A Filha de Maria
Imaculada espiritualmente madura, é aquela que, como Maria, sua Mãe, assume
o interesse de Cristo: a Redenção”.
353
Reg Prol, 11.
354
Ibid., 14.
355
Ibid., 18.
356
Cfr. Mt 13, 24-30.
350
94
357
com todo o inferno” , mas existe uma confiança que perpassa o
pensamento de Ângela, não fruto de ingenuidade, mas de “segura e firme
fé”, de “esperança na infinita bondade Divina” que todos os obstáculos
serão não somente superados, mas vencidos “com grande glória e alegria
358
nossa” .
A esposa da qual Ângela fala, a mulher que ela sonha, é a mulher forte
descrita na Bíblia, uma mulher que se comporta “virilmente”, como Judite,
capaz de usar a sua feminilidade para defender o seu povo e decepar
359
“corajosamente a cabeça de Holofernes” .
1.2.1. Virgem
Nesta lógica, pascal, escatológica, torna-se significativa a escolha de
quem, desde agora, decide entregar-se totalmente ao Reino; de quem faz do
seu relacionamento com Cristo a única relação fundamental e fundante, de
quem quer continuamente conhecer, aprofundar e realizar o Projeto de Deus
e vive o amor aos irmãos como expressão do único grandeAmor.
A virgindade, como escolha de vida, é ligada à dimensão esponsal e,
ao mesmo tempo, também à experiência da maternidade.
Refletir, desejar e, até mesmo, escolher a virgindade tem sentido
somente em um contexto de amor que se torna também testemunho. É
caridade vivida lá onde Deus nos colocou. No caminho de crescimento, a
virgindade não é uma via alternativa ao matrimônio: existe, de fato, uma
única via de santidade: a via do amor, vivido em formas diversas.
O centro de uma vida empenhada é sempre Deus, cujo rosto nos foi
revelado em Cristo, e a realização do seu projeto de salvação.
A virgindade é um modo de viver, segundo o Espírito, aquela vocação
à maternidade que todos possuímos, porque feitos “à imagem e semelhança
de Deus”, criador e amante da vida. A maturidade no amor se manifesta na
crescente capacidade de:
• ser fiéis em modo constante, também na fadiga;
357
Reg Prol, 20.
Ibid., 25.
359
Reg Prol, 30.
358
95
•
‘assumir cuidado' de outros e, portanto, ser abertos, disponíveis à
'fecundidade', ao 'fazer crescer'.
A falta de interesse pelo outro, o considerar-se, num certo sentido, o
'centro' do mundo, revela 'esterilidade', leva ao auto-isolamento, e gera um
círculo vicioso do qual é difícil sair.
Neste sentido pode-se entender porque Ângela, falando da
360
virgindade, refere-se a todas as dimensões da pessoa, desde o pensamento,
o sentimento, até o falar, o agir, o relacionar-se, e a coloca como condição
361
para ser admitida na Companhia .
Ela afirma que é necessário que cada uma
• “queira conservar a santa virgindade”362, e não por puro voluntarismo,
nem para ser aprovada pelas pessoas, e nem mesmo “por exortação
humana”, mas para fazer “voluntariamente sacrifício a Deus do próprio
363
coração” , motivada unicamente pela caridade, pelo amor de Deus,
numa escolha livre e consciente;
• assuma uma mentalidade nova: a virgindade é definida “irmã de todos
os anjos, vitória sobre a concupiscência, rainhas das virtudes, e senhora
364
de todos os bens” . Trata-se de um novo modo de viver a caridade que,
elevando a níveis sempre mais altos, abre os horizontes, ajuda a
reconhecer Deus e a procurar sempre a sua vontade, recolhe a vida em
torno de um centro unificador, enriquecendo e dando vivacidade às
potencialidades da pessoa;
• viva coerentemente: “cada uma, então, deve comportar-se de tal modo
que não cometa nem em si mesma, nem para com o próximo, coisa
365
alguma que seja indigna da esposa do Altíssimo” , e refere-se à
totalidade da pessoa: desde a consciência, “limpa de qualquer
360
Cfr. Reg IX.
Reg I, 1-2.
362
Reg IX, 1.
363
Ibid., 2.
364
Ibid., 3-5.
365
Ibid., 6.
361
96
366
pensamento mau” , aos sentimentos, aos desejos, à linguagem, ao
modo de agir e às relações que temos com os outros e com o mundo. É a
opção fundamental, vivida com coerência, cada dia, pela qual cada uma
é “disposta a morrer antes do que manchar e profanar uma jóia tão
367
sagrada” .
A resposta de Jesus a quem o interrogava: “Serão como anjos no
368
céu” , expressa toda a grandeza à qual cada pessoa é chamada: ser capaz de
contemplar o Senhor face a face, de compreender e realizar o que Ele quer,
369
para que a sua vontade seja feita “assim na terra como no céu” .
Refletir e propor o valor da virgindade como modo de ser e colocar-se
diante das pessoas, dos acontecimentos, da história, conduz quase
necessariamente à reflexão sobre a vasta problemática da mulher, da sua
dignidade como pessoa com uma tarefa bem específica na Igreja e na
sociedade.
O Bem-Aventurado Agostini teve uma intuição no seu considerar a
mulher como centro da família e da sociedade: “centro” propulsor, força
capaz de animar e promover o outro para que cresça em todas as suas
potencialidades.
Vivemos um momento histórico carregado de contradições: existe a
descoberta e valorização do mundo feminino, do seu gênio, deste jeito
diferente e característico de enfrentar problemas e situações, não
alternativo, e sim complementar do modo e da mentalidade masculina; ao
mesmo tempo, porém, existem ainda tantas formas de discriminação,
evidentes ou às vezes evidentes e muitas outras vezes sutis.
Neste contexto, a palavra do Fundador, que nos confia sobretudo as
370
“pobres meninas” , parece adquirir uma atualidade toda particular. Junto
dele, e antes dele, é atual a sabedoria de Ângela que convida, se o tempo e as
366
Ibid., 7.
Reg IX, 23.
368
Mc 12,25.
369
Mt 6,10.
370
“Caríssimas, essas pobres meninas sejam, portanto, o mais precioso objeto dos
seus amáveis cuidados, das suas piedosas solicitudes. Instruam as suas mentes,
eduquem para a virtude os seus corações, salvem as suas almas do mal contágio
deste mundo, principalmente nos nossos dias, extremamente perverso e
367
97
necessidades o pedirem, de agir diversamente, mas sempre com prudência e
bom conselho, recorrendo, todas juntas, aos pés de Jesus, que está no meio
371
de nós, ilumina e ensina como “verdadeiro e bom mestre” .
A virgindade, neste sentido, é o meio para restituir à mulher a sua
dignidade original: aquela do seu ser “imagem e semelhança de Deus” e,
portanto, depositária de uma grande dignidade, livre e capaz de assumir-se a
si mesma, de decidir a qualidade da sua vida, de viver e estabelecer relações
novas: “não se sentem, quase diria, transformadas em outras criaturas?
Estão na terra, mas a sua conversação está no céu. Estão na terra, mas o Deus
da glória colocou em vocês o seu trono. Estão na terra, mas já
372
experimentaram antecipadamente aqui as delícias de um Paraíso eterno” .
1.3. Mãe
Viver o mistério do amor nupcial entre Cristo e a Igreja, sua esposa,
significa participar daquela misteriosa fecundidade que enriquece a esposa
373
com o dom da maternidade .
Gerada do lado aberto de Cristo na Cruz, a Igreja, por sua vez, gera
continuamente novos filhos na fé. É muito significativa uma expressão de
Santo Ambrósio: “A Igreja é imaculada na sua união esponsal: fecunda
pelos seus partos, é virgem pela sua castidade, mesmo sendo mãe pelos
filhos que gera. Nós somos então nascidos de uma virgem, que concebeu
374
não por obra de homem, mas por obra do Espírito Santo” .
Ângela viveu profundamente esta dimensão materna que, nascida do
375
mistério da cruz, do Sangue de Cristo , caracteriza cada fiel e, em
particular, quem segue o Senhor na virgindade. É o Sangue de Cristo que dá
pervertedor, especialmente da pobre juventude feminina”, FO, 289.
Leg. Ult., 5.
372
FO, 471. Existem outros textos interessantes do Fundador sobre o tema da
virgindade: FO, 209ss; 253ss;328ss;469ss; 472ss.
373
Aternura materna é atribuída, na Bíblia, a Deus mesmo: “Como uma mãe consola
o filho, assim eu vos consolarei” (Is 66,13). E ainda: “Se esquece por ventura uma
mulher do seu filho, assim de não comover-se pelo filho do seu ventre? Mesmo
que ela se esquecesse, eu não te esquecerei jamais”(Is 49,15).
374
Citado por João Paulo II na sua catequese no dia 17.07.2003.
375
Duas vezes nas Recordações e duas nos Legados, Ângela faz do Sangue de Cristo
371
98
376
dignidade à missão da Mãe , concede o dom da sabedoria e da perseverança
377
a quem o pede com insistência , torna o amor espiritual muito mais forte do
378
que aquele segundo a carne , faz da maternidade uma manifestação da
379
Igreja e na Igreja . É em nome da paixão e do Sangue de Cristo, “derramado
a fonte das relações dentro da Companhia: “Minhas cordialíssimas irmãs e mães
no Sangue de Jesus Cristo”, Leg. Prol., 4.
“Mas sobretudo, peço e suplico a todas, pela paixão e sangue de Jesus Cristo
derramado por amor a nós, que queiram colocar em ato com solicitude estas
poucas recordações”, Leg. Prol., 25-26.
“E entre as outras coisas que devem fazer, com a graça de Deus, peço a todas, as
suplico, por amor à paixão de Jesus Cristo e por amor à Nossa Senhora, que se
esforcem em colocar em ato estas poucas recordações, que agora lhes deixo para
serem executadas depois da minha morte: serão para vocês um chamamento ao
menos de uma parte do meu querer e do meu desejo”, Rec. Prol., 19-21.
“Filhas e irmãs minhas no sangue de Jesus Cristo caríssimas”, Rec. 1º, 1.
376
“Ora, para tal coisa, queria que acordassem o seu intelecto para considerar a
grande graça e a sua sorte, de que Deus se dignou de torná-las mães de tantas
virgens, e que tenha colocado as suas esposas nas mãos de vocês e confiando-as
ao vosso governo”, Leg. Prol., 14-16.
Existem também outros textos que dizem a grandeza desta missão materna: “Oh,
qual nova beleza e qual dignidade ser superioras e mães das esposas do rei dos
reis e do Senhor dos senhores [...]. Felizes vocês se serão prontas a reconhecerem
tal nova e única ventura”, Leg. 4º, 14-17.
“Nem lhes deve pesar uma tal missão: ao contrário, devem agradecer sumamente
a Deus que se dignou de colocá-las entre o número daquelas que Ele quer que se
afadiguem a governar e cuidar desse seu tesouro. Graça certamente grande e sorte
inestimável, se a querem reconhecer”, Rec. Prol., 12-13.
377
“Oh! Quanto devem agradecê-Lo por isso, e ao mesmo tempo pedir a Ele, porque,
como se dignou de fazê-las presidir assim tão nobre rebanho, assim se digne
também de dar-lhes tal saber e tal poder em conseguir realizar obras dignas de
louvor a Ele, e de colocar todo empenho e toda força no realizar o seu dever”, Leg.
Prol., 17-21.
“Portanto lhes é necessário tomar uma íntegra e estável determinação de
submeter-se totalmente à sua vontade, e, com uma viva e salda fé, receber dele o
que devem operar por seu amor. E nisso, qualquer coisa aconteça preservar
constantemente até o fim”, Leg. Prol., 22-24.
378
“De fato, se vê nas mães segundo a carne que, se tivessem mil filhos e filhas, os
teriam todos no coração, totalmente fixos um por um, porque o verdadeiro amor
faz assim. Pelo contrário, parece que quanto mais filhos se tem, tanto mais cresce
o amor e o cuidado por cada um deles. Com maior razão as mães segundo o
espírito podem e devem comportar-se assim, porque o amor espiritual é sem
99
380
por amor a nós” , que Ângela pede às Coronelas e às Matronas, de “colocar
381
em ato com solicitude estas poucas recordações” , fruto da graça e da
382
bondade de Deus .
O Bem-Aventurado Zefirino Agostini, que conheceu em Saló as
Ursulinas, cujo “nome tão doce impressão fez no seu coração que não o
383
esqueceu mais” , assume e faz próprio toda a herança espiritual de Ângela e
384
a propõe para as primeiras jovens do nascente Instituto . A “maternidade
espiritual” é característica que o Fundador exige de cada consagrada
Ursulina que quer ser apóstola da juventude.
nenhum confronto muito mais potente do que o amor segundo a natureza”, Leg.
2º, 5-9.
