MAPA INVERTIDO DA AMÉRICA DO SUL: VISÕES DE MUNDO NA CARTOGRAFIA ARTÍSTICA Carla Monteiro Sales1 RESUMO: Em 1943, o artista plástico uruguaio Joaquín Torres-García publicava uma de suas mais expressivas obras o Mapa Invertido da América do Sul. Hoje, a investigação sobre esse mapa artístico adquire relevância devido ao seu pioneiro e grande difusão. Assim, nosso intuito é compreender os contextos da criação e de apropriação dessa obra, destacando como os elementos cartográficos são apropriados como forma de expressão artística. Palavras-chave: Mapa, arte, Torres-García ABSTRACT: In 1943, the uruguayan artist Joaquín Torres-García published one of his most expressive works: Inverted Map of South America. Nowadays, the research about this artistic map becomes relevant due to its pioneering and diffusion. Thus, our goal is to understand the contexts of creation and appropriation of this work, highlighting how the cartographic elements are suitable as form of artistic expression. Keywords: Map, art, Torres-García INTRODUÇÃO Não é difícil encontrar pessoas que conheçam a obra Mapa Invertido da América do Sul de Joaquín Torres-García em vários setores da sociedade, em suas várias divisões culturais ou economias. Isso porque sua reprodução pode ser encontrada em livros acadêmicos, camisas, capas de livros e revistas, e até mesmo tatuagens, num processo de difusão bastante abrangente. Entretanto, não estamos falando apenas da reprodução cansativa de um desenho, o grande alcance dessa difusão se deve aos discursos e ideias expressos de forma significativa e sintética através de uma imagem. O que aumenta nosso conjunto de referências ao mapa de Torres-García, que podem ter seus exemplos na cultura pop, como nos quadrinhos do argentino Quino, ou exemplos na cultura sofisticada, como na obra do artista chileno Alfredo Jaar (Logo for America, 1987). 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia(PPGEO) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). De fato, essa ampla reprodução, nos meios mais variados, foi um dos fatores que nos despertou o interesse de transformar essa obra de arte em um objeto de estudo geográfico. Nosso objetivo é tanto conhecer o contexto de origem dessa imagem tantas vezes repetidas, mas principalmente, compreender a visão de mundo que tal obra expressa, questiona e divulga. Além de, complementarmente, entender os elementos cartográficos que são apropriados e reconfigurados para expressar tais visões. Tendo em vista tais objetivos, o presente artigo ficou divido em duas partes dialogantes. Primeiro, narraremos os contextos e alguns detalhes tanto sobre a obra Mapa Investido da América do Sul, como sobre seu criador Joaquín Torres-García. Nesse trecho, procuraremos entender as características artísticas e as ideologias que moveram esse artista. Assim, poderemos avançar para a segunda parte do artigo, onde discutiremos os mapas artísticos e suas propriedades de questionar a autoridade e as relações de poder dos mapas cartográficos, aplicando tal conceito geral ao exemplo em tela. Por fim, essa parte destina-se, ainda, a iniciar uma compreensão sobre a contribuição do referido mapa artístico em propor e divulgar um novo posicionamento geopolítico da América do Sul no sistema-mundo. O MAPA É provável que nem todas as pessoas que já tenham visto a obra Mapa Invertido da América do Sul saibam que ela tenha mais de uma versão feita por Joaquín TorresGarcía, mesmo porque a reprodução da imagem não poderia ser acompanhada de todo seu texto explicativo. Talvez também não saibam todo o movimento maior empreendido por esse artista uruguaio, do qual esse mapa é apenas um dos elementos componentes. Nosso objetivo não é narrar exaustivamente todo esse movimento, mas destacar algumas ideias desse contexto que auxiliam na compreensão do discurso expresso na imagem. A primeira imagem (Figura 1), de 1936, foi feita como capa de um dos livros de Torres-García, chamado Estructura, cujo objetivo era expor o processo histórico da arte através de suas experiências como artista, com grandes doses de opiniões pessoais. Dentre essas opiniões, destacamos ter sido nesse livro que Torres-Garcia defendeu sua ideologia de exaltar uma cultura própria da América do Sul e dos uruguaios, assim: Em Estructura Torres-García introduziu o conceito (...) de ‘nosso norte’ é o Sul. Ele estava tentando fazer os uruguaios conscientes de sua própria cultura, para que então eles pudesses se concentrar nisso e