Resenha
O mundo de cabeça para baixo
Brasilianista mostra como a vinda de dom João VI
ao Brasil revirou o sistema colonial
CARLOS HAAG
i
PATRICK WILCKEN
IMPÉRIO
A DERIVA
11 mundo estava de
I ponta-cabeça.
' Dois anos antes
de o Brasil se declarar independente de
Portugal, uma revolução no Porto pregava a
necessidade de Portugal ficar independente
do Brasil. "A idéia de
ser reduzida a um status de colônia afeta todos os
cidadãos que conservam um sentimento de dignidade nacional", afirmava, em 1820, o Manifesto da
Nação Portuguesa aos Soberanos e Povos da Europa. O paradoxo de um movimento anticolonial
em pleno solo europeu era o resultado final de
uma troca de valores iniciada com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, fugida das tropas
de Napoleão. "Nunca antes a realeza européia tinha colocado os pés em suas colônias, ficando insuladas da fonte de sua riqueza e prestígio. Apenas
no século 20 é que reis e rainhas passaram a circular por seus impérios, ainda assim, para reafirmar
o abismo entre colônia e metrópole. Logo, a experiência da corte portuguesa no Brasil foi única e
sem precedentes", analisa Patrick Wilcken em seu
relato dos 13 anos que a realeza lusa passou no Rio.
Por um paradoxo espantoso, a metrópole se
viu reduzida à "colônia da colônia": o Império estava à deriva, indicando tanto o movimento do
poder, deslocado para o Rio de Janeiro, quanto o
ápice da decadência portuguesa, que já ameaçava Lisboa bem antes dos franceses. Afinal, já em
1800, um conselheiro de dom João VI avisara o
monarca de que, em breve, Portugal se transformaria numa província da Espanha, e "a única forma de defender a independência da Coroa é criar
um grande império no Brasil". Em 1805, também
antes de Bonaparte, os ingleses defendiam a mudança real para o Rio, uma manobra política que
pretendia eliminar a intermediação lusitana nos
negócios britânicos. A chegada dos franceses, então, apenas adiantou um movimento que se colocava havia décadas para o soberano indeciso, que,
em 1808, se viu no fogo cruzado entre a entrada
das tropas de Junot em seu país e a ameaça de
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PORTUGUKSA
Império à deriva:
a Corte portuguesa
no Rio de Janeiro,
1808-1821
Lord Strangford de bombardear Lisboa se não fugisse para o Brasil.
Apesar de planejada
meses
antes, a saída da
Patrick Wilcken
Corte foi patética. Na pressa, as caixas com a biblioteca real ficaram esqueciEditora Objetiva
328 páginas
das no porto. Na chegada
R$ 34,90
à colônia, novos sustos.
Uma coisa era ter escravos num lugar remoto da
América, outra era conviver com eles. A escravidão já não existia em Portugal desde 1761, mas, por aqui, chegavam, a cada
ano, 20 mil negros. A Corte apavorou-se com a
idéia de manter as instituições imperiais numa
cidade dominada por cativos, alguns dos quais,
para surpresa geral, usavam jóias, cartola e cheiravam rape.
Que lugar era aquele? O medo fez a Corte mais
generosa com os negros e há relatos do rei e de
Carlota Joaquina libertando escravos em plena
rua, durante seus passeios. O monarca igualmente
foi gentil com seu protetor (quase carcereiro) britânico e, cumprindo promessa feita antes de deixar
a Europa, abriu os portos para as "nações amigas".
Anos depois, com a expulsão dos franceses,
uma campanha que custou a vida de 250 mil lusitanos, era hora de dom João voltar, mas o robusto soberano, temeroso da situação instável em
seu país, ficou no Rio. A imobilidade real foi assunto até no Congresso de Viena, onde Tayllerand sugeriu que o impasse seria solucionado se
o Brasil fosse elevado à condição de Reino Unido,
com Portugal e Algarve. Assim se fez e a colônia
ficou em igualdade com a metrópole. Nisso, a diferença marcante entre os movimentos de independência das colônias espanholas, todos violentos, e a pacífica transição ocorrida por aqui. Com
a vinda da família real, a equação colonial se invertera e a pressão por liberdade foi sendo distendida. Afinal, em 1808, éramos uma nação emancipada; em 1820, a própria metrópole queria
independência do Brasil; 1822 só ocorreu porque a experiência de o Brasil funcionar como
centro do Império falhou. Não precisávamos
mais de Portugal. O mundo voltava, aos poucos,
ao seu prumo. Ao menos por uns tempos.