“E entre os providências boas e necessárias que Deus tomou para mim, vocês são
uma das mais importantes; vocês que são reconhecidas dignas de serem
verdadeiras e cordiais mães de uma assim nobre família, confiada às suas mãos a
fim de que tenham aquele cuidado e aquela custódia que teriam se fossem
nascidas do seu próprio ventre e mais ainda”, Leg. Prol., 10-13.
379
Todo a 7ª Recordação desenvolve o tema do defender e salvaguardar as ovelhas
dos “lobos” e dos “ladrões”.
380
Leg. Prol., 25.
381
Ibid., 26.
382
Cfr. Leg. Prol., 27.
383
Memória sobre a fundação do Instituto das Ursulinas, 18 de fevereiro de 1887,
em: FO, 446.
384
Quando o Bem-Aventurado Zefirino Agostini se refere à Santa Ângela, usa
expressões como: “a grande Mãe”, “gloriosissíma sua Mãe”, “Santa nossa e
famosa fundadora das Ursulinas” e com freqüência exorta as primeiras irmãs a
assimilarem os seus ensinamentos e a deixar-se educar pelos seus exemplos:
“Santa Ângela, nas suas instruções, nas suas regras lhes diz tudo. O seu manual
deve ser para vocês como o livro, o volume que Deus mostrou ao seu Profeta
Ezequiel dando-lhes ordem que o comesse. Ele obedeceu [...]. como Ezequiel,
comam também vocês o volume das suas regras, ditadas pelo espírito de Deus a
Santa Ângela, sua Mãe. Degustem, saboreiem e sentirão inefável doçura,
saciando assim a sua alma da abundância dos bens celestes, tendo assim sempre
vivo e ardente sobre o altar do seu coração o fogo da caridade de Deus, até que na
sua caridade serão transformadas nele mesmo na eternidade da sua mesma
glória”, FO, 346.
E ainda: “Bom Deus! Não lhes bastariam as virtudes e os exemplos da sua Mãe,
Santa Ângela? As suas angélicas recordações, os seus celestes ensinamentos e
regulamentos não podem ser capazes de formar no seu coração uma fornalha de
fogo ardente que se eleva sem parar?”, FO, 477.
100
Com uma segurança que pode até maravilhar, Ângela atribui a si
mesma o título de Mãe, concedido-lhe por Cristo “o qual, na sua imensa
bondade, me elegeu para ser mãe, viva e morta, de assim nobre
385
Companhia” .
As matronas, e nelas, quem de qualquer forma será responsável da
Companhia ou de um “broto” da mesma, são as que continuam e tornam
presente a Mãe: “partindo agora desta vida e deixando vocês no meu lugar, e
como minhas herdeiras, estas recomendações serão para vocês como
legados que, na minha extrema vontade, lhes deixo para atuá-las
386
fielmente” .
Estabelece-se um fio vermelho entre o querer da Mãe e o querer de
387
Jesus Cristo, a obediência a ela e a obediência a Cristo , porque foi Ele
quem quis a Companhia, escolheu Ângela e lhe deu “também a graça de
388
poder governá-la segundo a sua vontade” .
Várias vezes Ângela garante a continuidade da sua presença materna
também e sobretudo depois da morte, quando é possível ver coisas,
acontecimentos, pessoas, na clara luz de Deus e portanto no seu significado
mais verdadeiro e profundo.
A morte não elimina as relações construídas na dinâmica da vida do
Espírito, ao contrário, torna-as mais fortes. E Ângela pode dizer, com toda
certeza e verdade: “Dirão a elas que agora estou mais viva do que quando me
viam materialmente, e que agora ainda mais as vejo e conheço, e mais posso
e quero ajudá-las, e que estou continuamente entre elas com o Amador meu,
aliás, nosso e comum de todas, para que creiam e não se percam de ânimo e
389
de esperança” .
385
Rec. 3º, 4.
Leg. Prol., 28-30.
387
“Estejam submetidas às suas mães principais que eu deixo no meu lugar, como é
justo. E o que fazem, façam-no obedecendo a elas e não seguindo os seus juízos.
Porque, obedecendo a elas, obedecerão a mim; obedecendo a mim, obedecerão a
Jesus Cristo”, Rec. 3º, 1-3.
388
Rec. 3º, 5.
389
Rec. 5º, 35-39; e ainda: “Sabem que, agora, estou mais viva de quando estava em
vida, e mais vejo e mais me são caras as coisas boas que continuamente vejo
realizar, e agora mais quero e posso ajudá-las e fazer-lhes o bem em todos os
modos”, Rec. Prol., 23-25.
386
101
Nas Recordações e nos Legados, Ângela diz e repete,
390
fundamentalmente, três coisas :
• as virgens da Companhia, na sua identidade de esposas de Cristo, foram
enriquecidas de uma dignidade incomparável da qual é necessário ser
conscientes;
• quem cuida delas na Companhia, tem uma tarefa incomparavelmente
grande: Ele se “dignou de colocá-las no número daqueles que ele quer
391
que se afadiguem a governar e cuidar de semelhante tesouro” . Nada de
medo, porém, diante das dificuldades, dúvidas, incertezas, porque Deus
392
mesmo “ajudará em cada coisa” , iluminando, consolando,
comunicando a sua própria força;
• tudo aquilo que uma mãe faz é em função do bem das filhas. Por isso
Ângela não se cansa de orientar, aconselhar, sugerir o que uma boa mãe
deve fazer. É um “estilo materno” que caracteriza a virgem consagrada,
que sabe bem que o amor segundo o Espírito cria vínculos muito mais
393
fortes do que o amor corporal .
Entre as muitas expressões de maternidade que emergem dos “Escritos”
390
Uma leitura atenta faz também perceber algumas diferenças: as Virgens
Coronelas são chamadas por Ângela “suas diletas filhas e irmãs”, Rec. Prol., 2; as
matronas, não são “diletas filhas”, mas “cordialíssimas irmãs e mães”, Leg. Prol.,
4, e são, de fato, “viúvas prudentes e de vida honesta”, Reg. XI, 2, chamadas a ser
'Mães' para as virgens da Companhia, em função da dignidade delas de esposas de
Jesus Cristo, dignidade tão grande e, ao mesmo tempo, tão exposta à fragilidade
do ambiente e da compreensão humana, que têm necessidade de ser sustentadas,
protegidas, defendidas, se for necessário, por alguém que, mesmo não fazendo
parte, propriamente, da Companhia, é solícito “para o bem e a utilidade da irmã e
filha espiritual”, Reg. XI, 5.
391
Rec. Prol, 12.
392
Rec. Prol, 15.
393
Cfr. Leg 2; O Bem Aventurado Agostini, no retiro espiritual do dia 13 de maio de
1875, propunha às Ursulinas o tema da maternidade espiritual tomando alguns
pontos deste pensamento de Ângela: “Digam-me: não sabem vocês que as filhas
da grande Mãe Santa Ângela, devem ao vivo imitá-la no tornar-se Mães, Mães
espirituais, cheias portanto de um espiritual amor, que Santa Ângela chama muito
mais potente sem comparação do corporal?”, FO, 297. O texto completo é
colocado em anexo.
102
•
•
•
de Ângela, podemos elencar algumas:
a capacidade de “intuir” as necessidades das filhas, dar-se conta do que
elas precisam, tanto material como espiritualmente, para prover o
394
melhor possível . Isto é tão importante como o cuidar da própria
Companhia, e disso Deus pedirá conta, porque Ele mesmo “plantou esta
395
Companhia, e nunca abandoná-la-a” ;
a capacidade de cuidar “das esposas do Altíssimo”, “enquanto cada
empenho e cuidado no fazer com que as suas filhinhas sejam adornadas
de toda virtude e de toda real e bela maneira, assim que possam quanto
396
mais agradar a Jesus Cristo seu esposo” . É um cuidado que se exprime
na solicitude para que se conservem íntegras e castas, [...] se comportem
com honestidade e prudência, e tudo façam com paciência e
397
caridade” , e com a atenção para “defender e salvaguardar as suas
ovelhas dos lobos e dos ladrões, isto é de dois tipos de pessoas
pestíferas: dos enganos das pessoas mundanas ou dos falsos religiosos, e
398
dos hereges” . Com bondade, mas também com clareza e firmeza,
Ângela orienta as Coronelas sobre o modo de agir diante de idéias e
pessoas que possam desviar as virgens da sua escolha de vida e oferece
alguns critérios que podem iluminar. “Mantenham a antiga estrada e
costumes da Igreja, ordenados e confirmados por muitos santos pela
inspiração do Espírito Santo. [...] não encontrarão outro recurso que
refugiar-se aos pés de Jesus Cristo, porque se é Ele quem governar e
399
ensinar, serão instruídas” , “e especialmente tenham cuidado que
serem unidas e concordes no querer [...], porque quanto mais serão
unidas, tanto mais Jesus Cristo estará no meio de vocês como pai e bom
pastor. Nenhum outro sinal haverá que estão na graça do Senhor, de que
400
o amar-se e o viver unidas juntas” ;
a capacidade de ajudar a renovar as motivações de cada uma, para que
394
Cfr. Rec. 4º.
Rec. 3º, 8.
396
Leg 4º, 1-3.
397
Leg 4º, 4-6.
398
Rec. 7º,1.
399
Rec. 7º, 22. 27-28.
400
Leg 10º, 7. 9-10.
395
103
possa “perseverar no caminho empreendido; [...] desejar as alegrias e os
401
bens celestes” . Por isso, Ângela dirige às Coronelas uma série de
recomendações porque, como mães, orientem as suas filhas no modo de
comportar-se, de falar, de escutar, de estar com os outros. Sobretudo
convida a conservar fixo o olhar sobre o futuro que as espera, o futuro
definitivo, aquele que ilumina e dá sentido ao presente, não por uma
necessidade de compensação diante das dificuldades do viver
quotidiano, mas próprio porque estamos em caminho rumo ao que é
definitivo, perfeito, eterno: “Como devem se alegrar e fazer festa porque
no céu para todas, e cada uma, está preparada uma nova coroa de alegria
e de júbilo [...]. Digam-lhes que desejem ver-me não na terra, mas no
céu, onde está o nosso amor. Coloquem lá em cima a sua esperança, e
não sobre a terra. Tenham Jesus Cristo como único tesouro, porque
assim, terão nele também o seu amor. E devem procurá-lo não aqui neste
402
mundo, mas no alto dos céus, à direita do Pai” .
Tudo isso prevê o empenho de cada uma para “ser” um modelo
coerente, porque é justo “e conveniente que as mães sejam exemplo e de
espelho para as filhinhas, especialmente na honestidade e no
403
comportamento” .
E é possível se verdadeiramente as mães amam as suas filhas, tê-las
esculpidas no próprio coração dia e noite, uma por uma com a sua própria
personalidade, o seu próprio ritmo de crescimento, os seus próprios sonhos e
projetos, sabendo que Deus tem um plano sobre cada uma delas, “porque o
verdadeiro amor faz assim. [...] Ainda mais as mães segundo o espírito
podem e devem comportar-se assim, porque o amor espiritual é sem alguma
404
comparação muito mais potente do que o amor natural” .
401
Rec. 5º, 2-3.
Rec. 5º, 25. 41-44.
403
Rec. 6º, 8.
404
Leg 2º, 6-9; cfr. Rec. Prol, 11; Rec. 8º; Leg 3º.
402
104
1.3.1. Zelosa
Uma maternidade assim compreendida e vivida é cheia de zelo: um
405
modo de considerar a vida, a missão, o empenho apostólico , as
406
motivações , que depois se traduzem em uma série de atitudes e escolhas:
407
agir “somente movidas pela caridade e o zelo pelas almas” , ser “repletas
408
de desejo e de ardor em colocar todo empenho e cuidado” dedicação
409
apostólico, fidelidade alegre e perseverante na obra começada , com a
certeza da alegria plena, porque Deus é fiel às suas promessas: “Se
realizarão essas e outras coisas parecidas, como lhes ditará o Espírito Santo
segundo os tempos e as situações, alegrem-se, permaneçam de boa vontade.
Eis que uma grande recompensa será preparada para vocês. E onde estarão
as filhinhas, lá estarão também as mães. Estejam contentes, não duvidem; no
410
céu queremos vê-las no meio de nós” .
Muitas vezes Pe. Agostini fala do zelo, uma dimensão que nos
empenha seriamente no caminho de configuração a Cristo e nos faz desejar e
procurar ardentemente a “maior glória de Deus, procurando a saúde eterna
411
das almas” .
São dois aspectos inseparáveis da vida de cada cristão e, em
particular, de cada ursulina, empenhada a continuar a presença de Cristo
atento a cada pessoa e, especialmente, a quem está, de qualquer maneira, em
412
situação de desvantagem .
405
“Esforcem-se com a ajuda de Deus em adquirir e conservar em vocês um tal
conceito e bom sentimento, de ser movidas a tal cuidado e governo somente pelo
amor de Deus e o zelo pela salvação das almas”, Leg. 1º, 2-3.