parar de agir como exilados culturais da Europa. Para ilustrar essa concepção, ele desenhou o mapa da América do Sul de cabeça para baixo assim a ponta da Patagônia apontaria para o norte (TORRES, 1992, p. 12, traduzido pela autora)2. Outro contexto desse livro tem importante destaque: o recente retorno de TorresGarcía ao Uruguai, após viver grande parte de sua adolescência e vida adulta na Espanha, país de seu pai. Na década de 1920, o artista também morou em Nova Iorque, e depois em Paris, impulsionado pelo contato com esses centros mundiais das artes. Já na década de 1930, Torres-García retorna ao Uruguai com ideias de desenvolver o potencial artístico uruguaio, de modo a igualar aos grandes movimentos artísticos do mundo. Para ele, Montevideo oferecia contexto isolado e independente dos grandes centros de arte da Europa e suas influências, uma espécie de folha em branco. Figura 1. Joaquín Torres-Garcia, Mapa Invertido da América do Sul, 1936. Disponível em: < 2 “In Estructura Torres-García introduced the concept (...) that ‘our North’ is the South. He was trying to make the Uruguayans consciuous of their own culture, so that they would concentrate on it and stop behaving like cultural exiles from Europe. To illustrate this concept, He Drew the map of South America upside down so that the southern tipo f Patagonia points to the North” (TORRES, 1992, p.12). http://www.imageandnarrative.be/inarchive/painting/images/rommens03.jpg >. Acesso em: 03 de janeiro de 2014. . Esse cenário contextualiza muitas das ideias e convicções desse artista e sua obra, das quais veremos mais adiante ao esmiuçar os elementos componentes de seus mapas artísticos. Nesse momento, frisamos apenas aquela de entendimento mais importante no presente artigo: a valorização de um movimento artístico que fosse originalmente sul-americano, centrados em temas e problemas que não se ligam a Europa. O que Torres-García visionava era uma nova arte para a América, que envolvesse desde arquitetura até o artesanato. Entretanto não pretendia ser um movimento isolacionista ou preciosista que não aceita qualquer influência externa, admitia-se os princípios básicos do construtivismo artístico europeu e outros princípios, mas que servissem como ensinamentos e não cópias. Isso porque a essência da obra deveria incorporar motivos americanos, até mesmo indígenas, e denunciar os problemas próprios das Américas. É justamente na ampliação desse contexto que se encontra a segunda e mais famosa versão do Mapa Invertido da América do Sul, de 1943 (figura 2), feita para inaugurar as atividades da Escola do Sul: El Taller Torres-García (TTG), no mesmo ano. Assim, após algumas ações artísticas que não tiveram o esperado sucesso de crítica, Torres-García teve reconhecido sucesso por jovens uruguaios interessados em arte, que passaram a procurá-lo em busca de maiores conhecimentos e amadurecimentos da ideia de uma arte expressiva nacional, fator que fez surgir a TTG. Figura 2. Joaquín Torres-García, Mapa Invertido da América do Sul, 1943. Disponível em: < http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.150/4507/pt >. Acesso em: 03 de janeiro de 2014. Os dois mapas tem cenários de elaboração parecidos, isso porque as ideologias que impulsionaram tais imagens permanecem: reorientar o Uruguai, e a América, para longe da Europa e em direção a valores e ideais locais (JOLLY, 2011). A diferença entre os dois estão em alguns elementos escolhidos na composição de cada imagem. Na primeira versão, de 1935, existem mais apropriações de elementos cartográficos, como o sistema de gradeado de latitudes e longitudes, as linhas imaginárias dos trópicos, o nome dos oceanos que limitam o continente americano, e até mesmo o sentido de rotação da terra. Já na segunda versão, de 1943, o mapa artístico perde certos elementos cartográficos e ganha elementos simbólicos, como o peixe e o barco. O próprio contorno do continente americano não precisa mais estar preso ao gradeado latitudinal e longitudinal dos mapas convencionais, adquirindo também caráter de símbolo, reconhecível por sua silhueta. De fato, essa era uma das características mais marcantes do estilo de TorresGarcía, como nos define Jolly (2011): Ele abstraia símbolos em linhas básicas de desenho, acreditando que tais formas simples poderiam ser primarias e assim universalmente entendidas, e então ele as construía em suas grades, criando um sistema de relações simbólicas fortemente estruturadas (op. cit, 