Caetana diz não: histórias
de mulheres da sociedade
escravista brasileira
Sandra Graham
Companhia das Letras
289 páginas, R$ 48,00
Um olhar histórico no microcosmo
da escravidão, a partir de eventos reais
ocorridos com mulheres cativas que enfrentaram, direta
ou indiretamente, o sistema. A Caetana que dá título ao
livro foi uma escrava que se recusou a consumar o seu
casamento, arranjado contra sua vontade, com outro
escravo, por ordem de seu senhor. As outras mulheres
mostram como funcionava o universo patriarcal.
Companhia das Letras (11) 3707-3500
www.companhiadasletras.com.br
Memória e história
MEMÓRIA
E
HISTÓRIA
BORIS
Boris Fausto
Graal
261 páginas, R$ 39,00
Um dos nossos maiores historiadores,
Boris Fausto ganhou uma merecida
coletânea de seus textos mais recentes,
publicados em jornais e revistas.
Dividido em quatro partes (América
Latina: semelhanças e estranhamentos; História,
interpretações e idéias; Temas brasileiros; Cenas da
Microhistória), traz o pensamento preciso do
pesquisador, livre para discorrer sobre temas os mais
diversos com seu estilo seco e intenso.
Graal/Paz e Terra (11) 3337-8399
www.pazeterra.com.br
Novos horizontes no estudo
da linguagem e da mente
A real história do real:
uma radiografia da moeda
gue mudou o Brasil
Noam Chomsky
Editora da Unesp
364 páginas, R$ 42,00
Maria Clara do Prado
Editora Record
573 páginas, R$ 49,90
O polêmico Chomsky está de volta ao
seu campo de estudo inicial, após anos
falando sobre tudo, a lingüística. Nesse
livro, ele retoma idéias dos anos 1960 sobre a origem da
revolução cognitiva, afirmando a linguagem como um
objeto biológico que deve ser analisado com os métodos
das ciências naturais. Aprofundando os conceitos,
Chomsky os discute de forma histórica, aponta para
novos caminhos de como alcançar o conhecimento.
Colunista do jornal Valor, a jornalista
Maria Clara do Prado usou todo o seu
conhecimento prático ao cobrir a consolidação da nova
moeda e juntou a ele uma pesquisa densa, realizando
uma história ao mesmo tempo fascinante e precisa dos
bastidores, do comportamento dos protagonistas, enfim
de tudo o que levou à estabilização monetária do Brasil
com a implementação do Plano Real.
Editora da Unesp (11) 3242-7171
www.editoraunesp.com.br
Editora Record (21) 2585-2000
www.editorarecord.com.br
O pensamento católico
no Brasil
0 imaginário trabalhista:
getulismo, PTB e cultura
política popular 1945-1964
Antônio Carlos Villaça
Editora Civilização Brasileira
336 páginas, R$ 42,90
Jorge Ferreira
Editora Civilização Brasileira
390 páginas, R$ 45,90
Reedição de um clássico publicado
originalmente em 1975, o estudo
de Villaça historiciza o catolicismo
brasileiro, datando a sua evolução e demonstrando sua
conexão com o próprio desenvolvimento do país. Dos
tempos coloniais aos atuais, o autor apresenta todos
os estágios dessa fé no Brasil e as figuras que foram
responsáveis pela sua manutenção por tantos séculos.
Para aqueles em que a menção do PTB
só traz à cabeça os escândalos recentes
do mensalão, esse estudo de Jorge Ferreira. Analisando
o período compreendido entre 1945 e 1964, quando
o golpe militar colocou fim ao regime democrático,
o livro mostra como o getulismo deitou raízes fortes e
profundas no imaginário popular e na relação delicada
das trabalhadores com o Estado e com o capitalismo.
Editora Record (21) 2585-2000
www.editorarecord.com.br
Editora Record (21) 2585-2000
www.editorarecord.com.br
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