406
“E esforcem-se em trabalhar movidas somente pelo amor de Deus e do zelo pelas
almas assim que as cuidarão e as aconselharão, e as exortarão a qualquer bem e as
afastarão de qualquer mal”, Rec. 2º, 2.
407
Leg. 3º,15.
408
Leg. 4º,1.
409
Cfr. Leg Ult.
410
Leg. Ult., 14-17.
411
FO, 366.
412
Mais vezes o Fundador indica algumas imagens: a “Sede” de Jesus sobre a cruz, a
espera ao Poço da Samaria, o chamado de Mateus o públicano, a pecadora
defendida na casa de Simão o Fariseu, o Bom Pastor, cfr. FO, 114, 367, 529.
105
Mas o que é propriamente o zelo? Pe. Agostini o define como “um
ardente desejo de glorificar a Deus, edificando e salvando as almas do seu
413
414
próximo” , que faz agir” com todo o possível ardor” , com criatividade,
com entusiasmo, disponibilidade e abertura ao novo que o Espírito
continuamente suscita e que cada situação histórica e cultural provoca.
Zelo, missão, glória de Deus, bem do outro, e não um bem qualquer,
mas “eterno”, com um valor que transcende o tempo: são todas realidades e
dimensões em relação entre elas, a ponto que não se entende uma sem a
outra. Não existe imagem mais eficaz, para o Pe. Agostini, do que a dos
Apóstolos que, no dia de Pentecostes, encontram a coragem de sair do
Cenáculo e falar publicamente.
Os tempos e os espaços, também mais intensos, de oração, tudo
aquilo que podemos fazer para a nossa formação, adquirem significado
numa perspectiva apostólica, e o zelo é expressão da renovação que
continuamente acontece: “Sim: o Espírito Santo, ainda que invisivelmente,
também sobre vocês desceu naquele tempo precioso do seu recolhimento:
iluminou-lhes a mente com a sua divina luz; inflamou-lhes o coração do seu
santo amor: saíram de lá... mas como? Com qual sinal da sua espiritual
renovação? Sabemos o que fizeram os santos Apóstolos repletos do Espírito
Santo e tudo podemos resumir numa só palavra: Zelo. Portanto, visível sinal
415
da sua espiritual renovação, sem dúvida, deve ser este: zelo, zelo” .
Com grande facilidade, quase com uma espontaneidade “pastoral”,
ligada ao seu ser sacerdote, Pe. Agostini associa e vê uma continuidade entre
a missão confiada por Jesus aos Doze, a missão de Ângela, que sabia “de ter
recebido de Deus, desde quando, nos seus anos juvenis, teve a celeste visão
416
da misteriosa escada” , a missão da Ursulina, herdeira do zelo “da sua santa
417
mãe” e aqui não é possível deixar de lado um dos nossos textos 'clássicos',
tão significativo e eloqüente ao coração de cada uma de nós: “mas, no
entanto, lhes falta talvez o fácil campo para expandir o santo ardor do vosso
zelo? Não tem debaixo dos olhos freqüentes ocasiões aqui e lá, por tudo,
nos dias de semana e sobretudo para os dias festivos, principalmente nestes
413
FO, 113.
FO, 366.
415
FO, 366.
416
FO, 530.
414
106
inspirando-se a uma caridade toda materna para com as filhas do povo? Oh!
zelo de caridade, não podes tu ser compreendido se não por quem vivamente
te sente e cede espontâneo à eficácia das tuas prova. Ângela era pronta a
derramar até mesmo o próprio sangue, contanto fosse o suficiente para abrir
a cegueira das mentes dos pecadores e salvá-los e isso porque nela
encontravam-se todas as características da verdadeira caridade de Jesus
Cristo, de uma caridade paciente e benigna, de uma caridade que tudo sofre,
tudo espera, e não diminui jamais.
Ora, caríssimas, se o zelo da sua caridade não fosse desta qualidade,
se fosse para vocês um grave peso sujeitar-se a incômodos e, por delicadeza,
418
os evitarem, ai de mim que zelo seria esse?” .
O verdadeiro zelo se distingue por três características:
•
•
•
aceso de caridade, e por isso somos capazes de perceber as sutilezas da
vaidade, da ambição, de um amor de si narcisista;
informado de ciência: a ação precisa ser “plasmada, assumir uma forma,
a fisionomia de uma vida habitualmente empenhada, do conselho bom,
que é dom do Espírito, da vida de oração. Sem isso “não teremos nunca a
ciência dos santos, que torna cauteloso, prudente, e eficaz o nosso zelo.
419
Seríamos como temporal ruidoso que faz mais estragos do que bem” ;
sustentado da constância, porque diante da liberdade da pessoa é
necessária “muita paciência pelas muitas fadigas, pelo pouco proveito,
pelas contínuas ingratidões, resistências e perseguições que se
420
encontram.Aperfeiçoem, portanto o seu zelo” .
A ursulina, esposa e mãe, assume a causa de Cristo: é, este, um
aspecto muito importante, para bem discernir onde investir energias, “ver
em que particularmente deve uma ursulina zelar pela honra de Deus isto é o
421
que expressa a sua maior glória” . Pe. Zefirino identifica, e explica, três
âmbitos:
417
Ibid.
FO, 530-531.
419
FO, 115.
420
Ibid.
421
FO, 284.
418
107
1. zelo pela Igreja e a salvação das almas.Acausa da Ursulina é a causa da
Igreja, “esposa diletíssima de Jesus Cristo, para formar-se a qual, sem
mancha e sem ruga, deu todo si mesmo com a efusão de todo seu
preciosíssimo Sangue. [...] e portanto, junto com a Igreja, também vocês
deverão entrar no campo das suas batalhas contra as portas do inferno,
que continuamente tentam prevalecer contra a Igreja com a ruína de
422
inúmeras almas” ;
2. zelo para a libertação das santas Prisioneiras do Purgatório: no
mistério da comunhão realizada por Cristo, que nem mesmo a morte
pode destruir, “as irmãs da Igreja militante não arderão de zelo para
423
consolar, libertar, as irmãs da Igreja que se purifica?” . Temos à
disposição o potentíssimo meio da oração, do sufrágio, da recordação,
do respeito, da valorização, do sentir o passado e o presente como
história de uma só família, que caminha num sulco já traçado: “Oh! O
Esposo dessas Esposas e o Esposo seu, quanto generosamente as
424
recompensará!” .
3. zelo pelo exercício da caridade na própria Companhia, não para ficar
protegidas em um ambiente fechado, mas porque “do lar da mútua
425
caridade se difunda o zelo pelo bem do seu próximo” . Trata-se de
coerência, no único empenho de fidelidade a Cristo, vivido “no segredo
426
427
do nosso quarto” e “até os confins do mundo” , sem esquecer que
para a ursulina é confiada especialmente a juventude mais necessitada:
“Caríssimas, essas pobres meninas sejam então o mais caro objeto dos
seus amáveis cuidados, das piedosas suas solicitudes. [...]
Não as desanimem, nem fadigas, nem tribulações, e nem o pouco fruto
que talvez colham das suas fadigas e dos seus trabalhos. [...] Lembrem
que a coroa do bem é a perseverança”428.
422
Ibid., 284-285.
Ibid., 287.
424
Ibid., 288.
425
Ibid.
426
Mt 6,6.
427
Mc 16,15.
428
FO, 289.
423
108
CONCLUSÃO
Filhas, irmãs, esposas e mães: relações que enriquecem e fazem
crescer a pessoa em quanto tal e a Ursulina em particular.
Cada crescimento é um processo interior que faz descobrir cada vez
mais a identidade de criaturas em relação e da relação como esponsalidade.
Cada pessoa, enquanto tal, faz experiência de uma solidão e de um ser
incompleto radical e, ao mesmo tempo, sente também o chamado do outro
para retornar ao projeto inicial da humanidade: “À sua imagem e
429
semelhança Deus os criou” .
O amor nupcial se expressa neste caminho, na liberdade da qual a
pessoa é capaz e em nome da qual escolhe com quem e como apostar a sua
existência.
A Ursulina percorre este itinerário educativo que a faz crescer,
humana e espiritualmente, ao longo de todas as fases da vida, para chegar a
amadurecer em si e nos outros uma revelação do rosto de Deus cada vez
mais bela, até ser capaz de doar a vida, através da maternidade e através da
430
obediência ao mandado de Jesus: “Vão [...] anunciem [...] curem” , em
uma atitude de serviço a Deus, reconhecido sobretudo na juventude: “Os
Apóstolos tiveram a missão de evangelizar toda a terra; e vocês como
Ursulinas têm a missão de fazer todo bem possível ao seu próximo, e em
431
especial à juventude feminina” .
Na Igreja, Esposa, a ursulina é chamada a viver, em modo
carismático, como esposa perenemente enamorada, capaz de recuperar
continuamente as razões da sua fé, até se tornar Mãe, capaz de comunicar a
vida recebida. A ursulina sabe que este crescimento não é automático e por
isso é disponível a querer crescer, educar-se continuamente, em cada
momento da sua vida, reconhecendo-se educadora e aluna, na escola do
único Mestre.
Como pessoas inseridas no espaço e no tempo somos, por um lado,
ligadas a uma série de condições que recebemos de um passado como dom e
429
Gn 1, 27.
Mt 10, 7-8.
431
FO, 193.
430
109
riqueza, por outro lado, abertas a um futuro diante do qual devemos sempre
reestruturar-nos, porque as condições, as exigências, os desafios são sempre
diferentes.
É importante, então, ter clareza da nossa identidade e, por
conseqüência, da nossa vocação: “Quem são vocês, ó Irmãs? Vocês são um
pequeno rebanho, chamado pelo bom Pastor Jesus Cristo a saciar-se nas
pastagens mais eleitos das suas graças, sim pequeno no número, pequeno
pelo profundo sentimento da humildade que deve guiá-las em tudo,
pequeno pela meta à qual é orientada esta união, que é fazer o bem às almas
432
pequenas, acolhendo nelas a Jesus Cristo” .
432
FO, 5.
110
I PARTE
FUNDAMENTOS
CAPÍTULO IV
A Ursulina vive e educa empenhando-se
a “revestir-se de Cristo”
Sr. M. Agnese Scomparin
INTRODUÇÃO
A Ursulina, chamada a viver e a anunciar a graça da salvação que
experimenta, vive como primeira atitude a gratidão. A bondade de Deus
chamou-a para um projeto de pertença a Ele e de maternidade espiritual.
Consciente da grandeza e dignidade do dom vive-o com alegria e empenhase em deixar-se revestir de Cristo para expressar em si mesma, diante do Pai
e diante do mundo, a imagem viva do seu Esposo Divino. Escolhida para ser
sua coadjutora na obra da salvação, através da tarefa educativa colhe o seu
lugar como instrumento humilde e dócil.
O Fundador e Santa Ângela, mediadores carismáticos do seu ser
ursulina e da missão educativa, são para ela guia e modelo. Deixa-se educar
por suas vidas e suas palavras para que se imprimam nela os traços do Rosto
de Cristo e as características verdadeiras da sua caridade.
1. REVESTIDA DE CRISTO
“Eu vim ao mundo somente pelo desejo de salvar as pessoas, dandolhes a vida da graça, a mais vigorosa e feliz. Sabem quem eu sou? Eu sou o
Bom Pastor. E de qual bondade? Tal pastor que chega a dar a vida pelas
suas ovelhas. Querem que eu vos diga? Eu me sinto apertar as entranhas
por um desejo que não repousa até que não me consume vítima de sacrifício
para a salvação das pessoas. Sintam-me agonizante desde a minha cruz:
Sitio, tenho sede. Quase não tivesse padecido o bastante, desejo, como
homem sequioso, de padecer ainda mais, se fosse possível e necessário,
433
para que ninguém se perca” .
433
FO, 529.
113
1.1. Responde oferecendo-se
Cada ursulina, tocada e mudada pela graça da vocação, vive no desejo
de assumir a mesma caridade de Cristo e se abre ao dom da graça
oferecendo-se livre e totalmente a si mesma. Na sua relação com Deus,
434
contempla a Caridade, que se revelou “paciente e benigna” na obra da
Redenção e mostra as dimensões infinitas da profundidade, largura,
435
cumprimento e amplitude do coração de Deus .
Do amor imolado e gratuito de Cristo, aprende a oferecer-se, a doar a
sua liberdade, a inteira sua vontade, cada pensamento e ação, tudo quanto
436
437
lhe pertence . Aprende da “sacratíssima paixão de Nosso Senhor” a
expressar na ação apostólica, a imagem de Cristo que derrama o seu sangue
438
439
“por amor a nós” . Reconhece as próprias lentidões em servi-lo e recebe
força para estar pronta a derramar até mesmo o próprio sangue, “se for
440
necessário para abrir a cegueira da mente dos pecadores e salvá-los” .