2011, p.200. Traduzido pela autora) 3. As muitas viagens de Torres-García lhe renderam uma mistura de influências, que passam pelo classicismo no início da década de 1910, já em Barcelona, até o cubismo e o fauvismo. Os princípios geométricos e as formas concretas de suas obras tem relação com o cubismo, enquanto as estruturas purificadas relacionam-se com o neoplasticismo, e as referencias ao subconsciente são relacionadas ao surrealismo. O que resultou em um estilo de muita contribuição para a arte moderna, que ele chamava universalismo construtivo (TORRES, 1992). O estilo simplificado das formas simbólicas, e a qualidade rústica do desenho despertam a ideia de atemporalidade e de construção artesanal. A América do Sul é apenas um contorno, que só possui um referencial cartográfico: a Linha do Equador. A precisão está na localização de Montevideo destaca pelas coordenada, que auxiliam a chegada do barco. Este se relaciona com uma das características que Torres-García considerava representativa de sua cidade: seu movimentado porto, localizado em um incomum rio de grandeza oceânica, o Rio Del Plata. Onde agora, os barcos que partem de lá para Europa estarão indo para baixo, e não mais para cima, como anteriormente. O sol e a lua, presentes em diversas de suas obras, são símbolos da unidade da vida, já que é uma referência para todas as pessoas, e também é uma alusão aos indígenas americanos e sua fé na cultura do sol (TORRES, 1992). O peixe substitui o referencial ao oceano, cujos nomes não aparecem mais como no primeiro mapa, assim, colocado como símbolo possibilita novas e amplas interpretações, que atentam mais para a importância dos oceanos para os países da América. Para o artista, o símbolo era um modo de sintetizar uma ideia e uma forma; enquanto o mapa, como qualquer arte universalista construtiva, é uma série de símbolos estruturando a realidade. Essa realidade evocada pelas padronizações e cientificidade do mapa é justamente o que é colocado em questionamento pela obra de Torres-García. As metrópoles europeias se esforçavam na divulgação de um mapa-mundi síntese da suposta realidade do planeta, onde as projeções e elementos cartográficos beneficiavam o posicionamento central e superior da Europa (HARLEY, 2009). Já esse mapa artístico colocava que a ponta da América do Sul decisivamente apontaria para o alto, clamando por uma posição dominante no mapa. 3 “He abstracted symbols into basic line drawing, believing that such simplified forms would be primal and thus universally understood, and then he built them into his grids, creating a system of formally structured symbolic relantionships” (JULLY, 2011, p. 200). Destarte, esse mapa invertido tem um discurso muito forte e expressivo, porém muito claro através de suas imagens. A inversão de orientação de uma imagem que estamos tão habituados pela repetição, causa um grande impacto por acreditamos estar errada, ou “ao contrário”. Porém logo percebemos as intencionalidades dessa inversão, e passamos a compreender, mesmo que minimamente, o discurso que ela propõe: uma nova visão de mundo, onde a América do Sul não é mais posta em posição inferior. Assim, nas palavras de Torres-García: Isso é porque nós agora viramos o mapa de cabeça para baixo, e agora nós sabemos qual é nossa real posição, e não é como o resto do mundo gostaria que estivéssemos. De agora em diante, O alongamento da ponta da América do Sul irá apontar insistentemente para o Sul, nosso Norte. Nossa bússola também, ela vai inclinar irremediavelmente e para sempre na direção do Sul, da direção do nosso polo (TORRES-GARCÍA, 1992, p.53. Traduzido pela autora). O MAPA E A ARTE Ao abordamos a relação entre cartografia e arte, existem dois enfoques principais e diferenciados. Primeiro, o contexto da história da arte, que foca nos elementos artísticos dos mapas pré-modernos e constrói uma visão evolutiva do mapa que parte da arte para a ciência, sendo, portanto, uma abordagem acrítica e mais aceita pela cartografia científica. O que difere do segundo contexto, da geopolítica/cartografia crítica, focado em uma análise contextualizada dos mapas artísticos modernos e constrói questionamentos sobre os elementos científicos da cartografia, e que tem sido mais evitado e menos aprofundado. Em suma, (...) considerações sobre a relação entre arte e cartografia continuaram a focar largamente nos mapas pré-modernos, evitando um exame crítico da arte do século XX e cartografia científica