1.2. Expressa em si mesma a imagem de Cristo
Na sua ação, a ursulina quer expressar a imagem viva do seu Esposo
441
Divino que, fazendo-se Bom Pastor, conhece os seus e se deixa por eles
442
reconhecer, para conquistá-los ao seu amor . Torna-se disponível para que
nela possam imprimir-se e manifestar-se “as características da verdadeira
443
caridade de Jesus Cristo” .
A ursulina, chamada a revestir-se deste Cristo, sob o seu exemplo
deseja instaurar com as pessoas, relações que exprimam a caridade na
434
FO, 530.
Ibid.
436
Cf. Reg V.
437
Ibid.; cf. Rec. Prol, 20.
438
Reg V, 25.
439
Ibid., 27.
440
FO, 530; cf. Reg V, 34.
441
Cf. FO, 55.
442
Cf. FO, 529.
443
FO, 530.
435
114
gratuidade, animada pelo desejo que a impele a se consumir para a salvação
444
do outro .
1.3. Deixando-se educar pela cruz
A ursulina assume com Jesus, “luminossíssimo, grandíssimo
445
exemplo de paciência” , o sofrimento que existe hoje no mundo. Acolhe,
como seus, os sofrimentos da Igreja e dos pobres e, solidária com eles, toma
sobre si mesma amorosamente os sofrimentos e as contradições que esta
446
solidariedade comporta. Se deixa educar na escola da “cátedra da cruz” e
pede a força para aceitar de sacrificar-se como Jesus.
Vive a cruz como amorosa participação à obra de redenção e,
enquanto acolhe a dor, tem a certeza de que cada aflição e tribulação se
447
transformarão em alegria, em gaudio .
1.4. Cuida do próprio crescimento
448
Chamada a santificar-se para santificar, a ursulina se dá o tempo
para a autoformação, no cuidado da qualidade da própria vida espiritual. A
fidelidade à oração, ao silencio interior, ao confronto com a Palavra são para
ela condições indispensáveis para o seu crescimento.
Prepara-se e atualiza-se, através do estudo e da reflexão assídua, para
amadurecer também a necessária competência, e estar à altura da missão.
A atenção à autoformação é uma forma de ascese necessária e que
empenha cada ursulina no cuidado do seu comportamento.
444
Cf. FO, 289.
FO, 176.
446
FO, 506.
447
Rec. 5º.
448
Cf. FO, 216.
445
115
2. UNIDA COM OS LAÇOS DA CARIDADE
“Cada uma de vocês, esposas de Jesus Cristo, tem por companheiras
outras Esposas d'Ele. Como devem reciprocamente estimar-se e amar-se
449
estas Irmãs! .
A última recomendação minha, que lhes faço, e com a qual até com o
sangue lhes rogo, é que sejam concordes, unidas juntas, todas de um só
coração e um só querer. Sejam unidas umas às outras com os laços da
450
caridade, apreciando-se, ajudando-se, suportando-se em Jesus Cristo .
Professarão uma docilíssima e amável harmonia entre elas, assim
que a caridade recíproca seja o principal vínculo que as une e o sinal que as
451
distingue” .
2.1. Acolhe o dom da Comunidade
O Amor infinito de Deus, mistério de Comunhão Trinitária, se
comunica a todas e a cada ursulina, em Cristo, como amor de Esposo.
A ursulina é agradecida pelo dom da Comunidade e encontra nela o
452
primeiro lugar no qual viver a expansão do amor e faz desse amor o seu
primeiro empenho de vida.
453
Cultiva a sua relação pessoal com Cristo, o verdadeiro Vínculo que
a une às irmãs e procura aprender a amar cada uma da mesma amabilidade e
454
mansidão de Cristo , da sua misericórdia e ternura.
Consciente do alcance apostólico do ser unidas, cada ursulina
aproveita tantas ocasiões que a vida de comunidade oferece e se empenha
para que a “mútua caridade” se torne sempre mais visivelmente “sinal que
455
distingue” , realizando a primeira ação missionária da Comunidade.
449
450
451
452
453
454
455
FO, 288.
Rec. Ult, 1-2.
FO, 10 e 149.
Cf. RdV 45.
Cf. FO, p.10.
Cf. Leg. 3º.
FO, p. 10.
116
Torna-se solícita e primorosa para com todas contribuindo num
intercâmbio, que enriquece e une; atenta e compreensiva, presta ajuda de
456
coração segundo as suas possibilidades. Também através da escuta e a
partilha estabelece relações significativas que pacificam, criando um clima
457
de amorosa harmonia , no qual é possível dar expansão ao coração e
458
construir laços de caridade que tornam bonito o ser unidas . Acolhe e
promove as ocasiões para “ver-se como queridas irmãs, e assim refletindo
459
juntas espiritualmente, possam alegrar-se e consolar-se juntas” , sabendo
460
que o estar juntas também fisicamente é “de não pouca alegria” , para que
461
todas “sejam unidas e concordes no querer” e disponíveis a renunciar aos
seus gostos, limitar as suas exigências, rever e confrontar o seu modo de
pensar, mediar algum desentendimento.
2.2. Estima cada uma e aceita a gradualidade
Na Comunidade, por dom constitutivo, torna-se recíproco o estimar462
se e o amar-se : a ursulina para construir uma relação de amor recíproco,
463
para viver em relação de “docilíssima e amorosa harmonia” que une
464
umas às outras, empenha-se antes de tudo a estimar e apreciar cada uma ,
cultiva as motivações que fundamentam e tornam autêntica essa sua estima:
465
as suas irmãs são, como ela, “Esposas de Cristo” . Empenha-se na acolhida
de todas, com aquela singeleza que caracteriza os laços de fraternidade.
Aprecia cada uma na sua diferença de idade, de cultura, de
temperamento, de costumes e acolhe as diferenças como riqueza.
456
457
458
459
460
461
462
463
464
465
Cf. Rec. 8º.
Cf. FO, 149.
Cf. Rec. Ult.
Leg. 8º, 3-5.
Leg. 8º, 6.
Leg. 10º, 7.
Cf. FO, 280.
FO, 10.
Cf. Rec. Ult.
FO, 288.
117
A ursulina é convicta que a comunidade é uma realidade doada e
466
sempre “a ser construída, dia a dia com a contribuição de todas” , aceita a
gradualidade do crescimento e se empenha confiante sabendo que o amor
de Cristo já realizou a comunhão, fundando-a sobre o seu próprio sangue.
Por isso é possível construir a Comunidade.
Respeita, em si e nas irmãs, os tempos de crescimento e aprende a
467
compadecer e a perdoar em modo “fácil, pronto, generoso” .
Em tal empenho é sustentada pela força do amor que torna desejável o
468
sacrifício de si em vantagem do outro , como Cristo faz com cada uma.
Promove, em comunidade e com as pessoas que encontra na missão, a
469
busca feita em conjunto, na oração e no discernimento . Manifesta com
clareza e coragem, o que considera um bem, especialmente em relação à
470
ação apostólica, e se submete de coração a quem tem a tarefa de decidir .
3. COM AMOR DE MÃE
“Estendam com Jesus os seus braços à amplitude da caridade, para
que as suas obras, as suas orações, os seus sofrimentos, unidos àqueles de
Jesus Cristo possam ser úteis para atrair à maior virtude os bons e
converter os pecadores. O seu coração, o seu pobre coração, seja
traspassado e aberto como aquele de Jesus, para que jorre abundante
misericórdia em vantagem das almas. Em fim doe-lhes, Jesus, seu
dulcíssimo Esposo, uma caridade fecunda de bons conselhos, de santos
exemplos, de fervorosa oração, de obras generosas, de ajudas, de confortos,
de compaixão, de ternura, para poderem ser verdadeiras mães espirituais
471
como Santa Ângela as quer” .
“O amor espiritual é sem alguma comparação muito mais potente do
466
467
468
469
470
471
RdV 37.
FO, 299.
Cf. FO, 528.
Cf. RdV 56.
FO, 16.
FO, 299-300.
118
amor segundo a natureza [...] se amarão as suas filhinhas com viva e
ardente caridade, será impossível que não as tenham todas particularmente
472
gravadas na memória e no seu coração , [...] esculpidas no coração uma
por uma, não somente os nomes, mas também a condição, a índole e toda
473
situação delas” .
3.1. Aberta a todas e a cada uma por necessidade do coração
474
A ursulina é chamada em primeiro lugar a infundir nas pessoas que
475
encontra a “viva e ardente caridade” que lhe inflama o coração; o seu é
amor de mãe espiritual “sem comparação e mais potente do corporal porque
476
é sugerido, alimentado, inflamado pela graça” . O seu é um coração de mãe
espiritual que gera a dá à luz desde as entranhas da sua caridade, uma
477
caridade ao feminino, feita de acolhida e ternura . Leva no coração as
478
jovens que lhes foram confiadas esculpidas uma por uma , as cuida na
profundidade do seu ser, onde se estabelece uma relação de conhecimento
amoroso, que lhe permite tê-las “gravadas” na memória e no coração.
472
Leg 2º, 9.
Ibid., cf. Rec. 2º e 4º.
474
FO, 298.
475
Leg 2º, 10.
476
FO, 298: O Fundador retoma e remete ao Leg 2º onde “a ardente caridade” se
torna generativa e se expressa com a intensidade da “necessidade do coração”:
“Poderia ser chamada mãe espiritual sem ter gerado e dado à luz filha alguma das
entranhas da sua caridade?”.
477
A atenção e os Escritos de Santa Ângela e a mesma obra educativa desejada pelo
Fundador, são orientados ao mundo feminino; Pe.Agostini, indica às ursulinas do
seu tempo, as meninas pobres e abandonadas como o campo onde viver a paixão
ardente pelas almas. O mundo feminino fica e é a primeira preocupação das filhas
de Ângela e Pe. Zefirino.
Como pensava Pe. Zefirino, como mulheres somos capazes de entrar em relação
educativa mais facilmente com a jovem, por uma sensibilidade afim e também
por uma consciência carismática. Na prática educativa, na maior parte dos
ambientes onde estamos inseridas, a co-educação nos faz encontrar a menina, a
adolescente e a jovem junto aos seus colegas. Por esse motivo, no presente texto,
em referência aos destinatários da nossa missão, se usará tanto o masculino
quanto o feminino.
478
Cf. Rec. Prol, 11.
473
119
3.2. Com afeição e afabilidade
Na ursulina, mãe espiritual, a caridade se manifesta como afeição que
a torna capaz de acolher a todos com abertura de coração: “[...] ama a todas
479
igualmente” [...] as abraça com viva caridade” . Não descuida de
ninguém, cuida especialmente dos mais pequenos, tem atenção para com
todos segundo as necessidades de cada um; se comporta como uma mãe e
480
“com mais razão” porque o seu amor é alimentado pela Graça .
Este amor se manifesta na sua afabilidade respeitosa e delicada; suave
e doce no aspecto e no comportamento a ursulina educadora pode encontrar
a jovem em num relação de serena confiança. Cuida para ter, sempre e com
todos uma atitude amável, que encoraja, facilita a comunicação, faz superar
os temores porque deixa perceber a profunda benevolência. Acolhe uma
recomendação que Santa Ângela sublinha com particular intensidade: “[...]
rogo-lhes, por favor, esforcem-se de atraí-las com amor e com mão suave e
doce, e não imperiosamente e nem com aspereza, mas queiram ser afáveis
481
em tudo” .
Através do trato humilde, da atitude equilibrada e serena, da
disponibilidade em ver e louvar o bem do outro, testemunha o amor de Deus.
3.3. No conhecimento amoroso pessoal
482
A ursulina “abraça com caridade indistintamente a todos” porque
todos lhe são caros e, ao mesmo tempo, trata cada um segundo a sua concreta
situação, com aquela capacidade de intuir, que move a comportar-se de
483
modo adequado, segundo o tempo e o lugar . A caridade lhe faz
compreender as perguntas verdadeiras do jovem para responder-lhe
484
segundo a necessidade .
479
Cf. Rec. 8°.
FO, 298; Leg 2°, 8.
481
Leg 3°, 1-3.
482
FO, 298.
483
Cf. Rec. 2°.
484
Cf. FO, 298. O Fundador, em modo pessoal, faz referência também neste texto, a
Santa Ângela, fazendo própria a escolha da educação personalizada que é
480
120
Ama as mais pequenas e frágeis, as mais fortes e ardentes, as mais
virtuosas ou defeituosas, com a discrição que lhe vem do intuito amoroso de
mãe, se faz por vezes mais terna ou mais prudente, pronta para encorajar
dando confiança, para sustentar, consolar e ajudar.