e deixando intacta a impressão que estes seguem caminhos distintos no período moderno (COSGROVE, 2005, p.35. Traduzido pela autora)4. Nesse contexto, consideramos que o presente artigo contribui para os entendimentos da segunda abordagem, procurando ampliar as formas de se explorar a relação entre cartografia e arte. Isso porque, nos últimos anos é visível uma multiplicação de mapas artísticos, porém é difícil precisar o início dessa relação, visto que os mapas medievais europeus eram desenhados por artistas (REES, 1980). Entretanto, a limitação necessária para o presente artigo não nos permite nos alongar na narrativa de todo o processo de relações entre arte e cartografia, nem oriental, nem 4 “(...) considerations of the relationship between art and cartographu have continued to focus largely on pré-modern maps, avoiding critical examination of twentieth-century art and science in cartography and leaving intact the impression that these followed distinct paths in the modern period” (COSGROVE, 2005, p. 35). ocidental. No presente momento do texto, buscaremos destacar as intenções e consequências da recente, digamos, retomada do mapa pelas formas artísticas. Os mapas têm várias conexões com a arte, ambos utilizam-se de artefatos gráficos, ambos são comunicativos através de apelos estéticos. Entretanto, apesar das semelhanças, houve momentos de grande dicotomia nessa relação. Uma vez que, ao declarar-se neutro e científico foi necessário construir teorias e explicações que distanciassem o mapa de sua influência artística (HARLEY, 1989). A lógica evolutiva assumira esse papel: o mapa já teve relações com a arte nos seus primórdios prémodernos, mas teria “evoluído” para metodologias científicas, padronizadas e exatas (COSGROVE, 2005), trazidas pelo período do renascimento científico na Europa. É justamente nesse contexto que se estabelece a cartografia moderna, onde a aplicação da ciência é exaltada como modo de atingir representações cada vez mais precisas da realidade. Os sistemas de coordenadas, as diversas formas de escala e as medições precisas são elementos que serviam não apenas para atingir uma objetividade e exatidão cartográfica, mas também a repetição deles possui uma carga ideológica em provocar uma cientificidade neutra e objetiva. Tais elementos passam a definir o próprio mapa e identificá-lo como adequado e verossímil. Destarte: Os métodos da cartografia disponibilizaram um ‘verdadeiro, provável, progressivo e confirmado conhecimento’. Essa servidão mimética levou a tendência não apenas de inferiorizar os mapas do passado (com um chauvismo científico demasiado), mas também de considerar os mapas das culturas não-ocidentais ou primitivas (onde as regras de mapear era diferentes) como inferiores aos mapas europeus (HARLEY, 1989, p. 4. Traduzido pela autora)5 . Assim, para se afirmar científica, a cartografia dispensou a arte e a subjetividade, como também dispensou as ideologias e propagandas que marcaram os mapas durante a guerra, promovendo uma espécie de neutralidade política (CRAMPTON, 2010). Para atingir tal neutralidade, a cartografia foi incorporando cada vez mais técnicas e normas, que transformaram a linguagem cartográfica em objeto de especialistas. As palavras de ordem da cartografia científica, a fim de negar a arte e as ideologias eram: uniformidade, neutralidade e objetividade. Com essa trilogia os mapas alcançariam a confiabilidade que necessitavam para afirmar que seu conteúdo era o mundo como ele é. Portanto, 5 “The methods of catography have delivered a ‘true, probable, progressive or highly confirmed knowledge.’ This mimetic bondage hás led to a tendency not only to look down on the maps of the past (with a dismisseve scientific chauvinism) but also to regard the maps of other non-Western or early cultures (where the rules of mapmaking were different) as inferior to European maps” (HARVEY, 1989, p. 4). Essencial para essa aparência é a uniformidade medida e mecânica, uma abordagem relacionada a cada sinal, que exala desprendimento e imparcialidade, e então neutralidade, e por fim, objetividade. Essa uniformidade reduz o numero de elementos de potencial expressividade, e é responsável pela característica de formalidade na maioria dos mapas (WOOD, 2006, p. 8. Traduzido pela autora)6. É nesse contexto que Denis Wood (2010), chama atenção para o que ele chama de “máscara” que todo o mapa usa, que nada mais são que o conjunto de elementos cartográficos constituído a