3.4. Reconhece e aprecia a dignidade de cada pessoa
Consciente de que a grandeza do seu empenho educativo deriva da
dignidade das pessoas a serem educadas, a ursulina nutre para com cada uma
485
delas uma estima sem medidas por aquilo que são: “criaturas de Deus”
486
abertas ao infinito do Seu Mistério, “as coisas mais preciosas que ele tem”
adquiridas ao preço do sangue do próprio Filho. Fundamenta o seu apreço
sobre essa realidade de fé, sabendo que quanto maior será a estima, tanto
mais as amará e quanto mais as amará, tanto mais cuidado e solicitude terá
487
por elas . Por isso é respeitosa da liberdade de cada pessoa, que Deus fez a
sua imagem.
Torna-se companheira de caminho e, com a força da sua caridade e
amizade, convida e aconselha; quer o bem e respeita o mistério de liberdade
488
de cada uma ; evita “impor as coisas, porque Deus deu o livre arbítrio a
cada um e não quer forçar a ninguém, mas somente explica, convida e
489
aconselha” .
É consciente de que as pessoas pertencem a Deus e assim o futuro
490
delas : “[...] e vocês não sabem o que Ele quer fazer delas”. Portanto se
antecipada como profecia do educativo seja em Ângela que no Fundador, com a
nota característica de uma caridade toda ao feminino. “Este cuidado pois vocês
devem desenvolver segundo a necessidade: as mais novas em idade e mais fracas
terão necessidade de maior ternura; as mais robustas e ardentes de espírito,
necessitarão de maior prudência; às mais defeituosas devem estar perto com
aquele paciente amor que uma paciente mãe tem para com o filho enfermo; às
tímidas devem dar confiança; as pobres ajuda; às fracas de ânimo e
desconsoladas, oportunos confortos”, cf., em particular, Rec. 2º.
485
Rec. 8°, 2.
486
FO, p. 17.
487
Cf. Rec. Prol.
488
Cf. RdV 13.
489
Leg 3º, 8-11.
490
Ibid, 2.
121
empenha na missão apostólica sabendo que Deus “das pedras pode tirar
491
filhos celestes” e fazer “coisas admiráveis a seu tempo e quando lhe
492
agradará” .
3.5. Sábia e vigilante
Com solicitude primorosa, a ursulina não somente procura conhecer
as suas filhas e dar-se conta das suas necessidades, mas não perde tempo e
depois de ter compreendido as necessidades verdadeiras de suas filhas
493
procura providenciar, resolver “da melhor forma possível” . Solícita e
pronta empenha a si mesma, o seu tempo e as suas forças para tirar da
situação de dificuldade as pessoas confiadas a ela e não hesita a recorrer a
quem pode ajudá-la, afim de que as pessoas vivam segundo o projeto de
Deus.
Sabe que a juventude lhe foi confiada para que fosse cuidada. Ela, que
não ignora a presença do mal, se faz atenta, como vigilante pastor, para
494
poder cuidar e defender o jovem . A ursulina é solícita e atenta porque,
como pessoa sábia, sabe que o compromisso é tão importante que não existe
um de maior importância, mas é também consciente da presença do perigo e
495
do mal . Por isso, procura os meios para favorecer a ação da Graça e ajuda
os jovens a formar uma consciência crítica capaz de perceber a ambigüidade
496
da lógica do mundo .
4. INCANSÁVEL NO ZELO
“Não se pode cooperar na obra de salvação da juventude sem o zelo,
497
e esse tem que ser sempre sustentado pela constância” .
491
Rec. 8°, 6.
Rec. 8°, 9.
493
Rec. 4°, 2.
494
Leg 10°, 1.
495
Cf. Reg Prol.
496
Cf. FO, 116-120.
497
FO, 368.
492
122
“Sustentado pela constância, com muita paciência pelas muitas
dificuldades, o pouco proveito, pelas contínuas ingratidões, resistências e
498
perseguições que se encontram” .
“Pois, que se esforcem, com todo seu poder, de conservar-se segundo
o chamado de Deus, e que procurem e queiram todos aqueles meios e
aquelas vias que são necessárias para perseverar e progredir até o fim. Não
basta, portanto, começar, se não se perseverar. Portanto diz a Verdade:
499
quem terá perseverado até o fim, será salvo” .
“A fortaleza e o verdadeiro conforto do Espírito Santo estejam em
todas vocês, a fim de que possam sustentar e realizar fielmente a obra que
500
lhes foi confiada” .
4.1. Com coração aberto, se empenha assiduamente
A ursulina amplia a sua visão além do âmbito em que opera sabendo
que está colaborando com um projeto maior. Enquanto se empenha com
501
diligência no compromisso que lhe foi confiado , se sente partícipe da
missão apostólica da Igreja e mantém o coração e a atenção abertos ao
inteiro campo apostólico da Congregação. Por quanto lhe é possível se
interessa na sua atividade de evangelização, consciente de que toda a missão
502
do Instituto e a fidelidade lhe pertencem e trabalha assiduamente e com os
meios considerados mais oportunos juntamente com a comunidade e os
colaboradores leigos.
4.2. Com a fortaleza do Espírito
A ursulina sabe que o Espírito de Deus fundou a Companhia; é ele
quem suscitou em Santa Ângela a intuição carismática da virgindade
consagrada no mundo e da maternidade espiritual; é ele quem mantém viva,
498
FO, 115.
Reg Prol, 9-10.
500
Rec. Prol, 3-4.
501
Cf. FO, p. 120.
502
RdV 8.
499
123
renovada, fecunda, aquela corrente de vida que, de Ângela em diante, não
cessa de dar frutos abundantes; é ele que continuamente suscita no coração
503
conselhos e inspirações .
Sustentada pelo Espírito, portanto, obtém força para poder realizar a
504
obra e não se deixa desanimar pelo empenho que a mantém em relação,
505
“dia e noite” , às pessoas da sua missão. Na confiança operosa espera a
grande recompensa, abrindo-se à esperança teologal e cuida da sua relação
privilegiada com o Senhor, fonte do empenho e da perseverança na obra
506
começada .
4.3. Sempre e em cada situação
Uma ursulina pode cumprir a sua missão como educadora da
507
juventude porque Deus sustenta a sua constância . Esta qualidade é
indispensável na ação educativa, que exige um cuidado contínuo pelo
jovem, no empenho de todas as energias, em todo tempo.
Para a ursulina educadora, a ocasião para viver a paciência é
cotidiana. A caridade paciente torna-a capaz de acolher sempre o outro sem
508
reservas e sem recusar a fadiga. A sua pedagogia nasce de uma
mentalidade de fé e torna-a capaz de promover e fazer nascer o homem novo
509
e de fazê-lo crescer segundo a estatura de Cristo .
5. NAOBEDIÊNCIAAMOROSA
“Cristo e a obediência são uma só coisa: pensava por obediência,
falava, operava, até à morte de cruz ... e obedeceu a todas as pessoas, em
510
todas as coisas, de modo perfeitíssimo” .
503
Cf. Reg VIII, 14.
Cf. Leg Prol.
505
Rec. 1°.
506
Cf. Leg Ult.
507
Cf. FO, 368.
508
Cf. FO, 299.
509
Cf. Ef 4, 13.
510
FO, 170.
504
124
5.1. À procura do verdadeiro bem
Entregando a própria vida a Deus e à sua guia, experimenta a
obediência como dom que, libertando-a de si mesma, torna-a idônea à
511
missão ; acolhe a missão específica do Instituto como vontade do Senhor e
512
toma “uma integra e estável determinação de submeter-se totalmente” e,
513
na fé, receber d'Ele o que é chamada a realizar por seu amor .
A ursulina sabe que a vontade de Deus é o Bem a ser procurado como
necessário para a sua vida; por isso, através da sua livre e constante adesão à
vontade do Pai acolhe como graça da bondade divina a missão apostólica
514
pela qual se reconhece seu instrumento .
5.2. Na Igreja
515
A ursulina realiza a sua missão em adesão às orientações da Igreja , à
516
qual Cristo confiou a tarefa “de conduzir as pessoas à salvação” ; procura
ser, com o melhor das próprias energias, coadjutora de Cristo através da
educação. Interessa-se dos itinerários que a Igreja elabora, preocupa-se me
conhecer os seus documentos, sobretudo em referência ao mundo juvenil;
informa-se sobre as orientações e atividades da igreja local e colabora de
coração nas obras paroquiais e diocesanas.
Deseja alcançar a todos e especialmente os jovens confiados a ela
como seu campo específico; sabe obedecer, porém, à sabedoria de fé do
Fundador que lhe sugere de fazer quanto é verdadeiramente possível, com a
certeza que “isto bastará diante de Deus como se fosse obra estupenda e
517
prodigiosa de caridade” .
511
Cf. RdV 60.
Leg Prol, 22.
513
Ibid.
514
Cf. Leg Prol, 5-8: “Querendo Deus, com sua eterna decisão, eleger fora da
vaidade do mundo [...] esta nossa Companhia, e sendo que lhe agradou, na sua
infinita bondade, quis usar-me como seu instrumento, por uma tal obra, apesar de
ser eu insuficiente e inútil serva, também me deu e me concedeu, segundo a sua
bondade, tal graça e tal dom de poder governá-la segundo a sua vontade”.
515
Cf. Reg VIII.
516
Cf. FO, 184.
512
125
6. HUMILDE E CONFIANTE
“Pensem que a humildade foi a primeira virtude professada pelo
(humanizado) Encarnado Filho de Deus, pelo qual foi um opção mesmo
descer do céu para a terra e rebaixar-se no aniquilamento [...] se abaixou
518
quase ao nada” .
“Eu olho de novo o meu Jesus crucificado e o vejo feito vítima de
519
humilhação extrema. Sendo Ele Deus aniquilou-se” .
“A humildade é próprio aquela virtude pela qual somente o Senhor
olha propício a pessoa, mora nela, comunica-lhe até mesmo os seus
520
profundos segredos” .
“Quanto mais uma árvore está carregada de frutos, tanto mais
521
abaixa os seus ramos, e neste seu abaixar-se mostra a sua riqueza” .
6.1. Conhece a si mesma e encontra o seu lugar
É na relação que o Senhor estabelece com a ursulina, que ela encontra
o seu lugar, descobre que através da sua pequenez, Ele constrói com ela uma
relação inédita de amor e lhe concede os seus dons. A sua pobreza, aceitada
em relação à grandeza do amor de Deus, torna-a confiante e “esvaziando-se
522
de si mesma” a faz gozar de grande liberdade . Com a inteligência
iluminada pela graça atribui a Deus quanto é seu, toma consciência de não
possuir nada que não lhe seja doado e se alegra porque “Deus é o tudo e o
523
tudo em Deus” . Experimenta com gratidão que “o Senhor a olha propício,
524
mora nela e lhe comunica até mesmo os seus profundos segredos” .
517
FO, 300.
FO, 166.
519
FO, 399.
520
FO, 82.
521
FO, 168.
522
FO, 88.
523
FO, 166.
524
FO, 82.
518
126
6.2. Instrumento inadequado,
porém confiante
A ursulina reconhece a sua inadequadez, diante da grandeza do
compromisso. É consciente que Ele a escolheu movido somente pelo amor;
Deus poderia escolher outros instrumentos mais aptos e a escolheu porque
lhe quer bem; sabe de ter mais necessidade ela de servir na missão do que os
525
outros de receber o seu serviço .
Aceitando a sua impotência e a sua lentidão reforça a confiança na
526
ajuda de Deus , sente-se segura do Senhor que lhe confiou tal empenho e
527
lhe dará também as forças para realizá-lo .
Instrumento frágil e inadequado coloca a sua firme confiança em
528
Deus vivendo um sadio equilíbrio entre o temor pela sua própria
fragilidade e a sua plena confiança em Deus: “[...] um belo enxerto, uma
529
grande confiança com um santo temor” . Quando se encontra em
dificuldade não desanima, porque tem certeza de que Ele a ajudará em todas
530
as coisas . Livre de si mesma e confiante em Deus torna-se disponível, com
531
coração e inteligência, para a missão .
6.3. Cria relações positivas
Na sua ação apostólica, apresenta-se aos outros por aquilo que é:
532
instrumento do qual Deus se serve ; aprecia o outro no qual Deus colocou a
533
sua mesma imagem, o estima, sente que é um dom poder servi-lo .
Cria relações fraternas com todos e em particular, com os pobres e
pequenos, porque vê neles melhor refletida a imagem de Cristo, manso e
humilde de coração. Reconhecendo-se pequena, torna-se autêntica e
534
acreditável: tem na humildade, “fundamento de todas as virtudes” , uma
525
Cf. Rec. 1°.
Cf. Leg Prol; FO, 8.
527
Cf. Rec. Prol.
528
Cf. FO, 84.
529
FO, 85.
530
Cf. Rec. Prol.
531
Cf. FO, 88.
532
Cf. Rec. 5°.
526
127
afabilidade que facilita o empenho de entrar em relação construtiva com o
outro, necessária para poder educar. “Sejam humildes e serão sábias”
535
recomenda o Fundador .