partir de normas, com o objetivo de promover essa neutralidade e objetividade do mapa, dentre os quais: regras, declinações magnéticas, escalas em múltiplas formas, gradeado de coordenadas, diagramas, entre outros. Assim: Eu conclui que foi através do código representacional ‘que a máscara essencial é vestida, onde o mapa declara sua imparcialidade, neutralidade e objetividade’. Ou seja, foi com o código representacional que o mapa insistiu em ser aceito não como um discurso sobre o mundo (que poderia ser aberto a uma discussão, ou debate) mas como o mundo em si mesmo (sobre o que não podemos fazer nada, sobre o que podemos apenas aceitar), isso quer dizer, um mito (WOOD, 2007, p. 6. Traduzido pela autora. Grifo no original.)7. Portanto, os mapas artísticos adquirem ampla relevância justamente por denunciar essa máscara que foi, ao longo dos anos, sendo incorporada como natural na nossa leitura de mapas. Quando o artista retira elementos da autoridade cartográfica do mapa e os coloca em novos contextos artísticos ele revela a construção e algumas intenções desses elementos. Os mapas artísticos questionam a objetividade do mapa, reconfigurando suas formas e denunciando suas cargas ideológicas. É justamente com esse olhar que compreendemos as contribuições da obra Mapa Invertido da América do Sul, de Joaquín Torres-García. Esse mapa artístico, ao inverter o sentido do desenho da América do Sul, questiona uma das concepções mais enraizadas pelas repetidas padronizações dos mapas, a da fixação do Norte e do Sul como pontos naturais e objetivos. Em outras palavras, a configuração do mapa-múndi 6 “Essential to such na appearance is a measured and mechanical uniformity, an evenhanded approach to every sign, one that exudes detachment and impartiality, and so neutrality, and so finally objectivity. This uniformity reduces the number os potential expressive elements to a handful, and is responsible for the characteristic formality of most maps” (WOOD, 2006, p. 8). 7 “I conclued that it was through the presentational code ‘that the essential mask is donned, here that the map declares its impartiality, its neutrality, its objetivity.’ That is, it was with the presentional code that the map insisted on being accepted not as a discourse about the world itself (which would be open to discussion, or a fight) but as the world itself (about which we could do nothing, which we could only accept), this is to say, as myth” (WOOD, 2007, p.6). foi de tal forma reproduzida e difundida que adquiriu não apenas viés de verdade, mas como também auxiliou na incorporação de sentidos a tais pontos cardeais, onde o norte estaria “em cima”, portanto, superior; e o sul estaria “em baixo”, portanto, inferior. Nesse contexto, torna-se mister ressaltar a participação da projeção Mercator nessa conferencia de sentidos aos hemisférios. Temos claro que os propósitos e contextos da elaboração da projeção Mercator muito influenciaram em suas características. Portanto, o cartógrafo e matemático holandês Gerardus Mercator elaborou tal projeção cartográfica em 1569 (SEEMAN, 2003), objetivando auxiliar nas navegações marítimas europeias. Para tal, seu mapa beneficiava as distâncias dos mares, e acaba por distorcer as áreas das altas latitudes. O que era uma ajuda de navegação para os capitães do Renascimento tornou-se uma representação ideologizada do mundo. Embora seja uma projeção pobre para um mapa-múndi, a sua malha de coordenadas retangular atraiu inúmeras editoras geograficamente analfabetas que acharam sua forma geométrica bastante conveniente para atlas, mapas murais e ilustrações em livros, artigos e jornais, tornando-se a projeçãopadrão no mapa mental de muitas pessoas. (SEEMAN, 2003, p. 13). É preciso, portanto, considerar o contexto de produção dessa projeção que foi forjada no período colonial, comandado pela Europa. Assim, as precisões dessa projeção serviam, claramente, às grandes navegações, mas suas consequentes distorções também tiveram destaca serventia. Isso porque o discurso colonial daquele tempo encontrava respaldo na projeção Mercator que posiciona a Europa no centro do mundo, assim como aumenta as áreas ocupadas pelos principais países do hemisfério Norte. Em suma, o fato é que os ‘Estados colonialistas brancos’ apareciam relativamente maiores sobre o mapa do que aqueles que eram à época apenas ‘as colônias’ habitadas por povos de cor representadas ‘muito pequenas’, nos convida a ver no mapa uma profecia geográfica (HARLEY, 2009, p.12). Cabe, nesse momento, a ressalva que não estamos atribuindo a culpa de todas as desigualdades econômicas entre os países à Mercator. Concordamos que o contexto de sua produção deve ser levado em conta para compreender suas diretrizes. Entretanto, a divulgação e proliferação dessa projeção, muitas vezes, não são acompanhadas de seu contexto explicativo, pelo contrário, são apresentadas como coerente, predominante e, portanto, verdadeira. Assim sendo, nossa principal referencia sobre o mapa do mundo ainda data do período colonial, até os dias de hoje. Por mais que esse contexto já tenha sido superado, é ainda mais difícil reverter a internalização dos valores e formas de conhecer o mundo, do que os prejuízos físicos dos regimes coloniais (SHARP, 2009). Assim sendo, por mais que o contexto colonial não tenha sido formado apenas pela cartografia, mas por várias esferas, desde a econômica até a cultural, a cartografia ajudou a alimentar uma geografia imaginativa que passou a descrever o mundo para as pessoas. Diante do exposto, fica claro que ao aceitarmos o mapa artístico como elemento questionador e crítico sobre a cartografia tradicional, o Mapa Invertido da América do Sul coloca em debate justamente as convenções cartográficas que foram naturalizadas, ao longo do tempo como imagens verossímeis do mundo como ele é. Mais especificamente, essa obra induz a reflexão sobre os valores atribuídos aos países conforme sua posição cartográfica no sistema mundo, onde os países do hemisfério Sul não mais seriam inferiorizados, já que o posicionamento Norte ou Sul é apenas uma questão de padronização, instituída no período colonial e pelas potências europeias. CONCLUSÃO No presente artigo, tomamos como objeto de estudo um mapa artístico que acreditamos ter ampla importância devido a sua difusão e aos discursos associados. Acreditamos, ainda, que a geografia tem muito a contribuir com esse movimento, pois participa tanto do debate sobre a história da cartografia, como também dos discursos geopolíticos levantados pelos mapas artísticos. Destarte, um dos nossos intuitos foi contribuir para o adensamento dessa discussão sobre a relação entre cartografia e arte pela geografia. O mapa esmiuçado no presente artigo não participa do conjunto de mapas artísticos mais recentes que tem proliferado e chamado atenção dos geógrafos para esse campo. Por outro lado, trata-se de um dos mais pioneiros mapas artísticos e que continua a ser reproduzido em várias esferas (revistas, capas, livros, chaveiros, camisas). Assim, tanto os mapas artísticos pioneiros, como os mais recentes, possuem contribuições semelhantes, tais quais: a) estimular novas propostas sobre a representação do mundo; b) conscientizar sobre os discursos culturais e ideológicos presentes em todos os mapas, inclusive os institucionais; c) ampliar as formas de análise das artes para os mapas, como considerá-lo como um texto, um conjunto de símbolos, ou ícones; e d) colocar em debate a neutralidade e a autoridade dos mapas. Nesse sentido, os mapas artísticos e a cartografia crítica adquiriram a tarefa de questionar as convenções cartográficas e conscientizar como elas participaram do conjunto de ideais do período colonial. De fato, são várias as teorias póscoloniais que analisam diferentes campos, com o objetivo de elucidar os mecanismos de dominação do período colonial que se mantém até os dias aturais. As convenções cartográficas são uma delas, porque não são neutras como sua normatização faz parecer ser, são ideológicas, por serem construções sociais. E é justamente nesse sentido que o Mapa Invertido da América do Sul contribui: Sua abordagem a arte, o mapeamento, nos lembra que nossa relação com o lugar, e o espaço, é uma construção intelectual. Numa era onde a geografia era destino, Torres-García abraçou a utopia de artista de vanguarda para reconstruir essa relação manipulando a ordem simbólica que nós vemos aceitando como dado. Mapa invertido tem o potencial de reordenar a hierarquia das trocas políticas, econômicas e culturais que estruturam nosso mundo – se nós aceitarmos a nova ordem utópica dele (JOLLY, 2011, p. 21). BIBLIOGRAFIA CRAMPTON, Jeremy. A critical introduction to cartography and GIS. University od Arizona, 2010. COSGROVE, Denis. Maps, Mapping, Modernity: Art and Carography in the Twentieth Century. In: Imago Mundi. Vol. 57, part 1, p. 35-34. 2005. HARLEY, Brian. 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