É capaz de colocar-se de lado para que o outro tenha espaço para a sua
autonomia.
7. SIMPLES, PROCURA “DEUS SÓ”
“Em primeiro lugar, cordialíssimas mães e irmãs minhas em Jesus
Cristo, esforcem-se com a ajuda de Deus em adquirir e em conservar em
vocês um tal conceito e bom sentimento, de ser movidas a tal cuidado e
536
governo somente amor de Deus e pelo zelo pela salvação das pessoas” .
“Para começar, tenham bem claro que a pureza de intenção consiste
em fazer tudo com a única finalidade de agradar a Deus [...].
Jesus Cristo nos faz compreender que se a nossa intenção é simples,
isto é, que não tem outro fim que a sua complacência, então a obra é toda
boa e resplandecente de pureza [...] Mas o que tem de próprio a santa
simplicidade? De admitir em si somente o gosto de Deus. Então vejam que a
reta intenção é a alma das nossas ações, que a elas dá vida e faz que sejam
537
boas. [...] Deus olha o coração” .
533
Cf. Rec. 1°.
FO, 165: “Humildade, humildade, quanto és grande por excelência, e apreço! [...]
Ela é o único, o sólido fundamento de todas as virtudes. É verdade que a fé é a
base de toda a fábrica espiritual, que nós devemos elevar até à vida eterna, porém,
a humildade é o fundamento da mesma fé. Não acredita quem não é humilde. Esta
uma verdade, ahi! muito comprovada pela experiência”.
535
FO, p. 168.
536
Leg 1°, 1-3.
537
FO, 63-64.
534
128
7.1. Com o coração e as mãos numa só direção
Aursulina é animada pela caridade que a leva a agir somente por Deus
e pelos seus filhos, esta é a única força que dá eficácia e fecundidade à ação
apostólica. A reta intenção do coração torna-a capaz de agir por Deus e de
acolher os frutos bons da sua ação nela: “Se a nossa intenção não tem outro
538
fim que agradar a Deus, então a obra é toda boa” .
Deus olha o coração. Ele nos pede para fazer, no nosso trabalho
539
educativo, o que podemos e o aceita como “obra admirável e prodigiosa” .
Procurando somente o que agrada a Deus, “fazendo por Ele tudo aquilo que
540
faz” , a ursulina dá plenitude ao seu tempo e fecundidade à missão porque
Deus opera onde encontra corações livres.
Na comunidade e na atividade apostólica a ursulina simples não
541
deseja uma incumbência ao invés de outra , é feliz com a tarefa que lhe é
confiada, com o que é estabelecido para ela. É feliz se uma atividade parece
dar bons frutos, mas não depende disso a sua satisfação pessoal porque sabe
que aos olhos do Senhor a bondade da ação é medida pela intenção com a
542
qual foi cumprida .
7.2. Serena diante dos limites
Aceita com realismo os próprios limites e as dificuldades da missão,
sem afligir-se pelo que não pode realizar, se for consciente de ter feito
543
544
quanto podia e é feliz pelo bem que outros realizam . Quando parece que
o seu esforço não produz os êxitos esperados ou comete qualquer erro ou
fracasso, não se maravilha muito, sobretudo “não se perturba, permanece
545
na mesma paz” . Quando lhe pedem um trabalho torna-se disponível e o
assume com responsabilidade.
538
Ibid.
FO, 66.
540
Ibid.
541
Ibid., 65.
542
Cf. FO, 64.
543
Ibid.
544
Ibid., 65.
545
FO, 65; FO, 66: “Convençamo-nos de que o Senhor não espera de nós coisas
539
129
8. ALEGRE NO SENHOR, HABITADA PELA PAZ
“Esta santa alegria é como o perfume das virtudes da alma que se
546
espalha em suave odor com agradável sensação de todos” .
“Confortem-nas, exortem-nas a permanecer animadas e dar-lhes-ão
esta boa notícia que eu lhes anuncio da parte de Jesus Cristo e de Nossa
Senhora: quanto devem se alegrar e fazer festa, porque no céu para todas,
547
uma por uma, está preparada uma nova coroa de glória e de alegria” .
8.1. Profundamente em paz, anseia à plenitude
548
Na ursulina, a alegria, “preciosíssimo dom do Espírito” , tem um
duplo valor: é dom a ser acolhido e comunicado, perpassa a sua vida de
549
profunda paz, torna suave o jugo e leve o peso que o seguimento requer e
dá eficácia à sua ação apostólica.
Cultiva a alegria espiritual que nasce ancorada às admiráveis
realidades que a esperança lhe faz esperar; vive, portanto, no meio do mundo
com uma específica orientação e tem a certeza de completar um dia a sua
alegria na luz da eternidade onde para todas as filhas e para cada uma está
550
preparada uma coroa de glória ; percebe a preciosidade e cuida desta
551
“íntima paz do coração” que, tendo em Deus a sua fonte, a une
estreitamente a Ele.
A alegria do seu coração se manifesta num aspecto constantemente
alegre: o seu rosto, as atitudes e o modo de falar deixa transparecer a íntima
paz da sua vida interior. As virtudes emanam ao seu redor um sentido de
serenidade porque a alegria que nela habita “é como o perfume de todas as
grandes, mas somente que o pouco que lhe damos, seja dado com reta intenção
[...] faça com que enquanto desejas e enquanto operas, eu seja o único objetivo de
todos os teus desejos, de todas as tuas ações”.
546
FO, 223.
547
Rec. 5°, 23-25.
548
FO, 221.
549
Cf. FO, 220.
550
Cf. Rec. 5°, cf. Leg Ult.
551
FO, 220.
130
552
virtudes” e como o perfume, por sua própria natureza, também a alegria da
ursulina se espalha ao redor.
8.2. Serena também na provação
A alegria que a caracteriza convive com as dificuldades, as cruzes e
até mesmo com o ódio do mundo. As dificuldades e os sofrimentos não
faltam na vida, como não faltaram, e com uma intensidade sem medida, na
vida de Jesus, porém a alegria se enraíza na pessoal e única relação com o
Único, por quem a ursulina sabe ser amada.
553
“Sejam alegres” : é assim que a ursulina atrai e ganha o coração da
juventude; nada mais do que a força de atração e do fascínio da alegria e da
serenidade permite ao jovem expressar o melhor de si. A ursulina faz da
alegria uma força para a sua ação apostólica, porque contribui a difundir a
Boa Notícia e testemunha que quem serve ao Senhor é pessoa realizada.
552
FO, 223, 420; “Tal paz é como o perfume das virtudes da alma e está
estreitamente unida e dependente das virtudes teologais e “das virtudes
fundamentais da humildade e da abnegação”. FO, 306.
553
FO, 223.
131
II PARTE
LINHAS PARA A CONSTRUÇÃO
DE UM PERCURSO EDUCATIVO
INTRODUÇÃO
A experiência de vida e de fé de Santa Ângela e do Fundador faz
compreender a educação como uma realidade dinâmica, um “processo” que
nos faz olhar a pessoa criada para ser feliz, chamada à santidade. Para isso,
buscamos nos seus escritos, as origens, os fundamentos e as linhas da nossa
missão educativa, e, isto é:
• a imagem e experiência de Deus,
• os elementos que caracterizam e constituem a pessoa no projeto de
Deus,
• a realidade da ursulina que, na missão educativa, expressa o seu ser
esposa e mãe,
• as atitudes fundamentais que caracterizam a ursulina no seu viver e
educar.
Propomos, em seguida, alguns dos elementos essenciais, como
brotam da reflexão anterior, em perspectiva da construção de percursos
educativos para diferentes destinatários. Tornam-se, portanto, linhas
metodológicas que traduzem valores e conteúdos fundamentais, aos quais
remetem continuamente, em propostas educativas.
1. VALORES E CRITÉRIOS DE TODO PERCURSO FORMATIVO
Os valores e os critérios que temos individuado fazem parte do nosso
carisma, nos caracterizam como consagradas-apóstolas-ursulinas e
caracterizam, portanto, a nossa ação educativa tornando-se imprescindível
em toda a nossa atividade.
Citamos alguns, deixando aberta a reflexão e a re-compreensão do
nosso ser Ursulinas na Igreja, a serviço dos irmãos.
1.1.“Unidas juntas”
•
colaborando como comunidade, disponíveis a oferecer e buscar
colaboração com outras presenças educativas;
135
•
•
conscientes que a primeira mediação na obra educativa é a nossa pessoa;
numa relação de reciprocidade, caracterizada pela amabilidade, estima,
diálogo, confiança, respeito, responsabilidade e das demais atitudes
próprias da ursulina.
1.2. Partícipes da missão da Igreja
•
Na fidelidade à Igreja e à sua missão universal que, concretamente, se
traduzem com a inserção, responsável e zelosa, nas Igrejas particulares.
1.3. No campo que é próprio
•
O âmbito específico que nos foi confiado pelo Fundador é a juventude,
“a mais pobre e abandonada”, especialmente feminina.
1.4. Com sabedoria de mãe
•
•
•
•
•
atenta a oferecer sólidos conteúdos de fé, ancorados à Palavra e à
“doutrina segura” da Igreja, e com a contribuição que nos pode vir das
ciências humanas;
com a sabedoria da gradualidade que respeita o caminho de
crescimento da pessoa;
escolhendo e realizando o que é concretamente possível;
oferecendo modelos de vida bem sucedidos, escolhidos entre os santos
de ontem, primeiros entre os quais Santa Ângela e Pe. Zefirino, e entre
as figuras significativas de hoje;
olhando Maria “humilde e admirável educadora de Jesus”.
1.5.
Numa contínua formação
A autoformação é uma mentalidade e uma prática assídua e
constante, necessária para manter vivas as motivações profundas que estão
no início da nossa vocação e missão. A ação educativa, de fato, preciosa mas
também complexa, deve considerar as mudanças que acontecem na pessoa e
no contexto cultural no qual está inserida e exige uma contínua recompreensão construtivamente crítica. A isto responde o dever e o
136
compromisso da própria formação contínua.
2. PERCURSO FORMATIVO PARADIGMÁTICO
A missão educativa é confiada a cada uma de nós que, como esposa e
mãe, com o zelo herdado do Fundador, consumir a si mesma para oferecer à
querida juventude uma “boa educação” da qual Pe. Zefirino e Santa Ângela
fazem depender a felicidade terrena e celeste.
A proposta educativa é fortemente enraizada no nosso ser coadjutoras
de Cristo, chamadas juntas a manifestar a comunhão de amor que existe
entre as pessoas divinas.
Esta se traduz num percurso que acolhe e respeita a realidade
maravilhosa da pessoa, ajudando-a a descobrir a grandeza da qual Cristo é
autor e modelo.
2.1. Do modelo Trinitário, aprendemos o dinamismo da nossa ação
educativa.
O Pai, Autor da vida
•
•
•
continuamente nos gera
educa-nos conduzindo a nossa pessoa da situação na qual se encontra à
plenitude do ser
alcança, acolhe e interpela cada uma de nós numa relação de confiança
que nos regera e nos introduz no seu Mistério.
Cristo, o Homem obediente por excelência, revela o rosto humano de
Deus. Ele, o Bom Pastor, afável e manso,
•
•
•
deixa-nos um exemplo da sua perfeição e santidade
transforma nossa vida
configura-a a Si.
O Espírito Santo é Dom que do íntimo acompanha a existência do
homem; graça que, acolhida e favorecida, plasma a pessoa a imagem e
137
•
•
•
•
•
semelhança do Cristo, Ele
ensina toda a verdade
encoraja-nos e consola
ajuda a discernir
continua a gerar via nova
dá força de dentro, de onde “descem as invisíveis operações da graça e
(as pessoas) tornam-se boas caminhando com a bondade; caridosas
caminhando com a caridade; misericordiosas caminhado com a divina
misericórdia”.
2.2. Construamos um percurso educativo
As “fichas” que seguem são exemplificativas daquilo que temos
refletido até este momento. Encontramos nelas os momentos fundamentais
de um itinerário:
• Um ponto de partida: olhado com os olhos de Deus e o coração de Deus é
sempre algo de positivo, um ponto de força, “uma esplêndida
dignidade”;
• Objetivos para curta, média, longa validade;
• Meta final: explicita sempre uma dimensão apostólica, um “ser luz”;
• Meios.
Tudo isso é como um “canovaccio” de base sobre o qual se definem
pontos de partida e metas finais, objetivos, meios, etapas, prazos
significativos para as diversas realidades nas quais operamos.
138
139
1
MEIOS
adaptados a grupos de pessoas em tempos,
]na Igreja e no mundo do próprio tempo.
Com atenção as:
- necessidades dos próximos e distantes
- situações em mudança
- perguntas fundamentais
Experiência de fé e de empenho cristão programados,
vividos e confrontados à luz da Palavra
Percursos de formação:
- afetiva, relacional e social
- intelectual
- ética e cultural
- comunicativa
- de fé
com uma mentalidade habitualmente disponível ao confronto,
à avaliação crítica.
- Criação de um ambiente de relação
- com a ação e a palavra
- em colaboração com a família e o contexto mais amplo
Sobre as indicações deste percurso paradigmático, podem ser construídos percursos específicos,
lugares, situações, exigências formativas diferentes.
PARA SER LUZ
REVESTIDOS
DE CRISTO
Fazer a passagem
da multiplicidade do vivido e
da experiência à sabedoria da vida
que torna-nos partícipes e responsáveis
na história.
Amadurecimento
dos valores humanos e cristãos
no dinamismo da vida de Graça
ESTUPENDA
DIGNIDADE
OBJETIVOS
Consciência
da dignidade da pessoa:
descoberta-acolhida-amada
MOMENTOS
FUNDAMENTAIS
2.2.1. DA ESTUPENDA DIGNIDADE AO SER LUZ1
140
MÃE SEGUNDO
O ESPÍRITO
“ESPOSA DE CRISTO”
PARTÍCIPE DA SUA
PAIXÃO PELA
SALVAÇÃO DE TODOS
ESTUPENDA
DIGNIDADE DO
SER FILHA
MOMENTOS
FUNDAMENTAIS
Contemplativa na ação,
deixa-se conduzir por Deus que gera nela um
amor previdente e confiante que a torna mãe
no Espírito, aliado na sua ação educativa em
favor das “coisas mais caras que o Senhor
tem”
Esposa de Cristo,
perenemente educadora e aluna
na sua escola, se reveste d'Ele,
animada do seu mesmo zelo de caridade
Torna-se sempre mais consciente
da dignidade
da própria vocação,
continuamente
redescoberta
acolhida
amada
MEIOS
Empenho das próprias energias de mente e de coração na
missão e nós confiada
Confronto com a Comunidade, com a Igreja, à luz da Palavra
Em diálogo com pessoas e instituições, com as quais
colabora,
- atenta a perceber as situações em mudança e as perguntas
fundamentais dos jovens
- capaz de propor intervenções formativas realizáveis e com
coerência com as necessidades.
com uma mentalidade habitualmente disponível ao diálogo e
ao confronto e a “recomeçar sempre”
- Abertura à Graça através da vida sacramental que tem o
seu centro na Eucaristia celebrada e vivida
- Íntima familiaridade com o Senhor
- Robusto exercício das virtudes
- Criação de um ambiente comunitário no qual as relações,
fundadas na estima recíproca, permitam a cada um de
reconhecer e expressar o melhor de si
- sintonia com a Palavra meditada e rezada, pessoal e
comunitariamente
- partilha cotidiana da vida, vivida nas suas diferentes
expressões
- escolha de meios oportunos, ao lado daqueles já previstos, para
o crescimento da pessoa e da comunidade
DE ESPOSA À MÃE
OBJETIVOS
2.2.2. Para a educadora ursulina
141
PARA FAZER TODO
O BEM POSSÍVEL
ACOLHEMO-NOS
COMO DOM E EM
CRISTO
CONSTRUIMOS A
COMUNIDADE
“UNIDAS JUNTAS”
MOMENTOS
FUNDAMENTAIS
Fazer
mover-nos
gritar a deus
com todo o coração
partícipes da mesma sede
que ardia no coração de cristo
Disponíveis num empenho constante para
tornar-nos abertas ao dom que
continuamente nos é oferecido,
acolhemos as diversidades como
oportunidade de crescimento pessoal e
comunitário
Consciência da dignidade de
Esposa de Cristo partilhada com
outras Esposas
OBJETIVOS
- testemunhar a alegria de viver juntas
- sentir-se enviadas pela comunidade
- empenhar as energias de mente e de coração na obra
apostólica confiada à comunidade
- atentas, juntas, a perceber as necessidades do mundo
juvenil, nas múltiplas situações de mudanças
- juntas, dar a nossa colaboração nas várias atividades
- colaborar com outras presenças educativas, eclesiais,
sociais e civis
- Perseverar e sustentar-nos nas dificuldades.
- Abertura à Graça através da vida sacramental que tem o
seu centro na Eucaristia celebrada e vivida
- Íntima familiaridade com o Senhor
- Robusto exercício das virtudes
- com uma mentalidade habitualmente disponível ao diálogo
e ao confronto e a “recomeçar sempre”
- Criação de um ambiente comunitário no qual as relações,
fundadas na estima recíproca, permitam a cada um de
reconhecer e expressar o melhor de si
- sintonia com a Palavra meditada e rezada, pessoal e
comunitariamente
- partilha cotidiana da vida, vivida nas suas diferentes
expressões
- escolha de meios oportunos, ao lado daqueles já previstos,
para o crescimento da pessoa e da comunidade
MEIOS
2.2.3. Para as nossas comunidades
DO LAR DA MÚTUA CARIDADE AO ZELO INCANSÁVEL
142
Atentas as: - necessidades dos jovens próximos e distantes
- situações em mudança
- perguntas fundamentais
oferecer a oportunidade de empenhos concretos e responsáveis
- fé
- de solidariedade cristã
programados, livremente escolhidos, sempre vividos e confrontados à
luz da Palavra
No dinamismo da vida de Graça, iniciada
como Batismo, assume gradualmente as
características da pessoa de Cristo e do seu
agir
Amadurece uma atitude constante de serviço
e escolhas de vida coerente, na
responsabilidade diante das exigências do
Reino no tempo em que vive
APÓSTOLO/A NA
IGREJA E NA
SOCIEDADE
- favorecer uma rede de relações pessoais e/ou de grupo: com outros
jovens e com os educadores
- propor percursos finalizados para a descoberta de si e da própria
vocação
- provocar, acolher e ajudar a discernir as perguntas fundamentais
sobre o sentido da vida
- projetar atividades a serem desenvolvidas junto com os jovens, que
permitem e favorecem potenciar as características de cada um
- confiar tarefas que envolvem, e os torne protagonistas e
responsáveis em colaborar com a família e o contexto mais amplo
num clima habitual de confronto, que amadurece a sua capacidade
de avaliação crítica
MEIOS
CRESCER ATÉ A
PLENA ESTATURA
DE CRISTO
Tornar-se sempre mais consciente
da sua dignidade de pessoa
de filho de Deus de chamado a um Projeto
de vida
OBJETIVOS
Predispor caminhos de crescimento:
- afetivo, relacional e social
- ética e cultural
- comunicativa
- vocacional
- de fé, de oração, de vida sacramental e de empenho solidário e
missionário, em diálogo com as diversidades do mundo atual
criando ocasiões de reflexão e de avaliação pessoal e de grupo
“IMAGEM E
SEMELHANÇA
DE DEUS”
MOMENTOS
FUNDAMENTAIS
2.2.4. Para os jovens
DA DIGNIDADE DE FILHO DE DEUS AO EMPENHO DO TESTEMUNHO
143
- À luz dos critérios evangélicos, distingue e ajuda a
discernir valores e contra-valores presentes no mundo dos
jovens e na sociedade contemporânea
- com os mesmos sentimentos de Cristo Bom Pastor, ama as
pessoas com coração solidário e misericordioso
- vive e propõe experiências de fé e de empenho cristão
Sustentado por uma maturidade de empenho que o/a torna
constante
Assimilação e interiorização dos traços
de uma personalidade capaz de viver e
testemunhar em coerência com os
critérios evangélicos
Empenha a si mesmo/a num serviço
concreto, sentindo-se, junto com a
comunidade, partícipe e responsável,
pelo crescimento humano e cristão das
pessoas a ele/ela confiados
PARA SER SAL
DA TERRA E LUZ
DO MUNDO
- empenha-se e envolve outros na criação de um ambiente de
relações que fazem crescer
- participa da vida da comunidade
- vive uma relação de colaboração com as famílias e outras
presenças educativas
MEIOS
NA ESCOLA DO
ÚNICO MESTRE
Consciência da dignidade e
responsabilidade de ser chamado, como
batizado, a colaborar par ao
crescimento em Cristo da pessoa
inserida na Comunidade humana e
eclesial
OBJETIVOS
Na escola do Evangelho
- amadurece o sentido do serviço gratuito
- cuida a própria formação humana, espiritual, teológica e
eclesial
- assume, no educar, a dimensão carismática ursulina
- lê criticamente os acontecimentos de seu tempo
Com uma mentalidade habitualmente disponível ao
confronto e à avaliação
ESTUPENDA
DIGNIDADE DE
COLABORADORES
MOMENTOS
FUNDAMENTAIS
2.2.5. Para os leigos colaboradores
DA ESTUPENDA DIGNIDADE DE SER PARTÍCIPES... AO SER SAL E LUZ
144
Com a “boa educação” que em Pe. Zefirino se caracteriza em
- amor e educação
- instrução e bom exemplo
- vigilância e correção no respeito à pessoa dos filhos e das
suas escolhas de vida com a atenção de preparar o seu
futuro crescendo juntos na obediência à Palavra
Amadurecimento pessoal e do casal
aberto à acolhida e ao cuidado da
vida
Acompanhar os filhos no seu
crescimento para que se tornem
capazes de colocar-se na história
como protagonistas e construtores do
Reino
PARA SER PAIS
E MÃES NA
ÚNICA
PATERNIDADE
DE DEUS
- construir uma relação de reciprocidade que, na acolhida do
outro/outra, libera nele/nela as melhores energias
- numa comunicação de si continuamente reconstruída
- disponíveis para fazer o primeiro passo em direção ao
outro/outra no recíproco sustento e na oração feita juntos
- escolha de meios oportunos, ao lado daqueles já previstos,
para o crescimento da pessoa e da comunidade
MEIOS
CRESCER E
APRENDER
JUNTOS
Consciência da dignidade de ser
chamados a tornar-se colaboradores
de Deus na transmissão, cuidado e
crescimento da vida
OBJETIVOS
- percursos de crescimento afetivo, relacional, de fé que
reforçam a união do casal
- incansável dedicação recíproca e para com os filhos
- confronto e diálogo com outras famílias
- atenção e disponibilidade em relação às necessidades do
contexto em que vivem com uma mentalidade
habitualmente disponível para a avaliação na Comunidade
de fé
DA ESTUPENDA
DIGNIDADE DE
CHAMADOS A
GERAR E CUIDAR
DA VIDA
MOMENTOS
FUNDAMENTAIS
DE ESTUPENDA DIGNIDADE DE CHAMADOS A GERAR PARA A ÚNICA PATERNIDADE EM DEUS
2.2.6. Para os pais
APÊNDICE CONCLUSIVO
NOS ESCRITOS, IMAGENS QUE SE TORNARAM
FAMILIARES
INTRODUÇÃO
Concluindo, citamos em seguida alguns textos de Pe. Zefirino, além
da riqueza dos conteúdos são indicativos para possíveis percursos para as
pessoas, a quem dirigimo-nos com a nossa ação educativa.
Cada texto propõe uma imagem de imediata compreensão que,
articulada e desenvolvida, pode tornar-se um ponto de partida eficaz para
encontros ou para percursos formativos.
Aordem com que são colocados os textos, pode responder ao caminho
de crescimento segundo o Espírito. Este tem o seu início na inserção vital
em Cristo, como ramos na videira; conduz-nos a contemplar e a fazer nossas
as atitudes do Bom Pastor, que busca, defende, acolhe e festeja; tem como
meta a fecundidade do nosso ser e agir que, em Cristo, traz fruto e fruto
abundante.
AVideira e os Ramos
554
“O Senhor me ajude a explicar bem este texto do Evangelho e vocês
escutem-no com santo recolhimento e aprofundem-no.
Jesus Cristo disse falando aos seus discípulos: Vocês sabem quem eu
sou? Ouçam: Eu sou a videira e vocês os ramos desta mesma videira.
Filhinhas, atentas a aplicação desta parábola, a vocês como Ursulinas,
que é um estado de perfeição que vai além de uma vida simplesmente cristã,
como a vida dos discípulos de Jesus Cristo que devia ser perfeita à escola do
Divino Mestre.
Jesus Cristo, sem dúvida, é a nossa videira e nós os seus ramos, mas a
videira, que é Cristo em meio às ursulinas, fez surgir outra videira que forma
uma única videira com aquela de Cristo, pela qual os ramos, que são as
ursulinas, são nutridos da abundância das celestes bênçãos, porque
produzem belíssimos cachos de uva, extrair excelente mosto, e
excelentíssimo vinho. Entenderam bem agora que esta videira das ursulinas
554
FO, 245 ss.
147
é a planta feliz da sua Companhia, plantada e radicada no fecundo terreno da
Santa Companhia e das santas regras que a animam, dirigem, fazem-na
frutificar, pela divina virtude da videira verdadeira que é Cristo.
Jesus Cristo, sendo ele a videira, e os seus discípulos os ramos, tinha
anunciado uma verdade alegre e de consolação. Verdade assim alegre e de
consolo para cada ursulina em poder dizer: eu sou um precioso ramo da
videira que é Cristo, porque sou ramo da fervorosa videira da minha
Companhia. Mas vocês devem andar devagar, ó filhinhas, de gloriar-se
disto. Pensem bem e meditem se vocês têm o mérito de gloriar-se tanto
assim. Aquilo que Jesus Cristo acrescenta me dá um pouco de medo. Não sei
se isso também causa medo a vocês. Escutem o que Ele diz: qualquer ramo,
seja ele produzido e unido a mim, mas que não produz fruto, o meu Pai,
Agricultor, o cortará. Portanto, aplicando esta sentença às ursulinas, é
necessário dizer que cada ursulina que não produz fruto de boa ursulina,
Deus a arrancará da videira da sua Companhia.
De que maneira Deus a arrancará da videira da sua Companhia?
Sem dúvida, aquela ursulina que não produz fruto, que não recebe da
videira o bom alimento, a boa seiva que a fecunda, parece ligada, mas de
maneira estéril e infrutuosa. Deus Pai, que na sua Igreja enxertou esta
videira da Companhia das Ursulinas à videira verdadeira do seu Filho, feito
homem, não consegue suportar este ramo de Ursulina, arranca-o e libera a
videira: e de que maneira? Privando-a das intervenções da verdadeira
videira que é Cristo, isto é, das suas luzes, das suas graças.
Jesus Cristo, depois de anunciar que ele era a videira e o Pai seu
Agricultor, depois de pronunciar que todos os ramos que não produzem
frutos, o Pai mesmo os cortará e os jogará, Ele acrescenta que cada ramo
unido a ele, videira que produz fruto, o seu Pai se ocupará de purificá-lo para
que produza mais frutos. E logo acrescenta: vocês, meus discípulos, sejam
puros em virtude da Palavra que lhes anunciei.
Minhas filhinhas, eu espero que o seu Jesus, o Esposo divino, fale a
vocês a mesma linguagem. Imaginem ele aqui no meio de vocês, como
certamente está com o Espírito da sua caridade. Abram os seus ouvidos,
escutem-no o que lhes diz: Minhas discípulas, vocês são já puras e o são
porque acolheram a doutrina do meu Evangelho, para serem submissas ao
meu santo jugo e, sobretudo, por ter seguido a distintíssima graça que
concedi a vocês de elegê-las minhas esposas e assim uní-las a mim, sua
148
videira, plantada no jardim da Companhia das Ursulinas. Companhia que eu
mesmo edifiquei por meio das virtudes, dos méritos e das obras da minha
serva e madre Ângela Merici. Sim, por tudo isso vocês puras.
Mas é verdadeiro, ó filhinhas, que vocês todas são puras, daquele grau
que deseja Jesus Cristo? Se assim fosse, não lhes será necessário outra
coisa, par ser ramos assim purificados, de produzir sempre mais abundantes
e perfeitos frutos. Estamos aqui, filhinhas, ao grande pensamento deste
importante história. Esta videira divina, que é Cristo, quer frutos, e frutos
sempre em crescente beleza e sabor, sempre mais apreciáveis, de ramos
sólidos: “a fim de que produza mais frutos”.
O Bom Pastor
555
“Jesus bendito disse de si: Eu vim ao mundo somente com o desejo de
salvar as pessoas, dando a elas a vida da graça e vida a mais vigorosa e feliz.
Sabem quem eu sou? Eu sou o Bom Pastor. E de que bondade? Do pastor
que chega a dar a vida pelas suas ovelhas. Querem que eu o diga? Eu me
sinto estreitar as entranhas de desejo que não tem repouso até que não me
consuma vítima de sacrifício pela salvação das pessoas. Sentem-me
agonizante da minha Cruz: Sitio, tenho sede. Como se não tivesse sofrido o
suficiente, desejo, como homem extremamente sedento, de sofrer ainda
mais, se fosse possível e necessário, para que ninguém se perca.
Jesus bendito, que se declarou que do céu veio na terra para procurar
não os justos, mas os pecadores, (nos diz): Olha-me, escute-me:
• Cansado, debilitado, esperei uma pobre pecadora no poço da Samaria e a
converti.
• Chamei da banca um Mateus cobrador de impostos, do Sicômoro um
Zaqueu, príncipe dos publicanos. Tornei-os meus.
• Defendi, na casa do Fariseu Simão, a Madalena, que aos pés chorava,
derramando lágrimas, arrependida dos seus pecados e eu a perdoei.
555
FO, 528 ss.; textos paralelos: FO, 113ss; 367ss. Fez-se a escolha da figura do Bom
Pastor porque neste texto, as várias imagens de Jesus que são oferecidas, são
todas dirigidas pelo Fundador à pessoa de Jesus que toma cuidado de cada pessoa,
e que, como Bom Pastor, espera, chama, defende, procura, acolhe e festeja, envia.
149
•
Representei-me com a imagem de um Bom Pastor que ansiosamente,
entre barrancos e vales, procura a ovelha perdida e exultou de alegria per
tê-la encontrada; sob a imagem de um Pai que, cruelmente abandonado
por um filho ingrato, festeja o seu retorno com a mais esplêndida
magnificência e alegria.
E depois? E depois? Desta única missão eu encarreguei os meus
Apóstolos quando disse a eles: Assim como o Pai me enviou eu envio vocês.
Vão por todo o mundo: salvem todas as pessoas.
Aárvore e os seus frutos
556
Dos frutos, diz Jesus Cristo, se conhece a bondade da árvore. Qual
sentença mais clara do que esta? Jesus Cristo fez-nos a aplicação, e vocês o
sabem; e tal aplicação serve também para vocês, no sentido que agora lhes
explico.
Vocês são Ursulinas. Mas como vocês podem ser reconhecidas como
tais? Dos frutos, dos frutos, isto é, das boas obras, virtuosas e santas, que são
intimamente próprias e ligadas ao seu estado.
Mas a árvore não produz os seus frutos para retê-los para si, não, mas
para fazer dom aos outros. A árvore recebe honra pelos seus ótimos frutos,
mas especialmente daqueles que não somente admiram a beleza, mas
saboreiam o seu gosto.
Filhinhas, filhinhas. Assim uma ursulina, que é verdadeira ursulina,
deve ser santa não para si somente, mas para comunicar a santidade a outros.
Uma ursulina que é verdadeira ursulina deve, como tal, ser reconhecida e
admirada por todos, mas especialmente daquelas almas que saboreiam os
frutos, ou seja, os preciosos efeitos das suas santas obras.
“Quanto mais uma árvore é carregada de frutos, tanto mais abaixa os
557
seus ramos, e no seu abaixamento mostra a riqueza dos seus produtos” .
556
557
FO, 297.
FO, 168.
150
558
AUrsulina mãe
“Digam-me: vocês não sabem que as filhas da grande Mãe Santa
Ângela, devem ao vivo imitá-la tornando-se também Mães, Mães
espirituais, cheias, portanto, de um amor espiritual, que Santa Ângela chama
muito mais potente sem comparação daquele corporal?
Ora se vocês são Mães, onde estão, pergunto eu, as suas filhas
espirituais, como demonstram o seu amor por elas, mais potente sem
comparação do corporal?
Onde estão àquelas jovens, especialmente aquelas confiados aos seus
cuidados, para educá-las à vida cristã? E quantas são?
A verdadeira ursulina pode responder-me: Eu sei onde estão as
minhas filhas, e tenho seis, dez, vinte sob a minha assídua vigilância.
Carrego-as todas no coração, parece-me não viver senão para fazer a elas
todo o bem possível.
Mas uma ursulina interrogada e que fica muda, ou me diz somente: eu
cuido de mim: rezo, comungo com freqüência, medito, examino a minha
consciência, e depois ... e depois faço aquele bem que me parece melhor;
esta ursulina, digo, jamais poderia chamar-se mãe espiritual, sem ter gerado
filha alguma das entranhas da sua caridade?
Mas que eu disse das entranhas da sua caridade, se assim comportase a Ursulina, manifesta de forma clara, de não ter esta caridade?
Não pode ser diferente, porque se tivesse caridade, seria por ela uma
necessidade do coração, de gerar e amar as filhas do próprio coração.
E amá-las como?
Com um amor, diz Santa Ângela, mais potente sem comparação do
corporal, porque se este da natureza, aquele é sugerido, alimentado,
inflamado da graça.
Portanto, se as mães terrenas parecem que não tem outro tesouro no
558
FO, p. 297 ss.
Outras imagens “educativas” propostas pelo Bv. Pe. Zefirino nos seus Escritos
“Aos Jovens” são indicados:
Juventude, primavera da vida, FG, 19, 27, 102.
Juventude e desejo de santidade, FG, 42, 129, 155.
Maria, a Mãe a quem se assemelhar, FG, 19-20, 96, 107, 114-119.
151
mundo que os seus filhinhos, quanto mais as ursulinas devem concentrar os
seus afetos na sua família espiritual?
Vocês devem abraçar com grande caridade indistintamente todas as
pessoas queridas que o Senhor se digna de confiar aos seus cuidados
especiais. Este cuidado vocês devem desenvolver segundo as necessidades:
• As mais tenras em idade e as mais débeis em virtude terão necessidade
de maior ternura;
• As mais robustas e ardentes de espírito terão necessidade de maior
prudência;
• Às mais defeituosas, necessitam de um amor paciente, como uma
paciente mãe que se dedica ao filho enfermo;
• Às tímidas vocês devem dar confiança;
• Às pobres ajuda;
• Às impulsivas e desconsoladas, constantes confortos.
Mas como fazer tudo isso sem sacrifícios? Vocês deverão ter sempre
preparado o seu ânimo aos possíveis sacrifícios, sejam também grandes,
para conquistar as pessoas a qualquer custo. Não é verdade que Jesus
apreciou e estimou as nossas almas até desejar resgatá-las com todo o seu
sangue? E vocês querem se poupar de qualquer coisa quando se trata de
ganhar almas?
Estendam com Jesus os seus braços à plenitude da caridade, para que
as suas obras, as suas orações, os seus sofrimentos, unidos aos méritos de
Jesus Cristo possam servir para ajudar a crescer as virtudes nas almas boas, e
a converter as almas desviadas.
O coração de vocês, portanto, o seu pobre coração seja também
transpassado e aberto com aquele de Jesus para que dele jorre abundante
misericórdia em vantagem das almas.
Em fim, doe-lhes Jesus, o seu Esposo, uma caridade fecunda de bons
conselhos, de santos exemplos, de fervorosas orações, de obras generosas,
de ajudas, de confortos, de compaixão, de ternura, para poderem ser
verdadeiras Mães Espirituais, como Santa Ângela as quer”.
152
BIBLIOGRAFIA
FONTES
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Manual para a Companhia das Ursulinas Filhas de Maria
Imaculada,
Tipografia deAntonio Merlo, Verona, 1869.
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fevereiro de 1887, Doc 114,AOV.
Pregação aos Clérigos e Sacerdotes,
Fascículo para o suo manuscrito,AOV.
Escritos para o povo em várias circunstâncias,
Fascículo para uso manuscrito,AOV.
Regulamento para a Pia União das Irmãs Devotas de Santa Ângela
Merici,
Instituída na Paróquia dos SS. Nazario e Celso de Verona, 1856,
Doc 123,AOV.
Regras de disciplina para as irmãs internas devotas de S. Ângela
Merici, Doc 123,AOV.
Escritos às Mães Cristãs, 1873-1895,
Fascículo para uso manuscrito,AOV.
Escritos escolhidos sobre o ano Litúrgico “Homilias do tempo
comum”, Fascículo para uso manuscrito,AOV.
Escritos escolhidos “Aos jovens”,
Fascículo para uso manuscrito,AOV.
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O Fundador às suas Ursulinas FMI,
Fascículo impresso par auso manuscrito, Tipografia D. Calabria, Verona
1983.
Positio super virtutibus ex officio concinnata, Romae 1984,AOV.
Oração da Irmã Ursulina FMI, Verona 1991,AOV.
Projeto educativo escola das Irmãs Ursulinas FMI de Verona, Verona,
1992.
Projeto educativo escola infantil, Verona, 1989.
Regra de Vida e Diretório do Instituto das Irmãs Ursulinas FMI de
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Escritos de Santa Ângela Merici,
Aos cuidados de L. Mariani E. Tarolli, Queriniana, Brescia 1996.
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ESTUDOS
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MARIANI L. TAROLLI E. SEYNAEVE M.,
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O caminho com Ângela Merici
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TAROLLI E. (aos cuidados de )
Ângela Merici, Cartas do secretário 1540-1546,
Ancora, Milão 2000.
156
Download

Fundamentos e Linhas Educativas da Ursulina